EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE …



EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE GASPAR SC

VALDEMIR KOELHER, brasileiro, do comércio, portador da cédula de identidade RG XXXXXXX, residente e domiciliado na Rua Padre Carlos Guesser, nº 166, Ilha Bela, Ilhota SC, através de seu advogado Jatabairu Francisco Nunes e Joaquim Alves de Oliveira, que recebem as intimações de estilo na rua 3.300, nº 462, centro, Balneário Camboriú SC, vem, com o devido respeito e acatamento, dos artigos 6º, V, VI, 51, IV e 51, §1º, I, II e III, do Código de Defesa do Consumidor e demais legislação aplicável, vem à presença de V.Exa. para propor contra BV LEASING, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ 01.149.953/0001-89, com sede na Rua Fúlvio Aducci, nº 586, Estreito, FloAlameda Madeira, XX, XXº andar, XXX/XX a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA E SUA REVISÃO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES, pelos seguintes fatos e fundamentos:

DOS FATOS

A autora, em 13/09/1997, adquiriu da empresa Cantareira Distribuidora de Veículos Ltda, um veículo marca Ford, modelo Ka 1.0, no valor nominal de R$12.000,00, cujo pagamento foi sinal de R$1.320,00 de sinal e a título de adiantamento do valor residual garantido (VRG), mais o saldo de R$10.680,00 a ser dividido em 36 parcelas de US$324,00, tudo em conformidade com as cópias do pedido, nota fiscal e contrato de arrendamento anexos.

Nos termos da cláusula 3ª do referido contrato, o reajuste das parcelas seria feito de acordo com a variação do dólar americano.

Entretanto, como é de conhecimento de todos, a constituir fato notório, com o fim das chamadas bandas cambiais, determinado pelo Governo Federal, o valor do dólar disparou, alcançando patamares estratosféricos.

Esta situação, evidentemente, tornou-se insustentável para a autora que, além de não ter seus rendimentos reajustes compatíveis com o aumento do dólar, e por fatos alheios a sua vontade acabou não conseguindo adimplir integralmente as duas últimas parcelas, apesar de até a presente data já ter pago (mesmo sem correção monetária) mais de R$20.000,00 por um veículo de R$12.000,00.

O indexador inflacionário constante dos contratos, em regra, visam exatamente a restabelecer o poder de compra da moeda. A inflação, conforme reiteradamente decidido pelas Cortes de Justiça do País, jamais haverá de ser considerada um plus.

Diante da notória intransigência da instituição financeira em rever a cláusula de correção, extremamente onerosa para a autora (uma vez que até o momento já desembolsou praticamente o dobro do valor do bem adquirido e continua devedora), não lhe restou senão pleitear a tutela jurisdicional, para o fim de preservar os direitos que o Código de Defesa do Consumidor lhe garante nas relações de consumo.

DO DIREITO

É fato notório e incontroverso que em janeiro de 1999 o dólar experimentou uma expressiva valorização em face da moeda nacional, que passou de R$ 1,20 para R$ 1,70, estando hoje cotado a mais de R$ 2,00. Evidentemente que esse fato implicou em onerosidade excessiva para a autora, que tinha contrato de arrendamento mercantil de veículo com correção das prestações pela variação cambial daquela moeda.

Não se pode desconsiderar que a grande maioria dos arrendatários, em especial os que adquiriram veículos na condição de consumidores finais, são pessoas que vivem do rendimento do trabalho assalariado ou como autônomos. Esses consumidores ficaram em situação extremamente complicada, vez que não tinham como obter aumento em seus rendimentos no mesmo percentual da variação cambial. Não podiam também rescindir os contratos mediante a devolução do bem arrendado, por força de cláusula contratual vedando essa possibilidade, a qual, diga-se de passagem , insere-se no conjunto de disposições contratuais tendentes a mascarar um verdadeiro contrato de compra e venda financiada, com prestações indexadas em moeda estrangeira, o que é vedado pelo citado parágrafo 3º do artigo 53 do CDC, como acima foi comentado.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor diz textualmente:

"Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

......

