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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DESTINADA A investigar o tráfico de pessoas no Brasil, suas causas, consequências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo. (CPI – TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL)

RELATÓRIO FINAL

Presidente Deputado Arnaldo Jordy

Relatora Deputada Flávia Morais

Brasília, 2014

SUMÁRIO

1. Da criação e composição da CPI................................................................06

2. Composição da Comissão..........................................................................12

3. Considerações gerais acerca do tráfico de pessoas...............................15

4. Legislação aplicada ao tráfico de pessoas...............................................30

5. Análise da legislação em vigor..................................................................38

6. Considerações acerca do 1º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas..........................................................................................55

7. Resumo dos principais itens do 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas..........................................................................................58

8. Cotejo entre os dois Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas............................................................................................................61

9. Importância da perícia criminal na apuração de crimes de tráfico de pessoas.............................................................................................................62

10. Relação entre o tráfico de seres humanos e a exploração de trabalho em condição análoga à de escravo................................................................67

11. As redes de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil.................................................................................................................82

11.1. Casos de exploração sexual e tráfico de pessoas no Estado de Goiás................................................................................................................82

11.2. Tráfico de pessoas no Estado do Pará................................................89

11.3. Tráfico de pessoas no Município de Oiapoque – AP....................................................................................................................113

11.4. Tráfico de pessoas em Itaquaquecetuba, no Estado de São Paulo...............................................................................................................121

11.5. Outros relatos de tráfico de seres humanos no Estado de São Paulo...............................................................................................................144

11.6. Tráfico de pessoas no Estado de Pernambuco.................................158

11.7. Tráfico de pessoas no Estado do Rio Grande do Sul.......................178

11.8. Tráfico de pessoas no Distrito Federal..............................................180

11.9. Tráfico de pessoas no Estado do Ceará............................................181

11.10. Tráfico de pessoas no Estado do Acre.............................................182

11.11. Tráfico de pessoas no Estado do Rio de Janeiro............................................................................................................183

12. Relatório parcial apresentado pela CPI.................................................185

13. Casos investigados pela CPI..................................................................208

13.1. Caso da ONG Limiar, intermediadora de adoções internacionais no Paraná............................................................................................................211

13.2. Caso de “crianças inadotáveis” no Estado do Paraná...................266

13.3. Caso das crianças de São João do Triunfo, no Estado do Paraná.............................................................................................................269

13.4. Caso de suspeita de exploração sexual de adolescente na praia de Itaparica em Vila Velha-ES............................................................................275

13.5. Tráfico de crianças em Belo Horizonte – MG....................................276

13.6. Caso de trabalho escravo em Belo Horizonte – MG.........................277

13.7. Caso da guarda da menor Fernanda Almeida Ramos em Mazagão – AP....................................................................................................................302

13.8. Caso das modelos Ludmila e Luana, enviadas para a Índia............306

13.9. Caso da modelo Monique Menezes da Silva, enviada para a Índia.................................................................................................................315

13.10. Caso dos operários da Usina de Jirau..............................................320

13.11. Caso da adoção de cinco crianças em Monte Santo – BA.............333

13.12. Tráfico de pessoas para Salamanca – Espanha..............................354

13.13. Caso dos adolescentes recrutados como jogadores de futebol pelo Sr. Reginaldo Pinheiro dos Anjos................................................................357

13.14. Caso da Sra. Telma Rodrigues dos Nascimento.............................360

13.15. Caso da menor Fernanda Ellen Miranda Cabral de Oliveira, desaparecida em João Pessoa.....................................................................363

13.16. Caso das garotas do Pantanal – MS.................................................369

13.17. Caso Cirlene Aeschbacher................................................................370

13.18. Caso São Pedro da Aldeia.................................................................371

13.19. Caso Fernando Marinho de Melo - Oficial Superior de Máquinas da Marinha Mercante, condenado pelo sequestro de Larissa Santos, de 12 anos, e investigado em outros dezessete casos de desaparecimento de menores..........................................................................................................373

13.20. O caso Ségio Leonardo, no Estado do Tocantins...........................405

13.21. Sequestro de bebê em Cuiabá, no Estado de Mato Grosso............................................................................................................416

13.22. O Caso do site Garota Copa 2014, no Estado do Mato Grosso............................................................................................................422

13.23. O caso Lourisvaldo, no Estado de São Paulo..................................423

13.24. O caso Lindsay...................................................................................425

13.25. O caso da Portuguesa Santista.........................................................445

13.26. Caso Delivery, no Estado do Acre....................................................446

13.27. Caso Charlotte Merryl, no Estado de São Paulo..............................450

13.28.O caso Itquaquecetuba, no Estado de São Paulo...............................................................................................................464

13.29. Outras audiências realizadas pela Comissão..................................474

14.Audiência pública realizada em 13/08/2013, para debater a regulamentação das atividades dos profissionais do sexo......................475

15. Indiciamentos feitos pela Comissão......................................................484

16. Encaminhamentos feitos pela Comissão..............................................486

17.Conclusão.................................................................................................489

1.DA CRIAÇÃO E COMPOSIÇÃO DA CPI

Criada por Ato da Presidência da Câmara dos Deputados, de 09 de fevereiro de 2012, e constituída em 28 de março de 2012, esta CPI decorreu de Requerimento formulado pelo Deputado Arnaldo Jordy e outros, com a finalidade a investigação do tráfico de pessoas no Brasil, suas causas, consequências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo, cujo teor transcrevemos:

“REQUERIMENTO Nº , DE 2011.

(Do Sr. Arnaldo Jordy e outros )

Requer a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar O TRÁFICO DE PESSOAS no Brasil, suas causas, conseqüências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo.

Excelentíssimo Senhor Presidente:

Requeremos a Vossa Excelência, nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição Federal – CF,c/c os arts. 35, 36 e 37, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – RICD, a instituição deComissão Parlamentar de Inquérito – CPI, para investigar o TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL, suas causas, consequências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo.

A Comissão será composta por 23 membros e igual número de suplentes, e terá o prazo de 120 dias, prorrogável por até metade.

Os recursos financeiros e administrativos e o assessoramento necessários ao funcionamento desta Comissão serão providos por recursos orçamentários da Câmara dos Deputados.

JUSTIFICATIVA

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, é o principal instrumento global de combate ao crime internacional.

A Convenção é complementada pelos protocolos que abordam áreas específicas: Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas; Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e Contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo.

Os Estados Membros que ratificaram este instrumento se comprometem a adotar uma série de medidas contra o crime organizado transnacional, incluindo a tipificação criminal na legislação nacional de atos como a participação em grupos criminosos organizados, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça. A convenção também prevê que os governos adotem medidas para facilitar processos de extradição, assistência legal mútua e cooperação policial.

Para a Organização das Nações Unidas – ONU, o número de pessoas traficadas no planeta atinge a casa dos quatro milhões anuais. Em meio a essas denúncias, veio à tona uma realidade espantosa: o Brasil é um dos países campeões no mundo em relação ao fornecimento de seres humanos para o tráfico internacional.

O tráfico de pessoas tomou visibilidade no contexto brasileiro e foi considerado um problema de governo no Brasil após divulgação dos resultados de Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (PESTRAF), encomendada pela Organização dos Estados Americanos – OEA. Tal pesquisa evidenciou a ocorrência e a gravidade desse problema em todo o território brasileiro, apontando a existência de mais de 240 rotas de tráfico interno e internacional de crianças, adolescentes e mulheres brasileiras. Merece destaque também os trabalhos conduzidos pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, do Congresso Nacional, instituída em 2003, com o propósito de investigar as situações de violência e as redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.

O Estado de Goiás lidera o ranking nacional de tráfico de pessoas com 18,6% dos casos na última década, mesmo com uma população sete vezes menor que a de São Paulo, que vem em segundo lugar com 12,8% dos casos.

O Grupo de Pesquisa sobre Tráfico de Pessoas, Violência e Exploração Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescente – Violes, da Universidade de Brasília – UNB, apontou em 2010, foco de tráfico de pessoas em 930 cidades brasileiras tendo como os principais destinos Portugal, Itália, Suíça e Espanha, para a exploração sexual, tráfico de drogas, trabalho escravo, venda de crianças e de órgãos. Além desses países, tem sido mais comum o tráfico para os países de língua portuguesa e os de fronteira com o Brasil.

O Brasil também é receptor de pessoas traficadas, as vitimas são submetidas principalmente ao trabalho escravo em industrias clandestinas nos grandes centros, vindas principalmente dos países bolivarianos, africanos e asiáticos.

Apontado como uma das atividades criminosas mais lucrativas do mundo, o tráfico de pessoas faz cerca de 2,5 milhões de vítimas, movimentando, aproximadamente, 32 bilhões de dólares por ano, segundo dados da ONU sobre Drogas e Crimes – UNODC. Atualmente, esse crime está relacionado a outras práticas criminosas e de violações aos direitos humanos, servindo, não apenas à exploração de mão-de-obra escrava, mas também a redes internacionais de exploração sexual comercial, muitas vezes ligadas a roteiros de turismo sexual, e a quadrilhas transnacionais especializadas em remoção de órgãos.

Estimativas do UNODC indicam que a exploração sexual é a forma de tráfico de pessoas com maior frequência (79%), seguida do trabalho forçado (18%), atingindo, especialmente, crianças, adolescentes e mulheres. O fato é que o tráfico de pessoas não é um problema só dos países de origem das vítimas, mas também dos de trânsito e de destino, que devem coibir, principalmente, o consumo de produtos deste crime.

Destaca-se ainda que em casos investigados, as mulheres formam a maioria das vítimas. Isso ocorre, principalmente, pela intensa atuação das redes internacionais de prostituição no Brasil. A maioria tem entre 18 e 21 anos, com pouco estudo, e os critérios para escolha das vítimas são desinibição, porte físico, dotes artísticos e cor da pele.

Esta Casa, na legislatura passada já instaurou CPI para analisar as causas do Desaparecimento de Crianças e Adolescente. Nosso objetivo é não especificar e particularizar as investigações, mas sim amplia-la, no sentido de aprofundar e analisar desde o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou acolhimento de pessoas, as redes formadas, bem como as formas de combate e a estruturação de políticas públicas. Quando se utilizar desde a ameaça ou uso da força até a coação, ao rapto, a fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou a situação de vulnerabilidade ou a entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração, pois é isto que define claramente o tráfico de pessoas.

São várias as recentes manchetes recente de Jornais do país inteiro:

“POLÍCIA DESCOBRE ESQUEMA DE TRÁFICO DE TRAVESTIS EM SP”

Na quarta-feira, 02 de fevereiro, próximo passado a Policia Civil de São Paulo desmantelou uma rede de tráfico de pessoas para exploração sexual. Por acaso, quando procuravam um jovem desaparecido, a polícia encontrou duas pensões que abrigavam mais de 70 travestis, entre eles, seis adolescentes. A maioria das supostas vítimas de tráfico sexual é proveniente da região Norte do País.

“PARAENSE 'ESCRAVA DO SEXO' É RESGATADA” (Diário do Pará)

“TRAVESTIS PARAENSES LEVADOS PARA SE PROSTITUIR EM SÃO PAULO”

O Diário do Pará teve acesso ao apelo dramático de uma mãe residente na Região Metropolitana de Belém, para que os órgão responsáveis resgatassem sua filha de 26 anos, que desde 2006 estava na condição de prisioneira em uma boate no Suriname. E várias outra matérias relacionadas ao tema.

O assunto é grave, desta forma a bancada do PPS entende que a instalação de uma CPI constitui instrumento fundamental para investigar as denúncias relatadas, trazendo uma resposta para a sociedade sobre o tráfico internacional de pessoas.

Conclui-se que estes fatos, de relevante interesse para a Nação, exigem que o Congresso Nacional, cumprindo o seu fim institucional e atendendo a reclamos sociais, manifeste-se a respeito, e com todo o rigor que a situação exige.

Face ao exposto, propomos, por meio deste Requerimento, a criação de uma CPI com o intuito, não só de apurar, de forma aprofundada, as causas do tráfico seres humanos, mas também produzir propostas para a prevenção e fiscalização dessa forma de ilícito e de violação de direitos humanos, apresentando assim, uma resposta à sociedade brasileira.

Sala das Sessões, em de fevereiro de 2011.

Deputado ARNALDO JORDY

PPS/PA

POSIÇÃO DA COMISSÃO

A Comissão foi composta de 30 (trinta) membros titulares e de igual número de suplentes, mais um titular e um suplente, atendendo ao rodízio entre as bancadas não contempladas, designados de acordo com os §§ 1º e 2º do art. 33, combinado com o § 5º do art. 35, todos do Regimento Interno, com a seguinte estrutura:

Presidente: Arnaldo Jordy (PPS/PA)

1º Vice-Presidente: Luiz Couto (PT/PB)

2º Vice-Presidente: Fernando Francischini (PEN/PR)

3º Vice-Presidente: Asdrubal Bentes (PMDB/PA)

Relator: Flávia Morais (PDT/GO)

DEPUTADOS TITULARES

Luiz Couto PT/PB (Gab. 442-IV); Miriquinho Batista PT/PA (Gab. 435-IV); Nelson Pellegrino PT/BA (Gab. 834-IV); Sibá Machado PT/AC (Gab. 421-IV); Asdrubal Bentes PMDB/PA (Gab. 410-IV); Edio Lopes PMDB/RR (Gab. 350-IV); Flaviano Melo PMDB/AC (Gab. 224-IV); Teresa Surita PMDB/RR (Gab. 250-IV); João Campos PSDB/GO (Gab. 315-IV); Paulo Abi-ackel PSDB/MG (Gab. 460-IV); Missionário José Olimpio PP/SP (Gab. 507-IV); Rebecca Garcia PP/AM (Gab. 520-IV); Mendonça Prado DEM/SE (Gab. 508-IV); Davi Alves Silva Júnior PR/MA (Gab. 831-IV); Paulo Freire PR/SP (Gab. 273-III); Janete Capiberibe PSB/AP (Gab. 209-IV); Severino Ninho PSB/PE (Gab. 380-III); Flávia Morais PDT/GO (Gab. 738-IV); Arnaldo Jordy PPS/PA (Gab. 376-III); Leonardo Gadelha PSC/PB (Gab. 735-IV); Antonio Bulhões PRB/SP (Gab. 327-IV); Liliam Sá PSD/RJ (Gab. 434-IV); Moreira Mendes PSD/RO (Gab. 943-IV); Fernando Francischini PEN/PR (Gab. 265-III) - vaga do PSDB.

DEPUTADOS SUPLENTES

Arthur Oliveira Maia PMDB/BA (Gab. 537-IV); João Magalhães PMDB/MG (Gab. 211-IV); Marinha Raupp PMDB/RO (Gab. 614-IV); Nelson Marchezan Junior PSDB/RS (Gab. 368-III); Gladson Cameli PP/AC (Gab. 956-IV); José Otávio Germano PP/RS (Gab. 424-IV); Anderson Ferreira PR/PE (Gab. 272-III); Sebastião Bala Rocha PDT/AP (Gab. 608-IV); Carmen Zanotto PPS/SC (Gab. 503-IV); Josué Bengtson PTB/PA (Gab. 505-IV);

ATUAL COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO

A Comissão, atualmente, encontra-se estruturada com os seguintes participantes:

Presidente: Arnaldo Jordy (PPS/PA)

1º Vice-Presidente: Luiz Couto (PT/PB)

2º Vice-Presidente:

3º Vice-Presidente:

Relator: Flávia Morais (PDT/GO)

DEPUTADOS TITULARES

Luiz Couto PT/PB (Gab. 442-IV); Miriquinho Batista PT/PA (Gab. 435-IV); Nelson Pellegrino PT/BA (Gab. 826-IV); Sibá Machado PT/AC (Gab. 421-IV); Asdrubal Bentes PMDB/PA (Gab. 410-IV); Edio Lopes PMDB/RR (Gab. 350-IV); Flaviano Melo PMDB/AC (Gab. 224-IV); João Magalhães PMDB/MG (Gab. 211-IV); João Campos PSDB/GO (Gab. 315-IV); Paulo Abi-ackel PSDB/MG (Gab. 460-IV); Missionário José Olimpio PP/SP (Gab. 507-IV); Roberto Teixeira PP/PE (Gab. 450-IV); Mendonça Prado DEM/SE (Gab. 508-IV); José Rocha PR/BA (Gab. 908-IV); Paulo Freire PR/SP (Gab. 273-III); Janete Capiberibe PSB/AP (Gab. 209-IV); Severino Ninho PSB/PE (Gab. 380-III); Flávia Morais PDT/GO (Gab. 738-IV); Arnaldo Jordy PPS/PA (Gab. 376-III); Antônia Lúcia PSC/AC (Gab. 444-IV); Antonio Bulhões PRB/SP (Gab. 327-IV); Marcos Montes PSD/MG (Gab. 334-IV) - vaga do PMN; Moreira Mendes PSD/RO (Gab. 943-IV); Fernando Francischini SDD/PR (Gab. 265-III) - vaga do PSDB; José Augusto Maia PROS/PE (Gab. 758-IV) - vaga do PTB; Liliam Sá PROS/RJ (Gab. 434-IV) - vaga do PSD; Major Fábio PROS/PB (Gab. 368-III).

DEPUTADOS SUPLENTES

Eduardo Cunha PMDB/RJ (Gab. 510-IV); Eliseu Padilha PMDB/RS (Gab. 222-IV; Marinha Raupp PMDB/RO (Gab. 614-IV); Izalci PSDB/DF (Gab. 284-III); Nelson Marchezan Junior PSDB/RS (Gab. 250-IV); Gladson Cameli PP/AC (Gab. 956-IV); José Otávio Germano PP/RS (Gab. 424-IV); Professora Dorinha Seabra Rezende DEM/TO (Gab. 432-IV); Anderson Ferreira PR/PE (Gab. 272-III); Davi Alves Silva Júnior PR/MA (Gab. 831-IV); Josué Bengtson PTB/PA (Gab. 505-IV); Leonardo Gadelha PSC/PB (Gab. 735-IV); Acelino Popó PRB/BA (Gab. 576-III); Geraldo Thadeu PSD/MG (Gab. 248-IV) - vaga do PMDB; Sebastião Bala Rocha SDD/AP (Gab. 608-IV) - vaga do PDT.

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3.CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO TRÁFICO DE PESSOAS

O tráfico de pessoas é um fato e uma prática que remonta à antiguidade. O comércio de seres humanos para fins ilícitos esteve presente na história desde sempre. Nos tempos modernos, face ao aspecto transfronteiriço que muitas vezes reveste o tráfico de pessoas, a comunidade internacional identificou, há muito tempo, a necessidade de se lançar mão da cooperação bilateral e, principalmente, multilateral, como forma de combate relativamente efetivo ao tráfico de pessoas e a toda a criminalidade associada a esse tipo de conduta. O tráfico de pessoas é praticado com diversas finalidades.

Aliciamento para a exploração sexual. Esta forma de tráfico se manifesta por meio do aliciamento para suposto trabaho em outras cidades do Brasil – tráfico interno - ou no exterior – tráfico internacional. São propostas de emprego que parecem vantajosas e atingem pessoas em situação de pobreza, de desemprego ou de deslumbramento com a possibilidade de migrar para uma cidade grande e ter uma vida mais glamourosa.

Esse esquema conta com uma rede de criminosos bem extensa, que envolve donos de hotéis, de bares, de boates, de agências de viagem, de agências de emprego e até mesmo autoridades e agentes públicos, como poliiais, delegados e políticos.

Quando o tráfico é interncional, as pessoas aliciadas recebem passaportes falsos, providenciados pelos próprios aliciadores. Alguns destinos são bastante conhecidos, como é o caso de Portugal, Espanha, Holanda e Suriname, para onde dezenas de pessoas são traficadas a cada ano para fins de exploração sexual.

As propostas de emprego são as mais diversas: trabalho como babá, comumente denominado “au pair”, trabalho como doméstico, contrato de modelo, proposta para atuar como jogador de futebol, entre outras atividades.

Aliciamento para trabalho escravo. Neste caso, as pessoas são atraídas por propostas de emprego com salários elevados e, ao chegarem ao destino combinado, são colocados em situação semelhante à de escravos.

Tudo começa com as despesas de viagem feitas pelos aliciadores e cobradas dos aliciados. Assim essa pessoa já inicia o vínculo com o aliciador devendo o valor do transporte, de hotéis e de alimentação feitos para chegar até o local da prestação de serviços.

Em seguida, o aliciador passa a cobrar o valor da hospedagem, da alimentação e outras despesas ocorridas no local de trabalho. Esses preços costumam ser elevados além do valor normal de mercado, de modo que a dívida do aliciado atinge valores superiores em muito ao salário pago, quando é pago. Isso faz com que o trabalhador semelhante a escravo nunca tenha condições de quitar a dívida com o explorador.

A consequência disso é que o trabalhador não recebe pagamento e ainda fica devendo, dívida esta que só aumenta, tornando impossível o seu cumprimento.

Nesse momento, o trabalhador é impedido de deixar o local de trabalho, sendo vigiado por capangas e, em alguns casos, tem os documentos confiscados pelo explorador.

Quando o tráfico é internacional, a providência tomada pelo aliciador é confiscar o passaporte do aliciado, o que lhe impede de se movimentar livremente no país estrangeiro e inviabiliza o seu retorno ao país de origem.

Tráfico para retirada de órgãos. Outra suspeita que vem tomando espaço na mídia e entre diversas autoridades é a possibilidade de que pessoas estão sendo traficadas internamente ou internacionalmente com o objetivo de retirada de órgãos.

Tráfico de crianças para adoção clandestina. Esta é outra modalidade de tráfico, geralmente de crianças até os três anos de idade, com o objetivo de negociá-las com casais estrangeiros, para fins de adoção à margem da lei.

Atualmente, o tráfico de seres humanos é um das atividades criminosas mais lucrativas do mundo. Segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, a atividade movimenta US$ 32 bilhões por ano. As quadrilhas são responsáveis pelo tráfico ilegal de aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. Relatório divulgado em fevereiro de 2011 aponta ainda que 79% dos casos estão ligados à exploração sexual, que na maioria das vezes envolvem mulheres e crianças.

No Brasil, levantamento do MPF, que compilou os resultados de ações movidas até 2008 para combater o tráfico de pessoas, mostra que os casos mais frequentes são relacionados ao uso de mão-de-obra escrava: 536 processos. O tráfico de mulheres para fins de prostituição aparece em segundo lugar (183 casos). Ao todo, nos tribunais regionais federais há 115 ações de combate ao tráfico de pessoas, além de 817 processos tramitando na primeira instância da Justiça Federal. Há diversas condenações transitadas em julgado. Devemos levar em consideração que esses dados se baseiam apenas nos casos denunciados, sem esquecermos que a situação de tráfico eé ainda mais grave, considerando-se os casos velados, as hipóteses que não chegam ao conhecimento das autoridades, inclusive devido à intimidação exercida sobre vítimas e testemunhas.

No Século XX, os esforços da comunidade internacional para combater o tráfico de pessoas resultaram na firma, em 1926, ainda no âmbito da extinta Sociedade das Nações, de uma Convenção visando ao combate ao tráfico de escravos, caracterizando este como todo “ato de captura, aquisição ou cessão de um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou câmbio de um escravo, adquirido para vendê-lo ou trocá-lo e, em geral, todo ato de comércio ou de transporte de escravos”. Mais tarde, a Convenção de Genebra, de 1956, já sob a égide das Nações Unidas, tratou novamente da questão e repetiu esses conceitos, ampliando porém o foco para instituições e práticas análogas à escravidão, nomeando expressamente a servidão por dívidas, bem como o casamento forçado de uma mulher em troca de vantagem econômica para seus pais ou terceiros; a entrega, onerosa ou não, de uma mulher casada pelo seu marido, sua família ou seu clã a terceiro; os direitos hereditários sobre uma mulher viúva; a entrega, onerosa ou não, de menor de 18 anos, a terceiro, para exploração.

Além da definição dos compromissos assumidos pelos Estados signatários, quanto ao estabelecimento de medidas de natureza administrativa e civil visando a modificar as práticas análogas à escravidão de mulheres e crianças, a Convenção de Genebra de 1956 estabeleceu o compromisso para os Estados Partes no sentido de definir como crimes, entre outras práticas, as condutas consistentes em transportar ou de tentar transportar escravos de um país a outro, de mutilar ou aplicar castigos, de escravizar alguém ou de incitar alguém a alienar sua liberdade ou de quem esteja sob sua autoridade.

Paralelamente à questão do tráfico de pessoas relacionado à escravidão e ao trabalho escravo, por outro lado, ainda no Século XX, surgiram os primeiros esforços das nações no sentido de reprimir o tráfico de pessoas com outras finalidades. Em 1904, é firmado em Paris o Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, no ano seguinte transformado em Convenção. Além disso, nas três décadas seguintes foram assinados: a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas (Paris, 1910), a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (Genebra, 1921), a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (Genebra, 1933), o Protocolo de Emenda à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (1947), e, por último, a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio (Lake Success, 1949).

A primeira fase de combate a este tipo de tráfico de pessoas iniciou com a preocupação de proteger as mulheres européias, principalmente do leste europeu. Não se definiu tráfico, apenas o compromisso de reprimi- lo e preveni-lo com sanções administrativas. A partir de 1910, os instrumentos internacionais passaram a conceituar tráfico e exploração da prostituição como infrações criminais puníveis com pena privativa de liberdade e passíveis de extradição. A proteção foi se ampliando para abranger todas as mulheres, com especial atenção para crianças e adolescentes, à época chamados de “menores”.

A Convenção de 1910 definia o tráfico e o favorecimento à prostituição como o aliciamento, induzimento ou descaminho, ainda que com seu consentimento, de mulher casada ou solteira menor, para a prostituição.

Tratando-se de mulher casada ou solteira maior, a conduta só deveria ser punida se aquelas condutas tivessem sido praticadas “com fraude ou por meio de violências, ameaças, abuso de autoridade ou qualquer outro meio de constrangimento”. Era permitido, porém, aos Estados Partes dar a mesma proteção à mulher casada ou solteira maior, independentemente da fraude ou constrangimento. A maioridade se completava aos 20 anos. A Convenção de 1921 alterou o art. 1º para incluir “crianças de um e do outro sexo” e aumentou a maioridade para 21 anos completos. A regra geral era de que o consentimento de mulheres casadas ou solteiras maiores excluía a infração.

A Convenção de 1933 modificou essa orientação. Consoante o art. 1°: “Quem quer que, para satisfazer às paixões de outrem, tenha aliciado, atraído ou descaminhado, ainda que com seu consentimento, uma mulher ou solteira maior, com fins de libertinagem em outro país, deve ser punido”.

Os Protocolos de Emenda ao Acordo de 1904 e às Convenções de 1910, 1921 e 1933, aprovados pela ONU em 1947 e 1948, não afetaram as definições, apenas validaram as Convenções na nova ordem internacional pós-guerra. A prostituição, nessa primeira fase, era considerada um atentado à moral e aos bons costumes.

A Convenção de 1949 veio valorizar a dignidade e o valor da pessoa humana, como bens afetados pelo tráfico, o qual põe em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade. Vítima pode ser qualquer pessoa, independentemente de sexo e idade.

De acordo com o seu art. 1º, as partes se comprometem em punir toda pessoa que, para satisfazer as paixões de outrem, “aliciar, induzir ou descaminhar, para fins de prostituição, outra pessoa, ainda que com seu consentimento”, bem como “explorar a prostituição de outra pessoa, ainda que com seu consentimento”. O art. 2º detalha as condutas de manter, dirigir ou, conscientemente, financiar uma casa de prostituição ou contribuir para esse financiamento; de dar ou tomar de aluguel, total ou parcialmente, um imóvel ou outro local, para fins de prostituição de outrem.

É permitido à legislação interna prever condições mais rigorosas e são lançadas bases para a cooperação jurídica internacional. Sob o ângulo das pessoas que exercem a prostituição, consideradas vítimas, enfatiza-se a obrigação dos Estados em atuar na prevenção e na reeducação e readaptação social, bem como em facilitar a repatriação no caso de tráfico internacional. Os Estados devem abolir qualquer regulamentação ou vigilância das pessoas que exercem a prostituição.

A ineficácia da Convenção de 1949 é reconhecida pela Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), ao obrigar os Estados Partes a tomar medidas apropriadas para suprimir todas as formas de tráfico e de exploração da prostituição de mulheres. Em 1983, o Conselho Econômico e Social da ONU decide cobrar relatórios. Em 1992, a ONU lança o Programa de Ação para a Prevenção da Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil. A necessidade de um processo de revisão se fortalece na Conferência Mundial dos Direitos Humanos (1993), cuja Declaração e Programa de Ação de Viena salientam a importância da “eliminação de todas as formas de assédio sexual, exploração e tráfico de mulheres”. Daí o Programa de Ação da Comissão de Direitos Humanos para a Prevenção do Tráfico de Pessoas e a Exploração da Prostituição (1996).

Em 1994, a Resolução da Assembléia Geral da ONU definiu o tráfico como o movimento ilícito ou clandestino de pessoas através das fronteiras nacionais e internacionais, principalmente de países em desenvolvimento e de alguns países com economias em transição, com o fim de forçar mulheres e crianças a situações de opressão e exploração sexual ou econômica, em benefício de proxenetas, traficantes e organizações criminosas, assim como outras atividades ilícitas relacionadas com o tráfico de mulheres, por exemplo, o trabalho doméstico forçado, os casamentos falsos, os empregos clandestinos e as adoções fraudulentas.

A Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing (1995), aprovou uma Plataforma de Ação. Para a violência contra a mulher, um dos três objetivos estratégicos fixados consiste em eliminar o tráfico de mulheres e prestar assistência às vítimas da violência derivada da prostituição e do tráfico. Foi acolhido o conceito de prostituição forçada como uma forma de violência, permitindo entender que a prostituição livremente exercida não representa violação aos direitos humanos. Isso altera o paradigma da Convenção de 1949.

Vale lembrar que o Estatuto do Tribunal Penal Internacional (1998) define os crimes internacionais de escravidão sexual e de prostituição forçada contra a humanidade e de guerra. O conceito de escravidão sexual tem como elemento específico: exercer um dos atributos do direito de propriedade sobre uma pessoa, tal como comprar, vender, dar em troca ou impor alguma privação ou qualquer outra forma de reduzir alguém à condição análoga à escravidão.

A Convenção Interamericana de 1998 sobre o Tráfico Internacional de Menores conceituou como tráfico internacional de pessoas com menos de 18 anos a “subtração, transferência ou retenção, ou a tentativa de subtração, transferência ou retenção de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos”. Exemplificou como propósitos ilícitos, entre outros, “prostituição, exploração sexual, servidão” e como meios ilícitos “o seqüestro, o consentimento mediante coerção ou fraude, a entrega ou recebimento de pagamentos ou benefícios ilícitos com vistas a obter o consentimento dos pais, das pessoas ou da instituição responsáveis pelo menor”.

Posteriormente, a Assembléia Geral da ONU criou um comitê intergovernamental para elaborar uma convenção internacional global contra a criminalidade organizada transnacional e examinar a possibilidade de elaborar um instrumento para tratar de todos os aspectos relativos ao tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças. O comitê apresentou uma proposta intensamente discutida durante o ano de 1999, a qual resultou no texto afinal aprovado o denominado o “Protocolo de Palermo” nome pelo qual ficou conhecida o “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, adotado em Nova York em 15 de novembro de 2000”; cujo texto foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo no 231, de 29 de maio de 2003, sendo posteriormente ratificado pelo Brasil e posto em vigor no plano do ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Nº 5.017, de 12 de março de 2004.

O referido Protocolo adicional, nos termos de seu artigo 1º, completa a “Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional”, mais conhecida como “Convenção de Palermo”, em razão das reuniões de negociação, tal como aconteceu com seus protocolos adicionais, haverem se dado na capital siciliana (embora haja sido adotado em Nova York).

O Protocolo, no artigo 3º, define como tráfico de pessoas: “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração.”

A exploração inclui, no mínimo, “a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, os trabalhos ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”.

Tratando-se de crianças e adolescentes, isto é, com idade inferior a 18 anos, o consentimento é irrelevante para a configuração do tráfico. Quando se tratar de homens adultos e mulheres adultas o consentimento é relevante para excluir a imputação de tráfico, a menos que comprovada ameaça, coerção, fraude, abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade, bem como a oferta de vantagens para quem tenha autoridade sobre outrem.

Este Protocolo inicia a terceira fase do controle jurídico internacional em matéria de tráfico e de prostituição. Considerando a fase anterior, quatro aspectos se destacam.

Os dois primeiros dizem respeito às pessoas objeto de proteção. As vítimas que eram, inicialmente, só as mulheres brancas, depois mulheres e crianças, após a adoção do Protocolo, passaram a ser os seres humanos, mantida a preocupação especial com mulheres e crianças.

Antes as vítimas ficavam numa situação ambígua, como se fossem criminosas. O Protocolo busca garantir que sejam tratadas como pessoas que sofreram graves abusos, e os Estados membros devem criar serviços de assistência e mecanismos de denúncia.

O terceiro é concernente à finalidade do tráfico. Nas Convenções até 1949 a preocupação era coibir o tráfico para fins de prostituição. O Protocolo acolhe a preocupação da Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores para combater o tráfico de pessoas com propósitos ilícitos, neles compreendidos, entre outros, a prostituição, a exploração sexual (não mais restrita à prostituição) e a servidão. O Protocolo emprega a cláusula para fins de exploração, o que engloba qualquer forma de exploração da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos. A enumeração é apenas ilustrativa. Atualmente não há limitação quanto aos sujeitos protegidos e na condenação de todas as formas de exploração.

Cabe registrar, porém, a mudança que se estabeleceu acerca do valor consentimento e, ainda, o detalhamento conceitual. Inicialmente a prostituição era mencionada como uma categoria única. Hoje o gênero é a exploração sexual, sendo espécies dela turismo sexual, prostituição infantil, pornografia infantil, prostituição forçada, escravidão sexual, casamento forçado.

Houve intenso debate sobre o tema do consentimento. A redação provada é ambígua, no esforço de atender a tendências opostas (de uma lado, os defensores da descriminalização total da prostituição com reconhecimento do “trabalho sexual” e, de outro garantir a criminalização dos clientes e dos proxenetas visando erradicar a prostituição). A “situação de vulnerabilidade” pode ser aplicada na maior parte dos casos em que ocorre exploração de qualquer natureza, mas depende da interpretação da polícia, do ministério público e do judiciário, permitindo a incidência de outro Protocolo, relativo à migração ilegal, que não considera o migrante como vítima. Ora, configurada a finalidade de exploração de uma pessoa, há violação à dignidade humana como expresso na Convenção de 1949. O Estado não pode chancelar o consentimento.

Ficou enfraquecida a proteção das mulheres adultas, quando se trata do exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual, e de modo geral das pessoas, na exploração do seu trabalho. Rompe com o paradigma das Convenções sobre escravidão e práticas análogas à escravidão e sobre a exploração da prostituição.

Os Estados que ratificaram a Convenção de 1949, enquanto não a enunciarem, continuam a ela vinculadas. Houve pressão para eliminar do texto do Protocolo todas as referências às precedentes Convenções sobre Direitos Humanos e para revogar a Convenção de 1949. Mas, prevaleceu no texto final a cláusula de salvaguarda (art. 14), segundo a qual “nenhuma disposição do Protocolo prejudicará os direitos, obrigações e responsabilidades dos Estados e das pessoas por força do direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional relativo aos direitos humanos e, specificamente, na medida em que sejam aplicáveis, a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados e ao princípio do non refoulement”.

Na verdade, o Protocolo de Palermo é o instrumento de maior importância em vigor no plano do Direito Internacional voltado para o combate ao tráfico de pessoas. O Protocolo estabelece diretrizes fundamentais que orientam a criação de leis e a formulação de políticas públicas de prevenção e repressão ao tráfico internacional de pessoas, além e contribuir para o desenvolvimento de uma abordagem internacional consolidada e abrangente, constituindo-se em um instrumento universal que contempla de forma inédita normas e medidas práticas voltadas ao combate ao tráfico de pessoas e à exploração, especialmente de mulheres e crianças.

O Protocolo de Palermo contém um grande avanço representado pela definição dos direitos das vítimas do tráfico. Tal conceituação ampliou a consciência da sociedade internacional sobre os problemas do tráfico forçado. O estabelecimento de direitos das vítimas era considerado uma necessidade urgente visto que as vítimas que haviam sido objeto de tráfico, mulheres, crianças, adolescentes e também homens, eram anteriormente tratadas pelas autoridades estatais como se criminosos fossem e não pessoas como pessoas submetidas a abusos de diversa natureza.

Contudo, apesar de haver ratificado a Convenção de Palermo da Organização das Nações Unidas (ONU) e os seus protocolos adicionais - por meio dos quais assumiu compromissos para o enfrentamento ao tráfico de pessoas -, o Brasil ainda não possui leis que dão conta por completo de medidas para a prevenção do crime, a proteção às vítimas e a responsabilização dos envolvidos.

Nesse sentido, a lei penal ainda é incompleta, o que resulta em punições brandas para esse tipo de crime e além disso, não há um capítulo do Código Penal que cuide de modo concatenado das diversas hipóteses delitivas relacionados ao tráfico de pessoas, tratando do tráfico de pessoas e os aspectos relacionados ao aliciamento, transporte e exploração. A lei brasileira não dá tratamento específico a diversas condutas previstas nos protocolos.

Um exemplo dessa "limitação" está no art. 231 do Código Penal, que aborda o tráfico internacional de seres humanos. A lei contempla apenas a hipótese de tráfico de pessoas referente à prostituição. O protocolo adicional, contudo, prevê a criminalização do tráfico voltado a qualquer forma de exploração sexual, além de orientar punições para casos de escravidão e de remoção de órgãos.

Já o protocolo relativo ao combate ao tráfico de migrantes estipula a criminalização dessa modalidade sempre que for verificada a finalidade de obtenção de vantagem financeira ou material. No entanto, o Código Penal somente prevê a caracterização de crime se o recrutamento de trabalhadores for realizado "mediante fraude".

Por outro lado, as formas mais graves de tráfico de pessoas, como os aliciamentos para extração de órgãos, deveriam ser considerados crimes hediondos, permitindo decisões penais mais rigorosas. O tráfico de mulheres para fins de prostituição, por exemplo, ainda está previsto no capítulo dos "crimes contra os costumes" no Código Penal, porém é mais adequado que o bem jurídico atingido por essa conduta é a dignidade da pessoa humana.

4. LEGISLAÇÃO APLICADA AO TRÁFICO DE PESSOAS

- Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.

- Arts. 231 e 231-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal brasileiro, que tratam do tráfico para fins de exploração sexual, cujo teor é o seguinte:

“Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2o A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2o A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.”

- Arts. 197, 198, 203, 206 e 207 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal brasileiro, que tratam dos crimes contra a organização do trabalho, nos seguintes termos:

“Atentado contra a liberdade de trabalho

Art. 197 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:

I - a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;

II - a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta

Art. 198 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

...............................................................................................................

Frustração de direito assegurado por lei trabalhista

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:

Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Na mesma pena incorre quem:

I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;

II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

...............................................................................................................

Aliciamento para o fim de emigração

Art. 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro.

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

Pena - detenção de um a três anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.”

- Art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal brasileiro, que tipifica a redução a condição análoga à de escravo, com a seguinte redação:

“Redução a condição análoga à de escravo

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”

- Arts. 237 a 239 e 244-A da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, com a seguinte redação:

“Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto:

Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa.

Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:

Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.

Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:

Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

...................................................................................................................

Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:

Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.

§ 1o Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.

§ 2o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.”

- Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração e dá outras providências. Esta Lei trata das questões relativas à expulsão e extradição de estrangeiro que pratica crime no Brasil, que se encontra em situação irregular no território nacional ou sobre o qual pese pedido de extradição por país estrangeiro.

5. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO EM VIGOR

No Código Penal, há três situações em que a saída de pessoas do território nacional, ou a entrada nele, estão tipificadas.

Primeira situação:

Promover ou facilitar a entrada de pessoas no território brasileiro ou a saída dele constitui, no art. 231, o crime de tráfico internacional de pessoas, se tiver como finalidade o exercício da prostituição. Este crime, até a Lei n. 11.106, de março de 2005, contemplava apenas a mulher como sujeito passivo. É uma infração inserida no Título dos Crimes contra os Costumes. Portanto, embora esteja presente a tutela da liberdade sexual e do pudor individual prevalece a tutela do pudor público. A pena cominada é privativa de liberdade, de 3 (três) a 8 (oito) anos. Se houver fim de lucro, aplica-se também multa.

Segundo a doutrina “promover” abrange o dar causa, executar, tomar a iniciativa e “facilitar” abrange auxiliar, ajudar, tornar mais fácil. Os meios utilizados podem ser: fornecimento de dinheiro, papéis, passaporte, compra de roupas ou utensílios de viagens etc (Mirabete, 1999, p. 465). Na segunda conduta, a iniciativa da entrada ou da saída é de outrem ou do próprio sujeito passivo.

O exercício da prostituição não configura crime. Crime é explorar a prostituição alheia. Assim, se uma mulher brasileira quer exercer a prostituição em Portugal e conta com a ajuda de alguém para a compra da passagem, ela não pratica crime, mas quem lhe empresta o dinheiro, por exemplo, sabendo da finalidade, pratica o crime de tráfico.

O consentimento livre não exclui o crime. O consentimento forçado ou viciado, isto é, obtido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude, tem implicações para a pena que aumenta para 5 (cinco) a 12 (doze) anos, somando-se a pena correspondente à violência. Se resultar da violência, a título de culpa, lesão corporal de natureza grave a pena será de 8 (oito) a 12 (doze) anos, e, resultando, do fato a morte, de 12 (doze) a 20 (vinte) anos. Presume-se a violência se o sujeito passivo não é maior de 14 anos, é alienado ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância, ou não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

Se o sujeito passivo é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiado para fins de educação, de tratamento ou de guarda, a pena privativa de liberdade é de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

Há outra hipótese no CódIgo Penal de saída de pessoas do território brasileiro configuradora de crime. Está prevista no art. 207 como crime contra a Organização do Trabalho, denominado Aliciamento para o Fim de Emigração, e consiste em “recrutar trabalhadores, mediante fraude”. É punido com a pena privativa de liberdade, de 1(um) a 3 (três) anos, passível de ser substituída por pena restritiva de direitos. Antes de 1993, o tipo penal só exigia a iniciativa do agente para atrair, seduzir ou angariar trabalhadores (no mínimo três, irrelevantes a qualificação ou habilidade técnica de cada um) para fim de emigração. Hoje, a lei exige “que haja fraude, ou seja, que o agente induza ou mantenha em erro os trabalhadores, com falsas informações, promessas etc,. convencendo-os a levá-los para território estrangeiro” (Mirabete, 2000, p. 1228).

Uma terceira hipótese é fruto de alteração legislativa de 1984, o art. 245 do Código Penal define como crime contra a assistência familiar, punível com pena privativa de liberdade de 1 (um) a 4 (quatro) anos, a entrega de filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia o agente saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo, para obter lucro, ou se o menor é enviado para o exterior.

Fora do Código Penal temos outras situações:

Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente definiu como crime, no art. 239, “promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro. A pena cominada é privativa de liberdade de 4 (quatro) a 6 (seis) anos, e multa. Pratica o crime qualquer pessoa que não o pai ou mãe da criança ou adolescente (que, por seu lado, podem incidir nos crimes do caput ou do §1o do art. 245 do Código Penal ou no art. 238 do Estatuto). Não se exige que a vítima fique exposta a perigo material ou moral. Basta que o ato destinado ao envio para o exterior não observe as formalidades legais, ou, ainda que estejam cumpridas, tenha o agente objetivo de lucro.

Além disso há hipóteses não acobertadas pela norma, como, por exemplo, o envio da criança ou adolescente para o exterior em obediência a todas as formalidades legais, ou que não tenha como fito a obtenção de lucro. Igualmente a promoção ou facilitação da entrada da vítima no território nacional.

Pela Lei n. 9.975, de 2000, foi inserida no Estatuto da Criança e do Adolescente a figura delitiva (art. 244-A) consistente em submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual. A pena prevista é a privativa de liberdade de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. Tratando-se de crime em que o resultado está descrito no tipo, possível interpretar que abrange a conduta de tráfico interno e internacional.

A Lei n. 9.434, de 1997, considera crimes comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano bem como promover, intermediar, facilitar ou auferir qualquer vantagem com a transação. A pena, num e noutro caso, é privativa de liberdade de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa (art. 15 e par. ún.). Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com a lei sujeitam o agente à pena privativa de liberdade de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa (art. 17)

Na Lei n. 6.815, de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, constitui crime, punível com pena privativa de liberdade de 1 (um) a 3 (três) anos, passível de ser substituída por pena restritiva de direitos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão, “introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular” (art. 125, XII). A declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída, implica na pena privativa de liberdade de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão (art. 125, XIII).

No Código Penal encontramos como crime contra a fé pública, sob a rubrica de fraude de lei sobre estrangeiros, “atribuir a estrangeiro falsa qualidade para promover- lhe a entrada em território nacional”, com pena privativa de liberdade de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Vejamos agora se os tipos penais apontados atendem aos Protocolos Adicionais à Convenção de Palermo, uma vez que os Estados Partes assumiram a obrigação de criminalização, de forma a estabelecer como infrações penais os atos descritos nos Arts. 3 e 6 dos Protocolos referidos no início desta exposição, quando tenham sido praticados de forma dolosa, mesmo na forma tentada, ou na forma de participação, principalmente de cumplicidade e de organização.

Inicialmente cabe observar que os Protocolos se aplicam a condutas transnacionais e que sejam praticadas por grupos criminosos organizados. O tráfico internacional de pessoas para fins de prostituição (art. 231), o tráfico internacional de crianças e adolescentes (art. 239 do ECA), o aliciamento para fins de emigração (art. 207) e a introdução clandestina de estrangeiro (Lei n. 6.815), por definição são crimes transnacionais. Entretanto, podem se configurar independentemente da existência de um grupo criminoso. Por isso, se desejável a aplicação das regras dos Protocolos necessário demonstrar que o fato se insere nas atividades de uma organização criminosa.

No Brasil, o Código Penal prevê a figura delituosa autônoma de quadrilha ou bando, consistente na associação de mais de três pessoas, para o fim de cometer crimes (art. 288). A pena cominada é de 1 (um) a 3 (três) anos de pena privativa de liberdade, aplicada em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. Não há, entretanto, nenhuma previsão específica para organizações criminosas de caráter transnacional.

Quanto à criminalização de pessoas que não praticam diretamente as condutas incriminadas, mas colaboram intencionalmente para o sucesso das mesmas, ela é prevista no Cód. Penal brasileiro, ajustando-se, portanto, às diretivas internacionais.

As inadequações ocorrem na definição dos tipos penais, ou seja, nos verbos que constituem o núcleo, nos sujeitos passivos, no objeto jurídico e, ainda, na coerência entre as penas.

Aprofundemos a análise. De conformidade com o Protocolo Adicional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;

b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo; d) O termo "criança" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos (art. 3).

Estas definições representam o resultado de uma evolução histórica iniciada em 1904 acerca do tratamento normativo internacional a ser dispensado ao tráfico de pessoas. As alterações que se processaram de 1904 a 2000 incidiram especialmente em três aspectos.

O primeiro diz respeito às pessoas objeto de proteção. As vítimas eram, inicialmente, as mulheres brancas, depois mulheres e crianças, e, finalmente, os seres humanos.

O segundo também se relaciona às vítimas. Até o Protocolo de 2000 elas eram tratadas quase como criminosas. O Protocolo procura garantir que sejam tratadas como pessoas que sofreram graves abusos. Explicita no art. 2 como um dos seus objetivos “proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos”. Para concretizá-lo, os Estados membros devem criar serviços de assistência e mecanismos de denúncia.

O terceiro aspecto é concernente à finalidade do tráfico. Nas Convenções até 1950 dominava a preocupação de coibir o tráfico para fins de prostituição. Com a Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores é introduzida uma nova preocupação, repetida no Protocolo para Prevenir, Reprimir e Sancionar o Tráfico de Pessoas. Trata-se de combater o tráfico de pessoas com propósitos ilícitos, neles compreendidos, entre outros, a prostituição, a exploração sexual (não mais restrita à prostituição) e a servidão. O Protocolo emprega a cláusula para fins de exploração, o que engloba qualquer forma de exploração da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos, bem como quaisquer outras pois a enumeração é apenas ilustrativa.

Portanto, hoje, na perspectiva internacional não há limitação quanto aos sujeitos protegidos e na condenação de todas as formas de exploração. Cabe registrar, porém, uma diferença que se estabeleceu acerca do consentimento. Tratando de crianças e adolescentes, isto é, com idade inferior a 18 anos, o consentimento é irrelevante para a configuração do tráfico. Quando se tratar de homens adultos e mulheres adultas o consentimento exclui o tráfico. Só perde a relevância se obtido por meio de ameaça, coerção, fraude, abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade, bem como mediante a oferta de vantagens a quem tenha autoridade sobre outrem. Por conseguinte, para comprovar o tráfico de pessoas adultas, imprescindível comprovar o vício de consentimento.

Tendo em conta o Protocolo Adicional sobre Tráfico de Migrantes o artigo 3º estabelece, entre outras, as seguintes definições:

a) A expressão "tráfico de migrantes" significa a promoção, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, um beneficio financeiro ou outro benefício material, da entrada ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa não seja nacional ou residente permanente;

b) A expressão "entrada ilegal" significa a passagem de fronteiras sem preencher os requisitos necessários para a entrada legal no Estado de acolhimento.

c) A expressão "documento de viagem ou de identidade fraudulento" significa qualquer documento de viagem ou de identificação: (i) Que tenha sido falsificado ou alterado de forma substancial por uma pessoa ou uma entidade que não esteja legalmente autorizada a fazer ou emitir documentos de viagem ou de identidade em nome de um Estado; ou (ii) Que tenha sido emitido ou obtido de forma irregular, através de falsas declarações, corrupção ou coação ou qualquer outro meio ilícito; ou (iii) Que seja utilizado por uma pessoa que não seja seu titular legítimo.

A obrigação de criminalização implica em definir como infração penal: o tráfico de migrantes e os seguintes atos quando praticados com o objetivo de possibilitar o tráfico ilícito de migrantes: (i) Elaboração de documento de viagem ou de identidade fraudulento; (ii) Obtenção, fornecimento ou posse tal documento; c) Viabilizar a permanência, no Estado em causa, de uma pessoa que não seja nacional ou residente permanente, sem preencher as condições necessárias para permanecer legalmente no Estado, recorrendo a qualquer meio ilegal.

O crime deve ser praticado intencionalmente e de forma a obter, direta ou indiretamente, um beneficio financeiro ou outro benefício material. Acrescente-se a obrigação de considerar como agravantes das infrações estabelecidas as circunstâncias que ponham em perigo ou ameacem pôr em perigo a vida e a segurança dos migrantes; bem como acarretem o tratamento desumano ou degradante deles, incluindo sua exploração.

Considerando o padrão normativo internacional, feita a comparação com os tipos penais existentes na legislação brasileira, pode-se afirmar que o Brasil criminaliza o tráfico internacional de pessoas para fins de prostituição assim como o tráfico internacional de crianças e adolescentes independentemente da finalidade. Não criminaliza o tráfico internacional de pessoas adultas para o fim de outras formas de exploração sexual, trabalhos ou serviços forçados, escravidão ou formas análogas à escravidão, servidão ou transplante de órgãos, muito embora criminalize trabalhos ou serviços forçados, formas análogas à escravidão e o comércio de tecidos, órgãos e partes do corpo humano.

Não criminaliza o tráfico de migrantes. As infrações penais relativas à imigração ilegal não contemplam o fim de lucro, nem o tratamento desumano ou degradante.

A criminalização existente é díspar quanto ao bem jurídico tutelado. No tráfico internacional de pessoas para fins de prostituição é a moralidade pública (costumes), no recrutamento fraudulento de trabalhadores a organização do trabalho, no tráfico de crianças e adolescentes é a família (Cód. Penal) ou os direitos da criança e do adolescente (ECA), na introdução clandestina de estrangeiro (Lei n. 6.815) ou na fraude para promover a entrada no território nacional (Cód. Penal) é a fé pública ou a administração pública.

Os verbos utilizados para descrever a conduta em cada hipótese de tráfico são diferentes, nem sempre abrangendo o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento e a recolha de pessoas. Entretanto, cabe lembrar que a criminalização dessas condutas é admissível a título de participação dolosa, consoante previsão na Parte Geral do Código Penal (art. 29).

As formas ilícitas de obter o consentimento de uma pessoa são criminalizadas autonomamente no Brasil quando se trata de constrangimento ilegal, ameaça (mal injusto e grave),seqüestro ou cárcere privado, estelionato, assédio sexual, abuso de autoridade, violência física. Pressão psicológica, corrupção no âmbito privado, abuso da situação de vulnerabilidade não estão contemplados.

A redução à condição análoga a de escravo, classificada como crime contra a liberdade pessoal, até a entrada em vigor da Lei n. 10.803, de 2003, abrangia a conduta de tráfico de pessoas. Todavia, na tentativa de dar maior efetividade à lei penal, foram explicitadas no texto as condutas que levam ao resultado (redução à condição análoga a de escravo) inadvertidamente deixou-se de mencionar a hipótese clássica de compra e venda.

A presunção de violência, prevista nos crimes contra os costumes, se a vítima não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência, de acordo com a doutrina diz respeito a “enfermidade, paralisia dos membros, idade avançada, excepcional esgotamento, sono mórbido, síncopes, desmaios, estado de embriaguez alcoólica, delírios, estado de embriaguez ou inconsciência decorrente de ingestão ou ministração de entorpecentes, soporíferos etc.” (Jesus, 1996, p.133)

Não há um sistema de penas coerente. O tráfico de crianças e adolescentes, qualquer que seja a sua finalidade, tem a mesma pena. Os crimes relativos à imigração ilegal, com certa aplicabilidade no tráfico de migrantes, têm penas mais brandas.

Os Protocolos Adicionais da Convenção de Palermo relacionam o tráfico de pessoas ou de migrantes à ausência de consentimento da vítima maior de 18 anos. Na lei brasileira, porém, o consentimento não afeta o tráfico de pessoas para o fim de prostituição. É relevante na disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano e no recrutamento para emigração de trabalhadores. Tratando-se de recrutamento para trabalhos forçados, servidão ou formas análogas à escravidão o consentimento também é irrelevante.

Nada impede que o Brasil continue desconsiderando o consentimento válido de pessoa adulta no tráfico para o fim de prostituição. Os Estados que ratificaram a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio (Lake Success, 1949), enquanto não a denunciarem, continuam a ela vinculadas, pois não foi revogada. Houve pressão para eliminar do texto do Protocolo todas as referências às precedentes Convenções sobre Direitos Humanos e para revogar a Convenção de 1949. Mas, o texto final foi acordado com uma cláusula de salvaguarda (art. 14), segundo a qual nenhuma disposição do Protocolo sobre o Tráfico de Pessoas “prejudicará os direitos, obrigações e responsabilidades dos Estados e das pessoas por força do direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional relativo aos direitos humanos e, especificamente, na medida em que sejam aplicáveis, a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados e ao princípio do non refoulement.”

Para se por em sintonia com o Protocolo Adicional à Convenção de Palermo, o Brasil necessita rever sua legislação penal de forma a definir um tipo básico para o tráfico de pessoas e os tipos derivados, conforme a finalidade da exploração, e não conforme os sujeitos passivos. Para tanto, necessária uma revisão da própria organização sistêmica do Código Penal vinculada a bens jurídicos. A solução já delineada de certa forma pelo Anteprojeto de Reforma da Parte Especial, de 19922, seria criar um capítulo dos crimes contra a dignidade da pessoa humana dentro do título referente aos crimes contra a pessoa humana incluindo, entre outros, o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas similares a esta, servidão e remoção de tecidos, órgãos e partes do corpo humano. Com efeito, o bem jurídico principal a ser tutelado é a dignidade da pessoa humana. A assistência familiar, a organização do trabalho, a moral pública são bens jurídicos secundários.

Destaca-se também a necessidade de passar do conceito restrito de prostituição para mais amplo de exploração sexual, e do conceito restrito de coação ou de ameaça para o conceito mais amplo de abuso de situação de vulnerabilidade da pessoa traficada (Leal, 2002, p.216).

Quanto ao tráfico de pessoas na migração há praticamente um vácuo. Os casos que têm sido levados ao Judiciário, na maior parte relativos à emigração de brasileiros, são classificados como incursos nos crimes de quadrilha e de falsificação de documentos.

Vê-se que o tráfico fornece seres humanos para os mais diferentes propósitos. O Brasil ainda se preocupa pouco com o fato. Os países de destino se preocupam apenas com a exploração sexual e procuram fazer a distinção entre tráfico e imigração ilegal, dando às vítimas do primeiro algum tipo de atenção. Todavia, é preciso estabelecer a todas as pessoas em movimento garantias mínimas de emprego legal, de assistência e de retorno seguro aos países de origem.

Nessa mesma linha de raciocínio, recebemos a contribuição da Dra. Ella de Castilho, cujo depoimento passamos a transcrever de forma suscinta.

DEPOIMENTO DA SRA. ELA WIECKO WOLKMER DE CASTILHO - Subprocuradora-Geral da República.

A Depoente apontou a inadequação da legislação penal brasileira em relação ao Protocolo de Palermo. Afirmou que, no entanto, tal adequação não tem sido muito reclamada porque em termos de incidência a maior parte dos ilícitos se refere mesmo a tráfico para exploração sexual. Considera que somente se soube de um único caso de tráfico de pessoas para a África do Sul para remoção de órgãos, mas que o fenômeno é raro em nosso país.

Também afirmou: “Com relação à exploração laboral, também temos casos isolados de brasileiros que são levados para o exterior e que acabam ficando numa situação de redução à condição análoga à de escravo, ou não chegando a esse ponto, mas de realmente de negação, de violação de direitos trabalhistas, mas talvez o problema maior seja de estrangeiros aqui para o Brasil, que é o caso conhecido lá das confecções têxteis no Estado de São Paulo. Diante disso, o descompasso da legislação brasileira, eu não vejo como um problema grave, crucial, mas há uma tendência de promover essa harmonização do texto do Código Penal, com o texto do Protocolo e, como eu disse, eu vejo uma lacuna nessa falta de definição como crime autônomo.”

A Depoente colocou quatro questões na linha de uma possível adequação legislativa. Primeiro, a imprecisão de alguns elementos do conceito de tráfico, tal como posto no Protocolo; segundo, o tratamento jurídico da prostituição; terceiro, a mutação das formas de exploração humana e desenvolvimento de novas formas; e, quarto, o princípio da proporcionalidade.

Disse a Procuradora: “Em primeiro lugar o texto do protocolo adicional não define o que se deve entender por vulnerabilidade, por exploração sexual e outras formas de coerção. Então, diz-se que uma pessoa não deu o consentimento quando ela está em situação de vulnerabilidade. Esse tema da situação de vulnerabilidade é um tema estudado, mas em termos de um conceito legal, e no próprio Protocolo, não há balizas claras. A mesma coisa com relação a exploração sexual. A exploração sexual tem sido objeto de discussão nos fóruns internacionais, tanto naquelas conferências com sobre o direito da criança e os direitos da mulher. E há uma construção, uma elaboração do que se entende por exploração sexual. Então, algumas categorias têm sido construídas, mas essas categorias também, se a gente faz um trabalho de análise, a gente vê que isso se vai modificando no curso do tempo.”

Apontou, ainda a Sub-Procuradora Geral a dificuldade legal em se distinguir criminalmente a situação da pessoa maior de 18 anos que vai praticar a prostituição e maneira consentida ( lembrando que a prostituição não é ilícita em nosso país, mas tão somente sua exploração) e a situação da pessoa dita vulnerável, que não é capaz de consentir validamente nesse tipo de atividade. Até hoje, segundo a Depoente, não se chegou a um consenso sobre essas definições.

Observou a Dra. Ela: “A Presidente da Associação das Prostitutas da Região Central de Belém, a Sra. Lurdes Barreto, quando foi ouvida pela CPI do Senado, referiu-se a uma confusão que a sociedade faz entre prostituição, entre tráfico de pessoas, migração e exploração sexual. Realmente, hoje em dia, pelo art. 231, levar alguém para exercer a prostituição no exterior é crime. Então, a Associação das Prostitutas que defende a liberdade da profissão considera que acaba sendo uma criminalização da própria prostituição.”

A Depoente também se referiu ao trabalho doméstico: “Hoje em dia, algumas situações, parece, ou estão realmente fora do conceito de tráfico, como, por exemplo, o trabalho doméstico, que é uma realidade que agora está começando a ser mais visibilizada. O trabalho doméstico acontece aqui no Brasil, principalmente meninas que são trazidas de lugares mais longínquos, para vir para a cidade grande, e ficam numa situação de completa dependência das famílias onde elas trabalham.”

A Depoente sugeriu que a reforma legislativa necessária deveria criar o Título de Crimes contra a Dignidade da Pessoa, para incluir o de redução a condição análoga à de escravo e o de tráfico de pessoas.

Disse, por último, a Depoente: “Então, finalizando, o que quero sintetizar é que a adequação legislativa constitui um desafio enorme, porque os bens jurídicos objetos da proteção devem ficar bem evidenciados para o aplicador da lei, e o conjunto das condutas definidas como crime devem estar organizadas segundo parâmetros de relevância e de proporcionalidade. (...) Nós estávamos comparando, por exemplo, a questão do tráfico de pessoas com relação ao tráfico de armas, ao tráfico de drogas. E a dosimetria da pena no Código Penal é infinitamente mais grave para esses crimes do que para o tráfico da vida humana.”

Perguntada sobre tráfico em relação a passes de jogadores ou atletas, a Depoente disse que o fenômeno ainda é muito pouco conhecido.

Encerrou a oitiva colocando em relevo a necessidade de políticas públicas que evitem a vulnerabilidade das famílias, o que necessariamente abrangeria diversas áreas.

6. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO 1º PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS.

O I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (I PNETP) foi instituído pelo Decreto nº 6.347, 8 de janeiro de 2008, e tem como objetivo prevenir e reprimir o tráfico de pessoas, bem como responsabilizar os seus autores e garantir atenção e suporte às vítimas.

Esse Plano visou à integração de diversos órgãos governamentais, sociedade civil e organismos internacionais que atuam no enfrentamento a esse crime, promovendo a intersetorialidade da temática, com a articulação entre diferentes saberes e experiências no planejamento, implementação e avaliação de ações previstas na Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

Pode-se destacar, entre os benefícios promovidos pelo referido Plano: a ampliação de assistência às vítimas; o aumento significativo de estudos e pesquisas sobre o tema; o crescimento no número de denúncias e inquéritos instaurados.

A Portaria nº 749, de 29 de abril de 2010, criou Grupo de Trabalho para coordenação do processo de elaboração do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com a participação de representantes da Secretaria Nacional de Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Secretaria de Políticas para as Mulheres e Secretaria de Direitos Humanos.

As prioridades do 1º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, estabelecidas pelo Decreto nº 6.347, de 8 de janeiro de 2008, foram as seguintes:

- Levantar, sistematizar, elaborar e divulgar estudos, pesquisas, informações e experiências sobre o tráfico de pessoas.

- Capacitar e formar atores envolvidos direta ou indiretamente com o enfrentamento ao tráfico de pessoas na perspectiva dos direitos humanos.

- Mobilizar e sensibilizar grupos específicos e comunidade em geral sobre o tema do tráfico de pessoas.

- Diminuir a vulnerabilidade ao tráfico de pessoas de grupos sociais específicos.

- Articular, estruturar e consolidar, a partir dos serviços e redes existentes, um sistema nacional de referência e atendimento às vítimas de tráfico.

- Aperfeiçoar a legislação brasileira relativa ao enfrentamento ao tráfico de pessoas e crimes correlatos.

- Ampliar e aperfeiçoar o conhecimento sobre o enfrentamento ao tráfico de pessoas nas instâncias e órgãos envolvidos na repressão ao crime e responsabilização dos autores.

- Fomentar a cooperação entre os órgãos federais, estaduais e municipais envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas para atuação articulada na repressão do tráfico de pessoas e responsabilização de seus autores.

- Criar e aprimorar instrumentos para o enfrentamento ao tráfico de pessoas.

- Estruturar órgãos responsáveis pela repressão ao tráfico de pessoas e responsabilização de seus autores.

- Fomentar a cooperação internacional para repressão.

7. RESUMO DOS PRINCIPAIS ÍTENS DO 2º PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS.

Diretrizes:

1. - Cooperação entre órgãos policiais nacionais e internacionais;

2. - Cooperação jurídica internacional;

3. - Sigilo dos procedimentos judiciais e administrativos, nos termos da lei;

- Integração com políticas e ações de repressão e responsabilização dos autores de crimes correlatos.

Ações desenvolvidas:

1. - Capacitação de profissionais da segurança pública;

2. - Revisão da legislação;

- Criação de Centrais de Atendimento ‐ Disque 100 (SDH);

- Criação de Sistema de Informações e Banco de Dados – Integratio;

- Negociação de Acordo de Cooperação Internacional em matéria penal;

- Ações de ETP em regiões de Fronteira.

Atendimento a Vítimas de Tráfico de Pessoas - Prioridade:

- Articular, estruturar e consolidar, a partir de redes e serviços e redes existentes, uma rede nacional de referência e atendimento às vítimas do tráfico.

Ações:

- Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Postos Avançados de Recepção a Deportados e Não‐Admitidos;

- Ligue 180 (SPM);

- Centros de Referência Especializados de Atendimento à Mulher;

- Levantamento, mapeamento, atualização e divulgação de informações sobre instituições governamentais e não‐governamentais situadas no Brasil e no exterior que prestam assistência a vítimas de tráfico de pessoas;

- Mobilização dos CREAS (Centros de Referência Especializados em Assistência Social) para atender vítimas de violência ou de tráfico–567 CREAs estruturados no país;

- Ações no campo da Saúde que incorporaram o tema do Tráfico de Pessoas: Saúde da Mulher; DST e HIV/AIDS; saúde mental; e uso de álcool e drogas.

Relação Núcleos e Comitês:

NÚCLEOS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS: - Unidades administrativas do Poder Executivo Estadual para desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas.

COMITÊS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO D EPESSOAS: - Tem o objetivo de atuar como um canal de diálogo para resolver e antever problemas, minimizar conflitos e oferecer sugestões, apresentando alternativas de solução.

Relação com os Estados:

- Presença de Núcleos e Postos – parcerias por meio de convênios;

- Políticas e Planos Estaduais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas;

- Distribuição Territorial de Núcleos e Postos

O Plano prevê a implantação de Núcleos e Postos, nos seguintes Estados: PE, GO, AC, SP, RJ, BA, CE, MG, PB, AM, RS, PR, MS, RN.

Desafios da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas:

1) Institucionalização da Política Nacional;

2) Fortalecimento da Rede;

3) Visibilidade do Tema;

4) Estruturação do Sistema de Informações;

5) Capacitação de atores envolvidos.

8. COTEJO ENTRE OS DOIS PLANOS NACIONAIS DE ENFRENTAMENTO DO TRÁFICO DE PESSOAS

O objetivo de ambos os Planos é prevenir e reprimir o tráfico de pessoas, bem como responsabilizar os seus autores e garantir atenção e suporte às vítimas, promovendo-se, para isso, a integração de diversos órgãos governamentais, sociedade civil e organismos internacionais que atuam no enfrentamento a esse crime.

Os dois Planos contemplam a assistência às vítimas, a realização de estudos e pesquisas voltados para o combate ao tráfico de seres humanos, a capacitação de profissionais para essas atividades, o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico, a cooperação entre os diversos entes federativos e a cooperação internacional.

O 2º Plano amplia essas ações no campo da assistência, no campo da saúde, com a incorporação do tema do tráfico de pessoas nas políticas de saúde da ulher; DST e HIV/AIDS, saúde mental, uso de álcool e drogas, o que torna o combate a esses crimes ainda mais efetivo, envolvendo, além da punição e repressão, a assistência às vítimas e suas famílias.

9. IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA CRIMINAL NA APURAÇÃO DE CRIMES DE TRÁFICO DE PESSOAS

A CPI ouviu o relato de peritos criminais acerca da realização dessa atividade e de sua importância para as investigações relacionadas ao tráfico de pessoas e também colheu informações sobre as dificuldades enfrentadas por esse setor. Passamos, assim, a transcrever as falas dos depoentes que comapreceram perante esta Comissão.

DEPOIMENTO DO SR. GUILHERME SILVEIRA JACQUES – Perito criminal do Laboratório de Genética Forense do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal.

O declarante salientou que em relação ao DNA, existem duas características do DNA que o tornam muito útil nas investigações criminais e na investigação também de localização de pessoas: primeira característica é que o DNA de cada pessoa é único e diferente do das outras; a segunda é a possibilidade de se relacionar parentes, familiares por intermédio do DNA.

Afirmou que O DNA está presente em praticamente qualquer material biológico.Disse que o DNA: “É um exame que, na verdade, exige um laboratório próprio, com equipamentos próprios, com uma estrutura própria e com pessoal bastante especializado.”.

Afirmou que o perfil genético só tem sentido quando comparado com outro exame de DNA. Descreveu como funcionam os Bancos de Dados que armazenam os perfis genéticos.

Afirmou que no Brasil houve um grande incremento na genética forense , em razão de a investimentos do Governo Federal, através de um programa específico capitaneado pela SENASP. Ressaltou que hoje já existem 15 estados interligados à Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.

Elogiou a Lei nº 12.654, que, pela primeira vez, dispõe sobre o Banco Nacional de Perfis Genéticos e o o Decreto nº 7.950 que permite a utilização desse banco nos casos de pessoas desaparecidas.

Destacou que a gestão rede integrada de Bancos de Perfis Genéticos está compartilhada em um comitê gestor no qual participam não apenas peritos da Polícia Federal, mas também peritos estaduais e também representantes da Secretaria dos Direitos Humanos, do Ministério Público, da OAB, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, da Comissão de Ética em Pesquisa, do Ministério da Saúde.

DEPOIMENTO DA SRA. MEIGA AUREA MENDES MENEZES - Perita Criminal do Laboratório de Genética Forense do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal.

Destacou que uma das características do próprio exame de DNA que auxiliam muito na área de identificação de pessoas é a sua a resistência ao tempo. Disse que a coleta do DNA é indolor e feita pela boca. Ensinou que o teste de DNA é eficaz no reconhecimento de cadáveres e de pessoas que desapareceram há muito tempo.

Descreveu o que vem a ser um Banco de Dados de Perfil Genético: “ (...) é um repositório de perfis genéticos que não têm identificação, em princípio, você tem familiares de um lado, ossadas ou pessoas sem identificação do outro, e esse banco, esse software, nada mais faz do que comparar, ao invés de ser individual — seria impraticável você fazer isso com milhões de amostras —, você faz de uma maneira automática através de um algoritmo de software (...)”.

Falou sobre as três grandes aplicações do Banco de Perfis Genéticos: identificação de cadáveres, crianças em abrigos e vítimas de tráfico de pessoas.

Descreveu caso de uma criança de outro país achada no Brasil: “Existiu em 2011 um caso que apareceu bastante na mídia de um garoto haitiano que foi largado no metrô Itaquera, lá de São Paulo, e não falava português. Ninguém sabia de onde ele era, e houve uma suspeita de que ele era uma vítima do tráfico internacional de pessoas. E, de fato, isso se confirmou. (...) Nesse caso (...), eles levaram uma possível mãe. E a gente confirmou isso através da tecnologia do DNA”.

Abordou ainda uso do DNA nos casos de tráfico de órgãos: “você pode encontrar situações em que você tem um órgão com suspeita de ter sido um órgão roubado — um rim, por exemplo —, e você quer ter a certeza de que aquilo ali não pertence a uma criança que foi morta justamente para ter seu rim retirado.”

Sugeriu a elaboração de alguma norma que exija uma consulta prévia ao Banco de Dados Genético para que uma adoção seja homologada, evitando-se dessa forma que crianças raptadas sejam entregues legalmente a outras famílias.

Descreveu a ação de uma quadrilha que atuou em Florianópolis nos anos 80 e traficou várias crianças para Israel. Demonstrou que é muito importante para o sucesso de investigações que famílias que tenha algum ente desaparecido sejam estimuladas a doar o DNA: “quanto mais amostras houver no banco, (...) mais chance você tem de unir famílias.”.

DEPOIMENTO DO SR. HELIO BUCHMULLER LIMA – Perito da Polícia Federal.

Expôs os desafios logísticos que dificultam o trabalho dos laboratórios de DNA: pessoal, estrutura física, estrutura administrativa e investimento continuado.

Disse que “nem todos os Estados têm laboratório hoje. Existem Estados em fase de implantação ou que sequer estão nessa fase de implantação.”

Pugnou para que haja investimentos permanentes nos Laboratórios : “Então, quando a gente fala aqui de pessoas desaparecidas, a gente está falando de restos mortais que podem está em condições muito precárias, e essas novas tecnologias têm que ser incorporadas. Então, tem que haver obviamente um investimento para renovação de parque tecnológico, e, no nosso caso, também, investimento na Polícia Federal, que está sendo feito para ampliação da estrutura predial.”

Afirmou que o número de pessoas trabalhando nos laboratórios da polícia é muito pequeno e que a estrutura física , em geral, é precária.

Conclui-se, assim, que essa atividade pericial é de suma importância para os trabalhos de investigação de crimes relacionados ao tráfico de pessoas, diante do que está a merecer uma melhor atenção por parte dos governantes, no sentido de bem aparelhar esses órgãos responsáveis pela realização de perícias criminais.

10. RELAÇÃO ENTRE O TRÁFICO DE SERES HUMANOS E A EXPLORAÇÃO DE TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.

Uma das modalidades de tráfico de pessoas é aquela destinada ao uso de seres humanos para trabalho em condição análoga à de escravo, daí as investigações da CPI terem avançado também sobre essa questão. Em relação a esse aspecto, a Comissão colheu depoimento de várias autoridades envolvidas no combate a esse tipo de crime. Passamos, de forma suscinta, a transcrever esses depoimentos colhidos.

DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ ARMANDO FRAGA DINIZI GUERRA – Coordenador-Geral da Comissão de Erradicação do Trabalho Escravo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Afirmou o Depoente: “O nosso conceito de trabalho escravo está colocado no art. 149, com a redação dada pela Lei 10.803, de 2003, que coloca que a redução de alguém a condição análoga à de escravo se dá através de trabalhos forçados, ou jornada exaustiva, ou condições degradantes de trabalho, ou restrição por qualquer meio da locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída.

Como característica do trabalho escravo, nós temos que, no Brasil, ela é verificada em praticamente todos os Estados. Se você for pegar o histórico de atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e dos grupos móveis de fiscalização, de combate ao trabalho análogo ao de escravo, você vai ver que praticamente todos os Estados têm, de 1995 para cá, ocorrência de libertação de trabalhadores, de resgate de trabalhadores que estavam em situação análoga à de escravo.

O crime do trabalho análogo ao de escravo é verificado, em sua maioria, em atividades que demandam mão de obra intensiva e pouco qualificada. Você pode encontrar trabalho escravo em fazendas que têm produção moderna, que trabalham com material de maior qualidade; você tem a questão do trabalho com inseminação artificial, com máquinas colheitadeiras de alta tecnologia. Só que esses trabalhadores, por serem muito qualificados e também por estarem em outro patamar no mercado de trabalho, têm todos seus direitos garantidos.

Do mesmo lado, você tem, nas atividades que demandam mão de obra não tão qualificada, apenas força de trabalho, a ocorrência de trabalho escravo. Então, está mais vinculado ao tipo de atividade feita no local do que ao setor produtivo em si. E é um crime que não ocorre sozinho, é um crime que interage com outros tipos, com outros crimes também, como por exemplo os crimes ambientais, como por exemplo a questão da própria violência, os crimes fundiários e, no caso que temos que falar agora, o crime de tráfico de pessoas.

No caso específico de trabalho escravo, o crime de aliciamento, que está colocado no art. 207 do Código Penal. O trabalho escravo é um crime que não acontece sozinho na economia brasileira, é um crime que está vinculado aos demais setores da economia. O trabalho escravo não se circunscreve ao local onde é explorado. Por exemplo: em cadeias produtivas como a do algodão, em fazendas onde é encontrado o trabalho escravo de algodão, você vê toda a interligação delas com empresas trades e, no final — empresas têxteis —, o trabalho escravo pode vir a ser... acabar desaguando no lençol, na toalha ou na roupa que a pessoa usa. Quer dizer, o trabalho escravo não está circunscrito apenas ao local onde é explorado.

Em relação ao tráfico de pessoas com trabalho escravo, você verifica através do trabalho do Estado brasileiro, nesses 17 anos de combate ao trabalho escravo, desde 1995 nos últimos anos, com o aumento cada vez maior de libertações no setor urbano, você tem duas nuances a respeito do tráfico de pessoas vinculadas ao trabalho escravo, que é a nuance interna, vinculada muito à questão da migração interna, e a questão externa, dos trabalhadores estrangeiros que, em busca de uma condição melhor de vida, uma condição melhor de trabalho... E o Brasil, hoje, mesmo num momento de crise, como o País que consegue, com todas as dificuldades, não ser tão atingido por essa crise, continua gerando emprego, apesar dessa crise que já dura 4 anos, acaba sendo na verdade um grande polo de atração de trabalhadores de outros países, que vêm ao Brasil em busca de melhores condições de vida e, infelizmente, acabam sendo enredados na rede do trabalho análogo ao de escravo e do tráfico internacional de pessoas.

Poderíamos dizer (...) que o tráfico de pessoas pode ser colocado como um crime-meio, na verdade. Podemos dizer que o crime do tráfico de pessoas — e isso é uma forma um pouco exagerada — não existe por si só. O crime do tráfico de pessoas está vinculado à execução de outro crime, como por exemplo a exploração sexual de crianças e adolescentes, o tráfico de órgãos ou o trabalho escravo. Então, poderíamos dizer, que seria um crime-meio.

Como eu coloquei, tive um problema com o computador, mas tinha trazido uma apresentação na qual você consegue explicar as dinâmicas internas do Brasil, de trabalho escravo. Você tem como grande polo fornecedor Municípios com menor IDH. Você acaba confundindo praticamente a mancha do IDH com a mancha das cidades de onde mais saem trabalhadores libertados da escravidão e, ao mesmo tempo, você consegue ver no mapa toda a migração dos trabalhadores, dos setores onde o IDH é menor, para as zonas de atração de trabalhadores, zonas talvez colocadas como de expansão econômica ou grandes cidades já estabilizadas no seu poder econômico. E as pessoas são atraídas para isso.

Em relação ao trabalho escravo, em termos de dificuldades no combate ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo, temos dois grandes blocos de dificuldades.

A primeira dificuldade diz respeito à questão da vítima de trabalho escravo, que é uma vítima que está em uma situação muito vulnerável. Em relação aos trabalhadores internos, você tem trabalhadores que não tiveram acesso ao mercado de trabalho de maneira qualificada. São trabalhadores que não tiveram acesso aos serviços estatais de educação. Você tem níveis de analfabetismo muito altos, de alfabetização apenas formal — essa pessoa apenas sabe ler e escrever o nome.

Então, essa pessoa não consegue se inserir de forma qualificada no mercado de trabalho, sendo uma vítima em potencial, facilmente vitimizada por essa situação de trabalho análogo ao de escravo, principalmente no que diz respeito à fraude no contrato de trabalho. Essa pessoa é envolvida por uma promessa de situações de trabalho que acabam não ocorrendo, e acaba sendo enredada.

Boa parte dessas pessoas tem ausência de documentação. Você encontra trabalhadores libertados sem nenhum documento. Às vezes, o primeiro documento que essa pessoa tem, o primeiro reconhecimento estatal dessa pessoa é a carteira de trabalho emitida na hora da libertação pelos auditores e pelos procuradores.

Então, você tem essa dificuldade da vitimização, de a vítima ser muito vulnerável.

Quando acontece o tráfico internacional, você tem a questão da situação teoricamente irregular da vítima, que acaba sendo, na verdade, uma forma de coação do explorador sobre ela. A pessoa está aqui no Brasil, não entrou pela maneira legal, com visto, com passaporte direitinho, e essa situação dela é utilizada pelo explorador como forma de mantê-la na situação de trabalho escravo. Há ameaças: “Se você denunciar, eu entrego você para a Polícia Federal, para adeportação”. Isso acaba colocando a vítima do tráfico internacional em uma situação muito vulnerável, em relação a trabalho análogo ao de escravo.

DEPOIMENTO DO SR. JONAS RATIER MORENO – Procurador do Trabalho e Coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, representando o Sr. Luís Antônio Camargo de Melo, Procurador-Geral do Trabalho.

O Ministério Público do Trabalho, como agente e órgão de Estado responsável pelo combate, principalmente, à questão do trabalho escravo, tem agido e atuado em várias frentes. A primeira é a frente extrajudicial. O primeiro item dessa atuação extrajudicial é a questão da articulação política com os órgãos parceiros, notadamente com os que compõem a CONATRAE, para somar esforços.

Quando falamos em crime de aliciamento ou na transferência de um trabalhador ou de um grupo de trabalhadores de um rincão do Brasil para outro, para fins de exploração, notadamente esse trabalhador passa por locais. Então, essa primeira articulação é com os órgãos parceiros: Polícia Rodoviária Federal, Polícias Rodoviárias Estaduais. E, para essa articulação, está em fase de desenvolvimento um projeto chamado Caminhos para a Liberdade. O que é isso? É um monitoramento do deslocamento desse trabalhador, lá do local onde ele é costumeiramente arregimentado... Além dos Estados onde o IDH é baixíssimo se pode mencionar dois Estados que ainda ponteiam nessa questão, neste caso, que são os Estados do Piauí e do Maranhão.

Oriundos desses Estados muitos trabalhadores se deslocam de regiões ali em que o IDH é muito baixo, em busca do seu ganha-pão do dia a dia, para o sustento da sua família, já que naquela região ele não poderá prover seu sustento. Então, ele se desloca para trabalhar no setor canavieiro.

Recentemente começou a se registrar o fenômeno que dessa mão de obra que ia para o setor canavieiro muitos estavam optando pelo setor de construção civil.

O projeto Caminhos para a Liberdade foi gestado exatamente porque o Ministério Público do Trabalho, como um órgão de repressão, está muito acostumado a entrar num outro ponto de atuação, que é o judicial, que é na parte repressiva. No ano passado, concebemos esse projeto Caminhos para a Liberdade e outro, que é o Resgatando a Cidadania, mas já no campo da reinserção do trabalhador.

Então, essa parte da atuação extrajudicial é sobremaneira importante, para o Ministério do Trabalho é por demais importante. Por quê? Porque nós temos que atuar na prevenção. Esse trabalhador, quando está lá no seu local de origem, tem que receber os esclarecimentos necessários para não cair na cadeia da exploração.

Disse o Depoente: “O Ministério Público do Trabalho, até antes da implantação dos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, já vinha atuando e colocando isso na mesa, que não é só a questão para fins de exploração sexual, como é tradicionalmente a questão do enfrentamento ao tráfico de pessoas. Nós também, na questão do trabalho, principalmente do trabalho escravo, com que nos defrontamos, há um componente, que é o meio. Quem não conhece a intermediação da mão de obra por gato? O chamado gato chega àquela região, promete ao trabalhador remuneração muito superior — até numa forma de enganar esse trabalhador —, para motivá-lo a se deslocar daquela região de origem para outra, para fins de exploração. Quando chega lá, como nós sabemos, não é... A prática, o contrato, já pré-pactuado, não é cumprido. E esse trabalhador é explorado, como todos nós sabemos.”

Apontou que uma opção do ministério público tem sido a utilização de instrumentos extrajudiciais. “Passando por essa articulação toda, o Ministério Público do Trabalho tem outro instrumento importante, que é o da investigação, que é o inquérito civil público. Nesse inquérito, nós vamos buscar toda a dinâmica do deslocamento desse trabalhador, da forma como ele foi explorado e dali dar toda a extensão do que ocorreu com determinado fato em apuração. E, se o infrator não ajustar a sua conduta, na forma da lei, conforme reza o art. 876 da CLT, introduzido pelo legislador ordinário, aí sim, nós partimos para a fase seguinte, que é o ajuizamento da ação civil pública. Mas, no caso do tráfico de pessoas, que está tipificado no 207 do Código Penal, que transportamos para a seara trabalhista, ele é um componente-meio, como bem falou o Dr. José Guerra. Quando atuamos, nós já atuamos no conjunto da repressão em si do trabalho escravo. Então, esse é apenas um componente. Quando nós lá fechamos a investigação toda, no bojo dela já vem inclusive a apuração: se aquele trabalhador foi ou não ou se aquele grupo de trabalhadores foi ou não objeto de tráfico, de deslocamento ilícito.”

Grande avanço na área, segundo o Depoente, foi a edição Instrução Normativa nº 90, do Ministério do Trabalho e Emprego, de 28 de abril de 2011, que dispõe sobre o recrutamento desses trabalhadores, o deslocamento desses trabalhadores até onde eles vão prestar o serviço, até aquele posto de trabalho que nós rogamos que não seja simplesmente um posto de trabalho, mas que seja um posto de trabalho revestido da dignidade, do princípio da dignidade da pessoa humana.

No campo judicial, O MPT lança mão das chamadas ações civis públicas para, em si, reprimir todo o conjunto da prática, do ilícito constatado. A ação civil pública é ajuizada em vários casos, principalmente onde se absorve grande massa de trabalhadores, no setor sucroalcooleiro, na indústria têxtil e em diversos outros casos.

DEPOIMENTO DO SR. RENATO BIGNAMI – Representante da Sra. Vera Lúcia Ribeiro de Albuquerque, Secretária de Inspeção do Trabalho.

Declarou o Depoente: “O Brasil, ao ratificar o Protocolo de Palermo, por meio do Decreto nº 5.017, em 2004, tomou uma decisão bastante valente. Quer dizer, internacionalmente reconhece também que essa é uma luta que precisa ser enfrentada de uma forma bastante corajosa e bastante coordenada. O tráfico de pessoas não é uma situação muito fácil de ser detectada, apesar de ele poder acontecer debaixo do nosso nariz.

Pode estar acontecendo aqui na esquina uma situação de tráfico de pessoas, e nós não estamos nos dando conta, não estamos percebendo. Então, é realmente uma situação bastante delicada, bastante complexa, que envolve diversos agentes e diversos estratos subterrâneos no âmbito social. E o grande desafio das autoridades é conseguir penetrar nesses estratos e dar um alento para essa vítima. A maior parte das vítimas ou é, primeiro, por ignorância; segundo, por falta realmente de condições, uma pobreza; terceiro, por falta de educação. Diversos fatores levam essas pessoas a serem vitimadas e entre eles está a incapacidade do Estado de fornecer todos os insumos para que o ser humano se desenvolva e evolua de forma correta e saudável.

Então, eventualmente esse ser humano acaba sendo vitimado por alguém que está ali para explorá-lo realmente e obter uma vantagem econômica nítida, em virtude dessa superexploração.

Em linhas bastante gerais é isso que ocorre, tanto no plano interno quanto internacional. No plano interno, o tráfico tomou o nome de aliciamento, especificamente para fins de trabalho escravo. No plano internacional, tem-se utilizado a denominação de tráfico de pessoas.

O Brasil é tanto receptor no plano internacional quanto território de passagem. Eventualmente, migrantes que por aqui passam e se destinam a outras nações quanto um País de remessa também. Ele também envia brasileiros para o exterior com falsas ilusões.

Eventualmente, essas pessoas vêm a se deparar com uma situação muito mais dura do que aquela que eles estavam imaginando e com dificuldades para retorno. Então, é uma situação extremamente complicada, complexa. Quando a gente fala no tráfico interno, geralmente estamos falando de pessoas muito humildes, de pessoas que acabam, de uma forma ou de outra, sendo submetidas a essa situação de serem deslocadas de um espaço para outro dentro do território nacional, geralmente para regiões de difícil acesso. Mas cada vez menos isso está ocorrendo. Cada vez mais a gente vê a deterioração do ambiente de trabalho em meios urbanos — cada vez mais isso.”

Prosseguiu: “Outra faceta do tráfico também é a superexploração de populações que tradicionalmente sofreram assimetria na própria pele, pessoas que por questões raciais, étnicas acabam sendo mais vulneráveis — ou de gênero também. E quando nós falamos no tráfico internacional, um país sendo receptor, falamos de um grande polo de atração para os vizinhos sul-americanos. Quando falamos, no Brasil, em território de envio, de remessa, falamos aí dos tradicionais mercados europeus, talvez cada vez menos por conta da crise que se experimenta na Europa, mas ainda existe esse fluxo.”

O Depoente fala de caso de rota de tráfico recentemente identificada: “Falamos agora recentemente de um caso que surgiu de uma agência de modelo que enviou meninas para a Índia, que era um lugar que eu não imaginava que havia um fluxo, mas acabei descobrindo, nas nossas investigações, que também existe um polo ali. Bollywood é um polo. Cria-se uma certa ilusão, e as meninas acabam entendendo que pode ser que consigam um dia ascender numa carreira artística. Então, são situações as mais díspares que envolvem o tráfico de pessoas.”

Sobre a ação do MT, declarou: “Pelo Protocolo de Palermo, o tráfico de pessoas existe para prostituição, para extração de órgãos, para adoção. Mas, no nosso caso, para a Secretaria de Inspeção do Trabalho, o tráfico que nos diz respeito ali, diretamente, é aquele tráfico que ocorre para fins de exploração de trabalho escravo. A competência da Secretaria de Inspeção do Trabalho é normatizar, elaborar, monitorar as políticas públicas de fiscalização do trabalho.

Então, precisa haver uma relação de trabalho ou pelo menos a expectativa de, para que os auditores fiscais do trabalho estejam ali atuando. E sempre que ocorre exploração de trabalho escravo a fiscalização é acionada e vai adiante com o objetivo único de detectar essa situação, resgatar esses trabalhadores dessa situação, garantir o pagamento das verbas rescisórias e de todas as indenizações possíveis a que esse trabalhador possa fazer jus, recompor o salário dele, porque geralmente existe um deficit incrível, da ordem de um terço a um quinto do que ele deveria receber ao que ele normalmente recebe. Isso quando recebe. Eventualmente, há trabalhadores que nem recebem nada.

