Introdução ao roteiro e a direção de audiovisuais



Módulo I

#CAPÍTULO 1: Apresentação

- Etapas da realização de um filme.

- Etapas de realização de um roteiro.

- O que é roteiro.

- O que não é roteiro.

#CAPÍTULO 2: A escritura do roteiro

- O roteiro como instrumento de trabalho.

- Regras e exceções.

#CAPÍTULO 3: A linguagem cinematográfica

- Cinema, o que é e como funciona.

- Elementos da linguagem cinematográfica.

- Arranjos e combinações de elementos.

- Limites do roteiro, roteirista x diretor.

#CAPÍTULO 4: Personagens

- Os personagens.

- Caracterização.

- O ponto de vista.

- As funções dramatúrgicas.

- Os personagens da Comedia dell’Arte

#CAPÍTULO 5: Ação dramática

- O Começo.

- A situação dramática.

- A cena: limites de tempo e espaço.

- Passado, presente e futuro: motivo, intenção e objetivo.

#CAPÍTULO 6: História e Narrativa

- Qual é a história? O que é uma boa história?

- "Lector in Fábula": princípios de narratologia.

- Clichês e arquétipos.

- Estabilidade, alteração, conflito, ajuste.

- Intenções secundárias.

- Antecipação e suspense.

- Quem sabe o quê? Quando e como sabe?

- Os três atos.

- O Fim.

Módulo II

#CAPÍTULO 7: Gêneros

- Documentário, ficção e misturas.

- A mimesis camuflada.

- Tragédia, comédia, drama e misturas.

#CAPÍTULO 8: Adaptações

- Tudo pode virar filme: romances, peças teatrais, contos, biografias, crônicas, poemas, ensaios, quadrinhos, músicas, pinturas, notícias, games, piadas. (“Fazer samba filme não é contar piada e que faz filme assim não é de nada”)

#CAPÍTULO 9: Formatos

- Roteiros de curta, média e longa-metragens.

- Roteiros de séries, sitcons, minisséries, novelas.

- Games.

#CAPÍTULO 10: Mídias

- Cinema, televisão, internet, dvd, celular, semelhanças e diferenças.

#CAPÍTULO 11: Bibliografia

#CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO

“Se você não está em dúvida é porque foi mal informado”. Pasquim.

Sobre conteúdo e velocidade: Woody Allen e a leitura dinâmica.

Ser radical, ser original.

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Como se escreve um roteiro de cinema?

Esta pergunta sugere a existência de um método. Um método sugere regras.

Se pensarmos em “regra” como “fórmula, algo que indica o modo correto de fazer algo”, ou ainda como “aquilo que foi determinado, ou se tem como obrigatório, pela força da lei, dos costumes”, neste caso podemos afirmar com certeza que não existem regras para escrever um bom roteiro.

Mas se pensarmos em “regra” com “medida” (do latim, regula, régua de pedreiro ou carpinteiro, usada para aferir e tornar reta uma superfície), aquilo que pode servir de modelo, exemplo, padrão, princípio, neste caso existem algumas regras para escrever um bom roteiro.

O roteiro é uma das várias etapas da realização de um filme. Digamos que sejam onze.

11 Etapas da realização de um filme.

1. IDÉIA

"Representação mental de uma coisa concreta ou abstrata, concepção intelectual, lembrança."

Um filme começa com uma idéia. Lembre-se que você precisa de centenas de idéias para fazer um filme, mas alguma tem que ser a primeira. “Tive uma idéia para um filme”. Que idéia é essa?

. uma situação dramática. Édipo, Hamlet, Romeu e Julieta, Cabra Marcado para Morrer, Oréstia.

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Clitemnestra hesita antes de matar Agamenon adormecido. Ao seu lado, Egisto a incita para que o execute. Óleo de 1817, obra de Pierre-Narcisse Guérin.

Oréstia, de Ésquilo.

Agamenon entrega Ifigênia em sacrificio aos deuses. Clitemnestra, para vingar a morte da filha, mata o marido. Orestes, filho de Agamemnon e Clitemnestra, vinga a morte de seu pai assassinando sua mãe e também seu amante Egisto. A trilogia de Ésquilo (Agamemnon, Coéforas e Euménides) termina com o julgamento de Orestes, que termina num empate. A deusa Atena dá o voto de desempate (em Roma, o “voto de Minerva”) e absolve Orestes, que foi vítima de “leis contraditórias”. A decisão de Atena dá fim a sucessão de vinganças.

. um personagem, ou mais de um, e a relação entre eles. Amadeus (e Salieri), Taxi Driver, Hora da Estrela, The Office, Cazuza, Gray Garden, Santiago.

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Santiago, de João Moreira Salles.

. um ambiente. Social, histórico, profissional, familiar. Cidade de Deus. Fibra, de Fernando Belens. Ilha das Flores. Séries ambientadas em hospitais, redações de jornal, delegacias, etc. Tire Dié, de Fernando Birri.

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Tire dié, de Fernando Birri.

. um ângulo pitoresco dos costumes humanos. Eu, tu, eles, o “filme chinês dos limpadores de trilhos no deserto”, Pantaleão e as visitadoras.

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Pantaleão e as Visitadoras, de Francisco Lombardi.

. um conceito narrativo ou dramático. Buñuel e a repetição. Fragmentação, HQC. Toda a memória do mundo (ver em aula). Esta não é a sua vida. Um dos três. Retrato Falado. Você Decide. O Feitiço do Tempo, de Harold Ramis.

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O Feitiço do Tempo, de Harold Ramis.

. um tema. No caso de uma série de tv, por exemplo, Sex and the City, Mad Men, House, Bicho Homem.

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Mad men, criada por Matthew Weiner.

. uma imagem. Barbosa. Busby. (ver em aula)

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Estes conceitos, é claro, não são estanques. Todas as histórias visuais são construídas com imagens, grandes personagens vivem situações dramáticas num ambiente social, suas histórias necessariamente incluem ângulos pitorescos dos costumes humanos, têm um ou mais temas e podem ser contadas com diversos conceitos narrativos.

House é uma série que retrata um ambiente (hospital), um personagem (House), e um gênero narrativo (policial). Cabra Marcado é uma situação dramática (interrupção e retomada do filme, 20 anos depois), um grande personagem (Elisabeth) e um momento histórico (ditadura e redemocratização).

Repetindo: um filme precisa de muitas idéias, alguma tem que ser a primeira.

A primeira idéia vem, em geral, de um roteirista, diretor ou produtor mas, numa equipe de cinema, ter idéias é tarefa de todos.

* Se der tempo, ver, no final, “11 idéias e meia para ter idéias”.

2. ARGUMENTO

"Raciocínio pelo qual se tira uma consequência ou dedução."

O que acontece. Também é chamado de fábula. Pode ser um romance, um conto, uma peça de teatro, uma notícia, um poema. Ou pode ser um argumento especialmente escrito para o filme.

Deve conter, mesmo na sua forma mais reduzida, uma idéia básica dos personagens e seus objetivos, do conflito, do ambiente e época em que a história se passa. E o fim da história.

Tarefa do autor.

3. ROTEIRO

"Descrição de uma viagem". As etapas de realização do roteiro serão descritas a seguir.

Tarefa do roteirista.

4. PROJETO

Do latim projectu, de projicere, "lançar para diante".

Inclui orçamento, montagem da equipe e cronograma.

Tarefa do produtor.

5. DECUPAGEM

Découper: "Recortar, cortar formando figuras."

Tarefa do diretor.

6. PRé PRODUçãO

Análise técnica (decupagem de produção). Cronograma e planejamento de filmagens.

Tarefa da equipe.

7. FILMAGEM ou PRODUÇÃO

Produção: "Ato ou efeito de produzir, criar, gerar, elaborar, realizar. Aquilo que é fabricado pelo homem."

Filmagem de cada cena. Copião. Replanejamento de filmagem. Desprodução.

Tarefa da equipe.

8. PRé MONTAGEM

Ordenação e sincronização do material filmado (copião). Escolha de tomadas.

Tarefas do diretor e do montador.

9. MONTAGEM E EDIÇÃO DE SOM

"Operação de reunir as peças de um objeto complexo, de modo que possa funcionar ou preencher o fim a que se destina."

Tarefa do montador.

10. PRé FINALIZAçãO

Roteiro final de diálogos. Dublagem. Trilha musical. Ruídos.

Tarefa da equipe.

11. FINALIZACãO

"Por fim arrematar, concluir, ultimar". Mixagem. Marcação de luz. Cópia.

Tarefa da equipe.

Nosso assunto aqui é o roteiro, as idéias e o argumento que lhe dão origem, mas é bom lembrar que o roteiro pode ser (e geralmente é) reescrito até a finalização do filme, ou mesmo além dela.

Anne Lamott, escritora americana: “Escrever é reescrever”. Escrever roteiros é reescrever muitas vezes.

Há versões do roteiro especialmente elaboradas para fazer parte de projetos, são os execráveis “roteiros para o júri” ou “roteiro para o patrocinador”. O roteirista pode ser solicitado a “romantizar” rubricas (tipo “no ar, um perfume de jasmim e a esperança de boas notícias”) a fim de seduzir jurados ou financiadores pouco experientes. Sinto dizer que às vezes funciona.

Roteiristas podem ser solicitados a mexer no roteiro para resolver problemas revelados na decupagem, por exemplo, por características da locação ou do cenário ou, o que é mais frequente, pela disponibilidade ou não do elenco.

Roteiristas são frequentemente solicitados a mexer no roteiro por questões de produção.

Há sempre diálogos e offs escritos nas mesas de montagem, isso para não falar das inversões de ordem ou cortes de cenas inteiras, que podem exigir (ou não) a participação do roteirista.

Há muitos filmes pré-finalizados submetidos a sessões teste com o público e, conforme resultados de pesquisas, refeitos. Na indústria, esta é a regra.

Coppola submete diferentes cortes do filme a diferentes grupos e, a partir de debates com os espectadores, faz alterações. Ele afirma que o diretor percebe no máximo 90% do filme, o resto só o público vê.

David Mamet também afirma que, sobre um filme, o público sempre sabe mais que o diretor.

Ex: Chaplin e Bunuel.

Também há roteiros reescritos depois de pré-estréias de filmes finalizados.

Exemplos: Sunset Boulevard (Billy Wilder), Ensaio sobre a cegueira (Fernando Meireles), Beijo 2348/72 (Walter Rogério).

“Escrevas quando escreveres, escrevas o que escreveres, nunca cometas o erro de presumir que a audiência é menos inteligente do que tu.” Rod Serling (roteirista de “Além da Imaginação”)

O público percebe todos os erros do filme, sempre.

Etapas da realização de um roteiro:

Cada roteirista cria seu próprio método de trabalho, que pode variar a cada projeto.

Há quem goste de escrever seus roteiros primeiro em forma de prosa, há quem escreva diários dos personagens. (HQC)

Bunuel decupava o filme diretamente do texto literário, com marcas que transformavam frases em planos, parágrafos em cenas. Dependendo do texto, é um ótimo método: Hammet, Chandler, McCain, James Elroy e os melhores policiais podem ser roterizados assim.

Há quem goste de trabalhar com cartões, escrevendo um resumo da cena em cada cartão, às vezes com diferentes cores para diferentes núcleos dramáticos ou linhas narrativas, o que facilita a mudança de ordem ou inclusão de novas cenas. Este método era muito comum antes da invenção dos computadores. Em roteiros de séries de muitos capítulos algum tipo de tabela do roteiro (com diferentes cores para os diferentes núcleos), é muito útil. (Tentei algo assim em HQC, não deu certo).

Um método bastante tradicional segue a seguinte ordem:

Story-line: a trama, em pouquíssimas palavras.

(Jovens apaixonados de famílias inimigas se suicidam. Sujeito come a mãe por engano e, ao descobrir, fura os olhos. Extra-terrestre se perde e volta para casa com a ajuda de um garoto. Narigudo inteligente e tímido ajuda o rival a lhe botar chifres. Príncipe emo acredita nas fofocas de um fantasma provocando sete assassinatos e um suicídio. Sujeito diz que é filho de Deus e acaba crucificado.)

O story-line é um resumo poderoso da trama, serve para chamar a atenção de produtores muito ocupados e para preencher páginas de programação de jornais e revistas. O melhor story-line já feito é o de John Milton, que reduziu a Bíblia, antigo e novo testamento, a quatro palavras: “Paraíso perdido, Paraíso recuperado”.

O jogo de Gary: Um velho, sozinho num parque, joga xadrez contra si mesmo e ganha, recuperando sua dentadura.

Sinopse: resumo breve da trama, com não mais de uma página no caso de um curta ou média, duas ou três no caso de um longa. Contém uma descrição breve da história e dos personagens, com começo, meio e fim. (Sem suspense ou revelações secretas! Na sinopse “para a imprensa” você não conta o fim. Na sinopse de trabalho, conta tudo.)

Argumento: (já descrito nas etapas de realização do filme) Nos roteiros adaptados, o argumento é a obra original (romance, peça, conto). Nos roteiros originais, o argumento desenvolvido, em prosa literária, só é feito se for o caso de convencer produtores ou patrocinadores pouco familiarizados com a leitura de roteiros.

Escaleta: índice das cenas do filme, descritas de forma sintética, na ordem em que aparecerão no roteiro. Em inglês, “outline” ou “step-outline”.

A escaleta é importante para a vizualização do roteiro, é como um índice do filme. Cada ítem da escaleta deve indicar os personagens, o local da cena e o resumo dos acontecimentos.

A escaleta é fundamental quando o roteiro será escrito por mais de uma pessoa, o que acontece na imensa maioria das vezes. Depois de feita a escaleta, em grupo, o trabalho pode ser dividido. (Faço escaleta mesmo quando escrevo sozinho.)

O termo escaleta foi criado pela grande roteirista Suso Cechi d’Amico (*21.07.1914 + 31.07.2010, em Roma, Itália), autora de 118 roteiros, entre eles “Roma, cidade aberta”, “Ladrões de bicicleta”, “Milagre em Milão”, “Belíssima”, “Rocco e seus irmãos”, “O Leopardo”, “Violência e paixão”, “O Inocente” e “Parente é serpente”.

“Scaletta” é um diminutivo de “scala” (escada). D’Amico definia ‘scaletta’ como “os degraus que o protagonista tem de subir para chegar ao fim da história”.

Etapas: story-line, sinopse, argumento, escaleta, roteiro.

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Trecho de primeira anotação para o roteiro de “Houve uma vez dois verões”

(sexta-feira, 3 de março de 2000, 16:53)

Chico, em Porto Alegre, recebe um telefonema. É Roza, quer encontrar com ele.

Juca e Chico ensaiam o encontro. Escolhem a roupa dele.

Encontro de Chico e Roza. Ela informa que está grávida.

Decidem que um aborto é o melhor a fazer. Ela não tem grana e não pode pedir dinheiro para o pai. O aborto custa mil e quinhentos reais.

Ele raspa a poupança, vende o som e o scaner, consegue mil reais. Juca empresta 500.

Chico encontra com Roza, ele entrega o dinheiro. Ela dá um beijo nele e desaparece.

Outro verão. Juca e Chico na mesma praia, jogam fliper. Chico finalmente consegue ficar entre os dez melhores escores da máquina e vai escrever seu nome na lista. E vê que o primeiro, segundo, quarto e quinto lugares da lista de recordes são de Roza. As datas dos récordes são anteriores ao primeiro encontro dos dois.

Chico passa o resto do verão procurando por ela, em outras praias.

Chico encontra Roza. Diz que descobriu tudo: ela é craque no flíper, estava mentindo para ele. Ela confessa, aplicou aquela com trinta garotos no verão passado, ganhou uma grana. Ela pergunta o que ele vai fazer. Ele quer transar com ela mais uma vez.

Transam, ele vai embora.

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Para virar uma escaleta, basta acrescentar o local da cena.

- O que é um roteiro.

Italo Calvino, um escritor:

“Podemos distinguir dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para chegar à imagem visiva e o que parte da imagem visiva para chegar a expressão verbal. O primeiro processo é o que ocorre normalmente na leitura: lemos por exemplo a cena de um romance ou a reportagem de um acontecimento no jornal, e conforme a maior ou menor eficácia do texto somos levados a ver a cena como se esta se desenrolasse diante de nossos olhos, se não toda a cena, pelo menos fragmentos e detalhes que emergem do indistinto.

No cinema, a imagem que vemos na tela também passou por um texto escrito, foi primeiro “vista” mentalmente pelo diretor, em seguida reconstruída em sua corporeidade num set, para ser finalmente fixada em fotogramas de um filme. Todo filme é, pois, resultado de uma sucessão de etapas, imateriais e materiais, nas quais as imagens tomam forma. Nesse processo, o “cinema mental” da imaginação desempenha um papel tão importante quanto o das fases de realização efetiva das sequências, de que a câmera permitirá o registro e a moviola a montagem. Esse “cinema mental” funciona continuamente em nós – e sempre funcionou, mesmo antes da invenção do cinema – e não cessa nunca de projetar imagens em nossa tela interior”.

Antonio Damásio, um neurologista:

“Os filmes são a representação exterior mais próxima da narrativa dominante que ocorre em nossa mente. O que acontece em cada plano, o enquadramento diferente de um assunto que o movimento da câmera pode mostrar, o que se passa na transição de planos, produto da edição, e o que ocorre na narrativa construída por uma específica justaposição de planos é comparável, em alguns aspectos, ao que está se passando na mente, graças ao mecanismo incumbido de produzir imagens visuais e auditivas e aos numerosos níveis de atenção e de memória operacional.

A narrativa sem palavras é natural. A representação imagética de seqüências de eventos cerebrais, que ocorre em cérebros mais simples do que o nosso, é o material de que são feitas as histórias. Uma ocorrência natural de narrativa pré-verbal pode muito bem ser a razão pela qual acabamos por criar a arte dramática e finalmente os livros, o que hoje leva boa parte da humanidade a passar tanto tempo de suas vidas diante das telas de tevê e do cinema.“

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1. O roteiro é a tentativa de transformar a linguagem cinematográfica em palavras.

2. O roteiro é um instrumento de trabalho para a equipe, encarregada de transformar palavras em linguagem cinematográfica.

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Toda ação dramática do filme, que inclui descrições significativas de personagens, ações e cenários e todas as falas (incluindo narrações off e sons importantes) deve estar no roteiro.

O músico que compõe uma sinfonia ao piano e a escreve numa partitura precisa, além de conhecer os instrumentos que vão executar sua música, saber como colocar no papel os sons, o silêncio, o espaço, o ritmo, a harmonia recém imaginada. Ele também precisa que os músicos que vão executar sua composição conheçam os mesmos signos que ele utilizou. (O silêncio na Quinta Sinfonia)

Não é preciso entender nada de cinema para assistir e entender um filme, parte de sua força é a “semelhança de vida real”, mas é preciso entender algumas coisas sobre o cinema para escrever o roteiro de um filme.

(Atenção: vou chamar de filme mas, salvo indicação contrária, me refiro a qualquer tipo de linguagem audioviosual, em qualquer formato, duração ou mídia).

O roteirista deve escrever pensando que outras pessoas, que não ele, vão transformar o roteiro em filme. O roteiro deve fazer o seu leitor “imaginar” o filme. Imaginar, convém não esquecer, é criar imagens.

O roteiro pode ser útil para convencer a equipe a fazer o filme.

O roteiro também tem a função – e para isso foi inventado - de determinar a duração, as necessidades de produção e, portanto, o custo do filme. Serve para convencer produtores e patrocinadores a bancar o projeto, imaginando que espécie de filme será aquele, a que público se destina. (E quanto pode dar de lucro. Ou de prejuízo.)

É possível fazer um bom filme sem roteiro? Sim, é possível, basta que o elenco, a equipe e os patrocinadores acreditem firmemente no diretor, a ponto de atender suas determinações e seus desejos sem saber muito bem para que servem. (“Tem um que explica.”)

Outra hipótese é que o diretor, o produtor, a equipe e os patrocinadores sejam todos a mesma pessoa.

De qualquer maneira, sempre haverá um custo extra para a produção que não puder planejar seus passos. Uma locação, uma trilha, um figurino, um adereço ou mesmo um ator escolhidos de última hora serão necessariamente mais caros (ou piores) que aqueles definidos com alguma antecedência.

- O que não é roteiro.

1. Um roteiro não é literatura. (Embora – ao contrário do que afirmou Alfred Hitchcock - alguma boa literatura possa dar bons roteiros, ver “O Falcão Maltês”, “L.A Story”, etc.)

2. Um roteiro não é um ensaio ou tese política, filosófica, psicanalítica, econômica. (Embora algumas teses e ensaios possam dar bons roteiros, ver “O meu tio na américa”.)

3. Um roteiro não é um texto para o público. (Embora alguns roteiros sejam ótimos de ler, ver Bergman ou Woody Allen.)

Exemplos de não-roteiro:

Os exemplos seguintes foram todos extraídos – por mim e pelo Giba Assis Brasil - de roteiros de cinema e televisão, a maior parte deles escritos por alunos ou jovens realizadores, alguns por experientes roteiristas. Nomes e referências foram alterados de modo a não identificar os seus autores, entre eles eu.

Os trechos de não-roteiro estão em itálico.

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Um carro viaja por uma estrada em direção a São Paulo.

FRED caminha pelas calçadas do bairro onde passou sua infância.

Um carro se desloca na avenida. O céu tem todas as cores do mágico entardecer sobre a cidade. A fotografia ressalta a densidade cromática dos laranjas e o azul ciano formando uma abóboda de cor e luz.

MARCOS, diplomata recém-chegado, está ao volante, um convite para uma festa de despedida do Embaixador à mão. Ele procura o endereço. Ruído de um trovão ao longe. O carro de MARCOS entra na rua. A residência do Embaixador fica em uma quadra do Lago Sul, onde se localiza a maioria das residências diplomáticas em Brasília, cidade sede das Embaixadas, as representações estrangeiras no Brasil.

Francisco corre simultaneamente em todas as direções.

Desesperada, Fernanda faz um enorme esforço para não perder a cabeça.

Luiz acorda em seu quarto e descobre que Cláudia não está lá.

João percebe que tem que fingir estar calmo, senão porá todos em risco.

Vemos um cachorro caminhando na calçada.

(Obs: num filme, tudo vemos.)

O público sente que o personagem não sabe o que fazer.

(Obs: se fosse útil escrever no roteiro o que o público sente, todos os meus roteiros terminariam com a seguinte rubrica: “O público sente que acabou de ver um grande filme e vai recomendá-lo enfaticamente aos amigos.”)

Everaldo abre um buraco na terra e enterra sua pistola, colocando uma estaca sobre ela, para indicar o lugar, caso algum dia ela seja necessária. Célio observa, de longe, sabendo que é uma revelação para daqui a muitos anos.

O Delegado pára e pensa até que ponto valeria a pena manter aquele tiroteio contra a quadrilha de Palito. Aquele era seu território e por mais homens que a polícia tivesse na operação a probabilidade de efetuar alguma prisão seria mínima.

Nélson está desconfiado: foi preso e solto no mesmo dia, isso cheira a armação.

Marília se sente feia, mal vestida e desinteressante.

Era a primeira vez que Cunhatã vislumbrava um homem branco.

Eles não percebem, mas estão se envolvendo emocionalmente.

Márcia está ao telefone falando com Joana, mulher de Ernesto.

O bar é administrado pelo irmão de Jair.

Cinara é uma ex-namorada que casou-se com Romeu, um grande amigo que Bernardo só voltaria a ver um ano depois desse encontro.

Dilmar aguarda ansioso por alguns minutos.

Gilberto está na mesma situação há horas.

Duas semanas depois, Laura encontra Patrícia para desabafar sobre seu casamento.

Gabriele, em jejum, vai fazer um aborto. Passa na frente de uma confeitaria e vê um bolo de laranja que dá água na boca. Resolve comer o bolo e ter o bebê. Sai cantarolando uma canção.

(Essa me fez lembrar o Diário de Kafka: “Quinta-feira. Hitler invadiu a Rússia. Natação à tarde.”)

A carícia enche-a de orgulho filial, mas Lúcia não crê no que o pai acabou de lhe dizer.

...eles meio que fingem ser tudo normal e continuam o trabalho, tentando não parecer preocupados, mas se cagando.

Dr. Lopes mete-se no carro, logo depois do almoço. Vai buscar Laura.

Júlia fica durante três dias no quarto, onde passa quase todas as horas.

De repente: Toc, toc, toc. Batem moderadamente forte a porta. No clima de tensão... FIM DO SEGUNDO BLOCO

Na manhã seguinte, Marisa faz compras. Adora provar roupas novas. É consumista e fútil.

Luis Paulo dirige, louco para encontrar um conhecido. O que ele mais queria naquele momento era estar na calçada. Ao mesmo tempo, sente medo de tudo não passar de um sonho e cair da cama.

O jogo se desenrola, Carlos dá tudo de si mas não é o suficiente.

Pedro tem uma imagem tão austera que, se dissessem que ele é um engenheiro, todos acreditariam.

Luiz, cara de pescador...

O time resolve jogar com muita garra e fazer tudo que não fez durante o primeiro turno do campeonato.

João põe a mão na testa e percebe que está com febre.

O story line na cena 1: Ladrões de Bicicleta.

#CAPÍTULO 2: A ESCRITURA DO ROTEIRO.

- O roteiro como instrumento de trabalho.

Arte e técnica são inseparáveis.

“Aprenda a ser um artesão, isso não o impedirá de ser um gênio. Delacroix.

“Aliás, alguma vez um artista perdeu um mínimo de gênio por formular com clareza os dados positivos de sua técnica? Creio, porém, que, entre todas as artes, a do teatro é a que mais recorre a este gênero de conhecimentos, de cálculos, de formulações. Quem protestasse contra a idéia de qualquer cálculo nesses domínios, sisplemente estaria provando que nada entende da arte teatral, na qual sempre existiu muitos cálculos ou, se esta palavra ofende alguns sentimentais, muitos artifícios engenhosos e longamente meditados. Aliás, em que arte não há?”

Etienne Souriau.

Erros aparentemente banais de escritura do roteiro costumam revelar erros complexos de dramaturgia, de concepção dos personagens ou mesmo da estrutura narrativa.

Quando o roteirista escreve “O time resolve jogar com muita garra e fazer tudo que não fez durante o primeiro turno do campeonato” ele não está apenas escrevendo algo não-filmável (e, portanto, não-roteiro): ele está criando a ilusão de uma cena, a falsa idéia de uma dramaturgia, algo que pode iludir o leitor do roteiro mas que não estará no filme e, portanto, não vai iludir o público.

Quando o roteirista diz que “Marília se sente feia, mal vestida e desinteressante” ou que os personagens “não percebem, mas estão se envolvendo emocionalmente”, está matando serviço, esqueceu de dramatizar, e é esta a sua função.

No cinema, é preciso tornar externo o que é interno. “Drama” quer dizer “ação”, “dramatizar” significa “transportar um texto discursivo qualquer para a linguagem dramática por meio de diálogos e/ou ação cênica”.

Quando o roteirista escreve que “João põe a mão na testa e percebe que está com febre” está passando para o diretor resolver, na filmagem, um problema que era dele. (“Dramatizar”)

O objetivo de um roteiro é transformar imagens em palavras que serão outra vez transformadas em imagens. Um roteiro deve ser claro, preciso e, se possível, de leitura agradável. Deve criar, na imaginação de quem lê, algo mais próximo possível do filme que desejamos fazer.

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Lembrando que "a história da criação humana é a história da quebra de regras" (E.H. Gombrich) e que para melhor quebrar uma regra é útil conhecê-la, aqui vão algumas para a escritura de um bom roteiro, digamos que sejam onze.

11 Regras da escritura de um roteiro:

Regra 1 – Tudo que estiver no roteiro deve ser visível ou audível.

No cinema, as informações são transmitidas pela imagem e pelo som.

Repitam em voz alta, escrevam no caderno:

Tudo que está no roteiro deve ser visível ou audível.

Exceção a esta regra: nenhuma.

Jean-Claude Carriére: "A gente é sempre tentado a pôr no papel que "reina na sala uma atmosfera morosa" ou "que os personagens parecem estar à vontade". O que isto quer dizer? É necessário que um roteirista seja extremamente honesto com o filme que vai nascer de suas palavras. Não pode escrever uma coisa que não vai acontecer, que será diferente do que verá o espectador".

Há bons diretores que aceitam ou até gostam de rubricas do tipo “livre dos traumas da infância, João parte para a liberdade”. Entendo esta descrição do estado de espírito do personagem como uma rubrica de direção, algo que o diretor quer ter anotado para lembrar de transmitir ao ator. Ao roteirista cabe escrever cenas que dramatizem, tornem exteriores e visíveis, os sentimentos de João de estar livre dos traumas de infância e assim partir para a liberdade.

(“João joga no lixo seu boneco do Gargamel, entra no táxi e diz ao motorista: Estou indo para a Liberdade.”)

- Palavras ou expressões perigosas nas rubricas de um roteiro.

Lembre-se que, é claro, você é livre (!) para usar qualquer palavra no filme fora das rubricas: nos diálogos, narrações, letreiros, legendas, cartões, etc... Aqui falamos de palavras perigosas nas rubricas.