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas"

O fato superveniente que autoriza a revisão da cláusula está exatamente na alteração abrupta da política cambial do Governo, que culminou na elevação da cotação do dólar americano em mais de 45% em apenas uma semana. Não há como ser suportado pela autora, na qualidade de consumidor, um aumento tão significativo em sua prestação, enquanto a inflação medida pelo INPC ficou em 0,42%.

Uma análise mais acurada do inciso V do artigo 6º do CDC revela que para o reconhecimento do direito do consumidor à revisão do contrato, basta tão somente o surgimento de um fato superveniente que tornem as prestações excessivamente onerosas.

A lei não exige a total imprevisibilidade do fato ao tempo da contratação e nem que o fornecedor tenha experimentado um ganho extra com o fato. Neste ponto o legislador avançou em relação à clássica teoria da imprevisão, aplicável agora apenas nas relações jurídicas que não envolvam os consumidores finais.

Vejamos, com atenção, o texto do inciso V do artigo 6º do CDC, “in verbis”:

Para XXXXXXXXXXXXX, "Apesar das posições contrárias iniciais, e com o apoio da doutrina, as operações bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao novo espírito do CDC de boa-fé obrigatória e equilíbrio contratual. Como mostra da atuação do Judiciário, não se furtando a exercer o controle do conteúdo destes importantes contratos de massa". In "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", 2 ed., pg. 143.

O que se busca no caso em tela é exatamente um equilíbrio financeiro da cláusula contratual, para evitar o enriquecimento da instituição financeira, em detrimento da imposição de um ônus excessivamente gravoso ao consumidor. Até porque o bem móvel foi adquirido no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais) e o valor que seria pago pela autora ao longo do financiamento (36 meses), evidentemente, seria muito maior, como, ainda, será, mesmo sendo reajustado pelo INPC; portanto, o ganho financeiro do Banco-réu não será abalado.

Rogério Ferraz Donnini, em excelente monografia denominada “ A revisão de contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor”, Saraiva, São Paulo – 1999 , analisando precisamente o ponto em questão, afirma: “ A Segunda hipótese que trata o artigo em espécie é a possibilidade de revisão judicial da cláusula de preço, que era eqüitativa por ocasião da celebração do contrato e se tornou excessivamente onerosa para o consumidor.

Ao contrário da clássica teoria da imprevisão aplicada na relação entre particulares, a norma ‘sub stúdio’ não exige que o acontecimento superveniente seja imprevisível e excepcional. Basta, para tanto, que haja a quebra do equilíbrio contratual, a ausência de equivalência nas prestações, gerando, dessa forma, onerosidade excessiva para o consumidor.

Em sendo assim, para que este possa pleitear, em juízo, a revisão da cláusula que provoque esse desequilíbrio do contrato não se faz necessária a comprovação de que o fato seja imprevisível, imprevisto, extraordinário ou mesmo irresistível, mas apenas um acontecimento superveniente, que poderia ter sido previsto e não foi, e que cause onerosidade excessiva para o consumidor”.

No mesmo sentido é o entendimento de Claudia Lima Marques in” Contratos no Código de Defesa do Consumidor – 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, pg. 298/299, mencionando esta eminente jurista, a conclusão n.º 3 do II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor – Contratos no ano 2000 : “ Para fins de aplicação do art. 6º, V, do CDC não são exigíveis os requisitos da imprevisibilidade e excepcionalidade, bastando a mera verificação da onerosidade excessiva”.

Não se nega que o Código de Defesa do Consumidor pode ser perfeitamente aplicável à hipótese vertente, destacando-se os postulados de ordem pública os quais estabelecem balizas inarredáveis para a conduta do fornecedor.

Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados, já pronunciou que o CDC é aplicável às relações de consumo originárias de contrato de leasing, enfatizando a finalidade social daquela legislação.

