SEGURO E O SISTEMA TORT NA SOCIEDADE ANGOLANA



Angola: Crescimento do Mercado Segurador, Legislacao e o sistema Tort (I)*

Recentemente um amigo jornalista angolano pediu-me para escrever uma serie de artigos de opiniao sobre seguros, gestao de riscos e toda a “parafernalia” de estudo relacionada com estas materias. A razao seria, segundo este respeitavel jornalista, o surgimento de varias companhias de seguros no mercado angolano.

Sendo um “freshman” saido a pouco mais de 7 meses de um instituto superior onde estudei seguros e alguns meses numa universidade a frequentar gestao de riscos, vou a seguir desenvolver o tema em titulo com um pendor mais academico do que propriamente de uma experiencia profissional devido ao facto de ainda encontrar-me desnaturado em relacao a Angola em funcao de uma ausencia demorada.

Pois aqui vai;

E provavel que a maioria das pessoas pensem que o seguro e uma actividade comercial inventada pelas sociedades modernas. mas nao o e, na medida em que ja o Codigo de Hamurabi estabelecia alguns principios legais que foram os precursores daquilo a que chamamos hoje de responsabilidade civil e o sistema tort.

Este conjunto de leis da antiga Mesopotamia estabelecia, por exemplo, que:” se uma casa mal construida causa a morte de um filho do dono da casa, entao o filho do construtor seria condenado a morte”. Este articulado da seccao 230 do Codigo de Hamurabi e mais um dos associados ao sistema tort e responsabilidade civil em vigor no Canada e nos Estados Unidos da America.

Existem actualmente no mercado angolano tres companhias de seguros em pleno funcionamento e a probabilidade deste numero aumentar de acordo com as informacoes mais optimistas das autoridades angolanas e a de que ate ao fim deste ano o pais podera ter oito empresas seguradoras.

Aparentemente, oito empresas de seguros num universo de cerca de 14 milhoes de habitantes onde o sistema financeiro e economico e claramente debil e desmanchado da a sensacao da oferta ser superior a demanda. Mas nao e. Na minha opiniao, a legislacao esta muito mais atrasada em relacao ao proprio desenvolvimento da industria seguradora. Nesta materia, os legisladores angolanos enfermam do uso excessivo e recorrente da legislacao de outros paises, nomeadamente de Portugal e do Brasil que tem realidades sociais e economico-financeiras diferentes, o que de certo modo determina o conteudo da legislacao de cada pais. Um exemplo disso mesmo sao os actuais acordos existentes entre o Brasil e a LOMA Institute. Para alem da traducao do material academico do ingles para portugues, o acordo preve que se respeite a legislacao sobre os seguros brasileiros sem ferir outras leis.

As seguradoras angolanas concentram em si varios ramos do mesmo negocio configurando-se como um comportamento monopolista do mercado embora seja provavel que Angola nao possua uma legislacao anti-monopolio. As companhias providenciam uma carteira de produtos na area do seguro vida e nao vida, ao mesmo tempo sao resseguradoras, vendem productos na area da gestao de riscos, incluindo riscos financeiros. Ha claramente uma subtracao do espaco para o sistema de brokeragem e varios comportamentos nesta actividade que demonstram haver um serio conflito de interesses, na medida em que o maior volume de subscricao e feito pelas seguradoras ao mesmo tempo que sao elas a analisarem os riscos antes de determinar o “premium rate”.

A lei exige um minimo de capitalizacao social de $50,000. dolares para uma agencia colectiva de intermediacao, corretagem ou gestao de riscos, o que parece ser bastante penalizador para a iniciativa privada. Este “punch” legal facilita a entrada de agencias estrangeiras, nomeadamente portuguesas e brasileiras, financeiramente mais capazes. A prestacao de servico na area financeira por cidadaos ou entidades estrangeiras deveria estar enquadrada no principio de reciprocidade entre os paises intervenientes. A area seguradora e muito sensivel neste aspecto. Mas isto e tema para um outro forum.

Numa analise mais fria e ponderada, ser seguradora e resseguradora ao mesmo tempo resulta num claro conflito de interesses, apesar das justificacoes segundo as quais a cedencia de parte do risco para uma terceira companhia elimine tais conflitos. Existe uma heterodoxia ao nivel das companhias africanas que permite que elas se “desviem” da fiscalizacao financeira do governo atraves da criacao de empresas em paraisos fiscais.

No Canada, a maioria das “captive insurers” estao sedeadas em paraisos fiscais e sao uma especie de “auto-seguradoras” para as companhias que deram origem as mesmas e nalguns casos assumem riscos de industrias “outsiders”.

Ora, nao e este o caso das seguradoras-resseguradoras angolanas. Como reconheceu recentemente um especialista angolano em seguros, “Angola esta ainda muito atrasada em termos de legislacao de seguros”.