. Palavras que exprimem não-existência: sem, não há, não tem, não está, ninguém está...

“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala, mas ninguém está prestando atenção nela”.

Alguém está fazendo tricô? Não? Então, ninguém está fazendo tricô. Alguém está jogando gamão? Não? Então, ninguém está jogando gamão.

Se o roteirista escreve que “ninguém está” fazendo alguma coisa, transfere ao diretor a tarefa de criar ações (às vezes no set de filmagem), dizer aos figurantes o que fazer.

“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala. Dona Silvia faz tricô, Dona Marta e Seu Antonio jogam gamão e comem biscoitos.” (Ou seja: ninguém está olhando para ela.)

E mais: o roteirista perdeu a chance de usar dramaticamente a ação dos figurantes, em favor da narrativa.

“Gertrudes dá uma olhada ao redor da sala. Dona Silvia faz tricô, Dona Marta e Seu Antonio jogam gamão e comem biscoitos. Dona Marta, distraída, engole uma peça do gamão.”

Uma imagem não pode dizer "eu não sou".

“Se é verdade que a narrativa por imagens é natural, também é verdade que a palavra representa com maior exatidão a complexidade do pensamento humano e uma linguagem composta só por imagens seria bastante limitada. A primeira destas limitações é lembrada por Sol Worth em seu ensaio "Pictures Can’t Say Ain’t" (Uma imagem não pode dizer "eu não sou"). A imagem não pode afirmar a inexistência da coisa representada, mesmo que René Magritte brinque com esta impossibilidade ao desenhar um cachimbo e sob esta imagem escreva "isto não é um cachimbo". Para afirmar uma negação, Magritte precisou usar palavras.”

GOMBRICH, Ernst Hans. Meditações sobre um cavalinho de pau e outros ensaios sobre a teoria da arte.

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. Palavras que exprimem relações não-vizíveis: de (no sentido de pertencer, de alguém ou de alguma coisa), seu, sua, dele, filho dele, marido de, o bairro onde, a cidade na qual...

. Palavras que exprimem duração de tempo: longamente, alguns dias, horas a fio, sem demora...

Fazer sentir o passar do tempo é uma das ciências do roteiro. Dramatizar passagens de tempo sem recorrer a clichês é sempre um desafio a ser enfrentado.

. Palavras que exprimem ordem não-vizível: depois, de repente, então, antes de...

Num filme, tudo acontece de repente, então, depois e antes de algo.

. Palavras que exprimem mudança não-vizível: no lugar de, ao invés de, ao contrário, diferente...

. Palavras que exprimem quantidades subjetivas: vários, muitos, alguns, bastante...

Se você escrever “alguns homens estão na praia” o produtor vai lher perguntar se alguns são 6 ou 36 ou, o que é mais provável, vai decidir por conta própria que são 5.

. Palavras que exprimem qualidades não-visíveis do espaço: longe, ermo, distante, afastado, vizinho...

. Palavras que exprimem qualidades não-visíveis da matéria: áspero, pegajoso, gelado, quente, leve, pesado...

. Palavras que exprimem faculdades cognoscitivas: pensa, lembra, não lembra, esquece, ignora, descobre, percebe, não percebe, entende, sem entender, provando que, como se, acha que, parece, com ar de, porque, já que, imaginando que, supõe, deduz, conclui...

. Palavras que exprimem faculdades volitivas: quer, sente, deseja, pretende, sem querer, por obrigação, por acaso...

. Palavras que exprimem operação afetiva (não visível): amar, apaixonar-se, sentir falta, com saudade...

Não confundir com emoções visíveis como triste, alegre, furioso, surpreso...

Além destas “palavras invisíveis”, o roteiro deve evitar também, em suas rubricas, expressões redundantes ao ato cinematográfico: câmera, câmera mostra, vemos, o espectador vê, o público vê...

Resumindo e repetindo: o que não é visível ou audível não é roteiro.

(“Tem a ver com a Rússia.”)

Regra 2 - O roteiro deve ser dividido em cenas.

A cena é a unidade de espaço/tempo da ação dramática. A indicação da cena deve ser clara, de preferência em letras maiúsculas.

O mínimo a dizer: onde se passa a cena (local, cenário), quem faz parte dela (personagens, atores) e o que acontece.

Numerar as cenas é uma opção. O número da cena aparece no filme? (Regra 1) Sim, é a ordem da cena no filme.

Vantagens: poder trabalhar em parceria e poder se referir a uma outra cena (“...mesmo figurino da cena 8...”).

Desvantagem: ter que mudar a numeração quando cenas são descartadas ou novas cenas surgem. (“... mesmo figurino da antiga cena 28...” ou “... cena 34B...”).

Sugestão: só numere as cenas quando tiver uma primeira versão inteira do roteiro e outras pessoas precisarem lê-lo.

CENA 1 SUPERMERCADO, INTERIOR / DIA

ANDRÉ, 18 anos, magro, roupas simples, mochila nas costas, está na fila de um caixa de supermercado. Atrás dele, um HOMEM, 50 anos, com dois pacotes na mão. Atrás do homem, uma SENHORA, 40 anos, e uma CRIANÇA de 5 anos, com um carrinho cheio de compras. André tira do bolso a carteira de dinheiro enquanto a MOÇA do caixa vai passando as compras de André: esponja para lavar pratos, detergente, leite, pão, margarina. André confere o dinheiro na carteira.

ANDRÉ

Quanto deu até agora?

MOÇA

Oito e vinte e cinco.

Obs. O roteiro padrão americano (escrito em Courrier) tem o nome do personagem centralizado antes dos diálogos, com 3 indentações (margens) distintas, uma para as rubricas, outra para o nome do personagem, outra pra o diálogo. (Eu escrevo em Times New Roman e só uso duas margens, nome e diálogo alinhados.)

CENA 1. SUPERMERCADO, INTERIOR / DIA

ANDRÉ, 18 anos, magro, roupas simples, mochila nas costas, está na fila de um caixa de supermercado. Atrás dele, um HOMEM, 50 anos, com dois pacotes na mão. Atrás do homem, uma SENHORA, 40 anos, e uma CRIANÇA de 5 anos, com um carrinho cheio de compras. André tira do bolso a carteira de dinheiro enquanto a MOÇA do caixa vai passando as compras de André: esponja para lavar pratos, detergente, leite, pão, margarina. André confere o dinheiro na carteira.

ANDRÉ

Quanto deu até agora?

MOÇA

Oito e vinte e cinco.

X

Em seqüências de montagem que intercalam várias cenas, penso que é melhor indicar as várias cenas num único cabeçalho e depois descrevê-las sem interrupções, facilitando a leitura. (Neste caso, caberá à Produção e ao Assistente de Direção refazer a numeração das cenas antes do filme entrar em produção.)

Exemplo:

CENA 15. CENA DE MONTAGEM - QUARTO DE ANDRÉ, RUAS, TABLE-TOP, INTERIOR / EXTERIOR, NOITE/DIA

André em seu quarto, fazendo contas. Detalhes de suas contas no papel, detalhes do contracheque. Detalhe do número 302, desenhado por André.

ANDRÉ (OFF)

Eu ganho dois salários mínimos, são trezentos e dois reais por mês,

André numa calçada. Olha para uma vitrine, tênis com etiqueta de preço (R$ 290,00), Sílvia passa, quase imperceptível, no reflexo da vitrine.

ANDRÉ (OFF)

Duzentos e noventa com os descontos.

André caminha na calçada.

ANDRÉ (OFF)

Não gasto em transporte, vou a pé para a loja e não saio nunca.

Mão de André fechando a geladeira. Detalhe da conta do aluguel.

ANDRÉ (OFF)

Minha mãe paga o supermercado com a pensão dela, eu pago metade do aluguel...

André desenha uma HQ sobre uma planta baixa. Xerox falhado da planta baixa de um apartamento. Quarto de empregada, uma empregada encaixotada.

ANDRÉ (OFF)

... dois quartos com dependência de empregada, se a gente tivesse empregada e ela conseguisse dormir de pé.

HQ: Sala do apartamento, mãe deitada no sofá vendo TV.

ANDRÉ (OFF)

Sala, vista para o prédio em frente, tudo isso por apenas...

HQ: Cozinha, mãe colando recibo na geladeira.

ANDRÉ (OFF)

... trezentos e trinta reais, trezentos e oitenta com o condomínio.

Detalhes das contas de André.

ANDRÉ (OFF)

Sobram cem.

André tenta passar na roleta com a caixa da televisão e dinheiro para pagar o ônibus.

ANDRÉ (OFF)

Pago metade da prestação da tv, quatorze polegadas, controle remoto, sessenta e quatro reais, trinta e dois a minha parte, sobram sessenta e oito.

André toma uma cerveja num bar.

ANDRÉ (OFF)

Gasto com bobagens: uma revista, uma cerveja...

André desenha uma guria vista através de um binóculo.

ANDRÉ (OFF)

...uma caneta.

André tira binóculo da caixa. André com o binóculo, na janela. André sem binóculo olha para o 4º Distrito. André colocando binóculo no olho. Gondoleiros, ruas do 4º Distrito, Ponte. André fazendo zoom no binóculo. André fechando na ponte, ponte abre.

ANDRÉ (OFF)

Para comprar o meu binóculo em precisei economizar um ano.

Regra 3 – O que acontece, na ordem em que acontece.

Tudo que vai estar no filme, e em cada cena do filme, deve aparecer no roteiro na mesma ordem em que vai aparecer no filme.

Contra-exemplo:

O Dr. Gustavo aproxima-se e pára na frente da casa.

DR. GUSTAVO

(gritando) Helena!

Helena surge na janela.

HELENA

O que foi?

DR. GUSTAVO

Venha aqui fora, quero conversar com você.

HELENA

Agora eu não posso. O senhor entre, estou teminando o almoço.

O Dr. Gustavo desce de seu cavalo e entra na casa.

“Conforme ninguém esperava”, um cavalo surge no último instante da cena.

O Dr. Gustavo, montado num cavalo branco, aproxima-se...

Exceção à regra 3, “da ordem das coisas”: o nome do personagem.

Se o personagem vai ter um nome no filme ele é indicado por este nome desde sua primeira entrada. Não fosse assim, ele seria chamado de duas maneiras diferentes (Por exemplo, “Homem” e “Dr. Gustavo”) o que confundiria a produção e também o ator.

Esta exceção à regra tem um frequente efeito colateral: personagens que só têm nome por escrito. No exemplo citado, o personagem (Dr. Gustavo) ainda não tem nome. Se o nome do seu personagem é importante - por exemplo, se personagens se referem a ele e isso é fundamental para a compreensão da história - certifique-se que ele será ouvido no filme. (Cuide para que essa necessidade do roteiro seja também do personagem. “Quando casei com Gertrudes, sua mãe,...”)

Regra 4 : Tudo que é falado no filme deve estar no roteiro.

O improviso dos atores pode ser valioso, pode contribuir muito para a qualidade do filme, mas é uma opção do diretor. A tarefa do roteirista é escrever todas as falas, narrações e textos que estarão no filme. Não são admissíveis num roteiro, salvo pedido expresso do diretor, frases como “Janice e Gonçalves discutem a respeito de seu casamento”, “Alfredo pede para ir ao banheiro”.

Para facilitar a visualização, as falas devem estar muito claramente destacadas do resto do texto, a ponto de constituir, visualmente, na página, dois blocos: o “bloco das falas” e o “bloco da rubricas/descrição/narração/”.

O nome do personagem que fala deve anteceder cada fala, com destaque (normalmente indicado por letras maiúsculas).

Devem ter indicação específica, entre parênteses ao lado do nome de quem fala, as falas em que o personagem está fora de quadro (FQ) ou com voz sobreposta (VS). Em inglês usam-se as expressões “off-screen” (OS) e “voice-over” (VO). No Brasil, sabe-se lá por quê, adotou-se o termo inglês OFF para ambos os casos. (Meu caso.)

Rubrica é um conceito que vem do teatro, no sentido de “tudo que não é fala”. Eu uso neste sentido, mas a palavra rubrica costuma ter no cinema um significado mais específico, um trecho de frase, colocado entre parênteses dentro do bloco das falas, para indicar a intenção do personagem ao dizer a fala (rubrica de intenção) ou uma pequena ação realizada pelo personagem enquanto ele diz a fala (rubrica de ação simultânea).

Etimologia: o latim, rubricus, 'terra vermelha', argila utilizada para escrever e pôr em destaque os títulos da lei. Rubrica: cinema, teatro, televisão, em um roteiro de filme, teatro, televisão etc., texto que não faz parte do diálogo, mas indica aos atores, ao diretor e à produção (arte, figurino etc.) detalhes imprescindíveis da cena.

É fundamental que o roteirista leia em voz alta as falas do roteiro.

Ex: Sanduíche. “A calça de couro”.

O roteirista pode e deve acompanhar leituras do roteiro e, se for o caso, “arredondar” falas, torná-las mais orgânicas.

Contra-exemplo: Decamerão.

OBS: Tenho a tendência, como diretor, a desconfiar de idéias de última hora, que podem parecer boas no momento e que criam problemas não percebidos na atividade frenética de um set de filmagem.

(Na indonésia há uma palavra para isso, “alguém que, na última hora, tem uma idéia criativa que só piora tudo”: neko-neko. Num set de filmagem, tome cuidado com neko-nekos).

Se você, além de roteirista, é o diretor, pode aceitar ou recusar sugestões de alteração nas falas. Em geral, só costumo aceitar idéias de última hora se tenho a opção de mudar de opinião na montagem. Caso contrário, é quase sempre mais seguro e proveitoso dizer “Não, você não pode mudar a fala”.

É extremamente comum – acontece em todos os trabalhos – que as falas de uma cena sofram acréscimos na filmagem e voltem, na montagem, à forma original do roteiro.

Regra 5 – Use com moderação as indicações de intenção dos personagens.

As intenções dos personagens (atores) podem ser visíveis: agitado, furioso, vacilante, sonolento... e portanto podem estar no roteiro. Estas indicações podem vir (entre parênteses) intercaladas no diálogo, quando se referirem a fala, ou dentro das rubricas, quando se referirem à ação.

Exemplos:

CENA – BANHEIRO – INT/NOITE

Deitada na banheira, sonolenta, Maria Eduarda lê o jornal. Ela cochila e deixa o jornal tocar na água. Desperta, assustada, pega uma toalha e tenta secar o jornal.

CENA – BANHEIRO – INT/DIA

ERNESTO

(irritado) Foi você que molhou o jornal deste jeito?

MARIA EDUARDA

(indignada) Eeeu??

Use as indicações de intenção para os atores com moderação. Bons atores costumam se irritar – com razão - com indicações óbvias e banais: alegre, animado, triste... Se a cena não foi capaz de indicar a intenção, o problema é de dramaturgia e não será resolvido com uma rubrica.

Exemplo de má rubrica de intenção:

“João está pensativo, catatônico. Maria olha para ele franzindo a testa, baixando uma sobrancelha mais que a outra.”

(Nelson Rodrigues escrevia quase uma rubrica por fala, virou estilo.)

Regra 6 : Descreva cenários e personagens

É importante criar, no roteiro, uma imagem dos cenários e personagens. Descreva o que é visível (ou audível) e o que é dramaticamente significativo. E não descreva o que não é visível ou dramaticamente significativo.

Calvino: “Um objeto, numa história, é sempre mágico”.

Devem ser descritos todos os personagens e cenários que estão aparecendo pela primeira vez.

Giba Assis Brasil:

“Quando o personagem está sendo apresentado no filme, o público memoriza dele alguns traços físicos essenciais, que vão servir, durante a história, para identificá-lo em relação à trama. O roteiro tem que fazer o mesmo: dar o nome do personagem (ou o nome pelo qual ele vai ser identificado) e associar a este nome algumas características (normalmente 3 ou 4, começando pela idade arredondada) que ajudem na sua visualização: “Mariana, 25 anos, loira, bonita, mancando da perna direita...” “O Capitão, 50 anos, grisalho, sério, barriga proeminente...” A partir daí, sempre que o leitor ler os nomes “Mariana” ou “Capitão”, formará mentalmente a imagem sugerida na apresentação.”

As descrições devem ser visuais. Características psicológicas ou referentes à biografia dos personagens devem ser trabalhadas no roteiro para se transformarem em ações, palavras, gestos.

(“Dramatizar!”)

Evitar, portanto, descrições como:

Maria Rita, 45, é uma mulher alta, firme e decidida, embora sua mãe sempre duvide de sua capacidade.

O mesmo vale para os cenários.

A descrição (para o leitor) deve corresponder ao que deveria estar sendo visto (pelo espectador) a cada momento.

No roteiro, a descrição do personagem ou do cenário só deve aparecer se (e no momento em que) eles surgem no filme. (Regra 3, a ordem das coisas.)

A rubrica, como intenção ou como ação simultânea, refere-se sempre à frase que vem DEPOIS dela. Exemplos:

PAULINHO

Pode deixar. (irônico) Eu cuido dela como se fosse minha irmã.

CARLA

Ah, você está aí? (fechando a porta) Eu desisti de ir.

Deve-se evitar rubricas excessivas, tanto em tamanho quanto em possibilidade de interpretação.

CARMEM

(com ares de admiração e desconfiança na crença das reais possibilidades da execução do trabalho) Gabriel, você tem certeza que não vai precisar de ajuda?

Regra 7 – Escreva na terceira pessoa.

Um filme é uma experiência externa, que acontece numa tela colocada à nossa frente, a uma certa distância, com outras pessoas ou personagens. Por isso, todo roteiro deve ser narrado em terceira pessoa.

Vai até o armário, abre o armário e pega a concha de sopa.

E não...

Fui até o armário, abri o armário...

Regra 8 – Escreva os verbos no presente.

Assistir a um filme é uma experiência que acontece no tempo, como a música ou o teatro, e ao contrário da pintura, da escultura e da literatura, que acontecem no espaço. O tempo de visualização de um filme é sempre o presente.

João levanta, pega a arma e aponta para o papagaio.

E não...

João levantou e apontou a arma para o papagaio.

Regra 9 – Evite termos técnicos

Um roteiro deve evitar ao máximo o uso de especificações técnicas ou expressões que indiquem explicitamente a filmagem, tais como “close”, “plano geral”, “travelling”, “corta para”...

Expressões como “câmera mostra” ou “vemos agora” são inúteis (sempre a “câmera mostra” e tudo “vemos agora”).

Expressões como “close”, “travelling”, são para a decupagem, trabalho do diretor.

“Por que a palavra “câmera” deve ser evitada em um roteiro? Porque, a princípio, a câmera não deve ser vista no filme. Por que não se deve usar a palavra “vemos”? Porque não precisa: em princípio, tudo o que está num roteiro deve ser visto. Já a palavra “ouvimos” tem uma função importante, significando “ouvimos mas não vemos”. Se colocássemos em um roteiro a frase “Uma ambulância passa ao longe”, o leitor imaginaria um plano aberto mostrando a rua e a ambulância passando lá no fundo. Já a frase “Ouvimos a sirene de uma ambulância passando” deixa claro que a ambulância não deve ser vista, apenas ouvida.” Giba Assis Brasil.

Regra 10 – O tempo de leitura deve ter o tempo do filme

Cada narração, cada descrição, cada rubrica, deve ser escrita de forma a ter um tempo de leitura o mais próximo possível do tempo que se imagina que eles terão no filme.

Não se deve contar longamente uma ação breve ou brevemente uma ação longa. Ler um roteiro em voz alta - inclusive ação e diálogo - não deve tomar nem mais nem menos que o tempo que se terá para ver o filme.

Versão 1:

Benjamim posiciona-se num dos mijadouros. Olha o mijadouro. Há dois tocos de cigarro com filtro. Benjamim observa os tocos de cigarro: um com bocal amarelo e outro com bocal branco manchado de batom. Benjamim nota que a guimba branca com batom traz impressa em dourado quatro argolas e a marca Dam. Benjamim se afasta.

Versão 2:

Benjamim posiciona-se num dos mijadouros. Olha o mijadouro. Há dois tocos de cigarro com filtro. Benjamim se afasta.

Padrão: Uma página (mais ou menos 1000 caracteres) por minuto.

Regra 11 – A decupagem pode (e deve) ser sugerida.

Roteiro não é decupagem. Mas um bom roteiro deve se preocupar em SUGERIR uma decupagem.

Exercício:

Escrever como roteiro, sugerindo a decupagem.

Raymond Chandler, O sono eterno. Tradução de Paulo Henriques Britto. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1974.

“Naquele exato momento, três tiros soaram dentro da casa. Depois ouviu-se um ruído como se fosse um suspiro prolongado e áspero. Depois o desabar desastrado de alguma coisa mole. E então passos rápidos se afastando lá dentro.

A casa à minha frente estava silenciosa como um túmulo. Não havia pressa. Fosse o que fosse, o que está dentro dela estava lá dentro. Pulei a cerca e me debrucei no parapeito de uma janela, com cortinas mas sem tela, e tentei olhar pelo intervalo das cortinas. Vi uma parede iluminada e a ponta de um estante. (...) Subi na cerca e quebrei a janela com um chute. Agora é só enfiar a mão e soltar o ferrolho. O resto foi fácil. Entrei e empurrei as cortinas para longe do meu rosto. As duas pessoas que estavam na sala ignoraram minha presença, embora só uma delas estivesse morta.

Capítulo 7

Era uma sala larga, com a largura total da casa. Tinha o teto rebaixado, com vigas, e as paredes de reboco marrons, enfeitadas com bordados chineses e gravuras chinesas e japonesas em moldura de madeira. Havia estantes baixas, um tapete chinês rosado tão espesso que uma marmota poderia passar uma semana nele sem ser vista. Havia almofadas espalhadas pelo chão, e retalhos de seda, como se a pessoa que morrase ali precisasse sempre pegar um para ficar passando a mão. Havia um divã largo e baixo, forrado com uma tapeçaria antiga, também rosada. Em cima dele, um monte de roupas, entre elas alguma lingerie de seda lilás. Havia um abajur grande de madeira trabalhada sobre um pedestal, dois outros abajures de pé com quebra-luz verde e borlas compridas. Havia também uma escrivaninha preta com gárgulas nos cantos, e atrás dela uma cadeira preta polida, com braços os braços e os encostos trabalhados e uma almofada de cetim amarelo. Havia uma ombinação estranha de cheiros na sala, dos quais o mais forte no momento era a enjoativa presença do éter.

Havia uma espécie de plataforma baixa numa das extremidades da sala, e nela uma cadeira alta, na qual a srta. Carmen Sternwood estava sentada, sobre um alaranjado xale de franja. Estava toda esticada, as mãos nos braços da cadeira, os joelhos bem juntos, o corpo rigidamente ereto numa pose de deusa egípcia, o queixo na horizontal, seus dentinhos reluzentes brilhando entre os lábios abertos. Os olhos estava arregalados. O negro da íris havia devorado as pupilas. Eram olhos loucos. Ela parecia estar inconsciente, mas sua postura não era a da inconsciência. Tinha o ar de quem acha que está fazendo uma coisa muito importante e está se saindo muito bem. De sua boca saía um barulhinho metálico, era quase um riso, mas não a fazia mudar de expressão nem sequer mover os lábios.

Usava um par de longos brincos de jade. Eram bonitos, deviam ter custado uns duzentos dólares. Não estava usando mais nada. Tinha um belo corpo, pequeno, elástico, compacto, firme, arredondado. À luz do abajur, sua pele tinha o brilho sedoso de uma pérola. Olhei-a de alto a baixo sem vergonha nem desejo. Como moça nua, para mim ela nem estava lá. Era apenas uma pateta. Para mim ela nunca passara de uma pateta.

Parei de olhar para ela e olhei para Geiger. Ele estava de costas no chão, perto da franja do tapete chinês, à frente de uma coisa que parecia um totem. Vista de lado, parecia uma águia, e o olho grande e redondo era a lente de uma câmera. A lente estava virada para a moça nua na cadeira. Havia uma lâmpada de flash queimada presa à lateral do totem. Geiger estava de chinelos chineses de solas grossas de feltro, suas pernas em um pijama de cetim preto, e o tronco vestia um casaco chinês bordado, todo ensanguentado na frente. O olho de vidro brilhava para mim, era de longe a coisa mais viva que havia nele. À primeira vista pude constatar que nenhum dos três tiros que eu ouvira tinha errado o alvo. Ele estava mortíssimo.”

Problemas mais comuns quanto à escritura do roteiro:

. descrições não-filmáveis.

. diferença entre tempo de leitura e tempo do filme.

. excesso de termos técnicos.

. descrição de ações fora da ordem em que vão surgir no filme.

. falta divisão de cenas, com mudanças não indicadas de cenário ou de passagens de tempo.

. excesso de divisão de cenas ou de descrições de cenário, figurino, objetos, etc.

. falta descrição das ações, imprecisões ou descrições confusas.

. excesso de descrição de ações.

. falta de descrição dos personagens e cenários.

. faltam falas (falas em discurso indireto).

. Atenção: erros de ortografia, acentuação, pontuação, concordância ou construção das frases são ruins em qualquer texto, incluindo roteiros.

Linda Seger: “O processo criativo é mover-se do caos para a ordem”.

Um bom conselho, acho que do Balzac: “Crie com vinho, revise com café”.

João Ubaldo Ribeiro:

"Há praticamente cinco anos (acabo de fazer 66 de idade), venho tentando escrever um romance e não consigo passar do segundo capítulo. Ele é sempre interrompido e, pelo menos no meu caso, quando um romance é interrompido, principalmente no começo e em alguns pontos imprevisíveis, ele desanda inteiramente, tem-se que começar tudo de novo. Não é exagero: às vezes um só dia dedicado a outras atividades pode prejudicar o trabalho de meses."

William Goldman:

"Você tem que proteger seu tempo dedicado à escrita. Você tem que protegê-lo até as últimas conseqüências."

Recapitulando:

- Etapas da realização de um filme.

- Etapas de realização de um roteiro.

- O que é roteiro.

- O que não é roteiro.

- O roteiro como instrumento de trabalho.

- A escritura: regras e exceções. (“Tudo deve ser visível ou audível”. “Dramatizar!”)

#CAPÍTULO 3: A LINGUAGEM CINEMATOGÁFICA

- Cinema, o que é.

Várias visões possíveis.

“Cinema é a música da luz”. Abel Gance

“Cinema é cachoeira”. Humberto Mauro.

"Uma fala literária e dramática envolvida por imagens." Paulo Emílio Salles Gomes, 1960.

"Um complexo ritual que envolve mil e um elementos diferentes, a começar pelo seu gosto para este tipo de espetáculo, a publicidade, pessoas e firmas estrangeiras e nacionais que fazem e investem dinheiro em filmes, firmas distribuidoras que encaminham estes filmes para os donos das salas e, finalmente, estes, os exibidores que os projetam para os espectadores que pagaram para sentar numa poltrona e ficar olhando as imagens na tela." Jean-Claude Bernardet em "O que é cinema", 1980.

"A primeira tentativa, desde o início da nossa civilização individualista moderna, para produzir arte para o público em massa." Arnold Hauser em "História social da literatura e da arte", 1951.

"Uma invenção sem futuro." Louis Lumière, 1895

Qualquer sistema de registro, montagem e reprodução de imagens em movimento sobre suporte físico (película, vídeo-teipe, etc), acompanhadas ou não de som. Por extensão, arte e técnica de registrar, montar e reproduzir imagens em movimento.

Maxim Gorki, em 1896, previu que em pouco tempo o cinema se resumiria a um único gênero: a pornografia.

Sílio Boccanera Júnior, em O Teatro na Bahia, 1924:

“E o que é o CINEMA? Propagador, quase sempre, de malefícios sociais; boa escola, muitas vezes, de sensualismo, até, do crime; subversivo, na mor parte das vezes, da moral pública; toxicante para o espírito inexperto da mocidade em florescência; perturbador vezes ainda, da imaginação ardente, povoada de sonhos, de intemeratas virgens, criando nelas sentimentos mórbidos e inclinações malsãs. (...) Que são os tais filmes passionais, amorosos, (filmes de alcovas, digamos com mais propriedade) senão venenos mais corrosivos que os romances de Rabellais [sic] ou Paulo de Kock? Que são os chamado policiais, instrutores e guias de espíritos tenebrosos, senão elementos perniciosos à moral da família, infeccionantes para a higiene social? Que são, todos esses, senão corruptores dos bons costumes, violadores das leis da civilização, do decoro público, sem as quais se não pode compreender respeito mútuo na vida orgânica de uma sociedade?”

(citado em História da Inteligência Brasileira, Wilson Martins, volume 6).

X

Descrição da primeira projeção de cinema no Rio de Janeiro, publicada no Jornal do Comércio de 9 de julho de 1896.

"OMNIOGRAPHO

Com este nome, tão hibridamente composto, inaugurou-se ontem, às duas horas da tarde, em uma sala à Rua do Ouvidor, um aparelho que projeta sobre uma tela colocada ao fundo da sala diversos espetáculos e cenas animadas, por meio de uma série enorme de fotografias. Mais desenvolvido do que o Kinetoscopio, do qual é uma ampliação, que tem a vantagem de oferecer a visão, não a um só espectador, mas a centenas de espectadores, cremos ser este o mesmo aparelho a que se dá o nome de cinematographo.