COMERCIAL E PROCESSUAL - ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING), GARANTIDO POR CAMBIAL - ILIQUIDEZ. "O princípio, assim consubstanciado no verbete 60/STJ e revigorado pelo legislador que, com a vigência do Código do Consumidor, passou a coibir cláusulas, cuja pactuação importe no cerceio da livre manifestação da vontade do consumidor." (REsp. nº XXX/XX, Min. Waldemar Zveiter, Terceira Turma).

Destaca-se que o Diploma Consumerista faz expressa menção à vulnerabilidade jurídica do consumidor, parte mais fraca na relação de consumo, devendo o magistrado viabilizar a preservação dos interesses econômicos deste parceiro contratual, notadamente em face de mudanças bruscas e inesperadas no cenário econômico.

Faz-se referência à decisão emanada do Superior Tribunal de Justiça, acerca do reconhecimento do poder outorgado ao magistrado para a revisão do contrato em função de fato superveniente.

PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESOLUÇÃO. FATOS SUPERVENIENTES. INFLAÇÃO. RESTITUIÇÃO.

"A modificação superveniente da base do negocio, com aplicação de índices diversos para a atualização da renda do devedor e para a elevação do preço contratado, inviabilizando a continuidade do pagamento, pode justificar a revisão ou a resolução judicial do contrato, sem ofensa ao artigo 6. da LICC." (RESP 73370/AM, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR).

E mais:

RESP - COMERCIAL - CONTRATO - A prestação contratual, em havendo expressão econômica, deve mantê-la durante a avença. caso contrario, haverá enriquecimento ilícito para uma das partes. leis subsequentes a avença, visando a conservar o valor, devem ser levadas em consideração. o "pacta sunt servanda" deve ser compatibilizado com a clausula "rebus sic stantibus". (RESP 128307/MG, Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, 23/03/9[pic]

RESP - CIVIL - LOCAÇÃO - REVISIONAL - ACORDO DAS PARTES - "O principio - "pacta sunt servanda" - deve ser interpretado de acordo com a realidade socio-economica. a interpretação literal da lei cede espaço a realização do justo. o magistrado deve ser o critico da lei e do fato social. A clausula "rebus sic stantibus" cumpre ser considerada para o preço não acarretar prejuízo para um dos contratantes. a lei de locação fixou prazo para a revisão do valor do aluguel. Todavia, se o período, mercê da instabilidade econômica, provocar dano a uma das partes, deve ser desconsiderado. No caso dos autos, restara comprovado que o ultimo reajuste do preço ficara bem abaixo do valor real. Cabível, por isso, revisa-lo judicialmente." (RESP 97565/SP, DATA:16/12/1996, Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO).

Frise-se, por último, que admitir a correção dos contratos pelo dólar, com a maxidesvalorização ocorrida no real, proporcionará, sem sombra de dúvida, um enriquecimento exagerado por parte dos fornecedores.

Ademais, o réu não podia ter inserido nesse contrato a cláusula de pagamento antecipado e obrigatório do valor residual, porque com isso alterou-se a natureza jurídica do contrato que passou a ser de compra e venda a prazo, o que, por si só, torna nula a cláusula de correção das prestações pela variação cambial, face à vedação nesse sentido, constante no artigo 53, § 3º do CDC.

Sem prejuízo dessa nulidade contratual, não poderia ainda ignorar os riscos que corriam ao firmar contrato a prazo com consumidor final, o qual, por força das disposições do Código de Defesa do Consumidor, está protegido contra fatos supervenientes que acarretem onerosidade excessiva em suas prestações.

DA DESCARACTERIZAÇÃO DO LEASING

Ademais, convém mencionar que a autora vem pagando antecipadamente o Valor Residual Garantido (VRG), junto com as prestações mensais. Prova disso está nos recibos em anexo (indicados como “PMT” para parcela e “RES” para o VRG), que demonstram que a ré vem pagando o VRG antecipadamente, sendo que a esse título a ré já havia desembolsado R$12.210,01 até 20/12/2000, conforme “Termo de Constituição de Resgate de Valor Residual”, onde estão previstos os valores e forma e datas desses adiantamentos, e na “Planilha”, ambos em anexo, apesar do valor do bem no contrato original e nota fiscal ser inferior, pois é somente de R$11.800,00. Some-se também que a autora já pagou por esse veículo mais de R$20.000,00 e segundo entendimento da ré (pasme-se!) a autora ainda continua devedora. Certamente por essas razões está patente o desequilíbrio contratual e a necessidade de intervenção de V.Exa.