De modo que no momento em que o auditor se depara com uma situação dessa, ele já reconhece, constata uma situação de trabalho escravo, resgata esse trabalhador, determina à empresa que rescinda esse contrato e que pague todos os haveres cabíveis a esse trabalhador. Além disso, o auditor emite uma guia de seguro-desemprego. Esse trabalhador faz jus a três parcelas do seguro-desemprego, por força da Lei do Seguro-Desemprego. E também se garantirá o regresso desse trabalhador à sua origem, caso seja essa a sua vontade.

Esse é o pacote de medidas sob responsabilidade dos auditores fiscais do trabalho que foi construído no decorrer dos últimos 15 anos. Além disso, essa empresa certamente será punida pela fiscalização. Serão lavrados diversos autos de infração que levarão à imposição de multas. E ao final do processo administrativo dessas multas todas, caso tenha ocorrido a procedência dos autos de infração, o nome ou a razão social da empresa que estiver por trás, responsável por essa situação, será lançado no cadastro dos empregadores que foram flagrados em situação de exploração de trabalho análogo ao de escravo, a popular conhecida como Lista Suja do Ministério do Trabalho, que tem se mostrado um dos melhores instrumentos no combate às formas contemporâneas de escravidão.

Entendemos que a vulneração a que está sujeito o trabalhador vítima de trabalho escravo não pode ser perpetuada. E o objetivo nosso é justamente recompor os direitos humanos fundamentais desse trabalhador. Esse é o grande objetivo.”

Uma das maiores contribuições a esta CPI foi dada pelo Depoente nesta fala: “Uma das que mais tem chamado a atenção da Inspeção do Trabalho — até porque é o nosso mister, o nosso dever diário — está relacionada diretamente com as novas formas de fragmentação produtiva. Na verdade, 100% dos casos em que foi constatado o trabalho escravo nos últimos anos estão relacionados, de uma forma ou de outra, com o fracionamento de cadeia produtiva. Essa é a famosa terceirização, subcontratação de serviços.

Ao subcontratar, uma empresa-mãe, uma empresa maior, uma empresa que tem todas as condições para corretamente e adequadamente contratar o trabalho de um ser humano, ao subcontratar, essa empresa tem a falsa ilusão de que ela está se livrando de responsabilidades e, portanto, de custos. Ela reduz o seu custo de uma forma brutal com a terceirização. Só que essa redução necessariamente vai redundar, lá adiante, na superexploração de um trabalhador. Quer dizer, em linha de máxima, a gente tem eventualmente 3, 4, 5 — já cheguei a ver 7 — camadas de subcontratação. E lá no final, na última camada, um trabalhador recebendo um terço, um quinto de um salário mínimo e trabalhando 15, 17, 18 horas por dia. Além disso, esse trabalhador sem a menor condição de segurança e saúde, correndo risco de vida diariamente. Além disso, nos casos mais graves, esse trabalhador sendo humilhado, sofrendo humilhações diárias do seu feitor, justamente para trabalhar mais e ficar quieto.”

Prosseguiu: “Muitas vezes ameaças são comuns. Ameaça de vida a esse trabalhador, ameaça de vida a sua família, a sua família que ficou longe. Então, é dessa situação que nós estamos falando. E, por trás dessa situação, está uma situação de subcontratação brutal de serviços. Hoje, este País é o país das subcontratações. Terceirização é uma página não completa na história trabalhista deste País. Ela ocorre de uma maneira absolutamente liberal ou neoliberal, se fosse considerar, porque ela ocorre sem travas. Não existem travas na legislação. O que nós temos aí, basicamente, é um enunciado do Tribunal Superior do Trabalho. A própria jurisprudência continua contradizendo o próprio enunciado diariamente. Existem diversos julgados que aceitam terceirização, inclusive em atividade-fim. Então, é importante que debatamos essas causas do ponto de vista trabalhista, até para a gente entender por que uma enorme gama de trabalhadores, quer seja no meio rural, quer seja no meio urbano, quer seja em qualquer atividade, está sendo submetida frequentemente a condições análogas à de escravidão.

O que existe por detrás dessas subcontratações são grandes empresas, eventualmente até multinacionais, que se beneficiam de uma lacuna na legislação brasileira. Na Europa, o combate a essa situação está muito mais avançado, essa já é uma página praticamente virada, não sendo possível essa subcontratação, essa terceirização completamente desmesurada. Na opinião do Depoente, esse é um ponto que precisaria ser bastante trabalhado, para que realmente aumentasse a responsabilidade.

Tratou da Diretiva é 36, de 2011, da união Europeia, que cria a responsabilização da pessoa jurídica, tanto por ação quanto por omissão no dever de corretamente monitorar sua cadeia de produção no sentido de evitar que ocorram casos de tráfico de pessoas em sua cadeia de produção. Resta saber como os países vão transpor, vão absorver esse comando da Diretiva 36, de 2011, do Conselho da União Europeia, que é uma diretiva sobre tráfico de pessoas. Na Califórnia, também recentemente, houve uma lei que ordena que os CEOs (diretores presidentes de grandes corporações) devem declinar seu plano de trabalho para evitar tráfico de pessoas e trabalho escravo em sua cadeia produtiva. Isso poderia ser pensado em termos de legislação brasileira, inclusive contando com meios de controle como a CVM, possibilidades de cassação de licenças por parte do Estado, medidas de natureza financeira, societária, comercial, administrativas, para que possamos avançar no combate ao trabalho escravo e no combate ao tráfico de pessoas, além, obviamente, de formação e informação ao trabalhador.

De fato, a CPI constatou o estreito relacionamento entre tráfico de pessoas e trabalho em condição análoga à de escravo, donde ressalta a necessidade de atualização da legislação, a fim de tipificar adequadamente essas condutas, sobretudo diante do que dispõe a Convenção de Palermo.

No Projeto de Lei apresentado pela Comissão, esses crimes são tipificados deforma abrangente, buscando alcançar as diferentes formas pelas quais as redes criminosas têm tantado burlar a lei e escapar da punição.

11. AS REDES DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL.

A CPI buscou oportunamente ouvir diversas autoridades públicas envolvidas no combate ao tráfico de pessoas no Brasil, inclusive colhendo informações acerca das políticas públicas que vêm sendo desenvolvidas nesse setor. Passamos a transcrever o resumo dos depoimentos prestados perante a Comissão acerca desse tema.

11.1. CASOS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL E TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DE GOIÁS.

A CPI recebeu denúncia de Exploração Sexual e Tráfico de Mulheres e Crianças no Estado de Goiás. Segundo dados colhidos, no tráfico Internacional, 75% das mulheres traficadas para a Espanha são goianas. O tráfico de mulheres goianas também é intenso para Holanda e Suíça.

Existem também o aliciamento de trabalhadores rurais para o tráfico entre Pará e Goiás. Um exemplo dessa exploração é o caso de exploração em Anápolis, pela cafetina Érika, que responde por rufianismo, exploração sexual de crianças e adolescentes, tráfico interno e internacional de pessoas, sendo acusada inclusive de traficar travestis menores de idade do Pará para Goiás.

Esta Comissão ouviu depoimento da Sra. Nelma Maria Pontes de Souza, Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de Goiás.

Nesse depoimento, foram comentados diversos aspectos que merecem destaque, os quais passamos a comentar de forma suscinta. Os Casos de exploração específicos combatidos pelo Núcleo são a Exploração Sexual e Tráfico de Mulheres e Crianças. A Sra. Nelma se refere ao dado de que, no Tráfico Internacional: 75% das mulheres traficadas acolhidas na Espanha vítimas de tráfico são goianas. O tráfico de mulheres goianas também é intenso para Holanda e Suíça.

Foi mencionado o caso de um travesti levado para a Itália – originalmente de Pernambuco, recebe benefícios de aposentadoria e medicamentos concedidos pela Defensoria Pública. Os cuidados são recebidos pelo Estado de Goiás, apesar da origem pernambucana.

Existe também o caso dos trabalhadores rurais, com tráfico entre Pará e Goiás. O caso que mais recebe atenção é de tráfico interno. Trata-se de caso de exploração em Anápolis, pela cafetina Érika, que responde por rufianismo, exploração sexual de crianças e adolescentes e tráfico interno e internacional de pessoas. Traficou um travesti menor de idade do Pará para Goiás, juntamente com outros menores de idade.

Assim que chegou a Anápolis, ele recebeu silicone industrial na casa da própria Érika, aplicado por ela mesma. Também recebeu maquiagem, tintura de cabelo, roupas. Ao final da operação, foi encaminhado diretamente às ruas para se prostituir e pagar as “dívidas” da transformação.

Também consta o caso Índia carajá raptada por um grupo de ciganos O Núcleo discorda e afirma a existência de indícios de que foi aliciamento, inclusive com o uso de presentes e dinheiro. A criança foi levada para tomar um sorvete pelo grupo, com o consentimento da mãe. A polícia, entretanto, trata o caso como rapto e subtração de menor, e não tráfico.

Algumas ações tomadas para o combate ao tráfico foram: capacitação de pessoal; oferecimento de assistência jurídica às vítimas; campanhas de prevenção, inclusive nas escolas. No caso Érika, foi pedida a colaboração à Polícia Federal, por suspeita de envolvimento da polícia na proteção à acusada. Existe também pelo menos um caso em que foi fornecida a assistência jurídica a uma brasileira acusada de tráfico na Espanha. A Coordenadora relatou casos resolvidos pelo Núcleo, de trabalhadores em condições análogas à escravidão e que foram atendidos em Goiás e de uma mulher que veio da Espanha onde colaborou com as instituições espanholas para prender criminosos.

No caso dos Travestis, o tráfico ocorre com a compra de identidade para os menores. Na verdade, geralmente o menor de idade quer a transformação. São conhecidos por ficarem nas ruas e esquinas de Anápolis, com conhecimento da polícia.

Nos casos de Goiás, o aliciador pede para que os adolescentes e crianças consigam o documento para viajar. Como eles querem viajar, geralmente compram identidades falsas, e mesmo que sejam completamente diferentes dos donos, conseguem viajar. Estas foram as principais observações feitas no depoimento mencionado.

A CPI procedeu à tomada dos seguintes depoimentos sobre essa investigação.

DEPOIMENTO DO SR. RINALDO APARECIDO BARROS - Juiz Titular do Juizado Civil e Criminal da Comarca de Jaraguá - GO, respondendo também por duas Varas Criminais em Aparecida de Goiânia e pela 11ª Vara Criminal de Goiânia.

Disse que, no que se refere ao tráfico de pessoas, a partir do caso ocorrido em Niquelândia, em 2007, foi percebido, naquelas cidades do norte, principalmente Niquelândia e Uruaçu, um movimento muito grande de mulheres, sobretudo para a Espanha e Portugal.

Relatou que foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça, dentro da Comissão de Acesso à Cidadania e Justiça, um grupo de enfrentamento ao tráfico de pessoas há mais ou menos 2 anos, liderado pelo Conselheiro Ney José de Freitas, que tem desenvolvido um trabalho importantíssimo.

Mencionou a assinatura de um acordo de cooperação técnica entre o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e o Conselho Nacional de Justiça, que visava atuar em seis áreas, em seis frentes no enfrentamento, além da existência de uma cooperação jurídica internacional.

Na área de prevenção, segundo o depoente, foi proposto ao Poder Judiciário fazer um trabalho de disseminação perante os Conselhos Tutelares, conselhos de segurança, centros de pacificação social, associações de bairros. Propôs-se fazer um trabalho nesse sentido, porque o Juiz pode, nessa nova função de agente de transformação social, manter um diálogo franco e aberto com a sociedade, fazer reuniões, fazer palestras em escolas.

DEPOIMENTO DA SRA. ADRIANA ACCORSI - Delegada da Polícia Civil do Estado de Goiás.

Destacou a criação do Grupo Especial de Investigações de Desaparecimento de Pessoas, que funciona nos moldes do grupo de São Paulo, que tem mais ou menos o mesmo número de pessoas.

Disse que, há 2 anos, a Polícia Civil de Goiás investiga um travesti, de nome Lindomar Fidélis de Miranda, chefe de uma quadrilha que alicia meninos, adolescentes, em especial os abandonados pela família em razão da opção sexual, para prostituição em Goiânia, o qual foi preso no mês passado.

Mencionou outro caso gravíssimo, da menina Mayara Kelly Kuabiru dos Santos, de doze anos, índia carajá, que desapareceu em 5 de abril deste ano. Disse a depoente que há relatos de que ela foi vista com três homens e duas mulheres que a aliciaram para um suposto casamento em outro Estado, onde ela poderia viver melhor.

Também relatou que, em Goiás, há o tráfico de crianças e adolescentes para o trabalho escravo em Goiânia e Anápolis.

Um desses casos, segundo a depoente, foi o de uma pastora que trazia crianças índias para Goiânia, as quais eram obrigadas ao trabalho escravo, espancadas e molestadas sexualmente.

DEPOIMENTO DO SR. EDILSON DIVINO DE BRITO – Delegado da Polícia Civil, Superintendente de Direitos Humanos da Secretaria de Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás.

Não acrescentou novos relatos, que pudessem ser de interesse para as investigações realizadas pela Comissão.

DEPOIMENTO DO SR. HAMILTON JOSÉ AMORIM REZENDE - Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Goiás.

Não acrescentou novos relatos, que pudessem ser de interesse para as investigações realizadas pela Comissão.

DEPOIMENTO DA SRA. TERESA CRISTINA NASCIMENTO SOUSA - Secretária Municipal de Política para as Mulheres de Goiânia.

Referiu-se a seminários realizados em Goiânia, em 2008, para capacitar os operadores de tráfego aéreo, o que têm levado os aliciadores a utilizar as vias terrestres, para escapar da fiscalização.

Disse que as meninas aliciadas têm em torno de 15, 16 anos e os seus registros de nascimento são falsificados, para que possam viajar. Relatou que muitas saem do Brasil, com a ilusão de que vão ser modelos famosas na Europa, principalmente Portugal e Espanha.

DEPOIMENTO DO SR. JOÃO FELIPE – Pai de vítima.

Relatou a sua perplexidade com o que estava acontecendo com sua filha e como poderia tirá-la de lá. Disse que algumas freiras espanholas esconderam mulheres debaixo do altar, para ajuda-las a fugir.

Disse que deram algum remédio para sua filha e a soltaram na rua para morrer, e depois alegaram que ela tinha morrido de tuberculose.

DEPOIMENTO DA SRA. NELMA MARINA PONTES DE SOUZA - Coordenadora da Comissão Executiva de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado de Goiás

Disse que o Governo Estadual criou, a partir do Decreto 7.624, de 21 de maio de 2012, uma coordenação na Secretaria de Políticas para Mulheres, que é chamada de Comissão Executiva de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e

também o Comitê Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

Mencionou que foram reunidas cerca de 35 instituições, que já estão trabalhando nesse Comitê e com a incumbência agora de elaborar a Política Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e também um Plano Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas a partir do primeiro plano estadual, que foi construído ainda na época em que o núcleo estava sob a gestão do Ministério Público de Goiás.

Relatou que o Comitê já acompanhou 15 casos de tráfico de pessoas, a maioria deles investigada pela Polícia Civil, além do acompanhamento feito às vítimas.

Citou a prisão de uma cafetina chamada Érica, ocorrida a partir do atendimento feito pelo Comitê de um travesti adolescente traficado do Pará pra Goiás.

A depoente disse que os criminosos falsificam a documentação das pessoas traficadas, para que elas possam se deslocar para outros Estados.

Relatou que, no Pará, um programa custa 5, 10 reais, enquanto que, em Anápolis, o valor pago chega a 500 reais.

O SR. ALEXANDRE ALVIM LIMA - Delegado de Polícia Civil de Céres - Goiás.

Mencionou casos em Ceres e Itapaci de adoções internacionais fraudulentas envolvendo brasileiros. Foram 74 casos de adoção, realizadas na comarca de Itapaci.

Disse que as investigações apuraram a existência de estelionato para conseguir cidadania europeia.

O SR. EDUARDO DE CARVALHO MOTA - Presidente do Conselho de Direitos das Crianças e dos Adolescentes de Goiânia.

Relatou que, em Goiânia, há noticia do envolvimento de policiais com o esquema do tráfico de pessoas. Um exemplo disso, segundo a depoente, foi o assassinato, há quatro anos, de um travesti na Avenida Paranaíba, por um policial militar.

O SR. MARCO AURÉLIO DE SOUSA - Secretário Executivo do Projeto Resgate Brasil.

Disse que o projeto tem sede na Suíça, em Zurique, e em Goiânia e trabalha com o retorno de brasileiros, tanto vítimas de trabalho forçado, quanto também vítimas de prostituição ou qualquer outra forma de violação dos direitos humanos.

Mencionou que, no ano passado, foram atendidos 54 brasileiros dos quais 15 foram vítimas de tráfico.

11.2. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO PARÁ

De acordo com depoimentos prestados perante a Comissão, o tráfico de pessoas tem dimensões assustadoras e não encontra fronteiras, possuindo ramificações nacionais e internacionais.

Um dos grandes problemas do tráfico no Pará é a dificuldade de monitoramento das fronteiras, já que o Estado tem fronteiras muito difíceis de ser monitoradas.

As informações trazidas à Comissão são no sentido de que o Estreito de Breves e a rota do Oiapoque por Macapá se constituem dutos dos mais utilizados para o tráfico humano nessa nossa região. Também foi relatado que a fronteira de Oriximiná com o Suriname não tem patrulhamento; não tem posto de fiscalização, como nos aeroportos e nas rodoviárias.

Há notícias de que, no sudeste do Estado, funciona uma rede de aliciamento de jovens futebolistas para a exploração no Nordeste, Sul e Sudeste do País. A CPI recebeu denúncias de que o Sr. Ronildo Borges, conhecido como Batata, atua nessa rede de tráfico de crianças e adolescentes no Pará, enviando meninos para a Baixada Santista.

Essa rede de tráfico seria comandada, de acordo com informações colhidas, por um presidiário, que atende pela alcunha de “pororoca” e comanda o tráfico de pessoas no município paraense de Bragança.

Uma das grandes portas de saída para o tráfico humano no Pará são os portos, havendo relatos de um esquema de tráfico de mulheres realizado em Barcarena por um ex-Vereador que tem um barco denominado de “Transputa”.

Em Belém, existem ainda inúmeras denúncias feitas por conselheiros tutelares ameaçados de morte. Esses conselheiros não dispõem de estrutura para trabalhar, não recebem nenhuma proteção e, mesmo assim, sãoobrigados a apurar as denúncias de tráfico de pessoas envolvendo crianças e adolescentes. Em muitos desses casos, os culpados são políticos, autoridades influentes ou pessoas do seu círculo de amizade.

Pasamos a transcrever de forma suscinta os depoimentos colhidos sobre o tráfico de pessoas no Pará.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIE HENRIQUETA FERREIRA CAVALCANTE – Coordenadora da Comissão Justiça e Paz da Regional Norte II da CNBB.

Disse a Depoente que um dos eixos de ação da Comissão Justiça e Paz é o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes e o tráfico de pessoas. Portanto, o olhar sobre essas duas realidades tem sido um olhar muito holístico, muito vivido, corpo a corpo, porque a Comissão tem ido onde essas pessoas estão, como estão e como estão sendo envolvidas nesses crimes.

Declarou: “Eu gostaria, assim, primeiramente, de dizer para vocês o seguinte: que nós temos acompanhado pessoas que foram traficadas e que conseguiram retornar para o Estado do Pará. Através do trabalho que eu venho fazendo dentro da Comissão, tem me exigido também a ir nos espaços, onde nós sabemos que o fluxo, o movimento das redes criminosas, assim como o espaço onde essas pessoas estão também ocupando é muito grande. Eu tive oportunidade de passar 5 dias no Suriname, em Paramaribo, e nesses 5 dias eu pude constatar o que realmente as vítimas narravam. Lá eu entrei nos prostíbulos, nos hotéis, nas boates, conversei muito com as meninas e os meninos que, de forma enganosa, foram para aquela localidade e que hoje ainda estão lá sofrendo as consequências desse engano. Na verdade, o que nós temos compreendido dentro do nosso trabalho é que existe um movimento muito grande, e hoje, sinceramente, a partir da experiência que eu vivo, eu não tenho mais como dizer que não existe uma interligação muito forte entre exploração sexual, tráfico de pessoas, tráfico de drogas e esse vínculo, sim, com o trabalho escravo.”

Apontou a Depoente a impossibilidade de ignorar que a verdadeira causa para que as pessoas caiam nas promessas enganosas dessas redes criminosas seja a questão da desigualdade social. A situação de fome, a situação de miséria, a falta de políticas públicas, de alternativas de trabalho para essas pessoas, fazem com que elas se submetam, se iludam e vão em busca de uma vida melhor, e até se submetem a viver a situação de escravidão que estão vivendo no Suriname, em Caiena e em outras localidades da nossa região.

Narrou caso exemplar: “A situação de miséria dessas pessoas, que as leva a serem enganadas, porque as promessas são bem enganosas... Hoje, nós temos uma das vítimas que nós acompanhamos, que é um rapaz de 19 anos, que está preso em Paramaribo. A forma como ele narra como foi enganado pelas promessas enganosas de que lá existia garantia de trabalho, de que a vida iria melhorar, de que o trabalho a que ele iria se submeter era um trabalho muito bom, onde ele iria ganhar muito dinheiro, vivendo decentemente, e quando eu chego lá e eu constato outra realidade, que é justamente essa de encontrar aquelas pessoas com seus documentos retidos, com o sistema de segurança muito bem montado dentro daqueles espaços onde esses jovens, rapazes e moças se encontram, e de repente ela querer voltar, ou algumas não querendo voltar, mesmo vivendo essa situação de escravidão e de miséria.”

Prosseguiu: “A minha atuação tem sido, na verdade, muito na região do Marajó. A região do Marajó, como é do conhecimento de muitas pessoas que nem habitam naquele Estado, porque eu sou amazônida, mas não sou paraense, eu sou amazonense, mas entendo e compreendo muito bem a realidade do Estado do Pará, como também pessoas desse contexto. Existe uma localidade dentro da Região do Marajó, que é chamada Breves. Em Breves, nós constatamos uma realidade muito mais gritante do que nós podemos imaginar, que é a realidade das meninas, que nós chamamos as balseiras, que se submetem a subir nas balsas. E num dos depoimentos a menina diz: “Muitas sobem e não voltam mais”.

Não há dúvida nenhuma de que o tráfico é realmente um fenômeno, tráfico é aquilo que ele acabou de falar, acontece ao nosso lado e nós não sabemos identificar. O que existe, na verdade, é uma verdadeira tolerância da sociedade civil que contempla essa realidade e não sabe dizer o que está acontecendo. E acaba identificando isso como simplesmente desaparecimento.

Nós que estamos fazendo o enfrentamento, nós que vamos para a base, nós que temos contato direto com essas vítimas, nós sabemos o mecanismo, o movimento articulador, o movimento financeiro que existe por trás de tudo isso, quando muitos acabam se enriquecendo. E hoje eu posso dizer para vocês que o que acaba mesmo acontecendo é que a vida dessas pessoas se assemelha a mercadoria barata e fácil nas mãos dessas redes criminosas que atuam nas nossas regiões. Eu gostaria de destacar aqui neste espaço público, de dizer também para vocês que não há dúvida nenhuma de que os grandes projetos de desenvolvimento econômico, eles também incentivam fortemente os processos migratórios.

Eles vão delineando espaços nos quais as adolescentes, as crianças, mulheres adultas, homens e mulheres, vão buscar meios de conseguir de alguma forma dinheiro para garantir seu sustento e também o de sua família. É impressionante, mas na região, nessa nossa região hoje é muito fácil, principalmente na Região do Marajó, você encontrar crianças que estão em situação de verdadeira vulnerabilidade em troca, gente, de comida, em troca de comida.

Quando nós chegamos numa das regiões, naquela Região de Breves, Portel, é tão fácil você ver as crianças que estão expostas se oferecendo até por um copo de refrigerante, por um bombom. E elas encontram, sim, quem faça com elas o que querem e, depois, essa criança acaba se acostumando porque um dia é bombom, um dia é um copo de refrigerante, no outro dia são os 5 reais que ela pode levar para casa, comprar uma dúzia de ovos, ou quantos ovos, para fazer a farofa e matar a fome dela e a da família dela toda. Então, não há dúvida nenhuma de que o tráfico ele está, sim, e hoje eu não tenho dúvida de dizer isso, que o tráfico está, sim, vinculado à questão dessa desigualdade social que nós vivemos.”

Aponta a ausência do Estado e a questão da cultura da impunidade, que favorece essa prática criminosa.

Denunciou: “Hoje, qualquer pessoa que chega no Município de Altamira é capaz de contemplar isso. Recentemente, saiu uma matéria bem interessante, com vários depoimentos, que foi publicada pela Agência Brasil no dia 28/04, que fala de vários casos de pessoas, mulheres que foram para aquela região de Altamira em busca de vida melhor e que estão sujeitas simplesmente, unicamente ao trabalho sexual. Não há dúvida nenhuma de que isso favorece, e muito, o tráfico de pessoas. Então, eu gostaria de dizer para vocês que a Comissão de Justiça e Paz tem feito um trabalho árduo. O nosso trabalho tem sido árduo para combater esses crimes. Árduo a ponto de hoje termos o conhecimento da situação no Suriname. Recentemente, Deputado, como eu atuo também, o meu trabalho da Comissão de Justiça e Paz, a nossa igreja também atua, abrange o Estado do Amapá, recentemente, tive a oportunidade tão desejada de contemplar a situação no seu Estado, no Município de Oiapoque.

No Oiapoque o movimento é muito grande, a facilidade para ir embora para Caiena e para o Suriname é fácil demais. Lá a situação está mais gritante do que podemos imaginar. Se eu sempre fui, a partir do momento em que eu comecei a atuar dentro desse espaço da CNBB, enfrentando esses crimes, eu nunca mais, na minha vida, e tenho certeza de que até o momento em que Deus me der a graça de viver eu serei mais uma pessoa tranquila, serei sempre indignada, sempre indignada, porque é muito fácil, é muito favorável. O movimento financeiro disso tudo faz com que a vida das pessoas, principalmente das mais pobres, grite por justiça e elas gritem para que elas sejam vistas como pessoas e não como mercadoria. O que é mais triste ainda, e gostaria de partilhar aqui neste espaço aberto, é que a vítima desse crime nunca se reconhece como vítima, ela não se identifica, não aceita, não enxerga.

O que me espanta também é a capacidade de as redes criminosas terem o controle de tudo, quem está à frente, fazendo o enfrentamento, fazendo ações de prevenção. Como eles são capazes de saber tudo. Quando sabem que a vítima procurou ajuda, também vão fazer com que a vítima modifique a sua palavra, retire o que falou, para que o seu nome desapareça. E aí vejo aqui que vocês terão um árduo trabalho, primeiro para que esta CPI trabalhe com dignidade, com transparência, com o pacto da justiça, com o pacto da verdade, para que nenhum criminoso possa tirar proveito da miséria humana dessas pessoas.”

DEPOIMENTO DA SRA. ROBERTA GUZZO SOUZA BELO - Representante da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos.

Disse que, só no Brasil, há cerca de 520 rotas de tráfico e é um comércio ilegal, que gera um lucro de cerca 32 bilhões de reais aos criminosos inescrupulosos, que comandam as organizações dedicadas ao tráfico e à exploração de pessoas de várias idades.

Relatou que, no Pará, o tráfico de pessoas tem características peculiares: são homens, para o trabalho escravo no campo ou nos garimpos, no Brasil e no exterior; mulheres, para o trabalho escravo no âmbito doméstico e no mercado internacional do sexo; crianças e adolescentes, para o trabalho escravo, ou a exploração do trabalho infantil doméstico e prostituição; travestis, adultos e adolescentes, vítimas do tráfico, para fins de exploração no mercado nacional e internacional do sexo.

Afirmou que os números de casos de tráfico no Estado foram levantadas pela SEJUDH, nos últimos anos, e dão conta de que, em 2011, foram 13 casos; em 2012, 12 casos, e que. neste ano, até agora, há 18 casos notificados.

DEPOIMENTO DO SR. CARLOS BORDALO - Deputado Estadual pelo Pará e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Pará — ALEPA.

Disse que o Estado do Pará tem ramificações nacionais e Internacionais e fronteiras muito difíceis de serem monitoradas.

Disse que o Estreito de Breves e a rota do Oiapoque por Macapá se constituem dutos dos mais utilizados, Srs. Deputados, para o tráfico humano na

região.

Relatou ainda o aliciamento, na região do Marajó e também nos bairros de periferia da nossa Capital, de jovens, mulheres, jovens travestis, para o tráfico e a exploração sexual, citando os bairros de Cremação e Jurunas.

Fez alusão a um aliciador foragido, nos seguintes termos: “Até hoje há um foragido em que a Polícia Federal não consegue botar a mão.

Eu não entendo como alguém não é encontrado! O Sr. Batata foi denunciado à Polícia Federal, está no nosso relatório, nós já pedimos a prisão, e esse cidadão não é encontrado! E agora, na nossa ida a Marabá, Deputado Márcio Miranda, que nós realizamos todas as vezes a reunião da Comissão de Direitos Humanos, mães, agentes sociais, conselheiros tutelares de Marabá e da região nos denunciaram que o Sr. Ronildo Borges, o Batata, continua atuando e naqueles dias tinha levado um ônibus cheio de meninos, de novo, para a Baixada Santista.”

Disse que esse tal de Batata continua aliciando gente em Marabá, Jacundá, Tucuruí e em todos os Municípios do sudeste.

Mencionou que a fronteira de Oriximiná, no Pará, com o Suriname precisa imediatamente de monitoramento, de uma ação efetiva do Estado brasileiro.

DEPOIMENTO DA SRA. SIMONE EDORON MACHADO ARAÚJO - Diretora de Atendimento a Grupos Vulneráveis e Delegada da Polícia Civil do Estado do Pará.

Disse que, num levantamento estatístico efetuado, foram noticiados, na esfera policial, desde 2006 até agosto de 2013, apenas 33 ocorrências policiais, as quais geraram 27 inquéritos policiais por tráfico de pessoas, o que ainda demonstra um número bem baixo de denúncias.

DEPOIMENTO DO SR. FÁBIO PAIXÃO - Coordenador do Conselho Tutelar de Belém.

Dise que o Conselho Tutelar do Estado é a porta de entrada de denúncias do Ministério Público, do Disque 100, 181 ede outras entidades.

Relatou que também chegam, logo depois, outras denúncias contra os próprios Conselheiros Tutelares, principalmente quando há demora em se fazer a verificação das denúncias, por falta de condições, de salário, de estrutura.

Reclamou do tratamento dado às vítimas de exploração sexual nas delegacias, o que dificulta o trabalho do Conselho Tutelar. Além disso, relatou que os conselheiros tutelares sofrem ameaça de morte e não dispõem de nenhuma proteção.

A SRA. ALBA CRISTINA DE JESUS MARTINS - Participante do evento. Plateia

Fez o seguinte comentário: “Eu só estou aqui — e fiz um esforço para estar aqui — para fazer uma cobrança, porque o cara foi condenado a oito anos, mas foi candidato, ganhou e hoje assume uma Secretaria de Educação no meu Município.

Eu tive que sair da minha cidade porque um cara que passava perto de mim dizia: “Oi, como você está? Está bem?” É um cara nojento, um cara sem dignidade, um cara que não respeita ninguém. Eu pergunto: por quê? Acho que, se fosse um filho meu, estaria na cadeia. Mas o cara é condenado a oito anos, vem como candidato, ganha e assume uma Secretaria de Educação, que trata de assuntos relativos a crianças e adolescentes.

Os amigos dele violentaram uma amiga minha, a Rafaela, foram quatro, mas hoje trabalham para o Estado, na escola onde tem criança e adolescente. E é um processo que nunca chegou nas mãos da promotora. E saiu o mandado de prisão preventiva, mas os caras continuam em liberdade.

Essa jovem, filha de uma grande amiga minha, teve que ir embora depois de tentar se matar duas vezes. Cadê a justiça? Cadê a criança que foi violentada por ele, cuja mãe foi ao fórum? Esse Vereador Odair Avelar... E até hoje a mãe não foi chamada...

Essa criança parou de estudar e anda por lá. Por quê? Porque não tem mais escola para estudar, porque ele chega na escola e todo mundo fica falando: “Lá vai o bichinha, lá vai o bichinha.” Depois do que ele fez com essa criança, ele continua na impunidade, continua solto?

Que País é esse? Cadê a nossa lei? Eu só queria cobrar das autoridades que olhem com mais carinho para esses casos nossos. (Palmas). Eu só queria cobrar isso porque são cinco anos de luta para eu vir para cá. E são os meus amigos que ajudam a pagar a minha passagem para eu chegar até aqui, entendeu? Porque esse cara acabou com a minha vida.

Hoje não estou na minha cidade. Vivo lá em Salvaterra por causa dele. E ele continua cometendo os mesmos crimes, mas continua solto, continua na impunidade.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA MIRANDA - Participante do evento. Plateia.

Fez o seguinte pronunciamento: “Dr. Bordalo, eu estou aqui — eu já falei — para ter uma resposta.

Eu estive aqui em 2011, em vários eventos para os quais me chamaram, nesta Casa e no Senado, mas ainda não vi qualquer tomada de providência. Simplesmente, a mãe da moça, um “amiga” — entre aspas — mal-intencionada que convidou a minha filha para ir para a Espanha, que chamou a minha filha e disse: “Resolve o teu problema com a tua mãe.”

Aqui a família não tem nada a ver, mas o mal que essa moça trouxe não foi só pra minha filha; foi pra família toda, foi pra mim. Eu sou viúva, tenho 76 anos. O Deputado Miriquinho e o Deputado Bordalo conhecem a minha trajetória no sindicato rural, sempre lutando por políticas públicas para ribeirinhos no Município de Portel e Marajó. Então, eu sou jurutiense, nasci em uruti, mas vim para Portel aos 22 anos. E de 1993 até hoje eu dedico a minha vida ao movimento social em Portel e, por assim dizer, em Marajó.

Então, eu também sou uma formiguinha. Eu não quero saber se a mulher vai ser condenada; eu quero saber da recuperação da minha filha na sociedade. Ela está em uma situação de risco. Só vendo a situação! Se vocês virem a foto do passaporte, vão poder comparar com a mulher em que ela se transformou hoje.

Então, eu estou aqui pra reivindicar resposta não só pra minha filha, mas pra todos esses casos em que se usa a mesma linguagem: ‘Resolve teu problema com o teu pai ou com a tua mãe, que eu não tenho nada a ver’.”

DEPOIMENTO DA SRA. LEILA MARIA DOS SANTOS SILVA - Coordenadora de Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado do Pará.

Apresentou o seguinte relato: “Atualizando a situação do caso da Lia. A Dona Maria... Há 4 meses atrás, a irmã Henriqueta veio até nós, pedindo ajuda, não foi, irmã? Trouxe o relatório da CPI e, a partir desse relatório, nós fizemos uma busca junto à Polícia Federal pra verificar em quanto estava o processo da Lia.

A partir daí, nós entramos em contato com a Dona Maria pra verificar toda a situação dela. E a Dona Maria veio até a gente, né, falou toda a situação. O estado de saúde da Lia é precário. Ela veio até à SEJUDH, nós fizemos um atendimento com ela, entramos em contato com o Município de Portel. E, assim, peço até ajuda dos senhores, porque, pra até pedir o relatório de atendimento da época, foi um sacrifício, gente.

Nós tivemos que mandar praticamente quatro ofícios pra Secretaria de Assistência, pra Secretaria de Saúde, porque... Infelizmente, o Delegado da Polícia Federal não está mais aqui, mas eu ia conversar com ele no final, porque a Dona Maria e a Lia foram fazer o depoimento. Segundo a Polícia Federal, encaminhou um ofício solicitando pra que elas retornassem pra fazer esse depoimento pra que esse processo desse continuidade. Chegaram lá na Polícia Federal, o Delegado da Polícia Federal falou, na frente da Dona Maria, das técnicas da SEJUDH e da Lia, que o processo ia ser arquivado. Nós, enquanto SEJUDH, falamos pra Dona Maria. Isso já é uma questão de honra nossa, é uma questão de honra.

Estamos fazendo o levantamento de todos os relatórios. O relatório da ASBRAD, quando a Lia chegou pela ASBRAD, nós já solicitamos. O relatório da ASBRAD já chegou até nós. Solicitamos pro Ministério da Justiça todo o relatório encaminhado, desde lá da Interpol até aqui. Solicitamos o relatório do CEDECA também. Já está conosco, pelo Jepiara, que também foi feito um atendimento.”

DEPOIMENTO DO SR. ASSIS OLIVEIRA – Professor e membro da Comissão Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente de Altamira.

Disse que a Comissão Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente de Altamira existe desde 2005 e vem se fortalecendo nos últimos três anos por conta de uma série de novas articulações das instituições que dela fazem parte — cerca de 25 instituições, entre sociedade civil e instituição do Estado — para poder dar conta dessa situação, que, enfim, não é de hoje, não é de agora, mas tem se intensificado nos últimos anos, e a Comissão está à frente dessas questões.

Mencionou o pacto com os Prefeitos, o plano de ação do Conselho de Direitos e o pacto da assembleia do CONANDA, com o objetivo de traçar estratégias para o enfrentamento do abuso, da exploração sexual contra a criança e o adolescente no Município.

Relatou que essa Comissão não conseguiu firmar um compromisso do Consórcio Construtor Belo Monte, que é o CCBM, e a Norte Energia, para poder se responsabilizar em uma série de ações de prevenção, de repressão e de investigação na região ali dos entornos dos canteiros de obra.

O depoente citou como ponto vulnerável de exploração sexual a Comunidade de Belo Monte, na balsa, na travessia de Vitória do Xingu para Anapu, onde foram identificadas cerca de dez casas de prostituição.

Outro ponto de exploração sexual citado pelo depoente foi a a Comunidade Leonardo da Vinci, que fica no Km-17, na PA para Vitória do Xingu, nas proximidades de um dos canteiros de obra.

Também referiu-se a Medicilândia, Município este onde os dados do Conselho Tutelar de Medicilândia demonstram que houve um crescimento exponencial da exploração sexual de 2011 para 2012.

O depoente disse que o Município precisa, urgentemente, de uma delegacia de atendimento ao adolescente; da instalação efetiva do PROPAZ; de mais dois conselhos tutelares, um para o Município de Altamira e um para Castelo dos Sonhos, que é um distrito, da instalação do CAPSAD e também de uma casa de acolhimento.

DEPOIMENTO DA SRA. ANTÔNIA PEREIRA MARTINS - Representante do Movimento de Mulheres de Altamira.

Disse que, em Altamira, além de Belo Monte, há o linhão e o problema da mineração. Também queixou-se da falta de políticas públicas na região. Comentou que falta uma delegacia da mulher com o devido aparato, para poder funcionar a contento, além de um abrigo decente para atender as mulheres vítimas de situação de violência.

DEPOIMENTO DA SRA. MÔNICA BRITO SOARES - Representante de Movimento Sindical.

Defendeu a paralização das obras de Belo Monte para que a comunidade possa recuperar a sua forma de viver.

Relatou um caso ocorrido há cerca de dois anos, de uma jovem traficada do Maranhão para Castelo de Sonhos, por um traficante conhecido como “Alemão”, a qual fugiu de lá para Altamira, dentro de um carro de funerária.

DEPOIMENTO DA SRA. LUCENILDA DALCI MONTE - Coordenadora do Conselho Tutelar em Altamira.

Relatou uma caso ocorrido de uma adolescente atendida no Conselho Tutelar, vítima de exploração sexual, em uma boate situada no Município de Vitória do Xingu. Ela conseguiu fugir e buscar ajudas para as outras moças, que se encontravam em cárcere privado naquela boate e lhe pediram ajuda para sair de lá, pois eram ameaçadas de morte. Segundo o relato da depoente, foram resgatados a adolescente de 16 anos, um travesti e mais três jovens, tendo a mais 23 anos.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA IVONETE COUTINHO DA SILVA - Professora da Universidade Federal do Pará.

Seu depoimento não forneceu informações relevantes para a identificação de quadrilhas ou redes de exploração sexual e de tráfico de pessoas na região, nem para o mapeamento de pontos vulneráveis de exploração sexual e tráfico de pessoas de importância para os trabalhos de investigação desta CPI.

DEPOIMENTO DO SR. MARCELO SOUZA DIAS - Representante do Fórum da Amazônia Oriental.

Disse que é necessário investigar o envolvimento do consórcio de Belo Monte com outros empreendimentos em Altamira e em Vitória do Xingu, bem como a identificação dos veículos alugados e dos espaços utilizados, tendo em vista o seu envolvimento com a exploração sexual na região.

O SR. CRISTIANO MARCELO DO NASCIMENTO - Delegado da Polícia Civil.

Referiu-se ao episódio relatado pela Sra. Lucenilda e ao desbaratamento da quadrilha envolvida não exploração sexual.

Mencionou a íntima relação do tráfico de entorpecentes com a exploração sexual e relatou as dificuldades enfrentadas pela Polícia, em virtude da falta de recursos adequados para o combate ao crime, inclusive com o reduzido efetivo humano.

Disse que a boate Xingu funciona na área de Belo Monte, que possuía alvará de funcionamento da Polícia e que um dos alvarás para a boate seria o alvará da DPA, que é a Divisão de Polícia Administrativa.

Relatou que o proprietário de uma boate, que se encontra preso, criou uma nova boate e xerocou o alvará da anterior para utilizar na que foi criada posteriormente.

DEPOIMENTO DA SRA. THALITA FEITOZA - Delegada da Polícia Civil.

Disse que participou das investigações no tocante à questão da Boate Xingu por ordem do delegado-geral, tendo em vista que a sua circunscrição é Altamira, e o Município em que se encontrava a boate era Vitória do Xingu.

Relatou que foram identificados todos os agentes criminosos e quatro integrantes da quadrilha foram presos.

DEPOIMENTO DA SRA. ANTONIA MELO – Movimento Xingu Vivo para Sempre e Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado do Pará e de Altamira.

Disse ter um documentário recente que vincula, sim, a boate Xingu ao consórcio Belo Monte.

Acusou o Poder Judiciário de ser negligente com relação aos problemas causados na região pelo consórcio Belo Monte.

DEPOIMENTO DA SRA. ANELISE WOLLINGER KOERICH - Delegada-Chefe da Polícia Federal em Altamira.

Disse que Altamira é a pior lotação do Departamento de Polícia Federal e que os agentes não têm nenhuma atração por essa localidade, pois simplesmente não conseguem pagar os aluguéis da cidade, já que o custo de vida é extremamente elevado.

Explicou ainda que isso ocorre também com os demais órgãos como INCRA, FUNAI, ICMBio.

Seu depoimento não forneceu outras informações relevantes para a identificação de quadrilhas ou redes de exploração sexual e de tráfico de pessoas na região, nem para o mapeamento de pontos vulneráveis de exploração sexual e tráfico de pessoas de importância para os trabalhos de investigação desta CPI.

DEPOIMENTO DO SR. MÁRCIO MIRANDA - Deputado Estadual.

O palestrante é o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Discorreu sobre os feitos de uma CPI sobre o tema levada à cabo pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará: “E foi, digamos assim, uma CPI que marcou o Parlamento do Pará, encontrou situações com empresários, atingiu Deputados, atingiu toda uma sociedade.”

DEPOIMENTO DO SR. SÉRGIO RODRIGUES BORGES - Representante da Associação dos Conselheiros e ex-Conselheiros Tutelares dos Municípios Paraenses — ACONEXTEL.

Ressaltou que, para o combate ao tráfico humano e a violência sexual, o País precisa ter instituições fortes. Defendeu o fortalecimento do Conselho Tutelar: “precisamos estruturar, equipar e formar os nossos conselheiros tutelares (...) nós solicitamos às autoridades aqui presentes, aos Deputados, que, na hora de votar o Orçamento, direcionassem recursos a esta categoria, a este órgão chamado Conselho Tutelar”.

DEPOIMENTO DA SRA. ROBERTA GUZZO SOUZA BELO - Representante da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos.

Discorreu sobre dados do crime de tráfico de pessoas: “Só no Brasil há cerca de 520 rotas de tráfico e é um comércio ilegal, que gera um lucro de cerca 32 bilhões de reais aos criminosos inescrupulosos, que comandam as organizações dedicadas ao tráfico e à exploração de pessoas de várias idades”.

Trouxe um panorama da situação no estado do Pará: “aqui no Pará, o tráfico de pessoas tem características peculiares: são homens, para o trabalho escravo no campo ou nos garimpos, no Brasil e no exterior; mulheres, para o trabalho escravo no âmbito doméstico e no mercado internacional do sexo; crianças e adolescentes, para o trabalho escravo, ou a exploração do trabalho infantil doméstico e prostituição; travestis, adultos e adolescentes, vítimas do tráfico, para fins de exploração no mercado nacional e internacional do sexo”. Chamou a atenção para a falta de notificação de muitos casos de tráfico de pessoas no estado do Pará.

Descreveu as ações da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos no Combate ao Tráfico de Pessoas: “O Plano Estadual atua de forma estratégica em três eixos: prevenção ao tráfico, atenção às vítimas e repressão e responsabilização dos autores desse crime. As diretrizes da Política Nacional e do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas embasaram um projeto que foi adaptado à nossa realidade (...) Para consolidar a rede, além de ações de capacitação, implantamos o Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas com a participação de diversas instituições e entidades sociais, entre as quais Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, Secretaria de Segurança Pública, de Saúde, de Educação, de Assistência Social, de Integração Regional, entre outras”.

DEPOIMENTO DO SR. CARLOS BORDALO - Deputado Estadual pelo Pará e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Pará — ALEPA.

Afirmou que a dimensão do crime de tráfico de pessoas não encontra fronteiras e que as infrações cometidas no Estado do Pará têm ramificações nacionais e internacionais.

Chamou a atenção para a dificuldade de monitoramento das fronteiras do Pará: “O nosso Estado tem fronteiras muito difíceis de serem monitoradas. Algumas são fronteiras físicas; outras são fronteiras intangíveis. Nossa CPI detectou que o Estreito de Breves e a rota do Oiapoque por Macapá se constituem dutos dos mais utilizados, Srs. Deputados, para o tráfico humano na nossa região (...) a fronteira de Oriximiná com o Suriname não tem patrulhamento; não tem posto, como nos aeroportos, nas rodoviárias, que já é muito difícil. Então, a fronteira de Oriximiná, no Pará, com o Suriname é uma coisa que precisa imediatamente de monitoramento, de uma ação efetiva do Estado brasileiro”.

Destacou que no sudeste do Estado há uma rede de aliciamento de jovens futebolistas para a exploração no Nordeste, Sul e Sudeste do País.

Ressaltou que a CPI do Pará sobre tráfico de pessoas chegou a estourar cativeiros de jovens na Baixada Santista, usando a Portuguesa Santista como a base logística de recepção de meninos do Estado.

Disse que o Sr. Ronildo Borges, o Batata, continua atuando e naqueles dias tinha levado um ônibus cheio de meninos, de novo, para a Baixada Santista.

Chamou a atenção para o fato de um presidiário, conhecido por “pororoca”, ainda comandar a rede de tráfico de pessoas no município paraense de Bragança.

Alertou que uma das grandes portas de saída para o tráfico humano no Pará são os portos. Descreveu um esquema de tráfico de mulheres realizado em Barcarena por um ex-Vereador que tem um barco denominado de “Transputa”.

DEPOIMENTO DA SRA. SIMONE EDORON MACHADO ARAÚJO - Diretora de Atendimento a Grupos Vulneráveis e Delegada da Polícia Civil do Estado do Pará.

Elogiou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, de 2012, e os consequentes avanços na esfera estadual tais como a criação do Núcleo de Enfrentamento, do Plano Estadual e da Comissão de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

Enalteceu ainda “os vários cursos que não só a Polícia, como a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos tem promovido para os servidores públicos e também para a comunidade em geral, para que a gente tenha condições de melhor detectar esse tipo de crime”.

Disse que as denúncias sobre tráfico de pessoas chegam até a polícia de uma forma indireta disfarçadas de uma situação de fuga de lar, de desaparecimento, de violência sexual ou de abuso sexual.

Elogiou os programas do governo do Estado no atendimento a crianças, adolescentes e mulheres vítimas de crimes: “(...) no mesmo espaço físico, a criança, o adolescente e a mulher vítimas de qualquer forma de violência passam a ter um atendimento integrado e multidisciplinar, onde nós disponibilizamos não só o atendimento médico, mas o acolhimento psicossocial, o atendimento policial, o acompanhamento psicológico posterior e também as perícias, evitando que a gente faça, dentro de um processo de busca da verdade, nessa investigação, uma nova vitimização dessas crianças, desses adolescentes e dessas mulheres vítimas”

DEPOIMENTO DA SRA. HELENA MARIA OLIVEIRA MUNIZ GOMES - Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.

Disse que: “o Ministério Público do Estado do Pará, através do nosso Procurador-Geral de Justiça, é um grande parceiro, com os demais promotores criminais, da área da cidadania, das inúmeras promotorias especializadas nesse assunto. Estamos de portas abertas para, junto com a sociedade, caminharmos com todos nesse enfrentamento, para que decisões sejam tomadas, para que dessas audiências, ao final, saiam inúmeras ações em prol de todos nós e do enfrentamento, para tirarmos da linha de frente essas crianças, esses adolescentes, essas mulheres vítimas desses crimes”.

DEPOIMENTO DA SRA. ANA CELINA BENTES HAMOY - Coordenadora-Geral do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente — CEDECA/ EMAÚS.

Reclamou da inércia estatal: “Temos vários casos, inclusive atuais, em que não se consegue chegar a nenhuma resposta judicial, política, de tranquilidade para as famílias (...). Nós precisamos dar respostas imediatas, no sentido de que, se as rotas são conhecidas; se todos nós sabemos — e não são poucas as matérias que a mídia publica — quem são os grandes traficantes; se nós sabemos onde estão os pontos de exploração sexual; se nós sabemos quem explora, por que nada acontece? ”

Afirmou que a sociedade espera uma resposta do Estado: “solicitar a V.Exas. uma resposta a essas famílias — a essas mães, a esses pais — que hoje esperam que alguma coisa aconteça, que alguma resposta seja recebida pelos seus filhos e pelas suas filhas que se perderam nesse mundo afora, em um processo de violência tão aterrorizador que todos nós conhecemos”.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA HENRIQUETA FERREIRA CAVALCANTE - Coordenadora da Comissão de Justiça e Paz da Regional Norte 2 da CNBB.

Anunciou que o Papa Francisco criou, dentro do Vaticano, um grupo de trabalho sobre tráfico de seres humanos e escravidão moderna, a fim de estabelecer um plano de ação para combatê-los e que a Campanha da Fraternidade do próximo ano, 2014, vem trazendo também essa temática.

Salientou que a Igreja tem observado que há uma falta de compromisso não somente do Estado, mas também de toda a sociedade e isso tem feito com que os casos de tráfico de pessoas não sejam denunciados.

Disse que os chamados projetos de grande desenvolvimento no estado trazem caos ambiental e social. Pugnou por “respostas para esses apelos que estão presentes na vida de tantas crianças, de tantos adolescentes, de tantas pessoas adultas, homens e mulheres, que clamam e que querem a sua vida respeitada e vivida com dignidade”.

DEPOIMENTO DO SR. FÁBIO PAIXÃO - Coordenador do Conselho Tutelar de Belém.

Discorreu sobre o caso do Deputado Donadon e diz que o Congresso Nacional está fomentando a impunidade que por vias transversas incentiva a prática de crimes tais como o tráfico de pessoas.

Enumerou as dificuldades de atuação do Conselho Tutelar ante a omissão estatal: “Em Belém, em razão de inúmeras denúncias que foram feitas, Conselheiros foram ameaçados de morte. Nós somos limitados, não temos carro, não temos estrutura. Vamos, muitas das vezes, de ônibus para casa, sem nenhuma proteção. Como é que nós vamos apurar essas denúncias sem sequer ter a proteção de quem deveria nos proteger? Como é que se cobra punição aos culpados que, inúmeras vezes, têm contato com políticos ou que são cabos eleitorais de políticos nas regiões, por usar o seu barco, a sua estrutura? Por vezes o parente é Prefeito, o parente é Vereador”.

11.3. TRÁFICO DE PESSOAS NO MUNICÍPIO DE OIAPOQUE – AP.

Denúncias que chegaram a esta Comissão dão ciência da existência de tráfico de pessoas no Município de Oiapoque, no Amapá, inclusive com a utilização do processo de adoção, como instrumento de viabilização do tráfico.

A maior parte do tráfico de pessoas no Estado do Amapá destina-se à prostituição em boates, inclusive com o tráfico de meninas de Santana e de Ananindeua, no Pará, e do Maranhão.

Há também o caso de mulheres aliciadas para trabalharem como cozinheiras ou lavandeiras no garimpo, mas que, na verdade, são obrigadas a atuar como prostitutas. Além disso, muitas mulheres são traficadas para a Guiana Francesa.

Foi relatado a esta Comissão o caso de uma Professora, convidada para trabalhar em Cuiú-Cuiú, tendo sido forçada a se prostituir no Garimpo. Depois de muito esforço, sua irmã conseguiu resgatá-la.

Foram feitas denúncias a esta Comissão contra o fórum de Mazagão, que supostamente estaria sendo utilizado como um berço de tráfico de crianças.

Esta CPI colheu vários depoimentos relacionados ao caso, que passamos a abordar suscintemente.

DEPOIMENTO DA SRA. CHRISTINE FONSECA DOS SANTOS - Assistente Social, Representante da Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública do Amapá.

Disse que: “o tráfico de pessoas, quando a gente analisa, parece que é algo surreal, que não acontece — é só nos filmes, na novela —, mas não é assim, está mais perto da gente do que a nossa imaginação ousa conceber”.

Descreveu como são os aliciadores: “O aliciador é persuasivo, ele conversa bem, e ele é alguém muito próximo da gente. Ele faz amizade, ele ganha confiança, porque ninguém vai sair da sua casa para ir, por exemplo, para a Guiana Francesa, aceitando o convite de alguém que não conhece, de alguém em que não confia. Primeiro, eles tiram o passaporte e, depois, a liberdade”.

Pediu que as pessoas denunciem o tráfico e indicou como proceder: “Tem duas maneiras de vocês denunciarem: podem fazer denúncia anônima no Disque 100 ou podem procurar o Núcleo ou qualquer instituição que compõe a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, como a Polícia Federal, a Polícia Civil, a Polícia Militar”.

DEPOIMENTO DO SR. MAURÍCIO BRASIL - Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Oiapoque, Estado do Amapá.

Chamou a atenção para certas práticas, tais como a adoção, que têm por têm por finalidade dissimular ou esconder o tráfico de pessoas de forma que tal conduta aparente ser realizada dentro dos limitas da lei. Sugeriu a instituição de benefício financeiro para as vítimas de tráfico de pessoas

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ GROTT - Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Oiapoque, Estado do Amapá.

Disse que a maior parte do tráfico de pessoas no estado está ligado à prostituição em boates: “Meninas eram trazidas de Santana, de Ananindeua (...).Chegavam nessas boates e, aqui, sim, elas tinham que se prostituir, porque elas tinham que pagar o alojamento, elas tinham que pagar a chave do quarto, elas tinham que pagar... Então, realmente, o que sobrava de dinheiro não dava para absolutamente nada. Elas viviam em eterna dívida com o cafetão, com a dona da boate...”.

Afirmou que esse tipo de conduta foi coibido com sucesso: “muitos processos foram instaurados, muitas foram as condenações, muitas foram as adolescentes resgatadas e remetidas aos seus pais nos mais diversos rincões, sejam eles do Maranhão, do Pará, do próprio Amapá”.

Chamou a atenção para um novo tipo de tráfico que alicia mulheres para trabalhar como cozinheiras ou lavandeiras no garimpo, mas na verdade elas são obrigadas a atuar como prostitutas. Disse que o tráfico que existe no Oiapoque não é intenso e é igual ao que ocorre em outras localidades do Brasil.

Apontou a solução para o problema: “Para que se pudesse ter soluções mais cabíveis, mais eficazes, basta que a gente aparelhe melhor a Segurança Pública. Basta que, depois da instalação do Conselho Tutelar, depois da instalação do Comissariado de Menores e de ene políticas minoris, houve uma redução, houve muita redução pelo menos na prostituição infantil e de adolescente. Agora, essa outra prostituição, esse outro tráfico, acho que é uma questão a ser analisada com muito cuidado.”

Reclamou do tratamento pelo Governo à cidade de Oiapoque: ”Então, fomos tratados como rota de tráfico, rota de tráfico de crianças, etc. Enfim, o que nós precisamos é uma atenção maior na força pública para nós tenhamos mais segurança, mais combate etc.”. Pediu mais apoio para a cidade de Oiapoque.

DEPOIMENTO DO SR. BENEDITO DE QUEIROZ ALCÂNTARA - Representante da Comissão de Justiça e Paz do Município de Oiapoque, Estado do Amapá.

Afirmou que é possível mudar a situação: “Você pode criar, sim, uma nova cultura, que é a cultura da defesa da vida, da dignidade humana, que não é fácil, que cada agente público, que cada instituição e que cada um de nós possa dar a nossa contribuição, saber que o que vale a pena é a vida humana, é a pessoa com a sua história, com as suas trilhas nessa vida que a gente tem aqui e que faz a gente se encontrar e que muitas vezes faz a gente chorar pelas separações, pelas dores que vêm surgindo, pelos testemunhos que a gente vai colhendo”.

Destacou a importância da próxima Campanha da Fraternidade cujo tema será o tráfico de pessoas.

DEPOIMENTO DO SR. MOISÉS RIVALDO PEREIRA - Promotor de Justiça no Estado do Amapá.

Reclamou da não participação de representantes do Oiapoque na discussão de um acordo binacional que trata da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa: “como sempre discutem de cima para baixo, não se ouve a sociedade, não se ouve principalmente o povo do Amapá como um todo, e aqui o povo do Oiapoque, principalmente, mais exposto a essa fronteira. E nós temos que discutir o que o Amapá, o que o Oiapoque vai perder com isso. Não só o que vai ganhar, mas o que vai perder. E, como sempre, nós temos sempre perdido.”

Discorreu sobre dois casos, em que atuou como como promotor, de duas pessoas que foram levadas do Amapá, para a prostituição na França. Disse que a incidência de tráfico de pessoas no Oiapoque não é tão grande quanto falam.

DEPOIMENTO DA SRA. ANGELINA NETA DOS SANTOS RIBEIRO - Vereadora pelo Município de Oiapoque, Estado do Amapá.

Salientou que os jovens no Oiapoque não têm oportunidades de trabalho: “Hoje, está tendo um cursinho, um pré-vestibular aqui da UNIFAP. Essa já é uma oportunidade, mas precisamos pensar em trazer mais cursos, mais movimentos com eles, para que eles não pensem em ir para a Guiana Francesa ganhar dinheiro, porque, geralmente, eles vão para a Guiana Francesa, porque lá o salário é quase o triplo daqui.”

Afirmou que a prostituição voluntária e deliberada é um problema muito maior do que o tráfico de pessoas no Oiapoque.

DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ NAZARENO RODRIGUES LOBÃO - Vereador pelo Município de Oiapoque, Estado do Amapá.

Disse que o município conta com muitas forças de segurança: “Temos os nossos vizinhos, lá, que têm a ajuda da Marinha; têm a Legião; temos o Exército Brasileiro aqui, que, por sua vez, faz o papel de polícia; temos a Força Nacional; Polícia Federal; Polícia Civil; Polícia Militar; temos outras polícias aqui na rodovia federal”.

Afirmou que o município não tem ambulância e demonstra as diferenças sociais entre a cidade e a Guiana Francesa.

Discorreu sobre as mazelas que assolam o município: “E onde começa o Brasil lamentavelmente começa tudo isso que vocês estão vendo: tráfico de pessoas, prostituição, falta de hospital, falta de escolas adequadas com estrutura para dar condição para os nossos alunos e nossos profissionais e professores”.

DEPOIMENTO DO SR. HUMBERTO JOSÉ BAIA JÚNIOR - Secretário de Turismo do Município de Oiapoque, Estado do Amapá.

Disse que existe muito tráfico de pessoas no Oiapoque. Citou diversos casos de tráfico de pessoas e afirmou que a Guiana Francesa recebe muitas pessoas traficadas.

Mencionou que há muitas mulheres de Oiapoque em Paris que se prostituem e que o Município de Oiapoque só é lembrado próximo de eleição.

Ressaltou que é necessário que o Estado brasileiro, de uma forma geral, esteja presente em Oiapoque e reclamou do acordo feito entre França e Brasil com relação à fronteira.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA RAIMUNDA COSTA HOLANDA LLORENS - Professora.

Descreveu o caso de sua irmã que foi forçada a se prostituir no Garimpo: ”Do Cuiú-Cuiú. Nós conseguimos desbaratar tudo isso, porque denunciamos para a Folha de S.Paulo, para o Washington Post e para o The New York Times, porque a gente precisava dizer o que estava ocorrendo. Eu consegui resgatar a minha irmã”. Pediu que a população denuncie os casos de tráfico de pessoas.

DEPOIMENTO DO SR. APARECIDO LUIZ DE SOUZA - Padre.

Disse que há muitas denúncias, todavia o Estado nada faz: “A gente escuta muitas mães, que vêm com a gente, e a gente não sabe aonde recorrer, porque nós estamos abandonados aqui no Oiapoque pelo poder estadual, federal. E elas dizem: eu não vou me expor, padre, porque eu sei que não vai dar em nada. Então, para quem eu vou denunciar, a quem eu vou recorrer?

Descreveu um caso: “E o que mais me chocou nesses anos foi quando uma assistente social me procurou, desesperada, porque havia tantas denúncias, tantos documentos, e não sabia a quem recorrer. Até mesmo o pastor da igreja dela disse: “É melhor a senhora ficar calada, porque senão a senhora vai ser podada”. E ela disse: “Padre, o senhor é a última pessoa a quem vou recorrer, porque eu já cansei de bater em portas e só receber: não, fique calada, é melhor não dizer nada porque vai ser perigoso para você.””

DEPOIMENTO DA SRA. MAGALI BANDEIRA DOS SANTOS - Participante.

Acusou a assistente social, Darlita e o juiz do Fórum do Mazagão de terem entregue a sua neta para adoção. Afirmou que o juiz tinha dito que a criança iria fazer um tratamento em São Paulo e a criança nunca mais voltou.

Disse que o fórum de Mazagão é um berço de tráfico de crianças.Lamentou o ocorrido e pediu justiça: “Por que eu não posso ter a minha neta de volta? Eu quero a minha neta de volta. Eu não aguento mais. Sinceramente, hoje está fazendo 2 anos. Tem 1 ano e 8 meses que não vejo a minha neta (choro)”.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA DE NAZARÉ DOS SANTOS OLIVEIRA - Voluntária da Pastoral Carcerária em Oiapoque.

Manifestou indignação diante de tudo que acontece no Oiapoque. Pediu que os Deputados façam alguma coisa para combater a situação: “pergunta que não quer calar é: a partir de hoje, depois que terminarmos esta audiência, depois que todos forem embora para suas casas, depois que vocês forem embora fazer os trabalhos de vocês lá na Câmara dos Deputados, o que é de concreto que realmente vai ficar aqui para nós e o que de concreto vocês vão levar e quando? (Palmas.) Quando é que nós vamos ter essa resposta? O que foi feito ao longo de todas essas audiências públicas? O que foi feito de concreto? O que está sendo feito? E o que é que nós vamos fazer, a partir de hoje, a começar por vocês?”.

Reclamou do acordo assinado entre Brasil e França: “E outra coisa com que eu fiquei muito indignada foi quando eu soube desse acordo. (...). Porque não foi ouvido ninguém daqui.”.

DEPOIMENTO DO SR. TITO GUIMARÃES NETO - Delegado da Polícia Civil do Estado do Amapá.

Esclareceu que o Oiapoque vem passando por uma transformação, principalmente na área de segurança pública. Afirmou que hoje, a realidade é bem diferente, que o Estado está tratando das causas, consequências e dos responsáveis pelo tráfico de pessoas. Disse que será construído um polo universitário em Oiapoque e salientou que o sistema jurídico brasileiro fomenta a impunidade.

11.4. TRÁFICO DE PESSOAS EM ITAQUAQUECETUBA, NO ESTADO DE SÃO PAULO

Conforme informações veiculadas em fontes abertas (imprensa/internet), cerca de 48 famílias reclamam sobre supostas subtrações arbitrárias de crianças de seus lares, tendo algumas sido adotadas, outras retornado aos lares biológicos e algumas estando em lugar desconhecido pelos familiares.

Segundo reportagem veiculada pelo site UOL Notícias, em 28/10/2008, como na cidade não havia abrigo municipal, as crianças que sofriam maus-tratos, abandono ou viviam em situação de risco eram encaminhadas pelos conselheiros tutelares a famílias que, inicialmente, ficavam com a guarda provisória e, meses depois, entravam com pedido de adoção na Justiça. Dessa forma, não teriam entrado na fila de espera do cadastro oficial da cidade, no qual nem estavam inscritas.

Um grupo de Conselheiros Tutelares que informa ter assumido a gestão do Conselho a partir do ano de 2007 apresentou documentação à Deputada Flavia Morais afirmando ter sofrido processo de represália em razão das descobertas que fizeram quando assumiram os encargos das funções. Relataram que cerca de 48 famílias tiveram filhos, a maioria recém-nascidos, retirados de seu poder familiar por ação, que consideram ilegal e injusta, dos antigos representantes do Conselho, dos responsáveis pelo Hospital Maternidade Santa Marcelina e pela Promotora de Justiça do Estado, que atuava nos processos judiciais convalidando os atos irregulares praticados pelos dirigentes do Conselho Tutelar.

A Deputada Federal Janete Rocha Pietá encaminhou material a esta CPI, por intermédio de ofício, no mesmo sentido.

Esta CPI colheu vários depoimentos sobre o caso, que passamos a transcrever suscintamente.

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ CARLOS MICHELE FABRE - Procurador do Trabalho e Vice-Coordenador Nacional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo — CONAETE.

Fez o seguinte pronunciamento: “O que faz parte do meu cotidiano não é, talvez, esse tráfico em que os senhores aqui estão concentrados hoje. É mais o tráfico centrípeto; é o tráfico de pessoas que vêm do exterior para o Brasil para se ativar no setor têxtil.

Geralmente, entram por uma das dezenas de portas de acesso na nossa imensa fronteira seca — Brasiléia, Corumbá, Ponta Porã — e têm um destino único, que é o Terminal Rodoviário da Barra Funda, aqui em São Paulo.

A pessoa não conhece ninguém aqui e tem apenas uma referência, apenas um único contato. E, quando chega à Rodoviária da Barra Funda, ela encontra esse contato e é levada para morar nos fundos de uma confecção, de uma oficina, onde vai trabalhar de segunda a sábado, das 7 horas à meia-noite. Nos 3 primeiros meses não tem salário; é considerado um período de experiência. E a gente chegou a um cálculo de que existe um benefício econômico de 2.300 reais, estimando por baixo, para cada trabalhador explorado nessa condição. Ou seja, uma oficina com 10 trabalhadores, a cada mês, tem já um ganho de 23 mil reais.

O empregador que cumpre a lei só tem duas alternativas: ou ele fecha a sua oficina, ou assimila essas más práticas. Com isso, o ponto de conclusão é que não são apenas razões de ordem humanitária que empolgam a tutela e o combate ao tráfico de pessoas; são também razões de ordem econômica, vertidas na busca por um ambiente de competitividade leal e também um ambiente em que aquele que cumpre a lei não seja tão prejudicado por aquele que a descumpre.

Nesse sentido, no tráfico centrípeto, o que eu peço para os senhores darem atenção é para mecanismos de regularização migratória: talvez a implementação de gestões para que em postos de atendimento, num local único, a pessoa já saia com a carteira de trabalho e no mesmo local ela obtenha o RNE. Talvez explicações nos terminais rodoviários onde esse pessoal chega.

A nosso ver, a única forma de conter essa entrada desordenada de estrangeiros sem um tratamento xenófobo é regularizar a situação migratória. Não existem meios... É uma coisa de filme a gente pensar que uma fronteira tão extensa como a nossa consegue ser fechada. Ainda mais que eles têm um visto automático de turista, de 30 dias, de forma que não existe, mesmo, um controle apriorístico.

Mas é isso. Gostaria de enfatizar a importância de os senhores se aterem à questão do trabalho escravo, quando pensarem em tráfico, tanto no tráfico externo quando no tráfico interno.

No tráfico interno, existe uma certidão que é inteligentíssima. Ela se chama Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores. É algo que permite identificar onde aqueles trabalhadores que vêm do Nordeste para trabalhar no setor sucroalcooleiro no Sudeste e no Sul... Eles já saem de lá com essa certidão. Já é possível você identificar a fazenda, o local de destino.

Então, assim, se forem passar para uma etapa enunciativa, para uma produção legislativa, não deixem de contemplar, por favor, o trabalho escravo nessa discussão. E, no âmbito do trabalho escravo nacional, no tráfico interno, não deixem de contemplar a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores como a ferramenta mais inteligente, em tese, que foi concebida na esfera trabalhista até hoje para controlar o fluxo de brasileiros de uma localidade a outra do território nacional.

E, no âmbito externo, a única forma de lidar com a questão é a regularização migratória, por meio de gestão junto aos consulados, para facilitar o pagamento de taxas consulares, simplificar a burocracia.

E, daí, para terminar a minha fala, eu acredito que, dessa maneira, será eliminado o ponto de procura por esse estrangeiro, que é a sua irregularidade migratória e, portanto, uma vulnerabilidade que faz com que ele aceite essas jornadas exaustivas.”

DEPOIMENTO DO SR. EMANUEL GIUSEPPE GALLO INGRAO - Ex-Conselheiro Tutelar em Itaquaquecetuba.

Fez o seguinte pronunciamento: “Eu quero dar o meu depoimento de que, no ano de 2007, no final de julho, comecinho de agosto, diversas famílias procuraram o órgão da cidade, que é o Conselho Tutelar, que tem a sua função pública de amparar as famílias, de ouvir — esse é o papel do Conselho Tutelar.

Em cima dessas denúncias, mandamos ofícios tanto para a Juíza da cidade quanto para a Promotora, e, até o dia 22 de novembro, em que ficamos na sede do Conselho Tutelar, quando fomos cassados, não obtivemos resposta. Aí, no final do nosso mandato, que nós recebemos a coisa, nós denunciamos na Assembleia Legislativa o fato ocorrido e também o denunciamos na OAB, na cidade.

Então, o fato... Ocorria o quê? Diversas famílias simples, humildes... Setenta por cento da população de Itaquaquecetuba vive com, em média, um salário mínimo, um salário mínimo e meio. Então, a metade da cidade é pobre. E o Município tinha o quê? Três creches. E os casos dessas famílias eram relacionados à falta de creche. Então, qual era o papel do Conselho Tutelar? Cobrar, junto com o Ministério Público, da Prefeitura que desse creche para essas crianças, para que elas não ficassem na rua, para que não houvesse denúncias de maus-tratos, de que os pais as abandonavam. E a maioria desses pais saía pra trabalhar. E não foi dado o direito ao contraditório.

Como é garantido na nossa Constituição, a história tem que ser vista dos dois ângulos, sem proteger um ou outro setor. Em momento nenhum, nós da Comissão de Direitos Humanos, de que faço parte — e que fiz a denúncia —, queremos intriga com o Judiciário ou com o Ministério Público. Nós queremos um Judiciário que realmente utilize o símbolo da Justiça.

E os fatos ocorridos? Eu vou falar dos fatos agora. O caso da Ana Iracema. Ela teve a criança no Hospital Santa Marcelina, e, recém-nascida... Ela teve pós-parto e, 4 meses depois, ela nos procura, busca ajuda. A gente leva esse fato ao conhecimento da Promotora, ela se nega a nos ouvir, a nos atender. Ela sabia só bater na mesa e gritar. Esse não é um papel que deve existir na relação entre as pessoas. Deve existir o diálogo e o respeito. E diversas vezes tentamos, em reunião no Santa Marcelina e em outros locais.

Temos o caso da Ana Inês, que é a questão da certidão de nascimento — os pais não a tinham registrado. Não havia maus-tratos. Eles foram pedir uma informação, que a mãe estava desaparecida, e a criança foi abrigada no abrigo do Município.

E todos os outros casos na cidade, como é o caso da Marli, do Alex, que vão dar depoimento. Eles trabalham com reciclagem de lixo, e ela estava grávida, e o último filho dela que nasceu tinha problemas em consequência do trauma que foi gerado no dia em que foram tirados todos os filhos. Ele denunciou os maus-tratos que a filha sofreu no abrigo e foi proibido de visitá-la. Isso é um absurdo num País democrático, em que a gente diz que a criança e o adolescente têm prioridade.

Então, a gente gostaria que esta CPI e os órgãos competentes que estão aqui tivessem um olhar justo para essas famílias, que não tiveram o direito à defesa, porque os seus advogados... E a própria Justiça foi lenta. Eu acho um absurdo o processo estar há mais de 6 anos — que é o caso da idade que teriam a filha da Iracema e o filho da Marli, também nessa média, 6, 7 anos, e o da Valquíria, 9 anos, que lhe foi tirado com 1 ano e meio. Então, são coisas que precisam ser analisadas, e que as famílias vão falar o que ocorreu. Agora, as pessoas que tiveram bons advogados, que pagaram, tiveram a solução: os filhos devolvidos. Por que em uma família devolveram quatro filhos e não devolveram o recém-nascido? Fica difícil, agora... Retirar das outras famílias eu sei que vai gerar traumas e conflitos, mas como fica a cabeça dessa família e dessa criança de saber a sua história e que não teve o direito? Os pais estão brigando, e é um direito deles continuar lutando para ter esses filhos.”

DEPOIMENTO DO SR. PAULO ROBERTO FADIGAS CÉSAR - Juiz Titular da Vara da Infância e da Juventude de São Paulo.

Mencionou aexistência de aproximadamente 15 adolescentes traficados de vários países da África colocados para adoção.

Chamou a atenção para um problema enfrentado pela Vara da Infância que é o registro de crianças nascidas em casa. Sobre isso, relatou o seguinte: “Pela lei, estabelece-se que o registrador comunique ao juiz competente. No Estado de São Paulo, por norma da Corregedoria, quem investiga se a criança nasceu mesmo em casa é a Vara da Infância e Juventude, o que é uma medida salutar, porque o registrador não tem equipe para fazer visita domiciliar. Então, no Estado de São Paulo, o juiz recebe esse comunicado e manda a assistente social fazer a visita domiciliar. Normalmente, as adoções fraudulentas estabelecem “nascido em casa”, “nascido tardio em casa”.

Essa é uma medida que tem que ser alterada. Por quê? A Lei de Registros Públicos foi alterada recentemente para facilitar o registro, para que a criança tivesse registro. Os fraudadores utilizam essa facilidade — eu acho que é o art. 43 da Lei de Registros Públicos — para fazer a adoção à brasileira: “Criança nascida em casa, com registro tardio”. Isso é relativamente muito simples de se fazer. É uma coisa simples. A mulher chega lá e fala: “Esta criança é minha”.

A outra fraude que está sendo feita em cima do Estatuto da Criança e do Adolescente é a adoção unilateral. A mãe vem com um homem que está comprando a criança e fala: “Este é o pai da criança.” Ele: “Eu reconheço.” A mãe é verdadeira; o pai não é o verdadeiro — o pai não é o verdadeiro. Aí ele fica com a criança. Ele não precisa pedir a guarda porque, sendo ele o pai, ele tem a guarda por consequência jurídica. Ele vai para a casa dele e fica... E a mulher dele pede, depois, a adoção. A fraude que vem ocorrendo é essa.

Então, a adoção unilateral de criança menor de 3 anos tem que ser evitada, com uma alteração pequena no ECA, porque não é normal uma mãe deixar a criança com o pai e depois a mulher do pai — a mulher do pai — já pedir a adoção no ato seguinte — no ato seguinte; passados uns meses. Mas o ECA permite: a adoção unilateral. Uma das poucas exceções da adoção intuitu personae, quer dizer, da adoção sem respeitar o cadastro, é a unilateral. Aí é a fonte de fraude. São essas fraudes que nós vamos, no dia a dia, constatando.”

DEPOIMENTO DO SR. FERNANDO DE OLIVEIRA DOMINGUES LADEIRA - Juiz Titular da 2ª Vara Criminal e da Infância e Juventude de Itaquaquecetuba.

Disse que, em Vara de Infância, o Juiz de Direito não trabalha sozinho, mas acompanhado de Conselheiros Tutelares, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e de um corpo técnico formado por psicólogos e assistentes sociais. Afirmou que as decisões judiciais, em matéria de infância e juventude, são todas elas pautadas em pareceres conclusivos de outros órgãos técnicos, até porque, quando se está a lidar com criança e adolescente, o âmbito jurídico é muito restrito.

DEPOIMENTO DA SRA. JULIANA FELICIDADE ARMEDE - Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

Ressaltou a necessidade de atualização da legislação. Chamou a atenção para a questão do abrigamento e dos orçamentos oriundos e voltados para a assistência social.

Comentou aspectos contraditórios no ECA, nos seguintes termos: “Outro item que eu gostaria de suscitar — aí pontualmente do ECA —, retomando, Deputado Severino, uma discussão que tivemos lá em Brasília, que foi muito bacana, muito importante. Existem dois pontos no ECA que eu insisto em dizer que, do ponto de vista do tráfico de pessoas, são complicados: a questão do trânsito livre de adolescentes pelo território nacional... Porque o próprio ECA é uma contradição por si só: ele autoriza adolescentes a transitarem de maneira livre, sem a autorização de pai, mãe ou responsável, e, em contrapartida, criminaliza e impõe como sanção administrativa a residência ou o abrigamento, seja em hotel ou congênere, de adolescente. Então, eu tenho uma lei que diz, de um lado, “adolescente, pode ir embora”, e, de outro lado, diz “se você acolher esse adolescente, você pratica crime ou infração administrativa”. Isso precisa ser revisto.

Outro fator que o Ministério Público do Trabalho trouxe aqui, para fazer uma provocação à revisão legislativa, é o seguinte: art. 248 do ECA. O art. 248 do ECA, com todas as palavras, autoriza o trânsito livre de crianças e adolescentes pra trabalho doméstico, o que a Resolução 182, ratificada pelo Brasil, da OIT, proíbe — o trabalho doméstico. Isso está legitimado como infração administrativa do ECA: a pessoa que mantiver adolescente, criança em situação, em sua casa, de trabalho doméstico pratica uma infração administrativa do ECA.”

DEPOIMENTO DA SRA. DALILA EUGÊNIA MARANHÃO DIAS FIGUEIREDO - Conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina do Estado de São Paulo.

A respeito do trabalho irregular de menores, fez os seguintes comentários: “Nesta oportunidade, quero ressaltar na fala do Dr. Fadigas que a nossa agonia diária, porque somos uma ONG de atendimento, é observar também adolescentes que estão trabalhando em confecções com os pais — horas; 14, 15 horas. E também já observamos adolescentes, aqui no Brasil, sem o pai ou sem a mãe — eu até comentei com o senhor certa vez —, em situação completamente absurda. Temos encaminhado, porque temos um diálogo muito aberto com a Vara da Infância e da Juventude, com o Ministério Público.”

Também referiu-se à questão do acolhimento, nos seguintes termos: “Quero ainda ressaltar as palavras da Juliana no que tange à situação precária dos espaços de acolhimento. Nós não temos realmente condições de encaminhar pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. A nossa parceria com os Conselhos Tutelares é muito forte. É uma parceria desde 1997. Nós fazemos capacitações anuais com os Conselhos Tutelares, discutimos casos e sabemos o quanto é complexo o abrigamento, o acolhimento de adolescentes.

Quando se fala de pessoas, de adolescentes transexuais, transgêneros, principalmente que vêm da Região Norte para a Região Sudeste, nós não temos equipamentos adequados para abrigar pessoas nessas condições. Nós nos deparamos com discriminação, com preconceito. E pior ainda: é não construir com essa pessoa um plano que seja o plano da pessoa; que o recâmbio não possa ser automático; que essa pessoa tenha... Nós temos que respeitar sobretudo as expectativas desse ser humano que foi discriminado no seu Estado de origem, pela escola, pela família que o expulsou de casa, pela sociedade, e vê no Estado de São Paulo uma oportunidade de uma vida com menos preconceito, com mais dignidade.

Nesse sentido, eu quero colocar a ASBRAD e toda a nossa expertise e publicações em relação às metodologias que desenvolvemos, primeiro, no posto avançado do Aeroporto Internacional de Guarulhos, local onde nós trabalhamos há 10 anos, em parceria com a Polícia Federal, com a INFRAERO, com a Polícia Rodoviária Federal, com o Ministério Público, um trabalho que mereceu do Ministério da Justiça o reconhecimento de uma boa prática, uma metodologia que foi disseminada em outros Estados.

Quero nesta oportunidade ressaltar que um posto avançado como aquele, num país que é o Aeroporto Internacional de Guarulhos, que movimenta 100 mil pessoas por dia, não é tarefa de um município, é tarefa de um país, é tarefa do Estado de São Paulo, é tarefa de todos. Nós jamais podemos achar que o posto é responsabilidade só de um município. É necessário que tenhamos aporte de recursos do Governo Federal, do Governo Estadual e do Município. Essa gestão é uma gestão extremamente complexa. Nós temos casos de estrangeiros que chegam e ficam em situação completamente irregular, sem documentação nenhuma, numa coisa chamada ‘conector’.”

DEPOIMENTO DA SRA. CLÁUDIA PAIXÃO - Vice-Diretora da Rede Estadual de Ensino de Itaquaquecetuba, São Paulo.

Referiu-se a casos de crianças retiradas das famílias, sob a alegação de maus tratos. E fez os seguintes comentários: “E, na época, diziam que eram também maus-tratos, mas houve até pessoas que foram e disseram que era por conta de um vizinho que havia denunciado e aí não quiseram realmente saber se aquilo era verdade ou desejava de ser. Em nenhum momento no processo deles está dizendo que houve maus-tratos. Fora isso, foram tiradas as duas crianças, chorando, de dentro de casa. Isso é relato até de pessoas conhecidas, vizinhas dele. O policial chegou junto com a Márcia Major, que era a Conselheira Tutelar na época, e foi tirada.

Ana Iracema: depressão pós-parto. Quem é mulher e teve criança sabe que em muitas das vezes a gente realmente fica assim. Eu tive esse problema assim que o meu segundo filho nasceu. Nem por isso é motivo de chegar e dizer: “Eu não tenho como cuidar dele”. Por que não procuraram a minha família? Por que não procurar a família? Lá está bem claro que, quando se tira uma criança, a primeira coisa a fazer é procurar alguém da família, não pedir para... Iracema assinou um papel que até hoje não sabe o que assinou. Ela não sabe até hoje o que assinou. E essa criança ela não chegou a ver nunca mais, depois que saiu do Hospital Santa Marcelina. Agora é que descobrimos uma foto. E ela estava até neste dia chorando, falando que parece demais com outro menino dela, o Gabriel, que ela cria superbem. “Não posso criar uma, mas posso terminar de criar o outro?” Então, sabemos que depressão pós-parto é complicada.

Mas, em todos os casos que aqui nós estamos colocando, a primeira coisa: a família não foi procurada. A D. Carmelita morreu, ano passado, sem ver as netas. A nora dela, Miriam Suassuna, entrou em depressão porque a mãe havia falecido e começou a deixar de cuidar da sua casa, começou a deixar de cuidar realmente, de fato, da família. No entanto, o pai estava ali. O Jonilson estava ali. Por que não deixaram as crianças com o pai? Foram lá, tiraram as crianças. Ele conseguiu fugir com o mais novo, que tem a idade do meu filho, e só apareceu o ano passado, quando justamente... Ele chegou na hora em que a mãe estava tendo um infarto. Essa criança hoje está com um tio. A avó, desde o dia em que as meninas foram tiradas, briga na Justiça pela guarda das crianças, e morreu sem tê-la. Morreu sem tê-la.

D. Rosa: viu o primeiro neto nascendo, parto normal; depois foi feita uma cesárea na filha. Por que foi feita uma cesárea, se ela não viu o segundo neto nascendo? Mas ela tem onde comprovar que duas crianças nasceram vivas no Santa Marcelina de Itaquaquecetuba. Ela tem comprovante: dois nascidos vivos. Cadê a outra criança? Hoje ela nem pôde estar conosco porque não estava se sentindo bem, mas ela tem o comprovante: ultrassonografia, com duas crianças. Ela tem o documento de dois nascidos vivos e ela viu o primeiro nascendo. Na outra hora, tiraram ela da sala, levaram para outra mesa, em outra sala, a filha, e ela tirou foto da barriga da filha cortada. Por que cortaram a barriga da menina? A menina tem problemas neurológicos, tem problemas psicológicos. Então, quem cria esse neto, hoje, é ela. E ela quer saber o paradeiro da outra criança.

Ana Lúcia: só conseguiu os filhos de volta porque ameaçou a promotora, ameaçou ir à reportagem, ameaçou ir a todos os lugares. As crianças foram devolvidas.

D. Marlene: todos os filhos dela foram tirados. E ela tem medo, receio de falar com qualquer pessoa.

A D. Inês e o Dordal estão aqui. A Inês é tia. Pegou justamente porque a mãe da criança havia sumido e tudo o mais. Pegou para cuidar naqueles dias e foi atrás da Justiça para poder ter um documento, porque a criança não tinha um registro. O Conselho foi lá e tirou da casa delas. Agora vão dizer o quê?

A maioria, infelizmente, é de pessoas simples, leigas de qualquer direito. Leigas. A maioria delas chegava e dizia: “Olha, você vai lá e constrói, termina de arrumar a sua casa, que eu devolvo o seu filho”.

E o que eu disse anteriormente, na outra reunião? Eu posso morar numa caixinha de fósforo, se tenho amor por meu filho, eu não quero, jamais vou aceitar que o tirem de mim. E assim o fizeram.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA GABRIELA AHUALLI STEINBERG - Promotora de Justiça e assessora do Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

Teceu as seguintes explicações acerca do tráfico de pessoas: “Embora eu saiba que há posicionamentos contrários, o Protocolo de Palermo exige que, para que se considere uma situação como tráfico de pessoas, a finalidade daquele agente seja a exploração do trabalho, a remoção de órgãos ou a exploração sexual dessa vítima. Então, do meu ponto de vista particular, a adoção irregular por si só não configura o tráfico de pessoas. Não estou dizendo que não é importante essa questão de “Itaquá”, mas estou dizendo que, do meu ponto de vista, talvez não seja a CPI do Tráfico de Pessoas o fórum adequado para essa discussão.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA DE FÁTIMA NASSIF - Agente de Proteção Social da Secretaria Social de Desenvolvimento Social do Governo do Estado de São Paulo.

Não trouxe informações que sejam de relevância para as apurações de tráfico de pessoas e para a identificação de quadrilhas ou pessoas que atuem nessa atividade criminosa.

DEPOIMENTO DO SR. ADÃO PEREIRA BARBOSA – ex-Conselheiro Tutelar.

Tendo em vista a importância do relato feito, transcrevemos parte do depoimento: “Dando continuidade ao que os companheiros falaram, é o seguinte: meu nome é Adão Pereira Barbosa, eu sou ex-Conselheiro Tutelar, afastado na mesma condição dos companheiros. Então, é o seguinte: assim que nós fomos eleitos para o Conselho Tutelar, no mês de junho de 2007 — e assumimos no dia 27 de julho de 2007 —, começaram a aparecer as famílias à procura de seus filhos. Então aí nós achamos que era uma coisa estranha, porque não era... Aquilo ali não era... Conselho Tutelar não era para ter aquele papel, sumir com filhos de pessoas.

Aí, ouvimos essas famílias e relatamos para a OAB, passando o caso. Aí, a OAB instaurou um processo para o Ministério Público, dizendo o que estava acontecendo. O que aconteceu foi o seguinte: meses depois, nós fomos afastados. Até aí, tudo bem. Aí, nós pegamos e levamos isso aí à frente, porque nós achamos que famílias pobres não podem perder seus filhos pela pobreza, o que está garantido na Constituinte e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O ECA diz que, na falta de condições materiais, o Estado não tem que... O Estado tem que garantir as condições mínimas para as famílias criarem os seus filhos. E o que aconteceu em “Itaquá” não foi isso. Foram tiradas, às vezes, crianças amamentando do colo das mães e levadas direito para abrigo.

Outro artigo do ECA diz também o seguinte, que o direito... A criança tem que ser cuidada e educada no seio da família. E porque hoje essas crianças foram tiradas da família e não foram consultados os parentes próximos, que seriam avós ou tios. Não foram consultados. E o art. 45 diz o seguinte: “A adoção depende do consentimento das famílias”. E mesmo porque a OAB constatou que não havia boletim de ocorrência. Nós sabemos disso, não houve boletim de ocorrência para constatar que houve maus-tratos ou abandono de incapaz. As crianças simplesmente eram tiradas por uma denúncia do Conselho Tutelar. Nessa denúncia, eles faziam um termo de... Um termo de? Responsabilidade, e já levavam essas crianças para o abrigo. Quer dizer, pra constatar maus-tratos, tinha de ter, primeiro, boletim de ocorrência, delegacia; depois, instaurar inquérito, ir para promotoria. Da promotoria, apresentar para o juiz, para ver se era abandono de incapaz ou maus-tratos. Nada disso foi feito.

