Superior Tribunal de Justiça
Superior Tribunal de Justi?a
RECURSO ESPECIAL N? 1.699.780 - SP (2017/0238942-0)
RELATOR
RECORRENTE
RECORRENTE
ADVOGADOS
RECORRIDO
ADVOGADOS
:
:
:
:
MINISTRO MARCO AUR?LIO BELLIZZE
WILLIAN OLIVER TOPAL
LUCIANE FONTANA DA SILVA
FABIO SCOLARI VIEIRA E OUTRO(S) - SP287475
FERNANDA SCOLARI VIEIRA - SP387313
: GOL LINHAS AEREAS INTELIGENTES S.A
: GUSTAVO ANT?NIO FERES PAIX?O - SP186458
FERNANDA RIBEIRO BRANCO - SP294856
NOELY EMILIA OLIVEIRA COSTA E OUTRO(S) - SP315396
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. A??O DE INDENIZA??O POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
TRANSPORTE A?REO DE PASSAGEIROS. AQUISI??O DE PASSAGENS DO TIPO IDA E
VOLTA. CANCELAMENTO AUTOM?TICO E UNILATERAL DO TRECHO DE VOLTA, TENDO
EM VISTA A N?O UTILIZA??O DO BILHETE DE IDA (NO SHOW). CONDUTA ABUSIVA DA
TRANSPORTADORA. VIOLA??O DOS ARTS. 51, IV, XI, XV, E ¡ì 1?, I, II E III, E 39, I, DO
C?DIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS EFETUADAS
COM A AQUISI??O DAS NOVAS PASSAGENS (DANOS MATERIAIS). FATOS QUE
ULTRAPASSARAM O MERO ABORRECIMENTO COTIDIANO. DANOS MORAIS
CONFIGURADOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A controv¨¦rsia instaurada neste feito consiste em saber se configura conduta abusiva o
cancelamento autom¨¢tico e unilateral, por parte da empresa a¨¦rea, do trecho de volta do
passageiro que adquiriu as passagens do tipo ida e volta, em raz?o de n?o ter utilizado o
trecho inicial.
2. Inicialmente, n?o h¨¢ qualquer d¨²vida que a rela??o jur¨ªdica travada entre as partes ¨¦
nitidamente de consumo, tendo em vista que o adquirente da passagem amolda-se ao
conceito de consumidor, como destinat¨¢rio final, enquanto a empresa caracteriza-se como
fornecedora do servi?o de transporte a¨¦reo de passageiros, nos termos dos arts. 2? e 3? do
C¨®digo de Defesa do Consumidor - CDC. Dessa forma, o caso em julgamento deve ser
analisado sob a ¨®tica da legisla??o consumerista, e n?o sob um vi¨¦s eminentemente privado,
como feito pelas inst?ncias ordin¨¢rias.
3. Dentre os diversos mecanismos de prote??o ao consumidor estabelecidos pela lei, a fim
de equalizar a rela??o faticamente desigual em compara??o ao fornecedor, destacam-se os
arts. 39 e 51 do CDC, que, com base nos princ¨ªpios da fun??o social do contrato e da boa-f¨¦
objetiva, estabelecem, em rol exemplificativo, as hip¨®teses, respectivamente, das chamadas
pr¨¢ticas abusivas, vedadas pelo ordenamento jur¨ªdico, e das cl¨¢usulas abusivas,
consideradas nulas de pleno direito em contratos de consumo, configurando n¨ªtida mitiga??o
da for?a obrigat¨®ria dos contratos (pacta sunt servanda).
4. A previs?o de cancelamento unilateral da passagem de volta, em raz?o do n?o
comparecimento para embarque no trecho de ida (no show), configura pr¨¢tica recha?ada
pelo C¨®digo de Defesa do Consumidor, nos termos dos referidos dispositivos legais, cabendo
ao Poder Judici¨¢rio o restabelecimento do necess¨¢rio equil¨ªbrio contratual.