Prova da antecipação do Valor Residual Garantido (VRG) também está nos recibos que a ré ora faz juntada (indicados como “RES”), donde se extrai que desde a primeira parcela a ré já tinha sido compelida a exercer uma opção que, pelo tipo de contrato, só deveria vir no momento do término do contrato.

A autora vinha cumprindo sua obrigação com o pagamento das prestações atreladas à variação do dólar, tendo pago até esta data o equivalente a três vezes o valor financiado inicialmente, situação essa reconhecida por nossos Tribunais como ilegal e abusiva, porquanto vincula cumprimento de obrigação a variação de moeda estrangeira e onera o consumidor injustamente, a ponto de provocar tamanho desequilíbrio contratual, que não encontra proporção entre o valor pago e o bem adquirido pelo consumidor.

O Arrendamento mercantil (leasing), convém salientar, constitui-se num misto de financiamento, locação e venda e tem como principal característica a opção do arrendatário, ao final do contrato, da tríplice opção: adquirir o bem, devolvê-lo ou renovar o contrato, nos precisos termos da lei que rege esse contrato.

Assim, se desatendida essa opção do arrendatário, com o exercício da opção de compra antes do término do contrato, este restará transmudado em operação de compra e venda à prestação, uma vez que está em desacordo com as disposições legais da matéria.

O Valor Residual Garantido, por sua essência, é uma quantia mínima a ser paga pelo arrendatário ao final do contrato, caso este opte pela compra do bem. E pelos documentos acostados, o Valor Residual Garantido foi adiantado pela ré, atingido a cifra de R$12.210,01, conforme planilha anexa ao aditamento de 20 de dezembro de 2000 (em anexo), ou em outras palavras, pagou a título de VRG quantia superior ao próprio valor do contrato original e acima do valor de mercado do bem, o que significa que o contrato, nesse ponto é abusivo e portanto o contrato deve ser revisto, senão causará lesão de difícil reparação à autora.

Destarte, a cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG), na prática, desnatura o instituto do leasing, porque retira a possibilidade de, ao final do contrato, ocorrer a sua renovação ou a devolução do bem, pois o arrendatário já terá pago tudo, inclusive o valor de compra que só deveria pagar ao final do contrato, situação essa que a jurisprudência tem entendido como obstáculo contra a retomada da ação de reintegração de posse, conforme os seguintes julgados:

“A cobrança antecipada do Valor Residual Garantido, obrigação prevista em normas regulamentares, que garante ao arrendador a quantia final de liquidação do negócio, caso o arrendatário opte por não exercer o direito de compra ou prorrogar o contrato, implica na descaracterização do contrato de arrendamento mercantil, vez que tal exigência não deixa ao devedor outra opção senão a aquisição do bem, de forma a tornar inadmissível o pedido de reintegração na posse.” (STJ - Resp nº 255.628-SP, Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 29/6/2000, v.u., no mesmo sentindo: Resp 181.095-RS, 163.845-RS, 213.850-RS, 178.272-RS).

RT 772/321 – Descaracteriza-se o leasing para o contrato de compra e venda quando o pagamento do valor residual diluído nas prestações, não representou quantia mínima estabelecida a título de segurança para o arrendador, afastando, por conseguinte, a reintegração de posse.

RT 785/301 – A antecipação do VRG (valor residual garantido) desnatura o contrato de leasing, inserindo-se nas regras gerais que regem os contratos de compra e venda, tornando-se inadmissível a propositura de ação de reintegração de posse fulcrada em arrendamento mercantil.

DA NULIDADE DA CLÁUSULA DE REAJUSTE CAMBIAL

Na composição da lide, o juiz perpassa etapas lógicas do raciocínio jurídico, de tal forma que, senhor dos fatos que individualizam o conflito existente entre as partes, antes mesmo de qualquer elaboração jurídica, conclui sobre a procedência ou não do pedido através de um juízo ético em que se define o dever-ser.