Em uma vasta sala quadrangular, iluminadas por lâmpadas elétricas de Edison, paredes pintadas de vermelho-escuro, estão umas duzentas cadeiras dispostas em fila e voltadas para o fundo da sala onde se acha colocada, em altura conveniente, a tela refletora que deve medir dois metros de largura aproximadamente. O aparelho se acha por detrás dos espectadores, em um pequeno gabinete fechado, colocado entre as duas portas de entrada.

Apaga-se a luz elétrica, fica a sala em trevas e na tela dos fundos aparece a projeção luminosa, a princípio fixa e apenas esboçada, mas vai pouco a pouco se destacando. Entrando em funções o aparelho, a cena anima-se e as figuras movem-se.

Talvez por defeito das fotografias que se sucedem rapidamente, ou por inexperiência de quem trabalha com o aparelho, algumas cenas movem-se indistintamente em vibrações confusas; outras, porém, ressaltavam nítidas, firmes, acusando-se em um relevo extraordinário, dando magnífica impressão de vida real. Entre estas, citaremos: a cena emocionante de um incidente de incêndio, quando os bombeiros salvam das chamas algumas pessoas; a da dança da serpentina; a da dança do ventre, etc. Vimos também uma briga de gatos, uma outra de galos, uma banda de música militar, um trecho de boulevard parisiense, a chegada do trem, a oficina de um ferreiro, uma praia de mar, uma evolução espetaculosa de teatro, um acrobata no trapézio e uma cena íntima.

O espetáculo é curioso e merece ser visto, mas aconselhamos aos visitantes a se acautelarem contra os gatunos. Na escuridão negra em que fica a sala durante a visão, é muito fácil aos amigos do alheio colher o que não lhes pertence. A polícia que tão bem os conhece poderia providenciar no sentido de impedir-lhes a entrada naquele recinto".

X

Bernard Shaw, em 1930, escreveu que o cinema poderia vir a se tornar uma arte, "desde que desistissem das imagens e projetassem só as legendas".

"Cinema é realidade a 24 quadros por segundo." Godard

"Cinema é mentira a 24 quadros por segundo." Fassbinder

O cinema é uma indústria, uma arte industrial, típica da era de reprodutividade. (A indústria determina padrões, tanto quanto a arte. 20 minutos a menos, 20% a mais)

O cinema é também uma arte, uma arte que se alimenta de todas as outras formas de arte, utiliza elementos da literatura, do teatro, da música, da fotografia, das artes plásticas, da dança, do circo.

- Cinema, como funciona.

A “magnífica impressão de vida real” da linguagem cinematográfica tem ao menos quatro causas bastante concretas.

1) Persistência da Imagem na Retina

Em 1824, o médico inglês Peter Market Roget escreveu um artigo intitulado "Persistência de Visão Referente a Imagens em Movimento". Girando uma moeda ele descobriu que podia ver, ao mesmo tempo, os dois lados da moeda.

Tal efeito era conhecido desde o antigo Egito, e vários inventores empregaram a descoberta em brinquedos, com desenhos: Zootróprio, Fenaquistoscópio, Fantoscópio... (Veja Bem)

Com a invenção e o desenvolvimento da fotografia foi possível chegar às "imagens moventes do mundo natural", uma vez que a fotografia reproduz, sem interferência do homem, o mundo exatamente como ele é. Verdade? Mentira! A fotografia reproduz parcialmente um ponto de vista num local e num momento específico.

Lei eleitoral e linguagem cinematográfica.

2) O Efeito Esteriocinético

Planos que se movimentam em diferentes velocidades e com focos distintos causam a sensação de profundidade. O "sfumatto" da Mona Lisa e os desenhos Disney.

3) O "Estado de Cinema".

A alteração da percepção de tempo e espaço na sala escura. O tempo, no escuro, parece custar mais a passar. Esta sensação modificada de tempo gera um desejo de ação intensificada.

Estado de cinema: mergulho total e inconsciente na falsa realidade do cinema, expressão criada pelo psicólogo alemão Hugo Mauerhofer. Ele propõe a seguinte analogia: "imagine uma pessoa fora de seu ambiente normal; tudo escurece e imagens começam a aparecer; essas imagens se sucedem sem compromissos lógicos e sem qualquer cronologia real; o espectador se envolve totalmente com as imagens até que elas desaparecem; o ambiente se ilumina. Esta é uma descrição fiel do "assistir cinema", e do sonho. Mauerhofer chamou este estado intermediário entre a vigília e o sonho de "estado de cinema". Nele, o espectador é protegido pelo anonimato da escuridão e observa, como um vouyer, a vida alheia em absoluta segurança. O cinema não "sabe" que está sendo visto. Outras características do "estado de cinema", também decorrentes da escuridão da sala de projeção, são o tédio e a exacerbação da imaginação. A alteração das sensações de tempo e espaço, quando estamos no escuro, são utilizados pelo cinema. "O filme na tela vem de encontro tanto ao tédio incipiente como à imaginação exaltada, servindo de alívio ao espectador que mergulha numa realidade diferente, a do filme.”

Antonio Damásio:

Contar histórias, no sentido de registrar o que acontece na forma de mapas cerebrais, é provavelmente uma obsessão do cérebro e talvez tenha início relativamente cedo, no que concerne tanto ao processo evolutivo como à complexidade das estruturas neurais necessárias para criar narrativas. Contar histórias precede a linguagem, pois é, na verdade, uma condição para a linguagem”.

4) Suspensão voluntária da descrença: a fé poética.

O conceito ("the willing suspension of disbelief”) foi formulado por Samuel Taylor Coleridge, filósofo inglês (21/10/1772 – 25/07/1834) em “Biographia Literaria”, ensaio publicado em 1817. O trecho, na tradução de Liziane Kugland:

"… ficou entendido que meus esforços deveriam ser direcionados a pessoas e personagens sobrenaturais, ou pelo menos românticos, e ainda com o intuito de buscar em nossa natureza interior um interesse humano e uma aparência de verdade suficientes para fornecer a estas sombras de imaginação aquela momentânea suspensão voluntária da descrença, a qual constitui a fé poética."

”... It was agreed, that my endeavours should be directed to persons and characters supernatural, or at least romantic, yet so as to transfer from our inward nature a human interest and a semblance of truth sufficient to procure for these shadows of imagination that willing suspension of disbelief for the moment, which constitutes poetic faith.”

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A idéia da “fé poética” aparece claramente no prólogo de Henrique V, de William Shakespeare, aqui na tradução de Beatriz Viégas-Faria, publicada pela L&PM:

Coro:

(...) “ Porém, perdoai, damas e cavalheiros, os espíritos rasos e não-elevados que ousaram, neste tablado que não é digno de vós, apresentar tema tão grandioso. Poderá este escaso espaço conter em si os espaçosos campos da França? E conseguiremos nós abarrotar dentro deste círculo de carpintaria os capacetes que aterrorizaram o próprio ar de Azincourt? Ah, perdão: uma vez que um número redondo pode significar, em pouco espaço, um milhão, então vamos nós, cifras zero nessa grande soma de eventos, atacar com as forças da nossa imaginação. Podeis supor que, dentro do abraço destes muros que nos cercam, estão agora confinadas duas poderosas monarquias, cujas fachadas altivas são escarpas geminadas que o oceano, ali estreito e perigoso, divide, separa e afasta. Fazei render as nossas imperfeições com os vossos pensamentos.”

Étienne Souriau:

"O microcosmo cênico representa um macrocosmo no qual ele se insere. Este microcosmo tem o poder de por si só representar e sustentar satisfatoriamente todo o macrocosmo teatral, sob a condição de ser tão "focal", a tal ponto "estelarmente central", que seu foco seja o mundo inteiro que nos é apresentado".

Até prova em contrário, o espectador está disposto a participar do jogo ficcional proposto pela linguagem cinematográfica.

Toda obra artística supõe um universo. Este universo depende da participação do espectador.

Cada forma de arte tem as suas limitações.

As principais limitações do cinema: custo de produção, duração real, limites do quadro.

Um parênteses, antes de seguir:

- Televisão é outra linguagem? Não.

Cinema e televisão utilizam a mesma linguagem, com os mesmos signos, a mesma força da fotografia, a mesma ilusão de volume provocada pelas imagens que se movem em planos sobrepostos, música, palavras, luz e movimento. A diferença não está na linguagem em que se constrói a narrativa no cinema ou na televisão e sim na maneira como uma e outra são apreendidas. A diferença não é como se faz mas sim como se vê. Uma sala iluminada apenas pelas imagens que por algum tempo numa grande tela se movimentam, sem que sobre elas tenhamos qualquer controle, é cinema. Uma pequena tela se esforçando para chamar atenção o tempo que for possível, sempre e enquanto nós deixarmos, é televisão.

É natural que a diferença de atenção do público de cinema e de televisão provoquem diferentes usos da mesma linguagem. O cinema, como disse Jean Claude Carriére, "ama o silêncio". A sensação de ver, numa grande tela, no escuro, é mais que suficiente para causar encantamento. A televisão odeia o silêncio. A imagem na televisão precisa constantemente da muleta do som e quase sempre da palavra. Não basta mostrar a faca, é preciso dizer, "Olhe, uma faca! Aqui! Na mesinha da sala, ao lado do vaso, está vendo? É uma faca! Não mude de canal! Não desligue, por favor!" A televisão não cala a boca. O cinema é um pescador, joga seu anzol no meio do lago e espera pacientemente que a vítima deixe o seu refúgio entre os juncos, estacione o carro e compre ingressos para morder a isca. A televisão vai a caça, busca o tatu na toca, enfiando-lhe o dedo onde for preciso.

Desde o momento em que alguém tem a idéia para um filme até que você o veja na tela de um cinema passam-se alguns anos. Tudo que chega ao filme foi visto muitas vezes por muitas pessoas. Você vê um filme sabendo que nada está ali por acaso. Na televisão tudo pode acontecer. Mesmo um filme na televisão pode ser interrompido a qualquer momento pela queda de um ministro ou de um avião. Televisão é sempre ao vivo.

Diferenças técnicas: resolução da imagem, imagem eletrônica (cor, textura...), custo relativo, durabilidade, profundidade de foco, imagem instantânea (até ao vivo), quando do fechamento deste texto (setembro de 2011), já são quase insignificantes. O grande fotógrafo Vittorio Storaro declarou recentemente que prefere trabalhar para televisão, já que os monitores estão cada vez maiores e melhores enquanto as projeções nas salas de cinema são frequentemente ruins. Já não sei distinguir, numa tela, se o material original foi captado em em digital ou película. Hoje, prefiro filmar em digital.

Semelhanças: a linguagem e a realização.

Um parâmetro para o roteirista: cinema, no Brasil, filma (em média) 3 a 4 páginas de roteiro por dia. Televisão, no Brasil, filma (em média), o dobro disso (6 a 8). (Menos, é claro, a novela, que faz um longa a cada três dias, algo como 35 páginas por dia, em várias frentes). Há casos extremos, cenas de duas linhas que levam muitos dias de filmagem (Kurosawa, Kubrick, isso para não falar da publicidade, já perdi tardes filmando uma rolha) e programas de tevê de meia-hora (30 páginas) filmados em um dia.

Este parâmetro sugere, por exemplo, que um roteiro de televisão deveria ter, no máximo, uma locação para cada 4 páginas (40 páginas, máximo de 10 locações), já que é muito difícil para uma equipe filmar (direito) em mais de duas locações por dia.

Diferença entre a televisão e o cinema que mais interessa para o roteirista: a quantidade de atenção.

Ex: o origami em Blade Runner.

O tamanho da tela, as interrupções (e, no vídeo, as possibilidades de "pause", "rewind"...).

A ritualização do ato de ver.

Existe um "Estado de tv"? Sim. O número (e variedade) de espectadores. O "perfil" do espectador. “Uma geração de ditadores”, Fellini, sobre a tv e seu controle remoto. Planos longos, longas introduções à história.

- Elementos da linguagem cinematográfica

Para o roteirista, o mais importante é que o cinema é uma linguagem, isto é, "um sistema de signos que serve de meio de comunicação entre indivíduos e pode ser percebido pelos diversos órgãos do sentido”. Dos cinco sentidos, o cinema utiliza dois: visão e audição.

Ao contrário de linguagens "arbitrárias" (por exemplo, a linguagem escrita, as linguagens de computador, os sinais de trânsito), o cinema se baseia, principalmente, na observação direta da realidade. Seus signos se estabeleceram a partir da observação direta do "real". Portanto, qualquer pessoa está "habilitada", como espectador, a decodificar os signos do cinema.

A linguagem cinematográfica pode ser traduzida em palavras, num roteiro do filme. Para que possamos melhor utilizar o potencial da linguagem cinematográfica e traduzi-la em palavras no roteiro, é útil que conheçamos os seus elementos. Digamos que sejam onze.

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11 Elementos da Linguagem Cinematográfica

1. PERSONAGEM

É cada um dos "seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres humanos". Em grego antigo, personagem era ÉTHÉ, que significa "aquele que escolhe". Para Aristóteles, o personagem era o resultado da interação da DIANÓIA (pensamento) com o ETHOS (ação, escolha).

Em cinema (como em teatro), o personagem não existe apenas no papel, mas é também o ATOR que o interpreta, seu FIGURINO e sua CARACTERIZAÇÃO. É o conjunto das FALAS previstas no roteiro (somadas à DICÇÃO ou forma de falar do ator) e das AÇÕES previstas no roteiro (somadas ao GESTUAL ou forma de agir do ator).

Há filmes sem personagens? Sim, em qualquer Bienal, mas eles dialogam com as artes plásticas, não com as artes dramáticas.

O personagem é o elemento mais importante da dramaturgia, no próximo capítulo falaremos só dele.

2. CENÁRIO

É o espaço dentro do qual acontece a ação. “Alguns autores dizem que o cinema deixou de ser "teatro filmado" quando a concepção do cenário evoluiu do "espaço em frente ao qual a ação acontece" para o "espaço dentro do qual a ação acontece". Giba.

Há filme sem cenário? Não.

3. ENQUADRAMENTO

Salvo exceções dramaticamente significativas, o enquadramento é um elemento de uso preferencial do diretor. O roteirista deve, no entanto, conhecer as diferentes possibilidades de relação da câmera com os personagens e o cenário.

Há filmes sem enquadramento? Não.

O enquadramento pode variar segundo...

. Tipos de planos

Existem dezenas de classificações diferentes, mas quase todas as listas têm como ponto de partida as diferentes formas de enquadrar o corpo humano: plano de rosto, plano de peito, plano de coxa... Para o roteirista, julgo serem suficientes imaginar quatro tipos de plano:

- CLOSE (ou Plano de Rosto, ou Primeiríssimo Plano.). O importante é a expressão do personagem. Cenário, figurino e tudo o mais em torno não tem importância.

- PLANO MÉDIO (ou de Coxa, de Corpo Inteiro...). A atenção se divide entre o personagem e o que está em torno (cenário, outros personagens.).

- PLANO GERAL (ou de Conjunto.). Dá mais atenção ao cenário e ambiente do que a expressão do personagem.

- DETALHE. Chama a atenção do público para um detalhe da cena: uma palavra escrita, um relógio, uma tatuagem ou sinal.

. Ângulo horizontal

Uma vez definido o "objeto" de um plano ainda podemos escolher o ângulo horizontal formado entre a câmera, o personagem e o seu olhar. Assim, um plano pode ser:

- FRONTAL

- DE 3/4

- DE PERFIL

- DE 1/4

- TRASEIRO

. Ângulo vertical

- AO NÍVEL do olhar do personagem

- PLONGÊ (do francês plongée, mergulho)

- CONTRA-PLONGÊ

- PLONGÊ ABSOLUTO

- CONTRA-PLONGÊ ABSOLUTO

. Profundidade de campo

- PRIMEIRO PLANO

- SEGUNDO PLANO

- Etc...

. Espaço fora de quadro

Em geral se diz que o espaço fora de quadro tem seis lados:

- DIREITA do quadro

- ESQUERDA do quadro

- EM CIMA do quadro

- EM BAIXO do quadro

- AO FUNDO do quadro (e suas portas, janelas, corredores, etc.)

- a própria CÂMERA e todo o espaço atrás dela.

Quando o personagem entra ou sai de quadro, ou quando olha para fora de quadro, pode fazê-lo por qualquer um destes seis lados.

Importante: em enquadramento, como em roteiro, sempre que se fala em DIREITA (ou ESQUERDA) está-se referindo à direita (ou esquerda) do quadro, não do personagem.

. Composição

Para enquadrar, portanto, precisa-se definir o objeto, o tipo de plano, os ângulos horizontal e vertical e a utilização da profundidade de campo e do espaço fora de quadro. Mas isto não é tudo. Em cinema, como em pintura ou fotografia, dá-se o nome de COMPOSIÇÃO à arte de combinar todos estes elementos num quadro.

Repetindo: O enquadramento, embora pareça uma lista fascinante, geralmente não diz respeito ao roteirista. O roteiro só deve INDICAR enquadramento quando ele tem UMA FUNÇÃO DRAMÁTICA OU NARRATIVA. No entanto, veremos que há muitas maneiras de SUGERIR enquadramentos (e cortes, e movimentos de câmera...) sem as utilização de indicações técnicas. (Ex: "O Bom, o Mau e o Feio", o gibi em Dorival, os pés de Oscarito.)

4. LUZ

Elemento fundamental, não há cinema sem ela. Além da indicação DIA e NOITE, importante para a produção, o roteirista, como no caso dos enquadramentos, só deve dar indicações de luz quando ela tem uma função dramática ou narrativa. A definição e o detalhamento da luz são prerrogativas do diretor e do diretor de fotografia. Tome cuidado especial com AMANHECER ou ENTARDECER. Lembre-se que eles são muito curtos.

A Luz inclui um elemento fundamental da linguagem cinematográfica: a COR. A Cor pode ser dramaticamente significativa ou mesmo fundamental para a narrativa. Nestes casos, deve estar no roteiro.

Há filmes sem luz? Não.

5. DURAÇÃO

O tempo decorrido, que não existe numa pintura ou numa fotografia. Não há como classificar os planos apenas quanto à sua duração. Determinar a duração de cada plano, de cada cena, é dos segredos do ofício cinematográfico. (ver “Em algum lugar”, de Sofia Coppola. “Elegia Soviética”, deo Sukorov).

Chama-se PLANO-SEQÜÊNCIA quando a câmera se coloca dentro da ação, acompanhando-a, não só se movendo dentro do cenário como através dele, e mesmo passando de um cenário a outro.

Através de trucagens de câmera ou de laboratório, pode-se alterar a duração da ação dentro de um plano. O exemplo mais comum é o SLOW-MOTION (em português erradamente chamado de CÂMERA LENTA) e o FAST-MOTION (em português, erradamente, CÂMERA RÁPIDA).

Outra forma de alterar a duração de uma ação é através do CONGELAMENTO (em inglês: FREEZE-FRAME). Rampa.

O cinema, como a música, é uma arte "contra o relógio". Comparação com outras artes: teatro, pintura, literatura.

O tempo no roteiro, o roteiro é como uma partitura: A Sinfonia Júpiter e Credence em HQC. Nasci para chorar em Dois Verões.

O tempo no cinema (diferente do tempo real): Potenkin.

O tempo na narrativa: A Família, Amarcord.

Há filmes sem duração? Não.

6. MOVIMENTO

Um elemento fundamental na linguagem do cinema.

Movimento que pode ser de qualquer um dos elementos do quadro.

- Do personagem

Entrando ou saindo de quadro, aproximando-se ou afastando-se da câmera. A movimentação dos personagens é muitas vezes indicada pelo roteiro. Ela pode ajudar a construir o personagem.

- Do cenário

Por exemplo, quando os personagens e a câmera estão dentro de um veículo em movimento. O cenário também pode se movimentar de outras formas: caindo, sendo erguido, sofrendo ação do vento ou da chuva ou de algum personagem.

- Da luz

Quando se deslocam, em quadro ou fora dele, fontes luminosas (faróis de automóveis, lanternas, o sol ou a lua, etc.) ou obstáculos à luz (nuvens, pessoas, animais, etc.), provocando sombras ou alterações na sua intensidade.

- Do enquadramento

São os movimentos de câmera e movimentos de lente.

- Da câmera

A câmera imita o olho humano, e seus dois principais tipos de movimento imitam nossa capacidade de olhar em movimento: mexendo os olhos ou caminhando.

PANORÂMICA (pan) é todo movimento de câmera em que ela não se desloca, mas apenas gira em torno de um eixo. Alguns autores chamam de TILT a panorâmica vertical A panorâmica pode ser:

(a) DESCRITIVA, quando descreve um cenário.

(b) DE ACOMPANHAMENTO, quando segue o movimento de um personagem, veículo, etc..

(c) PONTO DE VISTA, quando mostra o que é visto por um personagem parado, que apenas mexe os olhos.

(d) GEOGRÁFICA, quando estabelece a relação espacial entre duas coisas (personagens, grupos de personagens, objetos, trechos de cenário, etc.)

TRAVELING é todo movimento de câmera em que ela realmente se desloca no espaço. O traveling, como a panorâmica, pode ser DESCRITIVO, DE ACOMPANHAMENTO, PONTO DE VISTA (quando o personagem que olha está em movimento) ou GEOGRÁFICO. Mas, ao contrário da panorâmica, o traveling também pode ser:

(e) DE APROXIMAÇÃO, quando a câmera se desloca em direção a um personagem ou objeto.

(e) DE RECUO, quando a câmera se afasta de um personagem ou objeto.

(f) DE CONTORNO, quando a câmera contorna um personagem ou objeto.

Em geral, dá-se o nome de GRUA ao traveling vertical.

- Da lente

MUDANÇA DE FOCO (ou ALTERAÇÃO DE FOCO) é a focagem realizada durante o plano, alterando a nitidez geral da imagem e movendo o centro de atenção, do 1º para o 2º plano ou vice-versa.

ZOOM é um tipo de lente que pode alterar a sua distância focal e, portanto, o seu ângulo de visão. MOVIMENTO DE ZOOM é a abertura (ZOOM OUT) ou fechamento (ZOOM IN) de zoom realizada durante o plano, dando a impressão de que o objeto se afasta ou se aproxima. Ao contrário do traveling, o zoom não corresponde a um movimento possível do olho humano. o zoom altera o enquadramento sem mudar a perspectiva (isto é, a relação entre personagem e cenário, entre objeto e fundo, entre os diferentes planos).

Assim como as indicações de Enquadramento e Luz, as indicações específicas de Movimentos de Câmera e Lente devem ser evitadas pelo roteirista, sendo usadas apenas quando de VITAL IMPORTÂNCIA NARRATIVA OU DRAMÁTICA. Veremos que também existem maneiras de SUGERIR movimentos sem a utilização de termos técnicos.

Há filmes sem movimento? Pode haver, mas não me convide para vê-los.

7. SOM

Durante mais de 30 anos houve cinema mudo. Desde 1929 o som é um elemento fundamental da linguagem cinematográfica, "audiovisual", sons e imagens.

Há filmes sem som? Sim, muitos, alguns dos melhores.

A linguagem cinematográfica utiliza, além das falas, vários tipos de som:

- MÚSICA

pode ser de três tipos:

(a) DE CENA, quando faz parte do ambiente, seja porque os personagens a estão executando, seja porque a estão ouvindo.

(b) CLIMÁTICA, quando é uma projeção simbólica do momento vivido pelos personagens.

(c) NARRATIVA, quando os personagens se utilizam dela para se comunicar, como nos filmes musicais.

- RUÍDOS

Também pode ser de três tipos:

(a) DESCRITIVO, quando apenas acompanha a imagem mostrada, conferindo a esta um maior realismo (som de passos quando alguém caminha, som de socos acompanhando uma briga, etc.).

(b) EXPRESSIVO (ou ANTIDESCRITIVO), quando se choca com a imagem mostrada, retirando-lhe o realismo (em cenas de sonho, ou fantasmagóricas), ou quando soma-se a imagem conferindo-lhe novo sentido ou sublinhando determinado efeito (os "Bóings" e "Tóings" dos palhaços ou a frequência aguda que acompanha as manchetes de jornal em "Cabra Marcado") ou simplesmente quando se quer criar no público um efeito de "distanciamento" em relação ao filme (All that jazz, Ran).

(c) NARRATIVO, quando indica o que está acontecendo fora de quadro (os passos do perseguidor ouvidos pelo perseguido, um telefone que toca em outra sala, etc.)

8. FALAS

Mesmo antes de ter som, o cinema já tinha "falas", expressas em cartões intercalados às cenas. (“E se eu te disser que ela é morfética?”) São o tipo fundamental de som em cinema: cinema sonoro é, antes de mais nada, cinema falado. E isso por um motivo simples: a fala é ao mesmo tempo som e ação dramática.

Há filmes sem falas? Sim, muitos.

As falas podem ser de dois tipos:

- DIÁLOGO, quando é dita em quadro por um personagem que fala com outro.

O estudo dos diálogos seria tema para um curso inteiro. Na indústria cinematográfica americana “dialoguistas” pode ser uma profissão expecífica. Na televisão brasileiria também há dialoguistas, roteiristas que não trabalham nas tramas ou escaletas, são especialistas em diálogos.

Alguns conceitos básicos:

CHION:

O equilíbrio do diálogo deveria ser encontrado entre a concentração excessiva do texto escrito e o caráter demasiado diluído da verdadeira conversa "realista".

JEAN-CLAUDE CARRIÉRE:

Parece-me essencial e evidente jamais anunciar o que se vai ver, jamais contar o que se viu. Isso parece simples e infantil, um novo ovo de Colombo. Entretanto, quando se vai ao cinema, os personagens comentam a ação, dissertam sobre a imagem, o que é completamente inútil, ou pior, proclamam e expõe o que vai acontecer, o que vai ser mostrado. É uma perda de tempo considerável, uma redundância. Evitá-la é difícil e dá muito trabalho, mas é uma regra que me imponho e cada roteirista cria suas próprias exigências. Isto força a não ceder à facilidade da narrativa e a procurar e imaginar soluções narrativas que, sem isso, não teriam sido pensadas.

Sugestão: nunca escreva “mudando de assunto” num diálogo. O mínimo exigido é um “por falar nisso”.

Minhas próprias exigências quanto aos diálogos:

Escrever sempre a favor do personagem, o maior dos canalhas tem lá os seus motivos.

Considerar que cada fala é um acontecimento dramático e, como tal, deve ser ao mesmo tempo “surpreendente e inevitável”.

Personagens são construídos à imagem e semelhança dos seres humanos, que mentem muito. (Os homens mentem menos em fevereiro.) A maneira como falamos revela sobre nós tanto ou mais que o significado das nossas palavras. Seja assim com os personagems que criamos. Personagens que falam sempre o que pensam e sentem são, além de iverossímeis, chatos. Elias Cannetti: “Não acredite em alguém que sempre diz a verdade”.

As falas podem definir o personagem.

Homer Simpson , melhores momentos.

“A culpa é minha e eu a coloco em quem eu quiser.”

“Cala a boca Pensamento, ou te enfio uma faca.”

“Operador, me dê o número do 911!″

“Eu não sou Deus. Deus tem barba branca e escreveu o Código Da Vinci.”

“Por que tudo que eu chicoteio me abandona?”

"Por que eu tive que nascer pai?"

“Bem, ele pode ter todo o dinheiro do mundo, mas tem uma coisa que ele não pode comprar: um dinossauro.”

"Não pode se culpar constantemente. Culpe-se só uma vez e vá em frente."

"Lisa, vampiros são faz-de-conta, como elfos, gremlins e esquimós."

“Eu não bebo água… Os peixes transam nela.”

"É melhor ver coisas do que fazer coisas"

“Quando eu seguro uma arma na mão eu sinto um enorme poder, como Deus deve ter se sentido quando segurava uma arma.”

“Fatos não significam nada. Você pode usar os fatos para provar qualquer coisa que seja só remotamente verdadeira”.

“Eu não estava mentindo. Estava escrevendo ficção com a boca.”

“Vou fazer o que faço de melhor, mentir para uma criança.”

“Existem três frases curtas que levarão sua vida adiante: ‘Não diga que fui eu’, ‘Oh, boa idéia chefe’ e ‘Já estava assim quando cheguei’.”

“Deus, porque eu tenho que gastar 2 horas do domingo na igreja ouvindo as diferentes maneiras que irei para o inferno?”

“Bart, com 10 mil dólares nós seremos milionários. Nós poderíamos comprar todo tipo de coisas úteis, como amor.”

“Eu tenho 3 filhos e 1 dólar. Por quê eu não posso ter 3 dólares e 1 filho?”

Encontrando Aliens: “Por favor, não me comam! Eu tenho mulher e filhos. Comam eles!”

“A TV nos dá tanto e pede tão pouco.”

“Bart vou lhe contar como são as mulheres… as mulheres são como uma geladeira, elas tem 2 metros de altura e fazem gelo.”

“Bom, é 1h da manhã. Melhor ir pra casa e passar um tempo de qualidade com as crianças.”