Quer dizer, foram tiradas de forma às vezes até bruta, porque às vezes ia até polícia junto com os conselheiros para tirar as crianças. Isso aí não pode. Mas não tinha boletim de ocorrência. Nunca aconteceu nenhum boletim de ocorrência. Quer dizer, jogava dentro dos abrigos, e os abrigos eram de péssima qualidade na época, não havia políticas públicas no Município. A mãe ia trabalhar e deixava os filhos em casa. O vizinho pegava e denunciava que as crianças estavam na rua, as crianças maiorzinhas olhando as menores. E o que acontecia? Quando a mãe chegava, o filho estava no Conselho Tutelar ou já estava no abrigo. E daí ela não via mais e já estava sendo adotado.

Quer dizer, isso não é prática de Conselho Tutelar. Tinha de ter uma fiscalização do Ministério Público, tinha de ter políticas públicas do Município. Os abrigos tinham de ser visitados pelo Ministério Público, pelos órgãos da Prefeitura, pelo CMDCA, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente. Nada disso aconteceu. Quer dizer, houve uma omissão dos dois lados.

Agora, nós somos vítimas, sim, porque nós fomos afastados porque denunciamos. E nós... Este caso só está aqui porque nós viemos a público em vários meios de comunicação, colocamos isso aí, a denúncia. Não foi nada de improbidade administrativa no nosso cargo, não foi nada disso. Foi simplesmente uma perseguição, a partir do momento em que nós denunciamos isso. E aonde os outros conselheiros tinham a mesma situação, não cumpriam horário e nem por isso foram punidos até hoje. Agora, se há lei para todos, tem que ser para todos.

Agora, nós não podemos aceitar. Cada um tem a defesa. Agora, nós estamos aqui porque somos pessoas idôneas e representamos essas famílias através de uma entidade que é a Comissão de Direitos Humanos do Alto Tietê, e nós queremos que seja investigado.

Neste ano nós tivemos em reunião com o desembargador, com a Corregedoria e pedimos que seja investigado, porque famílias não foram ouvidas até hoje pelo Ministério Público. Elas foram ouvidas, sim, nessas oitivas. O Ministério Público até hoje nunca ouviu as famílias.

A Corregedoria pegou isto aqui e mandou para a Corregedoria Nacional, apenas eles passaram um pano lá e disseram que estava tudo bem, aqui estava tudo bem, que não houve nada de irregularidades. Imagina, 48 famílias perdendo seus filhos, sem ter motivo e sem ter um acompanhamento psicológico. E há políticas públicas no Município, e até hoje ninguém resolveu a situação? As famílias não foram ouvidas. Houve a defesa do Ministério Público, e as famílias até hoje não tiveram ninguém para ouvi-las, elas vêm nessas oitivas. Cadê o Ministério Público? Porque foram violados os seus direitos.”

DEPOIMENTO DO SR. CLODOALDO SAGUINI JUNIOR - Defensor Público do Estado de São Paulo.

Disse que todas as famílias que perderam os filhos são pobres, são pessoas sem recursos, e a própria perda dos filhos é relacionada à falta de recursos do Município, porque o Município não possui abrigos, então eles arranjaram essa maneira meio irregular de acolher os filhos, que gerou famílias hospedeiras, que, na verdade, só eram famílias que queriam adotar. Considerou essa situação como evidente desrespeito ao ECA, que dá prioridade às políticas públicas de infância e juventude.

DEPOIMENTO DA SRA. MARISA FEFFERMAN - Representante do Movimento Tribunal Popular.

Explicou que o Tribunal Popular é um movimento social que, desde 2008, tem buscado questionar e poder apontar os casos em que o Estado brasileiro como um todo — isso é no Brasil inteiro — comete algum equívoco.

A respeito do caso de “Itaquá”, disse que não é possível saber se se trata ou não de tráfico e que ninguém sabe onde estão as crianças.

Disse ainda que, mesmo em caso de guerra, não se tira crianças de família. Fez o seguinte comentário: “Nós estamos ou não vivendo num Estado de Direito? Terceiro. Eu sou psicóloga, sou pesquisadora da FLACSO, também sou psicóloga. E eu acho que é importante a gente retomar que famílias que agem com maus-tratos com crianças estariam, há 8 anos, fazendo o que até agora? Nessa perspectiva, três pessoas já morreram. E eu quero dizer o seguinte: nós não estamos aqui pensando... A questão do ECA está clara, o ECA determina o bem-estar da criança, e bem-estar da criança, já foi lido pelo Adão, o que significa. Agora, é importante o que estamos colocando... O que nós queremos reavaliar é o que o Estado fez retirando as crianças, porque não foi outra coisa, a responsabilidade do Estado brasileiro frente a essa situação. O que a gente quer é averiguar é a responsabilidade do Estado.”

DEPOIMENTO DA SRA. EDILENE DE SOUZA E SILVA - Depoente.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu acho que há facilitação nesse processo de Taquá, que fez com que essas crianças fossem tiradas do nosso seio familiar de um jeito muito brutal ...

A gente chegava lá, no Conselho Tutelar, para pedir ajuda, eles praticamente faziam assinar papel em branco, e estavam roubando as crianças. E a gente estava sem saber o que estava acontecendo. Quando se via, era a polícia chegando em casa, era o próprio Conselho chegando, tomando essas crianças. Isso aí virou um caso banal, porque todo mundo ia lá, ia pedir ajuda e saía roubada ...

Então, muitas pessoas estão por aí ...Na verdade, todas foram retiradas. Só que a tentativa de pegar uma, que ficou com a avó paterna, do meu primeiro relacionamento, na tentativa de pegar essa, aí, a Márcia fingia que estava dando uma de psicóloga — ela falou que era psicóloga também —, fazia eu assinar papel em branco. E, ali, dizendo que estava me ajudando. ela acabou conquistando a minha confiança, fingindo que era psicóloga mesmo. E eu ali com ela. Não pedia, porque ela me fazia desenhar coisa a lápis e depois fazer assinatura de caneta. Ela acompanhou minha gravidez de gêmeos. Ela também foi lá e tirou mais uma menina minha, que na época estava com 2 anos e meio, e as minhas gêmeas ela tirou do meu peito, eu ainda amamentando ...

Estavam mamando, estavam com 1 ano e 6 meses as gêmeas. Ela acompanhou a gravidez, porque eu estava tentando tirar a outra menina mais velha, e a Márcia aproveitou essa parte da minha vida, acompanhou a minha história, e fez o relato. Como ela descobriu que o ... Nem as gêmeas, nem a Bianca não sei ... Não sei nem sei as gêmeas, que são idênticas, se elas estão separadas. Uma vez que uma sentiu febre, porque estava longe da outra, eu fui levar à Santa Marcelina, também de Taquá ...

E eu estranhei também o Santa Marcelina estar nesse meio porque, quando cheguei lá em Santa Marcelina, ela já tinha sido atendida, e eles me seguraram lá. Eu perguntei: “Por que, se a minha filha já foi atendida?” “Não, aguarda um momento.” Eu falei: “Não. Eu vou amamentar minha filha e eu vou para casa, eu estou com fome”. Aí, quando eu tentei sair de Santa Marcelina, eu fui abordada. Ele falou assim: “Você vai aguardar aí, porque você vai ter que esperar o Conselho”. Eu falei: “Por quê? Eu só vim trazer a minha filha aqui para ser medicada. É o que a mãe faz quando a filha está doente, não é?” Aí, eles falaram: “Olha, você me leva, até agora, espera um momento”. Aí, apareceu ela, a Márcia, apareceu a Eunice, apareceu o Lídio, que trabalhava, dirigia a perua na época. Então, eles falaram assim: “Olha, a partir de agora você vai levar até a sua casa, porque eu preciso acertar uma conta com você”. Chegou a casa, eles falaram assim: “Olha, você vai agora passar todos os documentos das suas crianças, tudo o que estiver no nome delas, porque você não tem direito de nada delas mais. E tirar o seu poder familiar”. Eu falei: “O que eu fiz?” “Você assinou os papéis em branco, os que eu mandava você assinar. E todos eles estavam lá. Então, vai ser difícil agora para você porque o documento não está falso, a sua assinatura não está falsa. O que está falso é a documentação. Até você alegar isso, tudo isso vai demorar muito”. Aí eu perdi as esperanças. Depois que o novo conselheiro de “Itaquá” voltou para lá, que falaram: “Ó, o novo conselheiro agora está em “Itaquá”, estão resolvendo essa questão, corre lá que você consegue pegar”. Foi aí que eu voltei a tentar com eles. Inclusive, eles tiraram cinco crianças, no caso. Não foram quatro, foram cinco. Eu só estranhei porque a outra menina era do outro casamento com ele, que é pai das gêmeas. Agora, por que, segunda-feira, 2 dias depois, entregaram para a mãe dele essa criança, que hoje já está com 15 anos, também não foi bem cuidada, já saiu de casa, voltou grávida, gestante de novo? A mãe teve de acolher ela, porque foi abandonada novamente. E ela está lá também como se ela estivesse juntamente com as minhas crianças. Por que elas devolveram ela? Por que tinha 9 anos de idade? Por que já era adolescente, já sabia dizer o que ela queria da vida? Ou por que as minhas eram mais bonitinhas, eram pequenininhas, eram novas e não sabiam falar quem era mãe, quem era pai e em outro seio rapidinho ela ia aprender a falar papai, mamãe e tudo? Inclusive, eu fiquei chocada um dia, porque uma das minhas filhas falou assim — ela tinha 2 anos e meio, ela já sabia me chamar de mãe. Eu apareci no Conselho Tutelar e ela falou: “Mãe, você vem me buscar?”. Eu falei: “Não, minha filha. A mamãe está preparando a casa nova, um pouquinho, depois mamãe volta”. Mas ela continuou gritando: “Mãe, você vem me buscar, não foi?” Ela começou a chorar. Eu sei que naquele dia eu passei mal lá no Conselho Tutelar. Eu fiquei sem fala, fiquei lá sem tomar remédio, sem nada. O que eles fizeram? Quando eu acordei, eu estava em um alojamento de um hospital, porque tinha caído minha pressão e nenhuma delas deram assistência para mim. Ao contrário, me chamaram foi de louca. Falaram que eu era louca, para eu deixar esse caso encerrado, porque eu já tinha perdido, para eu perder as esperanças, porque tudo o que tinha de fazer já tinha feito, que pudesse esquecer a situação.”

DEPOIMENTO DO SR. ADRIANO DIOGO - Deputado Estadual de São Paulo.

Disse que quarenta e oito processos de adoção feitos em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, são investigados pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público.

Passou a reproduzir trechos da documentação que se comprometeu a entregar para a Comissão, com o seguinte teor:

“A Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo revisa, há 5 meses, 48 processos de crianças retiradas dos pais biológicos e entregues à adoção os últimos 9 anos em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. O objetivo do TJ é descobrir se houve irregularidades, entrega delas para famílias substitutas. A

Corregedoria do Ministério Público também investiga o caso. Como na cidade não há abrigo municipal, as crianças que sofrem maus-tratos ou viviam em situação de risco e precisavam de medidas temporárias, eram encaminhadas pelos Conselheiros Tutelares para abrigos. As famílias inicialmente ficavam com a guarda provisória delas e mesmo depois entravam com o pedido na Justiça de adoção. Desse modo, acabavam burlando, de forma não intencional, a fila de espera do cadastro oficial da cidade, ao qual nem sempre estavam inscritas.

A investigação já tem 4 volumes, está sob sigilo e encontra indícios de que o Conselho Tutelar teria entregue a guarda provisória de crianças para famílias substitutas e comunicado à Promotoria e ao Judiciário meses depois, quando os casais já haviam entrado com o pedido de adoção.

Há situações em que isso só ocorreu anos depois. A lei determina que essa comunicação aconteça no máximo em 48 horas. E só um juiz pode autorizar a transferência da guarda de uma criança de uma família para outra. A apuração, que começou em março, será concluída nesta semana.Juízes e promotores estiveram em Itaquaquecetuba várias vezes neste ano. Pais e parentes de crianças...”

“Inês Martins de Melo, essa senhora teve a sobrinha, Maria Clara, retirada de sua casa após ter ido ao Conselho Tutelar solicitar ajuda para tirar certidão de nascimento da mesma, haja visto que a mãe havia sumido e largado com o pai, o Sr. Dordal e suas tias. E os conselheiros, há época, juntamente com a promotoria, alegaram que a criança deveria ficar em um abrigo até que o assunto fosse resolvido. No entanto, após terem resolvido e achada a mãe da criança, essa não foi devolvida e hoje está com a família em Mogi das Cruzes.

Marly de Oliveira Santos, Alexandro de Melo dos Santos, esse casal de catadores de papel tiveram os filhos tirados numa manhã enquanto o pai foi comprar pão. Disseram que as crianças sofriam maus-tratos, mas nada foi comprovado. As meninas foram para um abrigo e hoje estão com pais, que ganharam a causa. O menino não sabemos onde está.

Rosa Lilipuziano. A filha dessa Sra., Maria Cristina Lilipuziano, estava grávida de gêmeos e lhe foi entregue apenas um bebe. A D. Rosa estava no momento do parto e sabe que nasceu de um parto normal. Alegaram não ter outra criança, mas por qual motivo fizeram a cesária? Por conta disso a mãe entrou em depressão e não recebeu ajuda de ninguém. Dona Rosa tem a ultrassonografia com os dois fetos e a foto da cesária e outros documentos que

comprovam que eram dois bebês.”

11.5. OUTROS RELATOS DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Esta CPI colheu depoimentos sobre a situação do tráfico de pessoa no Estado de São Paulo, que passamos a transcrever suscintamente.

DEPOIMENTO DA SRA. JULIANA FELICIDADE ARMEDE – Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de São Paulo

Disse que o Núcleo está inserido na Secretaria de Estado de Defesa e Cidadania e apontou como um dos problemas do Estado a dificuldade de punir, por falta de uma legislação específica. Os casos de exploração específicos combatidos pelo Núcleo são o dos migrantes internacionais que são atraídos para trabalho por empregadores irregulares e dos meninos que saem de São Paulo para trabalhar em escolinhas de futebol.

Quanto a este último fato, a Dra. Juliana disse que preferia não se estender sobre o assunto, porque não havia argumentos e provas suficientes, pois o caso ainda estava sendo analisado pela polícia. O Núcleo, entretanto, considera que as escolinhas de futebol são exploração.

As ações que o Núcleo tem realizado para melhor atendimento das vítimas, desde sua criação, foram a implantação de comitês regionais; a interação com outras Secretarias e buscar diálogo com os Consulados dos migrantes da cidade.

Perguntada sobre possíveis sugestões de legislação, respondeu que a normativa existente é o Protocolo de Palermo, interiorizado e que traficantes deviam ser punidos com base no Protocolo. Ressaltou que o Tráfico para exploração sexual é o único que consta do Código Penal. Criticou o livre trânsito de adolescentes acima de 12 (doze) anos, que foi permitido pelo ECA.

Esclareceu que, no caso das Escolinhas de futebol: crianças são cooptadas (Pará e Ceará) e que em alguns casos obtêm das famílias uma procuração. São levadas para Santos.

Quanto a migração, ressaltou a necessidade de modificação do Estatuto do Estrangeiro, com possível apoio ao direito ao voto do migrante. Lembrou um caso recente: o caso Gregory. Informou que, quanto aos migrantes bolivianos, a exploração, antes retida na cidade de São Paulo, se espalhou pela cidade e pelo interior.

O Núcleo pediu a Colaboração com a Receita, o INSS e o Ministério do Trabalho e do Emprego para a fiscalização e atualmente existe uma tentativa de responsabilizar as empresas para que elas arquem com o custo do migrante. Além dos Consulados, São Paulo também mantem acompanhamento conjunto com organizações internacionais.

DEPOIMENTO DO SR. JEFFERSON APARECIDO DIAS - Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria da República em São Paulo.

Após apontar o aumento do número de casos chegados à Procuradoria sobre tráfico de pessoas, afirmou o Depoente:

“Na verdade, o Brasil, tradicionalmente, que era um exportador de pessoas, passou a ser importador também. Então, nós temos enfrentado na PRDC e também na atuação criminal realidades distintas, realidades que vão de brasileiros remetidos para o exterior e de estrangeiros trazidos para o Brasil. Então nós temos hoje uma via de mão dupla, com situações totalmente diversas, que acabam exigindo soluções diversas. Nesse aspecto eu já gostaria de fazer uma primeira observação que me parece bastante oportuna.

A legislação brasileira, no que diz respeito a tráfico de pessoas, crime de tráfico de pessoas, tem um complicador que é a exigência do fim sexual. Então me parece este um grande... Desculpe-me a sinceridade, afinal estou na casa dos senhores que são os senhores das leis, mas eu acho uma grande ineficiência da legislação, porque ela acaba impondo uma sanção ainda maior à mulher, porque a mulher que é remetida ao exterior, ela vai ter que admitir que foi para fins sexuais, e se ela não foi para fins sexuais, se foi para fins de trabalho, nós não teremos o crime.

Então, é uma situação um pouco inusitada porque pode ser que não tenha chegado o momento da exploração sexual, pode ser que o Brasil tenha atuado de forma eficaz a evitar que ela se prostitua para se manter no exterior, porque foi intercedida, porque foi interrompida a prática delituosa, ou nós punimos a mulher uma segunda vez porque ela tem que chegar aqui e não esquecer o que aconteceu lá, ela tem que chegar aqui e admitir que foi explorada sexualmente para poder ter o crime. Isso é um problema.”

Para suprir a lacuna legal, o Ministério Público vem tentando tipificar como redução a condição análoga a de escravo o tráfico que entra no país, ou de imigração irregular para os casos de envio ao exterior, mas é muito difícil o enquadramento, restando ao MP a opção de tomar medidas cíveis. Apontou o aumento de casos envolvendo jogadores de futebol e modelos, na saída; trabalhadores também para alguns mercados específicos, como é o caso do Japão, pois existe uma certa tradição de o Brasil enviar mão-de-obra, e também para fins sexuais na Europa, com travestis e também para a prostituição. Na mão do retorno, da vinda, o normal são pessoas vindas dos nossos países irmãos sul-americanos, bolivianos e peruanos em especial, para trabalhar em oficinas de costura, em especial no Estado de São Paulo.

Sobre o caso das modelos assim se pronunciou: “Nesse caso específico que envolve essa representação, o trabalho do Governo brasileiro foi muito eficaz — quem tiver acesso aos autos, V.Exas. com certeza podem ter acesso aos documentos. Uma situação foi posta. Os familiares de duas irmãs acionaram o Governo brasileiro, que atuou de forma bastante eficaz num curto espaço de tempo, num espaço de tempo muito pequeno entre a denúncia ao Governo brasileiro e a execução.

É um caso exemplar que merece todas as honras, porque, infelizmente, na minha experiência, na PRDC — sou Procurador da República há 16 anos, mas na PRDC há três anos —, na maioria dos casos nós não tínhamos muitos elementos sequer para identificar onde as pessoas estavam e sequer para identificar quem era responsável pela remessa. Não tínhamos dados. E esse caso específico é um dado peculiar, porque foi uma atuação muito rápida do Governo brasileiro e muito eficaz. Lamentavelmente, em outras situações, essa atuação não é tão rápida, e aí a consequência é muito mais grave.

Foi feito, nesse caso específico. Sim, existem processos criminais, inquéritos policiais que foram instaurados, mas apesar de não ter total conhecimento do teor dos inquéritos, parece-me que o grande senão é que não é tráfico de pessoas mesmo, porque não foi provado intuito sexual. Então aí não tem tráfico de pessoas, e é normal que os inquéritos sejam arquivados, porque não há essa elementar do tipo. Apesar disso, entendemos, e sustento minha posição, que é possível, sim, a responsabilização no aspecto civil. E é o que buscamos nessa ação civil pública, que infelizmente não será a única. Temos outras para serem propostas, porque é uma inovação, em certo ponto, e confesso que não tenho conhecimento de outra medida judicial nesse sentido de aspecto civil, mas me parece que é uma das soluções possíveis de tentarmos.

Enquanto a lei não é alterada no sentido de criminalizar de forma rigorosa qualquer tipo de remessa de brasileiros para o exterior, não só para fins sexuais, há a ação civil que é uma forma que está disponível para reprimir essa prática.

Acho imprescindível que as organizações e as instituições atuem de forma integrada. Estamos, na verdade, numa nova realidade, uma nova realidade que vai impor novos desafios. O Brasil passa a ocupar uma posição diferenciada no cenário internacional e, apesar disso, ainda é muito atraente para algumas pessoas, principalmente nesses aspectos que envolvem sonhos. Alguns brasileiros são muito bem sucedidos como jogadores de futebol, como modelos, e isso faz com que toda criança acabe sonhando em atingir esse ponto de sucesso. Isso acaba sendo muito sedutor para todos que querem esse sonho, essas propostas do exterior. E o Brasil vai ter de se preparar para isso.”

Trouxe à colação, por reputar oportunos, os seguintes trechos do relato do Ministério das Relações Exteriores:

“Já, quase madrugada — “o Vice-Cônsul, Oficial de Chancelaria Rafael Godinho, acompanhado da Auxiliar Administrativa Ayesha da Costa Khokar e de cerca de dez policiais das delegacias de policia de Cuffe Parade e Aarey Milk Colony, sob a chefia do Agente S. Todkar, efetuou o resgate de três brasileiras (...)”

Outro ponto: “O agente Todkar (...) — que é o chefe da polícia indiana — afirmou que “(...) o referido complexo residencial era notoriamente local de ocorrência de prostituição, inclusive de estrangeiras, além de outros ilícitos. Ao chegarem à portaria do prédio, o agente Todkar frustrou tentativa de evasão do vigia, que tentara alertar os suspeitos, e subiram, todos, ao apartamento onde se encontravam as brasileiras”.

Com relação ao Vivek – pessoa sob a guarda de quem estavam as moças “(...) notório contraventor, com passagens policiais múltiplas, por agressão, envolvimento com narcotráficos, rufianismo, além de modus operandi da ‘agências-mãe’ (...) que levam o CG a vislumbrar inequívocos indícios de(...) tráfico de seres humanos”.

Então, vejam, infelizmente me parece que o mundo não é tão cor-de-rosa”.

Prosseguiu o Depoente: “Então, defendo as meninas porque acho que isso é um problema de todas as condutas que envolvem as mulheres principalmente, ou minorias, que é uma forma de jogar a culpa para a vítima. Então, culpar a vítima. A vítima é que culpada porque ela que deveria ter... Ela que deveria... Nós fizemos tudo certo, a vítima que fez errado. Então, isso me preocupa e eu não gostaria que elas fossem punidas, de qualquer forma. Acho que elas tinham um sonho, e o máximo que pode ser imputado é a falta de experiência.

No caso da menor na verdade não existia contrato. Ela foi. Supostamente, ela iria como turismo. Então, as informações que nós colhemos é que não existia, e ela tinha um visto de turista, mas já sabendo que iria para trabalhar.”

Na opinião do depoente as jovens somente não foram submetidas a exploração sexual apenas porque o Consulado Brasileiro agiu rápida e exemplarmente.

DEPOIMENTO DA SRA. IVANISE ESPERIDIÃO DA SILVA SANTOS - Presidenta da Associação de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas — ABCD

Citou dois casos de moças desaparecidas, cujos indícios levam a crer que foram vítimas do tráfico humano. Uma delas é Ana Paula Germano, de 23 anos, loira, de olhos verdes, que desapareceu praticamente na calçada de casa, no dia 3 de outubro de 2009, para ir trabalhar. A outra é uma garota de 11 anos, de 1,73 metro de altura, vista, pela última vez, acompanhada por um homem.

Defendeu a criação de delegacias especializadas em cidades com mais de 100 mil habitantes bem como a criação de um sistema integrado em todo o território nacional, com a Polícia Federal, a INTERPOL e as fronteiras; interligação dos boletins de ocorrências das delegacias em todo o território nacional, com um modelo único de boletim de ocorrência.

Criticou ainda a falta de informações de pacientes não identificadas nos hospitais.

Relatou ainda que, no ano de 2007, localizou, por meio da Associação, uma moça que se encontrava em cárcere privado na Espanha, a qual foi resgatada.

Demonstrou preocupação com a realização da Copa do Mundo, argumentando com a necessidade de se tomarem medidas contra a ação dos aliciadores.

DEPOIMENTO DO SR. PAULO ROBERTO FADIGAS CESAR - Juiz da Vara da Infância e da Juventude.

Mencionou que a Vara recebe adolescentes e crianças vítimas do tráfico internacional, inclusive devido á proximidade com o Aeroporto de Guarulhos, como é o caso de uma menina da Eritreia e outras da República Democrática do Congo, Nigéria, Angola, Bolívia e também um menino do Haiti.

Citou ainda um caso dramático de uma dessa meninas que foi estuprada 16 vezes por um colega de escola, que havia entrado no Exército. Houve uma revolução naquele país, ele matou a família e estuprou a menina. Ela fugiu, entrou na rota da prostituição e veio parar no Brasil.

DEPOIMENTO DA SRA. ELIANA FALEIROS VENDRAMINI CARNEIRO - Promotora de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO).

Criticou a legislação em vigor e disse que há dificuldades para dar andamento aos processos, para responsabilizar os identificados e que o trabalho de investigação é muito árduo, além dos problemas de proteção à vítima.

Disse que o Ministério Público tem um corpo formado para cuidar das questões de direitos humanos e defendeu a necessidade de abrigo para as vítimas enquanto corre o processo.

Relatou ainda que o Ministério Público acompanha os trabalhos da Cáritas, porque os traficantes, muitas vezes, utilizam essa instituição, que é muito séria, como inocente útil, já que ela mantem um abrigo para pessoas refugiadas.

Citou um exemplo de uma moça cooptada na África do Sul, por uma pessoa conhecida, para trabalhar no Brasil e que descobriu, ao chegar aqui, que tinha sido aliciada para o tráfico. Ela conseguiu fugir do saguão do hotel onde deveria ficar hospedada e foi parar no Cáritas. Depois de 3 meses de luta, ela conseguiu voltar para o seu país, tendo contado com a ajuda do Ministério Público Estadual, da Organização Internacional de Migração e do Cáritas.

Ressaltou a necessidade de mudanças na legislação, não só na questão da criminalização, mas também com relação aos procedimentos.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA GABRIELA AHUALLI STEINBERG - Promotora, Coordenadora do Grupo de Trabalho para a realização de estudos para enfrentamento dos casos de tráfico de pessoas.

Destacou a importância dos cuidados com a vítima, já que, muitas vezes, ela não se sente vítima, e sim culpada pela situação que está vivendo.

Disse que o atendimento é muito importante do ponto de vista humanitário, porque são pessoas que estão em situações degradantes e desumanas.

Além disso, ressaltou que, nos casos em que a vítima tem uma ligação com o aliciador, ao mesmo tempo em que é vítima, ela também o protege em algum momento e não colabora prontamente com a Justiça.

Ressaltou também a importância de mudanças na legislação para permitir maior efetividade na punição desses crimes.

DEPOIMENTO DA SRA. ANÁLIA RIBEIRO – Psicóloga e Especialista em Direitos Humanos.

Comentou a necessidade de o Brasil ter um marco legal que possa de fato tipificar e criminalizar o tráfego de pessoas. Também destacou a importância de investimentos, com um orçamento adequado, que de fato seja destinado ao enfrentamento a esse tipo de prática criminosa, sobretudo no atendimento às vítimas.

Argumentou com a necessidade de um fluxograma de atendimento às vítimas, decorrente de um trabalho em rede e de parceria entre a sociedade civil e o Poder Público.

DEPOIMENTO DA SRA. CLAUDIA PATRÍCIA DE LUNA SILVA - Presidente da ONG Elas por Elas — Vozes e Ações das Mulheres e Vice-Presidente do Movimento contra o Tráfico de Pessoas.

Disse que a preocupação principal é com o atendimento às vítimas. Afirmou a depoente que, na qualidade de ativista e militante das questões de gênero, das questões das mulheres, preocupa-se com o aumento considerável dos casos de tráfico de pessoas, em especial envolvendo mulheres.

Disse ainda que, “nesse contexto crítico, em que nós temos dois megaeventos que serão recepcionados pelo Brasil e em que o Brasil agora se destaca no cenário internacional como sexta economia do mundo, há um contraste gritante entre a percepção internacional do nosso País, a percepção externa, que não consegue entender como um país que ocupa a posição de sexta maior economia do mundo tem internamente problemas tão estruturantes relativos ao tráfico de pessoas e desigualdades estruturantes nos fatores gênero, etnia, raça...”

Ressaltou que não se pode priorizar a soberania do Estado em detrimento de vidas humanas, que são reduzidas à subcategoria de coisas.

Relatou o caso de uma vítima boliviana de 25 anos, vítima de exploração para trabalho laboral, trazida para uma cidade no interior de São Paulo e encarcerada em uma oficina de costura, sem direito de ir e vir. Como se encontrava grávida, escondeu a gravidez dos aliciadores. Quando a criança nasceu, a vítima foi largada em uma estrada com mais duas irmãs.

Continuou explicando a depoente que essa moça teve que ser colocada em um abrigo para mulheres em situação de violência, já que não existem abrigos específicos para vítimas de tráfico e exploração.

Disse ainda a depoente que, no abrigo, a criança sofreu um acidente e ficou tetraplégica. Posteriormente, essa moça foi estuprada, pois não contava mais com o serviço de proteção.

DEPOIMENTO DA SRA. NILZE BAPTISTA SCAPULATIELLO - Delegada de Polícia Civil, titular da 1ª Delegacia de Proteção à Pessoa do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa.

Explicou que o tráfico é o transporte, que atualmente é feito para fins sexuais.

Disse que, no caso da prostituição, a pessoa pode ter um relacionamento íntimo com alguém, e, no dia seguinte, quando se encontram em outro local, a pessoa prostituída não é reconhecida, ela se torna invisível. Na visão da depoente, trata-se de uma mercadoria barata, de fácil reposição.

Relatou que há um problema sério de prostituição envolvendo os caminhoneiros.

Em relação aos casos de tráfico de crianças para o exterior, criticou o atual sistema de informações, pois a única informação é o passaporte carimbado, não havendo informação de quantas crianças viajaram com a pessoa, se eram do sexo masculino ou feminino,

DEPOIMENTO DA SRA. JULIANA FELICIDADE ARMEDE - Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

Destacou a importância do atendimento e proteção às vítimas, não bastando apenas a repressão, porque há implicações referentes à segurança da vítima, inclusive do posto de vista humano, social e psicológico.

Mencionou que temos uma lei incrível para a proteção da infância e da juventude, mas ainda precisamos amadurecê-la no que tange ao desenvolvimento daquelas diretrizes.

Lembrou que os Conselhos Tutelares têm problemas com falta de vagas nos abrigos para acolher crianças e adolescentes.

Relatou que houve uma integração de Núcleo do Pará com São Paulo, com a Polícia Civil do Pará com a Polícia Civil de São Paulo, com a construção de uma rede nacional de núcleos e postos, fomentada pela Secretaria Nacional de Justiça, e o mais importante: mais fortalecida em cada um dos Estados que têm núcleos e postos.

Ressaltou também a necessidade de um banco de dados nacional, que facilitaria o trabalho integrado das diversas instituições envolvidas no combate ao tráfico de pessoas.

DEPOIMENTO DA SRA. CHRISTIANE FERREIRA DA SILVA LOBATO - Delegada de Polícia Civil, Diretora de Atendimento a Grupos Vulneráveis da Polícia civil do Estado do Pará.

Relatou que, no Estado do Pará, há pessoas traficadas de regiões de garimpos, do Nordeste, mulheres que são traficadas para o Suriname, para a Guiana Francesa e tráfico interno, principalmente de travestis, com várias rotas

mapeadas. Segundo a depoente, a principal rota ainda é o Estado de São Paulo.

Disse que os travestis não são aceitos pelas famílias, pela sociedade, não frequentam a escola e veem a oportunidade de vir pra São Paulo como uma possibilidade de ganho.

Explicou que, no ano passado, das 86 pessoas encontradas no Estado de São Paulo, em três casas de prostituição, 80% eram paraenses e seis eram adolescentes.

Destacou a triste realidade de travestis que pedem Super Bonder para estancar vazamento de silicone, uma realidade que choca aqueles que lidam diariamente com esses problemas.

DEPOIMENTO DA SRA. ROSÂNGELA MUNIZ DE ARAÚJO TOMAZ - Delegada Federal de Direitos Humanos, Presidente da Associação em Defesa da Dignidade da Pessoa Humana — ADDH.

Disse que, com menos de 19 dias de atuação, no litoral de São Paulo, teve a sua casa foi invadida por oito homens.

Contou que pediu o apoio da Polícia Militar, a qual, incrivelmente, ninguém sabe por que, sumiu com o boletim de ocorrência. Além disso, relatou a depoente que, posteriormente, o Coronel da Polícia Militar do litoral de São Vicente também foi à Polícia Federal apresentar acusação, com a tentativa de inibir o trabalho da polícia no combate ao tráfico de pessoas.

Relatou a depoente que longe do filho por mais de 40 dias, por conta dessas ameaças, e não mora mais no Município de São Vicente, tendo sido obrigada a se mudar para outro Município, além de não poder mais andar livremente pelas ruas.

11.6. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DE PERNAMBUCO

DEPOIMENTO DA SRA. JEANNE AGUIAR PINHEIRO DE SOUZA – Representante do Núcleo de Enfrentamento de Tráfico de Pessoas de Pernambuco.

O Núcleo está implantado na Secretaria de Defesa Social do Estado. A Representante aponta a dificuldade de tipificação do crime.

As principais ações são o trabalho preventivo nas escolas; na a Copa de 2014; a capacitação de agentes penitenciários e a criação do Núcleo Itinerante, para fazer palestras no interior do Estado sobre o tráfico. Os principais casos são de uma pessoa vinda da Espanha que não quis o apoio do Núcleo e de um rapaz com problemas psiquiátricos que foi encaminhado para Goiânia.

DEPOIMENTO DO SR. JOÃO JOSÉ DA ROCHA TARGINO - Juiz Corregedor do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

Relatou um procedimento instaurado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, pela Corregedoria, contra a Juíza Andréa Calado, referente à concessão da guarda provisória de uma criança a um casal que não estaria na lista do Cadastro Nacional de Adoção.

Disse que a deliberação do Tribunal de Justiça foi no sentido de instaurar um processo administrativo disciplinar, conhecido por PAD, contra a Dra. Andréa Calado, o que ocorreu no mês de janeiro, e, a partir daí, começou a contar o prazo de 140 dias para a conclusão desse feito.

Citou também outro caso que versa sobre possível irregularidade cometida também em processo de adoção, pelo Juiz da Comarca de Canhotinho, no Agreste pernambucano, próxima à Comarca de Garanhuns, cujo procedimento está em curso na Corregedoria.

DEPOIMENTO DA SRA. HENRIQUETA DE BELLI LEITE DE ALBUQUERQUE - Promotora de Justiça do Ministério Publico do Estado de Pernambuco.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Antes de tudo, eu sou Promotora de Justiça Criminal em Olinda, mas, durante este caso que houve lá, eu estava numa condição de acumulação da minha titularidade, acumulando a Promotoria da Infância e da Juventude. Nesta Promotoria eu também dividi as minhas atribuições com a Dra. Andréa Karla, que, na verdade, era a titular da Promotoria na época. Mas Andréa terminou pedindo remoção e está em outra comarca, e terminou que o convite veio para mim e para Rosângela, porque Rosângela também vai explicar alguns aspectos criminais que couberam a ela na época.

Antes de tudo, a ideia de corresponder ao convite da CPI, em relação à questão da adoção, que, na verdade, não foi uma adoção, foi uma situação de burla ao Cadastro Nacional de Adoção... Um casal, uma esteticista carioca e um piloto de uma companhia aérea norte-americana, residentes nos Estados Unidos, os dois, residência habitual, obviamente, porque ela é carioca, tem vínculo com o Brasil, familiares no Rio de Janeiro, e vem com alguma frequência ao País, mas a residência habitual é o que determina se a adoção vai ser nacional ou estrangeira. Então, por que essa diferenciação? O casal pode até ser brasileiro; se morar no exterior, o casal vai ter que se submeter à formalidade de uma adoção internacional, porque o que diferencia é a competência territorial. É o local de residência que determina, porque a adoção internacional é marcada por uma série de informalidades que a adoção nacional não traz consigo na legislação.

Obviamente, o que a gente percebeu, a primeira vez que eu tomei contato com o caso foi que nós tomamos conhecimento de que uma criança abrigada numa instituição de Olinda, à disposição da Justiça, já estava praticamente destituída do poder familiar, ou seja, praticamente disponível para ser colocada em família substituta, uma criança bem jovem, de tenra idade, como a gente chama, ainda com 6 meses de vida, menina, que é praticamente uma preferência nacional para os pretendentes à adoção. E a gente soube, através de funcionárias do abrigo, que a criança estava sendo visitada por uma pessoa que não estava no cadastro; na verdade, uma pessoa residente em Olinda. E, depois, a gente ficou sabendo que essa pessoa é que estava, na verdade, levando informações da criança para o casal, que ainda estava nos Estados Unidos. Existe um vínculo de amizade entre essa pessoa que visitava o abrigo e esse casal. Obviamente, o casal, sabendo disso, de todas as informações, também foi instruído de que, em Olinda, a adoção que eles pretendiam seria facilitada.

Então, isso realmente teve um desdobramento muito negativo na época, porque, quando nós Promotoras descobrimos que essa criança estava sendo visitada e, depois, procuramos saber de quem era a visita, nós também soubemos que era filha de um Deputado Estadual lá de Pernambuco, também Presidente da Assembleia Legislativa. A gente começou a perceber que a coisa estava tomando um rumo de descontrole. Assim, instituição de abrigo, entidade de acolhimento de criança e de adolescente não pode ter visita, somente das pessoas que estão com autorização para tanto, justamente porque, mesmo as pessoas... No Recife, isso já é instituído de forma muito tranquila. Os abrigos da região metropolitana sabem que esta é uma recomendação: as pessoas que

pretendem fazer doações, que pretendem fazer qualquer trabalho voluntário nos abrigos, elas têm que passar por um processo, realmente, de seleção, porque as crianças que estão nos abrigos não estão necessariamente disponíveis para adoção.

Existem crianças que estão e existem crianças que, absolutamente, não

estão — estão ali momentaneamente, passando por um processo de investigação dos pais, por abandono, uma negligência, um abuso sexual. Mas têm crianças que vão voltar para casa. Então, por conta disso e também por conta de já ter sido instituído um cadastro nacional há alguns anos, e de existirem casais e solteiros habilitados nesse cadastro — e existe uma fila de prioridades —, esses abrigos não devem ser visitados por terceiros que não estejam nesse cadastro ou que não guardem nenhum vínculo de emprego com a instituição.

Então, começou a surgir, neste caso específico em Olinda, um interesse especial pela criança. Os pais já estavam praticamente destituídos do poder familiar, mas ainda não havia saído a sentença. Quando eu pedi para olhar os autos, tanto eu quanto a Andréa, que é colega nossa lá, a gente percebeu que a Juíza estava, de certa forma, segurando a sentença de destituição sem nenhum motivo plausível nem justificável. É efeito automático da sentença de destituição do poder familiar a inscrição da criança no cadastro nacional. Então, como a Juíza já tinha autorizado essa terceira pessoa a visitar a criança e essa criança já estava encomendada para o casal que ainda chegaria dos Estados Unidos para conhecê-la, essa sentença não aconteceu, ficou, realmente, no aguardo, e a gente começou a perceber que estava havendo toda uma movimentação escusa para que esse casal, assim que chegasse, tivesse acesso à criança. De fato, para a nossa sorte, a gente tem uma parceria muito boa com as entidades, que terminaram funcionando como um serviço de inteligência para a gente, nesse caso, porque foi através das assistentes sociais e das psicólogas e pedagogas que trabalhavam na casa que a gente ficou sabendo da movimentação que estava acontecendo.

Em Olinda, nós tínhamos, à época, 37 casais inscritos — casais olindenses, residentes na Comarca —, aguardando uma criança no perfil deles. Então, houve uma conversa. A própria filha do Deputado chegou a nos procurar na Promotoria para dizer que queria apresentar um casal que estava muito interessado na criança. Tanto eu quanto a Andréa fomos muito incisivas na questão do que poderia acontecer, inclusive na exposição que poderia terminar acontecendo. Era inevitável, porque não era justo com os casais que estavam aguardando a adoção, inclusive casais que estavam aguardando a adoção havia anos, numa fila. Chegar alguém de fora, diga-se de passagem, sabendo que iria encontrar facilidades na cidade.

A coisa mais importante para o leigo entender é por que o casal não se inscreveu. Não se inscreveu porque eles teriam que passar por um processo de adoção internacional, que é muito mais complexo, tem uma agência intermediando, e eles não quiseram enfrentar essa burocracia. Número 2: tiveram promessa de facilidade. Para mim, isso estava absolutamente claro. Número 3: dificilmente eles conseguiriam levar do Brasil uma criança com 6 meses de vida, porque jamais vai uma criança com 6 meses de vida para o exterior. Eu até já fiz uma adoção de uma criança com 6 meses de vida para um casal da Itália, mas era uma criança com HIV. Então, já tinha passado pelo cadastro. Não tinha nenhum casal do cadastro interessado numa criança com HIV. E, aí, exaurindo as possibilidades do Cadastro Nacional, você parte para o cadastro estrangeiro.

Então, posta a situação, a Juíza veio conversar conosco e dizer que estava muito sensibilizada, porque o casal já havia começado a visitar a criança. Nós indagamos o porquê dessas visitas, já que essa não é a regra — é exceção —, se existia algum vínculo familiar ou afetivo anterior. Não, não há. Não tem como explicar. Ela é carioca, e ele é americano. E aí ela disse: “Não, mas você tem que ver que é uma questão até de humanidade. A criança é negra e não vai ter boas perspectivas aqui em Olinda. A gente vai abrir uma oportunidade para ela morar num país civilizado.”

Para mim, um discurso absolutamente incompatível para uma pessoa que trabalha na área de infância e juventude. Ao contrário, a gente tem conseguido fazer adoções de crianças negras, pardas. Eu já fiz adoção até de criança com paralisia cerebral. Basta ter vontade e motivação. E, principalmente, uma criança com 6 meses, ainda que no último grau de negritude, mas ela vai ser adotada, entendeu? A gente sempre vai encontrar gente que não tem nenhum tipo de preconceito em acolher uma criança negra. Então, não se justifica. Foi quando eu fui muito clara com ela — eu e a Andréa. Na época, eu disse: “Isso não vai dar certo, porque isso vai ter repercussão, vai ter problema, a gente vai recorrer”. Mas, assim, na coisa da soberania do órgão judicante, ela pagou para ver. E, de fato, a gente também, na surdina, no apagar das luzes, já no fechamento de expediente, a gente soube que a criança tinha saído para o casal, sob guarda.

Obviamente, mesmo para quem é leigo, uma adoção não pode sair, mesmo no Cadastro Nacional, de forma imediata. Na adoção, inicialmente, o casal é convocado, comparece à Vara da Infância, tem uma audiência prévia com o Promotor de Justiça, Juiz, Defensor Público, com quem for necessário, e começa o estágio de convivência, que, para nacionais, fica muito a critério do Juiz e do Promotor que estiver acompanhando o caso, porque, às vezes, quando é bebê de colo, em 15 dias, o estágio já está bem observado e bem suprido, a adaptação está tranquila, e pode ir para a sua cidade de origem. Só vai à audiência de fechamento, que é onde se sacramenta a adoção.

Durante esses 15 dias, a criança fica sob guarda, porque a adoção só sai nessa audiência de fechamento. Aí é quando há os efeitos da adoção: é expedida a certidão de nascimento, conforme o nome desejado pelos pais e tal. Nesse caso específico, a Juíza tinha pleno conhecimento de que criança menor que 3 anos de idade, pela nova lei que instituiu o Cadastro Nacional, lei instituída pelo CNJ, determina que crianças menores de 3 anos vão para família substituta que não está cadastrada não podem ser imediatamente adotadas. Terão que passar 3 anos sob guarda. Por que a lei instituiu dessa forma? Porque se fez toda uma estatística a respeito dos casos de adoção.

As crianças que têm mais receptividade dos pretendentes são crianças de até 3 anos de idade. Identificou-se que, em cidades do interior, em locais de difícil controle, era muito comum as pessoas não quererem enfrentar a fila do cadastro e, por fora, conseguirem a guarda da criança e, depois, conseguirem imediatamente a adoção porque, enfim, os pais diziam que não queriam, não tinham mais interesse na criança. Aí, era possível a adoção antes.

Hoje não mais, porque, dado o interesse que existe em torno dessas crianças de até 3 anos de idade, a lei deixa a criança em situação precária com o casal, justamente porque não julgou ilegal — pois a lei não colocou essa guarda como ilegal, uma vez que é possível ela existir —, mas não é a condição ideal para uma criança. O ideal é que a criança seja de fato adotada, porque dá mais segurança jurídica, tem outra nuance mais interessante para a criança realmente gozar da condição de filho.

Então, a lei é muito rígida neste aspecto: não proíbe a guarda, porém desestimula. E, para estrangeiros, a guarda é impossível juridicamente. Então, no Brasil, não se pode ter estrangeiro, como é o caso desse casal específico, com criança sob guarda, ou seja, criança nacional sob guarda de estrangeiro. Por conta disso também, uma das razões da nossa presença aqui é convocar, já que a CPI é de tráfico de pessoas, houve um problema nesse caso, um desdobramento muito grave. A juíza, mesmo sabendo disso, ignorou essa condição de proibição e não só permitiu a guarda, que a guarda não era para fins de adoção — ela sabia que aquela criança não poderia ser adotada por aquele casal, fora do Cadastro —, além da guarda, ela também expediu um alvará autorizando esses guardiões a emitir passaporte também para a saída do País, ou seja, na verdade, o total descontrole.

Por isso, a questão principal da nossa vinda aqui é que essa condição precisa mudar. O delegado da Polícia Federal de emissão de passaporte sabe da proibição: criança nacional não pode sair, sob guarda, acompanhada de casal estrangeiro. Mas acontece que, quando o casal estrangeiro chega com o alvará judicial, fica difícil para o policial federal, ou para o agente da Polícia Federal, ou para o delegado contestar ou ir de encontro àquela ordem judicial. É uma ordem judicial contrária à lei, mas, infelizmente, a gente sabe dos percalços que um delegado desses tem que enfrentar para questionar aquilo ali, e eles terminam não questionando porque, na verdade, a gente soube, tomou conhecimento de que a criança teve o passaporte emitido e que o casal estava com o alvará para sair do País. E todo o problema foi, o Ministério Público entrou com recurso, e em tempo hábil tentamos despachar, mais de uma vez, com o desembargador que estava responsável pela relatoria, tivemos

alguma dificuldade de estar com ele, até porque a essa altura do campeonato a

articulação política que havia atrás era imensa. Existia um interesse realmente não só do casal que já estava com a criança sob guarda havia mais de 1 mês, de que aquela situação se sedimentasse. Para o Ministério Público, o tempo contava totalmente contrário — conta a favor do casal —, porque, quanto mais adaptada a criança, maior a dificuldade de se retirar do convívio.

E assim chegou um momento em que nós nos sentimos, na época, muito sem condições de evoluir no processo, até de colocar o agravo para julgamento, e a gente não conseguia acesso a ninguém, tudo bloqueado, o CNJ já comunicado das irregularidades cometidas pela Juíza no feito, Corregedoria do TJ já comunicada de todo o andamento, do passo a passo, o Desembargador sabendo da urgência do caso, que o julgamento tinha que acontecer com prioridade absoluta, e não julgava, e aí a gente foi vendo se aproximando os 90 dias. Esses 90 dias foram os 90 dias que a Juíza do caso determinou que a criança iria ficar sob guarda provisória.

Ao final dos 90 dias, essa guarda iria ser convertida em guarda definitiva. E, quando a gente começou a perceber que o tempo estava passando e todos os remédios jurídicos já tinham sido utilizados e exauridos e que a coisa não estava andando como a gente pretendia e os prejuízos também afetivos que esse tempo iria causar à criança, foi quando nós sentamos com o nosso Corregedor do Ministério Público e decidimos realmente procurar o apoio da imprensa. Nessa ocasião, a gente sabia que teria que vir à tona uma série de coisas, informações e envolvimentos que a gente sabia de tráfico de influência que estava acontecendo.

Quando a gente começou a examinar mais cuidadosamente os papéis, nós vimos que a criança já tinha, através da filha do Deputado, sido levada a consultas médicas, ao clínico geral lotado na Assembleia Legislativa. O casal entrou com uma ação de guarda definitiva. O advogado que entrou com a ação de guarda no processo também era lotado no gabinete do Presidente da Assembleia. Então, muita coisa, uma teia muito complexa que a gente realmente só conseguiu desfazer com a perda de muitas noites de sono, de muito puxa-encolhe, com imprensa e tal, e muita disposição. Alguns que estão de fora podem até achar que foi desnecessária, mas só nós sabemos como foi enfrentar os bastidores dessa luta, porque foi uma verdadeira epopeia.

No frigir dos ovos, a criança terminou, diante da pressão, porque diariamente saíam revelações a respeito do caso, de envolvimento político do Tribunal de Justiça, uma série de coisas, e chegou um momento em que a gente teve a notícia de que o Desembargador não ia julgar o agravo. Numa terceira vez em que a gente tentou despachar com ele, a imprensa tomando conta de tudo, de todos os passos, e aí o Desembargador disse: “Não, não vou julgar; para mim, perdeu o objeto, o agravo de instrumento, porque a criança foi devolvida agora à tarde.” Como assim? “Foi devolvida pelo casal”.

Na verdade, esse casal jamais iria devolver a criança em condições normais de temperatura e pressão. Devolveu porque, enfim, a pressão estava insustentável, existia uma juíza exposta, um Tribunal de Justiça por trás dela, também exposto, e, de certa forma, o trabalho do Ministério Público também estava em jogo. Então, chegou o momento em que essa devolução aconteceu. Segundo eu soube, a divulgação que foi feita é que o casal pensou melhor e viu que não era o melhor caminho e resolveu devolver espontaneamente a criança e tal.

Enfim, aí, de certa forma, a maior vitória nossa e, eu acho, da sociedade, do Cadastro Nacional, do Estatuto da Criança, do Ministério Público, foi a devolução da criança. Hoje, com menos de 1 mês, a criança já estava adotada por um casal olindense. Isso é o mais importante. Isso mostra, também, que não é assim que se resolvem as coisas; mostra para o estrangeiro que neste País existe lei, que as coisas não são assim tão fáceis, que não é através de amizade que se tira uma criança do País dessa forma.

Enfim, é um problema que eu acho que a gente precisa discutir, inclusive, na sociedade, bem como o controle de saída dessas crianças do País. Essa situação aconteceu em Olinda, Região Metropolitana do Recife, a 9 quilômetros do local onde pulsa o Estado, que é a capital. Eu fico imaginando o que não acontece num grotão desses aí no interior, quantas crianças dessas não saem nessa condição, e se deixa de contemplar um casal nacional, essa criança manter suas origens, essa criança manter a sua língua-mãe, enfim, de um país do qual eu tenho absoluto orgulho, com todos os problemas, com todas as mazelas, mas a gente precisa fazer a engrenagem funcionar. Se não partir da gente, operadores do Direito, do juiz, do promotor de justiça, do defensor público, do delegado, fica muito difícil para o cidadão comum compreender que a legislação é rígida porque precisa ser rígida.

Eu já tive situação de devolução, mesmo com toda formalidade, quando a ação internacional é cercada. Eu já tive um caso no interior, quando eu trabalhava, de uma devolução de uma criança na Holanda, uma criança brasileira que foi adotada por um casal holandês, a adaptação aqui foi 100%, tranquila, mas o casal era um casal desestruturado. Infelizmente, a gente não tem como fazer um raio-x da alma das pessoas. Quando eles chegaram lá, tiveram uns entreveros conjugais e depois de 2 ou 3 anos que essa criança já estava na condição de filha, morando em Amsterdam, esse casal se separou, e a criança não era de ninguém mais, e foi abrigada numa instituição da Holanda. Depois, uma comissão da UNESCO estava visitando umas instituições e tomou conhecimento da história de vida da criança, porque, na verdade, a criança é cidadã holandesa, adotada por um casal holandês.

Então, o que aconteceu foi uma tripla punição: essa criança já veio de um abandono no Brasil, um segundo abandono na Holanda e, simplesmente, essa criança voltou para o Brasil, porque ela não tinha vínculo nenhum na Holanda, não tinha mais idade para ser adotada lá, nem foi adotada aqui. Então, isso para mim é uma lástima. É você proibir que alguém seja gente. Eu não sei nem, não acompanhei, porque, na verdade, ele já voltou adolescente e não voltou para o interior, voltou para Recife. Depois começou um trabalho árduo, dificílimo, de localização da família natural, o que é outro problema, um menino sem nenhuma afinidade cultural com o Brasil, porque nessa história já se tinham passado 8 anos, e volta para um país com o qual ele não guarda nenhuma identidade cultural. É uma coisa muito complexa e desumana, enfim, é pior do que um exilado de guerra. É muito complicado.

Apesar de toda a nossa formalidade, ainda existem algumas situações, muito excepcionais, de adoção internacional que não dão certo. Mas é raro. Por quê? Porque a formalidade ajuda a gente a filtrar. Se a gente não perceber e observar a importância disso, vai ficar complicado, o futuro vai ficar complicado.(...)

Na verdade, é um pedido de articulação, já que a gente está numa Casa Legislativa, para se tentar fazer uma articulação até na questão da produção legislativa, do processo legislativo, de se proibir absolutamente, até mesmo responsabilizar pessoalmente um delegado da Polícia Federal que, mesmo sabendo que é proibida a saída daquela criança naquela condição, acata um alvará que sabe que não tem nenhum apoio jurídico, que não tem nenhum apoio na lei. Então, assim, não é culpa do delegado. Eu não estou querendo transformar isso num conflito entre instituições. Mas eu acho que isso deve estar acontecendo em outras situações aí, e a gente precisa se articular. Eu acho que as instituições existem para ser parceiras. Enquanto existir esse descontrole, vai haver saída ilegal de crianças do País, como ia acontecendo nesse caso.”

DEPOIMENTO DA SRA. ROSÂNGELA FURTADO PADELA ALVARENGA - Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu sou Promotora da 8ª Vara Criminal de Olinda, titular, da Central de Inquéritos, que recebe todos os crimes da Região Metropolitana de Olinda. Atualmente, eu acumulo a função de Coordenadora dessa Central também. E, observando de longe o noticiário da imprensa, eu acompanhei o drama dessas duas colegas, e a instituição apoiando, a nossa Corregedoria, na luta para que essa criança não saísse do País de forma ilegal, a princípio acompanhando apenas de fora. Num determinado momento, elas perceberam que a coisa estava tomando uma proporção tão grande que, com essa guarda provisória, esse casal tinha conseguido com essa terceira pessoa que intermediou, a filha do Deputado e Presidente da Assembleia, conseguiu inclusive...

Além dessas consultas médicas, criando todo esse vínculo, essa aparente adoção, eles foram até uma igreja local e lá eles declararam que a criança tinha um nome, outro nome, que na verdade não era aquele, porque ela não tinha ainda mudado o nome, ele tinham apenas a guarda provisória da criança, precaríssima, à revelia do próprio Ministério Público, uma vez que elas estavam lutando para que isso não acontecesse, e foram com esse documento, não apresentaram ao pároco da igreja e lá declararam que essa criança era filha e conseguiram fazer o batismo dessa criança, como padrinhos do casal, a filha do Deputado, a íntima ligação era... E para ser padrinho de uma criança precisa ter uma certa relação de proximidade. E o pároco, lógico, dentro dos preceitos religiosos, não se negou a fazer e não teve as cautelas necessárias para fazer esse batismo, e eles confirmaram essa criança como se deles filha fosse, com outro nome que não aquele que existia.

Mas até onde isso seria, agora, a minha parte criminal? Na verdade, a gente sabe que, infelizmente, muitos casais, notadamente no interior... Nós temos 15 anos de Ministério Público em Pernambuco. Nós rodamos muito pelo interior, foram mais de 10 anos pelo interior daquele Estado. E nós, muitas vezes, visualizamos partos ocorridos em residências e que, às vezes, essas crianças eram destinadas a pessoas outras, que, com um simples batistério, conseguiam registrar essas crianças como se filhos delas fossem.

Então, o batistério, apesar de não ser um documento oficial — nós estamos num País laico, onde cada pessoa tem a sua religião —, ainda tem um valor probatório muito grande para a Justiça. Então, muitas vezes, “ah, eu tive filho em casa, a parteira, tal”. Arruma uma parteira qualquer, declara, e tal. E registra essa criança como se filho dela fosse. E sai do País facilmente. Então, aí, nós já estávamos pensando no pior.

Essa certidão de batistério poderia virar uma situação maior. E aí, o Procurador- Geral do Estado, a pedido das colegas, designou um Promotor para acompanhar o inquérito que tramitava, porque a Dra. Henriqueta denunciou o caso e pediu a instauração de inquérito com relação à falsidade ideológica, nesse caso do batistério, e o Procurador me designou para acompanhar as investigações. A princípio, eu fui designada numa quinta-feira. Esses detalhes são bem interessantes, porque a gente também vai aí com essa necessidade de que as instituições se articulem. Isso foi em setembro do ano passado. Logo a seguir, a questão da PEC 37, que queria retirar o poder do Ministério Público de investigar.

E, nesse momento, eu fui designada, com 15 dias, um inquérito na mão de uma delegada. E essa delegada arrumou todos os motivos do mundo para que eu não acompanhasse. Eu oficiei, comuniquei que formalmente eu estaria acompanhando o caso e que nenhum outro passo fosse dado sem o Ministério Público ter conhecimento. E várias situações aconteceram para que eu não participasse. Consegui ainda participar da oitiva do padre, até saber que envolvimento esse padre tinha no caso. Depois verificamos que não havia. E, para minha surpresa... Isso numa quarta-feira, com 15 dias de inquérito... Normalmente, o inquérito tramita 30 dias, o delegado conclui as investigações em 30 dias. Para minha surpresa, eu fui designada numa quarta-feira, acompanhei uma oitiva na quinta, quando foi na sexta-feira recebi um comunicado da delegada que já tinha concluído as investigações, sem a participação do Ministério Público, um ato absurdo, e que já tinha concluído pela indicação da autoria. Foi a informação que eu recebi apenas por mensagem.

Concluído o inquérito, chega às minhas mãos na segunda-feira e eu me deparo com uma peça feita por uma delegada. E, para quem não sabe, o delegado tem um papel fundamental de parceria, porque ele ali traz as informações. É uma peça investigativa. Daí a importância da Polícia. É muito importante. A Polícia faz um trabalho muito importante. E chega às mãos do Promotor já pronto para oferecer denúncia, se for o caso de denúncia, ou pronto para o arquivamento, ou, se entendermos que não está suficientemente comprovado, a gente pede mais diligências e os autos retornam à delegacia. Só que, para minha surpresa, na verdade aquele inquérito era uma peça de defesa, onde a autoridade policial fez um relatório, fez o parecer do Promotor, o papel do Promotor, e, ao final, ela julgou, dizendo que realmente havia uma autoria, mas que ela não tinha agido com culpabilidade.

Eu confesso que, no Direito, ainda não tinha visto uma situação parecida. Quer dizer, você indica que alguém é autor, mas que ela agiu por erro, erro de proibição, erro que se chama, não é erro de proibição, tecnicamente falando. Então, aí eu não tive outra saída, porque felizmente o nosso poder de investigar continua. E aí a importância de a gente não retirar poderes, mas, pelo contrário, unir forças, porque em casos pontuais, onde a gente já via um envolvimento, um tráfico de influência terrível, onde uma polícia judiciária, no caso, no Estado, atrelada a um Poder Executivo...

Aí eu me deparo com uma situação daquela onde eu poderia requisitar diligências; eu poderia, normalmente nós fazemos isso. Porque se todo Promotor for investigar todos os casos... Eu trabalho em duas centrais, eu trabalho na Central na capital, acumulando há 5 anos todos os crimes. Nós recebemos em média 200 autos por mês, mais os de Olinda. Se for investigar caso por caso a gente não consegue produzir. E, na verdade, essa parceria de poder de investigar com a Polícia é justamente para que eles façam esse trabalho inicial e a gente possa dar início à ação penal.

Então, eu me vi numa situação difícil, porque eu não tinha condições de mandar novamente esse inquérito para que ele retornasse à delegacia de origem, uma vez que a delegada já tinha emitido juízo de valor, que normalmente, o delegado, ele faz um relatório. Ele não emite juízo de valor, ele faz um relatório. Então, eu resolvi instaurar um procedimento que se chama MPIC, um procedimento de investigação criminal, onde eu mesma, Ministério Público, fiz todo o trabalho de investigação que a Polícia deveria ter feito e que em 15 dias concluiu um inquérito. E foi nesse sentido de tomar aquela investigação para saber se havia só a questão do delito e da falsidade ideológica, que, a meu ver, sem maiores delongas de investigação existia prova documental, e contra fatos não há argumentos. Se tem documento tem... A gente pode ouvir a prova documental, testemunhal, porque ela sempre... ela traz um visual diferente para o Juiz na hora do julgamento, mas a prova documental era suficiente de que ali havia uma falsidade e para me proteger, proteger as investigações, eu decretei o sigilo dessas investigações justamente para que mais ninguém tivesse acesso não só por conta da investigação, mas porque tinha uma criança e já tinha um casal com essa criança, um outro casal habilitado, e poderia...

Quanto mais noticiado mais esse casal sofreria e essa criança sofreria... Então, a lei nos faculta essa decretação do sigilo para proteger o interesse maior, que nesse caso é o interesse da criança. Mas eu fui até o fim, eu concluí as investigações e findei por encontrar realmente elementos. Denunciei o casal à Justiça e a filha do Deputado também por falsidade ideológica, e no caso dela foi duas vezes porque houve uma falsidade anterior também com relação ao processo de habilitação, onde declarou que o endereço do casal era o endereço dela, como se fosse do casal, para que eles tivessem facilidade em concorrer naquele processo de habilitação. Então, a dificuldade maior foi o enfrentamento com a Polícia. Recebi um ofício da delegada bastante, digamos, audacioso.

Eu nunca tinha visto nesses 15 anos, para que eu me retratasse e que devolvesse imediatamente o inquérito para a delegada. Então, eu tomei as medidas, as medidas foram tomadas, e com relação a isso foi suprido e não houve maiores problemas, porque nós tomamos a investigação para a gente. Então, hoje já está, foi distribuído numa Vara lá em Olinda, já está tramitando esse procedimento criminal. E eles serão intimados, com muita dificuldade, porque eles não moram no País, aí teria que ser uma carta rogatória para que eles sejam intimados e...

Mas, de qualquer forma, aí nós dificultamos a que esse casal... Porque eu acho que quem tenta uma vez, tenta duas, tenta três. Eles, com certeza, pelo menos com esse processo, a gente pode garantir a dificuldade. Esse casal e outros que tentem, pelo menos em Pernambuco, e a gente gostaria que isso fosse levado, esse controle, e que a gente pudesse efetivamente ter acesso a todas as informações. A gente sabe que, como a Dra. Rita até falou, o delegado recebe um documento de uma Juíza ou de um Juiz de Direito e ele fica ali numa situação: cumpro ou não cumpro? Se eu não cumprir é crime de desobediência, se eu cumprir eu também vou sofrer uma sanção.

Então, a gente também tem que dar respaldo para que essa autoridade policial possa trabalhar com tranquilidade, mas com controle — de repente, um banco de dados, onde o Ministério Público fosse naquele momento acionado. No momento em que uma criança tentar sair do País, que o delegado não fique naquela situação “Faço ou não faço”, porque ordem manifestamente ilegal ninguém é obrigado a cumprir. Isso está na lei. Então, este é o argumento da autoridade policial para não cumprir. Mas, se ele tiver mecanismos que possa articular, onde a gente tenha uma rede onde as autoridades compulsoriamente sejam comunicadas de uma tentativa de saída de uma criança do País, a gente terá um controle maior sobre esse tráfico de pessoas, de crianças e, sabe Deus lá, de outras coisas.

Na verdade, esse casal hoje responde por crime de falsidade ideológica e a filha do Deputado também responde por falsidade, só que duas vezes. Aí a pena dela vai ser um pouco mais agravada, porque ela cometeu falsidade duas vezes. E finalizando, para que os senhores possam entender, na verdade, a Dra. Henriqueta ainda levou ao conhecimento dos órgãos superiores esta possibilidade do tráfico de influência, um tipo que consta no nosso Código Penal brasileiro, onde ali você também tenta de alguma forma embarreirar essa facilidade com que as pessoas acham que vão chegar e “porque eu sou fulano, vou conseguir”. Então, esse tráfico de influência foi denunciado. Nós já temos um parecer da Assessoria Criminal do Ministério Público de Pernambuco que entendeu, a princípio, que não haveria o envolvimento do Deputado, mas da Juíza e da filha, sim. Então, hoje ele está na Central de Inquérito de Olinda e foi

distribuído aos colegas, porque nós temos uma distribuição automática. E agora esse novo procedimento vai começar, uma nova investigação. Ele não tem uma conexão direta com o primeiro, porque ali se falava de uma falsidade documental; agora, a gente está falando de um possível tráfico de influência. Então, hoje ainda temos o desdobramento dessa situação em Pernambuco e ainda vai iniciar, vai começar uma investigação, a critério do Promotor que pegar esse caso agora. Mas, o que eu gostaria de falar, para encerrar, e deixar à vontade todos os que quiserem fazer uso da palavra, é que nós, o Ministério Público, como instituição, não conseguimos estar em todos os lugares ao mesmo tempo; isto é impossível. Mas com um pouco de articulação, de inteligência, a gente consegue. Criminalmente falando, nós não temos em nosso País uma perícia técnica, uma coisa mais articulada.

A prova documental hoje no Direito Penal é só testemunhal. Então, é tudo muito difícil. Se a gente conseguisse, de alguma forma, criar um mecanismo para embarreirar, dentro dos aeroportos, dentro das próprias cidades, dos aeroportos interestaduais e municipais, efetivamente esse controle... São muitas instituições envolvidas. Tem como delegar a uma delas essa função. Aí, sim, nós teríamos um controle de quem está saindo, de quem não está saindo, seja com ordem judicial, ilegal ou não. Nesse caso pontual, nós temos aí uma série de pessoas influentes que tentaram, a gente não sabe com que intenção, fazer com que essa criança saísse facilmente do País, burlando todos os meios legais.”

11.7. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DEPOIMENTO DO SR. ALDACIR OLIBONI - Deputado Estadual.

Disse que, das 241 rotas de tráfico de pessoas, pelas informações existentes, 28 são no Rio Grande do Sul — em alguns municípios, na fronteira, na Serra e na região metropolitana.

Destacou que, segundo dados da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, no ano de 2012, houve 2.380 pessoas com paradeiro desconhecido. Dessas pessoas, 1.647 são mulheres na faixa etária de 12 a 17 anos, e meninas de até 12 anos têm o menor índice de localização.

DEPOIMENTO DA SRA. ALEXIA MEURER - Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado do Rio Grande do Sul.

Disse que o Estado do Rio Grande do Sul, até o ano passado, não fazia parte da Política Nacional do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que existe desde 2006.

Referiu-se ao caso de três chineses bastante jovens, com visto ilegal, presos pela Polícia Federal. O passaporte era legal, mas o visto era falsificado.

DEPOIMENTO DA SRA. ELIETE MATIAS RODRIGUES - Delegada, Coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Diretora da Divisão de assessoramento para Assuntos Institucionais da Polícia Civil do Rio Grande do Sul.

Disse que atua contra o tráfico interno, e que possui poucos dados, mais ligados à exploração sexual e ao desaparecimento de pessoas.

DEPOIMENTO DA SRA. MÁRCIA ELISÂNGELA AMÉRICO SANTANA - Secretária de Políticas para as Mulheres.

Ressaltou a importância da legislação ser mais rigorosa em relação à exploração sexual,

Disse que a região de fronteira, principalmente nas áreas aduanas de porto seco, constitui uma área muito vulnerável no que tange à exploração de crianças e adolescentes.

DEPOIMENTO DA SRA. RUBIA ABS DA CRUZ - Diretora do Departamento de Justiça da Secretaria de Justiça e dos Direitos Humanos do Rio Grande do Sul.

Colocou-se à disposição para colaborar com o acionamento do serviço de proteção oferecido a testemunhas ameaçadas. Confirmou que a modalidade mais comum do tráfico de pessoas é para a exploração sexual, que atinge cerca de três milhões de vítimas no mundo, por ano e rende aos criminosos em torno de 35 bilhões de dólares.

Também mencionou o mercado ilegal de adoção, a questão do mercado clandestino de órgãos, afirmando que algumas agências de modelo servem como ponto de captura de jovens seduzidas pela ideia da fama, do sucesso, servindo de presas fáceis para a prostituição de luxo no exterior.

Lembrou ainda as escolinhas de futebol também, como é o caso da Portuguesa de Desporto, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em virtude do desvio de crianças do suposto laboratório de produção de craques, também seduzidos por essa ideia de fama, de contratos milionários.

Disse ainda que a sociedade civil brasileira não tem consciência, considerando esse problema como algo distante. Criticou o Estado brasileiro, que, segundo ela, também não tem consciência da gravidade do problema, valorizando mais a punição dos crimes contra o patrimônio.

Destacou ainda a necessidade de atualização da legislação sobre o tema, com a devida tipificação desses crimes.

11.8. TRÁFICO DE PESSOAS NO DISTRITO FEDERAL

DEPOIMENTO DA SRA. MARTE HELENA DOS SANTOS - Gerente da Gerência ao Enfrentamento do Tráfico de Pessoas do Distrito Federal

A Gerência foi criada pelo Convênio de 26 de dezembro de 2011, firmado entre o Governo do Distrito Federal através da Secretaria Nacional de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do DF e da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça.

Os principais casos foram uma suspeita de tráfico para fins de trabalho escravo em fábrica da Sadia, em Samambaia e uma enúncia recebida do Núcleo do Ceará de menor de 14 anos desaparecido para tráfico, que provavelmente se encontra na cidade de Planaltina.

Algumas ações tomadas para cooperar no combate ao tráfico foram a capacitação de pessoal, a criação de um Projeto de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e de uma intensa campanha de prevenção com a população.

11.9. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO CEARÁ

DEPOIMENTO DA SRA. LÍVIA MARI XEREZ DE AZEVEDO - Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado do Ceará

O Núcleo está inserido na Secretaria de Justiça e Cidadania. Acompanha os processos judiciais e os inquéritos policiais em andamento, além de encaminhar novas denúncias. Existência de uma CPI municipal que investigou vários casos.

O Núcleo trabalha principalmente com o acolhimento à vítima. Suas principais ações foram: a Criação do Comitê Estadual Interinstitucional do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e a Política de Enfrentamento ao Tráfico Sexual. Realiza-se também um Programa de capacitação conjunto com a Secretaria Geral da Copa.

Vários problemas são enfrentados, como a falta de efetivos na polícia e a falta de conhecimento, pela população, sobre o que é tráfico de pessoas.

No Ceará, a maioria dos casos está em casas de prostituição e de massagem – existe muito preconceito contra esse meio. Em geral as vítimas não se consideram vítimas e não colaboram com a polícia, acham que a exploração é legítima. O aliciador é considerado uma pessoa que fornece oportunidades para a vítima. Os travestis, por exemplo, vários desejam trabalhar na Europa ou em outros Estados, onde se sentem mais valorizados. Também expressam o desejo de ganhar dinheiro com a prostituição, comprar casas e retornar a cidade de origem.

11.10. OPERAÇÃO DELIVERY E TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO ACRE

Trata-se de operação deflagrada pela Policia Civil do Acre para desbaratar uma rede de prostituição e exploração sexual de mulheres em Rio Branco (AC), tendo como vítimas, inclusive, adolescentes. O Ministério Público do Acre participou da Operação que foi deflagrada no dia 17 de outubro de 2012. A denúncia foi protocolada na 2ª Vara de Infância e Juventude da Comarca de Rio Branco em 21 de novembro de 2012. Os 22 envolvidos foram divididos entre aliciadores e clientes.

Entre os supostos clientes estão empresários e pecuaristas, como Adálio Cordeiro e pessoas influentes no estado, como o ex-vice-presidente da Confederação Nacional de Agricultura – CNA e atual presidente da Federação e Agricultura e Pecuária do Acre, Assuero Doca Veronez e o vereador de Rio Branco, Fernando Martins.

O modus operandi dos denunciados consistia em identificar mulheres, homens e adolescentes, economicamente desfavorecidos, induzi-los à prostituição ou à exploração sexual, incitando-os, convencendo-os e atraindo-os, mediante promessas de vantagens econômicas, para realizar programas sexuais com os clientes, que na sua maioria, eram pessoas pertencentes aos mais elevados estratos sociais.

11.11. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DEPOIMENTO DA SRA. ALESSANDRA PAGE – Representante do Núcleo de Enfrentamento do Rio de Janeiro

O Núcleo está inserido na Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. O enfrentamento envolve a prevenção, a assistência às vítimas, a repressão e a responsabilização dos autores. Casos são considerados poucos. Suas principais ações são: capacitação de pessoal e uma campanha de prevenção, lembrando a pessoa que ela sempre deve conferir a proposta e a documentação antes de aceitá-la.

Os principais casos relatados são prostituição. Cabe ressaltar que a pessoa traficada não se vê como traficada porque não sabe o que é isso e não se vê como explorada – por isso os casos são considerados ainda poucos. No geral, as pessoas são traficadas por pessoas próximas: namorados, namoradas, companheiros recentes, parentes. Em alguns casos, a pessoa traficada para a prostituição é deportada - em alguns países a prostituição é crime, portanto a pessoa deve ficar atenta ao receber a proposta para ir embora se prostituir no exterior.

Há caso de migrantes brasileiros deportados da Espanha e da França que nem tiveram o direito de receber os documentos e o Tráfico de jogadores de futebol.

A Sra. Alessandra sugeriu a modificação do Código Penal, art 231 e 231-A, que falam sobre o tráfico interno e o tráfico internacional de pessoas e incriminam a prostituição. Ela sugere a descriminalização da prostituição.

12. RELATÓRIO PARCIAL APRESENTADO PELA CPI

A fim de adequar a legislação vigente às exigências dos novos tempos, foi apresentado relatório parcial, contendo alterações em diversas leis, com o objetivo de combater e punir adequadamente o tráfico internacional e interno de pessoas.

A mente criminosa consegue arquitetar novos planos e formas de execução de sua atividade ilícita, principalmente com o objetivo de escapar da incidência da lei em vigor, aproveitando falhas na legislação. Daí a necessidade de atualização desse ordenamento jurídico, para fazer frente a essas novas modalidades de crimes.

Vários depoimentos trazidos a esta Comissão levantaram a problemática da inadequação da legislação aos tempos atuais, o que dificulta a punição dos traficantes de pessoas.

Entre essas críticas à legislação, podemos mencionar:

-Inadequação da legislação penal brasileira em relação ao Protocolo de Palermo;

- No que tange à exploração laboral, falta uma melhor abordagem legislativa contemplando esses casos de tráfico humano para fins de trabalho escravo;

- A imprecisão de alguns elementos no conceito de tráfico internacional e interno de pessoas, na linha do que dispõe o Protocolo de Palermo;

. Inadequação da legislação no que tange ao tratamento jurídico da prostituição, inclusive diante das novas formas de exploração humana;

- Falta de definições legais relativas à vulnerabilidade, à exploração sexual e outras formas de coerção.

- Falta de distinção entre a situação da pessoa maior de 18 anos que vai praticar a prostituição de maneira consentida e a situação da pessoa dita vulnerável, que não é capaz de consentir validamente nesse tipo de atividade.

Podemos, resumidamente, apontar as principais mudanças na legislação contidas no Projeto de Lei apresentado por esta Comissão, após debates entre os Membros da Comissão e a colheita de sugestões apresentadas por várias autoridades nesse tema:

- Punir os crimes praticados contra brasileiros, que tenham origem no tráfico de pessoas, bastando para tanto que o agente ingresse no território nacional.

- Nova configuração do crime de redução a condição análoga à de escravo, abrangendo no tipo trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho, restrição do direito de ir, vir e permanecer, dívidas impostas pelo empregador ou preposto, comprometimento do salário além do valor permitido pela legislação trabalhista, cerceamento do direito de desfazimento do vínculo contratual, punindo-se também aquele que recruta trabalhadores para esse fim e a omissão de quem tem o dever legal de impedir essas condutas.

- Tipificação do tráfico internacional de pessoas, consistente em transportar, transferir, alojar ou acolher pessoas vindas do exterior para o território nacional, recorrendo à ameaça, violência ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou serviços forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de adoção clandestina, de servidão ou para remoção de órgãos.

- Tipificação do tráfico interno de pessoas, consistente em transportar, transferir, alojar ou acolher pessoas dentro do território nacional, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou serviços forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de adoção clandestina, de servidão ou para remoção de órgãos.

- Criminalização da conduta consistente em realizar modificações corporais clandestinas no corpo de alguém.

- Alteração nas normas que regulam a colocação de crianças ou adolescentes em família substituta, estabelecendo-se o respeito à ordem estabelecida no cadastro nacional de adotantes, ouvidos os pais ou responsáveis e o Ministério Público.

- Vedação de qualquer forma de intermediação por pessoa física, nos processos de adoção internacional.

- Exigência, para adoção internacional que o país do adotante seja signatário da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, e que possua mecanismos de concessão automática da cidadania ao adotado.

- Obrigatoriedade de participação da Autoridade Central Federal, para adoção internacional, sendo nula a adoção feita sem a participação desses órgãos.

- Criação da exigência de relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, durante os dois primeiros anos da adoção e, posteriormente, para o Consulado brasileiro no país do adotante, a cada dois anos, até que o adotado complete (18) dezoito anos.  

- Exigência de autorização dos pais ou responsáveis e do juiz, ouvido o Ministério Público, para que o menor de dezoito e maior de dezesseis anos seja contratado para prestar serviços fora do País.

- Impedimento para que o menor de 14 (catorze) anos viaje para fora da comarca onde reside, desacompanhado dos pais ou responsável, sem expressa autorização judicial.

- Garantia do acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público, aos órgãos do Poder Judiciário e, no exterior, aos consulados brasileiros.

- Endurecimento da punição para os crimes consistentes em remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições da Lei, e para aqueles resultantes da compra ou venda de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano.

- Punição mais rigorosa para os crimes resultantes de realização de transplante ou enxerto com utilização de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano obtidos ilegalmente, recolhimento, transporte, guarda ou distribuição de partes do corpo humano obtidas em desacordo com a Lei.

- Ampliação de poderes de autoridades policiais para requisitar dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, nos crimes mencionados.

Essas alterações foram feitas em função das diversas modalidades por meio das quais o tráfico de pessoas vem sendo praticado, quer no âmbito interno, quer na esfera internacional.

Entre essas diferentes faces do crime de tráfico humano, podemos citar as seguintes condutas que colaboram para a execução dessas condutas criminosas:

- O aliciamento para suposto trabaho em outras cidades do Brasil – tráfico interno - ou no exterior – tráfico internacional, por meio de propostas de emprego que parecem vantajosas, iludindo pessoas em situação de pobreza.

- A exploração de trabalho semelhante ao de escravo, em que as pessoas são atraídas por propostas de emprego aparentemente vantajosas e, ao chegarem ao destino combinado, são exploradas, impedidas de voltar, tem os documentos confiscados pelo empregador e forçadas a contrair dívidas com o patrão ou seu preposto, passando, então, a trabalhar apenas para quitar parte da dívida.

- Tráfico de pessoas para a retirada de órgãos.

- Tráfico de pessoas para a exploração sexual.

Foi pensando no combate e na prevenção desses crimes monstruosos, que apresentamos com urgência o referido projeto de lei, a fim de proteger a sociedade dessas ações criminosas praticadas, em geral, por quadrilhas especializadas, prevendo penas adequadas e proporcionais à gravidade desses delitos hediondos. Esse Projeto de Lei apresentado na Comissão resultou na tramitação do Projeto de Lei nº 6.934, de 2013, cujo teor é o seguinte:

“PROJETO DE LEI Nº 6934, DE 2013

(Da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o tráfico de pessoas no Brasil, suas causas, consequências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo. – CPITRAPE)

Dispõe sobre o combate ao tráfico internacional e interno de pessoas.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei tem por objetivo combater o tráfico internacional e interno de pessoas em todas as suas modalidades.

Art. 2º Os arts. 7º, 149, 206, 207, 231 e 231-A do Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art.7º....................................................................................................................................................................................

III – os crimes praticados contra brasileiro, que tenham origem no tráfico de pessoas, bastando para tanto que o agente ingresse no território nacional.

§1º Nos casos dos incisos I e III, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.”

.............................................................................................” (NR)

“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, submetendo-o a trabalhos forçados, a jornada exaustiva, a condições degradantes de trabalho, restringindo, por qualquer meio, seu direito de ir, vir e permanecer, forçando-o a contrair dívidas com o empregador ou preposto, comprometendo o seu salário além do valor permitido pela legislação trabalhista, ou impedindo o desfazimento do vínculo contratual.

Pena - reclusão, de quatro a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

.......................................................................................................

III – alicia e recruta trabalhadores, ciente de que serão explorados em trabalho análogo ao de escravo;

IV – tendo o dever de investigar, reprimir e punir tais crimes, por dever funcional, omite-se no cumprimento de sua função pública.

§ 2o ......................................................................................

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, gênero, religião, origem ou orientação sexual.” (NR)

“Art. 206 ............................................................................

Pena - detenção de três a cinco anos e multa.” (NR)

“Art. 207 ...............................................................................

Pena - detenção de três a cinco anos e multa.

..............................................................................................

§ 2º A pena é aumentada de um terço até metade se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.” (NR)

“Art. 231. Transportar, transferir, recrutar, alojar ou acolher pessoas vindas do exterior para o território nacional ou deste para o exterior, recorrendo à ameaça, violência ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de adoção ilegal, de exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou serviços forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de servidão ou de remoção de órgãos.

Pena - reclusão, de cinco a oito anos e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena:

I – aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la; e

II – o agente público que, tendo o dever de investigar, reprimir e punir tais crimes, por dever funcional, omite-se no cumprimento de sua função pública.

§ 2o ......................................................................................

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos;

..............................................................................................

§ 3º A pena é aumentada pelo dobro se a idade da vítima for igual ou menor que 14 (quatorze) anos.

§ 4º A pena é aumentada em dobro, se o crime for cometido por servidor público no exercício da função.

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semi-aberto, facultando-se ao juiz deixar de aplica-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor colaborar espontaneamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na identificação das rotas do tráfico e na localização e libertação das vítimas.” (NR)

“Art. 231-A. Transportar, transferir, recrutar, alojar ou acolher pessoas dentro do território nacional, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de adoção ilegal, de exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou serviços forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de servidão ou de remoção de órgãos.

Pena - reclusão, de cinco a oito anos e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena:

I – aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la; e

II – o agente público que, tendo o dever de investigar, reprimir e punir tais crimes, por dever funcional, omite-se no cumprimento de sua função pública.

§ 2o .......................................................................................

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos;

..............................................................................................

§ 3o A pena é aumentada pelo dobro se a idade da vítima for igual ou menor que 14 (quatorze) anos.

§ 4º A pena é aumentada em dobro, se o crime for cometido por servidor público, no exercício da função.

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semi-aberto, facultando-se ao juiz deixar de aplica-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor colaborar espontaneamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na identificação das rotas do tráfico e na localização e libertação das vítimas.” (NR)

Art. 3º Fica acrescido o seguinte art. 284-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940:

“Art. 284-A. Realizar modificações corporais sem consentimento da vítima, por profissional não habilitado ou em condições que ofereça risco à saúde:

Pena – reclusão, de cinco a oito anos.

§ 1º A pena é aumentada de um terço:

I - se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

II – se do fato resulta lesão corporal grave.

III – se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos.

§ 2º A pena é aumentada no dobro:

I – se do fato resulta morte;

II – se a crime é praticado para fins de exploração sexual de vítima de tráfico humano;

III – se a vítima é menor de 14 (catorze) anos.” (NR)

Art. 4º Os arts. 28, 39, 46, 51, 52, 60, 83, 141 e 149 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes modificações:

“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei, respeitada a ordem estabelecida no cadastro nacional de adotantes, ouvidos os pais ou responsáveis e o Ministério Público.

§ 1o A criança ou o adolescente será obrigatoriamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.

.....................................................................................” (NR)

“Art. 39. ................................................................................

§ 3º É vedada qualquer forma de intermediação por pessoa física, nos processos de adoção internacional.” (NR)

“Art. 46................................................................................

..............................................................................................

§ 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 45 (quarenta e cinco) dias.

.....................................................................................” (NR)

“Art. 51................................................................................

§ 1o......................................................................................

...........................................................................................

IV- que o país do adotante é signatário da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional;

V – que o país do adotante possui mecanismos de concessão automática da cidadania ao adotado;

VI – que o adotante assinou termo de compromisso de providenciar a imediata aquisição da nova cidadania pelo adotado, após a prolação da sentença de adoção.

.............................................................................................

§ 3o Para a adoção internacional, é obrigatória a intervenção da Autoridade Estadual e da Autoridade Central Federal, sendo nula a adoção feita sem suas participações.” (NR)

“Art. 52.................................................................................

............................................................................................

§4º.......................................................................................

.............................................................................................

V - enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Federal Brasileira, com cópia para a Autoridade Central Estadual, durante os dois primeiros anos da adoção e, posteriormente, para o Consulado brasileiro no país do adotante, a cada dois anos, até que o adotado complete (18) dezoito anos.

.....................................................................................” (NR)

“Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.

§1º A vedação contida no caput deste artigo estende-se ao contrato de modelo, artista e atleta.

§ 2º O menor de dezoito e maior de dezesseis anos só poderá ser contratado para prestar serviços fora do País com autorização dos pais ou responsáveis e do juiz, ouvido o Ministério Público.

§ 3º O menor de dezesseis e maior de quatorze anos, na qualidade de aprendiz, não poderá exercer essas atividades fora do País.

§ 4º A contratação a que se refere este artigo só poderá ser feita por empresa devidamente constituída, com registro nos órgãos competentes.

§ 5º Sem prejuízo das medidas penais e civis cabíveis, o desrespeito ao disposto neste artigo acarreta as seguintes sanções:

I - multa de dez a cem vezes o valor do contrato;

II - suspensão da atividade dos responsáveis pelo prazo de trinta a noventa dias;

III – proibição para o exercício das mesmas atividades ou outras semelhantes, pelo prazo de cinco anos, em caso de reincidência.” (NR)

“Art. 83. Nenhum menor de 14 (catorze) anos poderá viajar para fora da comarca onde reside, desacompanhado dos pais ou responsável, sem expressa autorização judicial.

§1º.................................................................................

a) tratar-se de comarca contígua à da residência do menor de 14 (catorze) anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana;

b) o menor de 14 (catorze) anos estiver acompanhado:

.....................................................................................” (NR)

“Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público, aos órgãos do Poder Judiciário e, no exterior, aos consulados brasileiros.

......................................................................................”(NR)

“Art. 149. ..........................................................................

..............................................................................................

III – a saída de menor de dezoito e maior de dezesseis anos para trabalhar no exterior, ouvido o Ministério Público.

....................................................................................” (NR)

Art. 5º O parágrafo único do art. 3º da Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 3º.....................................................................................

“Parágrafo único. A contratação a que se refere este artigo só poderá ser feita por empresa devidamente constituída, com registro nos órgãos competentes.” (NR)

Art. 6º Fica acrescido o seguinte §º 11 ao art. 28 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998:

“Art. 28...................................................................................

.............................................................................................

§11. A contratação a que se refere este artigo só poderá ser feita por empresa ou entidade devidamente constituída, com registro nos órgãos competentes.” (NR)

Art. 7º O Art. 1º, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar acrescido dos seguintes incisos:

“Art. 1º ................................................................................

............................................................................................

VIII - os crimes de redução a condição análoga à de escravo e tráfico de pessoas (arts. 149, 231 e 231-A). (NR)”

Art. 8º Os art. 14 a 18 da Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997, passa vigorar com as seguintes modificações:

“Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:

........................................................................................

§ 1º.........................................................................................

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa.

§ 2.º .....................................................................................

.............................................................................................

Pena - reclusão, de seis a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa.

§ 3º.........................................................................................

I – incapacidade permanente para o trabalho;

...............................................................................................

Pena - reclusão, de oito a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.

§ 4º .......................................................................................

Pena - reclusão, de doze a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.

§ 5º Se o crime é praticado por meio do tráfico de seres humanos:

Pena – reclusão, de quinze a vinte e dois anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.

§ 6º Incorre nas mesmas penas quem recolhe, transporta, guarda, compra, vende, distribui ou transplanta órgãos ou partes do corpo humano ciente de que foram obtidos por meio do tráfico de seres humanos.”(NR)

“Art. 15. Comprar ou vender células, tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.

.....................................................................................”(NR)

“Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando células, tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.”(NR)

“Art. 17 Recolher, transportar, guardar ou distribuir células, tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa.”(NR)

“Art. 18. .................................................................................

Pena - Reclusão, de cinco a oito anos.”(NR)

Art. 9º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 13-A a 13-F:

“Art. 13-A. Nos crimes previstos nos arts. 148, 158, § 3°, 159, 231 e 231-A do Código Penal e 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada.

Parágrafo único. A requisição deverá ser atendida no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e dela deverá constar:

I - o nome da autoridade requisitante;

II - o número do inquérito policial; e

III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação.

Art. 13-B. As empresas de transporte manterão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia, aos bancos de dados de reservas e registro de viagens, para fins de investigação criminal.

Art. 13-C. As concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de cinco anos, à disposição do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais, para fins de investigação criminal.

Parágrafo único. As autoridades de que trata o caput que manejarem os documentos e registros que lhes forem disponibilizados serão responsabilizados pelo uso indevido e quebra de sigilo das informações obtidas, nos termos da lei, no âmbito civil, administrativo e criminal.

Art. 13-D. Se necessária à prevenção e repressão dos crimes mencionados no artigo anterior, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia responsável pela apuração dos fatos poderá requisitar às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os sinais que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com indicação dos meios a serem empregados.

§ 1° O sinal de que trata esta lei significa o posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de rádio frequência.