Assim, diante das questões postas, decide o resultado da demanda num juízo preliminar de eqüidade. Isto é, o juiz julga de acordo com o que parece mais justo e só depois passa ao exame de considerações técnicas aplicáveis à espécie fática dos autos. Trata-se de delicada faina em busca de conteúdo legal, doutrinário e jurisprudencial para fundamentar uma conclusão que, a priori, se chegou em relação à lide, conferindo, pois, suporte jurídico a uma decisão justa.

Neste sentido, impõe-se observar que em linha de princípio são defesas, no Direito Brasileiro, as cláusulas negociais que, em contratos de mútuo, prevejam reajuste das prestações pela variação do câmbio. Aqui e ali, entretanto - adejando nos ventos da chamada globalização - o Governo autorizou a realização de certos contratos de massa com variação cambial das prestações, tal como se tem observado no leasing de veículos automotores.

Entre outros requisitos, condiciona-se a formação de tais contratos à origem dos recursos do financiamento, segundo uma lógica que significa legitimar o reajuste das prestações dos mutuários à variação cambial, para assegurar equilíbrio, relativamente às obrigações do mutuante (uma instituição financeira) para com aqueles dos quais captou a moeda estrangeira; ou seja garantindo paridade entre os reajustes cambiais do empréstimo tomado no exterior com aqueles a que se obrigam os mutuários finais.

Reza o art. 6º da Lei no 8.880/94:

É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior.

À vista de tal disposição, dúvida não pode haver de que os contratos de leasing com reajustes atrelados à variação cambial não logram validez jurídica se os recursos envolvidos no financiamento do arrendamento não forem provenientes de empréstimos captados no exterior através da conhecida Resolução 63.

A arrendante recebe os recursos - em regra com intermediação de Bancos Múltiplos - e os repassa, convertidos, aos consumidores que, naturalmente, se obrigam a pagar as prestações sujeitas à flutuação cambial, tal qual a tomadora do empréstimo deverá honrar. Daí pode-se ser levado a crer que o deferimento do pedido, como requerido, importaria, isto sim, na quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, notadamente quando se sabe que o financiamento com atualização em dólar era uma das alternativas à disposição do lesee que poderia ter optado por outros índices de reajuste, não pós-fixados.

No Brasil e em qualquer outro lugar do mundo capitalista (exceto nas sendas Argentinas, por enquanto) não há câmbio fixo e qualquer pessoa, por menos esclarecida que seja, deveria saber dos riscos que corre assumindo dívidas em moeda estrangeira cuja variação jamais é fixada eternamente pelos Governos, mas, sim, pelo mercado, a mais concreta das entidades abstratas.

Contudo, tais argumentos trazem, em si, o gérmen de sua própria destruição, dês que, tratando-se de operação de alto risco para o consumidor, cabia às instituições financeiras o dever de informação que se lhes impunha expressamente o disposto no caput dos art. 14 e 52 do CDC. Isto porque os consumidores deviam saber dos riscos a que estavam expostos, mas não sabiam, pois criam firmemente que a cotação do dólar norte-americano ficaria estável.

Pois se é a Lei a dispor que no contrato que envolva a outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - Preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional, parece evidente que em hipótese em que se vinha de firmar contrato de massa, com suporte em brutal publicidade na mídia, os consumidores que estavam se endividando em dólar, deviam ser advertidos do enorme risco que corriam.

Dir-se-á que a economia do País era estável e que os próprios empresários não poderiam prever o rompimento do sistema de bandas-cambiais. Falso! O mercado financeiro sabia da iminência do choque cambial, tanto assim que a Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional que foi cogitada para apurar os escabrosos lucros dos Bancos com a alta do dólar em razão de inside informations, nada apurou, porque a sangria foi generalizada.