“‘Para iniciar pressione uma tecla qualquer’. Onde está a tecla qualquer?”

“A fama se parecia com uma droga, mas o que mais se parecia com uma droga eram as drogas.”

“Livros são inúteis!” Eu só li um livro em minha vida, “Para matar um pássaro” (“To kill a mockingbird”) e ele não me ensinou absolutamente nada sobre como matar um pássaro. É claro que ele me ensinou a não julgar um homem pela sua cor, mas em que isso me ajudou?”

“É importante aprender a abandonar o navio, como fazem os ratos. É o que nos diferencia dos animais, exceto dos ratos”.

“Filho, mulheres são como cerveja. Elas são bonitas, cheiram bem e você pisa sobre a sua própria mãe só para conseguir uma! Mas não consegue parar na primeira, você logo quer beber mais uma mulher!”

“Você não faz amigos com saladas.”

“Oh, qualquer coisa parece ruim se você lembra dela”.

“Crianças… Eu não vou morrer. Isso só acontece com as pessoas más”.

“Oh, eu não estou em condições de dirigir... Espere um pouco: eu não devo dar ouvidos a mim mesmo, estou bêbado!”

“Eu cheguei até aqui com meu próprio esforço, como qualquer otário”.

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- NARRAÇÃO OFF, quando é dita por alguém que está fora de quadro, que pode ser:

. um narrador objetivo, que não faz parte da cena

. um narrador subjetivo, que descreve a cena conforme o seu ponto de vista participante

. o pensamento de um personagem que está em cena

. a manifestação de algum fenômeno sobrenatural

. um diálogo interno que se passa, por exemplo, dentro de um prédio do qual só é mostrada a fachada

. um diálogo antecipado ou continuado, da cena anterior ou da seguinte

. um diálogo adjacente, dito por um personagem que está em cena mas, neste momento, está fora de quadro, às vezes chamado de FQ.

Detalhe: embora a expressão OFF venha do inglês "fora", os americanos e ingleses só consideram OFF o diálogo adjacente. Os outros tipos todos, em inglês, são chamados de VOICE OVER, ou "voz sobreposta".

Narração inicial de “Sunset Boulevard”, de Billy Wilder, roteiro de Charles Brackett, Billy Wilder e D.M. Marshman Jr.

“Sim, esta é a Sunset Boulevard, em Los Angeles, Califórnia. São umas 5:00 da manhã. Esta é a patrulha de homicídios acompanhada de detetives e jornalistas. Foi noticiado um homicídio numa dessas mansões no quarteirão dez mil. Tenho certeza de que vão ler esta notícia em edições posteriores. Vão ouvir na rádio e ver na televisão, porque tem a ver com uma antiga estrela de Hollywood, uma das maiores. Mas antes que a ouçam distorcida e exagerada, antes desses colunistas de Hollywood lhe porem as mãos em cima, talvez queiram ouvir os fatos, toda a verdade. Se assim é, vieram ao lugar certo. Estão vendo, foi encontrado o corpo de um jovem flutuando na piscina de sua mansão com dois tiros nas costas e um no estômago. Na verdade, não é ninguém importante. Só um argumentista com alguns filmes de série B no currículo. Pobre alma. Ele sempre quis uma piscina. Bem, acabou por tê-la. Só que o preço pago por ela foi bem alto. Recuemos seis meses até o dia em que tudo começou.”

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Dramaticamente, são infinitas as possibilidades do OFF. O tipo de narração pode variar durante o filme ou mesmo durante a cena.

Ex: Curta francês, texto off, voz masculina, sobre rosto de mulher, descreve uma mulher (que imaginamos ser ela). Logo descobrimos que não é um OFF e sim um FQ, quem fala é o marido, que entra em quadro, refere-se a uma outra mulher.

Ex: o início de “Saneamento Básico”.

Uma teste: escreva a cena, com o OFF. Retire o OFF. Se a cena funcionar sem o OFF, você pode (ou não) colocar o OFF de volta. Se a cena não funcionar sem o OFF, reescreva a cena. O OFF deveria ser um “brinde”, uma “camada extra” da narrativa, não sua base de sustentação.

IN ou OFF:

Tecnicamente, as falas de um filme se dividem em dois tipos: com ou sem sincronismo labial dos atores. Se há, a fala deve ser gravada em som direto ou dublada. Se não há, pode (e deve) ser gravada depois da filmagem (e quanto mais perto do corte final, melhor.)

Exemplo: Dois verões, fala sobre a tala no pescoço de Juca.

Exemplo mais recente: Carol, em Antes que o mundo acaba, telefona para a mãe, avisa que o irmão passa mal. Uma fala extra de Carol foi gravada, com o filme já editado, informando que a mãe “já está chegando, tá aqui na frente”, o que permitiu encurtar a cena.

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Erros mais comuns quanto aos diálogos:

. diálogos explicativos ou forçados, pensados para o público e não para os personagens. (“Efigênia, sua irmã, estava ontem na festa...”)

. excesso de informações nos diálogos (“Vivo aqui em Brasília, capital da república, há dez anos...”)

. diálogos excessivamente literários

. diálogos irrelevantes ou excessivamente coloquiais

. falsa seqüência de cinema mudo (falta de diálogos em momentos em que os personagens deveriam falar)

. inadequação entre personagem e fala

. diálogo comentando o que já se viu (recapitulação inútil, comum em novelas)

. diálogo substituindo ações, comentando o que não se viu. (“Você precisava ter visto...”)

. diálogos comentando exatamente o que vai se ver (antecipação inútil)

. referências a fatos que o público desconhece (antecipação) sem posterior desenlace

. referências a personagens ainda não denominados

Erros mais comuns quanto à Narração (OFF):

. A cena não funciona sem o OFF, o que torna a imagem desnecessária.

. Texto literário demais, melhor de ser lido do que de ser ouvido.

. Texto literariamente ruim (pretencioso, piegas, banal, etc...).

. Texto inadequado para o personagem.

. Indefinição (não-intencional) do tempo narrativo. (O público não sabe se o personagem diz o texto OFF antes, durante ou depois da ação).

9. AÇÃO DRAMÁTICA

É o que dá sentido aos movimentos e às relações entre os demais elementos da linguagem, e que conduz adiante a narrativa. Enfim, aquilo que realmente interessa ao roteirista. Falaremos dela mais adiante.

Há filmes sem ação dramática? Se o filme quiser contar uma história, não.

10. PLANO

O cinema se torna uma forma de linguagem realmente nova quando se descobre que ele pode mudar bruscamente de ponto de vista, isto é: passar de um enquadramento a outro totalmente diferente sem precisar passar pelos enquadramentos intermediários. Giba Assis Brasil

Há filme sem plano? Não.

11. CORTE

É o momento em que o ponto de vista do filme se modifica, o momento em que a narrativa do filme passa de um plano para outro. Dito de forma mais simples: plano é um pedaço de filme sem corte. Corte é a passagem de um plano a outro. Todos os filmes que se podem imaginar são formados por uma seqüência de planos e cortes entre um plano e outro. Por mais complicada que seja uma cena que se deseja filmar, por mais impossível que pareça a filmagem de determinada situação, basta dividir a cena ou a situação em planos, pensar como estes planos vão se ligar uns aos outros, assegurar-se de que é possível filmar cada um dos planos, e de que é possível "montar" cada um dos cortes - e a cena, a situação, pode ser filmada.

Há filme sem corte? Sim.

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O décimo-segundo elemento.

Além destes 11 elementos da linguagem cinematográfica há ainda o PARAFILME, isto é, todas as informações que o público tem do filme mas que não estão no filme propriamente dito: Título, Créditos Iniciais, Cartaz, Material de Divulgação.

Filmes “baseados em fatos reais” (Cidadão Kane, Cazuza, Carandiru, Diários da motocicleta, Dois Filhos de Francisco, etc.), “irreais” (lendas ou religiões), “polêmicos” (Último Tango, Laranja Mecânica, O Império dos sentidos, etc.).

Estas informações podem alterar (ou não) a compreensão do filme.

Ex: Tootsie. Alguém começa a ver o filme não sabendo que ele irá se passar por uma mulher? (Talvez seja essa informação prévia do público que permita o alongamento do primeiro ato.)

Ex: créditos iniciais de "Bob Roberts" (informam que o filme é um documentário), ou de "Trama Diabólica" (informam que há 3 atores no filme) ou o tradicional "baseado em fatos reais".

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Erro mais comum quanto ao uso dos vários elementos da linguagem:

. Desequilíbrio do uso dos elementos.

Um dos erros mais frequentes provocado por este desequilíbrio são as longas cenas onde os personagens, parados, falam, aproximando o filme de um programa de rádio. “Talking heads”, na dramaturgia ou no documentário, são sempre a solução mais fácil e, por isso mesmo, a mais usada. Lembre-se que é possível falar e agir (caminhar, trabalhar, etc.) ao mesmo tempo, que o movimento é um dos elementos fundamentais do cinema, e que toda ação pode ser dramática. (“Dramatizar!”)

“Ação é eloqüência, e os olhos do ignorante mais espertos que as orelhas.” (“Volumnia, em Coriolano, III, 2: Action is eloquence, and the eyes of th’ ignorant more learned than the ears.)

Ver: ensaio do Decamerão.

Lembre-se que uma informação importante da trama ou uma característica importante do personagem pode ser revelada por qualquer um dos elementos da linguagem ou ainda pelo uso coordenado de vários elementos. Não dê trabalho demais a um dos elementos. Em maus roteiros os diálogos costumam fazer quase todo o serviço.

- Arranjos e combinações de elementos.

Os elementos da linguagem podem ser combinados, repetidos, coordenados.

. Combinações

Informações que, somadas, geram uma nova informação. Eisenstein e a escrita chinesa.

. Repetição

Toda informação fundamental pode ser reiterada, às vezes repetida. Para não ser chato, podemos repetir a informação usando diferentes signos. O tempo de apreensão da informação no cinema, na televisão, no romance.

. Coordenação

O cinema é, como definiu Luis Buñuel, "uma incursão administrada ao inconsciente". Um roteiro busca administrar as sensações do público: "aqui ele vai se assustar", "neste ponto ele vai rir", e assim por diante. Estas incursões são feitas com a utilização dos vários elementos da linguagem do cinema que, cordenados, são percebidos consciente ou inconscientemente pelo espectador.

Ex banal: travelling de aproximação + trilha.

- Limites do Roteiro (Roteirista X Diretor)

A coordenação dos vários elementos da linguagem é a função principal do diretor, mas um bom roteiro deve considerar as múltiplas (infinitas?) possibilidades de combinação dos signos cinematográficos. A primeira tendência que temos ao escrever uma cena é pensar nas palavras (diálogos ou narração), no ator e no cenário. Considere sempre a utilização (ou não) dos outros signos.

Um novo clichê: o herói e a mulher de Lot.

Lembre-se:

Use o menor número possível de especificações técnicas. (Syd Field e o uso da palavra “câmera”.)

Um roteiro vai ser lido e, portanto, deve ser bem escrito. Se você conseguir escrever um roteiro agradável de ler, ótimo. Se tiver que optar entre ser agradável ou claro, seja claro.

Aquilo que não é visível ou audível. (trechos de “não-roteiro” em itálico):

O Pássaro Preto

A Sra. Wonderly, num vestido justo de crepe de seda verde, abriu a porta do apartamento 1001 do Hotel Coronet. Seu rosto estava corado. O cabelo vermelho escuro, dividido do lado esquerdo, penteado para trás em ondas suaves sobre a fronte, do lado direito, estava um pouco desarrumado. Spade tirou o chapéu dizendo: - Bom dia.

Seu sorriso trouxe ao rosto dela um reflexo de sorriso, mas os olhos, de um azul quase violeta, não perderam a expressão perturbada. Ela abaixou a cabeça e disse numa voz tímida, sussurrante: - Entre, Sr. Spade.

A moça conduziu-o a uma sala de estar vermelha e creme, passando pelas portas abertas da cozinha, do banheiro e do quarto, e pedindo desculpas pela desordem: - Está tudo remexido. Nem acabei de desarrumar as malas.

Pôs o chapéu dele sobre uma mesa, e sentou-se em um grande sofá de nogueira. Ele sentou-se numa cadeira de brocado de encosto oval, na sua frente. A moça olhou para os dedos, trançando-os, e disse: - Sr. Spade, tenho uma terrível confissão a lhe fazer. - Spade sorriu de modo educado (ela não levantou os olhos para ele) e não disse nada.

- Essa... essa história que eu lhe contei ontem era só... uma história - gaguejou, e então levantou o olhar para ele com uma expressão angustiada, amedrontada.

- Oh, quanto a isso... - disse Spade despreocupado. - Nós não acreditamos muito na sua história.

- Então? - A perplexidade juntava-se agora à angústia e ao receio nos seus olhos.

- Nós acreditamos nos seus duzentos dólares.

(HAMMET, Dashiel. O Falcão Maltês, pág 36. Editora Brasiliense, Rio de Janeiro, 1984. Tradução: Cândida Villalva)

DOM CASMURRO

CAPÍTULO 13

CAPITU

De repente, ouvi bradar uma voz de dentro da casa ao pé:

E no quintal:

- Mamãe!

E outra vez na casa:

- Vem cá!

Não me pude ter. As pernas desceram-me os três degraus que davam para a

chácara, e caminharam para o quintal vizinho. Era costume delas, às

tardes, e às manhãs também. Que as pernas também são pessoas, apenas

inferiores aos braços, e valem de si mesma, quando a cabeça não as rege

por meio de idéias. As minhas chegaram ao pé do muro. Havia ali uma

porta de comunicação mandada rasgar por minha mãe, quando Capitu e eu

éramos pequenos. A porta não tinha chave nem taramela - abria-se

empurrando de um lado ou puxando de outro, e fechava-se ao peso de uma

pedra pendente o uma corda. Era quase que exclusivamente nossa. Em

crianças, fazíamos visita batendo de um lado, e sendo recebidos do outro

com muitas mesuras. Quando as bonecas de Capitu adoeciam, o médico era

eu. Entrava no quintal dela com um pau debaixo do braço, para imitar o

bengalão do Doutor João da Costa, tomava o pulso à doente e pedia-lhe

que mostrasse a língua. “É surda, coitada!”, exclamava Capitu. Então eu

coçava o queixo, como o doutor, e acabava mandando aplicar-lhe umas

sanguessugas ou dar-lhe um vomitório: era a terapêutica habitual do

médico.

- Capitu!

- Mamãe!

- Deixa de estar esburacando o muro - vem cá.

A voz da mãe era agora mais perto, como se viesse já da porta dos

fundos. Quis passar ao quintal, mas as pernas, há pouco tão andarilhas,

pareciam agora presas ao chão. Afinal fiz um esforço, empurrei a porta,

e entrei. Capitu estava ao pé do muro fronteiro, voltada para ele,

riscando com um prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás. ao dar

comigo, encostou-se ao muro, como se quisesse esconder alguma coisa.

Caminhei para ela. naturalmente levava o gesto mudado, porque ela veio a

mim, e perguntou-me inquieta:

- Que é que você tem?

- Eu? Nada.

- Nada, não. você tem alguma coisa.

Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e

coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca fora.

Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte

e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos

grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à

moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes,

nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a

despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor, não cheiravam a

sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum

trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que

ela mesma dera alguns pontos.

- Que é que você tem? repetiu.

- Não é nada, balbuciei finalmente.

E emendei logo.

- É uma notícia.

- Notícia de quê?

Pensei em dizer-lhe que ia entrar para o seminário e espreitar a

impressão que lhe faria. Se a consternasse é que realmente gostava de

mim. se não, é que não gostava. Mas todo esse cálculo foi obscuro e

rápido. senti que não poderia falar claramente, tinha agora a vista não sei como...

- Então?

- Você sabe...

Nisto olhei para o muro, o lugar em que ela estivera riscando,

escrevendo ou esburacando, como dissera a mãe. Vi uns riscos abertos e

lembrou-me o gesto que ela fizera para cobri-los. Então quis vê-los de

perto, e dei um passo. Capitu agarrou-me, mas, ou por temer que eu

acabasse fugindo, ou por negar de outra maneira, correu adiante e apagou

o escrito. Foi o mesmo que acender em mim o desejo de ler o que era.

CAPÍTULO 14

A INSCRIÇÃO

Tudo o que contei no fim do outro capítulo foi obra de um instante. O

que se lhe seguiu foi ainda mais rápido. Dei um pulo, e antes que ela

raspasse o muro, li estes dois nomes, abertos ao prego, e assim dispostos:

BENTO

CAPITOLINA

Voltei-me para ela. Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo,

devagar, e ficamos a olhar um para o outro... Confissão de crianças, tu

valias bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade, não

falamos nada, o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos é que se

estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando-se, apertando-se,

fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto. Devia tê-la

marcado, sinto a falta de uma nota escrita naquela mesma noite, e que eu

poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse, mas não traria

nenhum, tal era a diferença entre o estudante e o adolescente. Conhecia

as regras do escrever, sem suspeitar as do amar, tinha orgias de latim e

era virgem de mulheres.

Não soltamos as mãos, nem elas se deixaram cair de cansadas ou de

esquecidas. Os olhos fitavam-se e desfitavam-se, e depois de vagarem ao

perto, tornavam a meter-se uns pelos outros... Padre futuro, estava

assim diante dela como de um altar, sendo uma das faces a Epístola e a

outra o Evangelho. A boca podia ser o cálix, os lábios a patena. Faltava

dizer a missa nova, por um latim que ninguém aprende e é a língua

católica dos homens. Não me tenhas por sacrilégio, leitora minha devota

a limpeza da intenção lava o que puder haver menos curial no estilo.

Estávamos ali com o céu em nossas mãos, unindo os nervos, faziam das

duas criaturas uma só, uma só criatura seráfica. Os olhos continuaram

a dizer coisas infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair,

tornavam ao coração caladas como vinham...

#CAPÍTULO 4: OS PERSONAGENS

Exemplo de narrativa, a primeira frase de “A Metamorfose”, de Franz Kafka:

"Certa manhã, ao despertar de sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se transformado num inseto gigantesco".

Verbo e sujeito. Uma narrativa precisa de:

Personagem (Gregor Samsa) + ação (acordar transformado num inseto)

Alguns escritores (roteiristas) se preocupam mais com a construção psicológica do personagem. Alguns, se preocupam principalmente com a ação. Não existe ação sem personagem. Não existe narrativa sem ação. O personagem, no cinema, se constrói pela ação. Podemos chamar a construção do personagem de "caracterização".

- Caracterização

Algumas dificuldades da caracterização no cinema e na televisão:

1. Pouco tempo.

2. Risco da caricatura. Nosso personagem, em vez de ser "um executivo" (real, específico, com características únicas), passa a ser "o executivo" (uma caricatura de todos os executivos do mundo). Exemplos de caricatura no cinema: o amigo engraçado, o chefe raivoso, a vizinha fofoqueira, a sogra, a secretária, o porteiro tosco, etc. (Casting do Fellini)

3. Dificuldade de expor contradições (humanas) no personagem. As contradições são normais no ser humano. No cinema, é preciso usar com muito cuidado as contradições na construção do personagem. Mal usadas, criam confusão.

4. Dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de transmitir o pensamento do personagem. Na literatura, isto é muito fácil. "Paulo Roberto lembra com saudade de sua infância e dos momentos agradáveis que passou com Odete no sítio em Caçapava do Sul". Para filmar este pensamento, é preciso transformá-lo em ação do personagem. "Paulo Roberto está em sua casa. Ouve uma música. Para o que está fazendo. Flash-back. Paulo Roberto, criança, correndo com uma menina num sítio. Voltamos para o tempo presente onde Paulo Roberto, em sua casa, vê uma foto de Odete" Este é um exemplo, grosseiro, de transformação de uma linguagem literária em linguagem cinematográfica. Existem, evidentemente, problemas muito mais difíceis de serem resolvidos. Mas mesmo neste exemplo grosseiro há dificuldades: como saberemos, no filme, que aquele menino é o Paulo Roberto? Como saberemos que aquele sítio é em Caçapava do Sul? Como saberemos que a moça da foto é Odete? Porque aquela música fez Paulo Roberto lembrar de sua infância? Estes parecem problemas banais, mas podem se revelar fundamentais em nossa narrativa.

5. Imagem real do ator, diferente da literatura. Quando lemos a descrição de um personagem, formamos sua imagem em nossa cabeça. No cinema, o personagem tem uma imagem real, que é a do ator.

Existem infinitos problemas na criação do personagem. E infinitas maneiras de solucionar estes problemas.

Mamet: “Jogue fora o primeiro rolo!”

HQC e a penitência imposta ao público.

Adeus a Berlin, romance de Christopher Isherwood, 1939. Tradução de Guilherme da Silva Braga, trecho citado em “A arte da ficção”, de David Lodge.

Alguns minutos depois, a própria Sally chegou.

- Estou muito artrasada, Fritz, querido?

- Só uma meia hora, acho - respondeu Fritz, devagar, transparecendo uma satisfação inconfundível - Posso apresentar o sr. Isherwood – sra. Bowles? O sr. Isherwood é mais conhecido como Chris.

- Não – respondi – Fritz é a única pessoa que me chama de Chris em todo o mundo.

Sally deu uma risada. Ela trajava seda preta, tinha uma pequena capa nos ombros e usava um chapeuzinho como os dos pajens, ajustado com muitas elegância, de lado, sobre a cabeça.

- Posso usar o telefone, querido?

- Claro, fique à vontade.

Fritz olhou-me nos olhos.

- Venha para o outro quarto, Chris. Quero lhe mostrar uma coisa.

Era óbvio que ele estava ansioso por saber a minha opinião a respeito de Sally, sua mais recente aquisição.

- Pelo amor de Deus, não me deixem sozinha com esse homem! – ela exclamou – Posso acabar seduzida pelo telefone. Ele é muito assanhado.

Enquanto ela discava o número, percebi que suas unhas estavam pintadas de verde-esmeralda, uma escolha infeliz, pois destacavam suas mãos, muito manchadas pelo cigarro e sujas como as de uma garotinha. Sally era escura o suficiente para ser irmã de Fritz. O rosto magro e afilado tinha a brancura mortiça do pó-de-arroz. Os olhos castanhos eram enormes e deveriam ser mais escuros para combinar com os cabelos e o lápis que ela usava nas sobrancelhas.

- Olá – disse em tom amoroso, contraindo os lábios cor de cereja como se fosse beijar o bocal – Ist das Du, mein liebling?” A boca entreabriu-se em um sorriso estupidamente doce. Eu e Fritz ficamos a observá-la, como no teatro.

X

Nosso primeiro impulso ao descrever um personagem: "Um homem, 38 anos, dentista, casado, pai de três filhas..."

Aspectos de exposição recomendável:

1. Idade

No cinema, o personagem tem quase sempre a idade do ator. (“Pequeno grande homem”)

Exemplo: Bandeirinha, no filme "Barbosa".

Contra-exemplo: Roger Rabitt. Qual a sua idade?

2. Ocupação

Frequentemente o público se pergunta sobre um personagem: ele vive de quê?

3. Relacionamentos.

O personagem é casado? Tem namorada? É patrão ou empregado? Pais, vizinhos, cachorro.

4. Gênero. No cinema, normalmente este aspecto é visual.

Ex: Jessica (Roger Rabitt)

Contra-exemplo: E.T. é masculino ou feminino?

Aspectos de exposição seletiva, de acordo com a necessidade da narrativa.

1. Passado.

2. Planos para o futuro.

3. Todas as variações possíveis de personalidade, que devem ser expostas em forma de "ação".

Ação também inclui falar, pensar...

Nome, nacionalidade, classe, educação, religião, opções políticas, passatempos, preferências esportivas, relação com os vizinhos, manias, defeitos, fobias, sonhos, temperamento, opções sexuais, padrões morais, temperamento, etc.

“Pegue um punhado qualquer de fatos da vida de um homem, distribua-os como quiser, e você terá ali um certo personagem, de uma verossimilhança incontestável. Distribua-os de maneira um tantinho diferente e, caramba!, o personagem mudou, é outro, mas igualmente verdadeiro.”

Alberto Manguel, em “Todos os homens são mentirosos”. Tradução de Josely Vianna Baptista.

X

Psicologia: toda ação revela algo sobre o "ator".

A caracterização compreende todos os aspectos de um ser humano. Depois que o autor tem em sua mente a caracterização total, deve transmiti-la ao público.

Cena de abertura de “A Montanha dos sete abutres”, de Billy Wilder.

O roteiro e a fala.

A maneira de falar do personagem - sotaque, cacoetes, vícios de linguagem, timbre e tom de voz - pode ser indicada, sugerida ou determinada pelo roteiro, dependendo de sua importância dramática. O mais comum é que sejam definidos pelo diretor.

Ex: My Fair Lady, baseado em “Pigmaleão”, de Bernard Shaw.

Eu me recuso a escrever intencionalmente errado, coisas como “nóis peguemo” ou “nóis vai”, para indicar a ignorância ou a classe social do personagem. Além de ser um clichê preconceituoso (erros gramaticais ou de concordância são cometidos por diferentes classes sociais, um dia desses vi um cronista social falar de um “plus a menos”), erros pré-determinados costumam soar falsos, melhor deixar este trabalho para o ator e o diretor.

O roteiro e o figurino.

“As roupas são sempre úteis para determinar o caráter, a classe o estilo de vida dos personagens, em especial no caso de exibicionistas como Sally. O figurino de seda preta (usado numa visita casual à tarde) evidencia o desejo de impressionar, a teatralidade (a capa) e a provocação sexual (no decorrer da história, o chapeuzinho de pajem adquire significância a partir de várias referências à ambivalência e à perversão, inclusive travestismo). A impressão é reforçada pelos modos de falar e agir: Sally pede para usar o telefone a fim de impressionar os dois homens com sua mais recente conquista erótica, e o narrador aproveita a ocasião para descrever sua mãos e seu rosto. É o que Henry James chama de “método cênico” e também o que pretendia fazer quando se exortou a “Dramatizar! Dramatizar!”

David Lodge em A Arte da Ficção. Tradução de Guilherme da Silva Braga, L&PM editores, Porto Alegre, 2009

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Liza Minelli como Sally Bowels, em “Cabaret”, de Bob Fosse.

O roteiro deve descrever o figurino do personagem sempre que isto for dramaticamente significativo (como no exemplo de Sally e tantos outros).

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O roteiro e o cabelo.

Roteiristas, felizmente, não precisam opinar sobre o cabelo dos personagens – uma questão crucial para os atores – a não ser que isto seja dramaticamente significativo. (muitas vezes é)

Exemplo:

Travis, personagem de Robert de Niro em Taxi Driver, de Martin Scorsese, 1976.

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“O cabelo faz do homem um ser misterioso que carrega na cabeça, na parte do corpo que é mais nítida e mais marcada, uma coisa rebelde como um mar e confusa como uma floresta. Está quase fora do corpo, é uma espécie de jardim privado, onde o dono exerce à vontade sua fantasia e sua desordem. É qualquer coisa que cresce e que transborda como se estivesse livre do domínio da alma.” Gustavo Corção em “Três alqueires e uma vaca”.

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O caráter do personagem

É muito comum que roteiros venham precedidos de descrições (biografias) de personagens, com características psicológicas, histórias da vida e conflitos que, se não forem dramatizados, não estarão no filme. Você pode fazê-las, como processo de criação, mas não se deixe enganar por fichas de personagens, eles se constróem pela ação e esta deve estar no roteiro.

Pode-se revelar o caráter de um personagem por pequenas ações e também pela ação dos personagens que se relacionam com ele.

Exemplo: Escritório onde alguém vai chegar. Várias pessoas estão conversando alegremente, comendo pedaços de pizza, tomando cerveja. Alguém entra correndo na sala, assustado, e diz: "O Dr. Gustavo está chegando". Todos ficam muito nervosos, correm para todo lado arrumando a sala, escondem a bebida, sentam em seus lugares e fingem estar trabalhando. O Dr. Gustavo ainda não apareceu e nós já sabemos muitas coisas sobre ele: ele tem poder sobre aquelas pessoas, não aceitaria aquele comportamento delas no local de trabalho e, provavelmente, não era esperado.

Retardar a apresentação do personagem principal, preparando sua entrada, é um procedimento clássico da dramaturgia, com incontáveis exemplos. Nitotchka. O Diabo veste Prada. Appocalipse Now (exemplo extremo). Moby Dick. Gilda. Nestes casos: Chegar chegando. Ou não.)

As informações contrastantes criam personagens mais ricos, mais reais. É importante saber dosar estas contradições para não criar confusão.

Exemplo: O Dr. Gustavo entra no escritório. É um executivo, terno e gravata, muito sério, fuma um cachimbo e carrega em baixo do braço uma prancha de surf amarela.

Criamos uma expectativa quanto ao seu caráter e quebramos (em parte) esta espectativa com uma informação contraditória. Criamos com isso um personagem mais rico.

Pode se revelar o caráter de um personagem pela descrição de sua casa, seus objetos, seu ambiente de trabalho. Início de “De volta ao futuro”.

Os vários aspectos da caracterização não precisam - nem devem - ser expostos todos no início do filme. Eles devem ser "liberados" ao longo do filme, de acordo com a necessidade da narrativa.