§ 2° Nas hipóteses de que trata o caput, o sinal:

I - não permitirá o acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei;

II - não poderá ser interrompido até a conclusão das investigações policiais e dependerá, ainda, da aquiescência da autoridade requisitante.

§ 3° Na hipótese deste artigo, o inquérito policial deverá ser instaurado no prazo máximo de setenta e duas horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial.

Art. 13-E. Os provedores da rede mundial de computadores - Internet - manterão, pelo prazo mínimo de 01 (um) ano, à disposição das autoridades mencionadas no art. 13-C, os dados de endereçamento eletrônico da origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de equipamentos informáticos ou telemáticos, para fins de investigação criminal.

Parágrafo único. O prazo a que se refere o caput poderá ser prorrogado por determinação judicial fundamentada.

Art. 13-F. É vedada a difusão de conteúdo e a divulgação dos meios tecnológicos utilizados na investigação criminal.” (NR)

Art. 10. Os contratos de modelo e manequim só poderão ser feitos por pessoa jurídica devidamente constituída, com registro nos órgãos competentes, vedado o agenciamento.

§ 1º A empresa que contratar modelo ou manequim no Brasil ficará responsável pelo cumprimento do contrato no exterior e pela assistência necessária ao profissional contratado, incluindo as despesas com o retorno.

§ 2º É vedado o contrato de risco, em que o profissional contratado tenha de arcar com os prejuízos decorrentes da não execução contratual a que não deu causa.

§ 3º Em caso de desfazimento ou impossibilidade de execução do contrato, as despesas com viagens, alimentação, moradia e gastos médicos correrão por conta exclusiva do contratante.

Art. 11. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

Na reunião do dia 5 de novembro de 2013 a CPI do Tráfico de Pessoas no Brasil, aprovou, por unanimidade, Relatório Parcial da lavra da dd. Deputada Federal Flávia Morais, que em seu bojo, continha o presente projeto de lei. Já havendo elementos suficientes para propositura de um texto legal capaz de suprir as lacunas legislativas detectadas no decorrer dos trabalhos realizados pela comissão até então, deliberou-se pela aprovação e apresentação de imediato do presente projeto de lei.

A propositura se faz conveniente, mesmo antes da finalização das atividades da CPI, na medida em que dará oportunidade de participação aos vários segmentos que buscam reprimir o tráfico de pessoas, visando o aprimoramento do texto, além daqueles que efetivamente contribuíram para a redação ora submetida ao descortino desta Casa Lagislativa.

Trata-se de proposição legislativa que, de acordo com preciosas contribuições dadas por especialistas e pela sociedade civil organizada, altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro); a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – o ECA); a Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978 (que dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artistas e de técnico em Espetáculos de Diversões); a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (que institui normas gerais sobre desporto – a “Lei Pelé”); a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”); a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento); e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal); além de disposições especiais atinentes a contratos de modelo ou manequim.

Constitui-se, pois, de medida legislativa de grande envergadura com enorme potencial para repercutir positivamente no sentido da eficácia que se pretende obter no controle dessa hedionda espécie delitiva, essa Comissão Parlamentar de Inquérito, por seus membros, agradece a contribuição de todos aqueles que participaram na elaboração da proposta que ora se apresenta, em especial, à Dra. Anália Belisa Ribeiro.

Feitos esses esclarecimentos, chamamos atenção para a ampliação das hipóteses insertas nos tipos penais contidos nos arts. 231 e 231-A do Código Penal. Com essa ampliação, constituir-se-ão condutas caracterizadoras de tráfico de pessoas, interno ou internacional, transportar, transferir, recrutar, alojar ou acolher pessoas dentro do território nacional ou vindas do exterior para o território nacional.

Referidas condutas configurarão tráfico de pessoas quando o agente recorrer à ameaça, violência ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração de guarda de menores, da prostituição ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou serviços forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de servidão ou de remoção de órgãos.

Também, ainda no âmbito desses dispositivos, buscou-se apenar aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la, bem como o agente público que, tendo o dever de investigar, reprimir e punir tais crimes, por dever funcional, omite-se no cumprimento de sua função pública.

Ademais disso, a partir dos casos investigados que envolvem crianças amplamente divulgados pela mídia, decidimos criminalizar aquele que, com os fins previstos no caput dos arts. 231 e 231-A, subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial; prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro; promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para outra localidade do território nacional com inobservância das formalidades legais.

Reforçaram-se as cautelas que a adoção internacional de crianças brasileiras deve se cercar; foram dados mais instrumentos aos membros do Ministério Público e às autoridades policiais e judiciárias para prevenir e impedir o cometimento de tais delitos, sem descurar das responsabilidades que devem ter tais agentes públicos quando do uso desses instrumentos legais.

Por último, trouxemos a este verdadeiro Estatuto do Combate ao Tráfico Internacional de Pessoas, dispositivos que regulam os contratos de modelo e manequim inexistentes até agora na legislação pátria voltados à proteção daqueles que exercem essas atividades.

Na certeza de que a presente medida aperfeiçoa a legislação pátria acerca do assunto, pedimos apoio aos membros do Congresso Nacional para a rápida aprovação do presente Estatuto.

Sala das Sessões,

CPI - Tráfico de Pessoas no Brasil.”

13. CASOS INVESTIGADOS PELA CPI

Trata-se da coleção de análises dos principais casos trazidos à investigação da CPI do Tráfico de Pessoas no Brasil, ressaltando seus principais resultados alcançados e sugerindo os encaminhamentos para a sequência dos trabalhos no âmbito criminal e administrativo.

Para ilustrar o amplo espectro de atuação da presente CPI, os casos foram tratados sem que as suspeitas iniciais tenham sido necessariamente confirmadas ao final das investigações, nas seguintes categorias, conforme suas peculiaridades:

Tráfico de Crianças e Adolescentes

Sob este título foram investigados vários casos, com suspeita de envolvimento de pessoas e empresas privadas, além de agentes públicos, incluindo indícios de participação de pessoas ligadas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.

Dentre os casos investigados, destaca-se o de Monte Santo/BA que resultou na devolução de cinco crianças para o lar de origem, tendo sido investigada a atuação também de Magistrados e de servidores do Judiciário baiano.

Destaque-se, ainda, o caso da ONG Limiar que intermediou a adoção de mais de 1.700 crianças para os EUA, no qual há suspeitas de participação de órgãos do Judiciário paranaense e outras pessoas, assim como o de Charlotte Cohen, menor sequestrada e enviada para o Estado francês, que busca agora a identidade dos seus pais biológicos.

Tráfico de Pessoas para Exploração Sexual

Nessa categoria podem ser destacados os casos dos Travestis trazidos do Pará para São Paulo, das mulheres traficadas para Belo Monte/PA, libertadas pela polícia, e o caso da Operação Salamanca, que está desbaratando uma quadrilha internacional de traficantes de pessoas, com ramificações em São Paulo e Nordeste.

Tráfico Interno de Trabalhadores

Além do caso dos Trabalhadores escravizados em Belo Horizonte, há que se registrarem também os indícios de tráfico de pessoas de Alagoas para trabalhar nas obras de empreiteiras em São Paulo, que foi também objeto de apuração da CPI.

Tráfico de Pessoas para Extração de Órgãos

O Caso paradigmático desse tipo é o que ocorreu em Poços de Caldas, no qual uma quadrilha formada por vários médicos trazia pessoas de outras localidades para retirada dos órgãos para transplantes “comerciais”. Também foi objeto de apuração o caso envolvendo o sequestro de criança no estado do Mato Grosso, havendo notícias de implicação de tráfico para fins de extração de órgãos.

Assim se encontram distribuídos os casos por modalidade de tráfico de pessoas:

TRÁFICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

- CASO DA ONG LIMIAR

- CASO DE MONTE SANTO - BA

- CASO DE MAZAGÃO – AP

- CASO DE ITAQUAQUECETUBA - SP

- CASO DE SÃO PEDRO DA ALDEIA - RJ

- CASO DAS CRIANÇAS DE LINDSEY

- CASO DE TRÁFICO DE CRIANÇAS - BH

- CASO SERGIO LEONARDO - TO

- CASO CHARLOTTE MERRYL - SP

- CASO CRIANÇAS DESAPARECIDAS NO RIO DE JANEIRO

TRÁFICO DE PESSOAS PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL:

- CASO FERNANDA ELLEN

- CASO MODELO MONIQUE MENEZES DA SILVA

- CASO PRAIA DE ITAPARICA – VILA VELHA - ES

- CASO BELO MONTE/PA

- CASO DELIVERY - AC

- CASO GAROTAS PANTANAL - MS

- CASO MARLENE - RJ

- CASO MODELOS DA ÍNDIA - SP

- CASO PORTUGUESA SANTISTA - RONILDO BORGES DE SOUZA - PA

- CASO SALAMANCA - ESPANHA

- CASO LORISVALDO - SP

TRÁFICO INTERNO DE TRABALHADORES:

- CASO TRABALHO ESCRAVO EM BELO HORIZONTE - MG

TRÁFICO DE PESSOAS PARA EXTRAÇÃO DE ÓRGÃOS:

- CASO DO SEQUESTRO DE BEBÊ EM CUIABÁ - MT

13.1. CASO DA ONG LIMIAR, INTERMEDIADORA DE ADOÇÕES INTERNACIONAIS NO PARANÁ.

Breve histórico do caso

Trata-se de caso de adoções internacionais supostamente irregulares, intermediadas pela ONG LIMIAR, cuja sede tem endereço no estado de São Paulo. Há notícias de que tenham sido intermediadas pela ONG referida diversas adoções nos estados de Paraná e Santa Catarina, cujos números são maiores nas cidades de São José do Triunfo e Gaspar, respectivamente. No curso das investigações realizadas pela CPI, revelou-se também que a ONG intermediou adoções internacionais de crianças oriundas do Estado de São Paulo.

O caso veio à tona após a veiculação, pela imprensa, de uma série de denúncias acerca de irregularidades nos processos de adoções. Há um vídeo hospedado no site da , onde supostamente AUDELINO DE SOUZA aparece, confirmando que cobraria valores em torno de US$9.000,00 (nove mil dólares) por criança adotada e encaminhada para lares substitutos no exterior.

A CPI expediu diversos ofícios relacionados às providências solicitadas nos requerimentos dos Deputados, que tiveram seu cumprimento já realizado e também outros relacionados à investigação procedida pela Comissão, tais como ofícios encaminhados ao Presidente e a Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ao Presidente e a Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, em ambos requerendo a instauração de procedimento investigativo. Além desses, encaminhou documentos ao Ministério Público do Paraná e à Embaixada dos Estados Unidos para a competente instauração dos procedimentos investigatórios.

Providências tomadas pela CPI

Conforme relatório produzido pela Delegada da Polícia Federal CARMEM MARILEIA DA ROCHA, que atua em auxílio a esta CPI, “a Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, além das inquirições realizadas, solicitou o cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça Federal de SP na residência de ULISSES GONÇALVES DA COSTA e na empresa LIMIAR, ambas em SP, bem como determinou o cumprimento de busca e apreensão na residência de AUDELINO DE SOUZA, no PR.

Inquiridos ULISSES GONÇALVES DA COSTA e AUDELINO DE SOUZA, contataram-se várias contradições, razão pela qual eles foram acareados. Na acareação, ainda continuaram algumas divergências, que dependem de investigações pontuais a serem realizadas pela Polícia Federal das circunscrições onde ocorreram os processos de adoção com suspeitas de irregularidades, conforme a seguir explicado, para esclarecer em quais processos houve a interferência da LIMIAR ou de seus representantes, em quais processos de adoção houve contrapartidas financeiras a título de “doações” por parte dos pais adotivos, se o judiciário foi levado a erro pelos representantes da LIMIAR ou pelos responsáveis pela apresentação dos relatórios acerca da situação das crianças, etc.

O presidente da ONG LIMIAR no Brasil, ULISSES GONÇALVES DA COSTA, foi ouvido pela CPI em data de 09/04/2013, tendo sido as respectivas Notas Taquigráficas acostadas nas fls. 416/461 da “pasta do caso”.

O investigado AUDELINO DE SOUZA, vinculado à referida ONG, foi ouvido na Polícia Federal em Curitiba/PR, no dia 10/04/2013, e pela CPI em 18/04/2013.

Foi cumprido mandado de busca e apreensão na residência de AUDELINO, expedido pela CPI, tendo sido apreendidos diversos materiais e documentos, os quais se encontram em depósito, sob a guarda da Secretaria da CPI. Esses documentos e objetos apreendidos estão sendo restituídos ao proprietário, por determinação da CPI.

De outro turno, mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça Federal de SP também foram cumpridos na residência de ULISSES e na sede da ONG LIMIAR, em data de 24/05/2013, tendo sido apreendidos diversos materiais e documentos que também se encontram sob a guarda da Secretaria da CPI. Este juízo que concedeu os mandados de busca e apreensão em SP, já foi comunicado que o material já fora analisado, tendo, pois, autorizado a restituição dos bens aos respectivos locais de origem, conforme determinado em audiência pública por esta CPI.

Documentos entregues pela jornalista JOICE HASSELMANN foram acostados nas fls. 462/477 da “pasta do caso”.

Documentos entregues por AUDELINO DE SOUZA foram acostados nas fls. 478/480 da “pasta do caso”.

Carta do escritório de adido do FBI, informando sobre o recebimento de notícia do embaixador americano de uma possível atividade criminosa praticada por entidade operando nos EUA, bem como de que referida denúncia seria objeto de análise e investigações necessárias sobre possível violação de lei americana (fl. 54 do volume 41 e fl. 74 do volume 51).

Notas taquigráficas da audiência pública realizada em 14/05/2013, para acareação entre ULISSES GONÇALVES DA COSTA e AUDELINO DE SOUZA, foram acostadas nas fls. 482/517 da “pasta do caso”.

Notas taquigráficas da audiência pública realizada em 18/04/2013, para oitivas de AUDELINO DE SOUZA, de TARCILA SANTOS TEIXEIRA, Promotora de Justiça paranaense que atuou na causa das adoções internacionais dos filhos do casal ANTONIO EVERALDO DOS SANTOS e MARIA RIVONETE DOS SANTOS, do advogado JEFFERSON LUIS BIANCOLINI e do ex–conselheiro tutelar de São João do Triunfo/PR, e de MAURO SÉRGIO CAMPOS, foram acostadas nas fls. 482/517 da “pasta do caso”.

Cópia do processo de destituição de pátrio poder nº 15/01 contra ANTONIO EVERALDO DOS SANTOS e MARIA RIVONETE DOS SANTOS (São João do Triunfo), pais de VALMIR (nascido em 1991), ELISSANDRA (vulgo SANDRA, nascida em 1993), ELTON (nascido em 1994), VALDEREZ (nascido em 1995), ADEMIR (nascido em 1997), SEBASTIÃO (nascido em 1998) e ANDREI (nascido em 2000), do processo de adoção das referidas crianças/adolescentes nº 01/06 e do processo de habilitação dos estrangeiros THOMAS ANTHONY ADAMO e DENISE ELAINE TURNER ADAMO, cujos processos a promotora de justiça TARCILA SANTOS TEIXEIRA pediu providências (fl. 175 e seguintes do volume 49 e fls. 190 a 194 do volume 48).

No volume 49, também consta procedimento em que foi instaurado no âmbito do Ministério Público paranaense o processo n.º 9114/2013-PGJ/MP-PR. Trata-se de representação formulada pela Promotora de Justiça TARCILA SANTOS TEIXEIRA, que atuou nos processos de adoções internacionais que são objeto desta CPI, contra o advogado JEFFERSON LUIS BIANCOLINI e contra o ex–conselheiro tutelar de São João do Triunfo/PR, MAURO SÉRGIO CAMPOS. Em apertado resumo, a promotora atribui as denúncias feitas à CPI a desavenças ocorridas entre os envolvidos, em função da atuação profissional de cada um.

Conforme documento constante na fl. 25 do volume 51, o Auditor Federal de Controle Externo WILSON DIAS MALNATI afirmou que “... Não foram encontrados, nestes autos, quaisquer indícios de conduta desabonadora da atuação da referida Promotora, de qualquer irregularidade no processo de adoção das referidas crianças, nem qualquer registro da participação da entidade LIMIAR ao longo do processo...”.

Nas fls. 53 a 61 do volume 52, consta o pedido da LIMIAR, datado de 07/03/1991, para cadastramento da referida ONG na CEJA/PR, certidão acerca da decisão de aprovação do referido pleito e demais documentos correlatos.

Cópia da Portaria nº 22/2013 foi acostada na fl. 52 do volume 52, dando conta da sindicância instaurada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Paraná para apurar os fatos veiculados pela imprensa nacional acerca de possíveis irregularidades nos processo de adoções internacionais de crianças brasileiras, e revogando qualquer autorização para interveniência da ONG LIMIAR e de AUDELINO DE SOUZA nos processos de adoção internacional, com consentimento da Comissão Estadual Judiciária de Adoção – CEJA, bem como da retirada do nome da referida organização não governamental da relação de entidades conveniadas com a CEJA constante na página da internet do TJ/PR. Resta pendente a informação acerca da decisão final exarada no aludido procedimento.

Também consta dos autos, pedidos de quebra dos sigilos bancário e fiscal de AUDELINO DE SOUZA, da ONG LIMIAR e de ULISSES GONÇALVES DA COSTA.

Foram expedidos ofícios ao Presidente e ao Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e ao Presidente e ao Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, requerendo a instauração de procedimento investigativo, não tendo sido informado à CPI até a presente data o resultado de eventual investigação.

DOS DOCUMENTOS APREENDIDOS NA ONG LIMIAR, NA RESIDÊNCIA DE ULISSES GONÇALVES DA COSTA E NA RESIDÊNCIA DE AUDELINO DE SOUZA:

A análise dos documentos apreendidos destina-se a verificar se foram enviadas crianças ou adolescentes aos EUA no período descoberto pela Convenção de Haia (pelo TJ/PR e TJ/SP), pois os representantes da LIMIAR, ULISSES GONÇALVES DA COSTA e AUDELINO DE SOUZA, não apresentaram em nenhum momento à CPI a relação de crianças e adolescentes que passaram pelo abrigo em São Paulo (LIMIAR) e no Paraná e que foram adotadas por famílias americanas. Essa análise teve o escopo de obter indícios/provas de que as crianças/adolescentes de fato eram enviadas para o exterior com a inobservância das formalidades legais e/ou com o fito de obter lucro (9.000 dólares por criança/adolescente), conforme já afirmado em depoimentos.

Anote-se, todavia, que as mídias arrecadadas em SP e no PR não podem ser periciadas porque não têm autorização judicial para acesso aos respectivos conteúdos, conforme já decidiu o STF (MS 23642 / DF - DISTRITO FEDERAL). A Corregedoria-Geral da Polícia Federal também já se manifestou nos autos por meio do Ofício nº 1.120/2013-COGER/DPF, de 19/12/2013, de que há necessidade de autorização judicial específica para a realização de perícia.”

DOS DOCUMENTOS APREENDIDOS NA ONG LIMIAR:

Da análise do auto de arrecadação de documentos lavrados por ocasião do cumprimento de mandado de busca e apreensão na sede da LIMIAR em SP, os policiais descreveram que “a nacional IRIS ANTONIA DA SILVA informou que havia uns papéis já separados para serem levados, os quais estavam agrupados em pacotes numerados e armazenados em uma sala de estudo...”.

Tal fato ocorreu, ao que tudo indica, em razão do requerimento de pedido de mandado de busca e apreensão ter sido apresentado pela Comissão em audiência pública, na presença do investigado, Presidente da LIMIAR, Senhor ULISSES.

Em função disso, muitos dos documentos apreendidos na LIMIAR (Rua Arcachon, nº 55, São Paulo/SP) são inservíveis para a investigação, seja porque se referem a processos de adoção anteriores a 1999, seja porque, ao certo, o investigado, usando o seu direito constitucional de não autoincriminação, não apresentou os documentos que poderiam constituir corpo de delito.

Entretanto, mesmo assim, a pedido da CPI, a Polícia Federal analisou os aludidos documentos apreendidos na empresa LIMIAR em SP e na residência de ULISSES, conforme relação anexa. Os documentos, na sua maioria, tratam de processos antigos de adoção.

Por conseguinte, entre a enorme quantidade de material arrecadado na sede da LIMIAR, foi encontrado um álbum com o título MED KIDS, contendo fotografias e descrição das crianças e adolescentes.

Além disso, foram apreendidos vários processos de adoção na LIMIAR SP, nos quais há procuração em nome de LAUDELINO DE SOUZA e HELENA MARIA CURVELLO SARHAN, etc, como representantes da LIMIAR anteriormente a 1999, e, em nome de HELENA MARIA CURVELLO SARHAN, nos períodos de 2001 e 2002.

Também foi arrecadado parte do processo de adoção dos surdos-mudos MARCEL e RAQUEL - Processo Nº 532/85 da Justiça de Jundiaí/SP. Entre os documentos, consta a escritura de adoção, datada de 04/07/1988, em atenção à sentença de adoção exarada em 05/03/1987, quando ainda não existia o Estatuto da Criança e do Adolescente, que fora promulgado por meio da Lei 8.069, de 13/07/1990, que tipificou o artigo 239 do ECA (Lei 8.069/90), como crime a promoção ou auxílio para a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro.

No ano de 1988, estava em vigor o artigo 245, § 2º, do Código Penal, que tipificava  “quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro”. (Incluído pela Lei nº 7.251, de 1984), tendo como pena máxima 4 anos de prisão. Tal crime prescrevia em oito anos a contar do momento em que os menores completavam 18 anos. MARCEL e RAQUEL nasceram, respectivamente, em 15/06/1977 e 02/06/1978.

Dessa forma, em que pese a gravidade dos fatos noticiados por MARCEL em suas informações prestadas à CPI, é sabido que a legislação brasileira não retroage para prejudicar os réus. Dessa forma, eventual exigência de dinheiro feita aos pais adotivos de MARCEL e de RAQUEL em troca da adoção, hoje, não é mais punível pelo Estado, pelas razões já expostas.

DO MATERIAL APRENDIDO NA RESIDÊNCIA DE ULISSES GONÇALVES DA COSTA:

Na residência de ULISSES foram arrecadados documentos dando conta de que a LIMIAR de SP recebia doações da empresa LIMIAR americana, bem como de que LAUDELINO era funcionário da LIMIAR brasileira, remunerado como autônomo, ora com recursos da LIMIAR americana, ora com recursos do convênio com a Prefeitura de São Paulo. Há várias mensagens de e-mails apreendidas com ULISSES dando conta da preocupação da funcionária HELENA MARIA CURVELLO SARHAN com o pagamento dos “autônomos”, bem como uma planilha em que a LIMIAR já sabia que o pagamento desses “autônomos” estava irregular.

ULISSES, presidente da LIMIAR brasileira desde 2008, não poderia receber salário, conforme previsão constante no estatuto. Entretanto, há vários depósitos na conta particular de ULISSES sob o pretexto de utilização de tais valores para pagamento de despesas da LIMIAR brasileira, fato esse discutido exaustivamente nas mensagens apreendidas em sua residência trocadas entre ULISSES, HELENA e STUART.

Na residência de ULISSES também fora encontrada uma carta em Inglês da LIMIAR americana, nos seguintes termos:

“... os montantes doados por patrocinadores para a Casa Limiar foram de 19052 e 24423 dólares, respectivamente em 2008 e 2007, sendo o número de patrocinadores em torno de 30. A quantia de dinheiro recebida como resultado de adoções era praticamente o mesmo, apesar de terem sido feitas poucas adoções em 2008. A quantia de doações feitas para a Limiar USA foi também a mesma nos dois anos”...

Em relação às adoções:

... “Nós já fizemos 12 adoções este ano e deveremos fazer cerca de 20 este ano, similar ao último ano. Uma das razões para o número é que oficialmente o Brasil tem bloqueado todas as adoções para os pais dos Estados Unidos por meio de uma diretiva da Autoridade Central. Eles se recusaram a aceitar um pedido da AWAA, nossa agência parceira nos EUA, para inscrição no Brasil. A Autoridade Central disse que eles estão negociando com o Departamento de Estado americano porque os EUA não tem uma lei federal contra o abuso de crianças. Isto é uma fraude/ardil. Eles realmente querem controlar o número de agências que podem trabalhar no Brasil. Nós estamos trabalhando/fazendo lobby entre a Autoridade Central e o Departamento de Estados para manter a posição da Limiar como uma organização facilitadora de adoções nos EUA. Neste momento, nós até estamos fazendo adoções, graças aos CEJA´s no Paraná e Recife, as quais têm ignorado a diretiva da Autoridade Central, mas até este problema seja resolvido e a AWAA seja registrada no Brasil com a Limiar como ela é representada, há dúvida que nós seremos capaz de continuar fazendo adoções para pais americanos e canadenses. Nós também somos a única organização fazendo adoções brasileiras para pais Canadenses, desde que nenhuma agência canadense esteja registrada em Brasília. Confuso, mas novamente nós temos fé que é a vontade de Deus que a gente continue fazendo adoção. ...

Na mesma oportunidade, foi aprendida uma planilha contendo os problemas detectados na ONG LIMIAR e na CASA LIMIAR em SP, em 21/05/2008:

- receitas e despesas da LIMIAR estão juntas na contabilidade e no banco;

- falta de controle e riscos no recebimento de doações internacionais;

- falta de recibo em 50% das doações recebidas pela LIMIAR;

- não é possível avaliar, controlar e demonstrar na contabilidade usos e aplicações de recursos da CASA LIMIAR, pois a contabilidade é conjunta das atividades da LIMIAR e CASA LIMIAR;

- relatório mensal de entrada e saída de recursos da LIMIAR e da CASA LIMIAR sem identificação de quem elaborou e sem aprovação da diretoria;

- autônomos sendo contratados pela LIMIAR sem qualquer amparo legal (solução: proibir contratação de autônomos na CASA LIMIAR, avaliar a propor solução para LINO e ELCELI);

- situação confusa e com práticas irregulares na contratação, desligamento e gestão de pessoas na CASA LIMIAR;

- voluntários trabalhando de forma irregular na CASA LIMIAR, sem qualquer contrato e definições de tarefas, funções responsabilidades;

- folha de pagamento confusa e com erros, muito trabalhosa e com deficiências de controle na CASA LIMIAR;

- falta de informações sobre organização e arquivamento de documentos, licenças da LIMIAR e CASA LIMIAR;

- LIMIAR não aproveitando isenções de impostos;

- HTS (?) ainda não recebeu os documentos de Recife assim como o encerramento das atividades;

- Diane solicitou seu desligamento da diretoria LIMIAR (tesoureira – solução: convocar reunião e nomear substituto de DIANE e incluir ULISSES na diretoria).

DA ATIVIDADE DOS SUSPEITOS:

- ULISSES GONÇALVES DA COSTA, representante da LIMIAR;

- AUDELINO DE SOUZA, vulgo LINO, representante da LIMIAR.

O Estatuto da Criança e do Adolescente reza em seu artigo 52-A que “É vedado, sob pena de responsabilidade e descredenciamento, o repasse de recursos provenientes de organismos estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de adoção internacional a organismos nacionais ou a pessoas físicas”. (acrescido pela Lei 12.010/2009, de 03/08/2009). Eventuais repasses somente poderão ser efetuados via Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente e estarão sujeitos às deliberações do respectivo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente.

O ECA também ressalta que a cobrança de valores por parte dos organismos credenciados, que sejam considerados abusivos pela Autoridade Central Federal Brasileira e que não estejam devidamente comprovados, é causa de seu descredenciamento.

O artigo 239 da Lei 8.069/90 define como crime o tráfico internacional de crianças e adolescentes:

Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: (grifei)

Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: (Incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

É fato nos autos de que a empresa ONG LIMIAR estava indevidamente cadastrada no CEJA/PR para intermediar adoções ilegais, conforme depoimentos colhidos pela CPI e informações obtidas no site do TJ/PR, ao arrepio da legislação brasileira.

As ONGs LIMIAR brasileira e americana não eram credenciadas no Brasil, pois somente podem ser credenciados (por dois anos, com possibilidade de prorrogação direcionada à autoridade central brasileira) organismos (sem fins lucrativos) oriundos de países que ratificaram a Convenção de Haia (EUA não) e que estejam credenciados pela Autoridade Central do país onde estiverem sediados e no país de acolhida do adotando para atuar em adoção internacional no Brasil, que satisfaçam as condições de integridade moral, competência profissional, experiência e responsabilidade exigidas pelos países respectivos e pela Autoridade Central Federal Brasileira, que sejam qualificados por seus padrões éticos e sua formação e experiência para atuar na área de adoção internacional e que cumpram os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas normas estabelecidas pela Autoridade Central Federal Brasileira.

Como consequência disso, a Autoridade Central Americana não enviava os relatórios exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pois o país sequer era signatário da Convenção de Haia, e o laudo de habilitação à adoção brasileira não podia ser expedido porque as legislações dos dois países eram conflitantes (Convenção).

Todavia, desde 1991, AUDELINO efetivamente esteve representando a ONG LIMIAR no TJ/PR e esteve intermediando adoções, conforme já apontado neste Relatório. Senão, vejamos:

a) Consta dos autos, nas fls. 53 a 61 do volume 52, pedido da LIMIAR, datado de 07/03/1991, para cadastramento da referida ONG na CEJA/PR, bem como certidão acerca da decisão de aprovação da mencionada solicitação. A própria Corregedoria-Geral de Justiça do Paraná informou à CPI, após as denúncias de irregularidades, que teria revogado a autorização para interveniência da LIMIAR e de AUDELINO DE SOUZA nos processos de adoção internacional.

b) Há informações disponíveis no site do TJ/PR e repassadas à CPI que revelam que, em 04/10/2011, o então Corregedor-geral de Justiça, desembargador NOEVAL DE QUADROS, e o então Corregedor de Justiça, desembargador LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO, receberam a “vice-cônsul” norte-americana no citado Tribunal. Entre os presentes estavam o “representante do grupo de pais adotivos LIMIAR”, AUDELINO DE SOUZA (LINO), e a coordenadora técnica da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA), JANE PEREIRA PRESTES.

c) Já em abril de 2012, o status de representante da ONG LIMIAR permitiu a AUDELINO DE SOUZA participar de uma reunião entre o então presidente do tribunal, desembargador MIGUEL KFOURI NETO, e o presidente do Conselho de Supervisão da Infância e Juventude (Consij), desembargador FERNANDO WOLFF BODZIAK. Também estavam presentes “representantes de organismos estrangeiros cadastrados na CEJA para a adoção internacional de crianças que se encontram em regime de acolhimento em abrigos no Paraná”.

d) Também há nos autos informação de que AUDELINO DE SOUZA participou de pelo menos duas reuniões no TJ/PR, não tendo sido explicado à CPI a razão de LINO ter participado dessas reuniões, nem o que foi discutido e por que LINO tinha acesso aos encontros.

Quanto às adoções realizadas, AUDELINO admitiu ter intermediado as adoções dos sete irmãos de São João do Triunfo/PR, mas negou ter havido alguma irregularidade. ULISSES, por sua vez, também admitiu à CPI que crianças do abrigo da LIMIAR em SP também eram levadas para os Estados Unidos, após a finalização do processo de adoção do judiciário.

Uma das celeumas é que nem AUDELINO DE SOUZA ou ULISSES, nem a ONG LIMIAR são ou eram credenciados na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República - SDH,  responsável por estabelecer a cooperação internacional e credenciar os organismos que atuam com adoção internacional em todo o território brasileiro. Segundo a assessoria da SDH, a ONG solicitou o credenciamento, mas o pedido foi negado porque a entidade não atendia às exigências.

É sabido que os documentos em língua estrangeira devem ser autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público juramentado. No presente caso, AUDELINO DE SOUZA fazia tais traduções sem ser tradutor público juramentado, conforme informações constantes na sessão pública do dia 18/04/2013.

Em relação à Promotora de Justiça do PR (TARCILA SANTOS TEIXEIRA), embora tivesse dito que nunca teve contato com o AUDELINO DE SOUZA, nem com os pais americanos, ela aparece em uma foto com os pais americanos, juntos, e com as crianças.

Não obstante, sabe-se que é vedado o contato direto de representantes de organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros, com dirigentes de programas de acolhimento institucional ou familiar, assim como com crianças e adolescentes em condições de serem adotados, sem a devida autorização judicial.

Some-se a isso que a legislação proíbe a saída do adotando do Brasil antes de transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção internacional. Ainda assim, o TJ/PR dava guarda provisória dos adolescentes/crianças a AUDELINO DE SOUZA para levá-los aos EUA para o programa MED KIDS.

Em relação aos valores recebidos pela ONG LIMIAR, consta dos autos que a Prefeitura de São Paulo tinha/tem convênio com a LIMIAR, repassando mensalmente cerca de 60.000 reais, valor este que está sendo analisado pelo TCU se era efetivamente utilizado no abrigo ou se remunerava os representantes AUDELINO e ULISSES.

Além desse convênio, até meados de 2010, a LIMIAR americana fazia depósito à LIMIAR brasileira, a qual repassava parte do valor a AUDELINO DE SOUZA. De 2010 em diante, a LIMIAR americana teria passado a enviar os valores diretamente para AUDELINO, conforme de depreende da sessão pública de 18/04/2013.

Há nos autos pelo menos duas testemunhas afirmando que presenciaram as famílias americanas pagando pelas adoções - adotados SANDRA (São João do Triunfo/PR) e MARCEL, além de outras provas já acostadas aos autos, dentre elas, uma das famílias americanas disse que iria denunciar a LIMIAR porque estariam sendo cobrados cerca de 8.000 dólares pela adoção. Não há, contudo, até o momento, informações sobre o valor eventualmente pago, a quem foi pago, dentre outras circunstâncias que pudessem delimitar a autoria e a materialidade do crime tipificado no artigo 239 do ECA.

Da acareação, em suma, ULISSES negou que a LIMIAR continuasse a fazer as intermediações nas adoções internacionais, que a LIMIAR é independente da ONG americana, que ela não é cadastrada para fazer as adoções, que não paga salários a AUDELINO. Já AUDELINO, por sua vez, falou exatamente o contrário: que a LIMIAR brasileira continua a fazer adoções internacionais, que as duas ONGs são interligadas, que a LIMIAR nacional é cadastrada na CEJA/PR, sendo ele (LINO) o representante da ONG para intermediar adoções, e que recebe salário/honorários da LIMIAR, dentre várias outras contradições.

Conforme se depreende das audiências públicas, AUDELINO possuía um “cardápio”, com fotos de crianças do abrigo da LIMIAR de SP e respectivas descrições.

AUDELINO afirmou também na audiência pública do dia 18/04/2013 que eram feitas doações voluntárias por parte da famílias americanas, cujos valores seriam repassados à ONG LIMIAR brasileira, sem admitir, no entanto, que se tratava de contrapartida em decorrência das adoções concretizadas.

Some-se a isso, a existência de vídeo hospedado na página do youtube, em que AUDELINO DE SOUZA aparece confirmando que cobraria valores em torno de 9.000,00 (nove mil) dólares por adolescente/criança adotado(a) e encaminhado(a) para os Estados Unidos.

Além disso, há indícios de que o salário de AUDELINO dependia do número de adoções das famílias americanas intermediadas pela LIMIAR (Sessão Pública do dia 18/04/2013).

Não há dúvidas acerca da ONG LIMIAR brasileira ser representada por AUDELINO, o qual também participava de reuniões nos EUA, com a brasileira LUCIANA MATSON, a qual era a intermediária da LIMIAR nos EUA.

Há alusão nos autos de que HELENA MARIA CURVELLO SARHAN também intermediaria adoções ilegais no estado de SP.

Não há informações nos autos suficientes para afirmar que tenha ocorrido tráfico de pessoas para o fim de exploração sexual tipificado no Código Penal. Há apenas indícios do tráfico de pessoas previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, em que pese ter havido um processo de adoção devidamente legitimado pelo judiciário, mas em desacordo com a Convenção de Haia.

O Código Penal, em seu artigo 231 preconiza que:

Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 231.  Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o  Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2o  A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 3o  Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Já o artigo 239 do ECA reza que:

Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: (grifei)

Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: (Incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO E DO PARANÁ:

Não é possível afirmar, ainda, de acordo com o material analisado até o momento, que o TJ/SP e o TJ/PR estejam envolvidos em adoções ilegais. Senão, vejamos:

O Decreto nº 3.087, de 21/06/1999, que promulgou (assinou e ratificou) no Brasil a Convenção de Haia Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (de 1993), tendo os EUA assinado a aludida Convenção apenas em 2008 (entrou em vigor em 1º/04/2008). Entretanto, o TJ de São Paulo colocou em adoção crianças e adolescente em família substituta americana anteriormente a 2008, conforme informação constante no seguinte estudo: Vide , assim como o TJ/PR.

De acordo com referido Estudo, de 2004 a 2010, 40 crianças de São Paulo teriam sido adotadas por americanos, cujas adoções teriam sido intermediadas por representantes particulares (vide página 11 e 12).

Na 125ª reunião da CEJAI, em 28.07.2008, foi deliberado que a partir daquela data, não mais se trabalharia com países ratificantes que não tivessem organismos credenciados, deixando-se de aceitar pedidos feitos por pessoas físicas. Os pretendentes habilitados antes daquela data puderam concluir as adoções.

Tal apresentação destaca que, no mesmo período analisado, os números de adoção nacional superaram em 25 vezes a internacional, o que demonstraria a excepcionalidade da medida. No total, 28.506 crianças e adolescentes adotados continuariam residentes no Brasil, enquanto 1.142 teriam sido adotados por estrangeiros e brasileiros residentes no exterior.

Sabe-se que é imprescindível que o país de acolhida seja signatário da Convenção de Haia de modo que uma adoção deferida em um país seja reconhecida como válida em outro. Dessa forma, os Tribunais de Justiça, que não observaram essa exigência, acabaram fazendo adoções ao arrepio da lei, correndo o risco, até mesmo, dessas adoções serem anuladas, causando insegurança para as crianças e adolescentes, para as famílias substitutas e para as famílias brasileiras.

O Decreto nº 5.491/2005, de 18/07/2005, regulamenta a atuação de organismos estrangeiros e nacionais de adoção internacional. Tal Decreto, dentre outras disposições, institui o credenciamento, no âmbito da Autoridade Central Administrativa Federal, de todos os organismos nacionais e estrangeiros que atuem em adoção internacional no Estado brasileiro, regulamentando a respectiva atuação. Apenas entidades idôneas podem ser credenciadas para intermediar pedidos de adoção internacional. A respeito do tema, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, expediu as Portarias nºs 26/2005, de 24/02/2005, e 27/2005, de 24/02/2005, que, respectivamente, instituíram os procedimentos para o credenciamento de organismos estrangeiros que atuam em adoção internacional no Estado brasileiro e os procedimentos para o credenciamento de organizações nacionais que atuam em adoção internacional em outros países.

Esses organismos devem apresentar à Autoridade Central Federal Brasileira, a cada ano, relatório geral das atividades desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período, cuja cópia deve ser encaminhada ao Departamento de Polícia Federal. Além disso, devem enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, pelo período mínimo de 2 (dois) anos. O envio do relatório será mantido até a juntada de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o adotado. A não apresentação desses relatórios acarretará o descredenciamento.

Em consulta ao TJ/PR, a CPI obteve a resposta por intermédio de ofício, datado de 17/06/2013, de que fora instaurada sindicância para apurar a eventuais irregularidades na CEJA/PR, em cujo corpo revoga qualquer autorização para interveniência da ONG LIMIAR e de AUDELINO DE SOUZA em processo de adoção internacional. O Tribunal apresentou também à CPI documentos que demonstram admissão da ONG LIMIAR, em 1992, como intermediária de adoções, e de AUDELINO DE SOUZA, em 1993, como representante da ONG.

HELENA MARIA CURVELLO SARHAN é suspeita de intermediar adoções ilegais em SP, se de fato era uma das pessoas que intermediava as adoções no TJ/SP, como “representante particular”, mencionada no estudo (), em que pese apresentar-se naquele tribunal como psicóloga e ter seu registro cancelado no conselho Regional de Psicologia.

No site do TJ/SP consta a seguinte nota:



Há que se registrar, que segundo o Auditor Federal WILSON DIAS MALNATI, do TCU, que atua em auxílio à CPI, após análise preliminar das informações protegidas por sigilo bancário, concluiu pela existência de várias irregularidades e indícios, os quais, dadas as características sigilosas, encontram-se no acervo reservado desta CPI.

Também é imprescindível obter resposta ao Ofício expedido em 03/07/2013, pela CPI, em decorrência do Requerimento nº 162/2013, que solicitou à Comissão Estadual Judiciária de Adoção - CEJA do estado do Paraná, a relação de todas as crianças e todos os adolescentes que tiveram suas adoções intermediadas por AUDELINO DE SOUZA e/ou pela ONG LIMIAR, bem como o resultado da Sindicância instaurada.

Esta Comissão colheu depoimentos relativos ao caso, que passamos a transcrever suscintamente.

DEPOIMENTO DO SR. ULISSES GONÇALVES DA COSTA - Presidente da ONG Liminar – Associação de Apoio à Criança e Família Substituta.

Negou que a ONG faça intermediação na adoção internacional de crianças. Disse que, desde 1999, a ONG perdeu o direito de se cadastrar para esse fim, tendo em vista a Convenção de Haia.

Afirmou que conhece o Sr. Adelino Lino e que este age por conta própria na intermediação de adoções internacionais de crianças, embora utilize o nome da ONG Limiar. O depoente apontou que isto pode estar ocorrendo por conta do vínculo histórico do Sr. Adelino com a Limiar, pois, no passado, antes de 1999, ele prestava serviços à ONG, como traduções, acolhimento de pessoas que vinham do exterior, entre outras tarefas, recebendo remuneração pelos serviços realizados.

Negou as informações contidas no site da Limiar na internet, dizendo que não correspondem à verdade, que estão desatualizadas e que são de responsabilidade da Limiar dos Estados Unidos, e não da brasileira.

Negou haver vínculo entre a Limiar do Brasil e a dos Estados Unidos. Disse que mantém convênio com a Prefeitura de São Paulo e que presta contas de tudo que é feito.

DEPOIMENTO DA SRA. PATRÍCIA LAMEGO – Ex-servidora da Autoridade Central Federal.

Disse que a Autoridade Central acompanha as adoções internacionais e é responsável pelo cadastro de organismos internacionais para intermediar adoção.

Criticou o fato do Brasil realizar atividades de adoção com países que não são signatários da Convenção de Haia. A seu ver, essas adoções só deveriam ocorrer com países signatários da Convenção, o que facilitaria o controle dessas adoções e implicaria na obediência às regras estabelecidas, inclusive porque o cadastro de organismo internacional para intermediar adoções pressupõe a autorização dos dois Estados.

Afirmou a depoente que a Limiar nunca esteve cadastrada junto à Autoridade Central Federal como organismo credenciado para a intermediação de adoções e que esse cadastro é repassado pela Autoridade Central Federal ao Judiciário.

Relatou que, no momento da criação da Autoridade Central Federal, em 2003, havia 47 organismos internacionais cadastrados e que, após análise rigorosa dessas instituições, esse número foi reduzido para 21.

Disse ainda que há um entrelaçamento de pessoas da mesma família em diversos organismos internacionais que fazem a intermediação de adoções, de modo que essas famílias estão sempre participando dessa atividade.

Criticou o fato do Poder Judiciário não estar obrigado a informar ao Itamaraty acerca dos processos de adoção internacional. Informou que o cadastro nacional de adoção não é respeitado e que muitas adoções são feitas intuito personae.

Sugeriu que os CEJAs e a Autoridade Central Federal tenham uma estrutura mínima, evitando uma rotatividade que pode ser prejudicial ao interesse público, e defendeu a extinção da figura do colaborador nos processos de adoção.

Comentou ainda a necessidade de que as crianças adotadas por residentes de outros países tenham assegurada a cidadania logo após a sentença de adoção.

Disse que noventa por cento das crianças brasileiras adotadas vão para a Itália e que há Grupos de Apoio à Adoção que não têm controle da Autoridade Central.

DEPOIMENTO DO SR. AUDELINO DE SOUZA – Representante da ONG Limiar.

Disse que as adoções intermediadas eram de crianças que estavam na CEJA em situação de adoção, porque já tinham sido destituídas do poder familiar e já estavam aptas para uma adoção internacional.

Disse que intermediou em torno de 360 crianças nesses 20 anos e que todas as crianças passam por um processo na comarca de destituição do poder familiar. Explicou que, via diplomática, quando um dos pais é residente no exterior e brasileiro, ele pode adotar diretamente com a CEJA, no Paraná.

Confirmou que continua, perante a CEJA, como representante da Limiar e autorizado a fazer essa ponte entre a CEJA e os Estados Unidos.

Referiu-se a uma reunião anual, realizada nos Estados Unidos, onde as famílias que adotaram levam as crianças para conhecer outras que foram adotadas. Disse que nessa ocasião são realizadas atividades culturais, como apresentação de capoeira e exibição de filmes brasileiros.

Disse ainda que, até 2000, tinha registro em carteira e recebia honorários pela Limiar São Paulo e pela Limiar Brasil. Explicou que a Limiar Estados Unidos foi criada para arrecadar fundos para a Limiar Brasil.

DEPOIMENTO DA SRA. TARCILA SANTOS TEIXEIRA – Membro do Ministério Público.

Comprometeu-se a entregar cópia da ação de destituição do poder familiar, cópia do processo de habilitação de casal estrangeiro feito pelo CEJA — Comissão Estadual Judiciária de Adoção e cópia do processo de adoção.

Pela importância do depoimento sobre destituição do pátrio poder e entrega de crianças para adoção, passaremos a transcrever a fala da depoente:

“O processo maior de destituição de poder familiar, só para nós estabelecermos uma data, teve seu início a partir de um relatório do Conselho Tutelar, que está bem no início, pág. 12, datado de 21 de novembro de 1999. Esse relatório foi encaminhado ao Ministério Público dando conta de que:

“Naquela data, por volta das 21 horas, o Soldado Fulano de Tal, da Polícia Militar, deslocou-se até à residência do Conselheiro João Assiris Tansk, levando, em sua companhia, o menor Arivaldo dos Santos, filho de Antônio Everaldo e Maria Rivonete.

Segundo relatos do soldado, este foi chamado pelo menor, pois seu pai encontrava-se alcoolizado, ameaçando espancar sua mãe e, com a chegada da polícia, o mesmo evadiu-se do local. Mas, por ter ameaçado o menor com uma faca, este ficou com medo de que, ao retornar a sua casa, o pai pudesse vir querer a se vingar dele. Como não tinha um local onde pernoitar, o menor ficou na residência do Conselheiro acima citado.

Informamos que, basicamente, todo final de semana o Sr. Antônio Everaldo faz uso de bebidas alcoólicas, torna-se violento, e ameaça espancar a família. O Sr. Everaldo é uma pessoa que não desempenha as suas obrigações de pai, vive sem trabalhar, não faz questão nenhuma de procurar por emprego, prefere viver por bares, bebendo, e deixando assim a sua família passar por necessidades”.

Eu li este relatório por quê? É claro que eu não posso ler todo o processo, mas para mostrar para os senhores qual foi a motivação inicial da minha iniciativa. E qual foi a minha iniciativa? No dia 30 de novembro de 1999, eu apresentei ao Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude um pedido de autuação como procedimento para aplicação de medida de proteção. Eu pedi a aplicação da medida de proteção, eu pedi que fosse determinado ao Conselho Tutelar que realizasse breve estudo social do caso e pedi que seja designada audiência para ouvir a Sra. Maria Rivonete Santos.

Então, na primeira fala que eu tive no processo, eu já pedi para que nós marcássemos data para ouvir a mãe. Deixo isso bem marcado e deixo a data bem marcada. Gostaria que todos acompanhassem que esse meu pedido de instauração do processo data de 30 de novembro de 1999.

O que é uma medida de proteção, o processo para aplicação de uma medida de proteção? O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, no seu art. 101, várias medidas de proteção que podem ser aplicadas em favor da criança e refletem na família — porque eu sempre digo que não adianta nós querermos trabalhar a criança se não trabalharmos a família.

Então, esse processo de medida de proteção tramitou até 2001. E o que aconteceu nesse meio? Todo tipo de investimento foi ofertado à família: a família teve acompanhamento de assistente social, teve acompanhamento do Conselho Tutelar; a família recebeu investimento material; a família foi orientada dentro do fórum, em audiência formal, onde assinaram o que estava acontecendo e o que poderia vir a se colher como consequência, caso não houvesse uma alteração de conduta. E o processo caminhou neste sentido.

Eu gostaria que os senhores verificassem que as assinaturas dos pais estão em mais da metade das páginas deste processo, com intimações, com acompanhamento de audiências e tudo mais.

Já em janeiro de 2000, ou seja, 2 meses, veio um novo relatório. Eu estou fazendo questão de acompanhar isso pelo processo porque são informações que estão registradas e são provas produzidas num processo judicial em que se observou o devido processo legal, o direito à defesa, o direito ao contraditório, há depoimentos de profissionais, há provas colhidas. Eu não estou falando isso da minha cabeça, certo?

No dia 4 de janeiro de 2000, o Conselho Tutelar apresenta um relatório que está a págs. 19 do processo dando conta de que:

“Estudo realizado na data de 04 de janeiro de 2000, onde podemos constatar a precária situação em que a família vive, condições de higiene são inexistentes, vivem em meio a uma sujeira sem igual, convivem com verdadeiros enxames de moscas, o quintal da residência é cercado de fezes, cachorros, muitas vezes doentes, com sarna, por exemplo, toda espécie de lixo que as crianças possam carregar são jogados em volta da casa.

Podemos observar também que, a cada visita por nós realizada, encontramos as crianças completamente nuas e sujas, e mãe, a Sra. Maria Rivonete, parece não se importar com a situação, pois, quando questionada sobre os fatos, nos relata que sempre coloca roupas nas crianças, mas elas não param vestidas porque preferem andar peladas, andar nuas”.

Ao final eles colocam: “Informamos que o Sr. Antônio Everaldo esteve em tratamento apenas por 15 dias, recusando terminantemente a continuar o tratamento já na referida casa de saúde, prometendo a todos com quem conversa que não irá mais beber e que vai cuidar da família. Por isso, esse já participou de uma reunião do AA e nos prometeu que não deixará de participar dessas reuniões”.

Muito bem, esse encaminhamento para tratamento de alcoolismo foi feito como uma das primeiras medidas tomadas pelo pessoal da assistência social, da equipe que compõe a rede de proteção, justamente para vencer aquele problema, porque todos nós, eu sei e a equipe que trabalhava, na época, na Prefeitura, no Conselho Tutelar, sabia, que alcoolismo é doença. Nós sabemos muito bem disso. Nós respeitamos uma pessoa doente e ajudamos ela a se tratar. Só que a pessoa tem que também aderir ao tratamento. Nós não podemos obrigar uma pessoa a fazer um tratamento se ela se recusa. Nós não podemos obrigar a pessoa a aceitar a ajuda que nós estamos oferecendo.

Muito bem. Assim, na sequência, nós temos vários estudos sociais. Nós temos já, à folha 21, nova informação dando conta de que a família está se mantendo graças à cesta básica do Programa Comunidade Solidária e também ao auxílio da comunidade. Lá embaixo, situação de saúde: todas as crianças apresentam problemas de pele, feridas e alto índice de contaminação por vermes.

Esses relatórios são todos oficiais e estão todos dentro do processo.

Parecer do Conselheiro:

“Tendo em vista a situação encontrada, não vemos, em curto prazo, a melhoria das condições da família citada. O pai e a mãe não apresentam a menor vontade de, junto com os seus filhos, levar uma vida melhor e decente. Com a comodidade de poder levar quatro filhos para a creche municipal e outro para a APAE, a mãe não faz questão alguma de melhorar a sua atual situação, mesmo porque permanece durante todo o dia na creche, onde presta serviços e faz as refeições do dia, deixando, portanto, o marido e os filhos mais velhos à própria sorte”.

E, no final, ele conclui: “Sendo assim, a única fonte de sobrevivência da família tem sido a cesta básica do Programa Comunidade Solidária e doações da municipalidade”.

À folha 24, os senhores vão encontrar o mandado de intimação da Sra. Maria Rivonete Santos, para ser ouvida no fórum, e, logo atrás, a certidão de que ela foi efetivamente intimada. Na sequência, no dia 10 de fevereiro de 2000, ela é ouvida no fórum, na presença do Juiz de Direito e na presença da Promotora de Justiça — na época, eu. E ela assina, aqui, no verso. Ela coloca que...

Nessa ocasião, ela foi inquirida acerca daquelas notícias que nós tínhamos no processo para que explicasse o que estava acontecendo. Ela disse que, desde que se casou, o seu marido se deu ao vício de ingerir bebida alcoólica; que sempre chegava alcoolizado em casa e agredia a depoente e, às vezes, até os filhos; que, em certa ocasião, Antônio inclusive ameaçou as crianças com um facão; esclarece a depoente que o Antônio queria pôr fogo em toda a casa, tendo a mesma que se retirar com todos os filhos; que consente que Antônio permaneça na residência porque presume que será melhor para os seus filhos.

Quando ela respondeu a essa questão de que ela consente foi porque eu perguntei a ela por que ela tinha permitido que ele voltasse, se ele tinha sido afastado por conta dessas agressões, dessa violência contra a família. E ela acabou consentindo. Ela disse que achava que era melhor.

Ao final, responde a depoente que tem conhecimento de que, da situação em que se encontram os seus filhos, poderá até vir a perdê-los. Na sequência dessa audiência, eu me manifestei no processo e pedi, a folhas 27 — o senhor pode verificar —, a aplicação da medida da advertência, que é uma medida prevista no art. 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu inciso VII, que são as medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis. São várias medidas ali, inclusive suspensão e destituição do poder familiar. Mas nós, obviamente, iniciamos tentando resgatar essa família, tentando dar um alerta em relação à situação que estava se verificando ali, e que não poderia continuar, sob pena de as crianças acabarem sendo atingidas ou vítimas de alguma coisa mais grave.

Então, eu iniciei — página 27 —, no dia 18 de fevereiro de 2000. Eu pedi ao juiz que aplicasse a medida de advertência como forma de tomada de consciência e de alerta e pedi também que fosse determinado ao Conselho Tutelar que procedesse ao acompanhamento e à orientação ao casal, pelo período de 3 meses, emitindo relatório circunstanciado.

Muito bem, na sequência, os senhores veem o despacho do Juiz de Direito deferindo e designando audiência de advertência para o dia 14 de março de 2000. Na sequência, intimações. O casal é intimado. E, a folhas 31, o termo de audiência, onde, os senhores podem perceber, estão a assinatura do casal, a assinatura do juiz e a assinatura do então Promotor de Justiça, Dr. Ricardo Kochinski Marcondes.

Consta do termo: “O Meritíssimo Juiz alertou o casal de suas responsabilidades para com os filhos e mesmo para a com a residência, ficando ambos cientes de suas atribuições para com os filhos, bem como esclarecidos de que a situação não deve mais se repetir. Situação essa verificada nos presentes autos; que o Sr. Antônio e a Sra. Maria Rivonete dos Santos ficam cientes, a partir de agora, de que não devem mais repetir as situações relatadas pelo Conselho Tutelar”. Isso, em 14 de março de 2000.

Já no dia 7 de julho de 2000, o acompanhamento continuava, as crianças continuavam com os pais. Desde o primeiro momento sempre estavam com os pais.

Em 7 de julho de 2000 vem a notícia que: “Referente à casa, temos a informar-lhes que as condições encontradas são terríveis: fezes humanas ao redor da casa, lixo espalhado ao redor dela, restos de comida espalhados em cima da mesa e do fogão, tudo desorganizado, uma verdadeira bagunça. Além disso, o casal possui grande número de cachorros, o que, muitas vezes, dificulta o acesso à residência. Sempre que realizadas visitas na família, é comum encontrarmos cachorros dormindo em cima das camas.”

Na sequência, eu gostaria que os senhores prestassem bem atenção a esse trecho, porque é um trecho que certamente será objeto de comentários: “Informamos, ainda, que, em contato com o Sr. Renato e também com o Sr. Nelson Lechinski, esses nos relataram que quando chega o caminhão de lixo os filhos da Sra. Maria Rivonete vão remexê-lo e não admitem que alguém chame sua atenção. E quando comunicado à Sra. Maria Rivonete, esta defende os filhos, dizendo que os senhores acima citados não mandam no lixo local onde trabalham, sendo que, muitas vezes, ela mesma vai junto com os filhos.”

Relatamos, ainda, que o Sr. Antônio Everaldo, depois que fez tratamento de alcoolismo, ficou meses sem beber, mas, no momento, aos poucos, o senhor já citado vem ingerindo bebidas alcoólicas, como nos relatou a sua esposa, Maria Rivonete.

Na sequência, o juiz dá um despacho no processo. E os senhores observem que esse processo anda do juiz para o promotor; o promotor faz os requerimentos; o juiz defere ou não defere. Ou seja, nós temos um devido processo legal, nós temos rigorosa observância da lei, porque até então, até pouco tempo atrás parecia que não existia juiz nesse processo. O juiz despacha dizendo: “Tendo em vista o lamentável relatório às folhas 23 e 24, dê-se vistas ao Ministério Público”.

O processo vem para mim, e eu me manifesto no dia 11 de julho de 2000, entrando com pedido de suspensão do poder familiar. Essa minha manifestação, de três laudas, data do dia 10 de julho de 2000.

O que é a suspensão do poder familiar? Vejam, hoje em dia, nós sequer entramos com um pedido de suspensão do poder familiar de forma isolada. Nós entramos com ação de destituição do poder familiar e pedimos liminarmente a suspensão. Mas, como, neste caso, efetivamente não havia... nós não tínhamos efetivamente a ideia de que fosse culminar com uma destituição, nós apenas queríamos proteger as crianças daquela situação e ter mais condições de exigir da família uma mudança de conduta, uma mudança de postura... Nós precisávamos exigir desse pai um tratamento, nós precisávamos exigir que essa mãe cuidasse da alimentação, cuidasse da casa, trabalhasse, que esse pai trabalhasse. Enfim, que se comportassem como pais e mães de um grupo de nove filhos, à época.

Então, eu entrei com uma ação com um pedido de suspensão do poder familiar. Apenas suspensão. O que é? O nome já diz: suspende o poder familiar, por hora, enquanto se trabalha em cima das deficiências da família, sempre naquela busca do resgate social, da busca do vencimento da situação de risco.

Muito bem, nessa ocasião foi pedida a suspensão do poder familiar, com o acolhimento das crianças na casa-lar, no caso, à época, e também foi requerida a produção de provas, designação de audiência e tudo mais.

Esse pedido de suspensão do poder familiar foi deferido no dia 12 de julho de 2000 e foi determinado o acolhimento das crianças. A decisão do juiz de Direito está a folhas 38, determinando o acolhimento. Contudo, como V.Exas. já devem ter conhecimento, as vagas em instituições de acolhimento são sempre muito difíceis. É sempre muito difícil se conseguir uma vaga para encaminhamento de crianças. E nessa época, em 2000, a Casa Lar de São João do Triunfo não existia, não funcionava, a Prefeitura a estava construindo, e ela não estava pronta para receber crianças. Nós não tínhamos nenhum abrigo em São João do Triunfo nessa época, até essa época, julho de 2000. Então, o Juiz de Direito determinou à escrivã que providenciasse vaga em entidade de abrigo pra encaminhamento dos menores pra outras cidades. E isso realmente não aconteceu, porque não se obtiveram vagas. As crianças então permaneceram, ainda que com a ordem de suspensão do poder familiar, as crianças permaneceram com os pais. Vejam, nós estamos falando de julho de 2000.

À folha 40, os senhores podem observar, há a citação dos pais, onde eles assinam, ambos assinam, que estão sendo citados, e receberam cópia da decisão que determinou a suspensão do poder familiar e o acolhimento das crianças, mesmo que esse acolhimento não tenha se efetivado.

Nesse momento, nós imaginamos que o casal, verificando que a Justiça efetivamente está tomando providências mais rigorosas pra garantir uma mínima proteção às crianças, eles poderiam ter reagido, poderiam ter revertido todo esse quadro, que é efetivamente o que a gente sempre espera.

À folha 41, o casal requerido apresenta, através de advogado, rol de testemunhas para serem ouvidas no processo. O advogado arrolou três testemunhas que foram indicadas pelos pais para serem ouvidas judicialmente.

Às folhas 43, a juntada de procuração do advogado.

E às folhas 44, o juiz designa uma audiência pra ouvir as testemunhas tanto indicadas pelo Ministério Público, quanto indicadas pela parte. As intimações acontecem: a intimação do casal, a intimação do advogado às folhas 49, e a intimação do casal às folhas 50. Observem que é feita uma intimação para o advogado e uma para o casal.

No dia 5 de setembro de 2000, acontece a primeira audiência de oitiva de testemunhas. Eu só gostaria de deixar bem registrado, Srs. Deputados, que em todos esses depoimentos, que são bastante longos, os senhores vão poder observar a assinatura de ambos os requeridos ao final de cada depoimento, haja vista que eles acompanharam os depoimentos; e, mais do que isso, se os senhores pudessem observar que em todos os depoimentos nós temos reperguntas pelo advogado dos requeridos. Ou seja, houve uma defesa efetiva. Houve uma defesa como deve ser: uma defesa que fez reperguntas, que arrolou testemunhas e que participou ativamente do processo.

Aqui, nós temos informações muito importantes. A primeira testemunha viu o Sr. Adriano Górdia, que era conselheiro tutelar... Ele relata, entre um depoimento de praticamente quatro páginas — eu vou só passar alguns trechos para os senhores acompanharem — que receberam notícia da escola que os filhos do casal não estavam frequentando a escola; que, efetivamente, o Sr. Antônio foi internado, mas a duração não foi mais do que 30 dias; que, mesmo diante de todos os conselhos que realizavam durante todas as visitas a situação nunca melhorava quando da situação posterior; que, inclusive, as próprias crianças retiravam objetos do lixão e traziam para o interior da casa; que constatou-se a existência de fezes, inclusive dentro da cozinha, e que também havia fezes no quintal, perto da residência; que algumas vezes constatavam-se dois ou três cachorros perambulando no interior da residência; que os requeridos são beneficiários do Programa Comunidade Solidária, da Prefeitura; que as crianças não tomavam banho; que as necessidades fisiológicas eram feitas no próprio terreno onde estava localizada a casa; que o filho maior não vem frequentando a escola; que o depoente esclarece que, na verdade, não vem frequentando regularmente a escola; que o depoente confirma que na maior parte das vezes, após ingerir bebida alcoólica, Antônio acaba por agredir e expulsar a família de casa; que anteriormente ficou consignado que, como a Maria Rivonete não trabalha fora, era dona de casa, e que, agora — o depoente esclarece —, embora isso, Maria Rivonete não zela, nem cuida da casa e dos alimentos que recebe do Programa da Prefeitura; que Maria Rivonete se mostra desleixada com os cuidados da casa; que, inclusive, em certa ocasião, dirigiram-se até a residência, sendo que não havia ninguém. No entanto, constataram que, além da comida que estava espalhada pelo chão, havia um saco de feijão, que era um saco de 10 quilos de feijão, sendo que o mesmo estava aberto; que em cima do saco de feijão havia um cachorro dormindo (...)”

FOI REALIZADA TAMBÉM A SEGUINTE ACAREAÇÃO PELA COMISSÃO ENTRE OS SRS. ULISSES GONÇALVES DA COSTA E AUDELINO DE SOUZA, INTEGRANTES DA ONG LIMIAR.

A acareação foi determinada pela Comissão tendo em vista as seguintes discordâncias nos depoimentos prestados individualmente perante a CPI:

O Sr. Ulisses disse não conhecer bem o Sr. Audelino, que só tinha com ele contatos profissionais esporádicos, enquanto o Sr. Audelino afirma conhecer bem o Sr. Ulisses e que tinha sim contato com ele.

O Sr. Ulisses disse que o Sr. Audelino não representa mais a Limiar e o Sr. Audelino afirmou que representa a ONG Limiar e que faz intermediação de adoção internacional em nome da Limiar.

O Sr. Ulisses disse que não paga salário para o Sr. Audelino e o Sr. Audelino confirmou que recebe salário da Limiar.

O Sr. Ulisses negou que a ONG Limiar continua fazendo intermediação em adoção internacional, enquanto o Sr. Audelino disse que a Limiar continua intermediando as adoções internacionais.

O Sr. Ulisses disse que a Limiar é independente da ONG americana e o Sr. Audelino afirmou que as duas são interligadas, que a Limiar tem uma reunião anual nos Estados Unidos, da qual ele costuma participar e que a Limiar paga as despesas.

O Sr. Ulisses disse que a Limiar não é mais cadastrada para fazer adoções internacionais, mas o Sr. Audelino confirmou que continua cadastrado junto à CEJA, como representante da Limiar, para intermediar adoções.

DEPOIMENTO DO SR. AUDELINO DE SOUZA – Representante da Limiar.

Disse que, há vinte anos, faz intermediações no Paraná, junto ao Tribunal de Justiça, em nome da Limiar e que a Limiar faz o trabalho burocrático pela via diplomática.

Disse que recebia salários pela Limiar de São Paulo até 2005, por intermédio da Sra. Helena e que, após esse período, passou a receber pagamento do Sr. Ulisses e que conheceu o Sr. Ulisses em 2010.

Afirmou que a Limiar não é uma agência de adoção, mas que é cadastrada junto à CEJA do Paraná para realizar intermediação nos processos de adoção internacional.

Confirmou que continua trabalhando para a Limiar como autônomo e recebendo pagamento da ONG.

Relatou que, recentemente, por conta das investigações da CPI, a Limiar encontra-se suspensa nos processos de adoção, mas que, até início de 2013, continuava intermediando processos de adoção e que ele, Audelino, recebia pagamento do Sr. Ulisses.

Negou ter recebido qualquer dinheiro das famílias adotantes e disse ser possível que tenha pago despesas das famílias no Brasil, que lhe teriam restituído essa quantia posteriormente.

DEPOIMENTO DO SR. ULISSES GONÇALVES DA COSTA – Diretor da ONG Limiar.

Disse que os processos de adoção são feitos pelo Judiciário e decididos por sentença do juiz, o que, a seu ver, legitima a atuação da Limiar, que apenas faz a intermediação.

Voltou a afirmar que, depois de 1999, a Limiar teve sua estrutura paralisada, já que os Estados Unidos não assinaram a Convenção de Haia, o que inviabilizava o credenciamento da ONG para intermediar adoções internacionais.

Disse que os pagamentos ao Sr. Audelino são feitos pela ONG Limiar dos Estados Unidos, via Limiar Brasil. Afirmou que o contato que teve com o Sr. Audelino foi por telefone para definir a questão dos pagamentos.

Argumentou novamente que a ONG Limiar dos Estados Unidos não tem vínculo com a Limiar do Brasil e que o Sr. Audelino é capitaneado pela Limiar dos Estados Unidos.

Negou o recebimento de qualquer pagamento feito pela ONG Limiar e disse que se sustenta com os ganhos de Consultor da área farmacêutica.

DEPOIMENTO DO SR. MARCEL LEE PAUL – RETIRADO DA FAMÍLIA POR TRAFICANTES DE PESSOAS PARA ADOÇÃO, CUJA INTERMEDIAÇÃO FOI FEITA PELA ONG LIMIAR.

(Exposição em inglês, com tradução de João Jorge de Abreu Gonçalves.)

TRADUÇÃO DO DEPOIMENTO FEITA PELO SR. JOÃO JORGE DE ABREU GONÇALVES – Intérprete

Tendo em vista a importância e a gravidade dos fatos, transcrevemos os principais trechos do depoimento, na forma da tradução feita pelo intérprete:

“Ele está dizendo que, quando era criança, ele morava juntamente com o seu pai, a mãe dele também, a irmã, e o pai dele tinha... Ele estava caminhando com o pai dele pela rua para pegar o ônibus, estavam caminhando uma longa distância. Ele estava seguindo o pai dele, a irmã também, e o pai dele estava caminhando muito rápido, ele estava tentando seguir ele. Eles estavam procurando a casa dos familiares, foram em vários lugares e não encontraram o lugar certo.

Voltaram pro ônibus, foram por um caminho errado, e aí, no meio desse percurso, ele se perdeu. Então, nesse ínterim, ele tentou pegar outro ônibus, pegou o ônibus errado, viu o número do ônibus, que era o número errado, e ele se perdeu da família. E aí ele estava com fome, tentou arranjar alguma ajuda para conseguir comida, bateu na porta de alguém, e uma senhora atendeu à porta, ligou, e, 5 minutos mais tarde, a polícia apareceu. E pegaram ele, e a Raquel também, que é a irmã. A polícia tentou localizar os parentes, o pai e a mãe, os familiares, e aí levaram eles para a delegacia.

Tentaram fazer várias ligações para localizar os familiares, mas sem sucesso. Aí ele ficou na delegacia por um tempo, e ele foi levado para um centro de acolhimento, onde tinha uma série de outros jovens. A polícia sempre manteve uma posição mais ou menos distante em relação à pessoa dele, e uma senhora... E ele está falando que se lembra de um episódio que vai descrever agora. Eles tiraram umas fotos, e ele perguntou: “Por quê?” E eles disseram: “Simplesmente queremos tirar uma foto sua”.

Então, fizeram a foto e tentaram recolher os dados pessoais dele para que ele assinasse inclusive alguma informação relativa à pessoa dele. Para ele, ele era bem pequeno à época. Ele tentou fugir inclusive. Ele queria encontrar os pais, como é óbvio, não é? É uma situação difícil, como todos entendem. Ele tentou, inclusive, a ajuda de várias pessoas, mas ninguém conseguiu levá-lo até os pais. Na época, ele tinha cerca de 9 anos de idade. A irmã dele era mais nova, e ele não precisou exatamente a idade da irmã. E as pessoas tentavam falar com ele, mas, como ele tem incapacidade auditiva, a comunicação era bastante complicada e difícil. E ele tem uma personalidade bastante tímida também. Tudo isso dificultou a comunicação. Ele está contando o episódio de um dia em que um policial chegou a colocar uma arma na boca dele.(...)

Eu queria saber por que eu estava com a polícia. Como eu não posso ouvir, eles me empurravam para que eu falasse, e eu não entendia. Então, eles me levaram para outro local, eles me mudaram de local. Eu fiquei por 2 horas em trânsito, outra pessoa apareceu, outro homem veio, onde jogávamos futebol. O transporte foi feito em um carro preto. Eu nem percebi, eu estava brincando quando me chamaram e eu disse que não iria. Então a Raquel foi caminhando, eu estava jogando bola. Eu posso jogar bola com a Raquel aqui, então estava... Uma senhora. Quem é aquela senhora? Eu não sei. Ela falava num idioma que eu não entendia. Havia um homem, ela fez um sinal de adeus, eu disse que não iria para outro país. Eu era uma criança, não entendia. Então essa senhora, tentando falar comigo, ela falava um idioma que eu não entendia. Certa vez, no carro, havia um homem conduzindo esse carro,

querendo saber onde eu morava. Aquele homem fazia algum tipo de anotação. Eu lembro que ela estava assinando papéis. A senhora, o nome dela ela Cheryle Paul. Ela tinha fotos nossas, ela tinha uma foto da Raquel. Eu disse adeus a todos, e a Cheryle Paul disse: “Você precisa ir”. Um dia, ficamos em um hotel. “Temos que ir.” Ela me deu um carrinho de brinquedo para que eu brincasse, eu não queria, eu o joguei, eu o lancei. Eu tentei fugir do hotel.(...)

Mas ele não sabia onde estava em São Paulo. Depois eles entraram no carro outra vez e foram. Seguiram sempre com um papel, as pessoas assinando papéis e também passaportes, carimbos. Ele olhou para o seu nome, o último nome. Ele não reconhecia o seu nome, porque o nome era diferente. O nome do meio da Raquel estava correto, mas o dele não estava. O último nome, ele realmente não reconheceu.

Essa pessoa, a Cheryle, tinha dinheiro com ela. A Raquel não entendia o que se passava. A Cheryle queria que ele fosse para a prisão. Ele se sentia numa situação esquisita, que algo não estava correto, porque ela falava num idioma que ele não entendia. Entraram no carro mais uma vez, e a Cheryle disse: ‘Vamos! Vamos!’ Foram para o aeroporto e saíram do Brasil. “Temos que sair!” Ele se lembra de que ela tinha um bilhete que dizia “Flórida” e que ela foi para o Estado de Washington. Ele se lembra disso.

Quando ele era criança, não sabia que “FL” era Flórida, mas, depois que cresceu, passou a entender. A Cheryle não queria que ele falasse português. Ela queria, obviamente, que ele aprendesse o idioma local, o inglês. Ele ficou com muita raiva, ficou bastante chateado.(...) Era 1985, e havia um papel que dizia: “Brasil, 1985”. Ele pensou que eles iam voar e permanecer no Brasil, mas não, eles saíram do Brasil. A Cheryle tornou-se sua mãe adotiva. Ele falava com a Raquel: “Nós vamos sair”. Eles estavam juntos, e ele explicou à Raquel. A Cheryle vive nessa região do Estado de Washington, Spokane. É próxima a Vancouver, no Estado de Washington. Cheryle, a sua mãe adotiva, e seu pai vivem nessa região no Estado de Washington. Ele tentava me comunicar, mas era difícil se comunicar por causa do idioma. Então, ele foi à escola para aprender a linguagem de sinais, o idioma deles também, para começar a se comunicar. A Cheryle ficava chateada, ficava com raiva e dizia “não” ao português, ao idioma do Brasil. Ela não queria que ele falasse português. Ele tinha vários professores, tutores, que iam constantemente mudando porque ela não gostava dos professores.

Quando ela não gostava do professor, ela pedia a troca de professor. Ele foi para o Estado de Washington, uma escola para surdos, onde todos são surdos. Cheryle matriculou-o em Seattle, no Estado de Washington. Ele sofreu violência física por 8 anos, apanhando, abuso físico por 8 anos. Ele apanhou durante 8 anos.(...)

Ele diz que Cheryle é uma mentirosa. Raquel o chamou para dizer: “O que aconteceu? Oito anos?” Separaram-se depois, porque Raquel disse que ele batia nela, mas era uma mentira.(...) Ele falou com os avós que queria ver a Raquel, e eles disseram. “Tudo bem, aguarde um pouquinho”. Dois dias depois, ele perguntou aos seus avós: “E a Raquel?” E os avós: “Espere!” E ele falou: “Olha, vocês estão mentindo. Eu quero ver a Raquel. Vocês não podem nos separar. Ela é minha irmã”. Ele estava chateado. Ele tentou bater nos seus avós, estava com muita raiva. “Ela é minha irmã, Eu sou o mais velho. Eu posso cuidar da minha irmã, não vocês.” Certo dia, Cheryle estava em Seattle e ele, em Vancouver, com os avós, eles atenderam ao telefone, porque a Cheryle tinha ligado — os dois ao telefone, o avô e a avó. Cheryle falou para os avós dele: “Eu quero que o Marcel volte para o Brasil”. E o meu avô disse: “Não, não, voltar para o Brasil, não. A Raquel, sim”. E o avô disse: “Não”. O avô estava chateado com a avó e com a Cheryle: “Por que o Marcel? Por que mandar o Marcel para o Brasil?” O Marcel não entendia também por que ele, por que isso acontecia com ele.(...)

O avô encontrou a Cheryle e a avó. O avô ligou para a avó e disse: “Vocês estão erradas,não quero que o mandem embora”. Ele foi para a escola, o ensino médio. O avô era bom para ele; a avó, não; a Cheryle também não. O avô morreu em 2001. Um dia, a Cheryle e a avó estavam conversando. Ele tinha um aparelho auditivo, ele não gostava da avó e, como não estava escutando a avó, colocou o aparelho auditivo para poder escutar. E ele escutou a Cheryle e a avó ao telefone e escutou a Cheryle falar. Então, ele empurrou a avó e disse: “Eu quero ir para casa, eu quero ir para o Brasil”. E aí a avó disse: “Eu tentei o máximo”. Ele tentou escutar mais, mas elas desligaram o telefone. E ele escondeu o aparelho auditivo, para que não o tirassem dele. A avó estava falando com ele e perguntou: “Você quer voltar para o Brasil? Você quer voltar para casa? Eu vou pagar para você ir para a casa”. E eu perguntei: “E a Raquel?” E a avó respondeu: “A Raquel não, a Raquel vai ficar”. E ele respondeu: “Então, eu também não vou, vou ficar também”. Ele disse: “Você é má, você é ruim”. Ele utilizou inclusive palavrões para tratar a avó, que não vou usar aqui. Aí a avó também faleceu em 2005. E a Cheryle se mudou de um Estado para outro.(...)

Isso, ela se mudou para ver a mãe, antes de a mãe falecer. Cheryle tinha uma professora que era mais velha. E ela vivia em Vancouver, Estado de Washington. Ele tinha uma bicicleta e, depois do trabalho, podia voltar para a casa. Um dia, o seu professor estava falando com a Raquel e perguntou: “Você ficou com raiva por causa do negócio relacionado com a bicicleta?”(...)

Ele estava tentando comunicar tudo isso com o professor, e estava com raiva. O professor estava agarrando a Raquel, tentando agredir a Raquel, e ele estava tentando proteger a irmã. “Não agarre ela assim, deixe a minha irmã em paz!” Ele pediu: “Deixe ela! Deixe ela! Largue ela!” O professor empurrou a Raquel, e ele reagiu também. Aí ele gritou, a Cheryle veio e ele falou para ela: “O professor é mau, o professor é ruim. Por que ele estava fazendo isso com a Raquel?” E aí o professor respondeu: “Eu sou o chefe”. Ele falou: “Não, você não é chefe. Você é simplesmente meu professor”. Ele ficou com raiva, a cara vermelha. E a Cheryle não fez nada, simplesmente não reagiu, manteve-se calada, sem qualquer reação. Ele pediu para a Cheryle: “Reage, faz alguma coisa, fale com o professor para ele não fazer isso! Por que ele está fazendo isso com a Raquel?” Ele disse à Cheryle: “Eu estou com raiva de você, você não fez nada, você deveria ter reagido”. A Raquel estava tremendo, mas ele não, porque ele não estava com medo, ele queria era resolver a situação. Ele não se importava se ele fosse para a prisão, ele queria só proteger a irmã do professor. E aí a Cheryle e o outro professor, que era mais novo, portanto, um outro personagem, um outro professor que também ia lá, mantiveram-se calados. Ninguém disse nada, todo mundo conivente com a situação. Ele tentava proteger ao máximo a irmã Raquel, porque ele não queria que ela sofresse.(...)

A Raquel, quando estava morando em Seattle, a Cheryle tentou pedir uma bolsa de estudos para a Raquel. E a Raquel pediu à Cheryle um intérprete porque não estava entendendo direito. E a Raquel pediu à Cheryle: “Eu quero um intérprete para me comunicar”. E a Cheryle respondeu: “Não”. A Raquel tinha ligado para ele antes, que tinha 18 anos. Cheryle falou: “Assina, assina esse documento!” E a Raquel disse: “Mas eu quero que o Marcel leia antes de eu assinar”. E a Cheryle disse: “Não, não pode”. A Cheryle era esperta. A Raquel disse à Cheryle que queria vê-lo, então, ele pegou o carro e dirigiu por 4 horas, até Seattle. Ele viu a Raquel, que estava fumando na época, e perguntou: “Por que você está fumando?” Ela tinha um problema, a Cheryle. Eu perguntei qual era o problema. Eu quero ver minha mãe. Eu quero ver o meu pai e a minha mãe. A Cheryle, de novo, disse: “não”. Quero ver o meu irmão e a Cheryle disse: “não”. E eu pedi a Cheryle o papel para que eu pudesse ler. E ela não me entregou o papel. Não me deu acesso a esse papel, a esse documento. Eu simplesmente não consegui ter acesso a esse documento. Por

lei, eu teria que ter acesso a esse papel, mas a Cheryle não me facilitou o acesso a esse documento. E ela me disse: “Você não pode fazer nada. Eu é que sou a chefe. Eu é que mando”. E eu falei: mas eu já tenho 18 anos. Eu posso tomar conta da minha vida. Ela tinha remédio. Ela tomava cerca de 13 medicações diferentes.

Eu achava que ela era completamente doida. Eu falei com a Raquel, perguntei pela Raquel: você se lembra? Ela falou: “Não, não lembro”. Ela tomava inclusive injeções.(...) Foi lavagem cerebral que tentaram fazer com a irmã dele, de modo que se esquecesse, inclusive se esquecesse dele como irmão. De modo que se afastassem completamente um do outro. Esse era o objetivo. Por isso, a Cheryle sempre dizia pra Raquel: “Tente esquecer seu pai, sua mãe e tudo o que tem a ver com o Brasil”. E aí a Raquel foi crescendo. E, conforme foi crescendo, quanto mais velha foi ficando, é natural que fosse esquecendo todas essas ligações com o Brasil. E aí ele perguntou: você se lembra do papai e da mamãe? E ela falou: “Não muito”. “Eu sei que o nosso pai costumava fumar”. Ela lembrava de alguns episódios escassos. Sabia que a mãe tinha cabelo comprido. A Raquel falava que passava muito tempo com a mãe. Ela não era boba. Ela lembrava de muitas coisas. Mesmo assim, ela ainda conseguia lembrar de muitas coisas quando cresceu. Só que a Raquel não dizia nada disso a Cheryle exatamente para não sofrer ainda mais. Porque quanto mais a Cheryle achasse que ela se lembrava das coisas do Brasil, pior seria o tratamento que lhe daria, obviamente. Ela também disse que se lembrava da mãe, que a mãe, aqui no Brasil, costumava trabalhar. A Raquel lembrava desses episódios. Ela dizia: “Sim, eu lembro da mãe saindo pra trabalhar”.

Eu falei com a Raquel e disse: eu quero que você me passe essa informação, que você me diga o que é que a Cheryle está fazendo com você, o que ela fez você. E a Raquel me disse que a Cheryle tinha... Eu não sei como se fala isso.(...) A Raquel sofria abuso sexual.(...) Era abusada sexualmente pela Cheryle. A Raquel era abusada sexualmente pela Cheryle. Bolinada, exatamente.(...)

Quando eu falo com a Raquel no telefone, no FaceTime, a Cheryle sempre fica assistindo, sempre de olho, para saber o que estão falando. Ela não gosta que a Raquel fale comigo, inclusive a proibiu de falar comigo algumas vezes. Ela tem dois iPads, e a Raquel olhava para a Cheryle sempre que estava falando comigo e, quando a Cheryle aparecia, ela disfarçava, escondia o iPad, porque não queria que a Cheryle assistisse a nada. Ela estava gritando com a Raquel, dizendo que não queria que ela falasse comigo. Eu disse: “Claro que não, isso não pode acontecer. Ela é minha irmã, eu quero falar com ela; é do meu sangue, é sangue do meu sangue”.

A Raquel quer vir para casa agora, hoje, se possível. Ela está com raiva. A Raquel quer morar comigo, com a minha esposa e com o meu filho, eu tenho um filho. A Cheryle trocou inclusive os números de telefone e tentou inclusive se mudar de novo para Seattle, de modo que eu não pudesse — eu e o resto da família — encontrar a minha irmã, Raquel. Ela tentou de tudo para impedir isso. E eles tentaram mudar de Washington para Seattle, inclusive mais de uma vez, para que o contato entre a minha irmã e eu não pudesse ser efetuado.”

Conclusão do caso

Importante solicitar ao governo dos Estados Unidos os resultados das investigações promovidas pelo FBI, em decorrência de solicitação feita pela Embaixada dos Estados Unidos, conforme informação constante no AMB-13-073 (fl. 54 do volume 41).

No caso em comento, os próprios investigados admitiram que promoviam ou auxiliavam a efetivação de ato destinado ao envio de crianças e adolescentes para o exterior – Estados Unidos, após intermediar essas adoções no Brasil, principalmente no Paraná, após a conclusão do processo de adoção judicial. Negaram, todavia, que tenha havido inobservância das formalidades legais ou que tenha ocorrido a obtenção de lucro.

Há a confissão de AUDELINO e de ULISSES que valores eram recebidos a título de “doação”, mas não tendo sido delimitadas quais famílias efetivamente pagaram algum valor para AUDELINO, ULISSES, HELENA, para a LIMIAR americana, para a LIMIAR brasileira ou interposta pessoa, em decorrência de quais adoções, qual o valor exato pago.

Por outro lado, é cediço afirmar que para ser possível um indiciamento, é necessário que a autoridade Policial tenha elementos suficientes capazes de demonstrar os indícios de autoria e materialidade, delimitando perfeitamente os fatos atribuídos aos suspeitos.

Dessa forma, sugere-se a realização de investigação preliminar ou a instauração de Inquérito Policial pela Delegacia de Polícia Federal em Itajaí/SC, para apurar possível crime tipificado no artigo 239 do ECA, ocorrido em Gaspar/SC, sugerindo a oitiva de ANDRÉ SARNOWSKI e ELAINE LUNGE VITENCOURT, da Promotora e Coordenadora do Ministério Público de Santa Catarina Helen Sanchez e da Juíza da Primeira Vara Cível da Comarca de Gaspar Ana Paula Amaro de Silveiro (atentando-se para as prerrogativas dos juízes e promotores). Indiciar os envolvidos por tantas vezes quantos forem os processos que culminaram em adoções internacionais em que se constatem irregularidades na instrução, na tramitação dos processos ou que se tenha obtido lucro.

Sugere-se, também, a realização de investigação preliminar e/ou a instauração de Inquérito Policial pela Superintendência Regional da Polícia Federal no Paraná, para apurar eventual crime tipificado no artigo 239 do ECA, ocorrido em São João do Triunfo/PR, encaminhando cópia das oitivas de ANTONIO EVERALDO DOS SANTOS e MARIA RIVONETE DOS SANTOS e da Promotora de Justiça do TARCILA SANTOS TEIXEIRA, dos membros da CEJA/TJPR, para obter informações acerca da regularidade da atuação da ONG LIMIAR e de seus representantes na intermediação de adoções internacionais, além de outros dados de interesse das investigações, solicitando cópia integral da sindicância instaurada pelo TJ/PR, conforme informação prestada à CPI por meio de Ofício datado de 17/06/2013, além de cópia da decisão exarada na sindicância instaurada pela Corregedoria do TJ/PR por meio da Portaria n.º 22/2013. Cópia da quebra de sigilo do celular de ANTONIO. Sugere-se que a A.P. solicite à Comissão Estadual Judiciária de Adoção – CEJA/PR a relação contendo o nome de todas as crianças/adolescentes que tiveram suas adoções intermediadas por AUDELINO DE SOUZA e/ou pela ONG LIMIAR naquele Tribunal. Anexar resultado do procedimento instaurado no âmbito do Ministério Público paranaense sob o n.º 9114/2013-PGJ/MP-PR. Verificar se as doações recebidas no Brasil se tratavam de doações espontâneas ou se decorriam de contraprestação em razão das adoções realizadas (conforme informações constantes na audiência pública do dia 18/04/2013). Indiciar os envolvidos por tantas vezes quantos forem os processos que culminaram em adoções internacionais em que se constatem irregularidades na instrução, na tramitação dos processos ou que se tenha obtido lucro.

Por fim, sugere-se a investigação ou a instauração de Inquérito Policial pela Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, para apurar possível crime tipificado no artigo 239 do ECA, ocorrido em São Paulo/SP, solicitando cópia de eventual sindicância instaurada pelo TJ/SP, para apurar possíveis irregularidades praticadas pela CEJAI/SP. Sugerir a inquirição de HELENA MARIA CURVELLO SARAHAN (adoções para Canadá e EUA). Indiciar os envolvidos por tantas vezes quantos forem os processos que culminaram em adoções internacionais em que se constatem irregularidades na instrução, na tramitação dos processos ou que se tenha obtido lucro.

Por oportuno, em relação às contradições ocorridas durante a oitiva de ULISSES e AUDELINO, registro que a prática dos crimes previstos no art. 342, do Código Penal (falso testemunho) somente é possível por testemunha, em decorrência do princípio constitucional e do direito da não autoincriminação do investigado.

Por fim, o maior legado da CPI do Tráfico de Pessoas, além dos esclarecimentos já feitos à sociedade, é justamente propor ao Congresso Nacional a alteração da legislação pátria, tipificando condutas ainda não contempladas pelo Código Penal brasileiro e legislações esparsas, conforme já discutido na sessão pública do dia 05/11/2013.

- A Comissão houve por bem indiciar as seguintes pessoas:

1. ULISSES GONÇALVES DA COSTA – incurso nas penas previstas nos arts. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, pela prática dos seguintes crimes:

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou adolescente.

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena passa aser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

2. AUDELINO DE SOUZA - incurso nas pena previstas nos arts. 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pela prática dos seguintes crimes:

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena passa aser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou adolescente.

Além dessas informações, à época das denúncias contra a ONG Limiar, o site do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná divulgava o nome de Audelino de Sousa como representante da ONG no Paraná, credenciado para intermediar os processos de adoção.

13.2. CASO DE “CRIANÇAS INADOTÁVEIS” NO ESTADO DO PARANÁ

Além desse caso específico, envolvendo a ONG LIMIAR, a CPI ainda colheu os seguintes depoimentos em relação à questão das adoções no Estado do Paraná, envolvendo as chamadas “crianças inadotáveis”.

DEPOIMENTO DO SR. ELIAS MATTAR ASSAD - Presidente da Associação dos Advogados criminalistas do Paraná.

Disse que a preocupação dos advogados criminalistas é com relação ao

não cumprimento das leis nacionais por parte das autoridades públicas, inclusive judiciárias, e, em especial, ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Explicou que o Estatuto determina algumas providências, entre elas, por exemplo, que a falta de recursos da família não é impeditivo para que a criança continue sob o convívio, sob a tutela da família.

Prestou ainda os seguintes esclarecimentos: “Aqui, nós temos um problema seríssimo. Nós temos uma entidade chamada MONACI — Movimento Nacional das Crianças “Inadotáveis”, que a Dra. Aristéia representa. Ou seja, nós temos duas filas, Sr. Presidente: uma fila de famílias que querem adotar e outra fila de crianças que precisam de adoção, entre elas, crianças com paralisia cerebral, por exemplo, crianças com vírus HIV, e entre elas também as chamadas inadotáveis.