De qualquer forma, a atividade bancária e financeira tem riscos inerentes ao próprio negócio; riscos que não podem e nem devem ser imputados ao consumidor num caso em que uma abrupta desvalorização da moeda causou enorme desproporcionalidade entre o valor do bem adquirido pelo consumidor e o preço final a ser pago.

O dever de informação clara e precisa em todos os contratos que envolvem relações de consumo, não é uma formalidade criada pela jurisprudência ou por princípios do chamado direito alternativo; é uma imposição da lei. Especialmente nos contratos de crédito a adequada informação assume aspecto de crucial relevância, pela direta repercussão na vontade real do consumidor - pilar básico do princípio da confiança.

Não há um só doutrinador ou uma única manifestação da jurisprudência que desconsidere tal dever das instituições financeiras. Seja como for, era indeclinável o dever de informação, impondo-se afastar, outrossim, qualquer idéia de supremacia do princípio do pacta sunt servanda, há muito relegado a plano secundário pelas novas legislações que, em tema de relações de consumo, privilegiam o dirigismo contratual e a proteção da parte mais frágil, dando especial ênfase à boa-fé.

Em monumental dissertação de doutoramento da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX expõe entendimento pertinente ao caso.

“A conclusão de um contrato na base de falsas indicações, de informação deficiente... independentemente da aplicabilidade do regime próprio dos vícios na formação da vontade, implica o dever de indenizar, por culpa na formação do contrato. Este dever de esclarecimento tem intensidade particular quando um contratante surja, perante outro, como carecido de protecção especial.” (DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, Vol. I, Ed. Almeidina, 1984, p. 549/550)

E nem se alegue que a questão relativa à falta do dever de informação deve ser abordada, necessariamente na petição inicial. Aqui a eiva é absoluta. Sobre a nulidade das cláusulas abusivas, CLÁUDIA LIMA MARQUES adverte:

“O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidade de proteção, do Ministério Público e mesmo, incidentalmente, ex officio. A vontade das partes manifestada livremente no contrato não é mais o fator decisivo para o Direito, pois as normas do Código instituem novos valores superiores como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo.” (CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Editora Rev. Tribunais, 3ª ed., p. 391)

Assim, a fundamentação jurídica a embasar a revisão contratual, nestas hipóteses, menos implica no reconhecimento da sujeição da vontade das partes à cláusula rebus sic stantibus prevista no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que na consideração de que as instituições financeiras devem ser responsabilizadas perante seus próprios clientes sempre que lhes tenham outorgado créditos de altíssimo risco, sem prestar efetivas informações; e, sobretudo, sem se assenhorar da capacidade econômico-financeira dos consumidores que, em sua grossa maioria de assalariados e liberais de classe média, poderiam não ter condições (como de fato, não tinham) de honrar suas prestações em caso de expressiva variação cambial, a maior.

A responsabilidade dos Bancos e Financeiras, em casos tais, pode ser novidade entre nós, mas como demonstrou com viva erudição o civilista e Desembargador SEMY GLANZ em professoral artigo dado a público na Revista de Direito do T.J.R.J., vol. 36, afirma-se que o Banco tem o dever de analisar a capacidade econômica e financeira do cliente, revelando-se que em grande parte dos Países do mundo civilizado estão assentados os princípios reitores da responsabilidade das instituições financeiras pela má concessão do crédito, seja em relação ao cliente, seja em relação a terceiros - sempre objetivamente. Fez escola a conhecida Lei Neiertz de 31/12/89, em França, que estabeleceu a responsabilidade dos Bancos em casos tais, lembrando THIERY BONNEAU que:

“Pode haver responsabilidade contratual ou delitual, conforme seja a vítima o cliente ou um terceiro. O banqueiro tem um dever de vigilância, e, sem se imiscuir com os negócios do cliente, deve agir com prudência e discernimento, pois, se o empréstimo causar um dano, torna-se o banco responsável.” (citado por SEMY GLANZ)

Ora se as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados a seus clientes, resta fixado o quadro que, diante de situação em que houve falta do dever de informação sobre os riscos do empréstimo, permite que o juiz, ao vislumbre de evidentíssimo risco de prejuízos para o consumidor, adeqüe o índice de reajuste das prestações de tal forma que, (preservado o valor da moeda nacional pela fixação de índice oficial - INPC) restaure a proporcionalidade que deve existir entre o valor de mercado do bem adquirido e o quantum por ele pago.