Contrastes entre os personagens ajudam a caracterização. Colocar em convivência forçada personagens contrastantes já é um começo de história.

Ex: Cabaret (Bob Fosse), vários do Jim Jarmush. Big Bang Theory.

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Única regra de escrita dramática de Feydeau (Georges Feydeau, 1862-1921, dramaturgo francês):

Personagem A - A minha vida é perfeita desde que eu não veja o Personagem B.

(batem na porta)

Entra o personagem B.

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Personagens secundários também devem ter nuances de personalidade: o garçom, a secretária, o motorista de táxi. Personagens secundários devem ter (pelo menos) uma característica dominante que os defina.

Galeria de bons personagens secundários: Tootsie, Nós que nos amávamos tanto, Testemunha de acusação.

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Que cada um de seus personagens seja, sob algum aspecto, você mesmo.

"Observe os homens a sua volta, olhe-os viver, e procure sempre sentir, interiormente e por profunda e intuitiva simpatia humana, a maneira pela qual cada um deles vê, sente e vive sua relação com outros seres do microcosmo onde se acha particularmente centrado". E.S.

Jean Paris:

“O dramaturgo é, por vontade própria, um inimigo da singularidade. Se as memórias e os diários íntimos levam o escritor a se considerar como fim, o teatro, por sua vez, o compete a afastar-se, esquecer-se de si mesmo, a transformar-se. Nada menos adequado às confidências do que essa arte, na qual ninguém se conhece senão através de uma centena de máscaras”.

em “Shakespeare”: (José Olympio editora, 1992, tradução de Barbara Heliodora.)

- As seis funções Dramatúrgicas, segundo Ettienne Souriau:

1. A Força

2. O Bem

3. O Receptor do Bem

4. O Oponente

5. O Juiz

6. O Cúmplice

1. A Força Temática: Leão

Uma força orientada: desejo ou temor. Leão é quem quer algo e luta por isso, movendo a história.

Romeu (Leão) quer Julieta e foi aí que seus problemas começaram.

“O homem sofre por dois motivos: quer algo que não tem ou tem algo que não quer." E. Vale

2. O Representante do Bem: o Sol

O Bem desejado. O valor que dá orientação à Leão. Julieta é o Sol de Romeu. O Sol não é necessariamente um personagem. Leão pode desejar A LIBERDADE DA PÁTRIA, UM LOCAL PARA VIVER EM PAZ, A ARCA DA ALIANÇA, A COROA. Quando o Bem é uma COISA, sente-se a necessidade dramatúrgica da presença de um Representante do Bem.

O Sol pode mudar de personagem. Exemplo: a mudança de amor, a consoladora que se torna o objeto amado. (Ex: Sonhos de um sedutor, de Woody Allen)

3. O Receptor do Bem: a Terra.

Aquele a quem Leão quer proporcionar o Sol. Aquele que recebe o Bem. O mais comum é que o personagem (Leão) queira o Bem para si. (Romeu quer Julieta para si mesmo.) Não necessariamente Leão quer o Bem para si. Uma mãe pode desejar a felicidade do filho, por exemplo. (Mãe Coragem) Muitas vezes concentrar funções dramatúrgicas num personagem é um poderoso dispositivo dramático. Mas podemos também dar a dois personagens distintos funções que estamos acostumados a ver reunidas.

4. O Oponente: Marte

O obstáculo. A força temática só é dramatúrgica quando encontra resistência. Também não precisa ser um personagem: é aquilo que se opõe à Leão. Hamlet é Leão e também Marte (luta contra si mesmo, assim como os personagens de “Um corpo que cai”, “Touro indomável”, “Cassino”). Leão e Marte sobre dois personagens diferentes dá o tema mais óbvio, da rivalidade, que tem as vantagens e inconveniências da simetria. O que produz a assimetria, geralmente, é o ponto de vista (mocinho ou bandido, depende quem conta a história). Pode esta força (Marte) ser impessoal ou cósmica, a opinião pública (O Inimigo do Povo) ou Deus (Amadeus, Deus é o antagonista de Salieri). Mas isso só é dramático se o confronto ocorrer EM CENA. (Salieri enfrenta Mozart, o preferido de Deus).

5. O Juiz: Libra

Aquele que atribui o Bem. Pode ser o próprio Bem: Libra e Sol sobre o mesmo personagem. Exemplo: a mocinha que não sabe se casa ou não com o pretendente. Marte e Libra: julgar o inimigo ou suplicar ao rival, conforme o ponto de vista. (Os pais de Romeu e Julieta são Libra, Claudio é Libra de Hamlet, o Imperador da Áustria é Libra de Salieri, que é Libra e Marte de Mozart).

6. O Cúmplice: a Lua.

O co-interessado. Une-se a uma das outras forças, é um satélite. Pode duplicar cada um dos outros 5 mas nosso drama será tanto mais intenso e concentrado quanto mais delineado num pequeno número de personagens. (Não confundir com o "confidente" do teatro clássico, ou "a amiga orelha" dos romances.)

As funções dramatúrgicas podem mudar durante a história, se muda o ponto de vista narrativo.

Ex: Nos primeiros 110 minutos de “O Homem que copiava”, André é Leão e Terra, Silvia é Sol, Antunes (pai de Silvia) é Libra (e depois Marte), Feitosa (amigo de André) é Lua (e depois Marte), Cardoso e Marinês são Lua. Nos últimos 10 minutos, Silvia é Leão e Terra, André é Sol e Terra, Paulo é Sol, Antunes é Marte.

As funções dramatúrgicas também podem mudar durante a história, conforme a trama.

Ex: Psicose. Marion Crane (personagem de Janet Leigh) é Leão, seu noivo Sam Loomis (John Gavin) e o Dinheiro são o Sol, tudo isso até Marion resolver tomar banho de chuveiro na pensão Bates. Por alguns momentos, Norman Bates (Anthony Perkins) é Leão, Marte e Libra, o rapaz é cheio de problemas. Depois que Normam esconde o corpo de Marion, sua irmã Lila (personagem de Vera Miles) passa a ser Leão, Sam e o detetive Arbogast (Martin Balsam) são Lua, Norman é Marte.

Um personagem que representa uma das funções dramatúrgicas pode estar ausente:

1. ausência provisória

2 se o personagem que a representa morre

3. se é uma força atmosférica: Deus, a cidade, o país...

4. se a força é representada num objeto ou acessório

"Por mais diminuto, estreito, limitado e fechado em si mesmo que seja o mundo apresentado, sem irrupção do microcosmo cênico pelo universo da obra não existe teatro. E precisamente este fechar-se em si mesmo e essa limitação (por exemplo, no pequeno número de personagens) têm por função permitir a estelaridade sem a qual o microcosmo cênico não poderia instalar e comandar o macrocosmo teatral. Cabe à arte dar-nos um universo onde o foco estelar do mundo esteja neste grupo, atuante e palpitante, de alguns personagens, cujas relações no interior deste sistema caleidoscopicamente cambiante, condicionarão o mundo onde eles estão". Etienne Souriau

- Os personagens da Comedia dell Arte

A Comedia dell Arte foi uma forma de teatro popular improvisado que começou no séc. XV na Itália, se desenvolveu na França. Se manteve popular até o séc. XVIII em toda a Europa.

“As apresentações eram improvisadas em cima de um estoque de situações convencionais: adultério, ciúme, velhice, amor. Esses personagens englobavam o ancestral do palhaço moderno. O diálogo e a ação poderiam facilmente ser atualizados e ajustados para satirizar escândalos locais, eventos atuais, ou manias regionais, misturados com piadas e bordões. Os personagens eram identificados pelo figurino, máscaras, e até objetos cênicos, como o porrete. Na trama tradicional, os innamorati estão apaixonados e querem se casar, mas um ou mais vecchi (plural de vecchio) os impedem de casar, então, eles precisam de um ou mais zanni para ajudá-los. Tipicamente termina tudo bem com o casamento dos enamorados e o perdão por todas as confusões causadas. Há inúmeras variações dessa história, assim como há muitas que se divergem completamente dessa estrutura.”

'arte

Por quase trezentos anos o teatro sobreviveu com uma dúzia de personagens, com eles é possível contar muitas histórias (talvez todas). Os nomes e algumas das características destes personagens variam muito conforme o país e a época.

Os Zanni (criados):

ARLEQUIM. O empregado esperto, ágil, sedutor e amoral que faz de tudo para sobreviver. Gosta de comer e dormir bem, quase nunca consigue. Servo do Pantaleão ou do Dottore. Ama Colombina, ela faz dele gato e sapato. João Grilo, Malazartes, Scapino, Lazarillo de Tormes (1553), Guzmán de Alfarache, de Mateo Alemán (1547-1614). (Grouxo Marx, Didi Mocó).

BRIGUELA. O empregado brigão e fiel ao patrão, correto, egoista, rival (menos esperto) do Arlequim. (Chico Marx, Dedé).

PULCINELA. “Punch”. O esquisito, vulnerável, eventualmente corcunda ou com alguma outra deformação. Às vezes não sabe falar, comunica-se por sinais e grunhidos. Pode ser um tolo ou um falso tolo. (Harpo Marx, Muçum) .

PIERRÔ. Outro da turma dos criados, só que romântico, apaixonado, vivia só cantando. É o palhaço triste. (Zeppo Marx, Zacarias.)

COLOMBINA. Criada esperta, versão feminina do Arlequim, mãe de todas as criadas espertas, Molière tem várias.

Os Vecchi (Velhos):

PANTALEÃO. Velho fidalgo, eternamente trapaceado e enganado. BRANCALEONE é sua versão mais jovem e burra, o empreendedor destinado ao fracasso. CAPITÃO FRACASSE (de Teophile Gautier e filme de Ettore Scola). Sátira dos nobres.

DOTTORE. O velho Doutor, médico ou advogado, às vezes charlatão. Erudito ou falsamente-erudito, rico, avarento, pedante, às vezes ébrio, quase sempre lúbrico, sempre rejeitado pelas mulheres. Quando casado, é traído. O terror e a salvação das criadas. Sátira dos acadêmicos.

CAPITANO. O Capitão Matamoros, herói de guerra, forte e voluntarioso, frequentemente fanfarão, pomposo. Exagera seu feitos militares, às vezes se acovarda. (O Coronel Ponciano Pereira Furtado, matador de Lobisomem, é seu bisneto). Sátira dos militares.

SCARAMUCCIA. Ou Scaramouche, o vilão, mentiroso, covarde.

Os Enamoratti (apaixonados):

ISABELLA – Ou Isabel, ou Flávia, tem vários. Jovem romântica e apaixonada.

FILIPINHO – Ou Felipe. Jovem romântico e apaixonado.

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Goldoni fixa o texto da peça (o que já não é mais Comedia dell Arte) e cria, no roteiro, novos personagens, como o de Mirandolina.

MIRANDOLINA (“La Locandiera” de Carlo Goldoni). A virtude feminina, se vira, cuida da casa e do negócio (pensão), é cortejada por nobres mas casa, por amor, com um criado.

A jornada do herói.

A jornada do herói, descrita por Joseph Campbell em "O Herói de Mil Faces" (e também por Christopher Vogler em "A Jornada do Escritor", espécie de versão cinematográfica dos estudos de Campbell).

Em resumo: descrição do mundo comum, o herói-protagonista é chamado à aventura, inicialmente recusa, encontra o Mentor e acaba aceitando o convite, viaja ao mundo especial (oposto ao mundo normal onde a história começa), recebe a chave, ultrapassa um portal, enfrenta provas, conhece inimigos e aliados, desobedece o Mentor, enfrenta A Sombra (o antagonista), triunfa e regressa, transformado, ao mundo normal para dividir com seus pares (e com os espectadores) os frutos (o elixir) e descobertas de sua aventura.

É uma estrutura simples mas é, sem dúvida, clássica, já que remonta às origens das fábulas e, portanto "seu valor foi posto à prova do tempo". Seria ainda, numa visão junguiana, uma estrutura "natural", "orgânica".

Os principais personagens arquetípicos, segundo Vogler (resumo e tradução de João Nunes):

O Herói. Aquele que existe para proteger e servir. Grande parte das histórias são narrativas de um Herói que sacrifica o seu conforto para devolver o equilíbrio ao seu mundo, à sua comunidade.

A Sombra. É, por natureza, o antagonista primordial. Representa toda a energia negra, todos os sentimentos reprimidos, os traumas e as emoções escondidas ou negadas. A sua função dramática é desafiar o Herói, criar os obstáculos para que os seus feitos sejam ainda mais notáveis. Esta máscara da Sombra pode ser usada por um só personagem ao longo da história, ou por vários. Até o Herói pode, em certos momentos, ser a sua própria Sombra.

O Mentor. Normalmente um homem ou mulher mais velho, mais sábio, que representa o lado da nossa personalidade que está mais atento às coisas, mais ligado ao conhecimento e à evolução. Dramaticamente, o Mentor ajuda o Herói de várias formas: ensinando-​​o, dando-​​lhe um objeto especial ou informação essencial, sendo a sua consciência ou motivação, ou iniciando-​​o em qualquer tipo de mistérios (incluindo os sexuais).

(Mentor é um personagem da Odisséia, é a ele que Ulisses confiou a guarda de Telêmaco, seu filho, quando partiu para a guerra. Mentor é ajudado em sua tarefa pela deusa da sabedoria, Palas Atena.)

O Guardião da passagem. Muitos dos obstáculos que o Herói tem de ultrapassar na sua viagem são passagens, portais para outro nível de evolução da história. É frequente que nessas passagens haja um tipo de personagens, os Guardiões, que as defendem dos transgressores, tornando-​​se assim antagonistas do Herói. Não são geralmente os antagonistas principais, mas cumprem a função de dificultar ou atrasar o progresso do Herói.

O Arauto. É um personagem que traz notícias, normalmente más. Está muitas vezes associado ao gatilho, ao detonador da história, aquele evento que torna impossível ao herói continuar com a sua vida normal e o obriga a lançar-​​se à viagem para repôr o equilíbrio perdido. A sua função é anunciar a necessidade de mudança.

O Mutante. (“Shapeshifter”) É um tipo de personagem de natureza misteriosa, uma incógnita no caminho do Herói, que vai assumindo contornos diversos conforme a história vai evoluindo. É possível que a relação romântica, ou um aliado do Herói, assumam esta máscara. Para Jung ele representa o animus ou anima, os elementos masculinos ou femininos que complementam o nosso inconsciente feminino ou masculino, e que nós não entendemos. E como não entendemos estas figuras Mutantes, elas contribuem com tensão e dúvida para a história.

O Impostor/​Trapalhão. (“Trickster”) São os personagens cômicos, farsantes, brincalhões, que introduzem a confusão, o humor, ou o caos nas narrativas. Em muitas histórias de pendor cômico o próprio Herói pode usar esta máscara de Impostor/​Trapalhão (como em Hamlet). Na maior parte das histórias, contudo, é a um aliado que compete essa função.

Ver: 300 Arquétipos. (se der tempo.)

Erros mais comuns quanto aos personagens:

. Personagem sem motivação reconhecível. (Por que ele age?)

. Falta de personagens simpáticos. (Não há por quem torcer.)

. Inconsistência na simpatia ou antipatia do personagem. (Características não dramatizadas.)

. Falta de personagens que possibilitem comparações favoráveis. (Todos são igualmente chatos, ou malvados, ou bonzinhos.)

. Excesso de personagens ou personagens sem função clara. (Personagens “elimináveis” devem ser elimidados.)

. Indefinição do protagonista. (De quem é a história?)

. Personagens mal caracterizados.

. Personagens marionetes do roteirista, sem vida própria, bidimensionais.

. Incoerência dos personagens. (“Por que ele faria isso?)

. Falta de transformação nos personagens.

. Transformação súbita ou inaceitável.

. Atraso ou falta de clareza na identificação do personagem.

Obs: Talvez o erro mais comum quanto aos personagens seja o de escalação: um ator mal escolhido pode destruir um personagem e o filme. Esta é uma responsabilidade do diretor (talvez a maior de todas elas) e da produção, não do roteirista. Ex: Luna Caliente (versão mexicana).

#CAPÍTULO 5: A AÇÃO DRAMÁTICA.

Repetindo: Não existe ação sem personagem. O personagem, no cinema, se constrói pela ação, portanto não existe personagem sem ação.

Segundo Hegel, a ação dramática "é a vontade humana que persegue seus objetivos, consciente do resultado final".

(citado em Pallottini, Renata. Introdução à Dramaturgia. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1983)

“Romeu, apaixonado por Julieta, quer unir-se a ela, fazer dela sua esposa. Macbeth quer ser o rei da Escócia. Hamlet quer vingar o assassinato de seu pai, restabelecer a justiça no reino da Dinamarca. Tudo o que essas personagens fazem em sua trajetória dramática relaciona-se com seus respectivos objetivos (e, secundariamente, com seu caráter). Romeu, por exemplo, invade o jardim do palácio dos Capuleto, declara-se a Julieta, tem uma entrevista com Frei Lourenço pedindo sua intercessão, pede a Julieta (através de sua ama) que vá "confessar-se" com Frei Lourenço, etc. Hamlet finge estar louco, utiliza-se da trupe de atores para confirmar o assassinato de seu pai, agride Ofélia (para livrar-se do impedimento que seu próprio amor representa), mata o espião que se esconde atrás da cortina do quarto de sua mãe...”

Roberto Mallet, em “Notas sobre o conceito de ação dramática”.



Gotthold Ephraim Lessing: a respeito de Ricardo III, de Shakespeare, explicando nosso interesse em relação aos personagens monstruosos:

“Todas as ações de Ricardo são atrozes, mas todas essas atrocidades se ligam a um objetivo. Ricardo tem um plano de conduta e sempre que nós vemos um plano nossa curiosidade é despertada. Nós esperamos de bom grado para ver se ele será bem sucedido, como e de que forma ele o será. Nós gostamos tanto de ver uma seqüência de intenções que independentemente da moral do objetivo isso nos dá prazer.”

A história começa pela apresentação de um personagem e de uma situação dramática: alguém quer alguma coisa. Terá sucesso ou não?

- O Começo.

Uma das mais sintéticas e profundas lições de como se contar uma história foi dada pelo Rei de Copas a Alice: "Comece do começo. Vá até o fim. E então pare".

“Antigamente era antigamente e hoje é um outro tempo. Escutem. Escutem e ouvirão a história daquele que partiu em busca da Primavera. Escutem. Os surdos dos dois tímpanos levarão a notícia aos ausentes, e os cegos dos dois olhos mostrarão aos coxos das duas pernas o lugar onde se passou. Era uma vez, e não era uma vez, e ainda assim era uma vez."”

(Fórmula introdutória de narrativa oral, tribo africana.)

Parece simples, não é. Onde é o começo? Qual o melhor caminho até o fim? Onde é o fim?

A primeira cena de um filme tem, ao meu ver, uma importância extraordinária, deve ser uma síntese do filme. “Agarre o espectador pela garganta. E não solte”. Billy Wilder.

11 grandes começos de filme:

. Ladrões de bicicleta. (um homem precisa de uma bicicleta)

. Cinco covas no Egito (um homem tenta ficar vivo)

. Fargo (um homem precisa de dinheiro e quer sequestrar a própria esposa)

. Um corpo que cai (um homem tenta ficar vivo e salvar um amigo)

. O Bom, o mau e o feio (um homem tenta ficar vivo)

. Cidade das Ilusões (um homem precisa de um fósforo)

. A noite do iguana (um homem quer limpar sua honra)

. Yojimbo (um homem procura encrenca, é um guerreiro, vive disso)

. Cabaret (um rapaz careta vai morar com uma mulher decadente, e agora?)

. Blue Brothers (um homem está finalmente livre, e agora?)

. 2001, uma odisséia no espaço (a humanidade precisa seguir em frente, e agora?)

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12 grandes começos de livros (o que me parece infilmável está em itálico).

. "Tudo isso aconteceu, mais ou menos." Matadouro Número 5, Kurt Vonnegut.

. "Ao despertar após uma noite de sonhos agitados, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama transformado num inseto gigantesco." A Metamorfose, Franz Kafka.

. "Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte." Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis.

. "Você vai começar a ler o novo romance de Ítalo Calvino, Se Um Viajante Numa Noite de Inverno. Relaxe." Se um Viajante Numa Noite de Inverno, Italo Calvino.

. "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendia haveria de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo". Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Márquez.

. "Mamãe e papai não passavam de duas crianças quando se casaram. Ele tinha dezoito anos, ela dezesseis e eu, três." Autobiografia de Billie Holiday.

. "Me chame de Ismael." Moby Dick, Herman Melville.

. "Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja." Grandes Sertão: Veredas, Guimarães Rosa.

. "A arte de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza das casas em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro Hotel de Belgique." Histórias de Cronópios e de Famas, Julio Cortazar.

. "Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda esta lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso." O Apanhador no Campo de Centeio, J.D. Salinger.

. “A primeira coisa que posso dizer para vocês é que a gente morava no sexto andar por escada e que para Madame Rosa, com aqueles quilos todos que carregava com ela e somente duas pernas, aquilo era uma verdadeira fonte de vida cotidiana, com todas as preocupações e sofrimentos.” Toda vida pela frente, Emile Ajar.

. "As famílias felizes são todas iguais, cada família infeliz é infeliz a sua maneira". Ana Karenina”, de Leon Tolstoi.

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In medias res

Origem: Wikipédia

In media(s) res (latim para "no meio das coisas") é uma técnica literária onde a narrativa começa no meio da história, em vez de no início (ab ovo ou ab initio). Os personagens, cenários e conflitos são frequentemente introduzidos através de uma série deflashbacks ou através de personagens que discorrem entre si sobre eventos passados. Obras clássicas tais como a Eneida, de Virgílio, a Ilíada, de Homero, ou a obra renascentista Os Lusíadas, de Luís de Camões, começam no meio da história.

Os termos in medias res e ab ovo (literalmente "desde o ovo") provém das linhas 147–148 da Ars Poetica do poeta romano Horácio, onde ele descreve seu poeta épico ideal:

Nem deve ele começar a Guerra de Tróia a partir do ovo duplo,

mas sempre adiantar-se na ação e agarrar o ouvinte no meio das coisas…

O "ovo duplo" é uma referência à origem da Guerra de Tróia com o nascimento mítico de Helena e Clitemnestra de um ovo posto pela mãe de ambas, Leda, depois que esta foi violentada por Zeus sob a forma de um cisne.

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Alguém não acordou hoje? “I woke up this morning and...” (Pesquisa no Google em 28.08.11, mostrou “aproximadamente 5.400.000 resultados” para “I woke up this morning and”.) Pule esta parte, a não ser que você tenha acordado na forma de inseto.

“O roteirista muitas vezes perde tempo apresentando o personagem antes que comece a trama. Creio que é natural, porque os roteiristas novatos não conhecem seus personagem e por isso inventam situações que lhes permita explorar quem são. Todos os filmes de estudantes começam com alguém na cama”. Steven Zaillian, em Roteiristas de Cinema.

A SITUAÇÃO DRAMÁTICA

O que é uma situação dramática?

A definição de Éttiene SOURIAU:

Situação dramática: forma particular de tensão inter-humana do momento cênico. (“Céus, meu marido.”)

"Para que haja ação é preciso que a resposta à pergunta: "O que acontece em seguida?" surja "forçosamente" da própria situação e dos dinamismos interiores de cada momento cênico". E.S.

“Toda cena deve ser ao mesmo tempo surpreendente e inevitável.” Eugene Vale.

- A Cena

No cinema a “unidade de ação dramática” é a cena.

Uma cena é um tempo num espaço.

De quem é a cena? Qual o personagem principal de cada cena?

Ex: Bibim e o porteiro do clube Juvenil.

O espaço da cena

A escolha do espaço. Os elementos dramáticos do espaço. Pobre? Rico? Local de trabalho ou moradia? Campo ou cidade? Velho ou novo?

Cada espaço tem uma luz, uma atmosfera, um som. Um espaço pode sugerir uma cena ou mesmo um filme inteiro. (Casa de areia)

A cena no espaço.

Exposição do espaço: O comportamento dos personagens no espaço.

É a casa de quem? É o local de trabalho? Como os personagens se comportam no espaço?

O tempo da cena

Dentro da cena, o tempo é real? Qual o tempo entre as cenas?

John Howard Lawson: Griffith X Eisenstein

A montagem paralela.

Exemplos: "O Nascimento de Uma Nação" e "Intolerância" (As Horas). Ao mesmo tempo.

O "alongamento dramático".

Exemplo: "O Encouraçado Potenkin"

O herói chegará a tempo de salvar a mocinha?

Exposição do tempo: Quanto tempo se passou? Como o público sabe?

"Amarcord" (estações).

Carriére:

"Fazer perceber o desenrolar do tempo é uma dificuldade. Torna-se um insuperável quebra-cabeça, quando é necessário indicar que quinze dias ou três semanas se passaram e encontrar um ritmo que permita contar uma história com anos, meses e dias. Por outro lado, deve-se encontrar um ritmo". Carriére.

Dias e noites. O mesmo dia? A mesma noite?

A cena no tempo.

Em que época se passa uma cena? "O Labirinto", início.

O que mais determina a época em que o filme se passa? Na ordem: tecnologia (carros, celulares, eletrodomésticos), moda, arquitetura, costumes.

Cada cena deve conter um conflito, deve fazer a história avançar ou revelar algo sobre os personagens.

Cada uma das cenas de um filme deve ser fundamental ou descartada. (“O que não conta a história não faz parte da história”.)

Exceções:

Cenas que regulam o ritmo da narrativa. (Paulo José: cena do cachorro cruzando a rua.)

Às vezes os climas sem diálogo, os “momentos triviais” são importantes para estabelecer a empatia com os personagens, ou valorizar os momentos mais animados.

“Diálogos” de Ernesto Sabato com o Jorge Luis Borges:

Borges – Um poema longo que só constasse de frases poéticas seria intolerável.

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Os cortes entre as cenas são interrupções bruscas na narrativa. A dramaturgia deve fazer a ligação entre as cenas, mas é possível (se quisermos) atenuar esta fragmentação com artifícios "tópicos":

. o diálogo (“O nome dele é Dorival...”)

. cortes em movimento (os mergulhos de Ben em “The Graduate”)

. o corte de som (antecipação do som da cena B ou retardo da cena A)

. a composição dos quadros a e b (os aviões de Kubrick em “Doutor Fantástico”)

O uso excessivo destes elementos “mata-junta” (como o uso excessivo de qualquer coisa) pode desgastá-los, use com moderação. O roteiro deve fazer parte deste serviço, (toda cena deve ser “surpreendente e inevitável” E.Vale), mas é o roteiro decupado pelo diretor que resolve a maioria das ligações entre as cenas.

Uma cena pode (mas não precisa) começar e encerrar um conflito. Ela pode, ao contrário, terminar com um “gancho”, um momento de suspense. Muitas cenas com “começo, meio e fim” podem fazer o filme andar aos solavancos, como se fosse uma série de esquetes ou curta-metragens. Muitas cenas terminadas em “ganchos” podem gerar frustração, banalizando o suspense. Aristóteles ensina que o caminho mais justo é o do meio.

Bom conselho de Billy Wilder: “Trate as cenas como festas: chegue tarde e saia cedo”. Depois de escrita, submeta sua cena a “regra da festa”, veja quanto do seu início e do seu final podem ser cortados sem prejuízo da ação dramática.

(David Mamet diz que quase todos os filmes ficariam melhores sem o primeiro rolo, um exagero com alguma base de verdade.)

Filmes ruins estão repletos de personagens ligando ou estacionando carros, subindo escadas ou caminhando pela calçada, abrindo portas para outros personagens que chegam e se cumprimentam, gente que se despede e diz que já está indo embora, enfim, montes de ações dramaticamente inúteis. (Umberto Eco e o filmes pornográficos.)

Erros mais comuns quanto à construção de uma cena:

. cena inútil, não revela nada sobre os personagens, não faz avançar a história, nem tem a função de dar ritmo à narrativa.

. cena “apertada”, com muitos acontecimentos ou informações demais em pouco tempo (Cabem muitas informações num único fotograma, mas o espectador precisa de algum tempo para perceber cada uma delas.)

. cena “frouxa”, com tempos inúteis, dramaticamente irrelevantes (O que não quer dizer que pausas, silêncios e tempos mortos não possam ser dramáticos.) (Nona sinfonia: pausa também é música.)

. excesso de cenas sem ligação (sensação de desordem narrativa)

. excesso de cenas com início, meio e fim (história anda aos trancos)

. excesso de cenas terminando em suspense (frustração do espectador)

. ligação artificial entre as cenas

- Passado, presente e futuro.

A narrativa no cinema (como na literatura, nos quadrinhos) é consecutiva. Na pintura, por exemplo, a narrativa é expositiva.

Uma narrativa consecutiva se constrói pela ação.

As palavras que definem a ação são os verbos.

Eu fiz / Eu faço / Eu farei

Os três tempos estão sempre ligados na narrativa.

Eu fiz. Passado - Motivo.

Eu faço. Presente - Ação.

Eu farei. Futuro - Intenção.