4.1. Com efeito, obrigar o consumidor a adquirir nova passagem a¨¦rea para efetuar a viagem
no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de j¨¢ ter efetuado o pagamento, configura
obriga??o abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda,
incompat¨ªvel com a boa-f¨¦ objetiva, que deve reger as rela??es contratuais (CDC, art. 51,
IV). Ademais, a referida pr¨¢tica tamb¨¦m configura a chamada "venda casada", pois
condiciona o fornecimento do servi?o de transporte a¨¦reo do "trecho de volta" ¨¤ utiliza??o do
"trecho de ida" (CDC, art. 39, I).
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4.2. Tratando-se de rela??o consumerista, a for?a obrigat¨®ria do contrato ¨¦ mitigada, n?o
podendo o fornecedor de produtos e servi?os, a pretexto de maximiza??o do lucro, adotar
pr¨¢tica abusiva ou excessivamente onerosa ¨¤ parte mais vulner¨¢vel na rela??o, o
consumidor.
5. Tal o quadro delineado, ¨¦ de rigor a proced¨ºncia, em parte, dos pedidos formulados na
a??o indenizat¨®ria a fim de condenar a recorrida ao ressarcimento dos valores gastos com a
aquisi??o da segunda passagem de volta (danos materiais), bem como ao pagamento de
indeniza??o por danos morais, fixados no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para cada
autor.
6. Recurso especial provido.
AC?RD?O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justi?a, na conformidade dos votos e das notas taquigr¨¢ficas
a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas B?as Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Bras¨ªlia, 11 de setembro de 2018 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AUR?LIO BELLIZZE, Relator
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RECURSO ESPECIAL N? 1.699.780 - SP (2017/0238942-0)
RELAT?RIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AUR?LIO BELLIZZE:
William Oliver Topal e Luciane Fontana da Silva ajuizaram a??o de
indeniza??o por danos materiais e morais contra Gol Linhas A¨¦reas Inteligentes S.A.,
alegando, em s¨ªntese, que adquiriram, por meio do site "", passagens a¨¦reas
"partindo de S?o Paulo (GRU), em 30.12.2015, ¨¤s 07h20min, tendo como destino final a
cidade de Bras¨ªlia (BSB), com v?o de volta para 03.01.2016, ¨¤s 13h10min. Afirmaram que
no momento da reserva, por um lapso, selecionaram o voo de ida com sa¨ªda do aeroporto
de Viracopos (VCP), o que de fato era invi¨¢vel, raz?o pela qual adquiriram novas
passagens de ida com embarque pelo aeroporto de Guarulhos. Alegaram que, por ocasi?o
da volta, ao realizarem o check-in, foram informados de que n?o poderiam embarcar, uma
vez que suas reservas de volta haviam sido canceladas por motivo de no show. Em virtude
disso, foram obrigados a adquirir nova passagem de volta, o que se assemelha ¨¤ pr¨¢tica
de venda casada. ? vista de tais fatos, requereram a condena??o da r¨¦ ¨¤ restitui??o dos
danos materiais, no valor de R$ 607,46, bem como ao pagamento de indeniza??o no valor
de R$ 10.000,00 para cada".
O Ju¨ªzo de primeiro grau julgou improcedente o pedido.
Em apela??o dos autores, o Tribunal de Justi?a de S?o Paulo negou
provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:
APELA??O - Indenizat¨®ria - Danos materiais e morais - Transporte
a¨¦reo - Autores que realizaram compra de passagens a¨¦reas de ida e
volta via internet, em pacote promocional - Requerentes que admitiram
ter cometido equ¨ªvoco na realiza??o da compra, pois selecionaram ida
partindo do Aeroporto de Viracopos (Campinas-SP) para Bras¨ªlia,
vindo a adquirir novas passagens de ida, agora partindo de
Guarulhos-SP, com destino a Bras¨ªlia - Autores que pretenderam
retornar com a utiliza??o das passagens de volta, contratadas no
pacote inicialmente aven?ado e que teria ocorrido o equ¨ªvoco quanto
aos aeroportos de partida, o que ensejou o cancelamento autom¨¢tico
do v?o de retorno - Inexist¨ºncia de abusividade na esp¨¦cie, venda
casada ou qualquer viola??o ¨¤s disposi??es do C¨®digo de Defesa do
Consumidor - Autores que optaram pela promo??o ofertada, com
pre?os diferenciados, estando plenamente cientes das condi??es do
neg¨®cio quanto ¨¤ obrigatoriedade de utiliza??o dos trechos, como
contratado, bem como, quanto ao cancelamento autom¨¢tico na
hip¨®tese de n?o utiliza??o nos termos aven?ados - Improced¨ºncia bem
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decretada - Senten?a mantida - Recurso n?o provido
Da¨ª o recurso especial, em que William Oliver Topal e Luciane Fontana da
Silva alegam que o ac¨®rd?o recorrido violou os arts. 186 e 927 do C¨®digo Civil, bem como
os arts. 6, VIII, 14, 20, II, 39, I, e 51, IV, XI, e ¡ì 1?, II e III, todos do C¨®digo de Defesa do
Consumidor.