Acresce que se tem disseminado na consciência jurídica brasileira, o óbvio legal concernente à descaracterização do contrato de arrendamento mercantil quando o valor residual do contrato for pago antes do término da avença, hipótese em que se reputa o leasing uma mera compra e venda - negócio que, decerto, não admite cláusula de reajuste cambial. Com efeito, dispõe o art. 10º do Anexo à Resolução 2.309 BACEN de 28/8/96, ratificando o que dispunha a revogada Resolução 980 BACEN de 13/12/84, que a operação de arrendamento mercantil será considerada como de compra e venda à prestação se a opção de compra for exercida antes de decorrido o respectivo prazo mínimo estabelecido no art. 8º deste Regulamento.

“De acordo com o parágrafo 1º, do artigo 11 da Lei nº 6.099/74, a aquisição de bens arrendados em desacordo com as disposições legais será considerada operação de compra e venda à prestação. 0 artigo 11 da Resolução 980 do Banco Central reforça a lei afirmando que a operação será considerada como de compra e venda à prestação se a opção de compra for exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento.” (cf. http//.br, precedentes jurisprudenciais a respeito)

À jurisprudência não é estranha tal exegese.

“Mais moderna, a teoria do rompimento da base negocial lida com elementos objetivos. Rompe-se a base negocial sempre que a modificação das circunstâncias presentes na formação do contrato inviabilizar a sua finalidade. Em última análise, a base negocial é o conjunto de circunstâncias existentes na formação do contrato e que permite, às partes contratantes, terem presente a sua viabilidade econômica...

Não se perquire mais, como na teoria da imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente, E nem se deveria. Com efeito, o fato pode até ser previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área de risco inerente a qualquer atividade negocial.” (Ap. Cível nº 193.051.083 4a Câmara Cível do TARGS, Rel. MÁRCIO DE OLIVEIRA PUGGINA)

Diante desses argumentos e circunstâncias, inegável o direito que a autora tem de ver o contrato revisado, com base no INPC, e não mais no dólar americano, adequando as parcelas à realidade e repetindo-se aquilo que foi pago a maior e em detrimento à legislação que rege o contrato, desfigurado pela cobrança antecipada do VRG. Assim procedendo, estará V.Exa. restaurando o equilíbrio contratual rompido pela malícia contratual do réu e desmandos econômicos de notória sabedoria.

DOS PEDIDOS

a) a citação do réu para responder aos termos da presente ação, sob pena de revelia, sendo que faz juntada de uma cópia da inicial para instruir o mandado citatório;

b) nos termos dos artigos 6º, V, VI, 51, IV e 51, §1º, I, II e III, do Código de Defesa do Consumidor, e demais legislação aplicável, a procedência do pedido da presente ação revisional, declarando nula a cláusula de variação cambial inserida no contrato, substituindo essa cláusula pela de correção monetária, adotando-se para esse fim, desde o início do contrato, a variação mensal da inflação medida pelo INPC do IBGE;

c) Em conseqüência, a condenação do banco-réu em restituir à autora tudo aquilo que foi pago a maior, devidamente atualizado.

d) a condenação do réu nas custas processuais e honorários advocatícios.

DOS MEIOS DE PROVA

A autora provará o alegado por todos os meios de prova em direito permitido sem a exclusão de qualquer deles por mais privilegiado que seja, requerendo, em face da necessidade de facilitar a defesa de seus direitos, a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

DA INTIMAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS

A autora requer que as intimações dos atos processuais seja realizada na pessoa de seu advogado, CASSIO WASSER GONÇALES, OAB/SP 155.926, requerendo sua inclusão na contracapa dos autos.

DO VALOR DA CAUSA

Dá à causa o valor de R$ 12.000,00, correspondente ao valor original do contrato e do bem adquirido.

Aquidauana - MS

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