A Intenção (futuro) contém duas incertezas:

1. Tempo (Quando eu farei?)

2. Resultado (Conseguirei fazê-lo?)

A quase totalidade das narrativas se sustenta nestas duas incertezas.

O futuro do subjuntivo é o tempo da dramaturgia: se ou quando eu for. (O futuro condicional russo: talvez eu vá.)

O presente, a rigor, não existe. É apenas um ponto, em que o futuro se torna passado. O passado e o futuro não tem limites. Como nós estamos sempre no presente, os fatos que se afastam de nós, em direção ao passado se tornam cada vez menos interessantes. O passado, na narrativa, só tem interesse como motivação para intenções futuras. O futuro é o tempo mais importante.

O que leva o personagem a agir?

- Motivo, intenção e objetivo.

MOTIVO

A motivação humana é, basicamente, a eliminação do sofrimento, da dor. O ser humano sofre por dois motivos: quando tem algo que não quer (medo) ou quando quer algo que não tem (desejo). Instinto de vida e de morte, eros e tânatos.

Ex: Fome, frio, curiosidade, A Arca Perdida, o E.T. quer voltar para casa, uma faca cravada nas costas. O motivo causa uma intenção. (ou não).

INTENÇÃO

A intenção é uma ação em direção a um objetivo. O objetivo é a eliminação do motivo.

A intenção contém uma dúvida: ela pode eliminar ou não o motivo, pode se cumprir ou se frustrar. Ela pode ser impedida por obstáculos ou intenções contrárias.

Intenções contrárias geram conflito.

Dois fatores, portanto, dão a intenção uma importância fundamental na narrativa:

1. a intenção pode gerar conflito.

2. a intenção nos leva para o futuro.

OBJETIVO

O objetivo determina distância e direção.

Objetivo é alguma coisa, no futuro, a ser alcançada. (A Arca da Aliança, para o Indiana Jones) A Arca não é um objetivo em si. Ela torna-se um objetivo quando conhecemos a intenção do Indiana em alcançá-la. Intenções diferentes podem ter um mesmo objetivo.

Indiana quer a arca para seu museu.

Nazistas querem a arca para ganhar a guerra.

Intenções contrárias com um mesmo objetivo geram conflito.

Uma história pode ter dois objetivos. Isto é comum quando há romance e aventura: Indiana, Casablanca, Meu Primo Viny, Tudo por uma esmeralda. Para evitar que a história se divida em duas, os objetivos devem ser tão ligados quanto seja possível.

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Erros mais comuns quanto à ação dramática:

. Começo muito lento, retardando o envolvimento do espectador. (na televisão, um erro fatal)

. Começo muito impressionante, dificultando a gradação da trama. (no cinema, um erro fatal)

. Inabilidade para fazer sentir o passar do tempo.

. Dificuldade para expor motivos, intenções e objetivos dos personagens.

Recapitulação:

Considerando que...

1. o cinema é uma linguagem

2. esta linguagem se compõe de elementos próprios

3. o roteiro se esforça em transformar os elementos da linguagem cinematográfica em palavras

4. combinados, os elementos da linguagem cinematográfica podem ser transformados em narrativa e contar histórias.

5. a história se compõe de personagem e ação.

6. este personagem em ação se move para o futuro.

7. o que move este personagem em ação para o futuro é o motivo, a intenção e o objetivo.

Vamos falar sobre...

#CAPÍTULO 6: HISTÓRIA E NARRATIVA

* A HISTÓRIA

- Qual é a história? O que é uma boa história?

“Alguém quer muito alguma coisa e tem dificuldades para obtê-la” Frank Daniel

Deve propor algum tipo de identificação, uma relação com o leitor/ouvinte/espectador, que se dá principalmente através dos personagens.

Umberto Eco:

"É fácil entender por que a ficção nos fascina tanto. Ela nos proporciona a oportunidade de utilizar infinitamente as nossas faculdades para perceber o mundo e reconstituir o passado. A ficção tem a mesma função dos jogos. Brincando as crianças aprendem a viver, porque simulam situações em que poderão se encontrar como adultos. E é por meio da ficção que nós, adultos, exercitamos nossa capacidade de estruturar nossa experiência passada e presente".

Ernesto Sabato:

“A arte é para a comunidade o que o sonho é para o indivíduo. Talvez sirva para salvar a comunidade da loucura. E essa seria a grande missão da arte (...) Os personagens de Shakespeare, ou seja, Shakespeare, assassinam, traem, torturam, violam, suicidam-se, enlouquecem. Por muito menos que isso a sociedade o jogaria na prisão ou no manicômio. Mas levanta monumentos para ele. Estranho, não é mesmo? A única explicação é que a sociedade intui que esse criminoso louco preserva todos nós do crime e da loucura. Quanto aos que não podem ser Shakespeare, sonham à noite.” in “Diálogos Borges Sabato”, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, São Paulo, Editora Globo, 2005

Deve ter unidade.

"Todos os acontecimentos se devem suceder em conexão tal que, uma vez suprimido ou deslocado um deles, também se confunda ou mude a ordem do todo. Pois não faz parte de um todo o que não altera este todo". Aristóteles.

O que não conta a história não faz parte da história.

Dashiel Hammet: "Concentre-se no essencial e corte fora todo o resto".

Contra-exemplos: o colega de escola, em Fargo. O relógio em Pulp Fiction. O quiprocó em Houve uma vez dois verões. O hotel em HQC. A placa em Saneamento Básico.

Deve ter importância para os personagens.

Uma história que não interessa aos personagens, dificilmente interessará ao público. Os sentimentos devem ser intencionalmente exagerados (na medida certa).

Contra-exemplo: Pauline na praia.

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Os Templários

De Alphonse Allais

Eis aí um sujeito que era bem um tipo, um tipo rude e agressivo! Eu o vi vinte vezes, apenas apertando o cavalo com as coxas, deter todo um esquadrão, sem mais. Na ocasião ele era brigadeiro. Um pouco exigente no serviço, mas agradável na convivência social. Ora bolas, como é que ele se chamava? Um danado nome alsaciano, não consigo me lembrar, algo como Wurtz (Lingüiça) ou Schwartz (Preto). Sim deve ser isso Schwartz. Aliás, o nome nada acrescenta à coisa. Natural de Neufbrisach, não propriamente à Neufbrisach, mas dos arredores. Que tipão, esse Schwartz!

Um domingo de manhã (estávamos aquartelados em Oran), Schwartz me perguntou;

- Que vamos fazer hoje?

E eu, de minha parte respondi: - O que você quiser, meu velho Schwartz.

Então concordamos em dar um passeio no mar. Pegamos um barco, ferra as amarras, rapaz!, e eis que estamos ao largo. O tempo estava bonito, ventava um pouco, mas, afinal, bom tempo.

Singrávamos como dardos, felizes em ver a costa da África desaparecer no horizonte. Como puxa este remo! Com os diabos, que almoço! Lembro me especialmente de um certo pernil que foi rapado indecentemente até o osso. Durante esse tempo todo não chegamos a perceber que a brisa aumentava e que o mar se punha a marulhar de maneira inquietante.

- Bolas! - disse Schwartz - seria preciso...

Realmente não, não é Schwartz que ele se chamava. Tinha um nome mais comprido que isto, como quem dissesse Schwartzbach. Vá lá, que seja Schwartzbach! Então Schwartzbach me disse:

- Meu garoto, está na hora da gente se reapresentar.

Mas, reapresentar se de que jeito? O vento soprava feito tempestade. A vela foi arrancada por uma rajada de vento, um remo se manda, carregado por uma onda forte. Ei-nos à mercê dos vagalhões. Nós ganhávamos o mar numa velocidade deplorável e um sacolejar terrível. Prontos para o que desse e viesse, tiramos as botas e as nossas túnicas. A noite caía e o furacão se enraivecia. Ah! Que bela idéia tivemos de ir contemplar teu azul, ó Mediterrâneo! Depois a escuridão nos envolve completamente. Já era quase meia noite. Onde estávamos? Schwartzbach, ou melhor, Schwartzbacher, pois agora me lembro é Schwartzbacher. Schwartzbacher, como eu ia, dizendo, que conhecia geografia na ponta da ponta dos dedos (os alsacianos são muito instruídos), me disse:

- Estamos na ilha de Rodes, meu velho.

Mas cá entre nós, será que a administração não deveria pôr placas indicativas em todas as ilhas do Mediterrâneo, pois é um inferno para a gente se guiar no meio delas, quando não se está acostumado.

Estava preto que nem breu. Nós, molhados como pintos, escalamos a custo pelos rochedos da falésia.

Nenhuma luz no horizonte. Que gozado!

- Vamos faltar ao toque da alvorada - disse eu, para dizer alguma coisa.

- E até mesmo o da noite - respondeu soturnamente Schwartzbacher.

E nós marchávamos pelos pequenos juncos ralos e pelas giestas picantes. Andávamos sem saber por onde, unicamente para nos aquecer.

- Ali! - gritou Schwartzbacher , - estou vendo um clarão! Está vendo lá embaixo?

Segui a direção do dedo de Schwartzbacher e realmente um clarão brilhava, mas muito longe, um clarão esquisito. Não era uma simples luz de casa, não eram luzes de um povoado, não, era um clarão esquisito.

E nós retomamos nossa caminhada, acelerando a marcha.

Finalmente chegamos. Em cima daqueles rochedos se erguia um castelo de teto imponente, um alto castelo de pedras, onde não parecia que se pudesse ficar gracejando o tempo todo. Uma das torres deste castelo servia de capela, e o clarão que tínhamos percebido não era senão a iluminação sagrada que se filtrava pelos altos vitrais góticos. Cânticos nos chegavam aos ouvidos, cânticos graves e másculos, cânticos que davam arrepio na espinha.

- Entremos - disse Schwartzbacher, resoluto.

- Por onde?

- Ali! Sim... procuremos uma saída.

Schwartzbacher dizia: "Procuremos uma saída", mas ele queria dizer: "Procuremos uma entrada". Aliás, como é a mesma coisa, não julguei que devesse observar seu erro relativo, que talvez não passasse de um lapso causado pelo frio.

Havia muitas entradas, mas todas fechadas, e não havia campainhas. Então era como se não existissem entradas. Por fim, de tanto rodar em tomo do castelo, descobrimos um pequeno muro que passamos a escalar.

- Agora - observou Schwartzbacher - procuremos a cozinha.

Era provável que no imóvel não existisse cozinha, pois nenhum cheiro de bóia vinha coçar nossas narinas.

Nós nos metíamos por corredores intermináveis e emaranhados. Às vezes um morcego voejava e roçava nossos rostos com sua imunda pelúcia.

Na curva de um corredor, os cânticos que tínhamos ouvido, vieram ferir nossas orelhas, vindos de bem perto. Estávamos num grande recinto que devia comunicar se com a capela.

- Agora vejo o que é - observou Schwartzbacher (ou melhor, Schartzbachermann, agora me lembro). - Nos encontramos no castelo dos Templários.

Nem acabara de falar, quando uma porta de ferro se escancarou.

Fomos inundados de luz.

Lá dentro, havia uma porção de homens, ajoelhados, algumas com armadura, capacete na cabeça, de alta estatura.

Ergueram se com um longo ruído de ferragem, viraram-se e nos viram.

Então, com o mesmo gesto, eles gritaram: - Sabre em punho! e marcharam contra nós, espada em riste.

Eu bem que gostaria de estar em outro lugar.

Sem se perturbar, Schwartzbachermann arregaçou as mangas, colocou-se em posição de defesa e gritou com voz possante:

- Ah! Em nome de Deus! Senhores Templários, ainda que fosse mil... tão verdade como eu me chamo Durand...!

Ah! Agora me lembro... ele se chamava Durand. Seu pai era alfaiate em Aubervilliers. Durand, sim, é isso mesmo... Danado Durand, pois é! Que tipo!

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In Umberto Eco, Lector in Fabula. Tradução de Attilio Cancian. Editora Perspectiva, coleção Estudos, vol. 89.

As oito regras de Vonnegut

Em “Bagombo Snuff Box: Uncollected Short Fiction”, Kurt Vonnegut lista oito regras para escrever uma história curta:

1. Use o tempo de um completo estranho de tal maneira que ele ou ela não sinta que este tempo foi desperdiçado.

2. Dê ao leitor ao menos um personagem pelo qual ele pode simpatizar.

3. Todo personagem deve desejar algo, mesmo que seja apenas um copo de água.

4. Toda sentença deve fazer uma ou duas coisas: revelar o personagem ou avançar na história.

5. Sempre que possível, comece sua história pelo ponto mais próximo do seu final.

6. Seja sádico. Não importa quão simpáticos e inocentes sejam seus personagens principais, faça coisas terríveis acontecer com eles para que o leitor perceba do que eles são feitos.

7. Escreva para agradar apenas uma pessoa. Se você abrir uma janela e fizer amor com o mundo, sua história vai pegar uma pneumonia.

8. Dê aos seus leitores o máximo de informação o mais cedo possível. Que se dane o suspense. Leitores devem ter um entendimento tão completo do que está acontecendo, onde e porque, que possam finalizar a história por eles próprios se as baratas comerem as últimas páginas.

Ditas pelo próprio, no Youtube:



Clichês e arquétipos.

Arquétipo: Modelo de seres criado. Padrão. exemplar, modelo.

"A situação de Hamlet é a mesma de Cinderela, com exceção de que os sexos são invertidos. Seu pai acabou de morrer. Ele se sente infeliz. E imediatamente sua mãe se casa com o seu tio, que é um bastardo." Kurt Vonnegut

"O Paraíso Perdido, o Dragão, o Círculo, são exemplos de arquétipos que se encontram nas mais diversas civilizações". (...) exatamente como o corpo humano representa um verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa evolução histórica, da mesma forma deveríamos esperar encontrar também, na mente, uma organização análoga, um inconsciente coletivo. Nossa mente jamais poderia ser um produto sem história, em situação oposta ao corpo, no qual a história existe". C.J. Jung.

“No Inconsciente Coletivo existem, segundo Jung, estruturas psíquicas ou arquétipos, formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou canalizar o material psicológico. Eles se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma determina as características do rio. (...) Jung também chama os Arquétipos de imagens primordiais, porque eles correspondem freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes. Os mesmos temas podem ser encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos. De acordo com Jung, os arquétipos, como elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem tanto às fantasias individuais quanto às mitologias de um povo.”

"Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager

Lacan:

“É por intermédio do complexo que se instauram no psiquismo as imagens que dão forma às mais vastas unidades do comportamento: imagens com que o sujeito se identifica alternadamente para encenar, como ator único, o drama de seus conflitos. Essa comédia, situada pelo espírito da espécie sob o signo do riso e das lágrimas, é uma comedia dell’arte, no sentido de que cada um improvisa e a torna medíocre ou sumamente expressiva conforme seus dons, é claro (...). Comedia dell’ arte, além disso, por se encenar segundo um roteiro típico e papéis tradicionais. Ali podemos reconhecer os mesmos personagens que tipificaram o folclore, os contos e o teatro infantil ou adulto – a ogra, o bicho-papão, o avarento, o pai nobre (...)

LACAN, J. Para além do princípio de realidade, p.93. Citado em “O herói cômico e

os (im)passes de sua trajetória: uma contribuição à ética da psicanálise, de Laura Lustosa Rubião.

(trecho do texto "Casablanca, ou o Renascimento dos Deuses", de Umberto Eco, sobre os arquétipos em Casablanca.)

"O filme já começa num lugar mágico de per si, o Marrocos, o Exótico, inicia com um quê de melodia árabe que se esfuma na Marselhesa. Quando entra para o ambiente de Rick, ouve-se Gershwin. África, França, Estados Unidos. A essa altura entra em cena um emaranhado de Arquétipos Eternos. São situações que presidiram as histórias de todos os tempos. Mas habitualmente para fazer uma boa história basta uma única situação arquetípica. E sobra. Por exemplo: O Amor Infeliz. Ou A Fuga. Casablanca não se contenta: coloca todas. A cidade é o local de uma Passagem, rumo à Terra Prometida. Para passar, porém, é necessário submeter-se a uma prova, A Espera ("esperam, esperam, esperam", diz a voz off no começo). Para passar do vestíbulo de espera à Terra Prometida, é preciso uma Chave Mágica: o visto. Em torno da Conquista desta chave desencadeiam-se as paixões. A mediação da chave parece ser feita pelo Dinheiro (que aparece em diversas tomadas, geralmente sob a forma de Jogo Mortal, ou roleta): mas por fim se descobrirá que a chave somente pode ser dada através de um Dom (que é o dom do visto, mas é também o dom que Rick faz de seu Desejo, sacrificando-se). Porque esta é também a história de um turbilhão de desejos, dos quais apenas dois acabam sendo satisfeitos: o de Victor Laszlo, o herói puríssimo, e o do casalzinho búlgaro. Todos aqueles que tem paixões impuras fracassam. E então, outro arquétipo, triunfa A Pureza. Os impuros não chegam à terra prometida, somem antes. No entanto realizam a pureza através do Sacrifício: é a Redenção".

[...]

"Em torno dessa dança de mitos eternos estão os mitos históricos, ou seja, os mitos do cinema devidamente revisitados. Bogart personifica pelo menos três deles: o Aventureiro Ambíguo, misto de cinismo e generosidade. o Asceta por Desilusão Amorosa e ao mesmo tempo o Alcoólatra Redimido. Ingrid Bergman é a Mulher Enigmática ou a Mulher Fatal. Em seguida há Ouça Querido a Nossa Canção, o Último Dia em Paris, a Legião Estrangeira (cada personagem tem uma nacionalidade diferente) e finalmente o Grande Hotel Gente-Que-Vai-Gente-Que-Vem. (...) De modo que Casablanca não é um filme, é muitos filmes, uma antologia. E por isso funciona, a despeito das teorias estéticas e das teorias filmográficas. Porque nele se desdobram, em força quase telúrica, as Potências da Narratividade em estado selvagem, sem que a Arte intervenha para disciplinar.

E então podemos aceitar que as personagens mudem de humor, de moralidade, de psicologia, de um momento para o outro, que os conspiradores pigarreiem para interromper a conversa quando se aproxima um espião, que as mocinhas de vida fácil chorem ao ouvir a Marselhesa.

Quando todos os arquétipos irrompem sem decência, são atingidas profundidades homéricas. Dois clichês provocam riso. Cem clichês comovem. Porque se percebe obscuramente que os clichês falam entre si e celebram uma festa de reencontro. Como o cúmulo da dor encontra a volúpia, o cúmulo da banalidade deixa entrever uma suspeita de sublime".

(entrevista concedida por Kurt Vonnegut Jr.)

Pergunta: Acha realmente que a arte de escrever de forma criativa pode ser ensinada?

VONNEGUT: Mais ou menos da mesma maneira que o golfe pode ser ensinado. Um profissional pode apontar falhas óbvias no seu modo de mover o taco. (...) Sei apenas a teoria.

Pergunta: Poderia expor a teoria em poucas palavras?

VONNEGUT: Ela foi formulada por Paul Engle, o fundador da Oficina de Escritores em Iowa. Ele me disse que, se a oficina um dia arrumasse um prédio próprio, estas palavras deveriam ser inscritas sobre a entrada: "Não leve isso tudo a sério".

Pergunta: E como isso poderia ajudar?

VONNEGUT: Faria os estudantes se lembrarem que estavam aprendendo a fazer brincadeiras. Se você faz as pessoas rirem ou chorarem por causa de pequenas marcas negras em folhas de papel branco, o que é isso a não ser uma brincadeira? Todas as grande linhas básicas de histórias são grandes brincadeiras nas quais as pessoas caem continuamente.

Pergunta: Pode dar um exemplo?

VONNEGUT: O romance gótico. Dezenas de coisas são publicadas todo ano e todas vendem. Meu amigo Borden escreveu recentemente um romance gótico apenas por diversão. Eu lhe perguntei qual era o enredo e ele disse: "Uma jovem arruma um emprego em uma casa velha e depois fica morrendo de medo lá dentro".

Pergunta: Mais alguns?

VONNEGUT: Os outros não são tão engraçados de se descrever. Alguém entra em apuros e depois escapa. Alguém perde alguma coisa e a recupera. Alguém é enganado e se vinga. Cinderela. Alguém começa a andar para trás e a sua situação só piora cada vez mais. Duas pessoas se apaixonam e outras atrapalham. Uma pessoa virtuosa é falsamente acusada de um delito. Uma pessoa má é julgada virtuosa. Uma pessoa encara um desafio com bravura e tem sucesso ou não. Uma pessoa mente, uma pessoa rouba, uma pessoa mata. Uma pessoa pratica fornicação.

Pergunta: Me desculpe, mas esses são enredos muito antigos.

VONNEGUT: Eu lhe garanto que nenhum esquema de histórias modernas, mesmo sem enredo, dará a um leitor satisfação genuína, a menos que um destes enredos antigos seja introduzido em algum lugar. Não valorizo enredos como representações precisas da vida, mas como maneiras de manter o leitor lendo. Quando eu ensinava redação criativa, dizia ao meus alunos para fazer com que seus personagens quisessem algo logo, mesmo que fosse apenas um copo d'água. Até personagens paralisados pela falta de sentido da vida moderna têm que beber água de tempos em tempos. (...) Quando você exclui o enredo, quando exclui alguém que deseje alguma coisa, você exclui o leitor, o que é uma atitude mesquinha. Você também pode excluir o leitor não contando imediatamente onde a história se desenrola e quem são estas pessoas. E você pode fazê-lo dormir se não colocar os personagens em confronto uns com os outros. Estudantes gostam de dizer que não apresentam confrontos em seus textos porque as pessoas evitam confrontos na vida moderna. "A vida moderna é tão solitária...". Isso é preguiça. É o trabalho do escritor apresentar confrontos, para que os personagens digam coisas surpreendentes e reveladoras, eduquem e divirtam a todos nós. Se um escritor não sabe ou não quer fazer isso, deveria retirar-se do negócio.

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Um clichê pode ser a base da nossa história, um bom começo. (Hitchcock: “É melhor começar por um clichê do que terminar nele”).

A NARRATIVA

Uma boa história não basta.

A narrativa precisa de uma história + meios para transmitir a história. Toda a narrativa precisa de uma construção dramática.

Antiga lenda “tirada de um livro de magia”, narrada por Italo Calvino em “Seis propostas para o próximo milênio”, Companhia das Letras, São Paulo,1990. Tradução de Ivo Barroso.

“O imperador Carlos Magno, já em avançada idade, apaixonou-se por uma donzela alemã. Os barões da corte andavam muito preocupados vendo que o soberano, entregue a uma paixão amorosa que o fazia esquecer sua dignidade real, negligenciava os deveres do Império. Quando a jovem morreu subitamente, os dignitários respiraram aliviados, mas por pouco tempo, pois o amor de Carlos Magno não morreu com ela. O imperador mandou embalsamar o cadáver e transportá-lo para sua câmara, recusando separar-se dele. O arcebispo Turpino, apavorado com essa paixão macabra, suspeitou que havia ali um sortilégio e quis examinar o cadáver. Oculto sob a língua da morta, encontrou um anel com uma pedra preciosa. A partir do momento em que o anel passou às mãos de Turpino, Carlos Magno apressou-se em mandar sepultar o cadáver e transferiu seu amor para a pessoa do arcebispo. Turpino, para fugir àquela embaraçosa situação, atirou o anel no lago Constança. Carlos Magno apaixonou-se então pelo lago e nunca mais quis se afastar de suas margens”.

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- Estágios da construção dramática

1. Estado Inalterado

2. Alteração

3. Luta

4. Ajuste

1. O imperador Carlos Magno, já em avançada idade...

2. ...apaixonou-se por uma donzela alemã.

3. Os barões da corte andavam muito preocupados vendo que o soberano, entregue a uma paixão amorosa que o fazia esquecer sua dignidade real, negligenciava os deveres do Império. Quando a jovem morreu subitamente, os dignitários respiraram aliviados, mas por pouco tempo, pois o amor de Carlos Magno não morreu com ela. O imperador mandou embalsamar o cadáver e transportá-lo para sua cãmara, recusando separar-se dele. Arcebispo Turpino, apavorado com essa paixão macabra, suspeitou que havia ali um sortilégio e quis examinar o cadáver. Oculto sob a língua da morta, encontrou um anel com uma pedra preciosa. A partir do momento em que o anel passou às mãos de Turpino, Carlos magno apressou-se em mandar sepultar o cadáver e transferiu seu amor para a pessoa do arcebispo. Turpino, para fugir àquela embaraçosa situação, atirou o anel no lago Constança.

4. Carlos Magno apaixonou-se então pelo lago e nunca mais quis se afastar de suas margens”.

1. O Estado Inalterado

Não tem conflito. Pode ser usado para descrição de circunstâncias e caracterização do personagem.

2. A Alteração

Algo acontece. Motivo para a ação. Intenção do personagem. Apaixonar-se. Ficar sabendo. Ouvir. Ver. Lembrar. Conflitos internos do personagem.

3. A Luta

O relato de uma intenção em direção a um objetivo só se torna interessante se existe a possibilidade deste objetivo não ser alcançado, quando existe entre intenção e objetivo uma dificuldade.

Exemplos de dificuldades:

Um obstáculo. Uma montanha. Um rio cheio de piranhas. Pouco tempo para chegar no objetivo, antes que ele desapareça. O personagem sabe da sua existência e vai em direção a ele com a intenção de vencê-lo.

Uma complicação. Algo inesperado acontece. Um sortilégio. Fura o pneu do carro. Começa a chover. Um bando de apaches.

Uma contra-intenção. João está apaixonado por Maria. Pedro também está apaixonado por Maria. Os dois querem casar com ela.

As dificuldades variam em qualidade e força. No meio do caminho tinha uma pedra. No meio do caminho tinha o Monte Everest. É preciso expor a qualidade e a força do obstáculo. Deve haver uma proporcionalidade entre a qualidade do obstáculo, o objetivo e a intenção. Deve haver equilíbrio entre objetivo e os obstáculos para alcançá-lo.

Indiana Jones não enfrenta o exército nazista apenas para colocar a arca no museu. Ele o faz para impedi-los de usar o poder da arca para ganhar a guerra.

André (HQC) precisa desesperadamente de 38 reais, ou perderá Silvia. Saneamento, objetivos dos personagens.

Grandes intenções precisam de grandes obstáculos para serem detidas.

Quando não existe uma dificuldade entre intenção e objetivo, podemos colocar a ação fora de cena.

O personagem revela uma intenção: "vou até o bar da esquina". Algo o impede de chegar ao bar da esquina? Não. Algo vai acontecer no caminho do bar da esquina? Não. O caminho do personagem até o bar da esquina contribui para a narrativa de alguma maneira? Não. Neste caso, quando ele diz: "vou até o bar da esquina" podemos cortar imediatamente para o bar da esquina, com o personagem chegando ou já sentado numa mesa. Neste caso, o personagem nem precisa (nem deve) dizer: vou até o bar da esquina. Corta para o bar da esquina.

Por outro lado, se sabemos da existência de um obstáculo entre intenção e objetivo, devemos mostrá-lo.

Um louco está no telhado de uma igreja com uma metralhadora, assassinando todas as pessoas que tentam entrar no bar da esquina. Corta para o apartamento do nosso personagem onde ele diz: "vou até o bar da esquina". Corta para o bar da esquina, onde o nosso personagem toma tranquilamente um cafezinho. O público imediatamente vai se perguntar como ele passou pelo louco.

4. O Ajuste

O ajuste acontece quando a intenção deixa de existir.

1. Por que se atingiu o objetivo.

2. Por que o objetivo deixou de existir.

3. Por que o personagem se transformou a ponto do motivo não causar mais uma intenção.

O protagonista (Leão) da lenda narrada por Calvino é o Arcebispo Turpino, é ele quem age para livrar o imperador do encantamento do anel. Seu objetivo é que Carlos Magno tenha serenidade e volte a cuidar dos “deveres do império”. Quando isso acontece, a história acaba.

“Na Sicília, os contadores de histórias usam uma fórmula: “lu cuntu num metti tempu” (o conto não perde tempo), quando quer saltar passagens inteiras ou indicar um intervalo de meses ou de anos. A técnica da narrativa oral na tradição popular obedece a critérios de funcionalidade: negligencia os detalhes inúteis mas insiste nas repetições, por exemplo quando a história apresenta uma série de obstáculos a superar. O prazer infantil de ouvir histórias reside igualmente na espera dessas repetições: situações, frases, fórmulas. Assim como na poesia e nas canções as rimas escandem o ritmo, nas narrativas em prosa há acontecimentos que rimam entre si. A eficácia narrativa da lenda de Carlos Magno está precisamente naquela sucessão de acontecimentos que se respondem uns aos outros como as rimas numa poesia”. Italo Calvino.

- Intenções Secundárias

Em uma história pode haver uma intenção principal (em direção ao objetivo), intenções secundárias (intermediárias, que apoiam a narrativa) e outras intenções independentes. Se a intenção não apóia a narrativa (em direção ao objetivo) ela deve ser descartada.

As intenções secundárias movem-se em direção a objetivos secundários. Os objetivos secundários, uma vez apresentados, devem ser resolvidos. Estes objetivos, uma vez alcançados (ou frustrados), não terminam com o relato. Os objetivos secundários são muito úteis para mover os personagens. Os objetivos secundários devem estar na mesma direção que o objetivo principal. Isto faz com que a narrativa avance para o futuro.