Asseveram que a pr¨¢tica da recorrida de condicionar a passagem de volta ¨¤
de ida ao consumidor configura a chamada venda casada, pr¨¢tica abusiva expressamente
vedada pelo CDC.
Buscam, assim, o provimento do recurso especial para que seja julgada
procedente a a??o, condenando a recorrida ao pagamento dos danos materiais e morais,
bem como honor¨¢rios advocat¨ªcios fixados em 20% sobre o valor da condena??o.
? o relat¨®rio.
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RECURSO ESPECIAL N? 1.699.780 - SP (2017/0238942-0)
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AUR?LIO BELLIZZE (RELATOR):
A controv¨¦rsia instaurada neste feito consiste em saber se configura conduta
abusiva o cancelamento autom¨¢tico e unilateral, por parte da empresa a¨¦rea, do trecho de
volta do passageiro que adquiriu as passagens do tipo ida e volta, em raz?o de n?o ter
utilizado o trecho inicial (no show).
O Ju¨ªzo de primeiro grau julgou improcedente o pedido da a??o indenizat¨®ria,
com base nos seguintes fundamentos:
Da an¨¢lise da inicial, depreende-se que os autores adquiriram
passagens a¨¦reas com voo de ida partindo do aeroporto de Viracopos
(VCP), em Campinas, com destino ao aeroporto de Bras¨ªlia (BSB),
tendo sido impossibilitados de embarcar no voo de volta em raz?o de
no show.
Afirmam que o n?o comparecimento ao voo de ida ocorreu porque
cometeram equ¨ªvoco quando da aquisi??o das passagens, uma vez
que selecionaram como ponto de partida o aeroporto de Viracopos
(VCP), quando, na verdade, deveriam ter selecionado o aeroporto
internacional de Guarulhos (GRU). Esclarecem que como o voo de
volta havia sido adquirido de modo correto, com desembarque em
Guarulhos, limitaram-se a adquirir novas passagens de ida, deixando
de utilizar os bilhetes que haviam comprado anteriormente.
Aduzem que a requerida, em virtude da aus¨ºncia de embarque no voo
de ida, agiu de modo abusivo ao exigir que novos bilhetes fossem
adquiridos, motivo pelo qual deve ser condenada ao pagamento de
indeniza??o pelos danos materiais e morais suportados.
Em contesta??o, a r¨¦ n?o refutou as alega??es dos autores no
sentido de que teria condicionado o embarque ao pagamento de
novos valores. Pelo contr¨¢rio: admitiu que procedeu de tal modo, mas
t?o somente porque a conduta estava prevista no contrato firmado
entre as partes.
Pois bem. Os documentos carreados aos autos comprovam que os
autores estavam cientes da obrigatoriedade de utiliza??o de ambos os
trechos, sob pena de cancelamento do voo de retorno (vide folhas
116/118). Neste ponto, ali¨¢s, esclare?o que embora o documento
tenha sido produzido de modo unilateral, os autores n?o negaram o
recebimento da c¨®pia do contrato e tampouco afirmaram que as
condi??es foram omitidas pela r¨¦.
A condi??o imposta pela r¨¦ se justifica porque os bilhetes foram
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