O que é criança inadotável? E já, daqui, passando a palavra para a Dra. Aristéia. Criança inadotável é aquela que cai num limbo jurídico. Eu faço aqui um paralelo com o casamento: para uma pessoa poder casar novamente, tem de se divorciar; então, para que uma criança possa ser adotada, ela tem que romper os laços jurídicos, o vínculo jurídico, com a família de origem.

Então, nós temos que, nesse passo a passo do exemplo da criança abandonada, um Juiz da Vara da Infância, que tem que, primeiro, destituir o poder familiar para, depois, colocar a criança numa fila de adoção, numa lista de adoção.

Aqui em Curitiba nós temos casos, que vão ser retratados pela Aristéia, de crianças que passaram a infância e a adolescência nos abrigos e que ficaram maiores de idade nos abrigos e tiveram de sair, sair para o nada. E, aí, ela sai sem nenhum contato com o mundo exterior e tem os problemas maiores.”

DEPOIMENTO DA SRA. ARISTÉIA MORAES RAU - Representante do Movimento Nacional das Crianças “Inadotáveis”.

Fez as seguintes afirmações: “Eu exerço minhas funções de servidora pública no TRT da 9ª Região, a qualidade de Assessora do Desembargador Luiz Celso Napp.

O MONACI — Movimento Nacional das Crianças “Inadotáveis” nasceu, excelência, da nossa frustração, não nossa, de quatro meninas portadoras de HIV que estavam abrigadas desde que nasceram em uma instituição de Curitiba, que é verdadeiramente uma prisão, que se chama ACOA — Associação Curitibana dos Órfãos da AIDS. Agora, ela mudou de nome, porque nós estivemos em Brasília, em 2011, pedindo à Secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que essa instituição não tivesse o nome de Associação Curitibana dos Órfãos da AIDS.

Entrando na fila de adoção, em 2010, conhecemos essas meninas portadoras de HIV, que não eram irmãs e que estavam abrigadas desde que nasceram, com 4, 8, 10 e 13 anos. A menina de 13 anos, quando ela tinha 5, a irmã foi dada em adoção para um casal estrangeiro, e ela continua abrigada, e continua abrigada, tendo o processo de destituição familiar concluído apenas em meados de julho do ano passado, ainda que em 2010 nós, a nossa família, a família Rau, tivesse se apresentado para que essas adoções ocorressem. Infelizmente, o que eu posso declarar ao senhor é o seguinte: nunca fomos recebidos pela Juíza da 2ª Vara da Infância de Curitiba.”

13.3. CASO DAS CRIANÇAS DE SÃO JOÃO DO TRIUNFO, NO ESTADO DO PARANÁ

O caso diz respeito a sete crianças supostamente retiradas de forma ilegal de sua mãe, a Sra. Maria Rivonete dos Santos, e entregues para adoção por norte-americanos.

Os filhos de Maria Rivonete dos Santos foram levados para um abrigo sob a alegação de que sofriam maus tratos. A mãe alega que não foi avisada da adoção pela Justiça e que só ficou sabendo da adoção por uma amiga, após as crianças terem sido levadas para fora do País.

De acordo com estatísticas fornecidas à Comissão, existem cerca de trezentos e cinquenta e cinco casos de crianças adotadas no Paraná de forma irregular. Em relação e esse caso, a CPI colheu os seguintes depoimentos:

DEPOIMENTO DA SRA. JOICE HASSELMANN - Jornalista.

Pela importância e gravidadedos fatos narrados, transcrevemos o depoimento prestado pela depoente: “Sou Joice Hasselmann, a jornalista que fez a reportagem que ensejou o início da investigação envolvendo o caso de São João do Triunfo, que envolve os filhos da dona Rivonete, do seu Antônio, os irmão do Guinho, e eu fiquei muito emocionada ao ouvir aqui o depoimento da Aristéia, porque a conta não vai fechar nunca, Presidente Arnaldo Jordy, Deputado Luiz Couto, se há famílias e mais famílias querendo adotar, na fila de adoção, e que têm o desdém do Poder Judiciário e do Ministério Público, e outras famílias que querem ficar com seus filhos e que têm seus filhos retirados, como aconteceu com a dona Ivonete.

Para quem não se lembra desse caso, o inquérito era sigiloso, o processo era sigiloso, mas eu tive acesso a ele, li o processo ali de cabo a rabo. Basicamente, a promotoria alegou — promotoria, aliás, que não está aqui representada. Cadê? Cadê os procuradores? Cadê os promotores? Foram convidados.

Com o mesmo desdém que trataram a Aristéia, também tratam essa questão tão grave, que é o tráfico internacional de crianças. Cadê o representante do Poder Judiciário? Cadê o representante da Comissão Estadual Judiciária de Adoção? Onde ele está? Onde está o Corregedor, que está fazendo uma sindicância no Tribunal de Justiça, porque eu mesmo entreguei 22 DVDs com gravações, provas, vídeos, áudios e tudo o mais que ele quiser? Tudo o que foi entregue para a CPI para iniciar a investigação foi entregue aqui para o Corregedor.

Eu mesma entreguei nas mãos dele. Então, tem gente querendo adotar, que fica desesperada na fila, inclusive crianças especiais, e têm pais querendo ficar com seus filhos, e que têm seus direitos simplesmente violados e rasgados. E os filhos são retirados sob que alegação? De pobreza. Foi isso que alegaram — não é, dona Rivonete? — lá no processo. Eu me lembro que a

senhora ficou muito emocionada na última audiência porque disseram que seus

filhos comiam do lixo, e a senhora disse "Do lixo meus filhos não comiam. Eu vivia na pobreza, mas meus filhos não comiam do lixo." E ainda que fosse, o dever era do Estado de ajudar essa família, e não arrancar as crianças e mandar como se fossem caixas de papelão para fora do Brasil.

Aliás, não se sabe onde eles estão, não é, dona Rivonete? Não se sabe agora onde essas crianças estão, porque, depois que a gente investigou, depois que a Sandra esteve aqui, depois que ela contou a história... Primeiro ela foi escondida, ela chegou a fugir da casa dos pais adotivos, e agora não se sabe nem onde estão os irmãos. Agora, que Justiça é essa? Que lei é essa? Que Ministério Público é esse? No discurso é lindo! No discurso é lindo! O Olympio de Sá Sotto Maior Neto é uma das pessoas que ajudaram a criar o Estatuto da Criança e do Adolescente e que é contra, inclusive, a adoção internacional de forma radical. Mas aí fica só no discurso, porque na hora que você precisa da atuação do Ministério Público, ele sequer debate o assunto. O Desembargador Lauro Augusto Fabrício de Melo, Poder Judiciário, Tribunal de Justiça, Corregedor- Geral, não está aqui; o Desembargador Guilherme Luiz Gomes não está aqui; a Juíza Ana Paula Amaro da Silveira não está aqui; o Fabian Schweitzer, Juiz de Direito, não está aqui; a Helen Crystine, Promotora de Justiça, não está aqui. Cadê o Procurador-Geral, que deveria estar aqui? Com todo o respeito que eu tenho ao Procurador-Geral de Justiça, ao Procurador-Geral do Ministério Público, cadê eles? Cadê essa gente para debater esse assunto tão importante? Por que anda? Anda porque tem gente da imprensa fazendo barulho — e é fazendo barulho mesmo, porque é só assim que anda — e porque tem uma CPI séria investigando. E olha que eu sou uma das maiores críticas do Poder Legislativo. Eu posso dizer que é uma CPI séria porque tenho acompanhado esse caso desde o início e estive em Brasília algumas vezes. E só vai mudar quando tiver modificação na lei de adoção. E são, pelo menos, 40 artigos, segundo me adiantou o Presidente, Deputado Arnaldo Jordy, que devem ser modificados. Gente, isso aqui é desdém! É desdém!

O Poder Judiciário e o Ministério Público estão desdenhando desse caso, estão desdenhando das crianças que estão na fila de adoção, estão desdenhando das famílias que têm seus filhos retirados de dentro de suas casas. A gente falou com essas crianças.

Elas disseram: "Nós não queríamos abandonar e ser retirados dos nossos pais. Nós não queríamos. Nós queríamos ficar juntos." Os irmãos com os pais. Então porque foram retirados? Eu perguntei, inclusive, para a promotora, que foi quem pediu a destituição do pátrio poder, porque ela falou assim: "Não, porque tinha um problema ali entre eles. Eles não podiam conviver juntos." E eu perguntei: "Então, se não podiam conviver juntos, por que mandou todo mundo para uma família do outro lado do mundo? Se o problema é que eles não podiam conviver juntos, o que justifica juntar todo mundo e mandar para um casal estranho?" Ninguém aqui falava uma palavra em inglês e lá ninguém falava uma palavra em português. Já imaginou o que essas crianças passaram? E eu estou falando de um caso. De um caso em que eu tive a sorte de encontrar uma CPI séria no caminho para investigar! E os outros? E os outros?

Presidente, o senhor sabe que tem uma brincadeira aqui no Paraná que diz assim: tem Poder Judiciário do Brasil e tem o Poder Judiciário do Paraná, que é completamente diferente do Poder Judiciário brasileiro! Por quê? Porque o Presidente do STF nos recebeu. Estivemos lá. Eu, o Presidente Arnaldo Jordy, outros integrantes da CPI. Ele nos recebeu. Joaquim Barbosa, que é, talvez, a figura, a estrela do Poder Judiciário. E nos recebeu de bom grado. Foram 2 horas de conversa. Recebeu todo o material. Começou a investigar. Vieram aqui e deram uma batida no Tribunal de Justiça!

O Conselheiro Luiz Moreira, do Conselho Nacional do Ministério Público, homem forte, arretado mesmo, entrou na causa. Mandou um ofício na nossa frente para todas as promotorias no Brasil envolvidas nas questões de adoção, querendo saber quem são as ONGs que atuam junto a essas promotorias e a esses tribunais de justiça, essas varas, enfim. E por que lá em Brasília eles se mexem e aqui ninguém se mexe? Será conivência? Omissão? Participação direta? Eu não estou acusando, eu estou perguntando. Que bom seria se houvesse alguém aqui para responder, algum integrante do Ministério Público ou do Tribunal de Justiça! Eu já fui lá com uma câmera ligada, gente! Eu já fui lá com uma câmera ligada, no Tribunal de Justiça! A resposta que eles deram foi chamar a Polícia Militar. Essa é a resposta do Poder Judiciário. Bom, agora temos um novo Presidente. Quem sabe a gente consegue uma resposta! O fato, Presidente, é que uma sindicância foi aberta. E eu estive lá. Eu mesma entreguei nas mãos deles 22 DVDs. Alguma resposta tem que ser dada.”

DEPOIMENTO DO SR. JEFFERSON LUIS BIANCOLINI - Advogado.

Disse que a Justiça, na realidade, está fazendo pouco caso do Estado do Paraná com relação a essas adoções, que as chacotas do Ministério Público continuam e as brincadeiras de que estão encaminhando crianças para a Rússia, para a Polônia, para todos os lugares, continuam.

Fez aindao seguinte relato: “Inclusive, trouxe a documentação aqui de uma situação idêntica à dos meus clientes de São João do Triunfo, em que a destituição foi feita pelo Ministério Público nos mesmos termos, ocorrida agora, no dia 13 de agosto de 2013, que relata que o pai, alcoólatra, ao chegar a casa, discutiu com a mãe; a mãe pegou uma faca, as crianças saíram correndo e entraram em contato com os vizinhos; os vizinhos chamaram a Polícia, que prendeu o pai; mas quem estava armada era a mãe. Em seguida, a mãe pratica atos lascivos e de promiscuidade.

Esses são os motivos principais pelos quais o Ministério Público está pedindo a destituição do pátrio poder dos pais. Isso aí não pode mais continuar, Excelência, Sr. Presidente. Já virou uma chacota: continuam as adoções; continuam as irregularidades; as pessoas não foram afastadas, continuam exercendo os cargos, continuam pressionando, continuam coagindo e continuam ameaçando todos que estão envolvidos no caso, como se isso fosse terminar em pizza — o que eu sei que não vai acontecer, porque eu conheço V.Exa., conheço o Dr. Luiz Couto e a Joice. Não podemos mais deixar isso continuar.”

A SRA. MARIA RIVONETE SANTOS - Mãe de crianças entregues à adoção internacional em São João do Triunfo, Paraná, objeto de investigação.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Da primeira vez que nós estivemos aqui, andavam uns carros estranhos passando, assim meio querendo parar lá em frente de casa. Daí eu disse: “Eu vou ficar mais é fechada na casa, porque o negócio está feio para o nosso lado, porque tem que ser alguma coisa conosco, porque esses carros andando aí, estranhos, com placa de Curitiba...”. E tinha um outro com placa de São Paulo. Daí eu saí ligeiro e vi a placa de onde era. (...)

Eu só consegui ler, assim, que um era de Curitiba e um era de São Paulo. Tinha até uma caminhonete cinza. Não é a da Promotora porque a dela era de outra cor. Só que passou um carro, e para mim era ela, um carro escuro. Eu não vi por causa do vidro escuro. Eu falei para ele: “Tá feio para o nosso lado, nós temos que...”. Cada vez que eu saia, vinha sempre me acompanhando. Eu cheguei para o meu irmão e falei: “Olha, tem um carro me perseguindo.” Daí eles disseram para eu ficar lá, não sair de lá, esperar... Eu fui embora de tarde, mas não fui pelo mesmo caminho, fui por uns carreiros que têm lá.

Foi isso que ela falou, que ela estava proibida de conversar conosco, que ela não podia ter contato mais, que ela estava proibida...Eles tinham arrumado um advogado para ela. E ele falou mesmo para não era para ela ter contato mais conosco, que agora ela não podia.”

Essas foram as principais contribuições trazidas à Comissão em relação a esse caso investigado, no Estado do Paraná.

13.4. CASO DE SUSPEITA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE ADOLESCENTE NA PRAIA DE ITAPARICA EM VILA VELHA-ES

Trata-se de notícia trazida ao conhecimento da CPI pelo Senhor Márcio Almeida, supostamente servidor público lotado no Ministério da Agricultura (indicou os números de telefone (61) 9962 7246 e 8244 7410), por meio de mensagem eletrônica enviada ao Senhor Secretário desta Comissão, narrando fatos ocorridos na praia de Itaparica/ES, em 28/10/2012. Em resumo, a mensagem traz indícios de exploração sexual de adolescente e da prática de atos preparatórios para a saída de criança do território nacional, merecendo ser esclarecida a delação encaminhada, salvo melhor juízo.

A mensagem eletrônica em questão traz cópia do encaminhamento dos fatos ao conhecimento da Polícia Civil do Espírito Santo, na pessoa do Delegado Carlos Tadeu; no entanto, não há informação sobre a instauração de procedimentos por parte daquela Polícia Judiciária estadual.

A mensagem eletrônica enviada pelo Senhor Márcio Almeida e seus anexos foram autuados no volume n.º 18 do processo ostensivo. A mensagem eletrônica em questão traz cópia do encaminhamento dos fatos ao conhecimento da Polícia Civil do Espírito Santo, na pessoa do Delegado Carlos Tadeu; no entanto, não há informação sobre a instauração de procedimentos por parte daquela Polícia Judiciária estadual.

13.5. TRÁFICO DE CRIANÇAS EM BELO HORIZONTE - MG

Trata-se de caso trazido ao conhecimento da CPI pelo Defensor Público WELLERSON EDUARDO DA SILVA CORRÊA, por meio do Ofício n.º 32/2013 – NIJ/DEIJCível-BH/DPMG, de 04/04/2013, que traz anexa decisão proferida pelo Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça RICARDO CUNHA CHIMENTI, nos autos do PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS n.º 0005164-53.2012.2.00.0000(tramitou perante o CNJ e lá foi arquivado por decisão proferida pelo Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça RICARDO CUNHA CHIMENTI). Em resumo, o Defensor Público em questão narra “(...) o reiterado deferimento pelo juízo da vara cível da infância e juventude de Belo Horizonte de ‘guarda com fins de adoção’ de crianças não inscritas no cadastro de disponíveis para adoção em favor de casais habilitados, sem a devida intimação e o estabelecimento do contraditório dos pais e membros da família extensa (...)”.

Providências do caso:

• Juntada de Ofício n.º 32/2013 – NIJ/DEIJCível-BH/DPMG e anexos às fls. 42/47 do volume n.º 36 do processo ostensivo;

• Na opinião do DPF Gustavo, o caso deve ser arquivado no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência entre o caso e o objeto da Comissão; contudo, caso não seja este o entendimento dos parlamentares, sugere-se:

• Oitiva do Defensor Público WELLERSON EDUARDO DA SILVA CORRÊA, para que sejam respondidos eventuais questionamentos por parte dos parlamentares, bem como para que sejam indicados os casos específicos de adoções com suspeitas de irregularidades.

Não foram feitos requerimentos e o caso parece não guardar correspondência com o objeto de investigação desta CPI.

13.6. CASO DE TRABALHO ESCRAVO EM BELO HORIZONTE - MG

Trata-se de notícia trazida ao conhecimento da CPI pela Senhora Camila Riani, assessora de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (indicou o número de telefone 8774 9677, prefixo provavelmente 31, já que os fatos são relativos à região de Belo Horizonte/MG), por meio de mensagem eletrônica enviada ao Senhor Secretário desta Comissão, narrando fatos ocorridos na cidade de Belo Horizonte/MG.

Em resumo, a mensagem traz indícios de cometimento dos crimes de redução a condição análoga à de escravo e de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional, tipificados nos artigos 149 e 207 do Código Penal. Merece ainda apuração a conduta do policial militar mineiro mencionado (“Amâncio” ou “Almansa”), que, caso confirmada, certamente configurará prática delituosa, muito provavelmente alguma dentre as tipificadas na Lei n.º 4.898/1965, ou, ainda, os crimes de corrupção passiva ou prevaricação, artigos 317 e 319 do Código Penal (salvo outros enquadramentos melhores a partir do resultado das investigações).

A mensagem eletrônica enviada pela Sra. Camila Riani e seus anexos foram autuados por esta CPI e traz cópias de notícias de fontes abertas que dão conta da atuação de diversos órgãos de fiscalização, na apuração da situação dos trabalhadores aliciados na Bahia e mantidos em condições análogas às de escravos em Belo Horizonte.

A mensagem eletrônica enviada pela sra. Camila Riani e seus anexos foram autuados no volume n.º 07 do processo ostensivo, fls. 2/24. Esse documento traz cópias de notícias de fontes abertas que dão conta da atuação de diversos órgãos de fiscalização, na apuração da situação dos trabalhadores aliciados na Bahia e mantidos em condições análogas às de escravos em Belo Horizonte, inclusive da Polícia Federal; contudo, não há indicação expressa de instauração de procedimentos.

Providências do caso:

- Ouvir representante do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil em Belo Horizonte/MG para confirmação das informações encaminhadas, com sua redução a termo;

- Solicitar informações à Superintendência Regional da Polícia Federal em Minas Gerais sobre eventuais providências adotadas por parte daquela Polícia Judiciária, em relação a estes fatos, e caso tenha sido instaurado Inquérito Policial, solicitar cópia dos autos;

- Solicitar informações ao Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República em Minas Gerais, sobre eventuais providências adotadas por parte daquela instituição, em relação a estes fatos, e caso tenha sido instaurado procedimento, solicitar cópia do mesmo;

- Identificar, qualificar e ouvir Marcos Romildo de Oliveira, José Arnaldo de Oliveira, Romeu Silva, Antônio Ramalho de Oliveira, Roberto “de Tal” e Renato “de Tal” (vide fls. 12/20 do volume n.º 07) e os representantes legais (preferencialmente os gestores de fato) das empresas Construtora Romeu & Silva Ltda. E GRM Construtora Ltda, bem como identificar e ouvir o policial militar mineiro mencionado;

- Considerando-se que foi encontrado o corpo do trabalhador MARCELO SILVEIRA DA SILVA em um dos canteiros de obra, com sinais de enforcamento, obrigatória se faz a solicitação de cópias das apurações policiais relativas a este fato, que com certeza foram empreendidas pela Polícia Civil/MG.

A CPI colheu depoimentos acerca do tráfico de pessoas em Minas Gerais, que passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DO SR. TITO LÍVIO BARICHELLO - Delegado Titular da 3ª Delegacia de Polícia Civil de Betim, Estado de Minas Gerais.

Mencionou um caso ocorrido em Betim, em que o Diretor do Hospital informou à Polícia que algumas informações não batiam, que a mãe não queria amamentar e tinha confundido o nome de parentes, o que levou a uma investigação imediata.

Fez o seguinte relato sobre o caso: “Quando chegamos lá, foi-nos informado que uma parturiente de nome Selena, internada para ter ali seu filho, apresentava um comportamento estranho, não queria amamentar e também estava recebendo acompanhamento psicológico. Por quê? Porque ela havia informado, no momento da internação, que tinha feito uso de drogas no passado. E, automaticamente, quando ocorre tal situação, é colocado um psicólogo à disposição do paciente, para verificar como a mãe irá se portar em momento posterior, como a criança será tratada, onde irá trabalhar, onde está o pai. E, em virtude disso, essa paciente, essa parturiente que se autodenominava Selena acabou por confundir o nome de seus parentes.

Preocupados, os membros desse estabelecimento de saúde, o Diretor, o

assistente social e o psicólogo nos trouxeram esses dados. Imediatamente verificamos a documentação apresentada e que se tratava de cópias autenticadas de um RG e de um título de eleitor de um cartório de Rondônia. E que esses documentos, à primeira vista já notamos, apresentavam divergências entre a data de nascimento que constava no RG e no CPF — ou seja, datas distintas para a mesma pessoa.

Desconfiados de toda essa situação, continuamos conversando e a assistente social mencionou a insistência da pessoa que havia internado a parturiente, de nome Cláudia — essa funcionária pública —, em liberar a sua paciente, liberar a pessoa que ela tinha internado, juntamente com a acompanhante Eliane. Então, Eliane e Cláudia tentando, de todas as formas, liberar essa paciente. Segundo foi verificado, houve mais de 15 ligações da Cláudia, funcionária pública do Município, tentando liberar essa paciente, apesar de os médicos avisarem que a criança não poderia ter alta ainda, por questões de saúde. (...)

Em regra, as pessoas querem alta, querem a liberação quando sabem que estão bem, que está tudo correto. Querem ir para casa, naturalmente. Agora, quando se informa que uma criança precisa ficar para fazer novos exames, ninguém pede a saída imediata, pelo contrário. Então, isso chamava a atenção.

Conduzimos, então, a acompanhante Eliane à delegacia de polícia, onde ela trouxe várias falácias, várias inverdades, informando que quem estava ali internada era Selena, sua amiga advogada. No momento em que os nossos policiais iniciaram uma investigação rápida, célere, perfunctória, em virtude daquele momento, chegaram à conclusão que as imagens, que a fisionomia da Selena, advogada e psicóloga que mora em Rondônia, não era similar à imagem, à fisionomia da parturiente que se denominava Selena.

Com a autorização do Hospital Regional de Betim, do Dr. Guilherme, trouxemos imediatamente à delegacia de polícia a senhora..., a parturiente que se autodenominava Selena. E aí, com técnicas policiais, passamos a conversar com ela, já que ela se autodenominava advogada e psicóloga. Verificamos que ela não sabia nem onde era formada, que as informações não eram verdadeiras. E conseguimos, então, a confissão, a confissão expressa de que, na realidade, ela estava utilizando documentos que não lhe pertenciam. E, com base nessa confissão e em outras investigações, concluímos, em um inquérito policial, que o que ocorreu foi que uma mãe denominada Janaína, do interior de Minas Gerais, de São João del-Rei, que teve — Excelências, desculpem-me por dizer isso — a coragem de ter a criança, porque muitas mães são covardes e optam pelo aborto... Ela teve a coragem de ter o filho, de uma relação aparentemente não querida, e passou a ofertar essa criança em um site, pela Internet.

Uma pessoa, no caso, Selena, a verdadeira Selena, advogada e psicóloga, lá de Rondônia, então, passa a contatar, através do site, Janaína, informando que tem interesse. E usa um pseudônimo, o pseudônimo de Sofia. Para conseguirem contato com Janaína — a mãe, grávida, em São João del-Rei —, segundo consta do inquérito policial, Selena e seu marido, Breno — Breno, advogado famoso e conhecido em Rondônia, com mais de 500 alunos, professor universitário, mestrando em Direito — buscam apoio em quem? Num empresário de Belo Horizonte, que se chama Alexandre, um empresário de sucesso do ramo de escapamentos, e também em sua esposa, Eliane, empresária também de sucesso, do ramo de turismo. E Alexandre e Eliane vão, então, a São João del-Rei verificar as informações. Fazem a viagem — temos provas dessa viagem — e contatam lá com Janaína, verificam que não se trata de estelionato, que, aliás, é comum — não é? — , nessas situações, pessoas oferecendo bens ou vantagens, e, na realidade, não as têm, muitas vezes, para ofertar, tratando-se, no caso do crime de estelionato — 171. Mas não era. Havia, então, efetivamente, uma mãe que tinha interesse em se desfazer da criança. Então, Eliane e Alexandre, com o apoio de Cláudia, no nosso compreender — isso está no inquérito —, passam a intermediar a vinda de Janaína, a mãe, para Belo Horizonte. Janaína passa aproximadamente 4 meses, então, em Belo Horizonte, com todas as despesas custeadas por quem? Por Selena e por Breno.(...)

Então, no caso concreto, nós temos o quê? Janaína, a mãe, grávida, morando, nesse momento, em Belo Horizonte, com todas as despesas pagas por quem? Por Breno, advogado, e por Selena, advogada e psicóloga, que residem em Rondônia. Segundo compreendemos com o inquérito policial, depois de um certo período, todas as despesas foram pagas... Temos, inclusive, mensagem telefônica, que consta em laudo, juntada ao inquérito, que ocorreram algumas transferências bancárias.

Mas deixo já consignado aqui que não tivemos ainda acesso à quebra de sigilo bancário. Já requeremos ao Poder Judiciário quebra do sigilo telefônico e bancário, não interceptação telefônica — quebra de sigilo para verificar as ligações, porque nós temos as mensagens e os telefonemas da época, mas não temos ainda todas as ligações feitas.

Então, nesse contexto, escolhem o Hospital de Betim por quê? Segundo o nosso compreender — isso está no inquérito, por isso quero repetir —, a Cláudia, funcionária pública do Município, tem acesso ao hospital e o faz de forma clara, porque passa a ser responsável pela internação de Janaína. Com os documentos de quem? De Selena. Então, aqui, Eliane e Cláudia, além de darem o apoio material, passam a cobrar, em momento posterior, dos membros desse hospital a liberação imediata da criança que ia nascer, filha de Janaína.”

DEPOIMENTO DA SRA. ELIANE CRISTINA GONÇALVES FIGUEIREDO AZZI - Depoente. Empresária do ramo de turismo.

Disse, a respeito do ocorrido no Hospital Regional de Betim, que Selena é prima do seu esposo, Alexandre, mora em Rondônia e foi a Belo Horizonte fazer tratamento para poder engravidar.

Passou em seguida a relatar os seguintes fatos: “Eu não podia ter filhos há 10 anos, ela também não podia...Eu tenho um filho adotivo legalmente... Então, ela viu essa história minha, com o meu filho, da nossa família, de eu também não poder engravidar. Fiz fertilização também. Não podia... Enfim, ela viu que o meu... Eu tenho dois outros filhos biológicos, posteriores à adoção do meu primeiro filho. Eu engravidei naturalmente da minha segunda filha. Posteriormente, há 7 anos, engravidei novamente, por força de Deus. Enfim, ela conviveu com a gente algumas semanas e viu o nosso tratamento. Não tinha diferença nenhuma. O amor é o mesmo. A forma de como eram tratados os outros dois isso independe. Ela foi embora e parece que ela ficou muito comovida com a minha história. Ela foi embora e alguns meses depois ela nos ligou, ligou para mim e para o meu marido, dizendo que tinha entrado num blog e conversado com uma moça, que seria a Janaína, que queria doar o bebê por não poder criá-lo. E ela solicitou que nós fôssemos a São João del-Rei para conhecer pessoalmente essa moça, porque Internet é uma coisa e pessoalmente é outra.

Então, a gente queria saber como que seria esse processo, porque a gente queria, ela queria uma adoção. Não existe venda, não existia compra, não havia nenhum interesse em relação a isso. Fomos a São João del-Rei... Antes de ir a São João del-Rei, nessa mesma ligação, eu e meu marido, nós nos sentimos lisonjeados com a situação dela, de poder ajudá-la, porque a gente estava achando que era uma forma de agradecer a Deus o que Ele fez comigo e com o Alexandre. Foi uma forma de a gente ter gratidão a Deus, porque o nosso sonho era ter o nosso filho, e a gente se viu diante de uma pessoa que estava com o mesmo problema que a gente.

Eu e meu marido choramos na hora e agradecemos a Deus a oportunidade de a gente poder retribuir a Ele o que Ele fez conosco. Fomos a São João del-Rei, encontramos com ela numa praça, conversamos com ela, perguntamos qual era a real intenção dela em doar a criança, por que ela estava fazendo isso, e ela nos relatou o motivo por que ela estava fazendo isso. Ela realmente não queria. Ela queria doar, sim, a criança, ela já tinha dois filhos, foi fruto de um relacionamento não planejado, mas isso cabe a ela.

Então, a gente saiu de lá, fizemos algumas perguntas e ficamos cientes de que não haveria o arrependimento dela, que ela estava, sim, preocupada em achar um casal de bem para cuidar do filho, que ela já se reportava que não era filho dela, que era filho da Selena, porque ela já vinha conversando com a Selena algumas vezes. Até então, eu não conhecia a Janaína. Quem me falou da Janaína foi a Selena, que me solicitou que fosse lá conversar. Então, ela impôs nessa conversa de São João, ela impôs três coisas. A primeira que, quando ela tivesse 6 meses de gravidez, que ela mudasse de São João, porque ninguém poderia saber da gravidez dela.

Segunda coisa, que ela traria o bebê dela, de 2 anos, que ela tem um bebê de 2 anos. E terceira coisa, que o nome dela não poderia aparecer pelo fato de ninguém poder saber dessa gravidez. Nós não respondemos nada a ela, nem eu, nem meu marido Alexandre. Nós voltamos para casa e passamos as três exigências dela para a Selena e o esposo. Eles concordaram.

Então, quando deu 6 meses que ela estava de gravidez, porque ela até então acreditaria que até os 6 meses ela conseguiria levar a gravidez adiante lá em São João sem que ninguém soubesse, e aí, deu 6 meses, a Selena acordou que ela poderia vir para Belo Horizonte, ela alugaria uma casa para ela e a subsistência dela seria dada pela Selena. O que era a subsistência? Para a criança, era alimentação e um lugar digno para ela morar, para ela se estabelecer bem com a criança. Tanto que a preocupação dela, se ela ia ficar no lugar, se era sozinha com o filho dela, de 2 anos, como que seria.

Então, eu por estar em Belo Horizonte, eu auxiliei ela, aluguei a casa para ela, e a Selena enviava para mim o dinheiro somente para a alimentação e o aluguel dela. A alimentação dela eu que comprava. Não passou nenhum dinheiro pela mão da Janaína. Tudo que ela solicitava eu fazia, eu atendia, eu cuidava. Eu já tinha um amor pela criança, e eu seria a madrinha da criança. Enfim, não houve nenhum valor que ultrapassasse o valor de subsistência dela em Belo Horizonte. Bem, acompanhei ela nesses 3 últimos meses. Ela entrou em trabalho de parto, me ligou, a gente tinha... Ela já tem um histórico que utilizava drogas, bebida alcoólica.

Então, nós já tínhamos pensado na maternidade de Imbiruçu, por ser uma maternidade de referência. Então, se tivesse algum problema no parto, a gente estava dentro de uma maternidade de referência. Infelizmente, eu não soube chegar na maternidade de Imbiruçu. “Eliane, eu não vou; eu passei do endereço.” Liguei para a Cláudia, e falei com a Cláudia: “Me explica..., mas ela está com muita dor. Ela está entrando em trabalho de parto.” A Cláudia: “Eliane, eu não vou conseguir te orientar daí. Você sabe chegar ao Hospital Regional?” Eu falei: “Sei.” Ela falou assim: “Então, pode ir que eu vou e te ajudo.” Ótimo! Chegamos lá, demos entrada. A médica atendeu, pediu que — estava com 4 centímetros de dilatação —esperássemos mais um tempo. Aí, depois, quando foi para a gente entrar novamente para ela poder... porque ela já estava, sim, em trabalho de parto, não tinha médico que pudesse atendê-la. As recepcionistas do hospital não nos dispensaram. Ela disse: “Olha, se vocês quiserem ficar aqui, eu só não sei o tempo, mas eu vou ter que fazer a ficha de vocês.” Eu estava dentro, com ela, do banheiro, ela quase deitada no chão, já em trabalho de parto. A Cláudia fez a entrada dela, e nós conseguimos que ela tivesse o bebê. Eu assisti ao parto.

Como eu falei com vocês, eu estou aqui para falar somente a verdade, eu não tenho nada a omitir, nem mentir. Estou falando para todos vocês que não há mentira nenhuma. Eu já amava esse bebê. Eu fiquei com esse bebê. Eu fui ao ultrassom com o bebê. Eu cortei o cordão umbilical dessa criança. Quem me solicitou isso foi a própria médica, porque ela viu a minha preocupação. Eu estava em oração com a Janaína, quando ela estava em trabalho de parto. Eu estava em pé, segurando a barriga dela, dando força para ela. Eu cortei o cordãozinho do bebê. Eu segurei ele nos meus braços. Depois disso, nós fomos para o quarto. Eu não dei só assistência à Janaína, não. Eu dei assistência a outras mães que estavam lá, e que tinham acabado de ter o parto, e que não tiveram assistência das enfermeiras.

Eu tenho amor à criança. A minha vida profissional começou dentro de uma escola de freiras. Eu dava aula para crianças de 1 a 3 anos de idade. As freiras são loucas comigo, os pais. Por quê? Porque realmente a gente gosta, eu gosto de criança. Então, passado isso, passei a noite com a Janaína. Cuidei do bebê, coloquei para ela: “Pode descansar. Eu fico. Eu te ajudo.” Ela: “Eliane, você tem três bebês, pode ir embora.” Eu falei: “Não, tem pessoas lá em casa.” Inclusive o bebê dela, de 2 anos, ficou com a minha mãe, na minha casa, sendo muito bem cuidado. Ela colocou que ela tinha uma confiança muito grande em mim. Quando eu pegava o bebezinho dela, ela percebia isso.(...) Eu tenho três filhos. Era o meu sonho ser mãe. Então, eu passei, sim, a noite com ela pelo fato de ela ter acabado de ter tido um bebê. No dia seguinte fui embora, e o médico-pediatra disse que o bebê não poderia ter alta. Foi onde eu questionei: “Algum problema?” A gente ficou com medo pelo fato do uso de drogas, de álcool ter afetado alguma coisa na criança. Por quê? Porque os exames não deram nada. Os exames de pré-natal não tinham dado nada. Então, nós ficamos preocupados. Ele não nos mostrou o resultado. Ele só disse que o bebê ficaria. Então, a gente ficou preocupada. A própria Janaína ficou preocupada, sim, por que o bebê não teria alta. Aí, a gente ficou preocupada... Enfim, eles não mostraram para gente nada. Ela colocou para mim. Eu fui em casa, tomei banho. Ela me ligou: “Eliane, eu estou de alta. O bebê está com icterícia. Ele só possivelmente voltará para o quarto na sexta-feira. Então, você vem me buscar?” “Claro que eu vou te buscar!” Isso é uma questão de humanidade. A menina tinha acabado de ter um bebê. Como ela pegaria um ônibus, ou qualquer coisa sozinha? Ela estava em Belo Horizonte, sozinha.

A referência dela aqui era eu. Eu fui buscá-la, sim. O bebê estava internado. Chegando lá, ela não estava na enfermaria, disse que foi buscar a alta dela, eu fiquei aguardando. Foi onde que o delegado (falha na gravação) chegou e me pediu pra acompanhá-lo até a delegacia. E aí foi feita a minha prisão em flagrante de tráfico de bebê. E eu não vi isso. Tráfico de bebê realmente eu não... Eu fui, não sei como que é a palavra certa, mas eu fui colocada, eu fui exposta como traficante de bebê.

Até então, dia 10 de setembro, eu nunca tinha pisado numa delegacia (choro), eu nunca tinha feito uma ocorrência policial, um boletim policial. Nunca na minha vida! Eu tenho 37 anos, eu nunca pensei em entrar num camburão algemada. (...) Os meus filhos ficaram 10 dias sem ir à escola. Fiquei, pela primeira vez, 11 dias sem ver os meus filhos, por uma injustiça, porque não existe o tráfico.

Eu me vi numa condição, eu me vi numa condição de ajudar uma pessoa que queria fazer o mesmo que eu há 10 anos atrás, de ter um filho, entendeu? Então, eu só pensei no momento dela. Eu pensava o tempo todo era no bebê, de ela ter a possibilidade de ser mãe. Era um amor incondicional. É um amor maior. E, aí, eu me vi, até o dia 10 de setembro, eu era uma pessoa normal, Sr. Deputado, depois disso, eu não sou uma pessoa mais normal. Eu não posso ir na escola dos meus filhos, sabe por quê?

Porque eles colocaram pra mim que eu corro risco à sociedade, aos filhos da escola. Porque eu represento risco, eu posso sequestrar uma criança da escola pra vender. Isso é uma inverdade, sabe? E eu não tenho... Graças a Deus, os meus filhos são de 10, 9 e 3 anos, porque se eles fossem um adolescente, eles estariam expostos, sim. Porque criança, adolescente eles estão na internet, sofrem bullying. Graças a Deus, os meus filhos não estão correndo esse risco. A diretora me chamou na escola e pediu, muito educadamente...

Eu fui levar meus filhos de manhã na escola para uma excursão, e fui dar uma orientação para a professora, por causa que ia ter nado, os meninos não sabiam nadar. E aí, quando eu chego em casa, à tarde, a diretora me liga: “Eliane, gostaríamos que você por enquanto não entrasse na escola, porque vieram algumas mães colocar que você representa risco à escola”. Uma escola onde eu tenho três filhos, e um deles, o que é adotado, ele tem problemas de transtornos. (Choro.) A gente está com tratamento psicológico com ele. Ele não acompanha a escola. Eu sou uma mãe que eu tenho que praticamente diariamente estar na escola em reunião, é em terapia, em psicólogo com meu filho. Como que meu filho agora, no final do ano, vai ter um acompanhamento da mãe na escola, sendo que a mãe está privada disso? A mãe não pode estar na Feira de Cultura deles, do trabalho deles. Por quê? Porque ela não pode sair sábado, domingo e feriado. Porque 8 horas da noite ela tem que estar em casa. Eu não sou o que estão colocando. Eu não sou traficante de nada.

Eu sou uma pessoa trabalhadora, tenho minha família, que nunca peguei nada de ninguém, nunca precisei pegar um real de ninguém pra benefício próprio. Eu nunca, nunca! Tanto que o dinheiro que a Selena me enviava para o pagamento da menina, o quê que acontecia? Eu falava com ela: “Deu. Tem as frutas, tem isso, tem aquilo. Está tranquilo. Não preocupa”. Era exatamente, era principalmente, somente para pagar a subsistência, alimentação e o aluguel da Janaína em Belo Horizonte. Eu só queria colocar que foi um ato de amor de verdade. Amor é sentimento, sim. Amor não é que você está pegando uma criança de uma e dando pra outra. Não foi esse o caso.

Não foi esse o caso. Eu fiz, sim. Eu me prontifiquei em ajudar quando ela veio me pedir ajuda, porque eu identifiquei com o meu caso, por isso que eu ajudei, a possibilidade dela ser mãe. Foi isso que eu fiz.”

DEPOIMENTO DO SR. ALEXANDRE CASTIEL AZZI – Depoente.

Prestou o seguinte depoimento: “Eu não vi a Selena e não conhecia o marido de Selena até o começo deste ano. Eles vieram a Belo Horizonte em busca de um tratamento de fertilidade, o mesmo tratamento de fertilidade por que eu havia passado junto com a minha esposa há 10 anos. Eu posso assegurar aos senhores que querer ser pai e querer ser mãe dá sentido a uma vida. É só isso.

E eu posso assegurar ao senhor, conforme eu falei na delegacia de polícia, que adoção é um ato de amor, e quem não reconhece a adoção como ato de amor ou é muito insensível ou não tem capacidade de doar amor a um terceiro. Então, eu gostaria de colocar que, quando Selena e Breno vieram a Belo Horizonte, nós nos identificamos com a situação passada por eles naquele momento. Eles faziam um tratamento de fertilidade que a gente havia passado igualmente há 10 anos. E hoje eu posso afirmar aos senhores que, graças a Deus, o meu tratamento de fertilidade não deu certo, porque eu tive a experiência, a maior e melhor experiência da minha vida, de praticar uma adoção, uma adoção regular e com sentença transitada em julgado.

E hoje eu posso olhar de forma igualitária nos olhos dos meus três filhos e falar, olhando no fundo dos olhos deles, que eu os amo profundamente, de uma forma igualitária, sem distinção nenhuma, de nada, absolutamente nada, nada, nada. Então, aos insensíveis, às pessoas que talvez não enxerguem amor numa adoção ou num ato de carinho e de solidariedade, eu até indicaria que se sentisse na própria pele, pois eu acho que seria algo extremamente gratificante do ponto de vista humano. E, quando Selena esteve em minha casa, ela fez o tratamento, ela foi ao médico e ela pôde acompanhar, de uma forma muito próxima, o nosso amor e o nosso carinho pelo meu filho adotivo, que é um tratamento, como eu coloquei, extremamente igualitário ao das outras crianças.

Acabado o tratamento, ela voltou a Rondônia e, a partir daí, não sei se por influência nossa, ela entrou na Internet num blog de adoção, sem nenhuma indicação, sem nenhum contexto de que a gente tenha falado nada sobre isso. Ela viu, ela presenciou isso. E ela entrou num blog de adoção por iniciativa própria e conheceu Janaína. E, a partir do momento que ela conheceu Janaína, ela passou a trocar e-mails com Janaína. Eu nem sei muito ao certo, eu não participei disso, mas ela passou a trocar e-mails com Janaína. E certo dia ela ligou para mim e minha esposa e colocou: “Olha, eu conheci, através de um blog...” E o blog está na Internet, para quem quiser acessar, não é, gente? Isso aí eu acho que é... não é? “Conheci, através de um blog, uma moça, essa moça é de São João Del Rei, e eu tenho muita preocupação de que essa história seja verdadeira. Eu tenho muita preocupação de saber da índole dessa moça, de saber o contexto que está inserido nisso. Como vocês estão aí a cento e poucos quilômetros de São João Del Rei, vocês poderiam comparecer a São João Del Rei, para ter o conhecimento dessa moça?” Eu e minha esposa nos sentimos lisonjeados no sentido de que Deus nos dava a oportunidade naquela situação de partilhar um presente chamado Rafael, que tem na nossa vida hoje, e a gente poderia retribuir à vida esse presente chamado Rafael, que...

Quando eu saí de viagem com a minha esposa, saímos nós dois, eu lembro que quando a gente chegou ao Viaduto da Mutuca, eu me lembro até do lugar... A gente chegou ao Viaduto da Mutuca, eu peguei na mão da minha esposa e falei: “Olha, Deus está nos dando uma oportunidade de retribuir em vida a alegria que ele nos deu. E nós vamos fazê-lo. Vamos com amor no coração, vamos com muito carinho e vamos retribuir isso à vida”. E nós fomos. E chegamos a São João Del Rei, marcamos num supermercado, era um centro comercial, marcamos num restaurante com um lugar de espera. Marcamos de esperar a Janaína chegar.

Chegando a Janaína, nós conversamos, e eu fiz muitas perguntas à Janaína no sentido da segurança dela de doar a criança, se havia livre e espontânea vontade na questão, o que havia... Se havia livre e espontânea vontade na questão, se realmente ela fazia uma doação sem arrependimento futuro, e isso eu pedi para que ela colocasse num papel, numa folha, numa folha de caderno. E a Janaína, numa folha de caderno, ela pegou e ela teve extrema dificuldade, ela teve extrema dificuldade de colocar numa folha de papel que ela estaria doando um filho seu. Depois de ela pensar, de tudo, a finalização da redação dela foi que ela estaria doando o bebê que ela estaria gerando. Esse papel está juntado ao inquérito, os senhores podem ter acesso a ele, e é um papel assinado pela Janaína. E nós tivemos o cuidado de pegar a identidade da Janaína também para conferir a assinatura dela.

Posteriormente, voltamos, relatamos o fato à Selena e ao Breno de que realmente ela queria doar por uma situação pessoal dela. O bebê era fruto de traição, de um relacionamento extraconjugal, ela teria que esconder isso de qualquer meio, mesmo porque ela decepcionaria muito a sogra dela, a quem ela devia muito respeito. Em que pese não ter um bom relacionamento com a mãe, tinha um ótimo relacionamento com a sogra. A sogra inclusive havia lhe prometido parece que uma casa, e ela tinha dois filhos naturais com esse marido, no caso. E esse marido estava fora, fazendo um curso de chefe de cozinha. E, quando eu voltei, relatei tudo isso ao meu primo.

Ah, eu queria salientar uma coisa muito importante. Eu fui a São João Del Rei às minhas expensas, a questão do almoço foi às minhas expensas, eu não pedi 1 centavo para ninguém. Eu fiz um ato que eu julgo ser um ato de que eu poderia ajudar a realizar um sonho de maternidade e de paternidade que outrora eu tinha sonhado com todas as minhas forças. E, posteriormente a isso, voltei e relatei à Selena e ao Breno todo o ocorrido, inclusive o fato de ela ser usuária de drogas, o fato de ter sido traição.

Relatei tudo, relatei toda a questão. A partir daí, eu meio que — usando uma linguagem figurada —, eu meio que saí de cena. Eu passei tudo isso a eles e pensei aqui comigo: “Agora a decisão é deles, eles vão querer saber o modo que vai ser feito, como vai ser feito e tudo o que vai ser feito”. O que eu realço para vocês é que sou pai adotivo de uma adoção absolutamente regular. Foi psicóloga à minha casa, aliás, eu fui entrevistado por uma psicóloga, eu lembro que na entrevista chorei muito; assistente social foi à minha casa, e eles fazem coisas... Eu estou contando com minúcias para vocês verem, em que pese a sentença estar transitada em julgado, mas eu quero elucidar bem isso. A assistente social vai à sua casa e, além de conversar com você, ela faz um trabalho de abrir geladeira e de uma série de coisas que... É interessante. Mas aí eu voltei e relatei isso a eles e meio que saí de cena, eu não tenho mais conhecimento do que... Eu via que depois Breno e Selena se comunicavam com Eliane, Selena principalmente se comunicava com Eliane, e Eliane com Janaína, mas, a partir daí, eu meio que saí do contexto.”

DEPOIMENTO DA SRA. CLÁUDIA GONÇALVES DENISE GIANI – Depoente.

Prestou osseguintes esclarecimentos: “Tenho dois filhos. A minha irmã tem três; eu tenho dois. Um é adolescente. E antes de vir para cá, ele falou comigo: “Mãe, fala a verdade, você não está falando a verdade? Por que todo mundo, ninguém até agora falou a verdade? Nós temos te acompanhado, a gente sabe quem somos nós e por que eles não colocam a verdade, somente a verdade?” Eu não soube explicar para ele. Ele tem 16 anos, é um adolescente. Eu tenho a minha filha de 12 anos, moro em Betim há 19 anos. Morar em Betim hoje pesa muito — muito —, porque eu perdi o meu emprego, perdi a minha vida, perdi a credibilidade.

Estou sendo julgada por pessoas que me conhecem, não me conhecem. Graças a Deus, umas me conhecem e sabem da minha índole, mas outras não me conhecem e me julgam. Isso, hoje, Deputado Arnaldo, é muito, muito, muito precioso na minha vida. Porque a minha mãe sempre ensinou para a gente que a gente tem que sempre falar a verdade. E eu passo isso, desde que os meus filhos nasceram, que a gente tem que falar a verdade. Por isso o meu filho me questionou ontem, antes de vir para cá, e eu não soube respondê-lo. Gente, do fundo do meu coração não soube respondê-lo. Estou com um pesar muito grande.

Estou sendo acusada de uma coisa que eu não fiz. Dia 10 de setembro eu dormi uma cidadã normal e dia 12 eu fui acusada de ser traficante. Isso pesa muito. Se vocês querem saber isso pesa muito na minha vida, muito. Eu tenho olhado... Quando a minha irmã foi presa, eu fiquei com três crianças: uma que tem um problema de saúde, que é o filho adotado dela, e outros dois, duas crianças que choravam de manhã, de tarde e de noite, por causa dela. Então, ela não é uma má pessoa, ela não é uma mãe que abandona os seus filhos. E eu tive essa, graças a Deus, incumbência de olhar os meus sobrinhos, juntamente com os meus filhos. Passei por uma situação muito complicada. A minha irmã tem uma agência de turismo. Cheguei lá, de repente, apareceram seis carros da polícia, com sirene ligada. Eu me senti a pior pessoa da minha vida. Porque eles foram atrás de mim e me falaram que tinham um mandado de prisão, que tinha uma pessoa foragida. Gente, não existe isso!

Olha para uma mãe, olha para a minha mãe que está na casa dela, que não tem condição nem de levantar da cama de manhã, com tranquilidade, ver as duas filhas acusadas de serem traficantes de bebês. Eu trabalho na Prefeitura tem 14 anos. Eu fui mandada embora sem nenhuma pena e nem piedade. Sabem por quê? Porque a mídia julga. Eles não querem saber os fatos. Por isso, Deputado Arnaldo, eu gostaria de agradecer imensamente a oportunidade que o senhor nos está dando. Não sei por qual motivo que o senhor... Não é?

Eu não entendo, muito, eu sou muito leiga nessas questões. Mas eu gostaria de agradecer do fundo do meu coração. A minha participação na questão desse envolvimento, na situação que aconteceu... Eu conheci Selena, que é prima do Alexandre, no início do ano, não sei a data, e ela veio visitar o Alexandre. Veio fazer um, pelo que ela falou, veio fazer um exame, que também não sei falar com o senhor. Encontrei com ela na casa de Eliane, porque, graças a Deus, a minha família é muito unida. Por isso é que estão todos aqui e estão todos muito, muito, muito tristes. Porque são três famílias que o senhor não tem noção do acontecimento: estão todos arrasados. Todos, todos muito — sabe? —, muito chateados com a situação.

E o que acontece? Eu encontrei a Selena, conheci a Selena na casa de Eliane. A gente é muito unida: eu e Eliane. Nós somos quatro irmãs. E ela veio e pronto! Depois, Eliane me ligou, conheci a Selena na casa de Eliane. Depois, mais para a frente, eu soube que a Janaína viria para ganhar o nenê. E aí não tive participação, não tive acesso, não tive, não conversei hora nenhuma com ela. A minha irmã me ligou, 5 horas, manhã mais ou menos, e falou comigo que a menina estava em trabalho de parto, com muita dor e se eu não poderia acompanhá-la ao hospital, que seria a maternidade. Maternidade porque ela era usuária de droga. E ela nem tinha feito o pré-natal, pelo que a Eliane tinha me falado. Aí nós... Eu falei: “Eliane faz o seguinte: vem que eu encontro você”. Passou um tempo, eu liguei para a Eliane ou a Eliane me ligou, eu não me lembro, porque se tiver, também nas investigações do celular vai saber, porque está tudo escrito lá.

Tudo o que eu estou falando tem como comprovar. Eliane foi e falou comigo assim... Eu falei: “Onde você está?” Ela falou: “Eu estou aqui perto da Pepsi”. Aí eu virei e falei assim: “Ah, mas aí eu não sei lhe falar como é que você vai, porque a maternidade você tem que entrar ali perto da Petrobrás, da FIAT, sentido a Teresópolis; mas, Eliane, não vai, não, porque eu não sei lhe falar; vai perder, e, como a menina está sentindo muita dor, vem pro Regional". Eu moro próxima ao Regional, meu endereço é próximo ao Regional.

Viemos próximo ao Regional. “Eu te encontro lá”. Encontrei elas. Chegou, a menina estava com dor. Entrou no hospital. A Eliane acompanhou ela.

Até então eu estava como acompanhante. E aí ela foi consultada pela emergência. Depois a médica pediu para ela fazer uma caminhada, porque ela estava, não sei, 3, 4 centímetros de dilatação, para ela fazer uma caminhada, porque tinha outras pacientes, e melhorava quando ela voltasse, assim, facilitava o parto, a dilatação. Aí, nós ficamos lá fora. A menina ficou com a gente, nós três. Ela até falou que não queria o menino. Ela agachava. Ela fazia agachamento. Ela pulava. Ela corria: “Esse menino tem que sair logo, eu não quero ele mais”, e tal. E aí deu 7 horas e meia. No que deu 7 horas e meia, nós não entramos pela porta de emergência; nós entramos por outra porta. No entrar nessa outra porta, a menina estava com mais dor, a dor frequente. E atrás, uma pessoa falou assim — do hospital que eu não sei falar com o senhor: “Não tem médico aqui hoje, a médica que está de plantão já foi embora e não tem médico Então, não atende os pacientes, não”. Aí a Janaína falou assim: “Mas e eu, eu estou passando muito mal”. Ele falou: “Não sei”. Aí eu, trabalho há 14 anos na Prefeitura, tenho conhecimento, tanto é que, quando eu fui para a delegacia, a primeira pessoa, antes de chegar à delegacia, que eu liguei, o Dr. Tito está aí e ele pode me comprovar, eu liguei foi pra ele, não foi Dr. Tito? Eu liguei pro Dr. Tito.

A gente tem conhecimento, sabe, Dr. Arnaldo? A gente tem os telefones das pessoas. Então, eu pensei, naquela hora ali, no Guilherme. Por quê? Porque falou que não tinha médico. A pessoa que me veio à cabeça foi o Guilherme. O Guilherme me conhecia sim, me conhecia, porque a gente trabalhou junto. Desculpa, nós trabalhamos juntos, não, nós nos conhecemos porque houve um trabalho que foi feito na ASMUBE, a gente se conhecia, sim. Amizade não. Nós não éramos amigos, mas de conhecido, sim, como eu conheço várias pessoas. A gente tem acesso às pessoas. Por quê? Eu trabalhava no setor de estágio da Prefeitura, na Secretaria de Administração, então, eu tenho o telefone dessas pessoas em meu celular. Aí a menina da recepção ainda falou assim: “Você tem o telefone do Guilherme para me passar, porque às vezes a gente quer falar com ele e não consegue”. Eu passei o telefone pra menina.

E, nesse meio tempo, a Janaína passou mal, e a Eliane foi pro banheiro com ela. A menina falou assim: “Não, vou esperar eles falarem que aqui não tem médico, não. Ela está passando muito mal, me dá o documento dela”. Eu peguei um documento, que era um papel ofício, que fala, entreguei pra menina, que era a bolsa dela em que estava o documento. Entreguei pra ela. (...) E aí entrou, a Eliane passou mensagem para eu levar a máquina fotográfica, tem isso no celular dela também, para ela levar a máquina pra tirar foto do neném, ainda falou assim: “Eu vou assistir ao parto”. Tem no celular também mensagem. Ainda falou comigo: “Eu vou assistir ao parto. Traz a máquina”.(...)

A minha identidade está lá. Hora nenhuma, eu não falei

que eu era outra pessoa; hora nenhuma, eu não assinei errado; hora nenhuma, eu não dei as caras. Quando eu entrava no hospital, eu sempre apresentava a minha identidade. Não existe jaleco branco dentro de hospital. Se existir, eu gostaria muito que me provassem isso, porque não existe. Falei com o Guilherme, sim. A Eliane internou com a menina, acompanhou ela, ganharam neném, foi tudo bem.

No outro dia, levei um lanche para ela no hospital. Se tiver a câmera, também se pode comprovar isso. Quem estava lá fora? Guilherme e... Eu não sei, não me recordo bem se era Marcos ou Márcio. Estávamos eu e minha irmã. Ele apresentou para a gente esse rapaz, que me parece que era do administrativo ou do financeiro, não sei. E ele comentou comigo... Conversamos lá fora. Durante 2 minutinhos, conversamos, e ele falou comigo: “Qualquer coisa que você precisar....” Ainda falou: “Você está aqui por qual motivo?” Falei: “Minha irmã está acompanhando uma pessoa que ganhou neném”. Foi essa a minha fala. “Se precisar de alguma coisa...” “Tudo bem”.

À tarde, nós ficamos sabendo que o neném não iria ter alta. E ficamos muito preocupadas. Eliane me ligou e falou comigo assim: “Cláudia, será que o

neném está com algum problema?” E nós pensávamos sempre no pior, sempre na hipótese, para o senhor ter uma ideia, de que nunca ia acontecer isso. Nós pensamos na hipótese de a criança estar passando mal, estar muito doente. E, aí, o que eu fiz? Eu liguei para o Guilherme. Da Prefeitura, liguei para o Guilherme do meu celular. “Guilherme, é Cláudia, tudo bem? Lembra que eu fui aí de manhã? Minha irmã está acompanhando a menina de que eu te falei. Eu gostaria de ver com você, porque o neném não teve alta, e o médico não falou para gente qual seria o motivo. Ele não falou.” Ele foi e falou assim: “Cláudia, procura Madalena, que é assistente social. Ela vai saber te explicar”. Deu o tempo? Passou? Está certinho?

Aí, cheguei no hospital, apresentei minha identidade, subi, procurei Madalena, não encontrei Madalena. Quando eu entrei — e tem imagens disso no hospital —, eu dei de cara com o médico. O médico se chama Dr. Frederico. Ele se apresentou e eu me apresentei para ele. Falei com ele que eu estava procurando a Madalena, que ela era assistente social, e ele falou assim: “Ela não está aqui”. A menina falou: “Ela não está aqui”. E ele estava falando para a Eliane e para a Janaína por que o neném não ia sair. Falou que não ia sair, mas não falou o porquê. Aí eu virei e falei: “Dr.Frederico, meu nome é Cláudia”. Aí eu falei com ele: “Eu trabalho na Prefeitura”.

Essa foi a hora em que eu falei com ele que eu trabalhava na Prefeitura. Foi isso que eu falei. Não falei... Não. O Guilherme me conhece, ele sabe que eu trabalho na Prefeitura. Nunca trabalhei na área da saúde. E aí ele virou e falou comigo assim: “Cláudia, você tem que procurar Madalena”. E Madalena não atendeu a gente depois, explicou que a menina era usuária, que ela estava preocupada. E a fala dessa foi essa. Mais tarde, como eu já havia procurado o Guilherme e liguei para ele novamente falando com ele da situação do menino, ele falou que me daria um retorno e não me deu. Como não me deu o retorno, eu liguei várias vezes para ele, para ele tentar, porque ele falou que iria falar com a Madalena para ver o que era e não me falou.

No final da noite, quando eu já havia ligado para ele umas cinco ou seis vezes, ele falou comigo que era para a minha irmã procurar o médico de plantão. Eu gostaria de deixar bem claro, Deputado Arnaldo, que eu era funcionária pública. Perdi tudo na minha vida. Só não perdi, graças a Deus, a tranquilidade de deitar na minha cama à noite e saber que eu estou falando a verdade, de estar com alguma preocupação de mais tarde vir à tona uma coisa que eu não falei, uma inverdade, que eu omiti uma coisa. Em hora nenhuma eu tenho essa preocupação, sabe, Dr. Arnaldo? Tanto é que eu sentei com os meus dois filhos e falei com eles: “É isso, isso e isso. Por quê? Amanhã ou depois, quando alguém chegar para vocês na escola e falar isso, isso e isso, vocês vão ter como argumentar que a sua mãe não é o que eles estão falando.”

Então, hoje eu estou aqui com um pesar muito grande. Muito grande mesmo, porque eu não esperava isso nunca, nunca de ser indiciada, Dr. Tito, por tráfico de criança. Nunca na minha vida. Igual eu falei com o senhor, a mesma fala que eu falei com o Guilherme, a mesma ligação que eu fiz para o Guilherme, eu fiz para o Dr. Tito também. Então, ele é uma prova viva de que a gente não força ninguém a fazer nada. As pessoas sabem o que têm feito. E como eu estou muito tranquila na minha situação, tenho pedido muito a Deus força e sabedoria, porque isso não veio por qualquer coisa, não. Isso veio por alguma coisa na vida da gente. É isso que eu tenho imaginado.”

O caso se mostra de interesse da CPI, principalmente para subsidiar alterações legislativas que insiram no ordenamento jurídico pátrio a tipificação da conduta de tráfico interno de pessoas para fim de exploração laboral, em consonância com o Protocolo de Palermo.

13.7. CASO DA GUARDA DA MENOR FERNANDA ALMEIDA RAMOS EM MAZAGÃO – AP

Trata-se de notícia de alegada concessão indevida de guarda provisória à família substituta da menor Fernanda Almeida Ramos (ou Jeane Ramos Nascimento – duplo registro), à época com dois meses de vida.

Segundo a denúncia, a criança foi encontrada “abandonada material, afetiva e moralmente por seus pais biológicos, ambos toxicômanos, em uma “boca de fumo” no bairro Perpétuo Socorro, em Macapá, sem notícias, ao menos no momento em que pleiteada sua guarda provisória pelo casal Alexandre Soares Fortes da Silva e Adriana Rodrigues Seidle da Silva, de parentes consanguíneos seus que pudessem prestar-lhe amparo” (fls. 141, vol. 32).

Consta do Requerimento da Deputada Janete Capiberibe que “trata-se de um caso suspeito de tráfico de pessoas, pela forma irregular com que se deu a adoção da referida criança, e pelas declarações do juiz por ter solicitado dinheiro para a devolução da criança aos avós”.

A CPI recebeu em 01/07/2013 ofício da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados dando-lhe conhecimento de expediente encaminhado àquela Comissão e também à Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e à Comissão de Direitos da Pessoa Humana do Amapá referente ao Requerimento de convite e convocação para depor na CPI do Senhor Juiz Saloé Ferreira da Silva e de sua mulher Darlita Daniela Ferreira Barros.

No expediente alegam os requerentes estar sofrendo “inúmeras represálias, ataques de notícias inverídicas na mídia local e nacional, principalmente nas redes sociais, como facebook, twitter, blogs”, os quais estariam destruindo sua moral, carreira profissional e interferindo na vida privada de ambos, causando transtornos a sua dignidade e honra que consideram irreparáveis.

Documentos recebidos:

A CPI recebeu em 01/07/2013 ofício da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados dando-lhe conhecimento de expediente encaminhado àquela Comissão e também à Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e à Comissão de Direitos da Pessoa Humana do Amapá referente ao Requerimento de convite e convocação para depor na CPI do Senhor Juiz Saloé Ferreira da Silva e de sua mulher Darlita Daniela Ferreira Barros.

No expediente alegam os requerentes estar sofrendo “inúmeras represálias, ataques de notícias inverídicas na mídia local e nacional, principalmente nas redes sociais, como facebook, twitter, blogs”, os quais estariam destruindo sua moral, carreira profissional e interferindo na vida privada de ambos, causando transtornos a sua dignidade e honra que consideram irreparáveis.

Providências do caso:

Foram efetivadas até o momento as seguintes diligências:

• Juntada do ofício n.º 89/13, firmado pela Deputada Janete Capiberibe, às fls. 143 do volume n.º 32 (ostensivo), solicitando, em síntese, que a CPI investigue o caso;

• Juntada de cópia da representação da Sra. Magali Bandeira contra o Juiz Saloé Ferreira (fls. 130/139, vol. 32) com a respectiva decisão do TJAP (fls. 140/142, vol. 32);

• Juntada de cópia de decisão proferida nos autos do Procedimento Administrativo nº 304/2013 – CGJ, indeferindo a instauração do PAD contra o Juiz de Direito que deu a guarda da criança a família substituta;

• Juntada de cópia da decisão interlocutória do Sr. Juiz Cesar Augusto Souza Pereira, JIJ de Macapá, firmando a competência do Juízo e mantendo a guarda provisória da menor com o casal de Jundiaí;

• Juntada na “pasta do caso” de relatório do Auditor Federal de Controle Externo Wilson Malnati;

• Oitiva de Adriana Rodrigues Seidle da Silva e Alexander Soares Fortes da Silva, guardiões da menor, cuja transcrição encontra-se no site (). Não foram detectadas quaisquer contradições ou irregularidades no depoimento de ambos;

• Juntada do ofício nº 684/2013, da Comissão de Seguridade Social e Família, encaminhando depoimento de MAGALI BANDEIRA DOS SANTOS prestando perante aquela Comissão.

• Oitiva da Sra. Magali Bandeira dos Santos.

Não há nos autos desta CPI referências a inquérito policial ou ação penal em curso para apurar as supostas irregularidades na destituição do poder familiar. Consta da “pasta do caso” o Procedimento Administrativo n.º 304/2013 – CGJ, instaurado para avaliar a conveniência da abertura de Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz da causa.

Tramitam na Comarca de Macapá os autos de adoção 0001044-07.2011.8.03.0003, da menor Jeane ramos Nascimento, em favor de Adriana Rodrigues Seidle da Silva e Alexander Soares Fortes da Silva, de Jundiaí-SP (que detém a guarda provisória).

Considerando-se que a destituição do poder familiar foi precedida de autorização judicial e que a Corregedoria do TJ/AP concluiu pela não instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar contra o Juiz de Direito que deu a guarda da criança a família substituta (vide item 2.1.2), opina o Delegado da Polícia Federal que auxilia os trabalhos da Comissão pelo arquivamento do caso no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência entre o caso e o objeto da Comissão.

13.8. CASO DAS MODELOS LUDMILA E LUANA, ENVIADAS PARA A ÍNDIA

O caso se resume, pelo noticiário de jornais e pelas informações que foram obtidas junto ao Procurador, o Dr. Jefferson Aparecido Dias, da denúncia de que três modelos brasileiras saíram do Brasil para seguir carreira de modelo internacional, conforme matéria publicada na imprensa, de uma maneira geral, sob o título “Modelos foram vítimas de tráfico de pessoas para a Índia”. Elas, segundo a notícia, acabaram sendo submetidas a assédio moral e a assédio sexual, além de cárcere privado e servidão por dívida, de acordo com a acusação feita pelo Dr. Jefferson, Promotor do Ministério Público.

Esta denúncia de que essas três jovens foram submetidas a assédio moral e sexual, além de cárcere privado e servidão por dívida, de acordo com a acusação feita pelo Ministério Público, esta denúncia foi acolhida pelo Juiz Federal João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Cível de São Paulo, que determinou que as agências brasileiras Agency Model’s e Raquel Management parassem imediatamente de enviar modelos ao exterior.

Em entrevista ao Repórter Brasil, o proprietário dessa agência, o Sr. Benedito, negou que tivesse algum envolvimento com essa prática, e segundo a Sra. Raquel Felipe, proprietária, não se manifestou, pelo menos, à imprensa até o momento.

As brasileiras, duas irmãs de 15 e 19 anos, de São José do Rio Preto, e uma jovem de 19 anos, de Passos, em Minas Gerais, deixaram o País com contratos para fotografar em Mumbai, na Índia. A jovem de Passos, de Minas, assinou contrato com a Dom Model’s em dezembro de 2010. Ao chegarem à Índia, as três jovens, segundo a matéria, acabaram submetidas a condições degradantes e tiveram a liberdade cerceada.

De acordo com o depoimento que prestaram ao Ministério Público, elas eram impedidas de deixar o apartamento em que viviam, em um edifício localizado em uma zona de exploração sexual, e só conseguiram escapar porque o pai das duas irmãs denunciou a situação ao Consulado brasileiro em Mumbai.

As jovens foram resgatadas e conseguiram voltar ao Brasil no dia 26 de dezembro. O agente da K Models Management chegou a ser preso pela polícia indiana na ocasião. Para as autoridades brasileiras as jovens relataram que ele pagou para que vigias do edifício as impedissem de deixar o local.

Além da liminar para que as agências parassem imediatamente de enviar modelos ao exterior, o Dr. Jefferson Aparecido Dias, Procurador-Regional, esperava que os proprietários fossem condenados a indenizar as três por danos materiais, além dos inequívocos danos morais. O pedido da Promotoria é de ressarcimento à União de 2.116 dólares, que foi o valor gasto pelo Consulado da Índia durante o processo de resgate e recondução das modelos ao Brasil.

A notícia dos fatos gerou Requerimentos regimentais formulados pelos Deputados Arnaldo Jordy (18 e 19/2012); Paulo Freire (30/2012 e 71/2013), todos cumpridos.

Providências do caso:

Foram efetivadas até o momento as seguintes diligências:

• Oitiva de BENEDITO APARECIDO BASTOS, Proprietário da Dom Agency Model's, em audiência pública realizada em 19/06/2012;

• Oitiva de LUDMILA FERREIRA VERRI (vítima) e DAMIÃO VERRI (pai da vítima) em audiência pública realizada em 10/07/2012;

• Juntada de documentos relativos ao caso na sua pasta individualizada;

• Os fatos foram apurados no bojo dos Inquéritos Policiais n.º 622/2011, instaurado pela Delegacia de Polícia Federal de São José do Rio Preto/SP, e n.º 156/2011, instaurado pela Delegacia de Polícia Federal de Divinópolis/MG, relatado sem indiciamentos.

Muito embora o caso possa servir de subsídio para alterações na legislação nacional, de forma a incluir a finalidade de “exploração laboral” como elementar do tipo penal do crime de tráfico de pessoas (que atualmente só ocorre se a finalidade é exploração sexual, segundo o Código Penal), sugere-se o seu arquivamento no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência entre o caso e o objeto da Comissão.

Os depoimentos colhidos pela CPI passam a ser transcritos de forma suscinta.

DEPOIMENTO DA SRA. RAQUEL FELIPE – Agenciadora de modelos, na modalidade scouter.

A depoente explicou que trabalha como autônoma, em casa, e que é auxiliada pelo marido. Há as empresas mãe, que contratam as modelos e a função da depoente é indicar as modelos para as agências e ministrar-lhes um curso de treinamento antes, pelo qual cobra cerca de duzentos reais, de acordo com o seu depoimento.

Disse que existem três tipos de contrato feitos com as modelos: contrato de risco, de garantia, e contrato salário. Os contratos são de dois, três e, no máximo, seis meses. Explicou que, quando se trata de modelo ainda não conhecida, o contrato feito é de risco. Neste caso, a modelo recebe uma ajuda de custo que será cobrada quando ela começar a ganhar pelos trabalhos realizados.

O contrato feito com a Luana foi de risco. Explicou que o risco depende do país e da agência. Na Europa, a agência paga trinta por cento para a modelo e fica com setenta por cento. Disse ainda que, quando não há agência cuidando das modelos, a depoente ganha dez por cento do faturamento das modelos, quando há a participação de uma agência, ela recebe apenas cinco por cento do pagamento feito à modelo por ela indicada. Relatou que houve quebra do contrato, que tal contrato não foi cumprido pelas partes.

Segundo a depoente, no caso de Ludmila e Luana, se o trabalho tivesse dado certo, as modelos receberiam cinquenta por cento, a agência, quarenta por cento, e a depoente, dez por cento. Comentou também que as passagens das modelos são sempre de ida e volta e que ela, depoente, nunca trabalhou com passagem só de ida.

Mencionou que Ludmila e Luana procuraram a agência por indicação de outra modelo, com a qual a depoente já havia trabalhado e que essa mesma modelo foi quem lhe indicou o agente de modelos Vivek. Disse a depoente que ajudou as modelos em tudo e que não tinha conhecimento de qualquer situação de cárcere privado, pois as meninas circulavam livremente pela cidade.

Negou ter qualquer conhecimento de situação de exploração sexual das modelos ou de que moravam em um prédio em que se desenvolviam atividades de prostituição.

Disse não ter conhecimento de qualquer antecedente criminal do agente de modelos Vivek e também não sabia que ele era alcóolatra, só tomando conhecimento de que bebia por informação das meninas.

Disse que a Ludmila só pediu para voltar depois de dois meses e que o contrato era de seis meses. Mencionou que a Ludmila fez apenas um trabalho.

Mencionou que prestava atendimento devido às depoentes, inclusive pelo SKYPE. Disse não ter conecimento de qualquer assédio das meninas por parte do agente de modelos Vivek.

Disse que, no momento, está trabalhando como maquiadora e produtora, já que se encontra impedida de exercer atividades de agenciamento de modelos, em virtude do episódio ocorrido com Ludmila e Luana.

DEPOIMENTO DO SR. BENEDITO APARECIDO BASTOS- Proprietário da Agência Dom Agency Model's.

O caso se resume, pelo noticiário de jornais e pelas informações que foram obtidas junto ao Procurador, o Dr. Jefferson Aparecido Dias, da denúncia de que três modelos brasileiras saíram do Brasil para seguir carreira de modelo internacional, conforme matéria publicada na imprensa, de uma maneira geral, sob o título “Modelos foram vítimas de tráfico de pessoas para a Índia”. Elas, segundo a notícia, acabaram sendo submetidas a assédio moral e a assédio sexual, além de cárcere privado e servidão por dívida, de acordo com a acusação feita pelo Dr. Jefferson, Promotor do Ministério Público.

Esta denúncia de que essas três jovens foram submetidas a assédio moral e sexual, além de cárcere privado e servidão por dívida, de acordo com a acusação feita pelo Ministério Público, esta denúncia foi acolhida pelo Juiz Federal João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Cível de São Paulo, que determinou que as agências brasileiras Agency Model’s e Raquel Management parassem imediatamente de enviar modelos ao exterior.

Em entrevista ao Repórter Brasil, o proprietário dessa agência, o Sr. Benedito, negou que tivesse algum envolvimento com essa prática, e segundo a Sra. Raquel Felipe, proprietária, não se manifestou, pelo menos, à imprensa até o momento.

As brasileiras, duas irmãs de 15 e 19 anos, de São José do Rio Preto, e uma jovem de 19 anos, de Passos, em Minas Gerais, deixaram o País com contratos para fotografar em Mumbai, na Índia. A jovem de Passos, de Minas, assinou contrato com a Dom Model’s em dezembro de 2010. Ao chegarem à Índia, as três jovens, segundo a matéria, acabaram submetidas a condições degradantes e tiveram a liberdade cerceada.

De acordo com o depoimento que prestaram ao Ministério Público, elas eram impedidas de deixar o apartamento em que viviam, em um edifício localizado em uma zona de exploração sexual, e só conseguiram escapar porque o pai das duas irmãs denunciou a situação ao Consulado brasileiro em Mumbai.

As jovens foram resgatadas e conseguiram voltar ao Brasil no dia 26 de dezembro. O agente da K Models Management chegou a ser preso pela polícia indiana na ocasião. Para as autoridades brasileiras as jovens relataram que ele pagou para que vigias do edifício as impedissem de deixar o local.

Além da liminar para que as agências parassem imediatamente de enviar modelos ao exterior, o Dr. Jefferson Aparecido Dias, Procurador-Regional, esperava que os proprietários fossem condenados a indenizar as três por danos materiais, além dos inequívocos danos morais. O pedido da Promotoria é de ressarcimento à União de 2.116 dólares, que foi o valor gasto pelo Consulado da Índia durante o processo de resgate e recondução das modelos ao Brasil.

A esta CPI o Sr. Benedito Bastos, dono da Dom Agency Model’s, diz que foi responsável pelo envio de apenas uma das modelos envolvidas no processo e alega que em nenhum momento ela relatou abusos ou contou ter sido submetida a condições de exploração na Índia. Segundo também o Sr. Benedito, em depoimento prestado à imprensa, as outras duas modelos teriam se desentendido com a agência local pela falta de demanda de trabalho e fizeram a denúncia ao Consulado para conseguirem passagens de volta ao Brasil. Diz que toda a documentação estava regularizada e nega que faça parte de qualquer tipo de atividade relacionada ao tráfico de exploração de pessoas.

Afirmou nesta investigação parlamentar que vários modelos enviados e encaminhados para as agências de São Paulo conseguiram objetivos produtivos, sucesso, dentre eles muitos hoje estão trabalhando em TV, cursos profissionalizantes, modelando várias campanhas famosas no Brasil e no exterior. Alguns anos mais tarde, a Dom começou a enviar modelos para o exterior, sendo estes através de parcerias com as grandes agências e os scouters, que são agentes internacionais. E o vem fazendo até hoje de uma forma clara, honesta, transparente, sem enganação e com muito profissionalismo. A Dom não trabalha com muitos modelos, mas aos que têm no seu casting, ou mailing, procura dar uma atenção especial e tenta fazer acontecer algo bacana com cada um deles, pois sabe que isso mexe com os sentimentos, egos de pessoas, modelos e pais. E a Dom sempre teve essa preocupação com todos, pois é uma empresa familiar, onde trabalham apenas Bené Bastos e Adriana Freire, esposa, e uma equipe de suporte internacional. A agência é do interior de Minas Gerais, onde não se tem tantas opções de trabalho nesse segmento, sendo, então, os modelos, depois de preparados, são encaminhados para o mercado de São Paulo, Rio de Janeiro ou exterior.

O Depoente afirmou que foi investigado e inocentado no IP instaurado pela Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal, no suposto tráfico internacional de pessoas, IP iniciado em meados de 2011 e finalizado no dia 28 de maio de 2012. Também disse que a Dom Agency Model’s não enviou, não envia e nunca enviará modelos para a prostituição, tráfico internacional de pessoas.

Mencionou a responsabilidade no caso da agência Raquel Management, que é uma parceira há mais de 12 anos. Raquel, a proprietária, já foi modelo, trabalhou no Japão por 7 anos, e, enfim, resolveu ser uma agente internacional, pela experiência como modelo que ela tinha.

Disse o Depoente: “O cliente K Model’s não é meu... Não era meu, era da Raquel Management. Então, eu citei isso, nos meus depoimentos, na Polícia Federal. (...)Então, a Raquel é que estava cuidando da minha modelo. A minha modelo não teve problema nenhum profissional, nesses dois meses em que ficou na Índia. O problema houve... Se houve alguma coisa, isso também está no relatório que me foi passado hoje, por e-mail... Se vocês quiserem, eu deixo aqui o relatório, o depoimento das duas meninas da Raquel, que ela me passou, certo, deixo aqui para vocês comprovarem que a causa foi... Não foi com a minha modelo, apesar de que a Raquel é que estava cuidando dela, o problema foi com as outras duas meninas.” Disse que acredita que o problema com essas duas modelos se deu mais devido a diferenças culturais.

Acrescentou: “O contrato da Índia foi feito com a modelo. A agência da Índia contratou a modelo. No Brasil, a modelo me contrata para tomar conta dela, pra correr atrás das possibilidades pra ela. Quando vem o contrato internacional, quem está negociando é considerado como agência-mãe. Ele consta no contrato. A agência-mãe tem os deveres e as obrigações. Cinco por cento de tudo o que essa modelo faturar é devido a sua agência.”

Perguntado sobre quanto a modelo paga para ser enviada ao exterior no caso de não conseguir trabalho, o Depoente afirmou que não paga nada, é um investimento da empresa, pois ela ganha em experiência para próximas atividades internacionais.

O caso serviu de subsídio para alterações na legislação nacional, o que foi feito no Projeto apresentado pela Comissão, para exigir que essas contratação sejam feitas por pessoa jurídica devidamente registrada, e também para incluir a finalidade de “exploração laboral” como elementar do tipo penal do crime de tráfico de pessoas.

No mais, fica sugerido seu arquivamento no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência entre o caso e o objeto de investigação da Comissão, por não se tratar de tráfico de seres humanos, mais de irregularidades contratuais a serem resolvidas na esfera cível.

13.9. CASO DA MODELO MONIQUE MENEZES DA SILVA, ENVIADA PARA A ÍNDIA.

A modelo Monique é mais um caso aparente de tráfico de mulheres para o exterior, com a situação de aliciamento para trabalhar como modelo.

Monique foi contratada pelo scouter Júnior Pelicano, que a agenciou para trabalhar como modelo na Índia. O trabalho deveria girar em torno de fotos para revistas, com a duração de seis meses e um salário de dois mil e cem dólares fixos, valores estes que seriam depois descontados dos dos valores obtidos com os trabalhos realizados pela modelo.

Ocorre que, ao chegar à Índia, Monique enfrentou outra realidade, sendo obrigada a trabalhar como garçonete em festas, onde sofria constantes assédios sexuais, inclusive com convites para fazer programas sexuais.

Com ela, moravam mais duas modelos que já estavam lá quando ela chegou. Moravam as três na casa da gerente da agência de modelos “Be One” na Índia, de nome Anne Sabrine.

Monique passou fome e sofreu muitas humilhações, além de ter sido obrigada a trabalhar doente. Dos dois mil e cem dólares prometidos por mês, apenas cento e sessenta eram efetivamente repassados para ela.

A casa onde habitava também tinha cachorros e gatos, que, por vezes, comiam as comidas das modelos, comiam nas mesmas panelas em que as refeições das modelos eram preparadas e deitavam em suas camas, chegando até mesmo a urinar em seus cobertores.

O agenciador Júnior Pelicano não lhe deu assistência, não tomou nenhuma providência e, depois de algum tempo, não atendia sequer as ligações que ela fazia.

Para fugir dessa situação, Monique teve de recorrer ao Consulado brasileiro na Índia e à polícia. A gerente da agência de modelos cancelou sua passagem de volta ao Brasil, diante do que ela teve de recorrer à ajuda de terceiros para obter a passagem de volta.

A notícia dos fatos gerou Requerimento regimental nº 42/2012, formulado pelo Deputado Paulo Freire, aprovado em 01/08/2012. As providências previstas no requerimento foram todas cumpridas, tendo sido a convidada ouvida perante a CPI na data de 04/12/2012.

Foram colhidos depoimentos acerca do tráfico de pessoa para a Índia. Passamos a trancrever de forma suscinta as informações aqui trazidas pelos depoentes.

DEPOIMENTO DA SRA. MONIQUE MENEZES DA SILVA – Modelo.

Disse que começou como modelo aos treze anos e sempre foi bem tratada, até que conheceu o scouter Júnior Pelicano, que a agenciou para trabalhar na Índia.

O trabalho consistia basicamente em fotos para revistas, tinha a duração de seis meses e deveria render-lhe um salário de dois mil e cem dólares, além dos valores obtidos com os trabalhos realizados.

Ao chegar à Índia, conheceu mais duas modelos agenciadas pelo Júnior Pelicano. Essas modelos realizavam trabalhos juntamente com a depoente e moravam no mesmo lugar, uma casa pertencente à gerente da agência de modelos que firmou contrato com a depoente. Essa gerente era uma francesa de nome Anne Sabrine, que, segundo a depoente, maltratava constantemente as modelos, deixando-as inclusive com fome.

Ressaltou ainda, que, ao chegar à Índia, descobriu que o contrato feito com as modelos não previa assistência médica, despesa esta a ser arcada por elas.

Nas primeiras duas semanas, fez alguns trabalhos próprios de modelo, porém, após esse prazo, começou a ser enviada para atuar em festas como garçonete, servindo bebidas a convidados, ocasião em que sofria muito assédio sexual.

A gerente Sabrine vivia chamando as modelos de gordas e as proibia de comer. Disse que, certa ocasião, teve infecção intestinal e assim mesmo foi obrigada a trabalhar.

Nessas festas, trabalhava até a madrugada e, no dia seguite, era obrigada a acordar cedo para trabalhar novamente. Relatou que a casa onde habitava era cheia de cachorros e gatos, que, por vezes, comiam as comidas das modelos, eram colocados para comerem nas mesmas panelas em que as refeições das modelos eram preparadas e também os gatos deitavam em suas camas e até chegaram a urinar em seus cobertores.

Disse que ligou várias vezes para o Júnior Pelicano e que este não tomou nenhuma providência e, depois de algum tempo, sumiu e ela não mais conseguiu fazer contato com ele, tendo que se virar sozinha.

A agência que assinou o seu contrato na Índia chama-se “Be One” e pertence a Abshek e Anka, segundo a depoente, também franceses. Comentou que o Júnior Pelicano se referia ao dono da agência como sendo Chirag, pessoa que ela nunca conheceu nem sabe se existe ou se se trata de uma figura fictícia.

Disse que foi indicada para o Júnior Pelicano por uma colega modelo que trabalhara com ela em outra agência, mas descobriu posteriormente que essa colega não ficou também satisfeita com os trabalhos para os quais o Júnior Pelicano a agenciou.

Relatou ainda que, em duas ocasiões, teve de recorrer à polícia para fugir do quarto onde estava sendo assediada sexualmente. Uma em um hotel onde ficou quando foi realizar um tabalho e outra na casa de Sabrine.

A depoente, para fugir dessa situação, teve de recorrer ao consulado brasileiro na Índia, onde disse ter sido muito bem tratada. A passagem de volta ao Brasil foi cancelada pela Sabrine e a modelo teve de contar com a ajuda de um empresário para o qual tinha realizado trabalhos, o qual a doou a passagem de volta ao Brasil.

Disse que vivia em uma situação semelhante a de escravo e sofria constantes humilhações por parte de Sabrine. Relatou ainda que, por conta desses acontecimentos, ficou bastante traumatizada e que tem muita dificuldade em trabalhar. Atualmente, para sobreviver, mora com os pais e realiza pequenos trabalhos na Bahia.

O caso serviu de subsídio para alterações na legislação nacional, o que foi feito no Projeto apresentado pela Comissão, para exigir que essas contratação sejam feitas por pessoa jurídica devidamente registrada, e também para incluir a finalidade de “exploração laboral” como elementar do tipo penal do crime de tráfico de pessoas.

No mais, fica sugerido seu arquivamento no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência entre o caso e o objeto de investigação da Comissão, por não se tratar de tráfico de seres humanos, mais de irregularidades contratuais a serem resolvidas na esfera cível.

13.10. CASO DOS OPERÁRIOS DA USINA JIRAU

Audiência pública conjunta da Comissão de Direitos Humanos e na CPI do Tráfico de Pessoas para apuração de uma denúncia encaminhada por um conjunto de entidades, dentre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil, e a Arquidiocese de Rondônia, CEBRASPO e outras entidades, acerca de alguns episódios envolvendo os direitos de trabalhadores no complexo de Jirau, na Hidrelétrica de Jirau. Parte dos fatos relacionados a episódios que foram de conhecimento público, os episódios de uma greve com outras decorrências a partir desse movimento.

Foi encaminhado à CPI farto material e a OAB Federal designou, a pedido desta CPI, advogado para acompanhar o caso.

A CPI colheu depoimentos sobre este caso, que passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DO SR. RAIMUNDO BRAGA DA CRUZ SOUSA – Operário.

Contexto: Audiência pública conjunta da Comissão de Direitos Humanos e na CPI do Tráfico de Pessoas para apuração de uma denúncia encaminhada por um conjunto de entidades, dentre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil, e a Arquidiocese de Rondônia, CEBRASPO e outras entidades, acerca de alguns episódios envolvendo os direitos de trabalhadores no complexo de Jirau, na Hidrelétrica de Jirau. Parte dos fatos relacionados a episódios que foram de conhecimento público, os episódios de uma greve com outras decorrências a partir desse movimento.

Foi encaminhado à CPI farto material e a OAB Federal designou, a pedido desta CPI, advogado para acompanhar o caso.

Dada a gravidade da denúncia, reproduzimos abaixo a declaração do Depoente, que forneceu a esta CPI importantes subsídios para compreensão do tráfico de pessoas que vem ocorrendo em obras de usinas hidrelétricas.

Disse a vítima: “Eu estou aqui apenas, mesmo, só para falar a verdade do que aconteceu comigo dentro da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Então, foi uma coisa que aconteceu lá, porque eu vim da minha cidade apenas para construir minha vida, ter um futuro melhor mais para frente, já que lá as coisas é mais difícil. Então, eu vim tentar conseguir uma coisa melhor, trabalhando, deixando meu suor, e levar o dinheiro deles para construir, ajudar minha família, minha mãe. Então, aconteceu coisas que eu nunca pensei na minha vida de acontecer comigo. Então, como eu vim de lá, de minha cidade, tinha um gato lá, que disse que estava pegando gente e estava levando. Passou na rádio, então eu fui colocar meu nome lá. Então, aí, eu botei meu nome e ele me cobrou, nesse tempo, 500 reais. Isso, pra levar. E pediu identidade e CPF. Então, no dia que foi viajar essa carrada pra Rondônia, eu não consegui o dinheiro. Então, depois eu fui mais atrás. A carrada dele foi embora, porque eu não tinha o dinheiro pra pagar, então ele não levava.

Disse que eu não tinha o dinheiro. Então, foi embora a carrada. Uns 15 dias depois eu arrumo o dinheiro emprestado, eu consegui. Então, eu fui. Quando eu chego lá, eu já encontro os colegas meus na rodoviária, em Porto Velho, rodado, que disse que ele tinha só pegado, levou, chegou lá, só deixou lá e disse: “Não, SINE é pra ali.” E só mostrou o SINE. E ele sumiu. Então, disse que a negada queria era mata-lo ele, por que deixou todo mundo lá, sem dinheiro e rodado, e a Camargo Correia não estava pegando. Disse que com 2 meses depois, com 1 mês depois foi que ela estava pegando, estava fichando a negada, que foi o tempo que eu cheguei.

Eu peguei, levei meus papel, aí os outro também levaram. Aí foi que ela chamou nós. Então, eu entrei pra dentro do canteiro de obras do Jirau. Eu trabalhei 8 meses.

Aí foi que começou o motivo dessa greve lá. Começou a greve, aí, um dia, eu estava pro Jaci, e quando eu cheguei lá não tinha ônibus. O ônibus estava levando só até o meio do caminho, não estava levando até lá. Aí, então, quando eu cheguei, na volta da 1 e pouco da manhã, de longe eu vi aquele fogo. Então eu saí correndo pra pegar os meus pertences, que estavam no meu quarto: meus documento, minhas roupa.