A Teoria dos Ímãs.

“A arte que permite a Sherazade salvar sua vida a cada noite está no saber encadear uma história na outra, interrompendo-a no momento exato: duas operações sobre a continuidade e a descontinuidade do tempo. É um segredo de ritmo, uma forma de capturar o tempo que podemos reconhecer desde suas origens: na poesia épica por causa da métrica do verso, na narrativa em prosa pelas diversas maneiras de manter aceso o desejo de ouvir o resto”. Italo Calvino.

- "Lector in Fábula"

A ficção (narrativa artificial) também se utiliza dos conhecimentos que o "espectador" tem da realidade. Mais que isso: a representação da realidade é sempre incompleta. O espectador/ouvinte/leitor completa as lacunas com seus próprios "pré-conceitos".

Eco:

"... todo o mundo ficcional se apóia parasiticamente no mundo real, que toma por seu pano de fundo. (...) Na verdade, espera-se que os autores não só tomem o mundo real por pano de fundo para sua história, como ainda intervenham constantemente para informar aos leitores os vários aspectos do mundo real que talvez desconheçam."

Um romance: a prisão sueca em “Os homens que não amavam as mulheres”. (Trilogia Milenium)

Exemplo: "Você Decide", "O Carrasco Nazista".

- Antecipação

É a capacidade do espectador de prever algo que vai acontecer. Isto é importante porque o mantém atento ao relato. Se não há nada para esperar, o espectador fica desatento.

O espectador é capaz antecipar o resultado provável de uma ação utilizando seus próprios conhecimentos, sua experiência.

- Suspense

É uma reação do espectador, uma dúvida sobre o desenvolvimento de uma ação. A intenção atingirá o objetivo? Quando? O suspense exige conhecimento do objetivo e da intenção.

A construção dramática provoca sensações no espectador: surpresa, riso, medo, susto, esperança, alegria e incômodo ao mesmo tempo: o bandido vai matar a mocinha e o mocinho está chegando para salvá-la.

Mantendo alguma informação oculta para revelá-la no futuro, o autor consegue um efeito curto. Liberando-a (para o público, não necessariamente para os personagens), pode conseguir um efeito de tensão constante que dá interesse à cena.

Exemplo 1, surpresa: Dois jovens namoram, ficam noivos, casam. Ficam sabendo que são irmãos.

Exemplo 2, suspense: Dois jovens, que não sabem que são irmãos (o leitor sabe), namoram, ficam noivos, casam.

Intenção e dificuldade geram suspense. Quando o objetivo é alcançado, o suspense termina.

Para se obter o suspense, deve haver um equilíbrio entre a intenção e as dificuldades. A "cultura do happy-end" do cinema americano desmoralizou parte deste suspense, restrito aos personagens secundários. Todos sabem que o mocinho não vai morrer. Permanece apenas a dúvida: COMO ele vai escapar?

Contra-exemplo: Psicose.

O clímax é o momento de confronto definitivo entre intenção e dificuldade. A partir do momento em que não há mais dúvida sobre a vitória da intenção, o suspense termina.

Sabe que, acha que, não sabe que:

Lembre-se: cada situação pode ser "triplamente diversificada" conforme a relação que lhe serve de base for real, equivocada ou ignorada.

Ex 1: os amantes descobrem que são irmãos, os amantes acham que são irmãos, os amantes não sabem que são irmãos.

Ex 2: o filho não sabe que o pai foi assassinado, filho acha que o pai foi assassinado, o filho descobre que o pai foi assassinado. (três estágios de Hamlet)

Ex 3: Jorge descobre que Luiza o traiu (e ele está certo, em Primo Basílio), Otelo pensa que Desdêmona o traiu (e ele está errado, em Otelo), Bento não sabe se Capitu o traiu (e está certo em não saber, em Dom Casmurrro).

O quid pro quod (quiprocó).

O Ponto de Vista.

“A porta de entrada por onde o espectador vê em perspectiva o interior da situação. É através de seus olhos que vemos o universo cênico. “ E.S.

Ex: “All about Eve” (A Malvada). Cidadão Kane. “Guildenstern e Rozencratz estão mortos”, peça e filme de Tom Stoppard, Hamlet no ponto de vista dos amigos que o príncipe mandou para a morte. “Rashomon”, filme de Akira Kurosawa baseado no livro de Ryunosuke Akutagawa. Os quatro livros do Novo Testamento.

Experimente trocar o ponto de vista do narrador da sua história. Talvez você tenha outra história, ou uma história melhor, ou outras linhas narrativas.

"Nisso consiste toda a arte teatral: descobrir sob que ângulo de visão o mundo a ser representado é mais interessante, mais pitoresco, mais estranho, mais vibrante ou mais significativo. É fazer no moral o que o cineasta faz no físico com sua câmera, procurando o melhor ângulo de tomadas. Mas a literatura fez isso em espírito muito antes de os cineastas terem deparado tecnicamente com esse problema (cuja universalidade estética nem sempre compreendem)." Etienne Souriau.

“...os grandes efeitos de ponto de vista figuram sobretudo nas obras de autores-atores (como Shakespeare e Moliére). Ao inventarem, ao pensarem geralmente suas obras junto com a encenação, eles tomam partido franco e forte a este respeito, e prevêem os recursos técnicos, como homens que conhecem seu ofício ou que o sentem intensamente.” Etienne Souriau.

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Trecho do prólogo de Jorge Luis Borges para o livro “A Invenção de Morel”, de Adolfo Bioy Casares.

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Stevenson, por volta de 1882, anotou que os leitores britânicos desdenhavam um pouco as peripécias, opinando que era muito hábil redigir um romance sem argumento, ou de argumento infinitesimal, atrofiado. José Ortega y Gasset – La Deshumanización del Arte, 1925 – tenta defender o desdém anotado por Stevenson e estatui, na página 96, que “é muito difícil hoje inventar uma aventura capaz de interessar nossa sensibilidade superior”, e, na 97, que essa invenção “é praticamente impossível”. Em outras páginas, em quase todas as outras páginas, advoga o romance “psicológico” e opina que o prazer das aventuras é inexistente ou pueril. Esse é, sem dúvida, o comum parecer de 1882, de 1925 e mesmo de 1940. Alguns escritores (dentre os quais aprecio contar Adolfo Bioy Casares) pensam ser razoável dissentir. Resumirei, aqui, os motivos dessa dissensão.

O primeiro (cujo ar de paradoxo não quero destacar nem atenuar) é o intrínseco rigor do romance de peripécias. O romance característico, “psicológico”, tende a ser informe. Os russos e os discípulos dos russos demonstram até o fastio que ninguém é impossível: suicidas por felicidade, assassinos por benevolência, pessoas que se adoram a ponto de separar-se para sempre, delatores por fervor ou por humildade... Essa liberdade plena acaba por equivaler à plena desordem. Por outro lado, o romance “psicológico” quer ser também romance “realista”: prefere que esqueçamos seu caráter de artifício verbal e faz de toda inútil precisão (ou de toda lânguida vagueza) um novo traço verossímil. Há páginas, há capítulos de Marcel Proust que são inaceitáveis como invenções: a eles, sem saber, resignamo-nos como ao insípido e ao ocioso de cada dia. O romance de aventuras, por sua vez, não se propõe como transcrição da realidade: é um objeto artificial que não sofre nenhuma parte injustificada. O temor de incorrer na mera variedade sucessiva do Asno de Ouro, do Quixote ou das sete viagens de Simbad impõe-lhe um rigoroso argumento. Aleguei um motivo de ordem intelectual; há outros, de caráter empírico. Todos tristemente murmuram que nosso século não é capaz de tecer tramas interessantes; ninguém se atreve a comprovar que, se este século tem alguma primazia sobre os anteriores, esta primazia é a das tramas.

Em “Obras Completas de Jorge Luis Borges, Volume IV”, página 27. Editora Globo, 2001. Tradução de Josely Vianna Baptista.

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As tramas de Tootsie, Testemunha de Acusação ou Quanto mais Quente Melhor são bem mais sofisticadas que as de qualquer peça de Shakespeare.

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"Plantando" informações: "O último magnata".

Mentiras. A informação era falsa.

CHION: Para uma história funcionar, muitas vezes é preciso que haja uma "distribuição desigual de informações" (entre os personagens e o público também). Muitas vezes é este desequilíbrio que move a história e mantém o interesse.

Liberando informações aos personagens.

O público sabe e um (ou mais) personagens também.

"Validade" da informação. O público ainda lembra?

O público sabe, mas o mocinho não. Suspense.

O público sabe, o mocinho sabe, mas a mulher do mocinho nem desconfia.

Como contar ao ator algo que o público já sabe? O Veredito.

A elipse:

- para cortar tempos mortos

- para reservar alguma surpresa para o futuro. "Eu tenho um plano..." (elipse)

- para evitar repetições. (a reação de quem não sabia. "O Veredito").

O "mal-entendido". Quid pro quo (isto por aquilo). "Quanto mais quente melhor". "A Comédia dos Erros".

- Os Três atos

Aristóteles: Exposição / Peripécia / Catástrofe

ou

Exposição / conflito / resolução

A importância do 3: tese, antítese, síntese.

Primeiro ato: Apresentação dos personagens, do espaço, do tempo. Surge um motivo, uma intenção, um objetivo e obstáculos. Uma informação muda o rumo da história.

É onde há (ou precisa haver) mais "informações por minuto". Este é o risco maior do primeiro ato. É preciso "dramatizar" a informação, para que ela seja passada ao público de maneira natural, sem parecer uma informação importante.

Pergunte-se:

- o que o público realmente precisa saber?

- como fazer com que os personagens precisem destas informações?

- qual a melhor maneira de dramatizar a informação?

Segundo ato: Conflitos. Os personagens se movimentam em direção ao objetivo e enfrentam obstáculos.

Uma nova informação redireciona a história para o confronto e a solução.

O bar dos roteiristas: “Problemas no segundo ato”.

Terceiro ato: Solução. O objetivo deixa de existir.

Cada ato também pode ser estruturado em 3 partes.

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Primeiro ato:

O imperador Carlos Magno, já em avançada idade, apaixonou-se por uma donzela alemã. Os barões da corte andavam muito preocupados vendo que o soberano, entregue a uma paixão amorosa que o fazia esquecer sua dignidade real, negligenciava os deveres do Império. Quando a jovem morreu subitamente, os dignitários respiraram aliviados...

Segundo ato:

...mas por pouco tempo, pois o amor de Carlos Magno não morreu com ela. O imperador mandou embalsamar o cadáver e transportá-lo para sua câmara, recusando separar-se dele. Arcebispo Turpino, apavorado com essa paixão macabra, suspeitou que havia ali um sortilégio e quis examinar o cadáver. Oculto sob a língua da morta, encontrou um anel com uma pedra preciosa. A partir do momento em que o anel passou às mãos de Turpino, Carlos Magno apressou-se em mandar sepultar o cadáver e transferiu seu amor para a pessoa do arcebispo.

Terceiro ato:

Turpino, para fugir àquela embaraçosa situação, atirou o anel no lago Constança. Carlos Magno apaixonou-se então pelo lago e nunca mais quis se afastar de suas margens.

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Linda Seger e o padrão-hollywood (semelhante ao paradigma de Syd Field):

Num roteiro de longa-metragem (de 100 páginas):

Primeiro ato: Página 1 - 25. O conflito é apresentado entre as páginas 10 e 15.

Segundo ato: Páginas 25 – 75. (A primeira “virada” até a página 75). Seger menciona também a possibilidade da existência de um “ponto central” (perto da página 50) que divide o segundo ato (e o filme) ao meio. Segundo Seger, nem todos os filmes tem este “ponto central” mas, quando tem, o filme, segundo ela, parece mais estruturado.

Terceiro ato: Páginas 75 – 100, com a solução final perto da página 95.

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“...é mais fácil equilibrar bem o interior de cada sequência do que o de um conjunto de sequências. Pode acontecer ter-se um certo número de sequências em que tudo é controlado no respectivo conteúdo. O equilíbrio parece perfeito, mas, quando as juntamos, o conjunto não funciona. Ora, é o conjunto que interessa. É preciso então rever as sequências, umas a seguir as outras, eventualmente desestruturar os extremos, seja fazendo cortes rasos, seja, pelo contrário, alongando-os (mesmo que isso pareça inútil), para assegurar a coesão do conjunto.”

Claude Chabrol, Como fazer um filme.

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Duvido que algum bom roteiro tenha sido escrito tendo como ponto de partida estas medidas, mas acredito que os melhores roteiros, por instinto autoral, acabam por cumpri-las. Acredito que pode ser uma boa idéia, depois de pronta a primeira versão de um roteiro, ver se ele se afasta muito destas medidas. Seger fala em colocar “bandeiras vermelhas” nestes pontos do roteiro.

“Dois verões” foi pensado com uma rígida estrutura de 3 atos, os três terminando com a mesma frase, dita pela Roza: “Eu estou grávida.”

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- O Fim.

A importância do início e do final. "Comece do começo. Vá até o fim. E então pare".

Desenlace: o momento em que tudo se imobiliza ou por autodestruição de todo o sistema, ou pelo fim do movimento num dispositivo estável e satisfatório, ou por retorno a situação inicial indicando um ciclo que se fecha.

As coincidências:

Uma coincidência é frequentemente o gatilho de uma história: um encontro fortuito, uma convivência forçada, um acidente. Mais de uma coincidência numa mesma história geralmente revelam a fragilidade da trama (a não ser como farsa, ver “A comédia de erros”).

Alguns procedimentos narrativos clichês (comuns na “baixa dramaturgia” dos folhetins) são eventualmente toleráveis, se reciclados ou apresentados de maneira original. Um exemplo comum são pessoas que escutam atrás da porta (ou na extensão do telefone, ou que encontram “a carta”, etc.), sem o quê a história não anda. (Romance, Comédias)

(Um dia desses vi, num programa de televisão, uma curiosa combinação de clichês: alguém que escutava atrás da porta a conversa de um personagem que, em seu quarto, falava sozinho, revelando seus planos de conquista amorosa. O roteirista estava mesmo com muita sorte!)

Pode uma coincidência resolver a trama? (Deus ex-machina). Sim, como piada. Ex: O mundo segundo Garp, romance de John Irving, filme dirigido por George Roy Hill.

A dramaturgia do jogo de dados, do xadrez e do gamão.

“A escritura da ficção impõe uma troca constante entre, de um lado, o estabelecimento de uma estrutura, de um padrão e de um fechamento, e, de outro, a imitação da aleatoriedade, das incongruências e da abertura da vida. As coincidências, que nos surpreendem na vida real com simetrias que não esperávamos encontrar, são um recurso estrutural óbvio na ficção, mas seu uso excessivo pode ameaçar a verossimilhança da narrativa”. David Lodge, A arte da ficção.

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O fim:

Paulo José: “Se você não tem o fim, não tem história”.

Vonnegut: “Não importa se, ao fundo, os marcianos estejam invadindo a terra: quando os amantes se beijam, acabou a história.”

Ex: A Intrusa e Cidade Baixa: o equilíbrio do triângulo, o final aberto.

Se o público não sabe se a história acabou ou não, você está com um problema.

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Anne Lamott, escritora americana. Tradução de João Nunes.

‘Escrever é reescrever’

“Para mim, e para a maior parte dos escritores que conheço, a escrita não é coisa que nos deixe em êxtase. Na verdade, a única maneira que encontrei para conseguir escrever seja o que for é escrever primeiras versões realmente de merda. A primeira versão é a versão da criança, aquela em que deixamos sair tudo para fora, e vamos para todo o lado, sabendo que ninguém vai ver o que estamos escrevendo e que podemos sempre dar-​​lhe forma mais tarde. Devemos deixar a criança dentro de nós tomar o controle e decidir quais as vozes e visões que vão vir à superfície e aparecer na página. Se um dos nossos personagens quer dizer “E então, Sr. Calça Cagada?”, nós deixamos que o faça. Ninguém mais vai ler essas palavras. Se a criança quiser aventurar-​​se por territórios sentimentais, lamúrias emocionais, deixemos que ela vá. Devemos pôr tudo no papel, porque pode haver algo de excepcional nessa meia dúzia de páginas alucinadas, algo a que não chegaríamos nunca pelos nossos meios racionais, de adultos. Pode haver algo na derradeira linha do derradeiro parágrafo da página seis que vai nos encantar, algo tão maravilhoso ou selvagem que nos mostra sobre o que estamos realmente escrevendo, ou em que direção devemos ir, mas não há como chegar lá se não tivermos passado primeiro pelas outras cinco páginas e meia.”

Anne Lamott

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Erros mais comuns quanto ao interesse da história:

. Falta identificação com os personagens. (“São todos chatos.”)

. Falta unidade na história. (“Parece uma colagem.”)

. Motivo irrelevante, incapaz de gerar uma intenção no personagem. (“Não entendo porque ele fez tudo aquilo”)

. Desequilíbrio entre objetivo e obstáculos. (“Ele fez tudo aquilo só por causa disso?”)

. Divisão da história por objetivos distintos não coordenados.

. Falta de um conteúdo reconhecível. (“O que eu tenho a ver com isso?”)

. Falta de relação com os interesses do público naquele momento.

. Falta de relação entre os acontecimentos da história e a vida do espectador.

. Premissas falsas.

. Excesso de coincidências ou coincidências muito favoráveis aos personagens.

. Furos ou quebras na lógica interna da história.

. Deus ex-machina (solução que “cai do céu”).

. Informações demais ou de menos.

. Uso de símbolos incompreensíveis.

. Falta de emoções universais.

. Informações desnecessariamente repetidas.

. Uso de símbolos óbvios.

. Uso de emoções banais.

Erros mais comuns quanto a narrativa:

. Início impressionante demais (prejudicando a gradação).

. Objetivo principal ou dificuldade principal expostos muito tarde.

. Pontos lentos (“barrigas”) por falta de sub-objetivos.

. Paradas porque os sub-objetivos não se sobrepõem.

. Falta de gradação ou gradação irregular.

. Descontinuidade de intenções.

. Flashback explicativo. (“Síndrome do patinho de borracha’)

. Antecipação sem desenlace.

. Perda de oportunidade de suspense.

. Clímax muito cedo.

. Trama tão complicada que exige um desfecho imenso ou muito explicativo.

. Objetivo principal obtido antes do fim. (Contra-exemplo: “Onde os fracos não tem vez”)

#CAPÍTULO 7: GÊNEROS

- Documentário, ficção e misturas.

Narrativa natural: (documentário) afirma dizer a verdade sobre o universo real.

Narrativa artificial: (ficção) finge dizer a verdade sobre o universo real ou afirma dizer a verdade sobre um universo ficcional (contando com "a suspensão da descrença", a cumplicidade do espectador, que quer acreditar no jogo ficcional). A narrativa artificial permite ao espectador "presenciar" acontecimentos (dramatizados) da esfera privada.

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A presença da câmera transforma o real.

Tomemos por exemplo as primeiras imagens do cinema, registradas por Lumière: a saída da fábrica a chegada do trem na estação.

A fábrica:

[pic]



Já na saída da fábrica, uma dúvida: Lumière esperou que o apito da fábrica tocasse e acionou sua câmera (o que poderia significar um desperdício do raro negativo) ou acionou sua câmera e gritou "ação" aos operários?

Lumière era o dono da fábrica, tinha pouco negativo, certamente posicionou sua câmera e mandou abrir a porta, talvez tocar a sirene. Ele avisou seus operários da filmagem, eles estavam com roupas de passeio, não de trabalho.

O Trem:

[pic]



James M. Haugh, em “Um trem em movimento”, descreve a produção da cena na estação de La Cioat, em 1895:

“Talvez querendo garantir que haveria muita ação para registrar, Lumière posicionou sua mãe, sua esposa e seus dois filhos, com a babá, ao longo da plataforma da estação. La Ciotat fica na costa sul da França, entre Marselha e Toulon, onde as pessoas iam para tomar sol e pescar. Todos se aventuraram, em um dia ensolarado do Mediterrâneo, até à estação ferroviária, no extremo norte da cidade, com os montes verdejantes dos Alpes da Provence fazendo pano de fundo para a ferrovia.

A mulher Louis, de chapéu branco, num elegante vestido que lhe cobria do pescoço aos pés, e a babá foram orientadas a correr pela plataforma, como se estivessem tentando localizar alguém que chega enquanto o trem está parando. A mãe, em um xale, observa em silêncio, como deve fazer uma boa matriarca.

Louis não poderia posicionar sua câmera de modo a deixar o trem cruzar da direita para a esquerda, porque assim ele iria capturar apenas um borrão. Ele posicionou-a perto dos trilhos, para que o trem fosse visto em toda a sua extensão antes de se aproximar do telespectador, sacudindo. O pessoal da estação, de uniforme, caminha na direção contrária à multidão que parte da plataforma até que o trem pare. (...) Duas mulheres, trazendo os filhos pela mão, andam de um lado para o outro a procura de alguém. A matriarca fica parado - observando. Um jovem camponês perambula, aparentemente não sabe bem para onde ir. Então as portas se abrem e os passageiros começam a sair do trem. E o negativo acabou.”

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Quanto de "encenação" há nestas imagens, as primeiras do cinema?

A dúvida pouco importa: Lumière logo descobriu que poderia "encenar" a realidade, com atores e ações previamente combinadas.

O regador regado (l'Arroseur arrosé) – 1895:

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O personagem, regando as plantas, está de perfil. O menino entra em quadro bruscamente: surpresa. A cena tem pouca profundidade, os dois atores na mesma linha, paralela ao plano do filme. Na fuga, o menino quase sai de quadro. O regador dá uma surra no menino e, bruscamente (como se recebesse ordens), volta a regar as plantas. A cena terminou mas o menino não sai de quadro, fica parado, olha para a câmera, aparentemente recebe instruções para sair e sai.

(Quando vi este filme pela primeira vez, me perguntei: porque ele não molhou o menino?)

O regador regado – 1896:

[pic]



O personagem, regando as plantas, está de frente para a câmera. O menino (mais velho) entra ao fundo, se aproxima lentamente: suspense. A cena tem mais profundidade, os dois atores estão em planos diferentes. Na fuga, o menino corre por outro caminho, diferente do pelo qual chegou. O regador dá uma surra no menino e, é claro, usa a mangueira para dar-lhe um banho. O menino se afasta sob o jato d’água.

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Aqui, todos os filmes da primeira exibição pública da Cinématographe Lumière, em 28 de dezembro de 1895, no Salon Indien du Grand Café à Paris.



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A ficção e o documentário, no cinema, são gêmeos bivitelinos.

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"Nanook of the North" de Robert J. Flaherty - 1922

A linguagem cinematográfica sempre contém uma enorme dose de encenação, seja em "Nanook do Norte", do Flaherty (que teve os negativos perdidos e foi refeito), em "Aruanda", de Linduarte Noronha (que tem um roteiro e uma decupagem muito precisa), em "Ilha das Flores" (onde o dono dos porcos é o motorista da nossa kombi), em "Tire Dié", do Fernando Birri (onde as crianças dão uma aula de interpretação), em "Esta não é a sua vida" (onde Noeli aprendeu rapidamente a selecionar os trechos mais interessantes de sua história).

A dose de "representação" em um documentário é sempre uma questão ética a ser enfrentada pelo cineasta. Para mim o documentário é tão mais honesto quando explicita os mecanismos de sua realização. Por exemplo, quando Coutinho, em "Santo Forte", filma o momento em que uma entrevistada recebe o cachê e assina a autorização por sua participação no filme. Mas a questão permanece: que direito tenho eu de editar fragmentos de uma vida real para reordená-la na forma de uma história exemplar?

Minha relação com o tema:

Quizumba, Temporal, Dorival, Barbosa, Ilha, Esta não é a sua vida, Um dos três, Oscar Boz, Cena Aberta.

Uma análise rápida do realismo “da visão de mundo”, teoria sintetizada pelo cineasta e crítico russo Pudovkin indica os seguintes passos decisivos:

(1) existe uma realidade objetiva independente da nossa consciência e de qualquer forma narrativa, ficcional ou jornalística. (Existe?)

(2) a narrativa pode vir a ser um método de aproximação em direção a realidade

(3) diferentes métodos podem revelar diferentes aspectos

(4) o que todos os métodos têm em comum é o fato de serem sempre uma visão humana da realidade, ou seja, “uma representação em perspectiva mediada por uma subjetividade”.

Se a apreensão da realidade é uma utopia inalcançável, o que importa é a narrativa, que pode ser Artificial (ficção) ou Natural (não-ficção).

Narrativa artificial: (ficção)

A narrativa artificial, como toda narrativa, se utiliza dos conhecimentos que o "espectador" tem da realidade. A representação da realidade é sempre incompleta. O espectador/ouvinte/leitor completa as lacunas com seus próprios "pré-conceitos"

A narrativa artificial permite ao espectador "presenciar" acontecimentos da esfera privada.

A narrativa artificial não denuncia (ou não precisa denunciar) a presença da câmera, que inevitavelmente transforma a realidade.

No filme de ficção, a presença da câmera, a oportunidade, tudo denuncia o jogo ficcional, a artificialidade da narrativa. Isto não diminui a ficção como “uma representação da realidade, em perspectiva, mediada por uma subjetividade”. Ao contrário.

Aristóteles:

"Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu. é, sim, o de representar o que poderia acontecer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade."

A "vida real" na televisão: comédias da vida privada.

No romance, reconhecemos o caráter da narrativa (artificial ou natural) graças ao "paratexto", mensagens externas que cercam o texto: o autor, a palavra romance escrita na capa do livro."

No caso do cinema, chamemos isto de parafilme: os créditos, os atores.

É possível subverter as regras do parafilme.

Cidadão Kane, Bob Roberts, Ilha das Flores.

Narrativa natural (não-ficção, jornalismo, documentário)

Documentário: é aquele filme que o autor (ou produtor) informa que é um documentário.

Descreve fatos que o narrador afirma que oconteceram. E nós acreditamos nele.

O cinema de documentário já foi definido como aquele que "registra fatos que se desenvolveriam igualmente sem a presença da câmera".

Jornalismo em comícios, shows, eventos, a postura do entrevistado.

Como reconhecemos a ficcionalidade da narrativa?

1) "pela insistência em detalhes inverificáveis".

Vídeo cassetadas, pegadinhas, acidentes: por que isto estaria sendo filmado?

2) pela qualidade da imagem (sujando a imagem).

3) Dificuldade de simulação da ação. (filmes de aventura)

4) Interpretação (fingimento).

5) Pelo choque com nossos pré-conceitos

Estes procedimentos ficcionais da narrativa são bastante elásticos e sofrem constante transformação.

Toda narrativa tem uma dose de ficcionalidade e uma dose de realidade.

“Realísmetro”

|Grau de realismo |Características |Exemplo |

|100 |Não existe. |Galinha, nos primeiros filmes mostrados na |

| | |África. “Isto não é um cachimbo”. Esta não é a|

| | |sua vida. |

|90 |Câmera escondida, ninguém sabe, situação |Acidente de trânsito. |

| |não-encenável. | |

|80 |Câmera escondida, alguém sabe, situação |Assalto, bandido mascarado, crime com mortes. |

| |não-encenável. | |

|70 |Câmera escondida, alguém sabe, situação |Flagrantes de crime (suborno), cenas de sexo. |

| |encenável. | |

|60 |Todos sabem da existência da câmera, situação |Briga no futebol, bate-boca no debate, etc. |

| |não encenável. | |

|55 |Todos sabem da existência da câmera, situação |Evitando o escanteio. |

| |não encenável, porém encenada. | |

| | |O real ficcionalizado. (O gol de Jardel, o |

| | |foco é o narrador.) |

|50 |Todos sabem da existência da câmera, situação |Jornalismo, entrevistas, etc. |

| |encenável, afirma-se dizer a verdade sobre o | |

| |universo real, sem roteiro. |Chegada dos fuzileiros americanos em Granada, |

| | |transmitida pela CNN. A postura dos fuzileiros|

| | |e dos câmeras. |

|40 |Todos sabem da existência da câmera, situação |Docudrama, atores. Filmes baseados em fatos |

| |encenável, afirma-se dizer a verdade sobre o |reais. |

| |universo real, com roteiro. | |

| | |Reportagem ficcionalizada: fazendo o papel de |

| | |si mesmo. |

| | | |

|30 |Todos sabem da existência da câmera, situação |Filmes de ficção “realista”. (com pessoas, |

| |encenável, afirma-se mentir sobre o universo |vivendo num tempo e lugar reais). |

| |real, com roteiro. | |

|20 |Todos sabem da existência da câmera, situação |Filmes de ficção “científica”, não-realista. |

| |encenável, afirma-se mentir sobre o universo |Guerra nas Estrelas. Senhor do anéis. |

| |fantástico, com roteiro. | |

| | |Quantas vezes Barbosa pensou naquela bola? |

|10 |Animação, imagem não-fotográfica, universo |American pop (1981, Ralph Bakshi) |

| |real. | |

|5 |Animação, imagem não-fotográfica, universo |Mickey Feiticeiro. Vida de inseto, Avatar. (o |

| |fantástico. |caso do Oscar) |

|0 |Não existe. |A Ilíada e o Biblioburro. |

A subjetividade de toda narrativa, Natural ou Artificial, se expressa na linguagem, que é sempre construída, e na escolha de um ponto de vista.