A existencia de dois objectos sociais dentro de um unico negocio que colidem mutuamente, no caso especifico seguro e resseguro, suscita algumas interrogacoes tecnicas; Quantas reservas (fundo determinado por lei) serao colocadas a parte em caso de sinistro e qual e o montante requerido para as seguradoras e resseguradoras. No caso da companhia ser uma seguradora e resseguradora, existe uma reserva unica?

Existe uma frase feita do foro politico-social muito comum em Angola que e a “distribuicao da riqueza nacional”. Nunca entendi esta frase do ponto de vista de que os rendimentos nacionais devem ser divididos de forma directa pelos 14 milhoes de habitantes do pais. Sempre que revisito a minha inteligencia interpreto esta frase como sendo a criacao de mais emprego atraves da desconcentracao do volume de negocios numa unica entidade neste caso particular.

E preciso perceber que a industria seguradora tem varias funcoes. Uma delas e a funcao social. Talvez a mais importante. A industria seguradora angolana pode criar milhares de empregos directos e indirectos, mas para isso e preciso redimensionar a legislacao e descontrair o volume de ofertas das seguradoras.

No caso em apreco, entendo que as seguradoras angolanas, salvo respeitadas excepcoes concentram varios negocios em si mesmas, um volume que eu considero anormal. Entendo que as perdas financeiras decorrentes da subscricao de riscos ou dos calculos actuariais (menos provavel) que as companhias seguradoras incorrem nao devem ser compensadas com a diversificacao de produtos de seguros. Esta estrategia que ate a alguns anos era seguida pelas grandes empresas canadianas e americanas esta a ser gradualmente afastada.

As perdas financeiras sao compensadas pelos investimentos que a companhia faz, por exemplo no sector imobiliario e em industrias com maiores probabilidades de criar lucros e com poucos riscos de serem afectadas pelas variacoes do mercado. A legislacao deveria obrigar que as companhias de seguros investissem em negocios eticamente aceitaveis.

Estes investimentos sao feitos com os premios ja vencidos de seguros e enquanto a apolice nao vencer, a companhia e responsavel pela gestao desta massa monetaria.

As companhias de seguro tambem e exigido o principio latin “Uberrima fides” ou em ingles “Utmost good faith”. Aos segurados tambem.”Uberrima Fides” e o principio basico em seguro segundo o qual todos os contratos de seguro requerem a revelacao de todos os factos relevantes que possam afectar a subscricao do risco.

A elementar percepcao academica que tenho sobre as ciencias actuariais adaptadas a realidade angolana permite-me sugerir que nos proximos anos se se mantiver os actuais indices de desenvolvimento economico e financeiro em Angola, as empresas seguradoras serao obrigadas a alienar parte da sua carteira de negocios, nomeadamente no ramo vida, onde se incluem os fundos de pensoes, e na area resseguradora.

O governo angolano poderia estudar a possibilidade de aprofundar e aclarar o funcionamento das sociedades de gestao de riscos, que para mim ainda encontra-se a funcionar em termos legais num ambiente pouco esclarecedor. Nao tendo contacto com alguma legislacao angolana que aclarasse o funcionamento das companhias gestoras de riscos, e-me impossivel aferir quaisquer juizos de valor neste dominio.

Mas o acidente rodoviario na cidade do Lubango durante os festejos do carnaval em 2005 e que vitimou mortalmente varias pessoas, as enxurradas no Uige, a ameaca da gripe das aves e outras catastrofes naturais e as provocadas pelo homem demonstra a ausencia de uma cultura sobre a necessidade da gestao dos riscos.

A criacao pelo conselho de ministros de uma comissao para gerir o dossier da gripe das aves e uma medida temporaria e requerida para casos do genero. Mas o governo pode fazer muito mais.

Enquanto estive em Luanda durante os ultimos tres meses do ano passado tive o privilegio de conversar com quatro gestores de empresas medias e grandes sobre a gestao de riscos, incluindo riscos financeiros. Os referidos gestores nao tinham uma nocao exacta sobre a importancia da gestao de riscos antes da nossa conversa. Depois da conversa mostraram uma necessidade premente de contratarem um consultor para fazer um estudo dos riscos que as suas empresas estao expostas.

A unica companhia seguradora angolana de que tenho conhecimento ter um servico especializado neste dominio e a AAA- Angola, Agora, Amanha. Conheco levemente a sua estrutura organica e ela oferece estes servicos. Podem existir mais agencias especializadas na gestao de riscos.

O seguro automovel, o produto que mais prejuizos financeiros provoca as companhias seguradoras canadianas e americanas e o fundo de garantia associados a “lei tort” serao topicos que desenvolverei na segunda parte desta serie de artigos de opiniao sobre o seguro em Angola. Esta serie de artigos nao esta fundamentada com base numa experiencia de trabalho em Angola.

*Joao de Almeida

Diploma em Seguros (Subscricao), Contabilidade e Administracao de Pagamentos, Gestao de Riscos.

dealmeida31@sympatico.ca

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download