Então, eu chego lá, não tinha pegado fogo no meu pavilhão. Eu só entro, arrumo minhas coisas. Aí eu arrumo. Quando eu digo: “Olha, é o seguinte, eu vou bem aqui, assim, no pavilhão 2, atrás dos colega que mora na mesma cidade que eu moro. Já que coisaram esses fogo aí, então ela vai mandar nós pra casa e depois ela vai mandar chamar.”

Então, eu fui. Aí eu peguei minha carteira de cigarro, acendi meu cigarro e saí, né, riscando o isqueiro. E fui embora. Quando eu cheguei lá, eu perguntei pelo meus colega na frente, meus amigos, lá. Aí disseram que eles não estava lá. Aí eu procurei lá por detrás. Eu rodeei. Quando eu rodeei por detrás do pavilhão, chegou um policial me dando ordem de prisão, mandando eu ir pra parede, me chamando de vagabundo. Eu disse pra ele que eu não ia, não, que eu não devia a ele; que eu estava ali dentro era trabalhando, ganhando meu dinheiro, então ele não podia me chamar de vagabundo, não, e ele não ia me levar preso.

Aí ele já puxou a arma dele, engatilhou do meu rumo. Aí, quando eu me espanto, aparece um num canto e outro no outro do pavilhão, já dizendo que era pra mim ir pra parede. Aí meu colega que estava conversando comigo disse: “Olha, vai que ele vai te atirar, ele vai te matar”. Eu disse: “Pode deixar que se ele quiser atirar ele pode atirar, que eu não devo ele, não. Então, eu não vou me entregar a ele, não”. Aí, com muita luta foi que apareceu mais um policial. Aí eu fui pra parede. Aí eles me algemaram. Aí me levaram. Quando ele chegou... A viatura dele estava localizada do lado do meu quarto, do meu pavilhão. Então, quando chega lá, tremeu o pavilhão: meus colega não queriam deixar me levar, porque disseram que eu não tinha nada a ver, porque nem lá eu estava. Aí eles: “Não, nós vamos levar ele ali e já nós traz”.

Aí, pegaram eu. Aí me levaram e me jogaram bem no meio. Aí, quando entra um policial de um lado e outro do outro. Quando eu já espanto, vira a pancada na boca do meu estômago. Aí se acabou o homem. Aí ele disse: “Olha aí, miserável, o que tu fez aí. Tu acabou com tudo”. Eu digo: “Não, senhor, não fui eu. Eu não tenho coragem de fazer uma coisa dessa aí”. Aí ele disse: “É, depois que tu acabou com tudo, né, desgraçado, agora tu diz que não foi tu, né? Mas tu vai dizer pra nós quem foi e quem é teus companheiro, porque eu sei que não só foi você. Não tem condição de você fazer uma coisa dessa aí só, não. Então, hoje você vai dizer quem é o outros companheiro”. Então, eles me levaram lá pro... Entraram comigo na obra, me mostraram, e depois me levaram lá pro alojamento das mulher e dos encarregado. Me trancaram lá dentro de um quarto e eu apanhei de 2 e meia da manhã até 6 e meia, pra mim contar quem era meus colega, os outros tocador de fogo. Eu dizia pra eles me soltar até pelo amor de Deus, que eu não sabia quem era. Aí eles começaram a bater. Me bateram até 6 e meia. Depois foi que entrou um, aí eu vi, que depois ele mandou eu olhar pra ele, aí eu olhei e eu vi quando ele sacudiu um vidro. Sacudiu pimenta no meu olho. Aí eu já não enxerguei mais nada.

Aí, quando eu ouvi quando ziniu a porta, quando eu ouvi que a porta abriu, aí eu ouvi aquela voz, que disse: “Olha, para com isso aí que nós pode ser complicado, que nós estamos dentro do canteiro de obra”. Aí foi que ele parou de me chutar, que ele estava me chutando e eu só rolando no chão. Ele chutando minhas coxas. Eles pararam e foi mais ou menos uma hora depois que eu fui voltar a enxergar. Era por volta das 7 e pouco já, da manhã. Aí me pegaram e me levaram lá pra delegacia de Nova Mutum. Quando eu estou lá, dentro da cela, lá pra tarde, o delegado chegou e disse: “É, vamos te levar mesmo. Disse que tu, disse que foi você mesmo. Apareceu lá o colchão que você tocou fogo”. Então, aí, deu poucas horas a Camargo chegou com os papel da minha justa causa pra mim assinar. Aí eu disse pra ela que eu não ia assinar não; que eu não devia eles, não; que eu queria apenas que eles me soltassem dali e me pagassem o que era meu e podiam me mandar eu embora que eu ia tranquilo, satisfeito.

Então, me jogaram foi dentro de um presídio, lá. Passei 15 dias numa cela que dá mais ou menos 1 metro com uns 3 metros de tamanho. Tinha eu e mais seis. Passei 15 dias. Até água pra beber lá escorria na parece, porque é 10 minuto de água lá dentro do presídio. Então, a água é bem fraquinha. Não tinha força de jogar longe. Então, ela só escorria. Pra você conseguir dois litros de água pra beber no correr do dia, você botava a boca do litro na parede pra encher. Então, nós era 24 preso. Desses 24... Eles não sabia que eu tava lá, que era a Liga Operária, que é o Sr. Jeferson.

E aí tinha o Dr. Ermógenes, o mesmo que me jogou pra lá, que me encontrou. Só que eles não sabia que eu tava lá, no meio desses 24. É que eu acho que se não fosse eles eu ainda tava igual os outro, porque tem 12 aí que ninguém sabe pra onde está; sumido. Ninguém sabe onde está os 12. Então, eu passei 54 dias preso. Aí, de lá, depois, eu saí. Aí eu fui... No dia 30 eu fui lá. Entrei na Camargo, lá. Aí cheguei lá eu fui lá no escritório central e perguntei: “Ô, eu queria saber qual é o motivo da justa causa do Raimundo”. Aí ele só olhou pra mim e entrou lá pra dentro e foi pra mesa dele. Quando ele bateu lá e coisa, ele voltou, olhou pra mim, levantou e entrou lá pra dentro mesmo. Já não vi mais ele.

Mais ou menos com uns 10 minutos aparece 5 guarda, que é a guarda que tem lá dentro, da Patrimonial. Aí perguntou: “Quem é o Raimundo aqui?” Eu disse: “Sou eu”. Ele: “Olha aqui, você vai assinar a justa causa agora ou você não vai?” Eu digo: “Ô, eu não vou, não, porque eu não devo vocês, não. Então, eu queria apenas que vocês me pagassem, acertassem comigo direitinho, me dessem o que é meu e mandassem eu embora, porque eu estou sem passagem, não tenho nada pra ir embora”. “Rapaz, você vai assinar a justa causa ou não vai?” “Eu não vou.” Então, eu não assinei. Porque no dia que eles levaram pra mim dentro da delegacia eu não assinei, então, eu ia assinar agora, depois que eu fui julgado, fui absolvido e fui atrás do meus direito? Então, eles me pegaram. “Ele está despachado. Pode jogar ele na portaria”. Aí me jogaram na portaria pior do que um cachorro. Não tinha roupa, eu não tinha documento. Eu disse: “Agora eu vou pra onde, senhor?” Porque eu não tinha roupa, eu não tinha documento. Eu vou sair sem roupa? Eu estava pior do que um mendigo, do jeito que eles me jogaram lá. Então, eu fui na delegacia de Nova Mutum registrar queixa. Então, foi aí que o delegado entrou lá dentro mais eu, e eu cheguei lá e não tinha nada meu. Sumiu tudo meu: documento, roupa, sumiu tudo. Eu fui lá, no quarto, lá, já tinha outros moradores. Então, aí, nunca acertaram comigo. Eu queria apenas que me dessem o que era meu. Eu ia pedir o que era meu. Então, agora, eu vou atrás dos meus direitos. Eu vou atrás dos meus direitos agora. Porque eu passei coisas lá que acho que nem um bandido não passa aquilo que eles fizeram comigo lá.

Eu nunca fui preso na minha vida. Nunca chegou um policial na porta da minha mãe. Principalmente, porque eu acho que nós, do Nordeste, nós não temos valor, você entendeu? Nós não temos valor. É do Piauí, onde eu moro, no Maranhão. Nós não temos valor. Só que eles têm que saber dar valor à gente. Porque um canteiro de obra daquele ali só vai pra frente por nossa causa. Só máquina não faz, não. Tem que ter a mão de obra, que somos nós. A máquina faz aquela parte, mas temos nós, ajudantes. Eu, principalmente, era ajudante. Eu ganhava 3,63, na carteira, um ajudante. Sofria muito. Fora as outras coisa que eu via acontecer lá dentro. Caiu uma pessoa, senhor, mais ou menos de 50 metros de altura, com todo aquele equipamento no corpo dele. Quando bate no chão... Acho que no caminho ele já vem morto, aquela pessoa. Aquele operário já vem morto no caminho. Os técnicos de segurança, na mesma hora, vão, cercam a área e dizem: “Está vivo. Vamos recolher”. Dizem que lá dentro do canteiro de obra da Camargo nunca morreu ninguém, só no caminho de Porto Velho. O caminho de Porto Velho é que é o assassino. Mas por quê? Teve muita gente que me perguntou: “Ah, Raimundo, mas será que esse corpo dessa pessoa, depois que sai lá de dentro da portaria, será que vai pra terra natal?” Eu disse: “Aí é que está, porque dentro do próprio canteiro de obra são poucos operários que sabem que aquele funcionário morreu”. Não é muito, não. Só aqueles que veem na hora. Porque na mesma hora vai recolhido. Aí diz que morreu no caminho de Porto Velho, sendo socorrido. Aí diz: “Será que chega lá na terra natal dele?” Eu digo: “Aí é que está, porque aqui dentro ninguém sabe”.

É pouca gente que sabe que aquela pessoa morreu. Imagino quando sai dali da portaria pra fora! Ninguém sabe pra onde vai, com certeza, não é? Será que chega em casa, ao menos o corpo? Então, também, o sindicato, no dia que estava todo mundo de greve, lá, o sindicato foi lá dentro. Foi perguntar: “Negada, vocês... quem não quiser trabalhar, traga a carteira de vocês que eu dou baixa. Eu dou baixa e mando vocês tudo pra casa”. Então, todo mundo perguntou, mandou ele repetir de novo. Então, ele repetiu. Então, a negada meteu foi pedra mesmo. Porque que sindicato é esse que diz lá que é sindicato dos trabalhadores — ele bota na parede, diz que é dos trabalhadores —, mas vai dizer uma proposta dessa para os trabalhadores? Quem não quiser trabalhar, traga as carteiras que ele dá baixa, que ele manda embora? Nós não fichamos com ele! Então, ele não pode dizer uma coisa dessas. Então, entrou foi na pedra mesmo, lá, pra sair. Quebraram o carro dele na pedra, porque olha a conversa que o sindicato vai perguntar pras pessoas, pros trabalhadores, na faixa de 14 mil operários! Nós queremos recurso, é aumento. Tem que dar valor ao trabalho da gente. Então, aí eu queria agradecer também à Liga Operária, que é o sindicato sério lá de Belo Horizonte. Quero agradecer a eles muito, porque eles é que me socorreram dentro do presídio, na pior situação que eu estava.

Então, eu acho que esse favor não tem nem como eu pagar a eles, não, porque eles me socorreram lá. Eles salvaram tipo uma vida, porque os outros 12 que estão sumidos ninguém sabe onde estão. Então, eu acho que era pra eu estar também no mesmo caminho deles. Só que Deus botou eles no meu caminho, pra eles me encontrarem. Todo esse sofrimento meu que eu passei vai... Também vou seguir minha vida em frente, pedindo o apoio de vocês. Eu vou seguir minha vida em frente. Não vou parar, não. Não vou baixar minha cabeça, não. Só que eu queria apenas que eles me dessem... acertassem comigo, porque tem... tem tudo. Tem meu acerto, porque eles não me deram nem um real, não. Eu trabalhei outro mês. Do jeito que eu fui lá, ele para ele vir: “Não, Raimundo, está aqui. Vamos embora. Está aqui”. Porque eu tenho todo o meu direito de receber, porque eu fui julgado, eu fui absolvido, então o juiz comprovou que eu não tenho nada a ver com isso. Então, eles tinham direito. Não podem me dar justa causa. E mesmo porque eu nunca assinei justa causa lá não, e nem assino.”

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ CARLOS MARTINS - Diretor de Energia da Camargo Corrêa, representando a empresa Camargo Corrêa.

Disse que a empresa Camargo Corrêa jamais se envolveu em quaisquer fatos relacionados a tráfico de pessoas e que se preocupa sobremaneira não apenas com o estrito cumprimento das suas obrigações trabalhistas, como também com o bem-estar dos seus funcionários, tanto que instalou ar-condicionado, lan house e cinema. Explicou que os há cerca de 10.200 vagas nos alojamentos construídos pela empresa, tanto alojamentos masculinos como alojamentos femininos.

Destacou ainda o refeitório da empresa, que, segundo ele, no início de agosto atingiu a marca de 30 milhões de refeições servidas em Jirau.

Também mencionou que a seleção dos profissionais é feita por meio do SINE e que a Camargo Corrêa foi a primeira empresa a assinar o acordo nacional para aperfeiçoamento das condições de trabalho na indústria da construção, destacando, entre os benefícios pagos, as horas extras: 70% de segunda a sexta, 80% no sábado e 100% no domingo e feriado e cesta básica, de 270 reais.

Explicou ainda que a empresa mantém assistência médica para todos os profissionais e atendimento odontológico, em uma parceria com o SESI.

DEPOIMENTO DO SR. ERMÓGENES JACINTO DE SOUZA – Advogado.

Disse que, no dia 13 de maio do corrente ano, a Liga ligou para ele pedindo que verificasse no presídio Pandinha, em Porto Velho, a presença de operários das empresas responsáveis pela construção da usina hidrelétrica e que constatou a existência de onze operários detidos. Prossegue o depoente relatando que:

“De posse desses nomes, confrontei, então, com o processo e verifiquei que faltavam 13 operários. Perguntei ao responsável por aquele presídio, que nos documentos do Ministério Público do Estado de Rondônia constava que estavam todos presos no Pandinha. E o chefe lá do presídio me disse "Olha, aqui esses não estão. O senhor procura aí, vai no Presídio Vale do Guaporé, vai no Presídio da Casa de Detenção Mário Alves, que é o Urso Branco, o senhor peregrina por aí, que esses homens devem estar espalhados por aí". Eu saí a pé, procurando (falha na gravação), saí procurando, e não encontrei essas pessoas até hoje. E fiz isso porque a Liga Operária me pediu. Os que verifiquei que estavam lá, entrei com habeas corpus, e foram aos poucos sendo liberados pelo desembargador lá do Tribunal de Rondônia. Primeiro liberou dois, depois mais três, e tal, e ficaram por último dois, o Carlos Moisés Maia da Silva e o Jhonata Lima Carvalho. O Jhonata era da ENESA, da empresa ENESA, e é paraense; o Carlos Moisés é um rapaz de 20, 21 anos, maranhense, trabalhador da Camargo Corrêa. Como último recurso eu fiz, então, depois que fiz dois pedidos de habeas corpus, e eles não foram... A alegação, a afirmação do Desembargador é que não estava correta, muito segura, a questão da residência deles, do endereço fixo, e tal, e eu, com um pedido de liberdade provisória sem fiança, eu consegui junto ao juiz da causa a liberdade deles, recentemente.

Esses homens estavam lá, como todos os presos que ficam nos presídios no Brasil, totalmente desassistidos, dormindo no chão, sofridos, sem os materiais básicos de higiene, e toda a sorte de abusos contra a pessoa humana que se pode ter eles estavam tendo lá. Não sei se o Raimundo já fez o depoimento dele, mas o caso do Raimundo foi uma situação, porque, quando eu visitei esses homens, que é uma relação de 24 que tem aqui, que está na contracapa do processo, e localizei os 11 que estavam lá, alguém comentou: “Tem mais gente aí, tem o Neguinho, tem o Piauí, e tal, que estão aí também”. Eu falei: “Mas quem é Piauí? “Quem é, o nome, e tal?” Aí demorou umas três visitas minhas para que eles pudessem constatar com ele o real nome dele, e eu verificar junto à portaria que esse homem estava lá também, mas não constava dessa relação, porque o processo penal era um outro processo, e ele estava lá.

Então, esse processo eu acompanhei, e o Raimundo, conforme ele já deve ter dito aqui, hoje, foi agredido pelos policiais lá da Força Nacional, uma sessão de tortura de 3 horas em que agrediram ele. E por sorte apareceu uma anjo, não sei se da Camargo Corrêa, de quem que foi que apareceu, que ela disse “Olha, dentro do canteiro de obras vocês não devem ficar batendo numa pessoa assim, 3 horas”, e liberaram, e ele está com vida para contar a história para nós aqui, hoje. É óbvio que o processo era inconsistente, que não tem prova “bulhufas” nenhuma, e por isso eu consegui liberá-lo na primeira audiência de instrução lá.

O próprio policial da Força Nacional também se embananou todo, não provou nada, e aqui o Raimundo está com vida, aqui, para contar a história para nós.

Desses 11 que foram liberados aos poucos, saíram tão desesperados dessas prisões lá, e já voaram para a terra deles, ou de ônibus, ou de qualquer maneira, foram embora, que não querem saber de Rondônia e não querem saber dos maus tratos que eles receberam lá.

Os dois últimos que saíram agora, que são o Carlos Moisés e o Jhonata Lima Carvalho, eu não pude visitá-los depois, regularmente, por falta também de dinheiro, por falta dessas coisas todas. Com o pedido de liberdade provisória que fiz, eles saíram recentemente agora. Um veio a pé lá do presídio Pandinha até o centro da cidade. Eu não pude acompanhá-lo porque — desculpe a minha talvez ignorância aí nessa questão do processo penal, mas o pedido de liberdade provisória corre lá em Rondônia, não sei, em segredo de Justiça. Você não tem acesso, no site do Tribunal, ao andamento do processo. Eu precisei ir a Buritis, precisei andar pelo interior, e todo dia eu perguntava “Cadê?” “Está concluso, está concluso”. E no dia em que viajei, eles deram um alvará para soltar ele. Quando cheguei no outro dia, “Não, já foi liberado”. Corri lá para verificar, não tinha, os homens já tinham saído de lá. Saíram de lá, vieram a pé até Porto Velho, procuraram o ...procuraram não sei mais quem, CUT, “Ah, fomos que nós que liberamos vocês”, fizeram uma média toda com eles, e tal, e fizeram isso.

Então, essa situação que se apresenta, que está tudo colorido e tudo às mil maravilhas naquela região de Rondônia, lá, eu não vi isso. E quero comentar com os senhores que não fui atrás de prova nenhuma, não fui dentro de canteiro nenhum e não saí pesquisando prova nenhuma. Eu estou relatando aqui o que eu vi, apenas.

Eu acho que operário que sai das terras deles, lá do Nordeste, dessas pessoas simples, ou o “gato” que vai lá dizer “Olha, vai lá para Rondônia”, e traz, paga passagem, ou de maneira diferente, não deve ser tratado daquela maneira.

Porque o único advogado que fez a defesa deles lá e que foi atrás de conseguir a liberdade deles fui eu, porque a Liga Operária pediu que eu fizesse assim. Os outros que estão todos lá, tudo mentira e tudo balela. Disseram: “Tem dinheiro, a gente defende”. Não tem, estaria apodrecendo até agora lá. Carlos Moisés, Jhonata Lima Carvalho e os outros que estão desaparecidos. A Justiça diz que é foragido. Mas será que é foragido mesmo?

A Dra. Inara, que acompanhou esses homens lá na Polícia, em Mutum, etc.,disse, dentro da minha casa, “Tem uns três, aí, que a família está procurando. Só que a família não foi atrás de direitos humanos, não foi à mídia”. Eu falei “Quem são os três?” Ela não falou para mim.

Então eu acho que é melhor cotejar esses nomes que estão aqui, a Camargo Corrêa tem lá os fichários deles nos arquivos dela lá, e informar, e ligar lá no Maranhão, no Piauí, e perguntar “O fulano apareceu aí?” Porque tem gente sumida nessa história aqui, e a gente precisa descobrir.”

A questão não ficou bem esclarecida, diante do que se recomenda melhor aprodundamento nas investigações desse caso por parte da Polícia e do Ministério Público.

13.11. CASO DA ADOÇÃO DE CINCO CRIANÇAS EM MONTE SANTO–BA.

Trata-se de caso de adoções supostamente irregulares de filhos biológicos de cidadãos residentes na cidade de Monte Santo/BA, colocadas em lares substitutos de famílias paulistas, sob a suposta intermediação de CARMEM KIECKHOFER TOPSCHALL.

O caso diz respeito aos cinco filhos do casal Gerôncio e Silvânia da Silva, de Monte Santo, na Bahia, que foram retirados de casa por ordem judicial par adoção, incluindo uma criança de dois meses.

A questão foi parar na mídia, com forte repercussão nacional, ao mesmo tempo em que várias suspeitas foram levantadas quando à legalidade desse processo de adoção.

O caso foi trazido para a CPI, que passou a investigar os acontecimentos, inclusive ouvindo várias testemunhas e também o juiz que deferiu a adoção e o atual juiz da comarca.

O juiz responsável pela comarca de Monte Santo, à época da adoção, era o Dr. Vítor Manoel Xavier Bizerra, que compareceu perante esta Comissão e negou qualquer ilegalidade no processo, justificando sua decisão com base em fatos apurados pelo conselho tutelar e em pronunciamentos de outras autoridades.

Chegou a afirmar que, devido a várias providências tomadas no Município para debelar irregularidades em diversos setores, havia interesse de pessoas contrariadas por ele em criar armadilhas a fim de prejudica-lo e afastá-lo da comarca. Admitiu a possibilidade de ter sido vítima de uma armação.

Após oitivas e diligências da CPI, a adoção foi revogada pelo juiz Luiz Roberto Cappio, atual titular da comarca, que compareceu perante esta Comissão, assumindo o compromisso de anular a adoção considerada irregular.

Os fatos foram amplamente noticiados pela imprensa, tendo sido veiculadas diversas reportagens sobre o tema, que já é publicamente conhecido. Inicialmente, o foco de irregularidades apontado era concentrado na retirada da guarda de cinco filhos de SILVÂNIA MOTA DA SILVA e sua colocação em lares substitutos no estado de São Paulo. Com o desenrolar das investigações, empreendidas por parte de vários órgãos e também da imprensa, surgiram mais notícias de outros casos suspeitos de pedidos de guarda e adoções na região de Monte Santo/BA, como, por exemplo, nas cidades de Euclides da Cunha e Encruzilhada/BA.

De acordo com o depoimento prestado pelo juiz VITOR MANOEL SABINO XAVIER BIZERRA, constante das notas taquigráficas, a escrivã CÉLIA MESSIAS teria indicado as famílias adotivas que receberiam a guarda dos filhos da Senhora SILVÂNIA.

Providências do caso:

A CPI expediu diversos ofícios relacionados às providências solicitadas nos requerimentos que tiveram seu cumprimento já realizado e também outros relacionados à investigação procedida pela Comissão, tais como ofícios encaminhados ao Presidente e a Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ao Presidente e a Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, em ambos requerendo a instauração de procedimento investigativo; ao Corregedor Nacional de Justiça, a respeito do trabalho de correição realizado pelo CNJ; ao Ministério Publico Estadual da Bahia, com diversas solicitações; à Polícia Federal (Diretoria Geral e Superintendência Regional da Bahia), solicitando instauração de procedimento administrativo; aos Conselhos Tutelares locais.

Foi encaminhado também ofício ao Conselho Nacional de Justiça, relativa à correição realizada pelo CNJ no Estado da Bahia visando a Operação Monte Santo, tendo sido gerada a resposta, segundo a qual “os fatos ali narrados são objeto de apuração por esta Corregedoria Nacional de Justiça”, e “que os referidos procedimentos correm em caráter sigiloso”.

No volume n.º 19 do processo RESERVADO foram acostados os seguintes documentos:

• Depoimentos dos Conselheiros Tutelares SALUSTIANO CARDOSO DA SILVA JUNIOR, VITÓRIA EUGÊNIA SANTANA E SILVA, NICÉIA MOURA DA SILVA, MICHELSON SILVA CALDAS, TIRSA CRISTINA LIMA DOS SANTOS OLIVEIRA CARVALHO, ANA DÁRIA PEREIRA, CREMILDA DE SOUZA JESUS;

• Portaria n.º 01-A/2012, que determina a instauração de correição ordinária nos autos de todos os processos tombados e nos serviços afetos ao juízo da Comarca de Monte Santo/BA (Vara Crime e da Infância e Juventude);

• Despacho exarado pelo Promotor de Justiça Luciano Taques Ghignone no procedimento investigatório criminal n.º 02/2012, determinando diligências, bem como ofícios expedidos ao Ministério Público das cidades de Indaiatuba/SP e Campinas/SP, solicitando a oitiva dos pais adotivos;

• Ofício expedido pelo MP/BA à Escrivania do Juízo de Monte Santo/BA, solicitando a elaboração de certidão relacionando todos os processos de colocação de crianças em famílias substitutas, autuados nos últimos dez anos;

• Depoimento de EUNICE DE JESUS (mãe biológica que entregou filhos para adoção mediante a intermediação de Carmem Topschall);

• Declarações de ROSÂNGELA DE LIMA PEREIRA e de RITA DE CÁSSIA RIBEIRO DE MENEZES, diretoras da Escola Maria Perpétua e da Creche Vilma Guimarães Barreto (instituições frequentadas pelos filhos de SILVÂNIA);

• Declarações de BELARMINA BARBOA e MILTON AGOSTINHO DE SANTANA (sobre as circunstâncias da entrega dos filhos de ODILA para adoção);

• Declarações de VANUZA DA SILVA SOUZA (prima de SILVÂNIA);

• Requerimento endereçado ao Juízo da Infância e Juventude de Monte Santo/BA por FLÁVIA REGINA CURY CARNEIRO, pedindo adoção e, liminarmente, guarda provisória de DANILO, filho de SILVÂNIA (acompanhado por diversos documentos atestando o preenchimento dos requisitos legais pela requerente);

• Termo de Audiência onde consta o deferimento do pedido mencionado no item anterior pelo Juiz de Direito Vitor Manoel Xavier Bezerra;

• Declarações (em juízo) de SILVÂNIA MARIA DA MOTA SILVA, JERÔNCIO DE BRITO SOUZA, PERPÉTUA MARIA DA MOTA (avó materna), MARIA DE JESUS BRITO E SOUZA (avó paterna), JOSIAS FIRMINO DE SOUZA (avô paterno), JOSÉ MARTINS DA SILVA (avô materno);

• “Denúncias” n.º 37/2010 e 39/2010, relativas aos fatos sob apuração, encaminhadas ao Conselho Tutelar de Monte Santo/BA e Termo de Advertência formulado pelo referido Conselho; Depoimentos de PERPÉTUA MARIA DA MOTA (avó materna) prestado ao Conselho, onde relata que Carmem havia pedido uma das crianças para ser adotada por família paulista, e de MARIA DA GLÓRIA, dando conta de que está cuidando de um dos filhos de SLVÂNIA;

• Declarações (ao MP/BA) de JERÔNCIO DE BRITO SOUZA e SILVÂNIA MARIA DA MOTA SILVA;

• Relatório da Escola Maria Perpétua relativo aos filhos de SILVÂNIA;

• Novo Despacho exarado pelo Promotor de Justiça Luciano Taques Ghignone no procedimento investigatório criminal n.º 02/2012, determinando diligências;

• Declarações (ao MP/SP) de ALESSANDRA PEREIRA DE SOUZA PONDIAN, ANDERSON RICHARD PONDIAN, FLÁVIA REGINA CURY CARNEIRO, DÉBORA BRABO MELECARDI, NELSON LUIZ MELECARDI, LETÍCIA CRISTINA FERNANDES SILVA (pais adotivos);

• Requerimento de aplicação de medida de proteção aos filhos de SILVÂNIA, formulado em juízo pelo MP/BA (datado de 12/05/2011), instruído com relatórios do Conselho Tutelar;

• Decisão concedendo a guarda provisória de ESTEFANE DE JESUS (filha de Silvânia) aos pais adotivos;

• Declarações (ao MP/BA) de RITA DE JESUS ROCHA, filha “de criação” de EDITE MARIA DE JESUS.

Foram efetivadas também as seguintes diligências:

• Documentos entregues pelo Juiz de Direito Victor Manoel Xavier Bezerra, fls. 1 a 37;

• Petições dos advogados de Carmem e Bernhard Topschall, fls. 38 a 49;

• Decisão do Ministro Gilmar Mendes em pedido liminar de Habeas Corpus formulado por Carmem Topschall, fls. 50 a 64;

• Documentos que instruem o pedido liminar de HC referido no item anterior, fls. 65 a 79;

• Decisões de Ministros do STF e documentos que instruíram os pedidos de liminar em HC, fls. 80 a 117;

• Ofício e demais documentos oriundos da Promotoria de Justiça de Monte Santo/BA, prestando esclarecimentos sobre os fatos, fls. 118 a 129;

• Termos de Interrogatório de Carmem e Bernhard Topschall, procedidos pelo MP/BA, fls. 130 a 157;

• Decisão do Ministro Ricardo Lewandovski em pedido liminar de Habeas Corpus formulado por Bernhard Topschall, fls. 158 a 166;

• Diversos documentos oriundos do Conselho Tutelar e decisão judicial concedendo a guarda provisória das crianças para as famílias adotivas de SP, fls. 167 a 191;

• Carta Aberta à Sociedade do CEDECA-BA, com denúncias relativas aos fatos, fls. 192/193;

• Depoimento prestado à CPI pelo Juiz de Direito Victor Manoel Xavier Bezerra, fls. 194 a 228;

• Depoimento prestado à CPI por Carmem Topschall, fls. 229/278;

• Depoimentos prestados à CPI pelo Juiz de Direito Luiz Roberto Cappio Guedes Pereira, pelo Promotor de Justiça Luciano Taques Guignone, pela advogada do CEDECA-BA, Isabella da Costa Pinto Oliveira e por SILVÂNIA MOTA DA SILVA, mãe biológica das crianças adotadas, fls. 279/332;

• Depoimentos prestados à CPI por Maria Elizabete Abreu Rosa, vereadora da cidade de Encruzilhada/BA e pela advogada das famílias adotivas, Lenora Thai Steffen Todt Panzetti, fls. 333/383. Existe uma Ação Penal tombada sob o nº 0000139-57.2010.805.0075 em curso na Comarca de Encruzilhada – BA, na qual foi denunciada a Sra. Maria Elizabete de Abreu Rosa, pela prática do delito do art. 238, parágrafo único do ECA, por três vezes, c/c art. 299, parágrafo único, parte final, do Código Penal.

• Depoimentos prestados à CPI por Carmem e Bernhard Topschall, fls. 384 e seguintes;

• Resultados das quebras de sigilos bancário e fiscal dos investigados;

• Notas taquigráficas das diligências realizadas em Monte Santo/BA, onde prestaram depoimento Elineide Barbosa (“Odilia”), Edite Maria de Jesus e Marivalda de Souza Santos foram acostadas no vol. 36 (Notas taquigráficas não estão disponíveis no portal da Câmara).

Além das providências acima sugeridas, a Assessoria da CPI registra que em relação aos Ofícios 862 e 863/13 – Pres, encaminhados respectivamente ao Superintendente Regional da Bahia e ao Diretor-Geral da Polícia Federal, há resposta da Corregedoria-Geral de Polícia Federal informando que os documentos foram encaminhados ao CNJ, em observância ao art. 103-B, III, da CF/88. Não obstante, o objeto do Requerimento que deu origem aos ofícios refere-se à solicitação de procedimento investigativo em relação à atuação da Sra. Carmem Topschall, a qual deveria ter sido destacada da que se refere à atuação do Poder Judiciário e Ministério Público que dispuseram sobre a questão, de forma que se entende prejudicada eventual investigação sobre a atuação sobre de referida pessoa no que concerne as adoções irregulares no Estado da Bahia.

Vários depoimentos foram colhidos pela Comissão sobre esse caso, os quais passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DA SRA. CARMEM KIECKHOFER TOPSCHALL – Empresária. No primeiro depoimento perante esta Comissão, a Sra. Carmem Topschall obteve habeas corpus perante o STF para não falar a esta Comissão o que não fosse de seu interesse. Nada disse a depoente à CPI e somente em ocasião futura, após ter prestado depoimento perante o Ministério Público da Bahia, a Sra, Carmem Topschall dignou-se a depor perante esta Comissão. Esse depoimento encontra-se abaixo resumido.

Disse que foi habilitada para adoção e que adotou três crianças. Seguindo todos os trâmites legais.

Relatou que foi para a Bahia para montar uma empresa de produção de tripa natural bovina e que obteve um financiamento pelo BNB, no valor de 2 milhões e 700 mil.

Afirmou que as pessoas ligavam para ela pedindo ajuda para entregarem os filhos para adoção. Citou o caso de uma senhora de nome Silvânia, que ela já conhecia e que manifestou o desejo de doar o filho quando nascesse.

Sobre o caso da adoção dos cinco irmãos que ela intermediou, disse que ficou sabendo caso no Forum, e que ela entrou com pedido de guarda do Luan para que não fosse para o orfanato, ocasião em que ficou sabendo que apenas dois dos irmãos seriam retirados da família para adoção.

Disse a depoente que se manifestou contra essa solução, entendendo que todos os irmãos deviam ficar juntos e que, então lhe perguntaram no Forum se ela sabia de alguma família que quisesse adotar os cinco irmãos.

Alegou que se interessa pelas crianças e pelos idosos, porque são pessoas sem capacidade de se defenderem. Ainda confirmou o caso da senhora Beatriz, que teria sido apresentada a ela pela senhora Edite, e que manifestou o desejo de doar a criança da qual estava grávida.

Confirmou ter também intermediado a doação de uma criança chamada Gabriela para uma senhora de nome Dora que afirma ser sua comadre.

DEPOIMENTO DO SR. VÍTOR MANOEL XAVIER BEZERRA - Juiz de Direito da Bahia.

Negou qualquer irregularidade no processo de adoção das cinco crianças na Bahia, sob sua responsabilidade. Disse que pobreza não é motivo para perda da guarda.

Sobre os membros dos conselhos tutelares, afirmou que não pode confiar cem por cento e ressaltou que o conselho tutelar é órgão autônomo e o magistrado não pode negar fé pública aos seus atos.

Disse que a própria comunidade sabia das condições dessas crianças. Comentou que há muitos casos de abandono de crianças e que esta situação é de responsabilidade das políticas públicas.

Disse ainda que sua decisão sobre a adoção das crianças não se baseou apenas no pronunciamento do conselho tutelar. Acerca da ausência do representante do Ministério Público nessa audiência, disse que não se trata de falta, e sim insuficiência de promotores para acompanharem as audiências. Neste processo especificamente, houve a posterior manifestação favorável do membro do Ministério Público à colocação das crianças em abrigo.

Indagado sobreo sumiço de um livro de advertência, ocorrido no fórum, disse que tal fato se deu após sua saída da comarca e que tal livro havia sido retirado por uma conselheira tutelar de nome Damiana, que se encontra desaparecida, e devolvido posteriormente por intervenção do Ministério Público.

Disse também que a localização das famílias foi feita pela escrivã da comarca. Ressaltou que não descarta a possibilidade de ter sido vítima de uma armação, forjada para lhe prejudicar, tendo em vista diversas operações que deflagrou na comarca, a fim de apurar e punir irregularidades em vários setores, inclusive praticadas por autoridades e pessoas importantes.

Mencionou a existência, nesse processo de adoção, de laudos médicos e psiquiátricos, que podem ser requisitados. Comentou a existência de uma rede de solidariedade entre candidatos à adoção, que trocam informações entre si, o que pode explicar que um adotante de fora fique sabendo da existência de crianças para a adoção na comarca. Disse que o processo em decorrência de crime tipificado na Lei Maria da Penha contra o adotante só veio a ocorrer após o processo de adoção. Afirmou que não sabia quem tinha apresentado a denúncia contra ele e que só veio a saber que se tratava da Sra. Carmen no momento do depoimento perante a CPI.

Disse que, no processo de adoção, não agiu com falte de cautela e que a vitaliciedade no cargo não faz com que o juiz atue de forma leviana. Explicou que a guarda foi deferida para todas as crianças, porque a situação de risco envolvia todas elas e que no momento do processo de adoção não houve outras manifestações de interesse em adotar as crianças. A Sra. Eliana só manifestou esse interesse após concluído o processo de adoção.

Comentou que, se houver prova posterior de que a situação foi maquiada com objetivo de induzir o juiz a deferir a adoção, pode haver ação rescisória para desconstituir tal decisão proferida pelo magistrado.

Quanto ao não comparecimento da família dos adotados na audiência, disse que não havia ninguém em casa, que ninguém foi encontrado para receber a intimação e que tal informação foi comprovada pelos policiais que foram até a casa da família das crianças adotadas e pelo oficial de justiça.

Disse que, se as famílias não tiveram a defesa apropriada, essa falta não se deve ao Judiciário, pois não houve qualquer cerceamento de defesa.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA ELIZABETE ABREU ROSA – Vereadora no Município de Encruzilhada – Ba.

Confirmou que participou de alguns casos de adoção, porém, segundo ela, todos legais, feitos perante o Judiciário. Disse que nunca recebeu nenhum centavo por ajudar nesses processos de adoção.

Disse que não procura famílias que queiram adotar, e sim é procurada por essas pessoas que vão a sua casa, para solicitar ajuda para doar filhos e para adotar crianças.

Disse que as crianças adotadas são todas do Município e que os adotantes também o são. Posteriormente, comentou que, em alguns casos, hái pessoas de outros Estados que adotam crianças do Município, o que apraentou certa contradição no depoimento.

Negou que tenha qualquer ligação com o tráfico de crianças na região e disse que as denúncias de que é vítima partiram de opositores políticos, em especial um Vereador que lhe ofereceu setenta mil reais em troca de apoio para ser persidente da Câmara de Vereadores no Município, o que ela recusou.

Disse que é Técnico em Enfermagem e que, entre as suas atividades, está a de realizar partos, porém não realiza atendimento pré-natal. Afirmou que tem uma filha e uma sobrinha que atuam no conselho tutelar.

Indagada sobre uma ONG que a teria procurado para solicitar ajuda, disse que não sabe qual é essa ONG e que a indicação foi feita por um Vereador e por um conselheiro tutelar chamado Daniel, que já foi afastado do conselho tutelar e nem mora mais na cidade.

Acerca das imagens apresentadas no programa Conexão Repórter, estranhou uma das imagens em que aparece na casa de Amanda, onde disse que nunca esteve, e que não tem nenhuma roupa parecida com a qual aparecia vestida nessa reportagem, sugerindo que houve alguma montagem.

Após ter dito que foi procurada pelas Sras. Bia e Amanda em busca de ajuda para famílias carentes, e não para tratar de adoção, afirmou, em outro momebnto, que estas conversaram, na ocasião, também de adoção, o que deixa transparecer uma contradição no depoimento.

Disse que a Bia adotou a filha de Amanda e que o programa Conexão Repórter pagava para Amanda duzentos e sessenta reais por mês além de cesta básica.

Negou conhecer a Sra. Carmem Topschall. Confirmou que responde a um processo criminal por intermediação de adoção ilegal, que se encontra na fase de alegações finais.

DEPOIMENTO DA SRA. LEONORA THAÍS STEFFENTODT PANZETTI – Advogada das famílias que detém a guarda provisória dos menores do caso “Monte Santo - BA”, que solicitou ser ouvida por esta CPI;

Solicitou uma audiência reservada perante a Comissão, porém nada apreentou ou relatou de interesse para as investigações, limitando-se a fazer uma defesa da família adotante e acusação da família das crianças adotadas. Trouxe fotos ilustrativas e outras reais que nada acrescentaram ou esclareceram.

DEPOIMENTO DO SR. LUÍS ROBERTO CAPPIO GUEDES – Juiz de Direito.

Disse que confirmou a exestência de irregularidades no processo de adoção das cinco crianças de Monte Santo, o que o levou a reformar a decisão do juiz anterior e determinar o retorno das crianças à família biológica.

Afirmou que existem outros processos de adoção feitos de forma irregular e que há caso inclusive de sequestro de crianças para adoção. Disse que há uma organização criminosa atuando em Monte Santo na adoção de crianças.

Relatou que os vários processos a que responde atualmente são represálias decorrentes de sua decisão de anular a adoção das cinco crianças de Monte Santo e que se encontra inclusive afastado do cargo por 90 dias, em decorrência dessa decisão proferida nos autos de adoção.

DEPOIMENTO DO SR. ARIOMAR JOSÉ FIGUEIREDO DA SILVA –Promotor de Justiça.

Disse que o Conselho Tutelar acompanhava as crianças de Monte Santo e que havia denúncia inclusive do pai biológico de algumas dessas crianças contra a mãe.

Todavia, confirmou que o processo conduzido pelo Juiz Vitor Bezerra não obedeceu aos trãmites legais e que o juiz rasgou o Estatuto da Criança e do Adolescente ao deixar de observar os procedimentos legais, inclusive deixando de fora o Ministério Público, que não participou desse processo.

Disse que, em vários outros casos de adoção, os procedimentos legais são respeitados e que não há irregularidade. Não concordou com a afirmação de que exista uma quadrilha atuando em Monte Santo, nos processos de adoção. Disse ainda que o próprio juiz Luís Roberto Cappio atuou de forma irregular em um processo de adoção, em Euclides da Cunha, sem a observância dos procedimentos legais. Afirmou que pediu a quebra de sigilo bancário de todos os acusados de irreegularidade no processo de adoção das cinco crianças em Monte Santo.

DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ APARECIDO METELE DE MATOS - Assessor de Imprensa em Indaiatuba.

O depoente afirmou que tomou conhecimento do ocorrido por intermédio do programa Fantástico: “A primeira vez que eu também tomei conhecimento foi na edição do dia 10 de outubro de 2012”.

Disse que é ex-namorado de uma das mães paulistas que adotou uma das crianças da cidade de Monte Santo, no sertão da Bahia; que conheceu Letícia Fernandes em 28 de novembro de 2012; que em março de 2013 passou a namorá-la; que o relacionamento fora conturbado; que o relacionamento foi rompido há dois meses; que Letícia é uma mulher que perdeu o útero, não pode ter filhos e tem o desejo de ser mãe; que Letícia divorciou de se ex-marido por não concordar com a guarda da criança; que Letícia conheceu Carmem por intermédio de uma paciente sua de nome Dora; que Dora já tinha adotado filhos na Bahia; que Carmem também tem crianças adotadas em Monte Santo; que Letícia ligou para o fórum, para poder se habilitar à adoção; que Letícia e Carmem foram juntas a Monte Santo; que lá, receberam a notícia de que Silvânia que queria entregar uma criança pra adoção; que foram a casa de Silvânia; que Silvânia havia desistido de entregar a adoção a menina, mas ofereceu o menino Luan; que a forma como Silvânia queria dar imediatamente o menino , sem a necessidade de procedimento judicial; Letícia teria sentado na calçada, em prantos; que se dedicou ao caso por interesse jornalístico.

Declarou que foi uma vez à Bahia com Letícia para ver o que acontecia no processo; que ficou na Bahia por duas semanas; que recebeu cópias do processo de adoção; que não sabe se Letícia deu algum dinheiro para Carmem; que não conhece Carmem; que o que sabe sobre Carmem é o que a imprensa está veiculando; que acha que a sua convocação para depor na CPI se deu em razão sobre um texto que escreveu na Internet sobre o caso; que está escrevendo um livro sobre o caso; que decidiu escrever sobre o caso em fevereiro de 2013; diz que o ex-marido da Letícia tinha contatos telefônicos com a Carmem Topschall.

Acusou o Juiz Cappio de cometer irregularidades no processo de adoção, nos seguintes termos:

“O juiz que revogou a guarda descumpriu o Conselho Tutelar já quando não ouviu as crianças, impediu o direito das crianças de se manifestarem, de serem ouvidas — o Conselho Tutelar diz que é direito da criança opinar e se manifestar. Ou seja, as crianças, em nenhum momento, foram ouvidas.

No dia 27 de novembro, o Juiz Luís Roberto Cappio teria, segundo declarações dadas na imprensa, até o dia 7 de dezembro pra revogar, pra decidir sobre a questão. Mas a avaliação nossa é que, como a advogada Lenora Panzetti depunha no mesmo dia, nesta Comissão, pra que ele não tivesse que usar as informações que fossem ditas aqui pro seu convencimento pra decisão, no mesmo dia — ele não esperou até 7 de dezembro —, no mesmo dia ele revogou as guardas. Ou seja, foram solicitados das mães estudos sociais. Em nenhum momento, esses estudos sociais foram acolhidos no processo, para poder formar o convencimento do juiz.

As crianças foram levadas pra ONG Aldeias e, em nenhum momento, o Juiz Luís Roberto Cappio recepcionou os relatórios da ONG Aldeias, pra dizer se foi bem sucedida ou se foi um fracasso a reaproximação das crianças com a mãe biológica. E também curiosamente, quando ele dá...No dia 18 de fevereiro, Deputado Luiz Couto, saiu a sentença dele no processo.

Curiosamente, era na época em que a advogada das famílias substitutas estava em Monte Santo. O que aconteceu? O juiz sentenciou com data retroativa ao dia 4, porque a advogada tinha pedido a arguição da suspeição dele, tinha arguido a suspeição dele no dia 6. Então, pra tentar burlar, fraudar esse procedimento e não acatar... Porque, quando tem um pedido, uma arguição de suspeição, o processo fica sem movimento até que o juiz diz: “Olha, eu estou impedido ou não”. Mas o que vale é a data da publicação, a sentença vale no dia 18. E também houve uma arguição do Ministério Público no dia 15 de fevereiro. (...).

O Juiz Luís Roberto Cappio impediu a todo tempo, ele cerceou o direito de defesa das famílias biológicas, ele cerceou a manifestação do Ministério Público e ele agiu como se fosse advogado da família biológica, tanto que... E, pra simbolizar, no dia em que houve a revogação da guarda, ele aparece em Monte Santo, abraçado à mãe, ele foi lá pra festa de comemoração da revogação da guarda. (...)

Então, vamos começar pelo Juiz Cappio, um juiz que faz papel de justiceiro. Ele cerceia. Primeiro, ele revoga as guardas, violando o direito de opinião e de manifestação das crianças — não ouviu; ele revoga essas guardas, cerceando o direito de defesa das famílias biológicas e a manifestação do Ministério Público. (...) O Poder Judiciário da Bahia, o CNJ, que não toma conhecimento, joga pra lá, pra cá. Agora, quando eu cito o termo “bandido”, ele está na figura do Juiz Cappio. Agora, essas autoridades, elas estão omissas.

Agora, um processo onde você cerceia o direito, você mente, onde entra uma emissora fazendo esse carnaval, e até agora... e você é influenciado pela opinião pública... Até agora... Tinha um juiz lá em Euclides da Cunha. O juiz, ele não quis decidir o caso, porque ele estava para receber uma promoção e ele não quer se misturar nesse caso. Ninguém quer meter a mão nessa cumbuca. Ou seja, o Judiciário, ele quer se resguardar para não ser influenciado pela opinião pública e lavar as mãos. Não é esse o Judiciário que a gente espera.”

Diante das investigações feitas a CPI concluiu que:

- Não há informações disponíveis da origem do dinheiro depositado na conta do Sr. Bernard. Esse dado merece ser confrontado com a declarada ausência de atividade das suas empresas.

- Há uma aparente incompatibilidade entre o volume de recursos movimentado em suas contas entre 2010 e 2012 e sua declaração patrimonial. Esse dado merece ser confrontado com a declarada ausência de atividade das suas empresas.

- Há uma incompatibilidade entre o padrão de vida da Sra. Carmem Topschall e seu esposo com as fontes de renda declaradas perante esta Comissão. Esses foram os fatos apurados pela Comissão em relação a essa adoções irregulares em Monte Santo, no Estado da Bahia.

Tendo em vista a insuficiência da legislação em vigor para punição dessas condutas descritas nesta investigação e dadas as peculiaridades do caso, não foi possível chegar a um indiciamento nesta hipótese, porém sugerimos a continuação das investigações no âmbito policial e do Ministério Público, inclusive com no que tange à atuação das Sras. Carmem Topschall e Célia Messias.

CONCLUSÃO

A análise realizada pela Delegada Tatiane mostra-se bastante precisa no sentido da investigação realizada, cabendo ser destacado e acolhidas como razões da CPI as observações ali esposadas: “Inicialmente impende salientar que embora muitos dos fatos narrados sejam antiéticos, irregulares ou imorais, esta análise irá se cingir à adequação das condutas comprovadas aos tipos penais correspondentes.

Cabe, preliminarmente, referir que os tipos aplicáveis à espécie. De pronto, exclui-se o tráfico para fins de adoção internacional, previsto no artigo 239 do Estatuto da Criança e Adolescente (Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro), posto que as crianças não foram enviadas ao exterior, mas deslocadas dentro do território. Desta feita, a suposta intermediação de Carmem, ante a inexistência de tipo penal que preveja a hipótese de tráfico interno, para fins de adoção, é atípica.

Quanto ao artigo 238, do ECA (Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa), à toda prova não parece ser aplicável ao caso ora em análise, eis que os elementos coligidos não apontam para qualquer ato de Silvânia ou Gerôncio no sentido de entregar as crianças, mediante paga ou promessa de recompensa, mas apenas uma suposta ocorrência de negligência no cuidados dos filhos, que ensejaram a retirada das crianças, as quais foram colocadas nos lares substitutos aparentemente contra a vontade dos pais. Consequentemente, não há também elementos que apontem para o pagamento feito pelos casais que receberam a guarda da criança.

Em relação ao artigo 237 do ECA, (Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto), trata-se de tipo no qual poderá ser enquadrada, em tese a conduta do magistrado que determinou a guarda em favor dos casais paulistas, e consiste na utilização de meios astuciosos, visando a colocação de menor em família substituta. No entanto, não parece ser o fato, eis que do exame do caso, verifica-se que os atos dos juiz, embora fossem irregulares, não foram motivados por motivo nefasto, mas, aparentemente, pela necessidade que o magistrado entendeu haver no caso, de colocar as crianças de Silvânia em lar substituto, livrando-as do risco.

Cabe mencionar que as mães das crianças adotadas por Carmem referiram algum tipo de oferecimento de vantagem econômica para a entrega dos bebês. Entretanto, além dessas alegações, inexiste outros indícios que apontem para a efetiva ocorrência dessa fato, ou circunstância que permitisse supor que este oferecimento de fato tenha ocorrido, razão pela qual o indiciamento de Carmem por estes fatos seria temerário. Nada impede entretanto que as investigações sobre estas adoções sejam aprofundadas pelo órgão policial, especialmente no que se refere à alegação de Odilo de que Carmem a teria entorpecido para subtrair-lhe Andréia.

Quanto à escrevente Célia, não se vislumbra qualquer fato típico relacionado a sal conduta, mormente quando o próprio juiz confirma que ela agiu se acordo com sua determinação. Sequer há indício de que ela teria recebido qualquer vantagem de Carmem ou dos casais adotantes para realizar os atos de ofícios nos processos em testilha.

Finalmente, e entendendo que o papel primordial das CPIs é a propositura de medidas legislativas tendentes a implementar a segurança pública e o respeito aos direitos humanos, chamo atenção para a atipicidade de várias condutas que de acordo com a convenção de Palermo poderiam ser consideradas crime, notadamente no que se refere a participação de CARMEM e de Dona Edite nas adoções, pois, caso houvesse um tipo penal que penalizasse o tráfico interno para fins de adoção, da mesma forma que se pune o externo, conforme o artigo 239 do ECA, a prevenção a ocorrência de intermediações seria mais eficaz.”

13.12. TRÁFICO DE PESSOAS PARA SALAMANCA – ESPANHA

Trata-se de suposto caso de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual objeto da “Operação Planeta”, deflagrada pela Superintendência Regional da Polícia Federal na Bahia com a colaboração internacional da polícia espanhola. As vítimas eram aliciadas em Salvador/BA e transportadas para locais de exploração sexual na Espanha, onde permaneciam alojadas em situação de cerceamento de liberdade em virtude de suposta dívida contraída perante os aliciadores (despesas de passagem e etc). Organização Criminosa composta por DENISON COSTA PEREIRA, ELIZÂNIA DOS SANTOS EVANGELISTA, RENATA GOMES NUNES e ANGEL BERMUDEZ MOTO.

Providências do caso:

Foram efetivadas até o momento as seguintes diligências:

• Juntada de documentos (principalmente cópias de peças do Inquérito Policial. Os fatos foram apurados no bojo do Inquérito Policial n.º 1464/2012-SR/DPF/BA) nos volumes n.º 27, 28, 29, 35, 36 e 49 do processo ostensivo;

• Oitiva de DENISON COSTA PEREIRA REIS e ELIZÂNIA DOS SANTOS EVANGELISTA REIS em Audiência Pública realizada em 21/02/2013;

• Oitiva de RENATA GOMES NUNES em Audiência Pública realizada em 21/03/2013.

O Ministério Público Federal denunciou os investigados, instaurando a ação penal n.º 880-64.2013.4.01.3300, em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia.

Passamos a transcrever os depoimentos colhidos pela Comissão com relação a esse caso.

DEPOIMENTO DO SR. DENÍLSON COSTA PEREIRA REIS – Depoente.

Relatou que, no mês de setembro, estava trabalhando com a campanha do Deputado ACM Neto, quando recebeu uma ligação da filha de sua prima, Renata, que estava na Espanha, dizendo que precisava de alguém para acompanhar um estrangeiro que se encontrava em viagem na Bahia.

Disse que essa pessoa lhe pediu para leva-lo a umas boates e que a Renata lhe telefonou pedindo que arranjasse umas meninas para trabalhar lá na Espanha com contrato. O depoente afirmou que contatou uma menina por nome Márcia que lhe indicou algumas amigas interessadas em ir para a Espanha.

O encontro do estrangeiro, conhecido por Cigano, e as meninas se deu em uma churrascaria em frente à estação de trem. Estavam lá a Márcia, a Lidiane, a Marcela e outras. Disse o depoente que apenas Lidiane e Marcela se interessaram em ir par a Espanha. Disse que Renata lhe prometeu que ele receberia dois mil para ficar como motorista do Cigano, que lhe pagou apenas mil reais.

DEPOIMENTO DA SRA. ELIZÂNIA DOS SANTOS EVANGELISTA REIS – Depoente.

Relatou a conversa da Renata com seu marido e negou qualquer tipo de envolvimento com o tráfico de pessoas, confirmando a proposta da Renata de indicação de meninas para trabalhar na Espanha.

Disse que essas meninas acabaram sendo deportadas, pois o passaporte estava vencido e elas se encontravam ilegalmente no País, mas que não teria havido nenhuma hipótese de cárcere privado dessas moças na Espanha.

O Ministério Público Federal denunciou os investigados, instaurando a ação penal n.º 880-64.2013.4.01.3300, em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia.

13.13. CASO DOS ADOLESCENTES RECRUTADOS COMO JOGADORES DE FUTEBOL PELO SR. REGINALDO PINHEIRO DOS ANJOS

O Sr. Reginaldo Pinheiro foi acusado de ter envolvimento com o aliciamento de menores, que ele recrutava e encaminhava para clubes de futebol.

O acusado recebia entre cem e quatrocentos reais das famílias dos adolescentes, que seriam supostamente para fazer frente a despesas de alimentação e transporte dos jogadores.

De acordo com depoimentos e notícias colhidas pela Comissão, o Sr. Reginaldo Pinheiro usava remédios para dopar os adolescentes com o fim de explorá-los sexualmente. Além disso, havia denúncias de que ele dividia uma cama de casal com os rapazes que moravam no alojamento.

A CPI tomou depoimentos sobre o caso, que passamos a resumir.

DEPOIMENTO DO SR. REGINALDO PINHEIRO DOS ANJOS – Acusado de crime contra a dignidade sexual de adolescentes.

Negou ter envolvimento com o aliciamento de menores. Disse que encaminhava jogadores para clubes de futebol com o intiuto de ajudá-los. Alegou que a denúncia de crime contra a dignidade sexual se deu em vista de ter chamado a polícia para atuar no furto de um celular praticado pelo menor de nome William, no alojamento dos jogadores.

Disse que havia um outro amigo do William de nome Murilo que lhe ameaçou, dizendo que o depoente iria se arrepender cada vez que ouvisse o seu nome e que, logo depois, houve a denúncia e ele foi preso.

O depoente relatou que Vando e Joel eram pessoas que lhe mandavam os jogadores para que ele os encaminhasse para os clubes e que as famílias pagavam a ele entre cem e quatrocentos reais referentes a despesas de alimentação e transporte dos jogadores.

Disse que começou trabalhando no Clube Confiança como massagista e que fez o curso de Técnico de Enfermagem, mas não o concluiu porque não conseguiu fazer o estágio.

Disse que os remédios em grande estoque pertencentes a ele, que foram apreendidos pela polícia, destinavam-se a uso próprio e para o caso de alguém necessitar deles. Explicou que é diabético, tem pressão alta e que toma remédio para dormir.

Confirmou que não tinha qualque tipo de contrato com os jogadores e com os clubes. Disse que se arrepende de ter exercido essa tarefa de “olheiro”, pois gastou tudo que ganhou e ainda está com dívidas.

Confirmou que dividia uma cama de casal com os rapazes que moravam no alojamento, mas negou qualquer envolvimento sexual com eles.

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ GUSTAVO VIEIRA DE CASTRO - Representante da Confederação Brasileira de Futebol – CBF

Disse que a CBF já está tomando providências em relação à transferência de jogadores para o exterior, que as exigências são muito grandes e que não há como transferir menores para exterior.

Lembrou o caso do jogador Pato, que tentou ir para o Milan com apenas dezessete anos, mas não obteve êxito.

Explicou ainda que a transferência de jogadores profissionais de um lugar para outro deve ser registrada na CBF, o que hoje pode ser feito por meio eletrônico.

Mencionou ainda que os clubes são fiscalizados rigorosamente, mas que os olheiros escapam a esse tipo de fiscalização. Ainda explicou que os clubes têm uma série de exigências no que diz respeito à assistência e proteção dos jogadores.

A CPI, em virtude dessa investigação, indiciou o Sr. REGINALDO PINHEIRO DOS ANJOS, como incurso na pena prevista no art. 215 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pelo crime de violação sexual mediante fraude, consistente em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

A pena para este crime é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Na forma do parágrafo único desse artigo, se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

13.14. CASO DA SRA. TELMA RODRIGUES DO NASCIMENTO

Foi acusada de chefiar esquema de aliciamento de travestis para serem explorados no Estado de São Paulo. A acusada possui uma pensão, na esquina da Santa Efigênia, onde, segundo as denúncias, é exercida a exploração de travestis, inclusive menores de idade.

Foi acusada também de envolvimento com as chamadas “bombadeiras” e de indicar médico para realizar cirurgia superfaturadas nos travestis, participando dos lucros dessa atividade ilegal. Também foi acusada de manter pessoas em cárcere na pensão até que elas pagassem o aluguel atrasado.

Esta CPI colheu depoimentos que transcrevemos suscintamente.

DEPOIMENTO DA SRA. TELMA RODRIGUES DO NASCIMENTO - Acusada de chefiar esquema de aliciamento de travestis para serem explorados no Estado de São Paulo.

Disse que tem uma pensão, na esquina da Santa Efigênia, e que aluga vagas, mas não alicia travestis e que os menores que foram encontrados no estabelecimento tinham documento falso. Disse que teve outra pensão situada na Rua Hermínio Lemos, número 340 e faz três meses que está no atual endereço.

Disse ser inocente e que a única coisa que faz é alugar vagas e que há cerca de sete pessoas hospedadas lá, sendo a capacidade do local para oito ou nove pessoas. Indagada sobre se sua pensão só hospeda travestis, negou o fato, porém confirmou que todos os sete hospedes no momento são travestis.

Na pensão anterior, os hóspedes também eram travestis.

Ainda que tem dois filhos e que não tem conhecimento das chamadas “bombadeiras” e do que elas fazem. Também negou que os hóspedes façam programa dentro da pensão.

Sobre a indicação de médico para realizar cirurgia nos travestis, disse que não encaminha ninguém para o médico, mas apenas indicou um médico que fez uma cirurgia no seu nariz. O médico, segundo o depoente, é o Dr. Jair.

Disse que foi presa sob a acusação de rufianismo e facilitação à prostituição. Disse que a antiga pensão era de alguém conhecido por “ Alemão”, que ela diz ter conhecido quando procurava casa para alugar, mas acabou comprando a casa. Disse que pagou dois mil por quarto, à época. A casa tinha três quartos segundo a depoente. Disse que passou quatro meses nessa casa.

Explicou que o local era invadido, quando ela comprou os quartos do Alemão, e que depois ela abandonou a casa. Indagada sobre o verdadeiro nome do Alemão, disse não saber. Disse que cobrava vinte reais por dia, na casa anterior, e, na atual, cobra trinta reais por dia. Falou ainda que é costureira e que vive das costuras.

Negou o recebimento de gratificação resultante das cirurgias superfaturadas, realizadas nos travestis pelo Dr. Jair indicado por ela. Também negou ter qualquer gerente que tome de conta da pensão. Disse que tinha apenas uma cozinheira, de nome Pérola. Negou ter conhecimento do assassinato da Pérola.

Negou que mantinha pessoas em cárcere na pensão até pagar o aluguel atrasado. Disse que foi denunciada pelo Juan e que não consegue entender o porquê.

DEPOIMENTO DE RUAN GUILHERME PASSOS FERREIRA – Menor explorado pela Sra. Telma, em São Paulo.

Disse que frequentou a boate da Sra. Telma, em São Paulo, desde os 14 anos, onde era explorado sexualmente, como travesti. Chegou à boate já com uma dívida em torno de seissentos reais e tinha de pagar diária de trinta reais, além de garantir um lucro mínimo para a proprietária da boate.

Relatou que havia vários outros menores, meninos e meninas, na boate, com idade entre catorze e dezessete anos. Disse que sofreu agressões físicas por parte da Sra. Telma e que as outras meninas e meninos que trabalhavam na boate também eram espancados.

Contou que chegou a ir à Polícia para fazer a ocorrência de sua agressão, mas que nada aconteceu com a Sra. Telma. Foi obrigado a fazer modificações clandestinas no seu corpo, colocando substâncias proíbidas para atender às exigências do mercado sexual. Essa intervenção foi feita, segundo o depoente, pela Sra. Isadora, sócia da Sra. Telma na exploração sexual de mulheres, travestis e menores.

Disse o depoente que, depois de denunciar a Sra. Telma, passou a sofrer ameaças de morte, mesmo quando se encontrava no Pará, pois a Sra. Telma tem um irmão que mora no Pará. Relatou ainda que a Sra. Telma tinha capangas e que mandava matar quem invadia seu território.

O depoente disse que chegou a trabalhar para uma Sra. Chamada Michele, mas que esta a tratava melhor, não fazia muita pressão, nunca lhe agrediu e lhe cobrava vinte reais pela diária do quarto em que morava.

Em face dessa investigação, a CPI indiciou a Sra. TELMA RODRIGUES DO NASCIMENTO, como Incursa nas penas previstas nos arts. 229, 231-A, §§1º e 2º, I, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pela prática dos seguintes crimes:

- Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente, cuja pena é de reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

- Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual, cuja pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 

O § 1o  desse artigo prevê que “incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”. 

Já o § 2º , inciso I, dispõe que a pena é aumentada da metade se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.

Foram estas as investigações e providências tomadas pela Comissão emrelação a esse caso.

13.15. CASO DA MENOR FERNANDA ELLEN MIRANDA CABRAL DE OLIVEIRA, DESAPARECIDA EM JOÃO PESSOA

Trata-se de caso que envolve o desaparecimento de Fernanda Helen Cabral, no dia 07/01/2013, então com 11 (onze) anos de idade, após sair da escola, no bairro Alto do Mateus, em João Pessoa/PB. No desenrolar das investigações empreendidas pelos órgãos de segurança pública, restou apurado que Fernanda foi, na realidade, vítima de homicídio, razão pela qual se sugere, de plano, o arquivamento do caso no âmbito desta CPI.

Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Juntada do ofício n.º 007/13, firmado pelo Deputado Major Fábio, às fls. 197/198 da pasta n.º 26 do volume ostensivo, solicitando, em síntese, que a CPI investigue o caso (instruído com cópias do ofício n.º 006/13, expedido pelo Dep. Major Fábio e endereçado ao Exmo Sr. Ministro da Justiça, solicitando, em resumo, que seja determinado à Polícia Federal que investigue o caso, fls. 199/200);

• Juntada de vias impressas de notícias veiculadas em fontes abertas sobre o caso, fls. 201/212 da pasta n.º 26 do volume ostensivo;

• Audiência pública realizada em 05/04/2013, na Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba, tendo prestado depoimento FÁBIO JÚNIOR DE OLIVEIRA, pai de Fernanda Ellen Oliveira; notas taquigráficas em processamento, conforme: ;

• Ainda conforme relato do DPF Gustavo, conforme notícias veiculadas por fontes abertas, disponíveis em , já há procedimento investigativo instaurado para apurar o fato da morte de Fernanda Ellen, já submetido ao crivo do Poder Judiciário, inclusive, considerando-se que, conforme noticiado, foi decretada a prisão preventiva de JEFFERSON LUIZ DE OLIVEIRA, suspeito de ser o autor do crime de homicídio.

Esta CPI realizou atomada depoimentos que passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DO SR. FÁBIO JÚNIOR CABRAL DE OLIVEIRA - Pai da menor Fernanda Ellen Miranda Cabral de Oliveira, desaparecida em João Pessoa.

Queixou-se da falta de comunicação e disse que gostaria de ter uma pessoa para a qual pudesse passar as informações.

Relatou ameaças sofridas, inclusive por parte de uma pessoa que o contatou, próximo de sua residência, e disse que ele deveria mudar de endereço, pois iria morrer. Disse tratar-se de uma pessoa magra, alta, cabelo um pouco enrolado, amarelado — um pouco do cabelo, não todo, mas uma parte de cima do cabelo amarelada, moreno claro.

Mencionou que também recebeu outra ameaça por telefone, na qual novamente lhe disseram que ele iria morrer.

DEPOIMENTO DA SRA. HIPERNESTRE CARNEIRO - Fundadora do grupo Mães na Dor.

Queixou-se de casos que permaneceram sem resposta e da impunidade. Disse ter esperança de que, no caso da Fernanda Ellen, o caso seja solucionado e tenha uma resposta por parte das autoridades.

Relatou o sumiço de uma menina de 11 anos de idade, chamada Maria Alícia, desaparecida da escola, da mesma forma que Fernanda Ellen.

DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ CARLOS PATRIOTA – Pai de Rafael Patriota.

Disse que o seu filho, Rafael Patriota foi brutalmente assassinado, aos 27 anos, juntamente com Daniel Guimarães, de 24 anos, por Victor Souto da Rosa, que se encontra preso, recolhido no 5º Batalhão de Polícia.

Com relação ao tráfico de pessoas na região, o depoimento não acrescentou informações importantes para as investigações realizadas pela Comissão.

DEPOIMENTO DA SRA. VALDÊNIA APARECIDA PAULINO LANFRANCHI - Ouvidora de Polícia da Paraíba.

Relatou o caso de uma angolana, Felícia, traficada para o Brasil, em situação de servidão. Disse que, durante a tramitação do processo no Judiciário, havia uma forte tendência de considerar que se tratava de pessoa adulta, que veio por vontade própria, o que quase a transformou em ré, em vez de vítima, o que demonstra a fragilidade do sistema.

DEPOIMENTO DO SR. LUÍS GUSTAVO MAGNATA SILVA - Diretor da ONG Dignitatis – Assessoria Técnica Popular.

Disse que o último diagnóstico nacional que foi apresentado sobre o tráfico de pessoas no Brasil foi em 2003, que dez anos se passaram e não há dados oficiais do Estado brasileiro, que trate sobre o tráfico de pessoas.

Mencionou um levantamento da ONU, de 2010, que aponta no Brasil inteiro 67 casos de tráfico de pessoas, dos quais 3 foram a julgamento.

Comentou a dificuldade de tipificação desse crime, por causa da necessidade de lidar com a vítima como principal meio de prova.

Destacou a necessidade de uma Programa de Proteção à Testemunha que funcione na Paraíba.

DEPOIMENTO DO SR. NOALDO BELO DE MEIRELES - Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão da Paraíba — CEDDHC/PB.

Disse que não se pode ter várias polícias que não conversam entre si, que não interagem, que não têm pontos comuns de acumulação de informações, de troca de dados.

Mencionou o caso de uma pessoa da cidade de Mulungu, chamada Isnard, que é considerado um dos mentores de uma quadrilha de tráfico de travestis para a Itália.

Disse que havia um mandado de prisão contra esse Isnard e ele estava de férias em Mulungu, em janeiro, sem ser incomodado. Questionou como ele conseguiu passar pelos aeroportos sem ser preso.

Também relatou o caso de Almir Muniz, agricultor de Itabaiana, desaparecido desde 29 de junho de 2002.

Criticou o fato de parentes e testemunhas de vítimas morarem na mesma rua dos acusados, sem nenhum esquema de proteção.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA MADALENA DE MEDEIROS - Representante do Programa Mercosul Social e Participativo e do Centro de Ação Cultural — CENTRAC, de Campina Grande, Paraíba.

Destacou o lançamento do segundo Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cujo eixo é a repressão. Disse que, no âmbito do Brasil, o tráfico de pessoas tem-se configurado como uma ação que atinge especialmente mulheres, meninas e adolescentes.

Destacou a importância do envolvimento da sociedade civil e dos Governos para o enfrentamento do tráfico de pessoas.

Disse que as pessoas que se dispõem a colaborar como testemunhas são eliminadas, citando inclusive o caso de uma testemunha, em Queimadas, no caso de uma menina chamada Ana Alice, de 16 anos, que desapareceu e foi encontrada morta, que foi eliminada entes do depoimento.

DEPOIMENTO DA SRA. JOANA D’ARC SAMPAIO NUNES - Delegada titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Infância e Juventude da Polícia Civil do Estado da Paraíba.

Disse que o carro-chefe da sua delegacia são os abusos sexuais de crianças e adolescentes e maus tratos e colocou a delegacia à disposição da família de Fernanda.

Com relação ao tráfico de pessoas na região, o depoimento não acrescentou informações importantes para as investigações realizadas pela Comissão.

DEPOIMENTO DO SR. SADY SIDNEY FAUTH JÚNIOR - Representante do Ministério da Justiça.

Disse que o Ministério da Justiça continua firmando convênios com governos estaduais, municipais para a questão de instalação de núcleos de enfrentamento ao tráfico de pessoas e postos de atendimento humanizado aos imigrantes.

Afirmou que, atualmente, existem 16 núcleos e 13 postos, já abrangendo todas as regiões do Brasil e que uma das metas do segundo plano, que foi lançado no final de fevereiro, é que sejam instalados pelo menos mais 14 núcleos e postos até o próximo ano.

Tratando-se de caso de assassinato, e não de tráfico de pessoas, sugere-se o arquivamento do caso no âmbito desta Comissão.

13.16. CASO DAS GAROTAS DO PANTANAL – MS

Trata-se de Inquérito Policial instaurado pela Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, Criança e Idoso da Polícia Civil do Mato Grosso, em função de ter a autoridade policial tomado conhecimento, por meio de expediente oriundo da Procuradoria Geral de Justiça daquele Estado, que adolescentes entre 13 e 18 anos estariam sendo expostas indevidamente em site da internet com o objetivo de promover concurso para escolher a “Garota da Copa do Mundo no Pantanal”.

Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Oitiva de REINALDO LUIS AKERLEY CAVALCANTE em Audiência Pública realizada pela CPI em data de 19/03/2013;

• Juntada de cópia integral do inquérito policial nº 103/2012/DDMCI/MT, por suposta infração ao artigo 244 – A, da Lei nº 8069/90 (ECA), instaurado pela PC/MT para apurar os fatos na pasta do caso.

Sugere-se o arquivamento do caso por incompatibilidade do mesmo com o objeto da CPI, eis que não há nos autos do inquérito policial em questão qualquer indício do delito de tráfico de pessoas dos artigos 231 ou 231 – A do CP.

13.17. CASO CIRLENE AESCHBACHER - RJ

Trata-se de denúncia da Senhora MARLENE CISNEIROS DE OLIVEIRA de um suposto envolvimento de sua filha CIRLENE CISNEIROS DA SILVA, atualmente CIRLENE AESCHBACHER, com uma rede internacional de tráfico de mulheres para fim de exploração sexual (prostituição) na Europa (principalmente Suíça, Espanha e Portugal). A rede seria responsável por recrutar pessoas de diferentes cidades do Brasil. A conexão com os países na Europa se daria a partir do marido de Cirlene, de nome M. AESCHBACHER, de nacionalidade Suíça. Marlene tem outra filha chamada SIMONE CISNEIROS DA SILVA, que viajou diversas vezes para a Europa com sua filha Maria Eduarda, de 10 anos. Marlene receia que Simone se associe às atividades da irmã na Europa.

Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Juntada do Ofício n.º 97/2013-GAB/DG/DPF, de 19 de fevereiro de 2013, que encaminha cópia do despacho nº 34/2013 – URTP/DDH/CGDI/DPF e anexos em que dão conta de que os fatos foram objeto de apuração, no âmbito da Polícia Federal, no bojo do Inquérito Policial nº 44/2005 - DELINST/SR/DPF/RJ, relatado em data de 02/07/2008 sem indiciamentos. (volume nº 29 – processo ostensivo - fls. 200/209);

• Juntada dos documentos encaminhados por MARLENE CISNEIROS DE OLIVEIRA (volume nº 2 – processo reservado - fls. 2/224);

• Entrevista da delatora MARLENE CISNEIROS DE OLIVEIRA, realizada por telefone, na data de 29/04/2013.

Não tendo havido maior aprofundamento nestas investigações, sugere-se o encaminhamento do caso para as autoridades policiais e para o Ministério Público para continuidade da apuração desses fatos.

13.18. CASO SÃO PEDRO DA ALDEIA – RJ

Trata-se de representação enviada à CPI por MARCO ANTONIO SANTOS, que se encontra recolhido no presídio da Marinha localizado em São Pedro da Aldeia/RJ. Refere o representante possuir informações “(...) sobre a venda de uma criança (...)” naquele município. O fato teria ocorrido em janeiro de 2010 e a criança em questão contaria então com dois anos de idade, de nome CAUÃ. Refere que a criança seria neto de ANA MARIA SANTOS, que seria a mentora intelectual do fato. Os “compradores” da criança seriam CARLA DE TAL e EDGAR DE TAL, sendo que este seria cidadão argentino. Aduz o representante, ainda, que teriam participado do ilícito, dois policiais militares lotados no 25º BPM – Cabo Frio/RJ: FLÁVIO SOARES e ESTEVAM DA SILVA BENTO. Estes, por sua vez, em represália ao representante, que teria comunicado o fato às autoridades, teriam “forjado um flagrante” contra aquele, o que seria o motivo de estar recolhido no presídio da Marinha.

Conforme consta dos registros desta Comissão, foi realizada a juntada da representação no volume nº 21, do processo ostensivo.

Providências do caso:

Foi realizada a juntada da representação no volume nº 21, do processo ostensivo. O representante menciona que o fato teria sido apurado por meio do inquérito policial n.º 2399/2010 da 125ª DP – São Pedro da Aldeia/RJ e do Inquérito Policial Militar n.º 1096/2538/2012 e sugere a obtenção dessas cópias para análise.

São estas as informações referentes ao caso.

13.19. CASO FERNANDO MARINHO DE MELO- Oficial Superior de Máquinas da Marinha Mercante.

O investigado foi condenado pelo sequestro de Larissa Santos, de 12 anos, e é investigado em outros dezessete casos de desaparecimento de menores. A CPI colheu vários depoimentos sobre o caso, os quais passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA JOVITA BELFORT - Mãe de Priscila Belfort (desaparecida).

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu estive na CPI do Deputado Paulo Ramos por duas vezes. Inclusive, fui eu que trouxe a Delegada, de Belo Horizonte, porque eu estou numa luta! Eu falei: “Eu já perdi tudo”, que era minha filha. “Então, eu não tenho medo de mais nada, de perder mais nada”, que seria a minha própria vida. E eu falei: “Enquanto essa delegacia não for colocada aqui no Estado do Rio de Janeiro, no molde de excelência de Belo Horizonte, eu não paro”.

Nós estávamos com uma manifestação, eu e as ONGs Rio de Paz e Meu Rio, para fazer agora, dia 29. Nós tínhamos mães que estavam dispostas a ficarem amarradas, de preto, porque nós estamos assim, esses anos todos. Faz 10 anos que minha filha desapareceu. Eu tenho contato com as mães da Candelária — que é de 1995. As mães de Acari infelizmente todas já morreram, com seus filhos que foram desaparecidos, e é isso. Eu tenho quatro stents, porque as pessoas vão perdendo a saúde, porque o tempo vai passando e nada, nada, e nada é feito. (...)

Então, na terça-feira, nós obtivemos uma resposta do Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro de que ele aprovou finalmente a delegacia. Só lembrando que, desde 1995, essa delegacia é pedida. Então, nós estamos em 2014, estamos chegando lá. Então, assim, eu peço até inclusive a colaboração de vocês para ficarem em cima, porque eu não sei muito bem desse prazo, até quando pode — eu não sei se delegacia tem prazo para ser inaugurada —, mas ela precisa ser feita para ontem.

Então, o Secretário oficializou que ele vai realmente fazer, que é necessária essa delegacia.(...) Então, eu peço à CPI, é um dado real, infelizmente eu acredito que nem a própria Polícia Federal nem a Polícia Civil tem hoje a verdade desse tráfico humano, do que é que está acontecendo em nosso País, dentro e fora.

Eu peço que a gente possa multiplicar o interesse da sociedade, porque é uma dor tão grande para uma família! Eu tive essa noção quando a mãe do João Hélio, aquele menino que foi arrastado quando os bandidos roubaram o carro dela...Ela agora está morando em São João, aqui no Estado do Rio, e sempre me liga no Natal. Ela diz: “Jovita, quando estou muito desesperada eu penso em você, porque eu enterrei meu filho”.

O desaparecido, por mais que você, às vezes, tenha a evidência da morte, como é o caso da Patrícia, aquela ali cujo carro foi baleado...Eles têm esperança, a mãe dela tem esperança. A mãe dela agora é que consegue, um pouco, viver, sair de casa, porque ela viveu uma depressão. Eu tive uma depressão também horrível; aliás, todas nós, não é? O coração começa a pifar.

A gente não pode mais fechar os olhos, porque é uma realidade hoje o tráfico humano, seja para o que for. A gente não pode mais se calar, tem que estar nos jornais. A polícia tem que estar a par disso, para ter respeito por esses familiares e vontade.

Por isso essa delegacia é a coisa mais importante hoje, eu acredito, para as mães que eu conheço e para mim. Sem ela, os casos vão durar 10 anos, 15 anos, 20 anos, e isso eu acho que é a coisa mais perversa que a gente hoje pode ter. Eu conheci uma coisa pior do que a morte: ter uma filha desaparecida. É uma coisa que só quem passa, só quem passa é que pode dizer o que é que é isso. Eu não estou sentada, como eu digo, não é? Eu posso falar de cadeira o que é isso, e outras mães.

Então, eu peço mesmo empenho à sociedade, a todos os órgãos, aos Deputados, porque a gente precisa, precisa de vocês. Foi como eu disse à Dra. Martha Rocha: “Dra. Martha Rocha, a gente precisa da polícia”. Eu não sei por que demorou tanto essa delegacia, porque é uma coisa que a sociedade quer, as mães querem, não é? Eu acho assim, eu não consegui até hoje... Na minha cabeça não fechou porque essa delegacia ainda não existe.

É lógico que a gente não quer uma delegacia como a de São Paulo, em que, de 3 em 3 meses, muda o delegado, porque quando pegam algum barão ali, literalmente, que está fazendo tráfico humano, eles conseguem, conseguem, conseguem que aquele delegado vá embora. A média de mudança de um delegado numa delegacia de São Paulo é de 3 em 3 meses.

A de Belo Horizonte tem este detalhe: ela está à frente da delegacia há 13 anos. E ninguém pensa em tirá-la de lá, porque a sociedade eu acho que vai para a rua, Belo Horizonte inteira. Lá eles contam com oito 0800; eles estão sempre ali dando o retorno à mãe, às pessoas que querem denunciar. E outra coisa que ela viu muito: a questão de tráfico de criança. Hoje você tem uma lei no Brasil pela qual você leva pessoas para serem testemunhas e consegue fazer um novo registro de nascimento. Com isso, com uma boa investigação, ela já conseguiu resgatar muitas crianças.

E o pior de tudo, como ela diz, eu não sei muito bem: por tráfico de drogas, é caro para você sair da prisão, pagar essa coisa que se paga aí para não responder, não é? Eu vi esse chofer: pagou um salário mínimo. Ela diz que o mais barato é o tráfico humano, o tráfico de criança. O maior medo dela é quando pega alguém por isso; ele entra por uma porta e sai por outra, porque é muito barato. Se você não tem condição de dar o sequestro, porque o tráfico de criança, de adolescente e de adulto... Até hoje eu me pergunto: será que Priscila também não foi traficada? Eu não sei! Porque existe o tráfico de maior, entendeu? Às vezes, até me pergunto: com tanta prostituta... Uma coisa que, no Brasil... A gente anda pela praia e vê. Eu moro ali, já morei em Copacabana, em Ipanema. Meu Deus! Por que não vai procurar uma prostituta? Ele tem que traficar uma pessoa para fazer sexo com ela, para ter ali aquela escrava sexual.

Além disso, outra coisa que foi feita: as pessoas que se suicidam. Hoje em dia, tem pessoas na Internet que ensinam a se suicidar, que te levam a se suicidar. Ela já viu casos em que, se a família não tivesse esperado aquelas 24 horas ou aquelas 48 horas, em 6 horas pegariam a pessoa com vida. Isso foi um serial killer. Ela até contou, no Jô Soares, sobre esse caso.

O caso da Priscila também, se puder colocar... A gente não sabe. O problema é que com o desaparecido pode ocorrer tudo, tudo. Invente aí uma história: pode. Isso deixa qualquer pessoa louca. Eu não sei como ainda eu não estou louca. São os amigos, são as outras mães, são as pessoas que estão aí. (...)

Na segunda-feira, eu estive com o pessoal da Associação dos Magistrados e a pessoa dos Direitos Humanos. Eu perguntei a ela: “É tanto caso no jornal, por que que não procura?” Nunca, nunca ninguém dos Direitos Humanos ou de qualquer associação procurou a mim e as outras mães também.

Infelizmente, as Mães de Acari, que estavam procurando seus filhos desaparecidos, hoje todas estão mortas. As da Candelária, só tem uma que consegue pegar ônibus. Também tem um problema: para subir nos ônibus, depois que você tem uma certa idade, tem que ter alguém para te puxar e tem que descer de bunda aquelas escadas, uma outra coisa muito perversa para as pessoas mais idosas.

Enfim, eu deixo o meu relato, como vítima, do que a gente passa. Eu espero que não só esta CPI mas o Deputado Paulo Ramos, os Direitos Humanos e a polícia cobrem essa delegacia, porque só assim, como tem sido em Belo Horizonte, será combatido o tráfico e se terá a resposta certa em questão de estatísticas.”

DEPOIMENTO DA SRA. SILVÂNIA MARIA DE SOUZA - Mãe de Larissa Andrade de Souza (desaparecida).

Prestou o seguinte depoimento: “O que eu tenho para dizer aqui é pouco, porque as mães já disseram tudo o que eu queria dizer. Essa aqui é minha filha, que hoje, atualmente, está com 16 anos. Eu quero deixar bem claro que existem os sequestros de duas Larissas: a Larissa de Honório Gurgel e a Larissa da Barreira do Vasco.

O que acontece? A minha filha foi sequestrada no dia 14 de março de 2007. Parou um táxi à minha porta e levou a minha filha e algum objeto. Alguns meses depois, foi levada a Larissa da Barreira do Vasco praticamente da mesma forma, e esse homem que está sendo acusado está preso. Será que ele está tendo mais direitos humanos do que essas crianças?

Eu preciso pedir à CPI, eu preciso pedir às autoridades que investiguem. Eu quero investigação sobre o caso da Larissa de Honório Gurgel. Como todo mundo sabe, existe o tráfico de crianças. Essas crianças não são levadas para brincar de boneca, essas crianças não são levadas para ser manequim de loja.

Eu quero pedir às autoridades um pouquinho mais de atenção para o caso dessas crianças. Quando eu estou me alimentando, quando eu estou comendo, eu pergunto: “Será que a minha filha já almoçou? Será que ela está viva? Será que ela está morta?”

Há 2 anos, eu saí para o trabalho às 4 e meia da manhã. Quando eu atravessei a rua, parou um carro. O cara me xingou de tudo quanto é nome e disse: “Dá a sua bolsa”. Ele me xingou de tudo quanto é nome. A minha visão ficou escura, a minha perna tremia, ele fez um terror psicológico na minha cabeça para pedir a minha bolsa. Ali na hora, eu disse: “Com certeza, com a minha filha também foi assim”. A pessoa que levou fez um terror psicológico. E a criança vai.

Imaginem a mim quando aquele levou a minha bolsa, fazendo um terror psicológico na minha cabeça: o meu chão desabou, eu fiquei cega, ele levou um pedaço de mim, que foi a minha bolsa, e eu fiquei assim... Eu disse: “Meu Deus, imagine o dia em que esse homem levou a minha filha, como é que ela deve ter se sentido. Ele deve ter usado o nome da mãe, o nome do pai, o nome da irmã, e a levou.”

Imaginem esse homem ter pego a minha filha, colocado em uma casa e a oferecido para vender ao tráfico... Sei lá, gente! É uma dor muito grande. Eu preciso da investigação do caso da Larissa de Honório Gurgel. Eu preciso pedir à polícia que investigue mais, uma polícia inteligente — inteligente! — para investigar esse homem que está preso, porque é da mesma forma, as idades das crianças são as mesmas, e ele não escolhe qualquer uma criança. As crianças têm perfil, têm idade para ele levar.

Então, eu peço: investiguem mais esse homem que está preso. Mas não vale a pena só ele estar preso. Ele tem que dizer o que aconteceu, o que ele fez, se ele matou, se ele vendeu. O que ele fez tem que ser investigado. Não adianta, de repente, ele está lá preso e está fortinho. Está forte, está bem alimentado. Sete anos passam rápido.(...)

Então, isso tem que ser investigado. A polícia inteligente tem que investigar esse homem e saber o que ele fez. Não basta só jogá-lo numa cela, gente! Não basta só chegar e jogá-lo numa cela, e daqui a pouco ele está solto por bom comportamento.

Os direitos humanos hoje em dia estão mais para um traficante, para esses criminosos, do que para um trabalhador. O que eu quero dizer, como eu disse, é pouco: eu só quero investigação, eu só quero saber o que aconteceu com a minha filha. Eu tenho uma filha de 14 anos em casa que hoje tem medo. Ela foi para a escola, quando, no ônibus, um senhor se sentou ao lado dela, ela ficou desesperada, ela ficou com trauma. As crianças têm trauma! As crianças têm medo!

Então, não basta também só uma delegacia, outra delegacia. Isso precisa ser investigado. Precisa-se de mais investigação. É muito duro, gente, é muito triste uma mãe que tem um filho sequestrado conforme foi a minha filha e as filhas das outras mães. Quando a gente liga a televisão e vê o mesmo caso, a gente sofre junto, a gente sofre junto. Então, eu quero só pedir à CPI, à Polícia, a todas as autoridades que venham a investigar mais esse homem que está preso.”

DEPOIMENTO DA SRA. RAQUEL GONÇALVES CORDEIRO DA SILVA - tia de Larissa Gonçalves Santos (desaparecida).

Fez o seguinte relato: “Ao fechar os olhos, eu posso me lembrar do dia 31 de janeiro de 2008, quando um homem entrou na minha casa. Ele não pegou a Larissa na rua. Ele entrou dentro da minha casa e tirou ela de dentro de casa. Ela estava junto com o meu filho. E levou ela! Eu passei 5 dias na rua. Cinco dias sem comer! Cinco dias sem dormir! Cinco dias indo de delegacia em delegacia, procurando uma resposta. E ninguém sabia onde estava. O que eu escutava dizer era: “ela pode estar na casa de um colega”; “Ela pode estar na casa de um amigo”; “Olha, essa menina já é grande, ela não está com namorado?” E foi árduo!

Eu procurei o Ministério Público porque as coisas não andam como parece, como deveriam andar. Tive que procurar o Ministério Público várias vezes. Tive acesso à Promotora do caso. E assim começou a andar o processo da Larissa.

Quando foi no final de 2012, o homem que levou a Larissa, reconhecido por sete testemunhas, inclusive pelo meu filho, que no depoimento dele, ele fala claramente. Eu estava sentada do lado, e o delegado — dois delegados —, quando ele fala que a Larissa falou pra ele que não ia com ele. E ele: "mãe, ele botou o dedo na caRa dela e disse assim: você vai comigo porque eu quero”. E assim ele levou a Larissa. E até hoje eu não tenho notícias da Larissa.

Esse homem foi condenado. Está preso. Só que até hoje, eu não sei o que ele fez com a Larissa. Eu preciso saber. Eu preciso dormir. Meu filho precisa viver, porque quando começou isso tudo, eu não falava.(Choro.) Eu não falava! Eu não conseguia falar. Eu fiquei 1 mês sem falar. Foi difícil! O meu filho ficou sem falar. Escrevia redações e redações, na escola, contando como foi pra ele, como foi o dia em que esse homem tirou a Larissa de casa.

Então, eu gostaria de pedir aos senhores que não parassem. Que não parassem! Porque essas crianças, elas podem estar mortas? Podem. Mas também elas podem estar vivas, sendo escravizadas em outro país, porque a procura do desaparecido, do sequestrado, do raptado, não é expandida a outros países, não é expandida a outro Estado. Ela é mais aqui dentro do Estado do Rio de Janeiro.

Eu gostaria de dizer para a Deputada Liliam: a senhora citou o DNA. No início deste mês, eu estive na Delegacia de Homicídios. De lá, fui orientada pelo policial a procurar o Instituto Forense. Estava com a mãe da Thaís de Lima Barros. Lá, fomos ao Instituto Forense. Fomos atendidas. Só que lá não há nenhum pedido de DNA.

Ninguém pediu DNA nenhum! Nós estamos na estaca zero. Entendeu? Vamos ter que bater em delegacia para poder ver onde está.(...) A Dra. Elisabete está ali, ela estava comigo, ligou para a Civil, ligou para vários lugares, e lá disseram para ela que não foi pedido nenhum DNA. Então, nós precisamos que esse DNA seja feito.

E, também, o que nós precisamos é que haja progressão de imagem, como a Elisabete falou aqui. A Larissa tinha 11 anos. Larissa, dia 12 de fevereiro, fez 18. Meu filho tinha 7 anos. Ele foi levado à delegacia e foi levado ao júri, entendeu? E ele o reconheceu.(...)

Então, eu acho impossível, diante de um juiz, diante de um delegado, sete pessoas que não têm convívio com a gente — moram, sim, na localidade, mas eu não tenho convívio —, se prestar a esse papel, a acusar uma pessoa. Até porque, não há interesse nenhum da nossa parte em acusar ninguém. O que nós queremos é resposta. Onde estão essas crianças? O que foi feito dessas crianças?

Então, eu queria pedir a vocês que vocês não parassem, que os senhores não parassem. Mesmo que a CPI acabe — e eu sei que vai acabar —, mas que os senhores ajudassem a localizar não só a Larissa, mas muitas Larissas. Muitas Larissas, porque não é só uma criança acusada desse homem. Pela Larissa, ele está condenado, mas ainda falta. Tem a outra Larissa, tem a Thaís, tem a Michele. São muitas crianças.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARISA DREYS DA SILVA XAVIER - Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Polícia Rodoviária Federal.

A respeito do trabalho de combate à exploração de crianças e adolescentes, prestou os seguintes esclarecimentos: “Uma das áreas que a gente mais valoriza é o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. “Ah, mas você está falando de ética”. Estou falando de ética, mas eu também estou falando de tráfico, porque essas crianças não vêm para cá porque elas querem não. Ou elas vêm trazidas, ou elas vêm sequestradas, ou elas vêm por cumplicidade da família.

Então, o que nós fazemos efetivamente? De 2 em 2 anos, a Polícia Rodoviária Federal faz o que chamamos de mapa da exploração sexual de crianças e adolescentes. E o que é isso? Nós mapeamos pontos de vulnerabilidade nas rodovias ou no entorno delas. E como isso é feito? Isso é feito junto com a OIT, com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e também com consultorias universitárias. Por quê? Porque existem critérios para que esses pontos sejam considerados. A partir desses pontos, nós podemos embasar políticas públicas, aumento de policiamento, um foco muito determinado. E nós temos tido bons retornos desse mapeamento: crianças ou adolescentes que são apanhados nesses locais e que a gente às vezes não enxergaria como uma situação de exploração, não necessariamente sexual, mas também de mão de obra; criança lavando pneu; criança lavando motor sem ser na condição... Bom, por ser criança não poderia ser nem ser na condição de aprendiz, mas mesmo pré-adolescentes e 12 anos, porque às vezes apresenta um corpo, um físico um pouco mais avantajado.

Imagina-se logo que é uma mão de obra barata, que criança e adolescente é mão de obra barata. Então, é para isso que o nosso mapeamento serve. Atualmente, ele está em andamento. Agora, neste momento, policiais de todo o Brasil estão passando nas rodovias, estão mapeando esses pontos, para que eles venham a ser publicados e, uma vez publicados, venham a embasar ações na área de segurança pública e educação.

Também combate ao trabalho escravo ou, como a gente fala hoje, ao trabalho assemelhado a escravo. Pessoal, a gente pensa que não existe, principalmente a gente aqui no Rio de Janeiro. Existe, sim, nas usinas de cana, em São Paulo, nas costureiras, bolivianos, maranhenses. Todo tido de exploração de humano por humano existe aqui.(...)

Então, aqui é operação de libertação junto com o Ministério do Trabalho, com o Ministério Público do Trabalho, com muitas promotorias que nos auxiliam, que nos trazem denúncias. E isso é muito importante, para que a gente possa também trocar com outras polícias.(...)

Além disso, sobre aquela história que todo mundo já sabe, de endividamento por ameaças, algumas quadrilhas usam, sim, as rodovias federais, e a gente tem que pegar isso com inteligência.(...)

Eu fiquei com vontade de levar a mãe da Thaís e a tia da Larissa, que disseram que a gente tem que trabalhar a polícia com inteligência... Quase que eu levantei e levei as duas para trabalharem com a gente lá, porque é isso mesmo, mãe. Polícia sem inteligência não funciona nada. Não adianta ficar exibindo arma, não adianta ficar exibindo viatura, colete, não. Tem que ser com inteligência, tem que ser com investigação, tem que ser com troca de comunicação, e sem nenhum tipo de vaidade para ninguém. Assim, vamos trabalhar juntos, porque é o que a sociedade quer da gente. É a resposta que a

gente tem que dar para ela.”

DEPOIMENTO DA SRA. WALTÉA FERRÃO RIBEIRO - Presidente do Portal Kids e do Movimento Mães do Brasil.

Fez o seguinte pronunciamento: “Ela estava enrolando brigadeiros para a festa da avó que fazia aniversário, e esta avó morreu com câncer no cérebro sem saber o que aconteceu com a sua neta. A partir daí, nós fizemos campanhas na televisão e veio uma denúncia da Michele, que a Michele estaria vivendo como menina de rua na Praça Seca. Eu fui até à delegacia com a mãe dela, porque foi para a novela Senhora do Destino, foi no ano de 2005, e na delegacia foi que eu soube, na verdade essa policial ela passou tudo isso para mim, nada do que foi feito foi sem o acompanhamento policial, e sempre isso foi me relatado primeiro pelos policiais.

Ela disse para mim que crianças estavam sequestradas em série e que a delegacia dela não tinha condição de investigar isso, mas eles foram investigar se a Michele estava na Praça Seca, e não estava, era outra menina. Eu acompanhei esse caso junto com a mãe da Michele, inclusive ela me relatou que o irmão da Michele teria reconhecido o sequestrador da sua irmã através de uma matéria de jornal, porque ele foi apontado como sequestrador de outra menina, e a polícia não fez esse reconhecimento porque julgou o menino muito pequeno — ele tinha 6 anos na época — para fazer o reconhecimento. E dali eu comecei, eu fui entrevistar todos os policiais que cuidaram desse caso. Eu descobri mais meninas, todas elas apontavam para o mesmo sequestrador, que era o Sr. Fernando Marinho de Melo.

Eu nunca conheci o Sr. Fernando de Melo, eu vi quando ele foi preso e no julgamento quando eu fui depor. Eu não tenho a mínima, o mínimo interesse, até porque aprendi o verdadeiro sentido do que é fazer direitos humanos, em apontar uma pessoa, porque, aliás, não fui eu que apontei, foram os policiais, porque nós somos muito técnicos e todo esse processo de investigação foi acompanhado pelo Departamento de Ciências Sociais da UERJ. (...)

Eu acompanhei, nesses 15 anos, o sofrimento de cada uma dessas mães. Hoje, ao ver a Silvânia falar aqui... Eu espero que ela não fique zangada comigo, mas quando ela entrou no Portal Kids, ela entrou igual a um zumbi, ela se arrastava pelas paredes. E, hoje, ver a Silvânia aqui, falando e sendo citada, citando a polícia inteligente... Porque essa polícia inteligente, nós encontramos, sim, dentro de cada policial que nos ajudou dentro da Polícia Civil. E a recompensa deles foi serem afastados. Um policial sofreu até um infarto, ele ficou todo torto. Por quê? Cada vez que a gente chegava e se aproximava desse caso, os policiais eram punidos, caíam.

Eu até brincava que eu era conhecida como a viúva dos policiais. Por que essa delegacia não foi criada? Essa delegacia tinha verba. A UERJ estava disponibilizando um espaço. Seria uma delegacia que trabalharia profundamente com direitos humanos. E o que aconteceu com o delegado? Nós recebemos, dois dias antes, uma denúncia de que ele iria cair, porque vazou a história do tráfico de órgãos.

O tráfico de órgãos não é uma lenda urbana. Nós recebemos uma denúncia de uma clínica que funcionaria de forma clandestina e estaria fazendo essas operações. Um homem, hoje, inclusive, está preso, não por causa disso, mas porque o nome dele foi apontado como comandante do tráfico de órgãos. E ninguém nunca investigou isso. Por quê? Os delegados caíam, a gente tinha que começar tudo de novo. Os delegados caíam, a gente tinha que começar tudo de novo. Esse caso só chegou a sua conclusão porque nós ficamos firmes, apoiando as mães, e, principalmente, por causa da Raquel Gonçalves. Eu digo que ela é uma mãe em dobro.

Eu ainda vou escrever um livro sobre a vida das Mães do Brasil e ela vai

figurar. Ela foi enxovalhada! A família dela, com medo, num dado momento, queria que ela parasse. Teve gente, vizinho, que nunca olhou para a cara da Larissa e posou de madrinha em reportagem. Ela foi vítima de tanta falta de respeito! Eu não sei como ela sobreviveu.

Teve um momento que eu precisei dizer para ela: “Você vai ter que ir sozinha ao Ministério Público, porque eu vou lá e as pessoas acham que eu estou incentivando você, ao contrário de te apoiar”. E ela foi. Ela levou três dias para conseguir entrar, porque ela tinha medo de ser presa. E eu dizia para ela: “Presa por quê?”. A Raquel foi, porque a irmã dela, mãe da Larissa... A Raquel criou a Larissa desde bebê, mas quando a irmã dela morreu com câncer, morreu segurando a mão dela e dizendo: “Cuida da minha filha”. E o último registro do diário da Larissa — pena que ela não o trouxe hoje, porque se não eu mostraria aos senhores, porque eu conheço isso — foi a seguinte frase, porque a Raquel convive com ela até hoje: “Tia Raquel, a mãe que me cura de todos os perigos, que me livra de todos os perigos”. Pode ser que a Larissa nunca mais apareça, mas a Raquel foi mãe e está sendo até o fim. Graças à coragem da Raquel...

Todo mundo me pergunta: “Como uma mãe tem medo de entrar no Ministério Público?” Tem, porque elas não têm respeito dentro da delegacia. A Beth conseguiu indiciamento pelo caso da Thaís, mas ela não queria ir. Eu disse para ela: “Você tem que ir”. E eu fui com ela, acompanhando-a, e a juíza perguntou para ela: “Por que você não procurou o Ministério Público?” E ela disse: “Porque eu não acredito”. Então, as vítimas são... O Tiago falou uma coisa muito importante aqui, e eu também peço a mesma coisa que ele pediu: “Não vejam as mães como criminosas, porque essas crianças não fugiram por maus tratos”. É preciso tipificar o crime de desaparecimento. Essas crianças foram subtraídas, existe uma máfia que está subtraindo essas crianças.

Recentemente, eu recebi uma denúncia de que ossadas tinham sido achadas no fundão, num cemitério clandestino, e que a polícia pediu à família da menina para ficar quieta para investigar e até hoje não foi dada essa resposta para ela. Eu gostaria também de saber por que essa delegacia não foi criada.

As Mães do Brasil, hoje, se tornaram mães multiplicadoras, porque nós ficamos juntas, nós as apoiamos, mostramos a elas a necessidade da importância de elas falarem. Hoje, todas elas, inclusive a Jovita, não queriam falar, e eu disse: “Vocês têm que falar. Vocês têm que dar o depoimento de vocês”. E vejam como foi importante. A Silvânia hoje cresceu 100%, porque a Silvânia não acredita mais, ela não foi ao Ministério Público.

O caso da Larissa ainda não foi para julgamento. E é preciso! Eu gostaria de pedir a esta CPI que designe uma promotora — a Dra. Márcia Colonese se mostrou disposta a fazer isso —, para cuidar de todos esses casos. Por quê? Eu tenho uma mãe, que é a mãe da Michele, que está cega de um olho, com obesidade mórbida, com problema na coluna que a impede de andar.

Ontem ela disse pra mim que tentaria vir, mas ela não consegue nem mais subir no ônibus. Ela está se arrastando, porque ela passa os dias na casa dela agora com a mão em cima da televisão pedindo a Deus para a Michele voltar. Talvez a Michele... A gente tem consciência de que é muito difícil uma menina dessas sobreviver ao horror que é ser retirada de casa e ser levada para a prostituição.

Nós fizemos manifestação na porta do Coronel Beltrami. Ele me chamou lá e disse para mim, na frente das mães: “Se eu não resolver, você volta aqui para me cobrar.” E eu voltei. Todas as vezes eu voltei, liguei e realmente perturbei a vida do Dr. Beltrami, mas foi ele que conseguiu, com a polícia dele, porque não existia mais... Nós percorremos todas as delegacias e não existia mais quem investigasse. Foi a polícia de segurança que conseguiu derrubar o álibi do sequestrador, segundo nos foi informado.

Então, por que é preciso um olhar atento para o sofrimento dessas famílias? Hoje eu consegui apoio da Áustria, porque do Brasil não consigo nenhum, para realizar um projeto para os irmãos de desaparecidos. Ele foi criado por um menino que cresceu na minha instituição, hoje tem 23 anos, é o coordenador e idealizador desse projeto, atende a familiares e irmãos de desaparecidos e às crianças que a gente localizou.

A gente localiza muita criança e sabe Deus como elas voltam. Esse projeto está sendo apoiado por uma instituição chamada DKA Áustria. Hoje eu trouxe aqui a Profa. Socorro Calhau, da UERJ, voluntária desse projeto, que tem uma verba pequena, para ela entender o universo dos meninos com os quais ela lida. Essas crianças eram prisioneiras, não saiam de casa, porque as mães não deixavam, tinham medo. Elas tinham horror de dizer que tinham irmãos desaparecidos, porque elas achavam que as mães tinham que desistir, porque elas estavam ali crescendo como sombras, enquanto as mães estavam implorando pelas delegacias ou então internadas em hospitais.

Hoje esse projeto conseguiu resgatar todas as crianças da dor. Elas estão aí: uma é estudante de Direito e a outra está fazendo Pedagogia. O próprio Nicolas, cuja irmã foi... Hoje a mãe dela não está aqui porque ela foi ameaçada de perder o emprego se viesse. Então, ela não pôde vir, porque ela tem que sustentar a família dela. Até essas idas constantes... A mãe precisa sobreviver. Então, o Nicolas tinha pavor de que se falasse na irmã dele. Hoje ele é músico e faz até música para ela. E ele hoje... Essa menina foi sequestrada e assassinada com requintes de crueldade.

Ela teve o pescoço quebrado e o corpo incendiado. E nós conseguimos localizar o sequestrador, pedimos que fosse feita uma acareação entre os outros suspeitos e o que a polícia fez foi transferir o delegado. Eu disse para ele que ele ia cair e acabou caindo mesmo. O sequestrador foi posto em liberdade depois da prisão preventiva e deve estar aí estuprando mais Amandas, porque a polícia nunca mais o caçou de volta. Nós estamos com o chapéu na mão. Há quantos anos, a Deputada Lilian pode comprovar, estamos aí implorando? E eu acredito que hoje, se esse caso conseguiu essa vitória monumental, porque as pessoas só fazem nos criticar... Muita mãe chega e diz: “Nossa! Eu corri o mundo para achar vocês!”, porque nós não temos telefone porque não temos dinheiro, mas as mães acabam nos achando. E elas dizem: “Por que vocês sofrem preconceito de outras instituições?” Porque falamos a verdade e damos voz às mães?

A minha instituição não é bonita. A minha instituição não tem a mínima estrutura, não tem nem telefone, mas a gente procura fazer o máximo que a gente pode. Eu tenho um psicólogo trabalhando comigo desde o ano de 2005, que foi quando a gente conseguiu, por 2 anos, no Projeto Criança Esperança. Depois a defesa do sequestrador acusou que a gente inventou isso, que nunca tivemos o Projeto Criança Esperança. Onde já se viu? Eu poderia até processá-lo, porque eu tenho o contrato assinado, e as mães que estão ali foram atendidas pelo projeto e hoje estão, graças a Deus, em pé por causa do projeto.

Então, esse psicólogo, que aliás é um policial que eu conheci dentro da delegacia, continua trabalhando gratuitamente. As mães são apaixonadas por ele. Hoje eu digo para ele que elas gostam tanto dele que às vezes até sinto um ciuminho. O Gilberto é tudo! Eu digo: “Se ele ganhasse, poderia demitir, mas como ele não ganha, vou deixando ele lá.

Então, assim, existem muitos profissionais de boa vontade. A Deputada Liliam até se surpreendeu. Um policial é o psicólogo das Mães do Brasil? É, é um policial civil que quis trabalhar e trabalha até hoje como voluntário nosso. Ele adora esse trabalho que ele faz. E graças a ele... Ele é o psicólogo das crianças também. Eu tenho até medo de falar o nome dele, porque eu tenho medo de o botarem para a Seropédica. Não que a Seropédica seja ruim, mas ele faz um trabalho muito bom aqui.

Nós estamos à disposição, porque, hoje, as mães se tornaram mães multiplicadoras. Estamos à disposição para fazer um trabalho junto com a polícia. Nós não temos verba, mas, se tivermos um apoio, todas as mães irão, porque nós nunca fomos contra o bom policial. Nunca fomos contra o bom político.

Em relação ao Sr. Fernando Marinho de Melo, assim... Todas as testemunhas... Primeiro os policiais. Quem me passou o nome dele foi um policial, depois eu cheguei às mães. E eu descobri diversas testemunhas. Tudo isto está em depoimento na delegacia: o caso da Andréia Ferreira da Mota, o caso da Taís Bernardino. Tudo está em depoimento legal. Então, assim, nós não inventamos nada! (...)

No caso da Michele. Começou com o caso da Michele. A policial Deise Simão Gomes falou para mim que existia um sequestrador, que esse menino tinha visto um sequestrador que era o mesmo da Thaís, da Lima Barros. A Beth já estava no movimento, mas ela nem tinha comentado isso comigo. Eu liguei para ela e perguntei: “Existe sequestrador?” E aí ela: “Existe”.

Então, nós começamos a investigar. Por quê? O que aconteceu? No ano de 2005, a testemunha que viu a Thaís andando de mão dada, na rua, muito assustada, com esse sequestrador, ela foi fazer o reconhecimento na delegacia. Quando chegou à delegacia, ele foi colocado atrás do vidro. O menino ficou com medo, porque ele disse que olhou com...

Segundo o menino, pelo que me passaram os policiais, o Sr. Fernando teria olhado para ele de cara feia. Só que ele não sabia que ali tinha um vidro. O menino foi mal preparado. E ele disse que não. Mas ao sair da delegacia, ele disse: “Pai, era ele, mas eu fiquei com medo porque ele estava olhando para mim”. E ele: “Menino!” Ele voltou lá, mas a delegada não aceitou o depoimento dele. Tudo isso foi passado para o Cel. Mariano Beltrame. Tudo isso está em dossiê.

Depois, nós fomos... Veio o caso da... Eu fui atrás do testemunho... O que eu resolvi fazer? Como jornalista, eu liguei para todas as mães que estavam no movimento e perguntei: “Como foi o sequestro da sua filha? Teve testemunha?” E achei outra menina dentro de uma comunidade. Eu fui a essa comunidade com um Policial Civil. Eu nunca fiz nada sozinha.

Essa mãe e essa menina relataram que ela estava passando em uma rua... A mãe dela acordou passando mal, com asma, ela foi levar o irmãozinho ao colégio Quando ela estava passando, a mãe levantou e ficou com medo — porque a menina tinha 12 anos e o irmão era um pouquinho menor — e foi atrás, mesmo passando mal. Ela percebeu um carro preto circulando a rua que ficava bem perto da escola.

Quando a menina botou o menino na escola e voltou, ela disse para a menina: “Vá na frente, porque tem um carro estranho rondando aqui a rua e eu quero ver o que é”. E a menina foi. Aí o carro... Na hora em que a menina estava sozinha, o carro parou. A menina pegou o... Depois eu levei essa menina à delegacia e ela prestou depoimento, fez reconhecimento, fez tudo. Uma pessoa perguntou para ela onde era determinada rua. Tinham duas pessoas no carro. Ela disse: “É ali”. Aí ele falou:

“Você pode me ajudar?” Aí a menina disse: “Posso”. A menina já ia entrando no carro, mas a mãe correu e segurou o braço dela. E falou: “Aonde o Sr. vai levar a minha filha? A minha filha... É... A minha filha... Eu estou prestando atenção que o senhor está circulando a minha filha”. E ele: “Não. É ali, é ali”. E ele ficou puxando a menina. Ela começou a gritar. Ela disse para mim: “Wal, eu a arrastaria. Eu arrancaria o braço dela se fosse necessário, mas eu não ia deixá-lo levar a minha filha”. E ela o reconheceu como...

Hoje, essa menina está com 23 anos. Ou 22 anos? Ela diz que hoje já não lembra mais. Mas, nessa época, a mãe dela foi à polícia, tentou fazer o registro de ocorrência por tentativa de sequestro e ouviu do policial: “Dê graças a Deus porque sua filha está com você. Se manda!” Nunca foi feito o registro de... Na época, não foi feito o registro de ocorrência dessa tentativa de sequestro, mas ela é uma testemunha que nunca foi chamada.

Tirando naquela investigação do ano de 2006, que a delegacia toda caiu, e depois, o delegado que assumiu, mesmo com a gente tendo conseguido a melhor perícia de Brasília para vir fazer o exame de DNA e, depois, uma instituição italiana se propôs a oferecer os melhores peritos do mundo, eles queriam fazer em uma clínica particular, e as mães se recusaram.

Depois disso, veio o sequestro da Larissa. Quem me passou o caso da Larissa... Foi véspera de carnaval... Foi a TV Record, porque as emissoras de televisão recorrem muito à nossa ajuda. É... Eles me mandaram o retrato falado. Eu recebi na minha casa. Quando eu recebi o retrato falado do sequestrador da Larissa, que foi feito pelo taxista que a levou, eu achei parecido, mas eu... É... Mandei...

Liguei para a 17ª DP e falei: “Olha, eu achei parecido com outro suspeito, que é suspeito aqui do caso de algumas meninas, mas o senhor é que tem que ver. Eu posso mandar por e-mail o retrato falado que eu tenho aqui? O antigo?” Ele: “Pode”.

Na mesma hora o policial me ligou: “É a mesma pessoa. Eu vou emitir um pedido... Vou pedir a ajuda do Disque-Denúncia para a gente poder prendê-lo”. Eu falei: “Não, a polícia tem os endereços dele. Ele já prestou depoimento”. E assim ele foi preso e foi reconhecido por essas sete testemunhas, inclusive o Gabriel.(...)

A polícia ligou para mim e disse que mais pessoas o reconheceram, além da Michele — que foi a da Andréia Ferreira da Mota, de que eu participei, de que eu tive conhecimento; da Thaís Bernardino, que a mãe dela acredita... A irmã reconheceu, mas a mãe dela acredita que ela está fugida; da Andréia, da Thaís e da Larissa. A testemunha da Larissa, de Honório Gurgel, também o teria reconhecido. Então, são coisas... E tem muito mais coisa nesse caso que a polícia nunca investigou. Então, é por isso que é preciso que essa investigação seja feita.(...)

É, um policial da 17ª DP, logo após o que aconteceu com a... Porque... V.Exas. devem estar se perguntando e os Srs. também: “Por que contam tanta coisa para ela?” Porque a polícia me conhece. Eu, desde a primeira vez que entrei dentro da delegacia, eu entrei com um olhar imparcial. Eu olho para um policial da mesma maneira como eu olho para a mãe. A polícia... O bom policial conhece o meu trabalho e o respeita. Ele sabe da maneira séria com que nós trabalhamos. É... Se não fosse assim, eu nem teria um funcionário policial dentro da minha instituição. Ele conhece, absolutamente, tudo o que acontece.

E esse policial da 17ª DP virou para mim e falou assim: “Houve outra tentativa de sequestro aqui, de um menino. Eu o botei para reconhecimento, e ele reconheceu o Fernando Marinho de Melo”. Então, foi a própria polícia que me passou isso. Passou todas essas... Esse menino eu nem conheço.

Todas as evidências apontam para um suspeito. Se as evidências apontam para um suspeito, o que é que eu posso fazer a não ser levar as testemunhas para relatarem o que elas sabem? Nunca eu as mandei falar absolutamente nada. As mães estão aqui e eu quero que elas digam se houve alguma vez em que eu disse fale isso ou fale aquilo. A Raquel chegou à minha instituição muda.”

DEPOIMENTO DO SR. EBENÉZER MARCELO MARQUES DE OLIVEIRA - Coordenador do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado do Rio de Janeiro.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu queria só apresentar um pouco o trabalho do Núcleo para quem não conhece e para que isso fique registrado também nesta CPI. O Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é um equipamento do Executivo estadual, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, e tem a prerrogativa de ser o órgão exclusivo dentro do Executivo estadual para lidar com a temática do tráfico de pessoas em suas diversas modalidades.

No Rio de Janeiro, o Núcleo fica alocado na Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, na Central do Brasil especificamente. Ele tem duas funções principais que eu acho importante serem destacadas. A gente trabalha muito no eixo da assistência à vítima. Então, o equipamento em si tem uma metodologia de atendimento a vítimas de tráfico de pessoas em suas diversas modalidades.

A gente atende in loco pessoas que são vítimas dessa violação, mas, principalmente, a gente encaminha todos os casos que nos chegam através dos diversos canais que existem de denúncia de tráfico de pessoas nas suas diversas modalidades, incluído aí o trabalho escravo. Então, é uma porta de entrada no Governo Estadual, no Executivo Estadual, para a sociedade civil que queira fazer denúncia sobre os casos de tráfico de pessoas. Recebemos também dos Disque-Denúncias que existem, tanto estadual, quanto nacional, Disque 100, Disque 180, para casos de tráfico de pessoas. A gente então recebe essas pessoas e tem a tarefa de articular e coordenar uma rede de atendimento a essas vítimas. É claro que, sozinhos, como já foi dito diversas vezes aqui, nós não somos capazes de realizar nenhuma atividade com eficiência, mas em conjunto e coordenando e articulando uma rede de atendimento a essas pessoas, a gente consegue de fato realizar um trabalho mais importante.

Então, o nosso Núcleo tem esse papel de articular e coordenar essa rede. Aí a gente está falando, por exemplo, das políticas para as mulheres. Em si, tem toda uma rede de atendimento à mulher em situação de violência. A gente trabalha em parceria com essa rede para também tentar incluir as mulheres vítimas de tráfico nesse tipo de atendimento. As polícias também trabalham em conjunto com o Núcleo. A gente encaminha casos, faz denúncias, vai às delegacias e registra casos para que possam ser mais céleres, para que a gente possa adiantar esses processos. A gente também desenvolve atividade com organizações da sociedade civil que têm expertise, como já foi colocado aqui, de lidar muito diretamente com as pessoas e com as famílias. Interessa-nos muito esse tipo de parceria, porque essas organizações conseguem ter um tipo de atendimento que às vezes o Estado não consegue dar. Há uma burocracia mais dura. É aí que a família, a própria vítima precisa não de alguém, mas de instituições que sejam mais próximas e mais no chão e possam lidar com essas pessoas.

Então, para a gente, trabalhar em parceria com a sociedade civil, com as organizações é muito importante. Nós temos esse tipo de orientação também. Também realizamos trabalhos de prevenção. A gente vê a importância de realizar a prevenção ao tráfico de pessoas. O Núcleo então realiza campanhas,

participa de debates e discussões para a prevenção ao tráfico de pessoas. É importante que a gente faça esse tipo de atividade para que se vislumbre a erradicação de fato, o final dessa violação. É claro que é sempre um desafio nosso conseguir erradicar uma violação como essa, como eu disse, complexa, com vários fenômenos envolvidos, mas esse é o nosso objetivo.

A nossa intenção é perseguir esse alvo da erradicação. Então, nós nos envolvemos com atividades de prevenção, lançamos campanhas, participamos de outras campanhas estaduais e nacionais para a prevenção ao tráfico de pessoas. Eu queria também destacar, porque acho que é importante aqui, que temos as diversas modalidades do tráfico de pessoas aqui expostas no Rio de Janeiro, mas temos um fenômeno também bastante comum, bastante concreto, que é o do trabalho escravo.

A maior parte dos casos que a nossa instituição recebe é de pessoas que foram vítimas do tráfico interno para o trabalho escravo: pessoas que vieram do Nordeste e de outros Estados, ou mesmo do próprio Estado do Rio de Janeiro, migraram, sobretudo para a cidade do Rio de Janeiro, e foram vítimas de exploração do trabalho escravo. A maior quantidade de pessoas é para esse tipo de violação, é para esse tipo de exploração. E hoje, no Brasil — o Rio de Janeiro acompanha esse índice —, nós temos o trabalho escravo urbano prevalente em relação ao trabalho escravo rural.

O Rio de Janeiro, por ser uma cidade mais de 95% urbanizada, acompanha essa dinâmica. Encontramos, então, na cidade do Rio de Janeiro, a maior parte dos nossos casos de vítimas de tráfico de pessoas para o trabalho escravo.(...)

Existe todo um debate em relação à prostituição e exploração sexual. Acho que é um debate riquíssimo. A gente tem que fazê-lo. A Davida tem esse mandato de trazer esse tipo de discussão — é importante —, mas a gente não deve ter nenhum tipo de negociação, nenhum tipo de aceitação de que criança e adolescente sejam explorados sexualmente no nosso País. Acho que o trabalho da Polícia Rodoviária Federal é importantíssimo nesse caso, mapeando os locais onde esse tipo de coisa acontece, as rodovias, onde de fato isso ocorre com muita frequência.

Reforço que a CPI tenha esse olhar prioritário em relação às crianças e adolescentes, mas também observe os casos de trabalho escravo, que é a maior incidência hoje de casos de tráfico de pessoas internamente no País. É claro que pessoas são traficadas para fora do Brasil para exploração sexual, mas aqui dentro do País a gente sabe que o resgate maior é mesmo de trabalhadores brasileiros e, no caso do Estado de São Paulo, em que o fenômeno é conhecido, de estrangeiros, de imigrantes latinos para o trabalho escravo urbano nas oficinas de costura e também na construção civil.”

DEPOIMENTO DO SR. THADDEUS GREGORY BLANCHETTE - Representante da ONG Davida.

Disse que Estados Unidos e em vários países da Europa, onde se define como traficada qualquer prostituta estrangeira que cruza uma fronteira, independente das suas condições, independente se ela é explorada ou não explorada.

Ressaltou que a definição do Protocolo de Palermo era justamente tirar um pouco do antigo foco da luta internacional contra a prostituição e refocalizar o tráfico em cima da questão de trabalho escravo ou de trabalho em condições semelhantes à escravidão.

Fez ainda as seguintes considerações: “Então, a situação, em muitos casos, em termos mais do que uma dúzia de casos recordados disso no Rio de Janeiro, é você ter uma trabalhadora sexual indo migrar, ilegalmente ou irregularmente, para trabalho sexual, mas não sendo traficada, presa na Espanha ou presa na Itália e forçada a depor como traficante, vítima de tráfico, senão é colocada como criminosa. Em muitos casos, essas mulheres recebem uma ameaça assim “Ou você testemunha ou você dedura quem foi seu traficante ou nós sabemos que você faz parte do esquema, e nós vamos tratar você como traficante”. Em muitos casos, na Espanha, na Europa, na Itália, nos Estados Unidos, dinheiros que estão sendo colocados na luta contra o tráfico estão sendo utilizados pragmaticamente para reprimir imigração irregular, particularmente se isso envolve prostituição.”

Teceu também os seguintes comentários: “Nos últimos 4 anos, nos preparativos para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos, houve várias operações do Ministério Público e da Polícia da Cidade do Rio de Janeiro para prender prostitutas e supostos traficantes e aliciadores e para fechar pontos de prostituição aqui, no Rio de Janeiro. Não conseguiram fechar muitos desses pontos, mas conseguiram colocar as vidas de vários trabalhadores sexuais em risco.

Só vou recontar um desses casos, que foi motivado pelo Ministério Público em 2012. As informações que eu tenho aqui vêm do Juiz Rubens Casara, que foi o juiz que finalmente concedeu o habeas corpus nesse caso. O Ministério Público, em 2012, antes da Rio+20, organizou uma invasão, uma operação contra todas as casas de prostituição, só na Zona Sul, não é? Vila Mimosa, Zona Norte pode ter prostituição, mas eles fizeram uma blitz total na Zona Sul. Isso incluía invadir várias das boates internas da Zona Sul, inclusive a Boate Centaurus. Vários de vocês devem saber que é um ponto de prostituição de luxo aqui da cidade. A polícia envolvida na operação filmou todas as moças que trabalharam na Centaurus e as ameaçou, dizendo que, se elas não pagassem uma propina na hora, eles iriam colocar as fotos, as imagens delas na Internet. Além disso, o Ministério Público entrou nas cabines, em vários lugares da Centaurus, e recolheu todas as camisinhas para indicar isso como provas materiais de que estava acontecendo um crime lá. Não sei que crime, porque prostituição não é crime no Brasil, mas a gente ficou extremamente chocado, porque a gente está trabalhando há 20 anos para garantir que qualquer um que trabalhe no ramo sexual dessa cidade saiba fazer sexo sadio, utilize camisinhas, proteja-se.”

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA - Gerente do projeto SOS Crianças Desaparecidas, da Fundação para a Infância e Adolescência - FIA.

Teceu os seguintes comentários: “Eu acho que o nosso Código Penal ainda não tem um artigo que defina bem esse conceito de desaparecimento. Outra questão que eu trago também é que dentro desse PL pudesse estar a identificação de crianças já no nascimento; há o teste do pezinho, e que se pudesse também colher a impressão digital logo no nascimento, para que os hospitais públicos, privados, federais pudessem ter a identificação civil.

Outra coisa que eu vejo como necessária também, pela angústia, pelo trabalho que a gente já executa: um fluxo definido por lei, na questão do desaparecimento — um fluxo. Que esse fluxo pudesse ser determinado por lei — ML, meios de comunicação. Eu também gostaria que pudesse obrigar os parceiros, meios de comunicação, que sempre estão presentes com a gente... Que nesse PL pudesse também haver um espaço igualzinho ao processo eleitoral no Brasil, que pudesse haver também as fotos das crianças divulgadas, pelo menos no rodapé, em horário nobre. (...)

Eu gostaria de fazer esta apresentação, resumindo o que a gente vem fazendo lá no Programa S.O.S. Crianças Desaparecidas, nos últimos 18 anos.(...) Para concluir, gostaria de dizer que há 6 meses a gente colocou no ar um site de consulta pública, o soscriancasdesaparecidas..br, que tem como diferencial o cadastro nacional, no sentido de que a gente pode visualizar todas as fotos. As fotos foram bem tratadas. Clicando-se na foto, aparecem alguns dados selecionados pelo programa — o nome do pai e da mãe —, mais ainda a estatística, e também ações de caráter preventivo, tanto para os pais quanto para as crianças.”

DEPOIMENTO DO SR. FERNANDO MARINHO DE MELO - Oficial Superior de Máquinas da Marinha Mercante (depoente).

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu sou oficial superior de máquinas da Marinha Mercante. Tenho 32 anos e 7 meses de serviços prestados ao meu País. Eu sou oriundo de uma família pobre, mas de homens de bem.

Sinceramente me envolveram nessa sujeira toda, no sequestro dessa menina Larissa, no dia 31 de janeiro de 2008. Nessa ocasião, eu cheguei ao Porto do Rio de Janeiro por volta das 11h30. Nessa época, eu era subchefe da embarcação LAB 150. Queria frisar que o subchefe de máquinas tem atribuições às quais ele não pode se afastar da embarcação, tendo em vista que esse homem é importante para auxiliar o oficial de máquinas — no caso, está de serviço — até o término da atracação na Poliporto do Rio de Janeiro. Eu tomei conhecimento de que essa menina sumiu por volta das 12h às 12h30. É humanamente impossível eu ter sido acusado de uma coisa dessas, porque a embarcação em que eu trabalhava, como eu já frisei, chegou às 11h30 no Porto do Rio de Janeiro — no porto, não; no fundeado ali debaixo da Ponte Rio-Niterói — e eu saí de serviço às 12 horas. Às 12 horas eu tomei um banho, almocei e fiquei conversando com amigos no convés da embarcação. Nesse intervalo, eu fiz várias ligações pra familiares meus, minha esposa, meu amigo Anderson, que se encontra ali, pro meu primo em Cabo Frio — porque meu tio estava enfermo; por sinal, veio a falecer —, pra um amigo meu também, o Edinho, e pra minha irmã, o que é uma coisa muito importante, porque a minha irmã fazia aniversário no dia 30 de janeiro, e no dia 30 de janeiro eu estava fora. Então, quando eu retornei, eu fiz essas ligações, todas no período em que essa menina foi sequestrada. Por volta das 14h30, nós viramos os motores da embarcação; eu estava descansando, tinha saído de serviço às 12 horas e estava descansando, depois de ter feito essas ligações. Acordei às 14 horas com o oficial virando os motores pra atracação.

Essa atracação ocorreu na Poliporto do Rio de Janeiro e finalizou às 15h35min. De forma que o comandante da embarcação nos informou que nós tínhamos uma carga rápida para a Bacia de Santos. Então, a embarcação descarregou o backload que nós trouxemos e carregou as cargas, e nós retornamos para a Bacia de Santos. E eu retornei ao Porto do Rio de Janeiro, chegando aqui na Baía de Guanabara, porque a gente nunca vinha direto para o porto, em função de ter muitas embarcações; então todas elas tinham que aguardar a sua vez para poder atracar. Nós retornamos no dia 4 de janeiro, e no dia 5 eu... No dia 4, liguei pro meu tio, pro meu primo lá em Cabo Frio, pra minha esposa novamente — isso já era 4 de fevereiro —, e tomei conhecimento de que meu tio estava muito mal.

Então eu pedi pra desembarcar e fui até Cabo Frio. Desembarquei no dia 5 de fevereiro. Fui até Cabo Frio e falei com meu tio. Foi onde eu tomei conhecimento, no período em que a minha irmã me pegou aqui junto com meu

amigo Anderson, dessas acusações infundadas, levianas, que estão fazendo contra um pai de família, entendeu? E respondi. Soube que houve interferências agora, por esse processo aí, do qual eu estou recorrendo, entendeu? E infelizmente é isso que eu tenho a declarar. Estou pronto pra qualquer pergunta que eventualmente vocês queiram me fazer, mas a história real é essa aí, entendeu? Eu tenho 32 anos, tenho uma família linda e maravilhosa, nunca me envolvi com nada de errado na minha vida, sempre procurei fazer da minha vida uma coisa muito agradável, proporcionar à minha família momentos que agora eu poderia proporcionar, porque falta pouco tempo pra eu me aposentar.

Aí veio justamente essa calúnia infundada que levantaram contra mim. Mas eu tenho muita fé em Deus, porque... Tem uma passagem na Bíblia que diz que Nabucodonosor botou aqueles três homens dentro da fornalha dele e mandou o cara aquecer ao máximo aquela fornalha, e quando ele mandou abrir aquela... Quando eles jogaram Mesaque, Sadraque e Abednego lá dentro, só os guardas, quando os jogaram, morreram. Então é o que está acontecendo comigo. Aí o Nabucodonosor levantou e foi ver lá dentro da fornalha — isso é uma passagem bíblica —, e estavam os três, Mesaque, Sadraque e Abednego, andando lá dentro, e tinha um quarto homem. E Nabucodonosor falou: “Eu joguei três, por que tem quatro?” Então, era o anjo do Senhor, e nele eu acredito que isso tudo vai se reverter a meu favor, porque eu sou inocente.”

Trata-se de um caso que já é objeto de processo judicial, já tendo havido condenação, inclusive, na ação penal relacionada ao sequestro da garota Larissa Santos. Outras ações penais contra Fernando Marinho também se encontram em curso, competindo, doravante, à Justiça a decisão sobre esses casos.

13.20. CASO SÉRGIO LEONARDO – ESTADO DO TOCANTINS

Trata-se do desaparecimento da criança SERGIO LEONARDO MATEUS CARDOSO, filho de ZULMIRA GONZAGA CARDOSO, em data de 28/09/1987.

A criança sumiu enquanto estava na chácara da avó, na cidade de Porto Nacional/TO, localizada nas margens do Rio Tocantins. Foram denunciados LOURIVAL VICENTE FERREIRA, PEDRO IZAR NETO e MARCOS ROBERTO MOLITOR DE SOUZA pela suposta subtração da criança (a classificação jurídica do fato, dada à época, foi de sequestro, tipificado no CP, artigo 148, §1.º, III).

LOURIVAL VICENTE FERREIRA, que trabalhava na fazenda de Pedro Izar, da qual Marcos Roberto era gerente, era a principal testemunha no sentido da participação de Pedro Izar e Marcos Roberto no fato.

Conforme levantamento feito pela Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados, LOURIVAL foi vítima de homicídio em 21/06/1998, crime praticado sem aparentes conexões com o desaparecimento da criança.

Providências tomadas pela CPI

De acordo com o relatório produzido pela Delegada de Polícia Federal Tatiane da Costa Almeida, “cuida-se de relatório apresentado por solicitação do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que apura a prática de tráfico de pessoas. O caso trata do desaparecimento do menor SERGIO LEONARDO MATEUS CARDOSO, filho de ZULMIRA GONZAGA CARDOSO, em 28/09/1987, o qual, segundo consta, sumiu enquanto brincava na frente da casa dos avós.

Incumbindo a esta Delegada a análise dos fatos penalmente relevantes, cabe, inicialmente explicar que os procedimentos produzidos em sede de Comissões Parlamentares de Inquéritos não segue o formalismo dos inquéritos policiais e processos judiciais, de forma que não estão disponíveis para análise todos documentos necessários para examinar com profundidade os fatos em toda sua extensão. Assim, a análise que ora se passa a fazer se fundamenta nos elementos apresentado pela Comissão, os quais consistem basicamente nas oitivas realizadas pela CPI e excertos de inquéritos e processos judiciais sobre o caso.

Da documentação produzida pela CPI, passa-se a examinar análise realizada pelo DPF BUBOLZ.

Os fatos foram inicialmente apurados no bojo, do Inquérito Policial o n.º 400/87, da Polícia Civil do Estado do Tocantins, que deu ensejo ao oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Estadual em 11/06/1991, e à Ação Penal n.º 541/91, sendo que, em 25/11/1993, o suspeito LOURIVAL foi absolvido por falta de provas.

Tendo sido determinado o prosseguimento das investigações em relação aos demais suspeitos, foi instaurado pela Polícia Civil de Porto Nacional/TO em 30/05/1997, o Inquérito Policial n.º 16/97, em que foi verificada a extinção da pretensão punitiva pela prescrição em relação aos suspeitos PEDRO IZAR NETO e MARCOS ROBERTO MOLITOR DE SOUZA, em 12/02/2006.

Da análise das declarações prestadas no primeiro inquérito instaurado, observou-se o que se segue:

ZULMIRA GONZAGA CARDOSO: mãe da vítima, foi ouvida em 07/01/1988 e explicou que seu filho SERGIO LEONARDO MATEUS CARDOSO desapareceu da chácara da avó no dia 28/09/1987, por volta das 08h30minuntos, sendo que no momento do desaparecimento um funcionário da SUCAM realizava uma pesquisa no local. Segundo aduziu, naquele mesmo dia, uma ex-vizinha, RARE ANNY, teria dado informações para três rapazes, numa camionete da cor azul com carroceria de madeira, os quais teriam indagado a respeito acerca do novo endereço de seu pai, tendo a vizinha dado a direção da chácara onde o desaparecimento ocorreu. Disse ainda que HELENA WINDLIN afirmou que um casal teria estado na churrascaria Espeto de Ouro, em Porto Nacional,“em busca de uma criança para adotar”.

POSSIDONIA GONZAGA CARDOSO, avó da vítima, ouvida em 12/01/1988 informou que as crianças brincavam em uma área onde existiam valetas profundas, momentos antes de ter dado falta do menor desaparecido;

JORGE LUIZ MATEUS, sobrinho do pai da vítima, foi ouvido em 02/12/1988, era ex-empregado da fazenda do investigado PEDRO IZAR NETO, advogado e proprietário rural na região. Afirmou que havia uma pista de pouso na fazenda e PEDRO IZAR viajava constantemente entre São Paulo Porto Nacional. Declarou não se recordar se PEDRO IZAR se encontrava na cidade na data do sumiço. Acerca de LOURIVAL VICENTE FERREIRA, alegou que este teria tido desentendimentos com PEDRO IZAR e MARCOS ROBERTO MOLITOR, em função de um suposto não pagamento por serviços prestados a estes por LOURIVAL.

LOURIVAL VICENTE FERREIRA: empregado do investigado PEDRO IZAR foi ouvido em 08/06/1988, quando afirmou ter visto um mural com fotos de crianças em um escritório de PEDRO IZAR em São Paulo, sendo que uma das crianças retratada “guarda muita semelhança com a foto de SERGIO LEONARDO”. Afirmou ainda ter ouvido conversas entre MARCOS ROBERTO MOLITOR e PEDRO IZAR sobre uma criança que seria adotada, bem como detalhes mencionados por eles sobre a localização da criança, que levam a crer se tratar do menor desaparecido.

MARIA JOANA BARBOSA LIMA: funcionária do Hotel Meridional), foi ouvida em 25/11/1988, quando afirmou que havia estrangeiros hospedados no hotel no período do desaparecimento da criança, os quais estariam atrás diamantes na região do garimpo “Carreira Comprida”, o qual é próximo da chácara onde ocorreu o desaparecimento. Acrescentou que foram embora “pela época do desaparecimento do menor SÉRGIO LEONARDO, dizendo que voltariam quinze dias depois, entretanto não voltaram mais”.

DEIJANIRA GONZAGA DE ANDRADE, irmã de ZULMIRA, tia da criança, foi ouvida em 14/01/1988, disse que de fato havia valetas perto do local onde as crianças brincavam e que SERGIO LEONARDO teria sido visto se aproximando de uma dessas valetas, quando então a avó do menor pediu a outra criança que o trouxesse para perto de casa, o que teria sido prontamente atendido, momentos antes do desaparecimento da criança.

IVANILCE QUIRINO GUIMARÃES: telefonista da cidade de Porto Nacional foi ouvida em 17/08/1988 e forneceu os números de telefone com os quais fazia contato via rádio por solicitação de PEDRO IZAR NETO, MARCOS ROBERTO MOLITOR e ROBERTO “DE TAL”. Declarou ter recebido ligações no mês de junho ou julho (de 1988) de PEDRO IZAR NETO e de “BETO”, nas quais teriam feito perguntas sobre o endereço da declarante, sobre os nomes do pai de JORGE LUIZ MATEUS (sobrinho do pai de SERGIO LEONARDO), ao que teria respondido chamar-se JOAQUIM MATHEUS e do irmão deste último, que seria o pai da vítima, IZAEL SÉRGIO MATHEUS DA SILVA.

RARE ANNY CHAVES BEZERRA: ouvida em 04/02/1988, vizinha que declarou ter sido indagada, às 18h do dia 27/09/1987, domingo, véspera do desaparecimento da criança, por 3 indivíduos acerca da localização da chácara do sr. ERNESTINO, avô da criança subtraída, e que logo após ter sido perguntada pela localização da chácara pela primeira vez, os 3 indivíduos teriam retornado para esclarecer se ficava do lado direito ou esquerdo do rio Tocantins.

DEUZELINA BATISTA DOS SANTOS, era inquilina dos avós da vítima, e foi ouvida em 27/01/1988, quando confirmou que três indivíduos estiveram na cidade perguntando pelo sr. ERNESTINO, da mesma forma que relatou RARE ANNY CHAVES BEZERRA, sendo que teria sido esta última que informou a localização da chácara. Disse que o carro utilizado pelos três indivíduos era “pequeno”, contradizendo as declarações de RARE ANNY de que se tratava de uma camionete;

NILZA RODRIGUES, esposa do proprietário da churrascaria Espeto de Ouro, foi ouvida em 25/01/1988 e declarou ter tomado conhecimento de que uma mulher residente em Porto Nacional teria dado à luz uma criança, abandonando-a no mato, ocasião em que teria comentado sobre a existência de vários casais querendo adotar crianças, enquanto aquela mãe teria se desfeito da sua. Tais comentários teriam sido ouvidos por HELENA WINDLIN. Negou entretanto ter feito qualquer comentário sobre um casal de Goiânia que teria ido até Porto Nacional adotar uma criança, bem como negou ter dito a HELENA WINDLIN algo sobre o desaparecimento do menor SERGIO LEONARDO.

HELENA WINDLIN: (ouvida em 21/01/1988), informou ter ouvido comentários de NILZA RODRIGUES, no sentido de que um casal de Goiânia teria ido até Porto Nacional para adotar uma criança de uma mãe solteira, mas que a criança teria falecido após o parto, declarou ter imaginado, então, que referido casal poderia ter substituído a criança que pretendia adotar por SERGIO LEONARDO.

PEDRO IZAR NETO: foi ouvido em 27/09/1988, na SR/DPF/SP, quando negou a informação de que seria proprietário de uma frota de aeronaves. Explicou que utilizava uma aeronave do tipo BONANZA, de propriedade de um sócio, em seus deslocamentos pelo interior do então estado de Goiás, onde possuía uma fazenda. Alegou ter tomado conhecimento do desaparecimento da criança através de MARCOS MOLITOR, quando ainda estava hospedado no hotel Meridional. Informou que nos deslocamentos entre o hotel e a fazenda utilizava-se de um carro modelo OPALA “cinza – azulado” e uma camionete D-10 com carroceria de madeira, da cor branca. Negou a informação de que o casal VANDA e VLADIMIR BRICKMAN teria cuidado de uma criança levada para a fazenda em Natividade pelo declarante. Acrescentou que um avião teria pousado em sua fazenda em Ourinhos/SP, carregado de mercadoria internalizada no território nacional de forma irregular (contrabando), mais precisamente de carregadores de armas de fogo, tendo sido presas várias pessoas naquela oportunidade, inclusive MARCOS ROBERTO MOLITOR o qual foi demitido em razão desses fatos. Alegou que as denúncias feitas contra sua pessoa por LOURIVAL VICENTE FERREIRA de deve a desentendimentos havido entre ambos na esfera trabalhista e concluiu dizendo que prestou apoio nas buscas, emprestando sua camionete para tanto.

O Relatório do Inquérito Policial foi inconclusivo, dada a impossibilidade de se realizar acareação entre PEDRO IZAR NETO e LOURIVAL VICENTE FERREIRA.

ISAEL SÉRGIO MATEUS DA SILVA pai da vítima, foi ouvido em 07/06/1991, informou que exibidas fotografias de seu filho SERGIO LEONARDO a LOURIVAL VICENTE FERREIRA, este teria declarado que se tratava da mesma criança cuja foto teria visto no escritório de PEDRO IZAR NETO em São Paulo. Afirmou que os suspeitos teriam realizado chamada para o exterior no período em que estiveram hospedados no Hotel Meridional, o que não foi confirmado, pelo exame da lista constante do dossiê, a qual só indicaria chamadas internas.

Reinquirido em 07/06/1991, LOURIVAL VICENTE FERREIRA confirmou as declarações anteriormente prestadas à polícia e disse não entender porque PEDRO IZAR e MARCOS ROBERTO MOLITOR venderam a fazenda do TO “inexplicavelmente”, logo após o desaparecimento, mudando-se para o Estado de São Paulo. Fez ilações sobre o fato de que na fazenda São Judas havia pista de pouso com iluminação noturna e que constantemente passavam por ali pessoas “estranhas”.

INTERROGATÓRIO JUDICIAL DE LOURIVAL VICENTE FERREIRA, em 20/06/1991, afirmou que no dia do fato estava trabalhando em Goianésia/GO. Esclareceu que ignorava a capacidade de pouso noturno da pista da fazenda de IZAR. Disse ainda que as fotos que teria visto no escritório de PEDRO IZAR na fazenda em Natividade, e não no seu escritório em São Paulo, seriam dos filhos PEDRO IZAR e de outras pessoas tiradas em dias de festa. Confirmou que PEDRO IZAR e MARCOS ROBERTO MOLITOR estiveram hospedados no hotel Meridional na época dos fatos, bem como que os viu acompanhados de outros dois homens, “que achava que estivessem hospedados ali”. Alega não ter ouvido nada da conversa travada entre aquelas pessoas. Declarou que, dois dias após ter visto todos no hotel, viu novamente os outros 2 homens que estavam com PEDRO IZAR e MARCOS ROBERTO, voltarem até a fazenda. Reafirmou que PEDRO IZAR era dono de uma frota de táxi aéreo, mas negou ter ouvido MARCOS ROBERTO MOLITOR perguntar para PEDRO IZAR sobre a criança que iriam adotar, e também ter ouvido PEDRO IZAR respondendo que então demorariam um pouco mais para poder levar a criança. Esclareceu que as crianças que PEDRO IZAR já havia levado a fazenda, eram filhos dele. Relatou ainda ter sido vítima de um atentando e ter levado um tiro, mas não atribuiu esse fato a qualquer relação com o sequestro do menor e que não teria medo de PEDRO IZAR e MARCOS ROBERTO MOLITOR mandarem lhe matar. Finalmente afirmou que não saberia quem era o responsável pelo sequestro de SÉRGIO.

Ouvida em juízo, ZULMIRA acrescentou que cerca de nove meses após o desaparecimento, LOURIVAL disse que viu fotos de seu filho, exibidas por seu marido ISAEL, e confirmou se tratar da criança que PEDRO IZAR e MARCOS ROBERTO MOLITOR teriam levado. LOURIVAL ainda teria dito à depoente que no escritório de PEDRO IZAR em São Paulo havia um álbum de fotografias, e que dentre elas havia uma da vítima. A polícia em São Paulo realizou busca naquele escritório, não tendo encontrado nenhum álbum. Declarou que a sua vizinha JOANA teria lhe dito que SERGIO LEONARDO teria sido levado de avião em companhia de dois americanos e um brasileiro, que serviria de intérprete e com o qual JOANA teria conversado muito. Referiu finalmente que quando o acusado MARCOS frequentava sua casa demonstrava ter uma simpatia especial pela criança desaparecida, chegando a ter dito para a depoente que era o mais bonito de seus filhos;

INQUIRIÇAO EM JUIZO DE NILZA RODRIGUES: (esposa do proprietário da churrascaria Espeto de Ouro), em que confirmou apenas que disse na policia que teria comentado com HELENA (WINDLIN) sobre uma mãe que teria jogado um filho fora, enquanto muitos casais querem adotar uma criança; negou ter feito comentários com D. HELENA sobre outros casais que querim adotar crianças naquela cidade.

IVANILCE QUIRINO GUIMARÃES: referiu ser “namorada” de MARCOS ROBERTO MOLITOR e que teria ido à fazenda de PEDRO IZAR “umas 4 vezes, passando por lá os finais de semana” . Disse que LOURIVAL, vivia na casa dos peões e era tratado como peão”, o que poderia ser um dos motivos “raiva” que o levou a incriminar PEDRO IZAR e MARCOS;

INQUIRIÇAO EM JUIZO DE JORGE LUIZ MATEUS: disse que LOURIVAL “fazia parte do grupo” de IZAR e MARCOS que se reunia para confraternizar aos fins de semana.

Expedido ofício requerendo dados sobre a hospedagem de Izar e Marcos no Hotel Meridional, a resposta esclareceu que ele havia se hospedado naquele hotel com duas pessoas no apto. 203 no dia 21/09/1987, sendo que a relação de telefonemas feitos não traz qualquer chamada para o exterior. O ofício do hotel também revela um intervalo nas ligações telefônicas entre os dias 23/09/1987 e 28/09/1987, sendo este último o dia do desaparecimento. As últimas ligações são de 29/09/1987, levando a concluir que o acusado foi embora neste dia, ou seja, no dia seguinte ao desaparecimento da criança.

ALEGAÇÕES FINAIS:

Na sentença – datada de 25/11/1993 – LOURIVAL foi absolvido por não existir prova suficiente para a sua condenação, tendo sido determinada o aprofundamento das investigações em relação aos demais suspeitos.

Em 20/09/1996 o MPE realizou relatório em que narra os vários atos praticados pelos acusados PEDRO IZAR NETO e MARCOS ROBERTO MOLITOR com o objetivo de se esquivarem das citações para os seus interrogatórios, e requerendo, ao final, a decretação da prisão preventiva de ambos, mas a autoridade judiciária não se pronunciou acerca do pedido.

Em novas declarações a sra. ZULMIRA destaca ter grande suspeita da participação do sobrinho de seu marido, JORGE LUIZ MATEUS, na subtração da criança; indica uma nova possível testemunha, de nome JOÃO DO BRAGA, ex – empregado da fazenda de PEDRO IZAR, que teria conhecimento de que a criança teria sido levada por JORGE, MARCOS e ROBERTO (que seria primo de MARCOS) de Porto Nacional/TO em um carro de PEDRO IZAR até a sua fazenda em Natividade/TO, de onde teria seguido de avião aos cuidados de ROBERTO.

Finalmente o Ministério Público Estadual se manifestou nos autos requerendo o seu arquivamento, considerando-se a prescrição da pretensão punitiva e o insucesso das tentativas de se carrear provas que embasassem uma nova ação penal, sendo que por meio de Sentença prolatada em 12/02/2006 decidiu-se pela extinção da punibilidade dos acusados pela prescrição

Em ofícios dirigidos ao Procurador Federal dos Direitos do Cidadão ZULMIRA solicita cópias de documentos arquivados em procedimento de emissão de passaporte de uma criança de nome HEGON HENRIQUE ALVES FERREIRA, nascido em 07/06/1987, filho de VERA LUCIA ALVES FERREIRA, residente na Rua 85, n.º 30, Setor Sul, Goiânia/GO. Fundamenta o pedido na semelhança entre os sobrenomes da mãe dessa criança e do suspeito/investigado/acusado/testemunha LOURIVAL (ambos “ALVES FERREIRA. No mesmo expediente, a sra. ZULMIRA narra que divulgou sua história na rede social FACEBOOK, tendo então encontrado um jovem de nome LUKA CICCONE, que teria sido adotado por uma casal de italianos (CARLO CICCONE e GIOVANA SALVATI, residentes na Via Stadera 86, bloco B, Napolis, Italia) na década de 80. Alega perceber semelhanças físicas entre aquele jovem e seus outros filhos, o que reacende uma suspeita de LUKA CICCONE se tratar da mesma pessoa de HEGON HENRIQUE ALVES FERREIRA, que, na verdade, seria SÉRGIO LEONARDO, nas suspeitas de sua mãe.

Nas oitivas produzidas pela CPI Zulmira e Pedro Izar não fizeram declarações que inovaram as informações anteriormente obtidas.

ANÁLISE

O relatório produzido pela ilustre Delegada de Polícia Federal traz observações e conclusões fundamentais, pelo que seguem excertos daquele relatório como parte das conclusões também da CPI:

- Do exame dos documentos produzidos nas investigações policiais, ações penais e depoimentos conduzidos por esta CPI observa-se inicialmente que não houve a produção de prova concreta da participação de qualquer pessoa que seja na subtração do menor SÉRGIO. O que existem são inúmeros indícios que poderiam, caso aprofundada a investigação, embasar a tese de participação de LOURIVAL, PEDRO, MARCOS e “BETO”. Não é possível, até o momento, indiciar os investigados, o que não quer dizer que não estiveram envolvidos no desaparecimento da criança, mas que não há provas ainda de que tiveram alguma participação, de forma que a imputação, prima facie, de qualquer tipo penal a estes, com fundamento nas diligências até agora produzidas. é medida temerária, posto que o ônus da prova cabe ao acusador (Art. 156 do Código de Processo Penal “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer...”).

- caso houvesse comprovada a subtração da vítima, seja para adoção internacional, seja para adoção em território nacional, o crime previsto seria o do artigo 148 do Código Penal (Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias e IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos.), sendo que, a pretensão punitiva já teria se operado, salvante a hipótese de reabertura do caso pela polícia civil do Estado.

- Ao se considerar a tese de que o crime de sequestro é permanente e só se exaure quando a vítima se livra da condição da privação da sua liberdade, poder-se-ia imaginar que, caso ainda esteja na situação de sequestrada, a prescrição não se verificaria.

Uma investigação profunda à época dos fatos poderia ter esclarecido o ocorrido. No entanto, caso seja interesse dessa CPI recomendar o prosseguimento das apurações, sugere-se que seja solicitada à Polícia Civil de Tocantins, que tem atribuição para esta investigação, o que se segue:

a) Localização e inquirição de JOÃO DO BRAGA, ex – empregado da fazenda de PEDRO IZAR, mencionado por ZULMIRA em sua última oitiva, que teria informado da participação do sobrinho de seu marido, JORGE LUIZ MATEUS, na subtração da criança; pois JOÃO DO BRAGA, teria conhecimento de que a criança teria sido levada por JORGE, MARCOS e ROBERTO (que seria primo de MARCOS) de Porto Nacional/TO em um carro de PEDRO IZAR até a sua fazenda em Natividade/TO, de onde teria seguido de avião aos cuidados de ROBERTO.

b) Realização de pesquisas e diligências de campo com o objetivo de identificar o suposto primo de MARCOS ROBERTO MOLITOR SOUZA, de alcunha “BETO”, suspeito de ter sido um dos autores do sequestro do menor SERGIO LEONARDO.

c) Localização e inquirição de VANDA e VLADIMIR BRICKMAN, empregados da fazenda de Pedro, à época dos fatos.

d) Oitiva de Joana de tal, vizinha de Zulmira, a qual teria afirmado que a vítima foi levada de avião por 2 americanos e 1 intérprete com os quais chegou a conversar.

Por derradeiro, vale salientar que a CPI recebeu, da parte da Promotora Eliana Vendramini, análise conclusiva do caso, em perfeita consonância com as conclusões verificadas pela CPI, nos seguintes termos:

“Em função da recente reunião dessa Comissão Parlamentar, ocorrida em São Paulo, na data de 30 de abril de 2014, na sede do Ministério Público do Estado, quando oitivado o Sr. Pedro Izar Neto, esta convidada pede vênia para propor a Relatoria que seja pedida a reabertura do inquérito policial que investigou os respectivos fatos, dada a detalhada apresentação, pela própria genitora da vítima - mas calcada em documentos e acareada defronte ao investigado - de veementes indícios de autoria delitiva (incluindo oitivado e comparsas).

Ainda assim, que seja observado o diuturno acompanhamento da investigação e dos cuidados com testemunhas e familiares da vítima, dada a também evidente capacidade de persuasão do investigado no local do sequestro, que, apesar de cidade grande, de características interpessoais provincianas. A própria vítima demonstrou, mais uma vez por documentos, que os investigados se furtaram a comparecer para dar suas versões perante a Autoridade Policial e que o crime foi eventualmente considerado prescrito, mas alertamos que o Brasil não tem tipo penal específico de tráfico de crianças para fins ilegais, de forma que termos, por ora, crime de sequestro, cuja permanência e indiscutível, tal qual a quadrilha formada pelos seus autores.

O fato é gravíssimo e pende de acurada investigação.”

13.21. SEQUESTRO DE BEBÊ EM CUIABÁ, NO ESTADO DE MATO GROSSO

Trata-se do caso de sequestro da criança NICOLAS GUILHERME DOS SANTOS SOARES, ocorrido em Cuiabá/MT, em 30/05/2013. Conforme informações obtidas em fontes abertas (imprensa/internet), a criança teria sido retirada dos braços da mãe, a adolescente RAYANE THALIA INÁCIO DOS SANTOS, atualmente com 15 anos de idade (nascida em 18/06/1997), por uma mulher que ela teria conhecido alguns momentos antes, dentro de um ônibus. A Polícia Civil foi acionada e prendeu a autora do fato, JUCIONE SANTOS SOUZA.

Providências do caso:

Foram realizadas as seguintes diligências:

• Análise das cópias do Auto de Prisão em Flagrante;

• Oitiva de JUCIONE SANTOS SOUZA (autora do fato), IVAR POLESSO (Delegado Plantonista da Central de Flagrantes), GIANMARCO PACCOLA CAPOANI (Delegado PCMT) e LENILDO SILVA AMORIM (companheiro de Jucione), em Audiência Pública realizada em data de 13/06/2013.

O fato foi apurado por intermédio do Inquérito Policial n.º 023/2013 (PC/MT), encaminhado ao Poder Judiciário onde foi tombado sob o n.º 349214 (6ª Vara Criminal de Cuiabá/MT).

A CPI colheu os seguintes depoimentos relacionados com o caso em tela e o tráfico de pessoas no Estado.

DEPOIMENTO DO SR. IVAR POLESSO - Delegado Plantonista da Central de Flagrantes, Delegacia da polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso.

Relatou o caso de uma criança, um bebê de seis meses, que havia sido retirada dos braços da mãe. A Polícia Militar efetuou a prisão de Jucione, que estava com o bebê em seu poder.

De acordo com o relato do depoente, Jucione confessou à Polícia que pegou carona com um senhor chamado Carlos, proprietário de uma caminhonete branca, que lhe pediu pra arrumar uma criança, pelo valor de 36 mil reais, ameaçando sequestrar sua filha, se ela não atendesse ao pedido.

Disse o depoente, que, na qualidade de responsável pela prisão dela, ficou com a convicção de que se tratava de tráfico de órgãos.

O SR. GIANMARCO PACCOLA CAPOANI - Delegado.

Reportou-se a sua participação na prisão de Jucione e disse que a mãe do bebê era uma adolescente de 15 anos de idade, a qual disse à Polícia que estava emprestando a criança.

Explicou que Jucione não está sozinha e,embora tenha pouco estudo, ela falsificou documentos e montou um esquema para conseguir essa criança e enviá-la para fora do Estado.

Disse que o Carlos é um indivíduo de aproximadamente 50 anos, trabalha como agiota, usa pulseiras de ouro e tem uma caminhoneta S10 branca.

DEPOIMENTO DA SRA. JUCIONE SANTOS SOUZA – Depoente.

Fez o seguinte relato: “Eu conhecei o homem na hora errada, no momento errado. Sob ameaça, ele ameaçou a minha filha, a mim. Eu vim pra Cuiabá com o meu ex-marido, ele me trouxe pra aqui. Aqui ele me deixou, foi embora, e eu fiquei morando de aluguel, com a minha filha pequena. E eu conheci esse homem no momento errado, ele me ameaçou, e eu fiz o que ele pediu, porque eu tenho filhos e eu queria proteger a minha filha, né? Eu fui morar na casa de um pessoal, de favor, e aí eu praticamente servia de empregada para eles, e foi quando eu conheci o rapaz que me abrigou na casa dele, o Lenildo, e ele me deu apoio. Eu não contei a verdade para ele porque ele tem uma família e eu queria preservar a família dele porque eles tinham me dado apoio. E tudo o que eu fiz, tudo o que eu fiz de errado, eu sei que eu errei, mas foi pra proteger a minha filha, porque eu tenho 4 filhos — entendeu? —, e aqui, em Cuiabá, só éramos eu a ela. Entendeu? A minha filha está no Conselho Tutelar, como todo mundo sabe, e eu me arrependi. Mas eu me arrependi porque eu sou mãe, eu tenho filhos. E eu sei que eu errei, e por isso que eu estou aqui falando pra vocês. Eu errei porque eu fui ameaçada, sabe? A minha filha foi ameaçada. Ele me ameaçou várias vezes, não foi uma vez só, foram várias, entendeu? Então, assim, eu digo pra os senhores que eu estou arrependida muito mesmo, mas eu quero que tenha justiça. O meu medo maior é só que ele faça alguma coisa com a minha filha, e comigo, né? Porque mesmo que eu esteja presa ninguém está protegida, ninguém. E com a família desse rapaz, com a família que me apoiou, uma família que me deu abrigo; e é isso o que eu temo, só isso.”

Disse que perguntou: “O senhor vai matar?” e ele respondeu: “Mais ou menos.”

Acerca das características do Sr. Carlos, disse a depoente que ele é branco, tem o cabelo grisalho, na faixa de idade entre 52 e 55 anos. Quantoá placa do carro, disse que só conseguiu ver a primeira letra e o número da placa: K 8917.

DEPOIMENTO DO SR. LENILDO SILVA AMORIM – Depoente.

Disse que está morando com Jucione há uns 6 meses, 7 meses. Ela não teria nunca dito que esse homem estaria a ameaçando, porque ela teria que entregar uma criança para ele. Não tinha conhecimento de qualquer atividade criminosa. Só ficou sabendo do rapto da criança por informação da Polícia.

DEPOIMENTO DO SR. DANIEL ALMEIDA DE MACEDO - Coordenador do Comitê Estadual de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Pessoas do Estado de Mato Grosso.

Disse que o Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas foi constituído, formalmente, em fevereiro de 2012. Passou a explicar o seguinte: “O CETRAP é composto por representantes da sociedade civil, poder público, e é coordenado por um colegiado do qual eu tenho a satisfação e a honra de fazer parte, ao lado da assistente social Dulce Regina, da Prefeitura Municipal de Várzea Grande e de Valdemir Pascoal, Secretário Adjunto de Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso.

Para organizar e desenvolver as atividades, o CETRAP formulou um plano de ação que prevê atuação em dois eixos principais: prevenção/articulação e defesa/repressão.

No eixo prevenção/articulação, estão as ações de conscientização, isto é, esclarecer à sociedade sobre a ameaça do tráfico de pessoas: as formas tradicionais de aliciamento, as promessas falaciosas dos recrutadores e também a dura realidade, a condição das mulheres vítimas do tráfico. Então aqui estão as campanhas publicitárias, as palestras, as reuniões e também os simpósios, que têm esse propósito.

No eixo defesa/repressão, estão as ações táticas operacionais que têm por objetivo a investigação e a identificação de pessoas ou organizações que exploram o tráfico de pessoas.

Essas ações de repressão são executadas por forças policiais: Polícia Judiciária Civil, Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e também Agência Brasileira de Inteligência.

A articulação próxima do CETRAP com a sociedade tem gerado, tem produzido informações importantes sobre indícios de aliciamento e indícios de deslocamento de mulheres para a exploração sexual. O CETRAP compartilha essas informações com as frações de inteligência das forças policiais. Essas informações são processadas, são analisadas e estruturam o planejamento das ações de repressão.

Este é o modelo que apenas está começando. No entanto, tem contado com a ajuda e o apoio decisivo da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso, na pessoa do Secretário Luiz Antônio, ele próprio um defensor tradicional, um defensor histórico dos direitos humanos, e também da Secretaria Estadual de Segurança Pública na pessoa do Dr. Alexandre Bustamente, um profissional muito experiente, que também nos tem ajudado muito.

A pesquisa realizada pela Pastoral da Mulher sobre tráfico de pessoas em Mato Grosso, os relatórios sobre prostituição infanto-juvenil da Polícia Rodoviária Federal, o empenho investigativo das Polícias Judiciárias do Estado e da União, a agilidade tática operacional da Polícia Militar, associados aos conhecimentos de inteligência produzidos pela ABIN, têm sido, de fato, decisivos para os avanços registrados até o momento.

No entanto, há muito, todavia, a ser alcançado, pois o tráfico de pessoas é, de fato, um crime complexo, com implicações históricas, culturais, sociais. No entanto, o vigor e a determinação dos integrantes do CETRAP demonstram que há um caminho promissor a ser seguido e, para vencer essa séria ameaça, é necessário que todos caminhemos, que todos devamos caminhar juntos.

Portanto, essa é uma breve contribuição. Eu trago, então, aos senhores e à Mesa, o que Mato Grosso hoje desenvolve.”

O fato foi apurado por intermédio do Inquérito Policial n.º 023/2013 (PC/MT), encaminhado ao Poder Judiciário onde foi tombado sob o n.º 349214 (6ª Vara Criminal de Cuiabá/MT).

Encontra-se em curso a Ação Penal de n.º 349214/2013, junto à 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, tramitando contudo em segredo de justiça.

Ademais, tramita no âmbito da Polícia Federal, junto à Superintendência Regional em Mato Grosso, o Inquérito Policial Federal n.º 585/2013 – SR/DPF/MT, SIAPRO n.º 08320.021.789/2013-54, instaurado para apurar o crime de tráfico de criança ao exterior com o fito de obtenção de lucro, capitulado no artigo 239 da Lei n.º 8.069/1990, investigando, portanto, os fatos narrados neste caso.

13.22. O CASO DO SITE GAROTA COPA 2014 NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Trata-se de Inquérito Policial instaurado pela Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, Criança e Idoso da Polícia Civil do Mato Grosso, em função de ter a autoridade policial tomado conhecimento, por meio de expediente oriundo da Procuradoria Geral de Justiça daquele Estado, que adolescentes entre 13 e 18 anos estariam sendo expostas indevidamente em site da internet com o objetivo de promover concurso para escolher a “Garota da Copa do Mundo no Pantanal”.

Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Oitiva de REINALDO LUIS AKERLEY CAVALCANTE em Audiência Pública realizada pela CPI em data de 19/03/2013;

• Juntada de cópia integral do inquérito policial nº 103/2012/DDMCI/MT, por suposta infração ao artigo 244 – A, da Lei nº 8069/90 (ECA), instaurado pela PC/MT para apurar os fatos na pasta do caso.

DEPOIMENTO DO SR. REINALDO LUÍS AKERLEY CAVALCANTE – Agente Penitenciário do Estado do Mato Grosso e responsável pelo site Garota Copa 2014.

Comentou seu trabalho com eventos comunitários, o que o levou a organizar o evento Garota Copa 2013, do qual participavam, de acordo com o depoente, homens e mulheres de todas as idades, inclusive menores com autorização dos pais.

Negou ser proprietário de qualquer empresa de eventos e disse que desenvolve essas atividades sem objetivo de lucro, tirando do seu próprio salário para pagar as despesas.

Confirmou que contrata modelos para divulgar o evento Garota Copa 2014 e que paga cem reais por dia de trabalho, com dinheiro do seu salário de agente penitenciário.

Negou qualquer financiamento por parte de órgãos públicos. Também disse não ter nenhum site internacional com foto de menores em cenas eróticas.

13.23. CASO LORISVALDO, NO ESTADO DE SÃO PAULO

Trata-se de caso noticiado pela imprensa aberta acerca da prisão em flagrante de LORISVALDO PEREIRA DE JESUS, conduzido em data de 12/03/2013 por policiais civis paulistas, pela suposta prática dos crimes de manter casa de prostituição, rufianismo e tráfico interno de pessoas para fim de exploração sexual, tipificados, respectivamente, nos arts. 229, 230 e 231 – A, todos do Código Penal. O Ministério Público Estadual ofertou promoção de arquivamento em data de 05/04/2013, em extensa manifestação (quarenta laudas), cujos argumentos podem ser indicados em apertado resumo: a imprescindibilidade de exploração sexual para a configuração do delito do artigo 229 do CP (ou seja, seria necessário que a vítima fosse obrigada a se prostituir), colacionando nesse sentido fartas doutrina e jurisprudência e registrando que, como no presente caso as vítimas foram unânimes em declarar que não eram obrigadas a se prostituir, a conduta do indiciado é atípica; atipicidade da conduta do indiciado no que diz respeito ao delito do artigo 230 do CP, eis que demonstrado nos autos que ele não participava diretamente dos lucros da prostituição alheia; ausência de indícios da prática da conduta tipificada no artigo 231 – A do CP, tendo em vista as declarações uníssonas das vítimas no sentido de que foram para São Paulo por meios próprios e por livre e espontânea vontade.

Diligências realizadas:

• Análise das cópias do Auto de Prisão em Flagrante;

• Oitiva de LORISVALDO PEREIRA DE JESUS em Audiência Pública realizada em data de 04/07/2013 (DEPOIMENTO INDISPONÍVEL NA NOTA TAQUIGRÁFICA DESTA REUNIÃO NO SITE DA CÂMARA).

O fato foi apurado, processado e julgado, respectivamente, por intermédio do Inquérito Policial n.º 07/2013 1ª. DHPP/SP e Processo n.º 0023295-62.2013.8.26.0050 - Foro Central Criminal Barra Funda, DIPO 3 – Seção 3.1.2.

Sugere-se o arquivamento do caso por incompatibilidade do mesmo com o objeto da CPI, eis que não há nos autos do inquérito policial em questão qualquer indício do delito de tráfico de pessoas dos artigos 231 ou 231 – A do CP.

13.24. O CASO LINDSEY

LINDSEY MARILYN SILVA LARSON perdeu o poder familiar que exercia sobre suas duas filhas adolescentes, de nomes CARLA RAFAELA CATTANEO LARSON e MICAELLA CATTANEO LARSON. Existem indícios de que o genitor das adolescentes – MIGUEL ANGEL CATTANEO NIN – estaria adotando providências na via judicial, com o objetivo de obter a guarda das filhas, contra a vontade das mesmas, muito provavelmente para se desonerar de encargos de pensão alimentícia (segundo consta, existiria ordem de prisão em aberto contra o genitor em função de dívidas dessa natureza) e, num segundo plano, promover uma exploração laboral ou sexual das filhas.

Providências tomadas pela CPI

Foram realizadas as seguintes diligências:

• Oitiva de LINDSEY em Audiência Pública realizada em data de 06/12/2012;

• Juntada de documentos relativos ao caso (cópias de peças processuais) nos volumes n.º 23, 26 e 39 do processo ostensivo;

• Oitiva do advogado HAMILTON JESUS VIERA PEREIRA, em termo de depoimento colhido pelo signatário em data de 23/04/2013;

• Análise dos documentos e cotejo das informações.

Ainda de acordo com o relatório, a guarda das adolescentes foi concedida, por ordem judicial (de primeiro grau de jurisdição), à guardiã SANDRA E. DA S. (conforme acórdão do Tribunal de Justiça/RS datado de 17/10/2012, arquivado na pasta de n.º 23 dos arquivos da CPI), que seria Conselheira Tutelar em Porto Alegre/RS. Esta decisão foi posteriormente revertida pelo TJ/RS, via recurso de Agravo de Instrumento (Agravo n.º 700511662659, acórdão mencionado).

A Sra. RUBIA ABS, Diretora de Justiça da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (RS), firmou o ofício n.º 16/13, recebido pela Secretaria da CPI, trazendo anexo o ofício nº 71-2013-RSnaPAZ/RS, veiculando a informação, em síntese, de que LINDSEY não teria registrado ocorrência em qualquer repartição policial do Estado do Rio Grande do Sul sobre os fatos e que, portanto, os mesmos não haviam sido investigados, muito embora o Decreto – Lei n.º 3689/1941 – Código de Processo Penal determine, em seu artigo 5.º, I, que em crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício. Registre-se, nesse ponto, que se está diante da virtual possibilidade da prática dos crimes dos artigos 230, 234, 237, 239, 244 – A, todos da Lei n.º 8069/1990 – ECA, cujo artigo 227 preceitua que os crimes definidos naquele Diploma Legal são de ação penal pública incondicionada.

A CPI colheu diversos depoimentos que passamos a relatar.

DEPOIMENTO DA SRA. LINDSEY MARILYN DA SILVA LARSON - Depoente.

Tendo em vista os relatos e os detalhes mencionados pela depoente, passamos a transcrever, na íntegra, os trechos principais do depoimento:

“Boa tarde, Deputado. Boa tarde, Deputado Oliboni, Secretária. Boa tarde a todos vocês.

Bem, eu tenho duas filhas. Na verdade, tenho três filhas. Mas tenho duas filhas que não estão comigo agora, porque foram tiradas de mim de forma ilegal pelo Conselho Tutelar de Porto Alegre no dia 13 de dezembro.

Eu tive uma discussão aqui na Casa com o Deputado Carlos Gomes, onde a gente discutiu por conta de documentos, porque essas pessoas que entraram no Conselho Tutelar trabalhavam com ele até aquele momento e elas utilizaram documentos da entidade em que eu sou presidente, porque elas necessitavam de ter passado por uma entidade filantrópica que fosse forte para poder entrar. E eu exigi que me devolvessem a documentação, porque eu disse: “Olha, eu posso me envolver em alguma coisa e depois não vai ficar bom pra mim e tal”. Enfim, naquele momento, ele disse que conversaria comigo então no partido. Eu fui até o PRB, naquele dia, e ele disse: “Não. Vai dar tudo certo”. Eu falei: “Tá, mas as Meninas foram na escola e levaram. Aonde estão?” Ele disse: “Estão num lugar seguro”. Eu falei: “Aonde?”

Ele sabia de toda a minha história. Eu vivia sozinha com os meus filhos, porque há muitos anos a gente se encontrava em imprensa e tudo, muito antes de ele ser Deputado. Foi apresentado pra mim por outros Deputados. Então, eu disse:

“Tá, eu quero saber onde estão minhas filhas”. Ele: “Num lugar seguro”.

Fui até o Fórum Central. Já era noite. Quando eu cheguei lá, disse que gostaria de fazer busca e apreensão, apresentei o documento de guarda das minhas filhas, que eu não sabia onde estavam, mas que o Deputado saberia. Ele, então, entrou, foi na outra sala, veio um outro procurador, olhou pra mim e aí se olharam, ele foi no telefone, na minha frente, ligou para o Conselho, falou com o Rivelino, Isabel Cristina. Eles estavam no viva-voz, na minha frente, sem nenhuma cerimônia, ele disse: “Vocês disseram que era só pegar as meninas. A mulher está aqui cheia de documentos. E agora?” Aí falaram mais alguma coisa, veio até mim e falou: “A senhora vai embora. Faça um registro na delegacia”. Eu falei: “Aqui não é o Fórum? Eu tenho a guarda. Eu já registrei. Minhas filhas foram tiradas de forma... sem nenhum documento judicial, por coisa nenhuma, por uma história inventada”.

Fui até a delegacia. Fiz um novo registro, voltei pro Fórum, esperei mudar o plantão. A outra procuradora que estava lá olhou pra mim como se já me conhecesse e disse: “Ah! os documentos que você tem nem vai dar para fazer nada. Isso não é hora de estar aqui. São 3 da madrugada. Vai ficar dormindo aqui? A gente tem mais o que fazer”. Eu falei: “Tem sim. Tem que pegar minhas filhas, porque eu não sei onde elas estão”.

Enfim, fiquei até de manhã dentro do Fórum, esperei a juíza, que era a doutora com o sobrenome Azambuja. Pedi, então, para que fizesse o deferimento pedindo a busca e apreensão das minhas filhas. Fiquei de 5 da manhã até 5 da tarde. Quando estava terminando o plantão do Fórum, ela deferiu contra, que não iria fazer busca e apreensão.

Paguei, então, uma pessoa. Fui para casa, procurei algumas pessoas, paguei umas pessoas que descobriram que minhas filhas estavam numa área de prostituição, na Avenida Farrapos, aqui em Porto Alegre. Voltei ao Fórum, informei o endereço. Mesmo assim não quiseram registrar e ainda me trataram muito mal: “Você de novo aqui?”

Eu fui embora e fui, então, ao Ministério Público. O Sr. Glauber do quinto

andar da Vara da Infância ligou e disse: “Olha, vou fazer uma coisa que não é típica”. Ligou para o Rivelino, Conselheiro, e Isabel Cristina e disse o seguinte: “A mãe está aqui. Ela está bem nervosa. Ela disse que vocês pegaram as meninas e levaram para uma área de prostituição”. Ele disse: “Essa mulher é louca. A gente tem laudo, inclusive do CAPS — que são pessoas que estão envolvidas nesta história —, ela é doente mental e tem graves problemas mentais. Inclusive, a gente gostaria que chamassem uma ambulância para que ela fosse internada”. Ele disse: “Olha, a referência que nós temos dela aqui não é desse tipo de coisa. Ela trabalha com criança e adolescente. Ela tem bastante processo aqui, mas em prol das crianças e não contra elas. Pode dizer onde as meninas estão?” Então, ele disse: “As meninas estão morando no CAPS”. Que é uma clínica aqui perto na Cidade Baixa. Eu disse: “Elas não estão no CAPS. O CAPS está envolvido nesta história. Eles estão mentindo”. Então, eu falei para ele o seguinte: “Pergunte onde as meninas estão”. Ele disse: “As meninas estão morando lá”. Eu falei: “Sou Conselheira, sou do controle social, inclusive o Oliboni acompanhou, fiz vários trabalhos com ele, e sei que lá o atendimento é de 8 às 18”. Então, ele disse pra o Sr. Glauber, que era o agente: “Se essa história que ela está falando for verdade, vocês vão ser implicados nisso”.

Então, enquanto falava com ele, meu filho ligou e disse: “Mãe, o pessoal do Conselho entrou aqui junto com o CAPS, revirou todas as nossas coisas e me levou até o CAPS, machucou meu braço e disse que, se eu não dissesse que tu me bate, que me agride, que eu ia tomar remédio e ficar bem dopado igual a Micaella”. Eu falei: “E Micaella?” “Estava junto com eles. Eles reviraram suas coisas e levaram roupas e coisas das meninas”. Aí, o Glauber falou: “Você quer ir lá?” Eu falei: “Não, eu vou registrar”. E aí disse para o meu filho que trancasse a porta com um ferro atrás e prendesse (...)

Então, fui correndo pra lá. Quando cheguei, eles não estavam mais lá. Depois, no outro dia, voltei ao Ministério Público e informei o endereço, porque

paguei um senhor que fazia frete e trabalhava naquela região, paguei 100 Reais, e ele descobriu que as meninas estavam com o pai biológico, que é estrangeiro, mas eu não convivia com ele, me separei, só tive os filhos, um relacionamento em que eu só engravidei. E era uma pessoa que não era legal.

Aí, eu disse: “Como com ele? Ele é proibido de ficar com minhas filhas e tal”. Enfim, corri lá, dei o endereço, e ele disse: “Olha, ela está dizendo que as meninas estão aqui. Se elas estiverem lá mesmo, vai ter problema”. Não teve problema nenhum. Eu fui para o Fórum, depois desse registro que ele fez, e pedi busca e apreensão.

Enquanto eu estava lá, isso já era por volta do dia 15, apareceu o pai biológico com uma das meninas vestida de short muito curto, roupa que elas não tinham hábito de vestir, mostrando parte dos seios, parte do bumbum, e eu falei: “Por que minha filha está vestida dessa maneira? Por favor, devolva agora a minha filha”. E a juíza Elisa Carpim disse assim: “Eu já sei que você é uma louca, violenta e destrambelhada”. Eu falei: “Eu não sou nada disso. Como a senhora pode afirmar? A senhora é médica? Agora, eu tenho um laudo médico, então, de uma juíza? Não se pode fazer isso com uma mãe. Ninguém tem esse direito”.

Fomos embora, porque, então, ela disse para eu ir, que ele iria ficar ali. Fui embora para casa pegar documentos. Estava organizando tudo para poder retornar ao Fórum e, quando mexi no teclado, tinha um recado no computador da minha filha: “Mãe, me pega na igreja, que eu vou tentar fugir. Nós somos mórmons”.

Tinha uma festa de Natal na igreja. Fomos até a igreja. Quando cheguei lá com o meu filho, estava uma das meninas, a mais velha, Micaella, com uma senhora chamada Lucena, uma senhora que eu sei que mora na Cidade Baixa. E ela disse: “Mãe, ela vai me trazer aqui de noite. Me pega aqui. Eu vou ficar ali na frente”. Isso era meio-dia, eu fiquei ali esperando. Ela disse: “A gente vai voltar, porque eu disse que é comemoração, e nós vamos estar aqui”.

Então, ela não conseguiu trazer a irmã com ela, só veio a Micaella. A Micaella, quando chegou, depois desse horário que eu falei com ela, ela não ficava em pé direito, e o nariz estava bem machucado e da boca escorria um líquido branco. E não falava. Ela falava com voz embolada: “Mãe, eu não consigo ficar em pé. Eu vou ficar lá na frente, enquanto eles estão ali, e você me pega. Você não vai conseguir, né?” Eu falei: “Eu vou”. Então, quando saí fora, peguei a minha filha pelo braço, agarrei ela forte e mandei o meu filho correr na esquina e pegar um táxi.

Enquanto meu filho corria, essa senhora, a Lucena, chamou muitas pessoas: “Agarrem essa mulher, ela é doente mental, isso é um caso de Conselho Tutelar. Peguem ela”. E eu saí correndo. Foi uma coisa cinematográfica, assim. Saí correndo, entrei no táxi, que meu filho, de 10 anos, chamou, estava logo na esquina, entramos no táxi e fui para o Fórum Central. Quando eu cheguei ao Fórum Central, o guarda falou assim: “Aqui não é lugar

pra... Ela está drogada”. Eu falei: “Olha, ela é uma menina, eu preciso de ajuda, ela fugiu e eu preciso de um documento pra poder levar ela pro hospital, senão eles vão tirar ela de mim”. E tá. Fiquei lá, a moça falou no telefone. Ela: ”Ai, não tem como fazer nenhum registro”. Enfim, aí eu saí com minha filha dali, meio arrastada, fui pro DECA.

Nesse momento, em que eu fui pro DECA, fiz o registro, o policial falou:

“Olha, ela está visivelmente drogada”. Eu disse: “Micaella, alguém deu alguma coisa?” Ela disse: “Mãe, depois de um copo de leite que a Lucena deu, eu não conseguia mais ficar em pé. Mesmo assim, eu insisti para ir e ela me levou lá”. Enfim, aí peguei, fui andando com ela, porque morava logo aqui também, na outra esquina, na José do Patrocínio. E minha filha não caminhava direito, meu filho foi andando na frente, e meu filho gritou: ”Corre, mãe, que alguém está apontando a arma”. Vinham dois carros atrás, bem lentamente, e, segundo o meu filho, tinha uma arma apontada. E ele gritava: “Corre, corre”.

Quando eu comecei a correr com ela, ela dizendo que não ia aguentar, tirei os sapatos dela, joguei fora. Têm câmeras ali na frente daquele Fórum. E nós fomos correndo. Como eu vinha contra, então, que eu vinha do Fórum e morava na outra esquina, bem na esquina, aqui mesmo, da José do Patrocínio, sses carros então tentaram passar por cima do encostamento que tem ali, né. E meu filho gritava: “Mãe, não para, não para”. E eu correndo com a menina. Então, o carro tentou subir por baixo do viaduto, porque ali então não tinha mais como ele seguir. E nós corremos, e enquanto isso eu estava falando no telefone com uma amiga, que inclusive trabalha aqui, contando pra ela que tinha pego a menina. Foi quando aconteceu esse fato. Corremos, então, e ele gritando: “Mãe, ele está encostando, ele está encostando”.

Então, conseguimos entrar dentro de casa. E a minha amiga, desesperada, falou: “Entra em algum lugar com luz”. Eu entrei, consegui entrar dentro da minha casa. Fiquei ali. No outro dia, eu estava então organizando alguma coisa, pra tirar a minha filha daqui. E uma delas, foi a Micaella. Então, chegou bastante... Eu tinha descido, deixei ela dentro da casa, fui no telefone. Enquanto isso, uma das minhas vizinhas falou: “Lindsey, corre daqui, tem muita gente ali, tem uma kombi e tem várias pessoas dentro, e eles disseram que querem a menina. Ou você entrega ou eles vão dar um jeito em você”.

Nesse meio tempo, eu estava falando com o Zambiasi no telefone, pedindo ajuda pra ele, que ele pudesse me ajudar. Ele falou: “Sai daí, sai daí”. Eu falei: “Eu não vou sair, ela está lá dentro”. A minha vizinha foi até lá e disse: “Olha, ela saiu daqui com essa menina, que vocês estão dizendo, que é filha dela, e nós conhecemos. Ela entrou num carro e foi embora”.

Então, eles ficaram como meia hora ali, minhas duas outras vizinhas deram a volta. Quando eles saíram, eu entrei lá. Pegamos a menina, e o Zambiasi falou: “Vai no 9º andar e fala com alguém”. E eu tive medo, porque eles mandaram uma mensagem pro meu telefone justamente dizendo que estavam no 9º andar, o assessor do Deputado Carlos Gomes, junto com o pai da minha filha. Então, eu disse: “Não, não vamos prá lá”. Ele disse: “Então, entra no Fórum e faz um escândalo, pra poder ter uma audiência”.

E foi o que fizemos. Só que eu, minha filha e o meu filho, quando vimos a menina, ainda vestida também com roupas assim, nós agarramos, nós três nos agarramos. E foi uma confusão, centenas de pessoas foram àquele andar. Só que a juíza, que era a Elisa Carpim, ela disse: “Ah, é aquela louca, que está aí dizendo que quer as meninas. Você não vai pegar. As meninas foram violentamente machucadas”. E pegou a Micaella e disse que Micaella era doente mental. E a minha filha falou: “Olha, vocês estão inventando essa história pra poder afastar a gente da nossa mãe”.

E essa história se prolonga até hoje, pelo seguinte: porque a Elisa Carpim mandou eu ir até minha casa —, exigiu, inclusive, que eu fosse até minha casa —, senão não ia levar as meninas. Enquanto eu fui para minha casa, cheguei lá, a casa estava aberta, com tudo revirado. Eu voltei, fui à farmácia, peguei medicação, voltei para o Fórum e minha filha já não estava mais lá. Eu disse... O guarda: “Não precisa subir, a menina não está mais aqui”. E eu falei: Cadê minha filha? “Ah! ela mandou de volta com o pai”. Eu falei: “Mas eu mostrei as provas, e a minha filha falou que é tudo mentira”. Aí ele: “Pois é, mas ela disse que é ela que decide”.

Aí, enfim, nesse meio tempo, no outro dia, ficamos dentro do Fórum. Então, no outro dia, trouxe a menina, às 9 horas, teve uma audiência. E nessa audiência ela disse o seguinte: “Você é doente mental, precisa de um tratamento de 30 dias.

Nesses 30 dias, eu vou dar a guarda das suas filhas para minha amiga, que é a Sandra, ela trabalha em um abrigo — até então eu não sabia que era o Pão dos Pobres —, vou dar a guarda para a Sandra, que trabalha no Pão dos Pobres”. Ela não falou Pão dos Pobres, falou só amiga. “E eu também vou receber a vó delas, que é a vó biológica, que também disse que é melhor as meninas ficarem em algum lugar”. Eu falei: “Gente, olha, parece uma coisa de cinema. Eu tenho uma história de vida e ninguém está levando isso aqui em conta. Você está fingindo que não me escuta”. E ela, enfim, levou as meninas. Eu fiquei 30 dias sem contato, sem saber onde estavam. Até que então recebi um telefonema da (...)

Eu não sei onde ficaram nesses 30 dias. Eu sei que eu fiquei sem saber onde estavam durante 30 dias e ela também apreendeu todos os telefones que meus filhos tinham ali na hora, das meninas e meu. E sem nenhum contato telefônico. Aí eu falei: “Por favor, não faz isso comigo. É o Natal, está chegando o Natal. Nós somos uma família. Minha filha chorou” (...)

Tudo começou no dia 13 de dezembro do ano que passou. Treze de dezembro do ano que passou. Então, nesse período, eu fiquei sem ver as minhas filhas, sem nenhum contato, depois, tive o contato então do Pão dos Pobres, e passei a ir. Em 20 dias, elas marcaram só final de semana, eu tinha que ser monitorada, elas estavam sempre acompanhadas, cada uma com dois seguranças. Eu não podia me aproximar muito e não podia conversar com elas muito, só olhar ou falar algumas coisinhas.

Um dia, eu cheguei, então, e minha filha estava muito machucada. As pernas estavam sangrando. E eu falei: “O que aconteceu?” Ela: “Mãe, aquele homem ali me enforcou, disse que estava só brincando comigo e ficou me encostando no corpo dele”. E eu fiquei nervosa, porque elas têm essa idade, mas eu dei uma criação de criança e de adolescente para elas, e não dessas meninas que andam soltas. “Mãe, e ontem à noite a gente ficou até às 4 da manhã no Baile da Restinga. A Sandra mandou a gente colocar shortinho. Eu disse para ela que a gente não tinha o hábito de usar esse tipo de roupa”. Ela disse: “Mas quem manda agora sou eu. Eu decido o que vocês fazem”. Então, ela foi para o Baile da Restinga, ficaram até às 4 horas (...)

Então, eu fiquei lá esperando a Sandra e disse: “Sandra, as minhas filhas não estão acostumadas com esse tipo de situação, não leve mais elas”. Ela: “Quem decide sou eu. Eu tenho a guarda”. E riu. E minha filha disse: “Mãe, hoje esse homem me enforcou e me encostou o corpo dele. Como eu esperneei, ele me enforcou até eu desmaiar”.

Aí, então, eu fui para a casa, tentei falar com o advogado. Nenhum advogado... Todos que eu tentava eles não queriam a situação, quando falavam com alguém se afastavam. Eu, então, consegui o Dr. Hamilton, que resolveu assessorar. E ele então falou: “A assistente social ligou e disse que a partir de hoje você não vê mais suas filhas, não têm direito à visita e eu vou conversar com Klinger, coordenador da FASE, e ele vai tirar sua pátria e poder”. Eu falei: “Quem tira pátria e poder não é a Justiça?” Ela disse: “É, mas a gente faz também essas coisas”. Eu falei: “Você não pode fazer isso, eu não sou uma criminosa, você está afastando meus filhos de mim. Eu estou sendo punida por uma coisa que eu não fiz. O que aconteceu? Me devolve”. Ela: “É, você vai ficar querendo”. Aí eu disse para ela: “Meu telefone está grampeado”. Ela disse: “Ah! é mesmo. E daí?” E desligou o telefone.

Eu não pude mais ver minhas filhas. Eu ia lá para a porta e não conseguia mais ver. O segurança, todo mundo já me conhecia assim, porque eu chegava ali e podia ser qualquer um que não tinha me visto. Eles sabiam que era eu. Então, fiquei nessa situação de três semanas, sem poder me aproximar dali. Eles chamaram polícia e tudo. Eu não podia me aproximar. Minha filha então chorava bastante.

O advogado conseguiu, depois de muita briga, que eu tivesse visita às minhas filhas aos domingos, mas nunca voltar pra casa. Passaram-se então 8 meses até então. A minha filha disse para mim em uma das visitas: “Mãe...”. A minha amiga então era uma senhora de idade, se mudou ali pra frente, ela tinha uma condição financeira boa, para vigiar as meninas. E ela disse: “Lindsey, tem um pessoal lá visitando as meninas”. Eu liguei para Sandra imediatamente: “Sandra, quem é que está visitando as meninas?” “Ah! Uns amigos”. Eu falei:” Não, eu não quero amigo visitando, eu sou a mãe delas”. “Eu tenho a guarda, eu faço o que eu quero”, falou a coordenadora do abrigo. Então, eu fui até lá. Micaella disse: “Mãe vieram uns chilenos aí, uns estrangeiros me visitar. Eu disse para ela que eu não ia passear com eles. Ela disse que ela que mandava”. Elas não foram, porque fizeram bastante birra, espernearam e disseram que não iam passear. E todo final de semana então ela marcava horários para mim diferentes, e essas pessoas iam visitar minhas filhas — pessoas que eu não faço a mínima ideia de quem seja.

Até que então teve audiências que eu não fui chamada, só com Elisa Carpim. E eu disse: “Doutora, me devolve minhas filhas”. E ela falou: “Ah! Tá, eu vou te devolver no dia de são nunca”. Eu falei: “A senhora é uma juíza, não pode falar assim comigo”. Ela disse: “Eu posso, eu posso fazer o que eu quiser, inclusive tirar suas filhas”. Eu falei: “Não, a senhora não pode. A senhora está cometendo um crime contra mim. Eu sou uma mãe”. E a coisa foi se agravando.

O Tribunal de Justiça me devolveu a guarda das meninas, mas ela não, vai contra o Tribunal de Justiça. E aqui ela diz que não me dá um Termo de Guarda. Como ela pode ir até contra o Tribunal de Justiça? Eu queria entender, eu sou leiga. Eu quero entender se ela tem esse poder de ir contra uma decisão do Tribunal de Justiça (...)

Então, isso vem acontecendo. A Dona Cristina Isabel ligou para mim inúmeras vezes pra dizer: “Não adianta você estar pedindo pra fulano e cicrano. Eu conheço muita gente. Todo mundo aqui conhece muita gente”. Aí eu disse: “Então, tá, Dona Isabel, a senhora então que sabe”. Porque eu conheci ela aqui, no gabinete, e nunca imaginei que ela pudesse fazer algo assim comigo. Eu só pedi o papel (...)

Ela trabalhava, antes de entrar aqui no gabinete do Deputado. Eu conheci todos eles aqui. Antes de tudo isso, assim, eu pensei que nós éramos todos conhecidos, uma espécie de amizade, não é? Pelos anos que... Quando ele precisava do ônibus de doação de sangue, eu, como conselheira, intervia junto ao Secretário.

Então, em nenhuma das reuniões do Conselho Municipal de Saúde, pelo qual eu fazia parte até então — solicitei meu afastamento —, o Secretário estava presente. E eu já tinha falado com ele sobre o fato, e ele me mandou uma carta dizendo que tinha sido investigado e que nada era real. Na frente de todas as pessoas, eu gritei porque eu já estava realmente emocionalmente abalada. Eu disse: “Secretário, o senhor está junto com essas pessoas fazendo isso com uma mãe de família?” É o Secretário Adjunto do Município. E ele ficou bastante nervoso. No meio da reunião, ele levantou, sentou, levantou, sentou, pegou o telefonema e então mandou um e-mail para mim no outro dia dizendo que não tinham sido bem apurados bem os fatos, mas que ele ia resolver, que não falasse mais com ninguém.

Eu falei: “Eu vou abrir a boca, eu vou gritar na rua, se for caso, quero minhas filhas de volta”(...) Essa é de agora, é recente. Faz menos de 30 dias. “Defiro antecipação da tutela para revogar a guarda concedida pela Magistrada — para Elisa Carpim — à Sandra — que é Coordenadora do Abrigo — em favor da genitora — que sou eu —, Lindsey, propriamente”(...) Foi um acórdão da 7.ªComarca, 7ª Câmara do Tribunal de Justiça, o Desembargador Sérgio Fernandes de Vasconcellos Chaves, presente o Ministério Público, que também ficou de acordo (...) O Ministério Público, em caráter de urgência, fez, então, aquelas avaliações sociais. E na avaliação social... Ela fez toda a avaliação e, no momento de escrever, ela botou coisas que iriam contra mim, dizendo que eu era uma pessoa destrambelhada, doente, perturbada e que não teria condições de ficar com minhas filhas. Só que ela esqueceu que meu advogado deixou comigo o celular dele, ligado, e gravou tudo o que nós conversamos. O desembargador escutou essa conversa e, por isso, me devolveu a guarda das meninas. Não tinha nada do que ela escreveu ali. Ela botou uma coisa totalmente... Ela é esposa de um juiz, essa assistente social que fez essa questão social. Ela inclusive deu a entender que iria tirar o meu filho também.

Então, eu disse pra ela: “Vocês... Minhas filhas ficaram no Pão dos Pobres. Os profissionais que estavam lá machucaram ela, tentaram abusar delas, deram chutes, pontapés, onde elas foram pro hospital, machucadas. Eu que sou mãe(...)Vocês inventaram que eu tinha machucado e espancado.”

Então, nós tivemos uma audiência onde... Nessa audiência, que eu e minhas filhas planejamos pra eles poderem estar lá, ela disse: “Presente a autora Lindsey, as meninas, o defensor Dr. Hamilton...,” “Presentes as meninas, onde elas afirmam que a mãe nunca machucou, nunca espancou, e que elas têm um ótimo convívio com a mãe.” Não foi nessa denúncia, feita pelo Conselho Tutelar e o próprio pai... Não compareceu ninguém. A juíza disse: “Olha, isso é uma palhaçada. O que está acontecendo aqui? Tem alguma coisa errada aqui.” Eu disse: “Não, inventaram queeu bati nelas, pra poder tirar...” Ela disse: “Eu vou te liberar disso daqui. Suas filhas estão aqui, desesperadas pra ir embora.” As meninas disseram: “Eu posso ir embora agora?” Ela: “Não, quando sair a degravação, você mostra isso aqui e vocês saem.”

Então, a Elisa Carpim não tinha mais isso daqui contra mim; então ela disse que eu era doente mental. Eu tenho aqui uma avaliação psicológica, um perfil psicológico meu, que foi feito particular. Porque todos os dela diziam que eu sou extremamente louca, uma pessoa que foi indicada ao Prêmio Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, que recebeu méritos e medalhas por trabalhar com o ser humano, em favor do ser humano. Eu fazia qualquer coisa, a ponto de me deitar... A imprensa... O próprio Diário Gaúcho, a RBS... Cansei de, muitas vezes, deitar no meio da rua, parar trânsito pra que não faltasse medicação. Entrei com um processo, que durou 3 anos, para que eu conseguisse convênio médico pras crianças. Como é que uma mulher dessas, mãe, batalhadora pelos filhos de repente virou um monstro e uma louca? Eu tenho laudos psiquiátricos que foram feitos diferentes da situação.

Minhas filhas estão sendo colocadas numa situação pra serem levadas pra prostituição, pra qualquer outra coisa, menos pra ficar com alguém. Então, eu quero ajuda. Elas estão desaparecidas... Desaparecidas, não; elas fugiram. Fugiram, deixaram cartas. Tem uma gravação onde ela diz que foi dopada, que estava presente a Isabel Cristina. A Silvia dizendo: “Vamos dar doses maiores pra elas.”

Então, eu quero providência nessa situação, porque a guarda me foi dada e ela está fazendo de tudo...Todo mundo fala: “Não, isso que você está contando é uma história meio mirabolante.“ Mas está tudo documentado, está tudo comprovado. Não é nada que eu estou inventando, da minha cabeça. Então, assim... Você olha o processo em você diz... Os meus vizinhos fizeram abaixo-assinado e ela disse: “Isso daí pra mim não vale nada”. Eles registraram em cartório. Ela quer as meninas.

Foi polícia atrás de mim. Em todos os lugares que eu estava foi polícia, foram pessoas. Lá, onde eu estou agora, todas as pessoas acham que sou uma criminosa. Foi gente, na minha porta, de madrugada; homens, atrás de mim. Foram quatro homens, de madrugada, quase botaram minha porta abaixo. Revistaram a casa, atrás das meninas. Lá, no Ministério Público de Caçapava, a Procuradora disse pras conselheiras de lá: “Se afasta desse caso!” Eu disse: Eu não acredito. Eu estou pedindo a sua ajuda. Eu vim pra outra cidade e a senhora está mandando as conselheiras se afastarem? As conselheiras da região que eu moro não querem me ver nem pintada de ouro. E ela: “Lindsey, Lindsey, pelo amor de Deus, não procure a gente”. Ela falou desse...: “Não procure a gente, por favor.” A procuradora disse pra elas, na minha frente: “Se afastem desse caso”. Usou desta forma: “Se afastem desse caso. Existe muito cachorro grande nessa história”.

Eu não sou cachorro grande, eu sou uma mãe. Se existe cachorro grande é por trás, tentando pegar duas mocinhas pra fazer algo de muito errado, porque ninguém briga, pô... Há muita criança pela rua aí, precisando que alguém brigue por elas dessa forma, que corra atrás delas. Quem quer minhas filhas? Então, eu não sei mais o que fazer(...) A Sandra, assistente social, enforcou uma delas, tentou enforcar uma delas porque nessa audiência ela disse: “Eu tinha combinado com vocês, antes de sair, que não podiam falar nada. Era pra deixar a gente falar. Aí você foi lá e se meteu a falar, dizendo que queria ir embora pra casa.” E minha filha disse: “Mãe, ela pegou e me encostou contra a parede, com toda força, eu bati minha cabeça. E ela disse: ‘Você não devia ter falado”(...) Tinha uma amiga minha, que morava também, que se mudou pra frente do Pão dos Pobres pra vigiar minhas filhas, até a gente conseguir tirar de lá. Ela faleceu agora, faz 1 mês. Entrou num grau de depressão muito grande porque ela concluiu, pelas pessoas que estavam indo lá, que minhas filhas estavam provavelmente sendo encaminhadas pra alguma situação(...)

Até porque as pessoas que iam visitá-las eram homens(...) Elas mandaram uma carta, recentemente. Uma, não, mandaram várias cartas pro Dr. Hamilton dizendo que estavam bem. Mandaram gravação dizendo que estavam bem, dizendo que eu não falasse com qualquer pessoa, porque há muita gente envolvida — até dentro do Fórum(...) Eles tinham informação do Facebook, de conversas. Os nossos telefonemas, eles sabiam o que era conversado(...)

Depois, enviaram cartas e depois mandaram essa gravação. Eu sei que elas estão bem(...) E nem procuro saber, porque sei que, se perguntar onde elas estão, eles vão pegá-las. Até porque um Vereador da cidade mesmo estava conversando comigo quando, de repente, apareceu um carro, dando voltas ali, e perguntou se sabia onde morava Lindsey(...) A princípio, acho que o Carlos Gomes se envolveu na história pra me pegar de alguma maneira, porque ficou bravo, porque usei a frase para ele: “Eu não tenho rabo preso com ninguém. Você tem.”

Então, talvez, porque eu toquei no ego dele de alguma maneira e ele quis mostrar poder, quis mostrar força(...) Mostrei essas mensagens para a Doutora. Não sei se dá para escutar. “(...) falou pra escrever algumas coisas, pra não esquecer de nada, pra deixar tudo bem pontuado pra poder falar agora. Oi, mãe. Espero que esteja tudo bom com você e com o Charles. Quando escutar essa gravação, quero que a senhora grave ela com você. E quero que a senhora tenha a certeza de que a gente está bem e que a senhora tome cuidado com Miguel porque ele estava pretendendo vender a gente pra um amigo dele essa semana. Olha, mãe, abra o olho, porque tem muita gente envolvida nisso. Tome muito cuidado com o que vai falar. É... Só quero falar, só quero falar que tudo vai ficar bem. Mãe, fugimos. Mãe, nós fugimos do Pão dos Pobres. Nós fugimos, sim. E não vamos contar para ti onde a gente está, porque senão eles vão querer vir atrás de ti. Quero que tu te cuides, que cuide do Charles, cuide de todos os nossos amigos, pelo menos dos que restaram.

E eu também queria dizer, gostaria de dizer para quando tu resolver tudo para postar no seu Facebook, porque a gente vai saber. Com toda certeza, a gente vai saber. E, se possível, lê o processo para ajudar a gente tirar o nome desse homem, desse nojento, porque dele a gente não quer nada, nem mesmo o nome, pra que não exista vínculo com um mau caráter como ele. Ah, estou falando do Miguel, caso ninguém saiba que o mau caráter é ele. Mãe, eu estou morrendo de saudade de ti, dos missionários, da igreja, das tuas comidas malucas e estranhas. E eu espero não ter que mais 1 ano ficar sem férias, como as nossas férias divertidas eram, ficar sem um Natal, manter um Natal em família, porque já não basta o ano passado. E não poder estar em casa neste ano, também, vai ser um tristeza não está no Natal perto de vocês. Mãe, não sei se tu te lembras da Isabel Cristina e da Iraildes, aquelas do Conselho de Porto Alegre. Elas pegaram um bebê lá no Hospital Fêmina. Ela disse que era filho do marido dela. E o Hospital é bem conivente com isso. Eles pensaram que tinham me dopado, mas eu escondi os remédios. Eu estava ouvindo tudo que eles falavam. Eu joguei os remédios fora e fingi que estava dormindo. Mãe, se cuida, porque o bolo, te cuida, porque toda (ininteligível) está fedendo e está podre — desculpe o linguajar, é porque ela é adolescente — e porque eles estão envolvidos até o pescoço com essa coisa de tráfico de criança. É, minha mãe, eu quero te dar um beijo. Estou te mandando um beijo, porque eu te amo. Eu queria agradecer muito o Dr. Hamilton, que está ajudando muito a gente, os doutores advogados. E eu te amo, amo o Charles. Eu quero logo poder voltar, ter férias...”

De acordo com as informações colhidas, a guarda das adolescentes foi concedida, por ordem judicial (de primeiro grau de jurisdição), à guardiã SANDRA E. DA S. (conforme acórdão do Tribunal de Justiça/RS datado de 17/10/2012, arquivado na pasta de n.º 23 dos arquivos da CPI), que seria Conselheira Tutelar em Porto Alegre/RS. Esta decisão foi posteriormente revertida pelo TJ/RS, via recurso de Agravo de Instrumento (Agravo n.º 700511662659, acórdão mencionado).

A Sra. RUBIA ABS, Diretora de Justiça da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (RS), firmou o ofício n.º 16/13, recebido pela Secretaria da CPI, trazendo anexo o ofício nº 71-2013-RSnaPAZ/RS, veiculando a informação, em síntese, de que LINDSEY não teria registrado ocorrência em qualquer repartição policial do Estado do Rio Grande do Sul sobre os fatos e que, portanto, os mesmos não haviam sido investigados, muito embora o Decreto – Lei n.º 3689/1941 – Código de Processo Penal determine, em seu artigo 5.º, I, que em crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício. Registre-se, nesse ponto, que se está diante da virtual possibilidade da prática dos crimes dos artigos 230, 234, 237, 239, 244 – A, todos da Lei n.º 8069/1990 – ECA, cujo artigo 227 preceitua que os crimes definidos naquele Diploma Legal são de ação penal pública incondicionada.

Sugere-se o arquivamento do caso no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência entre o caso e o objeto da Comissão.

13.25. O CASO DA PORTUGUESA SANTISTA

Trata-se de suposto caso de tráfico de pessoas com redução a condições análogas as de escravos, em que figuram como vítimas jovens aliciados em estados da Região Norte do país e transportados para alojamentos de responsabilidade do clube de futebol Portuguesa Santista, onde supostamente seriam mantidos em condições degradantes de acomodações, vestuário e alimentação. As vítimas contavam com idades que variavam entre os 14 e os 16 anos e eram levados para o clube em questão com o objetivo de serem preparados para se tornarem jogadores profissionais de futebol. A Portuguesa Santista receberia valores pelas operações de transferência destes jogadores que fossem revelados para outros clubes.

Providências do caso:

A CPIrealizou as seguintes diligências:

• Juntada de cópia de decisão judicial às fls. 177/205 do volume nº 25;

• Juntada de correspondência oriunda da presidência da Portuguesa Santista às fls. 21/145 do volume nº 33;

• Oitiva de JOSÉ CIAGLIA, Presidente da Associação Atlética Portuguesa, em audiência pública realizada pela CPI em 21/03/2013;

• 14.2 – existência de ação judicial/inquérito policial, e respectivos números e Varas judiciais/Delegacias policiais em que tramitam:

• 14.2.1 – processo n.º 565/11 da Vara da Infância, Juventude e Idoso de Santos, cujo objetivo foi avaliar as condições de sobrevivência de atletas menores.

Estas são as informações relativas ao caso.

13.26. CASO DELIVERY, NO ESTADO DO ACRE

Trata-se de operação deflagrada pela Policia Civil do Acre para desbaratar uma rede de prostituição e exploração sexual de mulheres em Rio Branco (AC), tendo como vítimas, inclusive, adolescentes. O Ministério Público do Acre participou da Operação que foi deflagrada no dia 17 de outubro de 2012. A denúncia foi protocolada na 2ª Vara de Infância e Juventude da Comarca de Rio Branco em 21 de novembro de 2012. Os 22 envolvidos foram divididos entre aliciadores e clientes.

Entre os supostos clientes estão empresários e pecuaristas, como Adálio Cordeiro e pessoas influentes no estado, como o ex-vice-presidente da Confederação Nacional de Agricultura – CNA e atual presidente da Federação e Agricultura e Pecuária do Acre, Assuero Doca Veronez e o vereador de Rio Branco, Fernando Martins.

O modus operandi dos denunciados consistia em identificar mulheres, homens e adolescentes, economicamente desfavorecidos, induzi-los à prostituição ou à exploração sexual, incitando-os, convencendo-os e atraindo-os, mediante promessas de vantagens econômicas, para realizar programas sexuais com os clientes, que na sua maioria, eram pessoas pertencentes aos mais elevados estratos sociais.

Providências do caso:

Foram efetivadas até o momento as seguintes diligências:

• Juntada de Reclamação Disciplinar ajuizada pelo MP/AC contra o Desembargador do TJ/AC Francisco Djalma da Silva e contra o Diretor Judiciário do TJ/AC Emerson Vieira Cavalcante, por supostas irregularidades na distribuição de habeas corpus impetrados em favor de pacientes presos na operação (acompanhada de diversos documentos);

• Juntada de parecer do MP/AC sobre o mérito da reclamação mencionada no item anterior;

• Juntada de ofício oriundo do Gabinete do Desembargador Francisco Djalma (TJ/AC), endereçado à Deputada Antônia Lúcia, no qual solicita o encaminhamento de cópias de todos os dados ou escritos que envolvam referido Desembargador, para exercício do contraditório, bem como encaminha cópias de todos os despachos e decisões prolatadas pelo Desembargador (autuadas na sequência do ofício);

• Oitivas de ELSON SANTIAGO (Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Acre), MARIA DA CONCEIÇÃO MAIA DE OLIVEIRA (Secretária de Política de Mulheres do Estado do Acre), MARCELA CRISTINA OZÓRIO (Promotora de Justiça do Estado do Acre), JOANA D´ARC VALENTE SANTANA (Advogada), ILCELENA DE SOUZA QUEIROZ (Defensora Pública Federal, representante da Defensoria Pública da União), NILSON MOURÃO (Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Acre), ALMIR FERNANDES BRANCO (Promotor de Justiça), MARCELO SÁLVIO REZENDE VIEIRA (Delegado de Polícia Federal), CARLOS ALBERTO DA SILVA MAIA (Procurador de Justiça e Coordenador da Defesa da Infância e da Juventude do Estado do Acre), FÁBIO FABRÍCIO PEREIRA SILVA (Representante da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social de Rio Branco, Maria das Dores de Sousa), ANTÕNIA SALES (Deputada Estadual do Acre), WALTER PRADO (Deputado Estadual do Acre), MARILEIDE SERAFIM (Deputada Estadual), MARIANO JORGE DE SOUZA MELO (Promotor de Justiça) e JOCIVAN SANTOS (Representante do Movimento dos Direitos Humanos no Acre), em Audiência Pública realizada em 28/02/2013, na Assembleia Legislativa do Estado do Acre;

• Autuadas cópias dos autos de n.º 0500808-75.2012.8.01.0081 (Operação Delivery), tais como cópia da denúncia e cópias de relatórios de análise e de vigilância (Volume n.º 4 do processo RESERVADO);

• Autuadas cópias do inquérito policial n.º 11/2012-DECCO (Operação Delivery) – (Volume n.º 5 do processo RESERVADO);

• Juntadas cópias de petições da defesa dos acusados na operação Delivery e de habeas corpus impetrados em seu favor (Volumes n.º 6 e 7 do processo RESERVADO);

• Juntados os depoimentos sigilosos de BARBELA (travesti) e JOANA D´ARC VALENTE SANTANA (Advogada) - Volume n.º 8 do processo RESERVADO;

• Oitiva de ADRIANO MACEDO NASCIMENTO FILHO (preso no Acre), em Audiência Pública realizada 09/04/2013 na Superintendência Regional da Polícia Federal em Brasília/DF.

Muito embora algumas notícias de fontes abertas indiquem a prática de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual, indicando que supostamente mulheres seriam levadas da Bolívia para o Acre para aquela finalidade, não há, nos documentos autuados pela CPI, qualquer indício da prática da conduta tipificada no artigo 231 do Código Penal; tanto é que, se fosse o caso, a denúncia teria sido oferecida ao Juízo Federal de Rio Branco/AC.

Assim sendo, sugere-se o arquivamento do caso no âmbito da CPI, por ausência de correspondência entre os fatos investigados na operação Delivery e o objeto desta Comissão.

13.27. CASO CHARLOTTE MERRYL, NO ESTADO DE SÃO PAULO

Breve histórico do caso

Trata-se do caso da Srta. Charlotte Merryl Victória Cohen Tonoud Ji, que, tardiamente, descobriu-se na França, adotada ilegalmente quando criança.

Charlotte tinha 14 anos quando descobriu que fora adotada ilegalmente. Desde então vem tentando descobrir os reais fatos e personagens que compõe sua história de vida.

Inicialmente, descobriu que a pessoa que constava em seus documentos como sua mãe biológica e que a levara para a França não era a sua mãe biológica de fato. Além disso, descobriu que fora retirada do orfanato Lar das Crianças Menino Jesus, então presidido pela Sra. Guiomar Morselli.

Segundo consta, a Sra. Guiomar Morselli, que ainda hoje trabalha no orfanato, intermediou um falso processo de adoção e foi paga para isso.

Sua real data de nascimento é incerta, constando na certidão de nascimento ter nascido em 30/05/1987. Entretanto, exame realizado dá como certo o seu nascimento 15 dias antes, ou seja, 15/05/1987. Consta na folha do exame realizado que o nome da paciente seria Isabella Morselli. Em outro exame consta o nome Charlotte Morcelli. Mas na certidão de Nascimento consta o nome Charlote Pinto da Mota.

Durante sua infância Charlotte foi criada em um bairro nobre de Paris. Os pais eram já idosos, a mãe era agressiva e o pai, alcoólatra. Aos 14 anos Charlotte descobriu que havia sido comprada em um orfanato a partir de documentos que encontrou em sua residência. Com a ajuda de instituições francesas, conseguiu sair do lar desestruturado, fez faculdade, trabalhou e criou condições de realizar o sonho de retornar ao Brasil. Mora hoje, aos 26 anos, no Rio de Janeiro, é cineasta e vai fazer seu primeiro documentário sobre tráfico infantil.

Providências tomadas pela CPI

Segundo Relatório produzido pela Delegada de Polícia Federal Tatiane da Costa Almeida, “este caso tem por objetivo apurar a remessa da então menor CHARLOTE para a França, para ser adotada por um casal de franceses A ida da menor não foi procedida do devido processo de adoção internacional, antes, Guiomar Morseli teria usado de ardil, falsificando uma certidão de nascimento em que fez constar que sua empregada, Maria das Dores Pinto da Mora, era a mãe de Charlote, a fim de possibilitar a saída do Brasil.”

O Relatório da análise do caso indica questões relevantes: “incumbindo a esta Delegada a análise dos fatos penalmente relevantes, cabe, inicialmente explicar que os procedimentos produzidos em sede de Comissões Parlamentares de Inquéritos não segue o formalismo dos inquéritos policiais e processos judiciais, de forma que não estão disponíveis para análise todos documentos necessários para examinar com profundidade os fatos em toda sua extensão. Assim, a análise que ora se passa a fazer se fundamenta nos elementos apresentado pela Comissão, os quais consistem basicamente nas oitivas realizadas pela CPI, excertos de processos dos inquéritos sobre o caso.

Guiomar Morseli ao que consta era responsável pelo Lar da Criança Menino Jesus, o qual funcionava desde 1985, na Av. Bras Leme, Barirro de Santana, São Paulo/SP.

Dos indícios apurados no bojo do Inquérito Policial 1-0001/92 ela teria pelo menos uma vez aliciado uma mulher, MARIA JOSÉ PEDROSO, para registrar falsamente, em seu nome, menor de idade, que fora levado para a França a fim de ser adotado por casais franceses. Segundo esclareceu MARIA JOSÉ em depoimento prestado no bojo daquela investigação, GUIOMAR teria se oferecido para pagar as despesas do seu parto e uma laqueadura, a fim de mandar seu filho JULIAN para ser adotado na França. Ele lhe mandou também registrar outro garoto, CHARLES, como irmã gêmeo de Julian, alegando que deveria levar os dois, porém o pai de CHARLES não poderia ir.

A própria Charlotte relatou que soube pela francesa Christiane, que seu filho adotivo Raphael também teria sido registrado como seu irmão gêmeo, aparentemente seguindo o mesmo modus operandi que no caso de JULIAN e CHARLES.

Naquela investigação não foi possível o prosseguimento da ação penal, haja vista que tendo os fatos ocorridos anteriormente a 1990, não havia ainda tipificação para adoção internacional ilegal, artigo 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente, razão pela qual as condutas se enquadram no Art. 245 – do Código Penal (“Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo: Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (...) § 2º - Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro), e já estava o crime há muito tempo prescrito.

Esta CPI ouviu o depoimento da Sra. Charlotte Meryl e realizou acareação, conforme notas taquigráficas disponibilizadas na Secretaria da Comissão e no site da CPI.

DEPOIMENTO DA SRA. CHARLOTTE MERRYL VICTÓRIA COHEN TENOUD JI – Vítima do tráfico internacional de crianças

Passamos a transcrever alguns trechos importantes dos esclarecimentos aqui prestados pela depoente:

“Então, basicamente, eu fui traficada bebê, quando tinha uns 2 meses de vida, por uma senhora de São Paulo, que se chama Guiomar Morselli. Eu descobri também que essa D. Guiomar já foi investigada por tráfico de criança, de 92 até 99, na Polícia Federal em São Paulo. Mas nada foi feito... Ela não foi processada. E essa senhora, como que ela... Uma das coisas que ela fazia: ela usava uma falsa mãe para registrar os bebês e poder viajar junto a ela, pros países desses estrangeiros, e aí entregar as crianças no aeroporto, o que aconteceu no meu caso.(...)

O que eu sei é que eu tenho um comprovante que eu cheguei na França dia 20 de julho, 87. Dia 27 de julho, 87, essa Sra. Guiomar, que me traficou, abriu uma conta bancária num banco de gestão de patrimônio lá em Paris. Tenho o comprovante de abertura dessa conta. Aí eu não tenho acesso a quantos depósitos foram feitos. Eu acho que isso a Polícia Federal podia rastrear facilmente com aqueles dados daquela conta.

Eu tenho uma carta que é de 90, 3 anos depois da minha chegada, quando eu tinha já 3 anos — porque eu fui adotada, na verdade, aos 5 anos. Eu fiquei 5 anos na casa dos meus pais adotivos em situação irregular, e finalmente eles conseguiram me adotar na França, em 92. Em 90, a Sra. Guiomar voltou para Paris para ajudar mais uma vez a falsificar meus documentos, e ela recebeu o valor de 60... Hoje em dia eu acho que seria mais ou menos uns 15 mil euros. Foram 69 mil francos, na época. Mas todos os depósitos que foram feitos desde aquela abertura daquela conta, eu não tenho acesso a isso.(...)

Essa Sra. Guiomar, ela tinha um orfanato que se chamava Lar da Criança Menino Jesus, que ficava no Bairro de Santana. Mas eu não sei realmente se eu fiquei nesse orfanato, porque não tem nenhum registro de mim nesse orfanato, porque eu sei que essa D. Guiomar, ela me tinha na casa dela; ela não me tinha no Lar, ela me tinha na casa dela — que eu até tenho fotos de eu bebê com uma empregada dela, na casa dela, e outro bebê. Então, não sei se fui deixada no Lar. Onde me pegou eu não sei. Ela, ela se recusa a falar comigo, ela se recusa a falar onde que ela me achou, tudo.(...)

Sim, porque o que os meus pais adotivos me falaram, quando eu perguntava, às vezes, “Então, o que aconteceu no Brasil? Cadê minha mãe biológica?”, eles me falaram que eles tinham me achado no lixo e, porque eles tinham me achado no lixo, não tinha documento, porque é uma criança do lixo, então não tem pai, mãe, não tem documento. Aí, quando eu descobri os documentos, fui falar com a minha mãe adotiva. Eu falei: “Então, aquela senhora que aparece na minha certidão de nascimento brasileira, ela é minha mãe”. “Não.” Ela me falou: “Não é sua mãe. A D. Guiomar, essa senhora era empregada doméstica da D. Guiomar, e a D. Guiomar que pediu pra ela registrar você e outro bebê como filhos dela, para poder viajar junto a D. Guiomar, para poder entregar vocês aqui na França”.(...)

E depois eu descobri que, além disso — não era só que foi irregular —, que, além disso, os documentos eram falsificados, porque até minha mãe me falou que essa data de nascimento que eles colocaram, 30 de maio, não era a minha data de nascimento. AD. Guiomar tinha falado que eu tinha nascimento dia 30 de abril.(...)

A D. Guiomar foi testemunha daquela certidão, e a D. Marisa foi testemunha também. Tinham duas testemunhas.(...) E tinha escrito que eu teria nascido na casa da D. Marisa, que era uma amiga da Guiomar. Só que eu já falei com essa D. Marisa, ela falou que eu nunca nasci na casa dela, que ela não sabe onde eu nasci, ela não sabe onde a Guiomar me pegou. Eu descobri agora, que eu falei daquele processo que teve já contra essas pessoas, de 92 e 99, que elas foram investigadas, porque teve duas crianças que viajaram pra

França do mesmo jeito do que eu, em 87, que foram registradas do mesmo jeito que eu e o outro menino, como gêmeos, nascidos de outra mãe falsa. Guiomar Morselli de novo como testemunha, como Marisa de novo como testemunha. E nascidos também na casa daquela Sra. Marisa.(...)

Então, segundo a documentação falsa, eu saí em julho, eu teria nascido em 30 de maio, eu tinha uns 2 meses...(...) Ou seja, era recém-nascida, ainda não me lembro de nada. Mas eu não sei se cheguei a ficar nesse lar, porque as únicas coisas que eu ouvi era eu ficava na casa da D. Guiomar. E no lar não tem nenhum registro meu que eu teria sido... Não tem um registro, por exemplo, da Vara da Infância, que alguém teria me colocado naquele lar; não tem um registro no lar que a minha mãe me deixou lá; não tem nada. Então, na verdade nem eu sei se realmente eu fiquei nesse orfanato. Este é o grande mistério: eu não sei onde a D. Guiomar me achou.(...)

O que eu acho muito estranho é como que uma senhora consegue sair do Brasil com duas crianças, mãe de duas crianças, e volta duas semanas depois sem criança? Não tem algum tipo de registro na Polícia Federal?(...)

Ela tinha uma amiga que tinha adotado duas crianças brasileiras, adotado (ininteligível). Ela falou: “Como que você conseguiu aqueles bebês brasileiros tão lindos?”. Aí ela falou: “Você fala com a D. Guiomar lá em São Paulo, e ela arruma.

Você liga para ela, você fala que quer menino, menina. Aí, quando o bebê nascer, você vai para o Brasil”. Essa Christiane, ela viajou para o Brasil, quando o Raphael tinha nascido, que era junho de 87. Ela me falou. Ela viajou e foi recebida — porque eu falei com essa Christiane —, ela foi recebida na casa de D. Guiomar. E, lá na casa da D. Guiomar, tinha um quartinho onde tinha uns recém-nascidos. A D. Guiomar falou para ela: “Olha, tem essa menina”, que era eu — eu tinha uma foto dessa cena, que era eu. A D. Guiomar falou: “Olha, eu não sei o que fazer com essa menina, com esse bebê. Você não quer?”. Aí a Christiane falou: “Não, porque eu só queria um menino, não quero menina”. “Então, você não conhece alguém que quer?”. Ela falou: “Não sei, vou pensar”. Aí ela lembrou que a minha mãe adotiva já tinha tentado adotar, mas, porque eles tinham muito problemas psicológicos, meu pai era alcoólatra, usava drogas, ou seja, não podiam conseguir de jeito legal. Aí ela ligou para ela. Ela falou: “Jacqueline” — que é a minha mãe adotiva — “você teria interesse nesse bebê?”. Ela falou: “Eu não sei, porque uma criança do Brasil...” — que também minha mãe adotiva era racista, ela não queria uma criança negra. Ela pediu: “Como é que é a criança?”. Ela falou: “Não, é uma criança muita bonita, que o pai biológico é de origem italiana”. Então ela falou: “Me dá uns dias para eu pensar”.

Elas ligaram de novo para a minha mãe adotiva, e aí ela falou: “Se você não quer essa menina, eu vou levar os dois” — a D. Christiane falou isso. Aí a minha mãe adotiva falou: “E eu fico sem nada, não (ininteligível), mas eu não vou viajar pro Brasil, alguém tem me entregar”. Foi aí que a Guiomar arrumou esse esquema de pedir pra empregada registrar como bebê, os bebês, aí ela podia viajar junto com a patroa e entregar. Aí os pais adotivos não tinham mais que vir aqui ao Brasil. E foi mais ou menos isso.(...)

Porque a mãe do Raphael, na verdade, a mãe adotiva, ela tinha combinado com a D. Guiomar de sair do Brasil com os bebês, porque a D. Guiomar tinha a ajuda de um juiz, que até saiu na matéria, que o marido dela falou, que era o juiz Antônio, que ajudava, que providenciava no Brasil algumas adoções falsas.

Então, esse era o esquema. Mas porque teve depois essa história de me mandar, que a minha mãe adotiva não podia viajar, elas arrumaram esse esquema de viajar com os bebês, que a mãe era a empregada, tudo isso. Eu descobri agora, quando eu desarquivei aquele inquérito de 92, que eles faziam exatamente a mesma coisa com dois outros bebês, o Charles e o Julian. Eu descobri também que aquele Julian foi adotado por um primo de meu pai adotivo, que eu nunca conheci, porque eu não tinha muito conhecimento da família adotiva do meu pai. Mas, ou seja, eles fizeram exatamente o mesmo esquema. Então, eu penso que talvez, quando eu cheguei lá, alguém da família do meu pai adotivo deve ter falado: “Nossa, que bebê bonito!

Então vamos fazer. Como que vocês conseguiram?”. E ligaram de novo para a D. Guiomar. Aí me acharam bebê, e aí de novo o mesmo esquema: os dois bebês registrados no mesmo cartório, em Tucuruvi, com as mesmas testemunhas, Guiomar e Marisa, nascidos na mesma casa da D. Marisa. E a mesma coisa: viajaram com uma mãe falsa, Marisa Pedroso, e entregaram lá na França. Exatamente a mesma coisa. Mas, dessa vez, foi denunciado pelo Consulado brasileiro, no Consulado brasileiro lá na França, porque eu acho que eles devem ter visto que essa senhora viajou com dois bebês para Paris e nunca voltou com os bebês. Então, é isso.(...)

Na matéria da Record, o Sr. Franco Morselli, marido da Guiomar, falou de um tal juiz Antônio que trabalhava na Vara Tutelar lá em Santana. (...) Mas o

que eu não entendo é que, por exemplo, quando eles fizeram a minha certidão de nascimento falsa, eles fizeram dia 4 de julho, no Cartório de Tucuruvi; dia 10 de julho eu já tinha passaporte. É muito rápido esse prazo. Eu acho muito estranho. E também eu vi que no inquérito de 92 a Polícia Federal mandou rastrear os passaportes. Eles conseguiram rastrear o passaporte da falsa mãe, mas não acharam nenhum registro dos passaportes das crianças. Então, eu acho que... Com certeza, devia também ter algum tipo de ajuda na Polícia Federal, porque eu acho muito estranho.(...)

Então, um dos comprovantes que eu tenho é aquele comprovante de 90. Em 90, a D. Guiomar viajou de novo pra França, porque ela teve que voltar ao cartório para assinar alguma coisa sobre a minha adoção, porque eu acho que ela assinava as coisas no lugar da D... Porque minha biológica falsa é que teve que dar consentimento para a minha adoção, na França — que era a empregada dela, a D. Maria das Dores.(...)

A D. Guiomar não aceita falar comigo, não aceita me dar nenhum tipo de explicação, não aceita me receber, nada. O que a D. Guiomar tinha falado para a minha mãe adotiva, na época da adoção, na época em que eles me levaram, é que minha mãe tinha 19 anos, que era uma moça muito bonita, elegante e muito alta. A única coisa que ela falou. E que meu pai era de descendência italiana. Então, se ela conseguiu falar tudo isso, é que a D. Guiomar com certeza sabe quem é minha mãe e quem émeu pai, porque ela deu uma descrição deles. Ela sabe em qual dia eu nasci, 30 de abril, ela sabe a data verdadeira de nascimento.(...)

Eu me formei, eu me formei na França, mas eu trabalhei sempre, porque, quando eu saí de casa aos 16, fui morar num abrigo, então eles não me sustentavam mais. Aí, até aos 18, eu ficava num lugar do governo, depois, ganhei uma bolsa da universidade para me formar, mas não era suficiente para eu poder me sustentar.(...)

Eu vim morar porque eu sempre quis morar no Brasil, na verdade, porque eu não me integrei bem na França, porque lá eu sofri muito racismo. As pessoas me falavam na escola: “Você tem que voltar para o seu país. Por que você é assim? Por que sua pele é assim?” A França é um país diferente do Brasil, não tem a mesma misturadas pessoas. Então, é isto, sempre sofri muitos preconceitos. E então eu não queria ficar lá. Eu não queria ficar lá e também não tive uma boa experiência com os meus pais adotivos. Realmente, eu não sei como explicar, mas eu me sentia como sequestrada. Não sei como explicar. Eu sentia que estava nesse país, nesse lugar, mas que não era o lugar para eu estar. Não sei como explicar. E, quando eu voltei para o Brasil, mesmo que eu não tivesse ainda achado os meus pais, os meus pais biológicos, pelo menos eu me sentia em paz, porque eu sinto pelo menos agora...

Eu não sou mais sequestrada, eu voltei ao lugar a que eu pertencia. O que aconteceu comigo? Teve uma pessoa que me tirou da minha família, da minha cidade e me entregou lá para essas pessoas. Então, é isso, eu queria voltar e também, claro, queria falar com essa D. Guiomar, para que ela me explicasse o que aconteceu, quem é minha mãe, onde me achou, isso.(...) Nessas coisas tem dois lados: de um lado têm as pessoas que traficam no Brasil, mas têm as pessoas que compram. Olha, se uma criança chega à minha casa e eu sei que todos os documentos são falsificados, eu já penso que tem algum tipo de problema. Não é assim que se consegue uma criança! Então, acho que são os dois lados. Não é só do lado do Brasil, são os dois lados. E também como é que a França aceitou legalizar essa adoção, quando ela viu que era tudo completamente irregular? Até nesse caso dos meninos de 92, os dois meninos que foram traficados também pela Guiomar, a Polícia Federal pediu à INTERPOL para localizar os meninos, pediu à INTERPOL para localizar a família adotiva, mas a INTERPOL nunca respondeu, o Consulado francês nunca respondeu. Então, acho que são os dois lados realmente, é uma coisa bilateral.(...)

O problema é que, para quem não teria adoção no Brasil, estar aqui no Brasil até hoje... Eu sou Charlote Pinto da Mota, filha de Maria das Dores Pinto da Mota. E se meu RG... Só que eu não quero fazer RG com isso, porque essa senhora não é minha mãe. Agora, eu estou na Defensoria Estadual de São Paulo. Eu pedi um DNA com a Dona Maria das Dores, para poder provar que ela não é minha mãe biológica, para poder tentar tirar ela do meu registro civil.”

Conclusão do caso

Em relação à CHARLOTTE, a toda evidência pode se verificar que existem provas de que fora enviada ao exterior sem a realização do devido processo de adoção e que seu assento de nascimento lavrado em nome de MARIA DAS DORES PINTO é muito provavelmente falsa. Ademais, ela possui comprovantes de que seus pais adotivos realizaram um depósito em favor de GUIOMAR, em valores atuais de aproximadamente 15.000 euros. Porém, os fatos ocorreram em 1987, razão pela qual, tanto as penas do artigo 245 do Código Penal, quanto do artigo 299 (Falsidade ideológica - Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular), estão prescritas.

Entretanto, a Polícia Federal instaurou IPL para investigar os fatos, sendo que podem ser encontrados fatos mais recentes cometidos por GUIOMAR, que ainda possam sofrer a persecução penal do Estado.

Sugere-se que os fatos sejam oficialmente comunicados à Coordenação-Geral de Polícia Internacional da Polícia Federal, a fim de que se verifique se há na França investigações sobre adoções de brasileiros irregulares que possam ter ocorrido com o auxílio de GUIOMAR.

Finalmente, cabe referir a dificuldade de efetuar persecuções penais em relação a vítimas menores de idade traficadas para o exterior. Desta forma é necessário uma maior reflexão sobre o problema, cuja solução pode ser a mesma dada para os crimes sexuais, pela Lei nº 12651/2012, que modificou o artigo 111 do Código Penal, determinando que a prescrição correrá “nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal”.

Tendo em vista a análise das oitivas realizadas na reunião da CPI ocorrida em São Paulo, na data de 30 de abril de 2014, na sede do Ministério Público do Estado, quando colhidos depoimentos de várias pessoas ligadas ao caso envolvendo o sequestro de Charlotte, tendo exsurgido relevantes questões para a sua apuração, entende-se possível ainda a persecução criminal em razão da possibilidade de ocorrência de crime de sequestro, cuja permanência e indiscutível, tal qual a quadrilha formada pelos seus autores. Reputam-se gravíssimos os fatos, estando a merecer correspondente apuração.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, por intermédio da Promotora Eliana Vendramini, aponta conclusões importantes, das quais se extraem os seguintes excertos:

: “Em função da recente reunião dessa Comissão Parlamentar, ocorrida em São Paulo, na data de 30 de abril de 2014, na sede do Ministério Público do Estado de São Paulo, quando oitivada a Sra. GUIOMAR MORSELLI e o Sr. FRANCO MORSELLI, entre outros, esta convidada pede vênia para propor à Relatoria que envie proposta à d. Autoridade Policial, Dr. Luiz Tempestini, no sentido de que:

1.Indicie o Sr. Franco Morselli, dada a aberta confissão perante à Comissão no sentido de que atuou junto à esposa Guiomar Morselli no tráfico da vítima Charlottte, pedindo cópia da transcrição da oitiva à CPI;

Cabe lembrar que foi dito perante à CPI:

- Que foi ele quem levou Charlotte (Isabella Morselli, na época) para o Fleury para fazer exames.

- Foi ele quem deu o nome de ISABELLA MORSELLI (ambos nomes Italianos)

- Foi ele quem foi no Consulado Francês pedir orientações como proceder no caso da Charlotte

- Foi ele quem pagou as passagens para Guiomar e Maria das Dores irem para França, e que estas despesas foram reembolsadas pelos pais adotivos.

- Reconhece que foi um erro.

- E disse não se saber quem são os pais de Charlotte.

- Franco foi quem, ademais, telefonou para MARIA DAS DORES, em meio à reportagem da Record, dizendo-lhe que "ficasse quieta e que o Juiz Dr. Antônio ia ajudar" (esse momento saiu na matéria do Jornal da Record!)

2. Oficie à Record requisitando todas as gravações feitas sobre os fatos;

3. Procure identificar e ouvir o Juiz a que se refere o Sr. Franco Morselli, na ligação em que esse exige que Maria das Dores se cale”.

Além dessa manifestação, a Promotora Vendramini sugere a oitiva de testemunhas, localização de pessoas, apresenta quesitação necessária à elucidação dos fatos, enfim, uma nova e ampla investigação sobre o caso, o qual é considerado também pela CPI de fundamental importância.

13.28. O CASO ITAQUAQUECETUBA, NO ESTADO DE SÃO PAULO

Breve histórico do caso:

Conforme informações veiculadas em fontes abertas (imprensa/internet), cerca de 48 famílias reclamam sobre supostas subtrações arbitrárias de crianças de seus lares, tendo algumas sido adotadas, outras retornado aos lares biológicos e algumas estando em lugar desconhecido pelos familiares.

Segundo reportagem veiculada pelo site UOL Notícias () em 28/10/2008, como na cidade não havia abrigo municipal, as crianças que sofriam maus-tratos, abandono ou viviam em situação de risco eram encaminhadas pelos conselheiros tutelares a famílias que, inicialmente, ficavam com a guarda provisória e, meses depois, entravam com pedido de adoção na Justiça. Dessa forma, não teriam entrado na fila de espera do cadastro oficial da cidade, no qual nem estavam inscritas.

Um grupo de Conselheiros Tutelares que informa ter assumido a gestão do Conselho a partir do ano de 2007 apresentou documentação à Deputada Flavia Morais afirmando ter sofrido processo de represália em razão das descobertas que fizeram quando assumiram os encargos das funções. Relataram que cerca de 48 famílias tiveram filhos, a maioria recém-nascidos, retirados de seu poder familiar por ação, que consideram ilegal e injusta, dos antigos representantes do Conselho, dos responsáveis pelo Hospital Maternidade Santa Marcelina e pela Promotora de Justiça do Estado, que atuava nos processos judiciais convalidando os atos irregulares praticados pelos dirigentes do Conselho Tutelar.

A Deputada Federal Janete Rocha Pietá encaminhou material a esta CPI, por intermédio de ofício, no mesmo sentido.

Providências tomadas pela CPI

Foram efetivadas até o momento as seguintes diligências:

• Juntada de informações veiculadas em fontes abertas (imprensa/internet), do já mencionado ofício firmado pela Deputada Federal Janete Rocha Pietá e do expediente da lavra de dois ex – conselheiros tutelares da cidade de Itaquaquecetuba;

• Oitiva de Emanuel Giuseppe Gallo Ingrao (ex–conselheiro tutelar), Paulo Roberto Fadigas César (representante do TJ/SP), Fernando de Oliveira Domingues Ladeira (Juiz da Vara de Infância e Juventude de Itaquaquecetuba a partir de 27/10/2011), Juliana Felicidade Armede (Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo), Cláudia Paixão (ex–conselheira tutelar), Maria Gabriela Ahualli Steinberg (assessora do Procurador-Geral de Justiça/SP), Adão Pereira Barbosa (ex– conselheiro tutelar), Clodoaldo Saguini Junior (Defensor Público de Itaquaquecetuba), Edilene de Souza e Silva (vítima), Cláudio Dervaldo Constantino de Mendonça (vítima), Roberto de Menezes Patrício (vítima), Inês Martins de Melo (vítima);

• Uma das destituições do poder familiar foi decorrência da ação de “perda ou suspensão ou restabelecimento do poder familiar” tombada sob o n.º 0015732-22.2007.8.26.0278, que tramitou perante a 2ª Vara Criminal do Foro de Itaquaquecetuba/SP; não há registros da instauração de procedimentos de investigação para apuração das supostas irregularidades alegadas.

A CPI colheu depoimentos sobre o caso, os quais passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DO SR. CLÁUDIO DERVALDO CONSTANTINO DE MENDONÇA - Depoente.

Fez o seguinte relato: “O que eu queria acrescentar aqui é que hoje, inclusive, vindo para cá, eu cheguei até a passar mal quando a Edilene, minha esposa, mostrou uma foto antiga que ela guardava com ela com muito carinho e cuidado.

Aqui ela sempre foi uma mãe de bons tratos, nunca de maus-tratos, conforme o Conselho, na época, tirou nossas crianças, dizendo que seriam maus-tratos. Eu acredito, dentro do que nós aqui estamos apresentando, que tomassem providências porque dói demais o período em que estão minhas filhas, que são três, a Karen, a Karina, a Bianca, junto com a Edilene, que hoje nós temos um garoto novo, um bebê. Porque muitas coisas aconteceram em que ela ficou perdida, no momento, assinava papéis, papéis. Eu também não sabia nem o que estava assinando, porque eu só queria saber das minhas filhas.

Eu queria minhas filhas, eu queria minhas filhas, onde tiraram (ininteligível). No momento em que tiraram, alegaram para mim que iam levar... Eu sou conhecido na área, sou letrista, tenho um bom conhecimento dentro de Itaquaquecetuba, no momento em que tiraram as minhas crianças, eu só vi ela, a Conselheira. a Nice, maltratar a Edilene com palavras. Ela, como conselheira, não deveria ter falado aquelas palavras para Edilene. Foi onde houve esse desencontro. E ela, que achou que é autoridade maior, como sempre ela está achando, nos trouxe dois carros de polícia.

Nós não conhecemos o que era conselheiro tutelar. E nisso nos perdemos entre papeis que assinamos. Eu só digo uma coisa: eu sei o sofrimento da minha esposa, que aqui há momento falou, dentro desse tempo que nossas crianças estão na mão de quem a gente não sabe onde está. Então, eu acredito que existe lei para isso, existe meio de a gente poder conseguir nossas crianças. É só o que eu quero, porque... Eu agradeço a esse pessoal que aqui está nos ajudando, como antigos conselheiros que estão aqui presentes. Eu acho que... Porque, no momento em que eu vi essa foto eu até passei mal dentro da condução.

Eu não tinha visto essa foto, ela tinha guardado. E não só pelas fotografias. Como eu sei que ela tem um bom trato com as crianças, tendo ela problema ou não, ou seja, foi o que inventaram, né?, que ela é louca ou outros mais são loucos, como estão inventando que nós somos loucos por estarmos atrás daquilo que é nosso. Eu só peço a V.Exa. que nos ajude a tomar as providências necessárias, porque nós precisamos estar com nossos filhos, porque há 6 anos estão lá e nós não vemos há mais de 4 anos. “

DEOIMENTO DO SR. ROBERTO DE MENEZES PATRÍCIO - Depoente — caso Itaquaquecetuba.

Esclareceu o seguinte: “Bom, o nosso caso foi um caso de uma tentativa de adoção que se iniciou em 2006, em “Itaquá”, onde se tentou adotar uma das crianças, eram quatro. E, de 2006 até o ano passado, nós realmente só conseguimos juntar infinitas irregularidades processuais. Inicialmente, por uma suspensão de poder familiar, com base num laudo pago, de uma psicóloga de Arujá, onde na sentença final do ano passado, até proferida pelo juiz que estava presente aqui até poucos instantes, ele estranhou essa suspensão do poder familiar, ele colocou isso na sentença. E o nosso processo tem tantas irregularidades tendenciosas, e foi exatamente naquele período, onde a Dra. Ana Paula e a Dra. Simone estavam à frente da Comarca da Infância e Juventude de “Itaquá”, que nós denunciamos essas irregularidades do processo. Nenhuma das nossas petições foi despachada, nenhuma, tem mais de 15 petições sem despacho.”

DEPOIMENTO DA SRA. INÊS MARTINS DE MELO - Depoente — caso Itaquaquecetuba.

Fez o seguinte relato: “Eu estou aqui representando... representando não, porque o meu irmão está ali. Foi a retirada brusca... Dentro de mim, eu considero um sequestro que sofreu a minha sobrinha. Por motivo nenhum, ela foi arrancada do meio familiar. O que aconteceu? O meu irmão vivia junto com a esposa dele no Marengo. Ela deu à luz a Maria Clara no dia 25 de setembro de 2006.

Em 2006 essa menina nasceu. E eles foram constituir família lá no Marengo, onde eles estavam vivendo. Só que, quando a menina nasceu, eles não a registraram imediatamente, porque estavam escolhendo o nominho para a menina. Estava ali a família toda feliz. Inclusive a avó da menina, da Maria Clara, por parte de mãe, foi visitá-la por três vezes na casa do meu irmão, a neta dela. O que aconteceu? A esposa dele, a Arlete, resolveu de imediato, falou: “Não, a menina já vai fazer 3 meses, eu vou trabalhar para ajudar”. Falou para o meu irmão: “Eu vou trabalhar para ajudá-lo, porque a gente vive de aluguel, e, eu trabalhando, a gente vai ter melhor condição de vida”. E era uma pessoa que, presencialmente, estava lutando por uma vida melhor para ela, e para a filha, e para o meu irmão. Ela, naquele instante, estava se considerando uma mãe de família. O que ela fez? Ela saiu à busca de emprego. E ali pertinho morava... Na mesma rua em que o meu irmão morava, eu morava. É a minha casa ainda lá em “Itaquá”, no Marengo. E a minha irmã, na rua de trás. Então, o apoio, o auxílio da família, a Arlete e o meu irmão tinham. Todo o auxílio que eles precisavam, a gente estava ali presente, ajudando eles, porque eles eram uma família em luta.

Era bebê. Aí, o que aconteceu? Ela saiu para procurar emprego com uma colega. Foram procurar emprego, e a mãe foi acidentada. A bicicleta bateu nela, ela machucou a perna. Em vez de ela comunicar a nós... Mas ela sabia que a menina estava com a gente, porque, quando ela saiu, ela deixou a menina na casa da minha irmã. Meu irmão, que era o pai, trabalhava e vinha à noite para poder olhar a menina. Ela sabia que mais tarde o meu irmão ia chegar e pegar a menina. E eu, que também morava na outra rua, qualquer coisa, auxiliava também. Aí ela não veio à noite. Chegou a noite, e ela não veio. A gente estranhou: “Poxa, a Arlete não chegou?” Aí, no outro dia, ela também não chegou. “Será que ela arrumou algum emprego e ficou trabalhando?” A gente ficou com isso na cabeça. Quando deu o terceiro dia, a gente falou: “Não, é impossível, a gente vai na delegacia falar do sumiço dela, porque a gente está com a filhinha dela”. E outra: é uma vida que desapareceu. A gente foi até a delegacia, e o escrivão de polícia falou para a gente: “Olha, como está com 3 dias do desaparecimento, vocês retornem aqui dentro de 10 dias. Se, dentro de 10 dias, ela não aparecer, aí a gente faz o boletim de ocorrência”.

Dentro desses 10 dias, a gente procurou em necrotério, hospital; em todo lugar ficamos procurando ela. No décimo dia, voltamos à delegacia. Conversamos com o escrivão. E o escrivão: “Então, vamos fazer o BO”. É o boletim de ocorrência. A gente tem o boletim de ocorrência. A gente explicou o caso da menina, que ela estava tomando vacina. Criança pequenininha, você tem que estar levando periodicamente ao médico. E a menina estava sem o registro ainda, porque a mãe levou o DNV na bolsa. Então, por isso, o meu irmão não pôde registrar, porque o DNV estava com a mãe. Aí ele pegou e falou assim para nós... Orientação de uma autoridade da cidade, o senhor escrivão. Consta o nome dele no BO, digitou o BO. Falou para nós: “Vai até o Conselho Tutelar que lá vocês vão receber uma orientação de como vocês fazem para estar cuidando da menina até o aparecimento da mãe”.

Estava lá na delegacia eu, a minha irmã e o meu irmão. O meu irmão foi trabalhar, e a gente foi até o Conselho Tutelar, porque a gente pensou, até então, que Conselho Tutelar era um órgão para nos auxiliar, para nos conduzir em alguma coisa que a gente fosse necessitada em relação à criança, à proteção da criança. E não foi isso o que a gente recebeu. Quando a gente chegou ali, falaram que tinha que falar com a Presidente do Conselho. Já saímos com o nome dela de lá: Márcia. Aí chegamos nela e fomos conversar. Ela falou: “Senta aqui”. Ela falou: “O que vocês vieram fazer?” Nós viemos fazer... Aí ela mandou entrar, a gente sentou... Estou explicando que eu não vou voltar tudo de novo, senão fica muito extenso. Explicamos a mesma situação para a Márcia. Aí ela virou para a gente e falou — estava eu e a minha irmã. Ela falou: “Em casos desse tipo, nós temos que reter a criança”. Isso foi falado para nós. “Nós temos ordem para reter a criança.” Aí falou: “Quanto tempo tem a criança?” “Tem 2 meses.” “Ainda assim mesmo, aí é mais agravante. Assim, nós temos que retirar a criança.” Mas a gente falou: “Por ordem de quem vocês têm que reter a criança?” Ela falou: “É da promotora de justiça”. Aí falamos: “Mas como promotora de justiça? Nós viemos aqui receber uma orientação para poder estar cuidando da criança, e agora a gente vai ter que doar a criança para vocês, dar a criança para vocês? Vocês vão reter a criança? A criança tem pai, tem família, tem mãe, tem avó”. Acho que, se ela está nas mãos das tias, ela está bem guardada.

A gente só queria saber as condições que a gente tinha, como que a gente tinha que conduzir para buscar os nossos direitos e o direito da criança que estava ali sendo julgada. Aí a gente levantou e falou para ela: “Nós vamos lá conversar com essa promotora, porque é impossível isso. Apesar de não ter muito estudo, não ser leiga, não ser uma autoridade, eu sei que é um trâmite ilegal fazer isso”. Aí nós fomos lá conversar com a promotora. Mediante o caso, a promotora falou para a gente: “Olha, vocês vão...” Estava eu e a minha irmã. “Vocês vão. Depois que conseguir o registro da menina, a gente vai e busca a menina de volta. Por enquanto, a gente vai reter a criança, a gente vai buscar a criança.” Que a criança tinha ficado na casa da minha irmã, ao poder da minha neta, enquanto a gente foi na delegacia. Ela estava em casa, no bercinho. Ela tinha quartinho, ela tinha tudo. Ela estava, assim, sendo até muito cuidada, bastante cuidada, “asseiosa”, limpa. Linda, a menina. Aí, quando...

Então, já estou terminando. É a fase principal. Aí, quando a gente saiu de lá, a promotora falou: “Mediante vocês devolvem a criança”. Aí a gente foi para casa. Ali, no Conselho Tutelar, pediram documento meu e de minha irmã. A gente deu xerox. A gente é idônea, a gente não tem medo de nada. Eu estou batendo de frente. Eu estou com a Justiça, porque eu sou justa, eu sou de família. Então, a gente é família. Então, hoje aqui eu tenho o que falar.

O que eu não pude falar até hoje eu falo aqui, falo onde eu tiver a oportunidade de falar, eu falo. Aí pegou a minha irmã, nós fomos embora para casa. Quando chegamos lá, o carro do Conselho Tutelar estava lá. Aí o Lídio desceu e falou: “Cadê a criança? Cadê a criança?” A minha irmã foi e falou: “Tá aqui dentro. A criança está aqui dentro”. Como se a gente era um grande bandido, sendo bandido eles, entendeu? Aí chegou, foi empurrando o portão como se fosse dono de casa. Entrou para dentro... Eu não acho que é um sequestro. Dentro de mim, é um sequestro. Entrou dentro de casa, tirou a criança, pediu a mamadeira, pediu a roupa, pediu a chupeta da menina e falou que ia ficar ali no Marengo. A promotora falou que a menina ia ficar no abrigo do Marengo. Que não era abrigo nenhum, era um esconderijo. A igreja não tem nada a ver, que a Pastoral da Criança dava para aquele povo cuidar das crianças da vila lá, do bairro, para pegar leite, para vacina, essas coisas, conduzir mãe.

Então, eles pegavam as crianças... A Maria Clara falou que ia ficar ali. Falou: “Você vai visitar de terça e de sexta”. Terça-feira nós fomos visitar ela. Trouxeram a menina de outro lugar. Falei: “Mas a menina não ia ficar aqui?” Não, trouxeram a menina. Aí a gente viu na terça. Quando eu voltei na sexta, já não tinha mais. Aí a Lourdes, que era diretora dali, falou assim: “As crianças ficam durante a noite com a família hospedeira, e de dia ela fica aqui”. Mas não ficava, porque a gente ficou o dia inteiro, sexta-feira, e a menina não apareceu mais. Fomos ver a menina depois de 1 ano, depois de 1 ano de busca nossa, da família, e a ajuda de uma assistente social do Fórum, que descobriu onde ela estava. Ela estava em Mogi. Quando apresentou a menina, a menina parecia um bicho. Isso está delatado no documento, em documento, está no processo. A menina comia com a boca, a menina não ia com a mãe e com o pai que falavam que estavam cuidando da menina. Eu quero saber o que se passou com essa menina durante 1 ano, o que fizeram com essa menina durante 1 ano. Ela é uma vida, ela é gente em formação. Então, tem que saber a utilidade dela. Eu não estou falando de boca, isso está em documento. É só levantar o processo e ver.”

Conclusão do caso

Tendo em vista as decisões do Poder Judiciário no sentido da perda do poder familiar dos pais biológicos, que se insurgiram contra tal situação, sugere-se o encaminhamento do caso ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ para que este órgão verifique a conveniência e oportunidade de instaurar providencias apuratórias sob sua competência.

13.29. OUTRAS AUDIÊNCIAS REALIZADAS PELA COMISSÃO.

Conforme consta das notas taquigráficas disponíveis na Secretaria da Comissão, foram ainda realizados os seguintes eventos:

- REUNIÃO DE MEMBROS DA CPI COM O PRESIDENTE DA CNBB, DOM RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS, E COM O SECRETÁRIO-GERAL, DOM FREI LEOONARDO ULRICH STEINER, REALIZADA NO DIA 12/03/2014, NA SEDE DA CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB.

AUDIÊNCIA REALIZADA NO DIA 09/04/2013

Audiência realizada na Superintendência Regional da Polícia Federal em Brasília/DF para oitiva do Senhor ADRIANO MACEDO NASCIMENTO FILHO, preso no Acre, em caráter reservado.

DILIGÊNCIA REALIZADA EM 25/02/2013

Visita ao canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

14. AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA EM 13/08/2013, para debater a regulamentação das atividades dos profissionais do sexo.

Durante a realização dos trabalhos desta Comissão, constatou-se a tramitação de projeto de lei objetivando a regulamentação da atividade dos profissionais do sexo. A CPI considerou oportuna o debate sobre essa questão, a fim de ouvir as diferentes opiniões, até mesmo para subsidiar a discussão da matéria nesta Casa Legislativa. Por essa razão, foi realizada esta audiência pública, cujos pronunciamentos passamos a transcrever.

EXPOSIÇÃO DO Sr. THADDEUS GREGORY BLANCHETTE - Pesquisador associado da ONG Davida.

O declarante destacou que é antropólogo e que tem investigado a questão desde 2004. Ressaltou que já entrevistou cerca de 2 mil prostitutas no Rio de Janeiro, das quais quase a metade já viajou para trabalhar no exterior ou está almejando ir para fora do país trabalhar.

Disse que “as leis brasileiras sobre prostituição e sobre tráfico de pessoas são abolicionistas no seu intuito. Elas não miram na salvação, no resgate ou na ajuda às vítimas de trabalhos forçados, aos escravos etc. e tal, miram na eliminação da prostituição”

Elogiou os avanços alcançados com o protocolo de Palermo que, ao retirar do conceito de tráfico de pessoas a prostituição voluntária e consensual, inaugurou um novo entendimento do tema.

Afirmou que a atual lei brasileira trata erroneamente como sendo sinônimos três conceitos distintos, quais sejam: prostituição, trabalho sexual e exploração sexual.

Conceituou a exploração sexual como sendo a conduta de forçar alguém a trabalhar como prostituta ou impedir a saída de alguém da prostituição.

Criticou a lei brasileira por não tipificar vários tipos de tráfico de pessoas, que são mais importantes e mais impactantes do que o tráfico para fins de exploração sexual, tais como, trabalho escravo na área da agricultura, construção civil e serviços.

Salientou que “em vez de lutarmos contra o tráfico, como ele está definido pelo Protocolo de Palermo, nós estamos lutando contra a migração das prostitutas.”

Reclamou da atuação da Policial Federal que, em um caso específico, impediu que algumas prostitutas emigrassem voluntariamente para Angola.

Afirmou que o Movimento das Prostitutas apoia totalmente esse projeto de lei do Deputado Jean Wyllys, que regulamenta a profissão da prostituição.

EXPOSIÇÃO DA SRA. MARIA DE LOURDES ARAÚJO BARRETO - Presidente do Grupo de Mulheres Prostitutas do Pará – GEMPAC.

A declarante se apresentou como prostituta e reclama do estigma social que a categoria tem.

Disse que “uma sociedade que não sabe definir o que é prostituição, migração, exploração sexual e tráfico de seres humanos, que pensa em fazer um projeto para curar gay, está perdida.”

Elogiou o projeto de lei do Deputado Jean Wyllys, porquanto, se aprovado terá o condão de gerar uma revolução moral na sociedade brasileira.

Disse que o projeto é justo e se coaduna com a realidade. Afirma ainda que “com esse projeto, você vai ter como combater a exploração sexual de crianças e adolescentes. Você não vai poder ter uma criança em situação de exploração, porque criança não é prostituta, está numa situação de exploração. Você vai poder saber que a mulher... dizer para a mulher que ela tem o direito de migrar, de ir para outro país, como qualquer cidadão pode ir para qualquer país do mundo, desde que vá com condições, com informação, falando o idioma, entendendo. Qualquer ser humano que chegar a qualquer lugar do mundo sem saber falar o idioma vai ficar numa situação difícil, qualquer ser humano que vai sair do seu país sem conhecer... “

Destacou que a categoria das prostitutas e o movimento homossexual foram os primeiros segmentos da sociedade a lutar contra a AIDS no Brasil que hoje é referência no combate à essa moléstia.

Defendeu o movimento das prostitutas : “a nossa carta de princípios deixa bem claro para a sociedade brasileira o que nós queremos. Nós somos mulheres heroínas, que cresceram na prostituição. Lutamos contra a exploração sexual de crianças e adolescentes. Nós queremos adolescentes na escola, tendo cultura, lazer e vivendo bem na sociedade. É isso que nós queremos.”

EXPOSIÇÃO DA SRA. MARIA APARECIDA MENEZES VIEIRA - Presidente da Associação das Prostitutas de Minas Gerais – ASPROMIG.

Ressaltou a necessidade de se definir o que é tráfico de pessoas. Disse que as prostitutas, assim como qualquer cidadão, tem o direito de ir e vir. Afirmou que a Classificação Brasileira de Ocupações reconhece a prostituição como ocupação, todavia a atividade não está regulamentada como profissão. Reclamou do desejo da sociedade em criminalizar a prostituição. EXPOSIÇÃO DO SR. FRANCISCO GOMES DOS SANTOS - Coordenador de Identificação e Registro Profissional do Ministério do Trabalho.

Destacou que o Ministério iniciou um trabalho, em parceira com as profissionais do sexo, em 2000, que culminou com a inserção da codificação, da nomenclatura com a titulação e a descrição sobre o que fazem os profissionais do sexo na Classificação Brasileira de Ocupações. Afirmou ainda que essa classificação facilitou as pesquisas em relação às Doenças Sexualmente Transmissíveis, os estudos promovidos pela Previdência Social em relação a direitos previdenciários daquelas que recolhiam e recolhem como autônomas no exercício da profissão.

Salientou que o PL do Deputado Jean Wyllys está em análise do Ministério do Trabalho, desde novembro de 2012.

Disse que acredita que o Ministério se colocará a favor da proposta de regulamentação da profissão do sexo, pois o PL em destaque se coaduna com o inciso XIII do art. 5º e inciso VIII do art. 170 da Constituição, que faculta a plena liberdade do exercício de profissão para qualquer cidadão.

EXPOSIÇÃO DO SR. RENATO BIGNAMI - Auditor Fiscal do Trabalho

Disse que não há norma, no Brasil, que que realize concretamente os ditames do Protocolo de Palermo que é um instrumento moderno e abrangente.

Elogiou o projeto do Deputado Jean Wyllys, todavia aponta pequenos problemas com a redação do parágrafo único do artigo 3° que permite o funcionamento de casas de prostituição: “Eu compreendo também a necessidade de uma casa de prostituição, principalmente no sentido de evitar que o profissional ou a profissional do sexo vá para a rua e fique sujeita a intempéries muito piores eventualmente do que se estivesse numa casa de prostituição.

No entanto, me parece que, na prática, dificilmente conseguiríamos ter uma casa de prostituição em que não houvesse subordinação no sentido dos arts. 2º e 3º da CLT, porque aí já me remete a uma relação de emprego. Não necessariamente, mas provavelmente acontecerá isso.”

Sugeriu que o projeto de lei em comento poderia garantir alguns direitos sociais aos trabalhadores do sexo, tais como um ambiente de trabalho digno, seguro e saudável.

EXPOSIÇÃO DO SR. DEPUTADO FEDERAL JEAN WYLLYS

Descreveu a origem do projeto e diz que a ideia chegou ao seu conhecimento por intermédio de Gabriela Leite, reconhecida nacionalmente por ser uma das pioneiras do movimento político organizado das prostitutas no Brasil.

Chamou a atenção para o fato de que “ muitas mulheres se colocam numa posição não só de estigmatizar a prostituta, mas numa posição abolicionista em relação à profissão. Quer dizer, querem abolir a prostituição e não garantir direitos às mulheres prostitutas. Além disso, essa é uma pauta que estigmatiza o Deputado.

Disse que: “o caso das mulheres transgêneros é mais complicado, porque quase todas têm a prostituição como um destino. Elas são expulsas de casa pelos pais, e a única maneira de se colocar, de sobreviver e de se colocar na vida é por meio da prostituição. Então, no caso das mulheres transgêneros, a prostituição é quase um destino. Ao contrário, das mulheres cisgêneros, em que há muito mais a questão da escolha presente.”

Ressaltou que a proposição só contém o que é consenso entre os diferentes grupos que constituem o movimento das prostitutas.

Disse que tem consciência de que o projeto será melhorado à medida que tramitar na Casa. Demonstrou que o projeto distingue de maneira muito clara exploração sexual de prostituição.

Chamou a atenção para o fato de o projeto descriminalizar a conduta de manter casa de prostituição que, por via, indireta criminaliza a prostituição propriamente dita.

Explicou que a legalização de casas de prostituição facilitará o combate da exploração sexual de mulheres e de crianças e adolescentes nesses locais.

Salientou ainda que: “sem descriminalizar a casa de prostituição, as mulheres não podem se cooperativar, elas não podem se organizar em cooperativa e abrir uma casa sem a figura do cafetão — para usar o termo que a gente usa hoje. Elas não podem se organizar cooperativamente porque, se elas criarem uma casa, ainda que cooperativada, será crime, segundo o Código Penal. Portanto, é preciso descriminalizar a casa. O projeto, portanto, faz isso. O projeto garante o direito de cooperativa, como eu falei para vocês. Ao descriminalizar a casa, garante, textualmente, o direito de se cooperativar. Desestigmatiza a figura desse mediador, que hoje nós chamamos de cafetão. É importante lembrar que nem todo mediador dos programas feitos pelas prostitutas é um explorador sexual. É preciso distinguir uma coisa da outra, porque nenhum trabalhador trabalha de maneira absolutamente autônoma. Todo trabalhador trabalha em relação, num ambiente de relações.”

O Deputado defendeu que, em se legalizando a prostituição, a divisão de lucros entre a trabalhadora e o estabelecimento comercial seja feita em partes iguais: “Há casas de prostituição em que as mulheres fazem um acordo de fato de 50%, 50%, porque a grande maioria das mulheres prostitutas no Brasil são mães, têm filhos. E, portanto, elas não querem exercer a atividade na casa dela. Ela precisa de uma casa para exercer. E lá o dono da casa, muitas vezes, arca com a segurança, com a higiene, com a toalha, com uma infraestrutura que ele tem que manter.”

Discorreu sobre as vantagens do projeto: “Bom, ao regulamentar a prostituição e ao descriminalizar a casa de prostituição por meio desse projeto, a gente permite uma fiscalização do Estado sobre as casas. Claro, se a casa sai da clandestinidade, sai da ilegalidade, passa a operar na legalidade, o Estado pode fiscalizar essas casas, não só no sentido de coibir, de combater a exploração sexual de mulheres e de crianças e adolescentes, porque hoje — talvez vocês não saibam — muitas mulheres prostitutas são impedidas de denunciar exploração sexual de crianças nessas casas.

Elas veem crianças, meninas sendo exploradas lá e elas não podem dizer nada. Sabe por quê? Porque a casa opera na ilegalidade, e elas podem ser assassinadas por quadrilhas de exploradores, montadas, ou presas como coadjuvante, como cúmplice, na verdade, da exploração sexual. Então, elas não podem dizer isso.

Nós precisamos, portanto, legalizar não só para permitir que o Estado fiscalize no sentido de coibir a exploração sexual de mulheres e de crianças e adolescentes, mas também no sentido de levar políticas públicas de saúde da mulher e de prevenção às DST/AIDS de maneira clara para essas casas.

Bom, a outra vantagem desse projeto da regulamentação da prostituição é combater a corrupção policial. Por que vocês acham que as casas operam mesmo sendo crime? Por que existem casas de prostituição Brasil afora? Porque é claro que, quando os policiais identificam uma casa de prostituição, para que aquela casa continue funcionando, não seja denunciada e fechada, eles cobram uma propina.

Nós estamos, portanto, ensejando a corrupção policial. E, se esse projeto for aprovado, a gente incide na corrupção policial, a gente combate a corrupção policial.”

Demonstrou ainda que o Projeto defende a liberdade individual, porquanto reconhece, entre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, o direito de ser prostituta.

Disse que o projeto visa, sobretudo, o proletariado da prostituição, na medida em que enfrenta, de maneira clara, honesta, a descriminalização das casas de prostituição.

Refutou o argumento de que a prostituição é um subproduto do capitalismo, vez que a atividade existe antes do referido modelo se constituir como modo de produção.

Diante de todos esses pronunciamentos, a Comissão considera importante que a matéria seja mais debatida neste Parlamento, com a participação dos setores da sociedade civil interessados, a fim de que, a final, se possa deliberar da melhor maneira possível quanto a esse tema.

15. INDICIAMENTOS FEITOS PELA COMISSÃO

De todo o exposto, e com base no que consta de toda a apuração realizada ao longo dos trabalhos da presente Comissão Parlamentar de Inquérito, ficam indiciados:

1. REGINALDO PINHEIRO DOS ANJOS – incurso na pena prevista no art. 215 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pelo crime de violação sexual mediante fraude, consistente em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

A pena para este crime é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Na forma do parágrafo único desse artigo, se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

2. ULISSES GONÇALVES DA COSTA – incurso nas penas previstas nos arts. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, pela prática dos seguintes crimes:

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou adolescente.

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena passa aser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

3. AUDELINO DE SOUZA - incurso nas pena previstas nos arts. 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pela prática dos seguintes crimes:

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena passa aser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou adolescente.

4. TELMA RODRIGUES DO NASCIMENTO – Incursa nas penas previstas nos arts. 229, 231-A, §§1º e 2º, I, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pela prática dos seguintes crimes:

- Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente, cuja pena é de reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

- Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual, cuja pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 

O § 1o  desse artigo prevê que “incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”. 

Já o § 2º , inciso I, dispõe que a pena é aumentada da metade se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.

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16. ENCAMINHAMENTOS FEITOS PELA COMISSÃO

Tendo em vista os fatos apurados nesta Comissão Parlamentar de Inquérito, decide-se pela realização dos seguintes encaminhamentos:

1. À Mesa da Câmara dos Deputados para as providências de sua alçada, incluindo a tramitação do Projeto de Lei oferecido por esta Comissão, visando ao combate e punição do tráfico de pessoas no Brasil.

2. Ao Ministério Público e também às polícias estadual de São Paulo e Federal para indiciamento das pessoas de Guiomar Morselli, Franco Morselli e Maria das Dores Pinto da Mota, como incursos no crime previsto no art. 148 do Código Penal (sequestro e cárcere Privado), apurando-se a possibilidade de haver incursão também no crime previsto no art. 288 do Código Penal (formação de quadrilha), caso se configure a participação de mais pessoas sobre as quais não tenha sido ainda possível a individualização das condutas, no caso envolvendo o sequestro de Charlotte Cohen.

3. Ao Conselho Nacional de Justiça para as devidas providências no que diz respeito à apuração de irregularidades na atuação de magistrados em processos de adoção.

4. Ao Ministério da Justiça para que adote as medidas cabíveis com relação à criação de delegacias especializadas no atendimento a vítimas de tráfico interno e internacional de pessoas, nas modalidades apuradas por esta Comissão.

5. Ao Ministério da Justiça, sugerindo a criação da divisão de combate ao tráfico de pessoas, no ãmbito da Polícia Federal.

6. Requer o envio de indicação ao Poder Executivo, sugerindo medidas para melhorar a coordenação e a eficiência da rede institucional voltada ao enfretamento do tráfico de pessoas.

7. Ao Ministério das Relações Exteriores para as providências cabíveis no âmbito do controle e da fiscalização da entrada e saída de pessoas que possam ser vítimas em potencial de alguma forma de tráfico de pessoas.

8. À Polícia Federal para as devidas providências na apuração e repressão dos crimes de tráfico de pessoas, incluindo as medidas necessárias para melhor aparelhamento do Instituição e aperfeiçoamento no sistema de atendimento às vítimas.

9. À Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para o acompanhamento permanente dos temas ligados ao tráfico de pessoas no Brasil.

10. Indicação ao Ministério da Justiça sugerindo a ampliação do número de acordos operacionais entre a Polícia Federal e as polícias de outros países no sentido de ampliar o combate ao tráfico de pessoas.

17. CONCLUSÃO

A definição do tráfico de pessoas encontra-se explicitada no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, promulgado pelo Decreto nº 5. 017, de 12 de março de 2004, conhecido como Convenção de Palermo.

O artigo 3 do referido Protocolo encontra-se redigido nos seguintes termos:

“A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos no Protocolo.

O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração também são considerados "tráfico de pessoas", independente dos meios utilizados. De acordo com o Protocolo, o termo "criança" refere-se qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.

Assim, o tráfico de pessoas consiste em recrutar, transportar, transferir, abrigar ou receber pessoas, utilizando-se de ameaça ou violência, de coerção, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou situação de vulnerabilidade. Ainda o tráfico pode se manifestar por meio do pagamento ou oferta de benefícios a fim de obter o consentimento de outra pessoa com o fim de exploração.

Nesse sentido, a lei penal ainda é incompleta, o que resulta em punições brandas para esse tipo de crime e além disso, não há um capítulo do Código Penal que cuide de modo concatenado das diversas hipóteses delitivas relacionados ao tráfico de pessoas, tratando do tráfico de pessoas e os aspectos relacionados ao aliciamento, transporte e exploração. A lei brasileira não dá tratamento específico a diversas condutas previstas nos protocolos. Um exemplo dessa "limitação" está no art. 231 do Código Penal, que aborda o tráfico internacional de seres humanos. A lei contempla apenas a hipótese de tráfico de pessoas referente à prostituição. O protocolo adicional, contudo, prevê a criminalização do tráfico voltado a qualquer forma de exploração sexual, além de orientar punições para casos de escravidão e de remoção de órgãos.

Já o protocolo relativo ao combate ao tráfico de migrantes estipula a criminalização dessa modalidade sempre que for verificada a finalidade de obtenção de vantagem financeira ou material. No entanto, o Código Penal somente prevê a caracterização de crime se o recrutamento de trabalhadores for realizado "mediante fraude".

Por outro lado, as formas mais graves de tráfico de pessoas, como os aliciamentos para extração de órgãos, deveriam ser considerados crimes hediondos, permitindo decisões penais mais rigorosas. O tráfico de mulheres para fins de prostituição, por exemplo, ainda está previsto no capítulo dos "crimes contra os costumes" no Código Penal, porém é mais adequado que o bem jurídico atingido por essa conduta é a dignidade da pessoa humana.

Por essa razão, foi apresentado Projeto de Lei desta Comisssão para corrigir essa distorções. Além disso, o Projeto visa ao combate e à punição mais efetivos desss crimes, modificando-se o tratamento legislativo no que tange à adoção, ao transplante de órgãos, à exploração do trabalho assemelhado ao de escravo, à migração, à adoção clandestina, à exploração sexual.

Esse Projeto é a maior contribuição desta CPI para o combate ao tráfico, tendo em vista a adequação da legislação pátria ao Protocolo de Palermo e sua modernização diante das novas técnicas utilizadas pelas redes de tráfico humano.

A Comissão ouviu diversos depoimentos, requisitou documentos, realizou inspeção in loco, procedeu a várias diligências, além dos encaminhamentos a várias autoridades, que, se acatados, certamente contribuirão para o combate ao tráfico internacional e interno de pessoas.

Vários indiciamentos foram efetuados, com o objetivo de investigar e punir pessoas sobre as quais pesam fortes acusações de tráfico de pessoas, tanto para exploração sexual, como para para adoção clandestina, casos estes frequentemente relatados perante a Comissão.

Desse modo, esperamos ter cumprido a contento o nosso mister parlamentar, principalmente nos seus dois pontos mais relevantes, a saber, a prestação de informações à sociedade e a adequação da legislação aos fatos sociais.

Sala da Comissão, em..........de.....................2014

Deputada FLAVIA MORAIS

Relatora

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