Todo ponto de vista é, necessariamente, uma escolha moral.

O ponto de vista é, sempre, parcial e imperfeito.

A apreensão absoluta de uma realidade pelo cinema, jornal ou pela tv é uma completa utopia. (A ser perseguida?)

A construção da realidade na narrativa se faz através de opções de linguagem. Estas opções são éticas (isto é, se baseiam em juízos de apreciação da conduta humana suscetíveis de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto) e estéticas.

As opções estéticas também são, ao final, escolhas morais: as lentes, os movimentos de câmera, o tamanho do plano. O movimento de zoom, a não ser como piada, é desumano. (O zoom não existe na natureza.) Luc Mullet disse que Alain Resnais transformou o travelling numa escolha moral. Rosselini considerava o movimento de grua ascendente “imoral”. A decupagem “sanfona” (aberto, fechado, aberto, fechado), a câmera desnivelada, a divisão de quatro, os filtros de imagem, são escolhas morais, éticas, políticas.

No documentário, o compromisso moral do autor é com a busca da "verdade". A "verdade" é sempre um ponto de vista, uma tese.

Compromisso moral do autor com o "focalizado". Os riscos da exposição.

Escolhas Estéticas (mais diretamente ligadas a Narrativa)

Existem muitos artifícios de linguagem que visam impregnar de "realidade" a narrativa ficcional.

Machado de Assis: “Dizem as crônicas de Itaguaí...".

Outros artifícios de linguagem procuram impregnar a narrativa natural de aspectos ficcionais: pessoas que aceitam fazer o papel de si mesmas.

O jornalismo "romanceado” e os detalhes inverificáveis.

Na narrativa natural (documentário) só há dúvidas, uma vez que há um universo de fatos fora da narrativa. (Michel Jackson realmente morreu? Kennedy? O homem esteve mesmo na lua?)

Na narrativa não-natural (ficção) não há dúvidas, não há fatos fora da narrativa. (ET voltou para casa. Romeu e Julieta morreram.)

O roteiro do documentário.

Um roteiro de ficção pode incluir todas as cenas, todas as falas, todos os personagens do filme, graduar sua importância e seu papel na narrativa. O roteiro de um documentário não tem o mesmo poder.

Acredito que as etapas de realização do roteiro sejam semelhantes: idéia, story-line, sinopse, argumento, escaleta, roteiro, roteiro decupado. A natureza de cada uma destas etapas é que difere quase que integralmente.

A idéia de um documentário deve surgir a partir de um acontecimento do mundo real.

. uma situação dramática. Cabra Marcado para Morrer.

. um personagem. Santiago.

. um ambiente. Tire Dié, de Fernando Birri.

. um ângulo pitoresco dos costumes humanos (o “filme chinês dos limpadores de trilhos no deserto”.)

. um conceito narrativo ou dramático. Esta não é a sua vida.

. um tema. Bicho Homem.

. uma imagem. Fibra, de Fernando Bélens.

Relembrando: estes conceitos não são estanques. Grandes personagens vivem situações dramáticas num ambiente social, suas histórias necessariamente incluem ângulos pitorescos dos costumes humanos, têm um ou mais temas e podem ser contadas com diversos conceitos narrativos.

As epapas seguintes (story-line, sinopse) são semelhantes, resumos da idéia central e da história que o filme pretende contar.

Já o argumento do documentário, ao contrário da ficção, deve incluir indicações do inesperado.

Às vezes o documentarista não tem nem mesmo como assegurar qual será o personagem principal de sua história. Acontecimentos da filmagem podem direcionar o filme para um lado ou outro, podem sugerir finais inesperados, podem revelar personagens surpreendentes.

Euclides e Os Sertões.

O SUJEITO EXTRAORDINÁRIO E A MIMESIS CAMUFLADA:

a representação da realidade no cinema.

ou: Dois graus e meio de separação e as crianças das cidades do vale.

ou ainda: Por que desisti de fazer documentários.

por Jorge Furtado

21/03/2003

(anotações para a "Terceira conferência internacional do documentário: imagens da subjetividade". Mesa: o sujeito extraordinário, com Eduardo Coutinho e Ismail Xavier. São Paulo, 09-11/04/2003.)

Sempre desconfiei que a proporção 1/1,66, o formato mais comum da imagem cinematográfica, deveria ter alguma relação com a proporção do retângulo áureo, 1/1,618, o número natural (a:1 :: 1:1+a ou 0,618/1 = 1/1,618) em que se apóia a arquitetura clássica grega e, por conseqüência, a pintura renascentista. Minha desconfiança é tomada como certeza por David Mamet que, em seu estudo "Três usos da faca: sobre a natureza e a finalidade do drama”, afirma que a lente de 35mm tem seu padrão de altura e largura baseado no Partenon.

Na verdade, o Mamet faz aqui uma pequena confusão entre “lente” e “janela”. O que define as proporções do quadro não é a lente e sim a janela da câmera. A imagem formada pela lente é circular e dentro deste círculo cabem quadriláteros de qualquer proporção. O formato mais comum da imagem cinematográfica, o formato da janela (e não da lente) do 35mm, é o 1,33:1. 1,66:1 é o padrão de "janela larga" européia, enquanto 1,85:1 é a janela larga norte-americana. 2,15:1 é o formato final do Cinemamascope e 1,77:1 é o da HDTV. O Giba Assis Brasil, que me alertou para o erro do Mamet, acha que o 1,66 não tem nada a ver com o 1,618 e sustenta que a maioria dos formatos são apenas relações de números simples. 1,33 = 4/3. 1,66 = 5/3. 1,77=16/9. De qualquer forma, a imagem do cinema nunca foi quadrada ou redonda. Para informações mais detalhadas sobre o retângulo áureo ver TREVISAN, Armindo. Como apreciar a arte. Editora Uniprom, 1999.

Mas, excluído este padrão comum (que, reconheço, não é de pouca importância), sempre estranho o uso do termo "clássico" associado ao cinema. O que seria um filme "clássico"?

O cinema nasceu faz pouco e já nasceu múltiplo. Se Lumière, fascinado pela "magnífica impressão da vida real" provocada por sua invenção, buscou representar "naturalmente" a realidade observada ou encenada, Méliès, ao contrário, procurou logo criar, através do cinema, uma nova realidade, filha da mágica e da poesia. (Se pudéssemos – e felizmente não podemos – dividir o cinema em dois grandes grupos, cujos patronos seriam Lumière e Méliès, sou Méliès de carteirinha, o realismo nunca me enganou.) Volto ao início: o que seria, portanto, um filme clássico?

As primeiras acepções da palavra "clássico" registradas pelo dicionário, "relativo à arte, à literatura ou à cultura dos antigos gregos e romanos" ou "que segue, em matéria de artes, letras, cultura, o padrão desses povos", só serve ao cinema para definir seus limites físicos na tela. Outros sentidos da palavra "clássico", "da mais alta qualidade. modelar, exemplar" (carros ou vinhos) ou "sem excessos de ornamentação. simples, sóbrio" (vestidos ou sapatos) são vagos demais ou puramente subjetivos, não ajudam muito.

Na linguagem coloquial, quando alguém se refere a "um clássico do cinema" ou a "um filme clássico" está usando ainda outro sentido da palavra, afirma que seu "valor foi posto à prova do tempo" e que, portanto, trata-se de um bom filme "antigo". Mas quando o crítico Inácio Araújo afirma – acredito que com razão - que meu filme Houve Uma Vez Dois Verões "busca como referencial o cinema clássico" ou quando a USP dá um curso com um módulo chamado "Cinema Clássico, expondo os princípios da linguagem clássica do cinema", tenho que recorrer a outra acepção que o dicionário me oferece da palavra "clássico": "que segue os cânones preestabelecidos. acorde com eles". Clássico seria, portanto, o filme que segue o padrão hoje dominante. Que padrão é este? Podemos buscar a resposta analisando a estrutura dramática e os procedimentos narrativos do cinema americano nos últimos 50 anos (pelo menos).

Como estrutura dramática, o padrão é a narrativa em três atos, com um protagonista que recebe um "chamado à aventura" e segue, com possíveis variações, as etapas descritas por Joseph Campbell em "O Herói de Mil Faces" (e também por Christopher Vogler em "A Jornada do Escritor", espécie de versão cinematográfica dos estudos de Campbell). Em resumo: descrição do mundo comum, o herói-protagonista é chamado à aventura, inicialmente recusa, encontra o mentor e acaba aceitando o convite, viaja ao mundo especial (oposto ao mundo normal onde a história começa), recebe a chave, ultrapassa um portal, enfrenta provas, conhece inimigos e aliados, desobedece o mentor, enfrenta o antagonista, triunfa e regressa, transformado, ao mundo normal para dividir com seus pares (e com os espectadores) os frutos (o elixir) e descobertas de sua aventura.

É uma estrutura simples mas é, sem dúvida, clássica, já que remonta às origens das fábulas e, portanto "seu valor foi posto à prova do tempo". Seria ainda, numa visão junguiana, uma estrutura "natural" e "orgânica". Jung pensava que "exatamente como o corpo humano representa um verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa evolução histórica, da mesma forma deveríamos esperar encontrar também, na mente, uma organização análoga, um inconsciente coletivo. Nossa mente jamais poderia ser um produto sem história, em situação oposta ao corpo, no qual a história existe".

Se a estrutura dramática do cinema "clássico" pode ter algo de natural e orgânico, seus procedimentos narrativos são apenas convenções eficientes: personagens que desconhecem a presença da câmera, atuam e falam segundo o que se convencionou chamar de naturalismo. cenas que mostram só aquilo que serve ao desenvolvimento da fábula. cenários, figurinos e situações que simulam uma realidade possível. nada de dúvidas ou ações sem justificativa. A linguagem deve permanecer escondida, de modo que o espectador em nenhum momento lembre-se de estar no cinema. O padrão é a ficção, onde a "fé poética" permite usufruir com segurança o prazer do jogo dramático.

Desconfio que, ao chamarmos este tipo de cinema de "clássico", estamos utilizando as últimas e menos nobres acepções da palavra clássico: "famoso por se repetir ao longo do tempo. tradicional" ou, ainda pior, "costumeiro, habitual". Clássico seria, portanto, um filme banal. Qualquer alteração nestes padrões são imediatamente saudadas (ou repelidas) como inovações: os personagens que falam olhando para a câmera em Godard ou Woody Allen. a alteração da cronologia em Pulp Fiction. a inexplicada chuva de sapos em Magnólia. as fábulas incompreensíveis de David Lynch. a falta de concentração dramática em Jim Jarmusch. o tom não-realista, no limite da farsa, dos irmãos Cohen ou de Almodóvar, só para citar alguns exemplos.

O cinema nasceu mutante. Se é verdade que podemos estabelecer algumas escolas predominantes em diferentes décadas (cheguei a escrever "épocas", mas a palavra é ampla demais para se referir a fatias de tempo tão curtas), também é verdade que, em cada década encontramos filmes de todos os tipos e gêneros. A tentativa de colocar todos os filmes de um período na mesma prateleira é sempre falha e responsável por grandes injustiças. Ouvi falar tanto nas maravilhas do Cinema Novo que só recentemente vi um dos melhores filmes do período, "Todas as mulheres do mundo", de Domingos de Oliveira, um clássico (seu "valor foi posto à prova do tempo") que, visto hoje, me causa tanto prazer estético (ou mais) e me fala tanto sobre aquela época (ou ainda mais) que "Terra em Transe" ou "Deus e o Diabo na terra do sol".

Se o cinema é tão múltiplo, talvez seja melhor procurar nas outras linguagens a chave para a compreensão dos gêneros. Poderíamos assim, por analogia, entender melhor as diferenças entre as várias formas de representar a vida. A literatura é uma forma de expressão muitíssimo mais sofisticada que o cinema, não só pelo seu acesso fácil ao inconsciente alheio, mas também porque começou quatro ou cinco mil anos antes. Se achamos que "Cidadão Kane" é um clássico por ter sido o seu "valor posto à prova do tempo", o que dizer de Homero, Aristóteles, Montaigne, Shakespeare e Cervantes? Petrônio tem piadas que continuam boas depois de dois mil anos, isto é que é clássico! (Uma do "Satiricon", do banquete de Trimalcião: "Ele é tão rico que, se quiser, toma leite de galinha!").

Eu, é claro, não fui o primeiro a buscar na literatura a chave para a compreensão dos procedimentos narrativos do cinema.

Eisenstein , em "Dickens, Griffith e nós":

"Deixemos Dickens e toda a plêiade de antepassados, que remontam inclusive aos gregos e a Shakespeare, lhes lembrarem mais uma vez que ambos, Griffith e nosso cinema, provam que nossas origens não são apenas as de Edison e seus companheiros inventores, mas se baseiam num enorme passado cultural. Cada parte deste passado, em seu momento da história mundial, impulsionou a grande arte da cinematografia. Que este passado seja uma reprovação às pessoas inconscientes que trataram com arrogância a literatura, que contribuiu tanto para esta arte aparentemente sem precedentes e é, em primeiro lugar, e no mais importante: a arte de observar – não apenas ver, mas observar." Eisenstein, em "A Forma do Filme".

Claro, é disso que se trata: a arte de observar.

Usando como guia o livro "Mimesis", de Erich Auerbach, resolvi fazer (para mim mesmo, publico quando tiver sessenta anos e estiver exilado na Turquia) um paralelo entre os modos de representação da realidade na literatura e no cinema. Sendo o cinema (como eu já disse) uma forma mutante, a cronologia da lista vai para o espaço. Alguns tópicos do meu "estudo", por enquanto tenho pouco mais que os títulos dos capítulos:

Homero e o flash-back: cronologia é vício.

(Alain Resnais, Godard, Orson Welles, Woody Allen, Tarantino)

Petrônio e a prosódia: a subjetividade do discurso. (Herzog, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro)

Dante e a vertigem dos acontecimentos: "Então, mudando para algo totalmente diferente..."

(Monty Python, Tomás Gutiérrez Alea, Scorsese)

Santo Agostinho e a transformação do personagem: cai a ficha.

(Frank Capra)

Boccaccio e as vídeo-locadoras: a fábula como entretenimento.

(os bons filmes "B" americanos)

Rabelais e os delírios visuais: arte é tudo que a natureza não é.

(Fellini, Buñuel)

Montaigne e o documentário: a condição humana.

(Eduardo Coutinho)

Shakespeare, Giotto e a corporalidade: o renascimento da tragédia e a invenção do homem.

(Bergman, Kurosawa, Woody Allen)

Cervantes e o nascimento do romance: a invenção do homem II.

(Ettore Scola)

Molière e a comédia: a história como máquina.

(Billy Wilder)

Voltaire e a decupagem: a técnica do holofote e o humor como forma avançada da filosofia.

(Alain Resnais)

Saint-Simon e o acaso: a multidão de personagens.

(Altman)

Goethe e a telenovela: o prazer do sofrimento alheio.

(Janete Clair)

Stendhal, Balzac e a narração off: o autor como personagem e a invenção do realismo.

(John Huston)

Flaubert e a imagem dramática: o roteiro como literatura.

(As Horas – Stephen Daldry / Michael Cunningham, Tarkovsky)

Brecht e o cinema-teatro: realismo tem hora.

(Glauber)

Durante mil anos a tragédia de Cristo foi imbatível – "Mais sofreu Cristo!" – e ele se tornou o único personagem possível. É interessante perceber que Hamlet, a maior tragédia já escrita, retoma os temas da morte e do filho perdido em busca do pai. Bloom sustenta que as maiores reflexões já escritas sobre a morte e sobre a vida após a morte são Hamlet e o evangelho de São Marcos.

(Para uma análise da vida de Cristo como tragédia, ver MILES, Jack. Cristo, uma crise na vida de Deus. Companhia das Letras, 2001.)

Como o assunto aqui é "O Sujeito Extraordinário", me concentro nos séculos 15 e 16, período em que a decadência da idéia de "destino" e a queda do ibope de Deus fizeram ressurgir a tragédia (e o ser humano foi reinventado pela ficção e pelos ensaios (documentários?) nas palavras de Montaigne, Shakespeare e Cervantes.

"Os outros formam o homem, eu relato a seu respeito e represento um em particular, bastante mal formado: eu mesmo. (...) Não posso fixar o meu objeto. Ele vai, confuso e titubeante, com uma ebriedade natural. Pego-o em qualquer lugar, como está, no instante em que com ele me divirto. não descrevo o ser, descrevo a passagem. Ninguém tratou de um assunto do qual entendesse ou o qual conhecesse melhor do que faço. (...) Descrevo uma vida baixa e sem brilho: dá na mesma. É possível achar toda a filosofia moral numa vida popular e privada tanto quanto numa vida feita de matéria mais rica: cada homem leva em si a forma inteira da condição humana."

Montaigne, Ensaios, livro II, capítulo 2.

"As pessoas finas observam mais curiosamente e mais coisas, porém as criticam e, para que façam valer sua interpretação e persuadam, não podem deixar de alterar um pouco a História. Jamais mostram as coisas puras, as inclinam e as máscaram conforme as viram. (...) Gostaria que cada um escrevesse o que sabe e na medida em que o sabe."

Montaigne, Ensaios, Livro I, capítulo 31.

"Ser ou não ser - eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias - e, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer. dormir. Só isso. E com o sono - dizem – extinguir dores do coração e as mil mazelas naturais a que a carne é sujeita. Eis uma consumação ardentemente desejável. Morrer - dormir - dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo! Os sonhos que hão de vir no sono da morte quando tivermos escapado ao tumulto vital nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão que dá à desventura uma vida tão longa."

Shakespeare, Hamlet, ato III, cena 1.

"Um dos dilemas inerentes à interpretação de Hamlet é que jamais sabemos a certo quando ele está representando o papel de Hamlet, a despeito da "atitude extravagante". A mímese, isto é, a imitação que o ator faz de um ser humano, é algo que preocupa Hamlet, mas não é problema que aflija Falstaff. (...) Hamlet poderia ter escrito Hamlet, ao passo que Falstaff acharia redundante escrever Falstaff. (...) Falstaff é feliz consigo mesmo e com a realidade. Hamlet é infeliz nos dois aspectos. Hamlet é o Falstaff de si mesmo. Não acredita em nada, nem em si mesmo, nem em Deus, nem na linguagem. Os dois ocupam uma posição central na invenção do humano por Shakespeare. (...) Kenneth Burke ensinou-me a aplicar a Hamlet a grande máxima de Nietzsche: "O que expressamos com palavras já está morto em nossos corações. Sempre haverá algo de desprezível no ato da fala". Observação alguma poderia se aplicar tanto a Hamlet e tão pouco a Falstaff."

Harold Bloom, "Shakespeare, a invenção do humano".

"E a primeira coisa que fez foi limpar uma armadura que tinha sido dos seus bisavós, e que, desgastada de ferrugem, jazia para um canto esquecida há séculos. Limpou-a e conservou-a o melhor que pôde. Porém viu que tinha uma grande falta, que era não ter celada de encaixe (a). senão só morrião simples (b). a isto porém remediou a sua habilidade. arranjou com papelões uma espécie de meia celada, que encaixava com o morrião, representando celada inteira. Verdade é que, para experimentar se lhe saía forte e poderia com uma cutilada, sacou a espada e lhe atirou duas. e com a primeira logo se desfez o que lhe tinha levado uma semana para a arranjar. não deixou de parecer-lhe mal a facilidade com que dera cabo dela, e, para forrar-se a outra que tal, tornou a corrigi-la. por modo que se deu por satisfeito com sua fortaleza, sem aventurar-se em mais experiências".

Miguel de Cervantes, Dom Quixote, livro I, capítulo 1.

(a) parte da armadura que protege a cabeça e o rosto.

(b) capacete sem viseira.

"Cervantes sustentou que o seu Dom Quixote fora feito para acabar com os romances de cavalaria. Mas o que ele fez foi criar um protótipo do romance, o gênero mais popular da literatura moderna. (...) Por sorte ou por malícia Cervantes criou uma nova forma, que outros autores puderam desenvolver e aperfeiçoar - uma maquete para versões da comédia humana. Ele criava não apenas um romance, criava o romance ocidental, que lhe deu um lugar entre os inventores do nosso mundo moderno, lugar comparável ao de Copérnico no mundo dos descobridores. Mas enquanto Copérnico mudou o nosso olhar da terra para o sol, Cervantes mudou-o do alto espaço para o mundo interior do homem. E da mesma forma que o físico Dalton iria revelar muitas mais espécies de matéria do que se imaginava, Cervantes mostrou aos literatos variedades desconhecidas e insuspeitadas de pessoas que vivem dentro do próprio homem. Enquanto os agentes estatísticos descobriam novas uniformidades entre grupos de pessoas, Cervantes mostrava primeiro as variedades do indivíduo, inovando no esforço da literatura moderna de incluir toda a experiência no romance. O criador estava entrando em território novo. O romance se estendia para fora ao mesmo tempo em que olhava para dentro. Ele ia democratizar ao mesmo tempo o público e o assunto da arte literária. "Recriando a vida com a vida" o romance vai descobrir o homem moderno para o homem moderno. O que a estatística e a ciência social iam conquistar para a experiência pública, a arte do romance fez para a experiência privada”. (...) “Infligindo a seu herói de classe média a ilusão de que as convenções do romance conhecido eram reais, ele abriu a janela para uma vida diária não encontrada na epopéia ou no romance. Agora o leitor participava do embate de outra pessoa entre seus sentimentos íntimos e a vida lá fora. Assim o romancista ficava sendo o guia do leitor para a entrada em outra pessoa."

Daniel Boorstin, “Os Criadores”.

No livro 10 da República de Platão, Sócrates critica os poetas e o caráter "imitativo" da poesia. A analogia utilizada é a de uma cama e sua relação com Deus, o carpinteiro e o pintor (ou poeta). Existem, segundo Platão, três tipos de cama: o primeiro é a cama "em si", a cama como idéia, uma idéia criada por Deus. Depois, a cama que resulta desta idéia, feita pelo carpinteiro. Por último, a pintura de uma cama, feita pelo pintor. Deus seria o autor da cama, o carpinteiro seu artífice e o pintor faz apenas uma imitação (mimesis), "algo afastado da natureza por três graus".

Não tenho nada a acrescentar à defesa que Aristóteles, em oposição a Sócrates e Platão, fez da poesia e da arte. Retomo a analogia porque acho que o cinema, na lógica platônica, estaria afastado da realidade em dois graus e meio. Um filme sobre uma vida não é uma vida, assim como a pintura de uma cama não é uma cama e a pintura de um cachimbo não é um cachimbo. Mas um quadro que representa uma cama sempre contém uma dúvida: ele pintou uma cama que via ou uma cama que imaginava? O quadro é a imitação de uma idéia ou de uma cama real? Por mais realista que seja a pintura, a intermediação da subjetividade do artista está sempre presente.

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Isto não acontece no cinema, ao contrário. Na fotografia, e ainda mais no cinema, a imagem de uma cama sempre leva a crer a existência de uma cama real e possível de ser fotografada. A fotografia (e mais ainda o cinema) nos força uma ilusão: eu estou vendo uma cama, logo existe uma cama. A imitação é camuflada pelo caráter mecânico e aparentemente não subjetivo da linguagem fotográfica.

Todos nós sabemos que esta "não-subjetividade" é falsa, e mais falsa se torna em tempos de imagens digitais, com atores que continuam em cena até depois de mortos. E tanto mais elaborada se torna a linguagem cinematográfica mais aumenta a subjetividade.

Tomemos por exemplo as primeiras imagens do cinema, a chegada do trem na estação e a saída da fábrica registradas por Lumière. Suponho que aquele trem existiu e chegou mesmo numa estação, a subjetividade ali se limita a posição da câmera e a escolha do momento em que o filme começou e terminou de rodar. Já na saída da fábrica me ocorre uma dúvida: Lumière esperou que o apito da fábrica tocasse e acionou sua câmera (o que poderia significar um desperdício do raro negativo) ou acionou sua câmera e gritou "ação" aos operários? Quanto de "encenação" há naquela imagem? A dúvida pouco importa: Lumière logo descobriu que poderia "encenar" a realidade, com atores e ações previamente combinadas. A ficção e o documentário, no cinema, são gêmeos bivitelinos.

A linguagem cinematográfica sempre contém uma enorme dose de encenação, seja em "Nanook do Norte", do Flaherty (que teve os negativos perdidos e foi refeito), em "Aruanda", de Linduarte Noronha (que tem um roteiro e uma decupagem muito precisa), em "Ilha das Flores" (onde o dono dos porcos é o motorista da nossa kombi), em "Tire Dié", do Fernando Birri (onde as crianças dão uma aula de interpretação), em "Esta não é a sua vida" (onde Noeli aprendeu rapidamente a selecionar os trechos mais interessantes de sua história).

Jean Claude Bernardet, sobre “Aruanda”, em Brasil em tempo de cinema:

"O documentário não se limita a mostrar flagrantes de uma vida atrasada, mas pretende apresentar o mecanismo dessa vida. Noronha ultrapassa poeticamente a exposição de um mecanismo econômico. Ele tem a intuição do deserto: a terra seca é a personagem principal da fita."

A dose de “representação” em um documentário é sempre uma questão ética a ser enfrentada pelo cineasta. Para mim o documentário é tantyo mais honesto quanto mais explicita os mecanismos de sua realização. Por exemplo, quando Coutinho, em “Santo Forte”, filma o momento em que uma entrevistada recebe o cachê e assina a autorização por sua participação no filme.

Ex: Cena Aberta, a escolha de Macabéa.

Mas a questão permanece: que direito tenho eu de editar fragmentos de uma vida real para reordená-la na forma de uma história exemplar?

"(...) Por que é que ensinaste a clareza da vista se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? Por que é que me chamaste para o alto dos montes se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?"

Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio, poesias de Álvaro de Campos.

A dramaturgia cinematográfica tem características próprias, inescapáveis, com conseqüências distintas na ficção e no documentário.

Algumas delas:

Simplificação: Um personagem é sempre uma simplificação, uma concentração de ações e palavras que o define no interesse da narrativa. Na ficção, esta simplificação é feita em parceria e cumplicidade com o ator. No documentário, quase inevitavelmente, a simplificação é feita sem que o "ator" tenha dela plena consciência. Na ficção, o personagem se constrói pela ação. No documentário, pela ação e pela edição.

Mimesis: Um documentário representa uma vida, como uma pintura representa uma cadeira, e a cadeira existe, tem vida real. A ficção é sempre intermediada pela consciência de uma mimesis, pelo acordo tácito que envolve qualquer representação, qualquer jogo dramático.

O documentário, em oposto, sugere o registro da vida, como se ela acontecesse independentemente da presença da câmera, o que é falso. A presença da câmera sempre transforma a realidade. E esta transformação segue para além do filme.

Registrar uma vida real é uma grande responsabilidade, compreende uma enorme quantidade de dilemas morais, éticos, em cada etapa da filmagem: no enquadramento, na iluminação, na edição de som e, principalmente, na montagem.

"O que expressamos com palavras já está morto em nossos corações." A literatura, ao mergulhar no mar de sentimentos inconfessáveis, é capaz de representar a vida de forma muito mais complexa que o cinema. E, por mais que os melhores documentários (como "Cabra marcado para morrer", por exemplo) revelem, por habilidades da imagem ou da montagem, sentimentos inconfessos de seus personagens, muito mais pode o jogo dramático na ficção.

No documentário a manipulação das emoções, a radicalização ao expor sentimentos, esbarra nos limites da ética, no compromisso moral que o autor tem com seus personagens, pessoas reais. Lady Macbeth, em frente a uma câmera, jamais censuraria seu marido por ele estar "demais impregnado do leite da bondade humana". Provavelmente diria estar compungida com a morte do rei e mandaria condolências aos seus familiares.

Pensemos, apenas para citar um exemplo fresco, na representação da relação de Laura Brown (personagem de Julianne Moore) com seu marido Dan (John C. Reilly) em "As Horas" (de Stephen Daldry). Como um documentário poderia registrar os sentimentos de um personagem que não é capaz de confessá-los nem a si mesmo? Como documentar, no cinema, as dúvidas privadas e silenciosas diante da idéia do suicídio?

Mais uma vez, a saída é a literatura e a ficção. A cena em que Laura (Julianne Moore) está à mesa de jantar com seu marido e filho, me remete imediatamente a Emma Bovary:

"Mas era sobretudo às horas da refeição que ela não agüentava mais, nesta pequena sala do andar térreo, com a estufa que fumegava, a porta que rangia, os muros que gotejavam, as lajes úmidas. toda a amargura da existência parecia-lhe servida no seu prato e, como a fumaça do cozido, subiam do fundo de sua alma como em outras baforadas de enjôo. Carlos era vagaroso ao comer. ela mordiscava algumas avelãs, ou então, apoiada no cotovelo, divertia-se a fazer riscos com a ponta da faca na toalha."

Madame Bovary, Gustave Flaubert.

Que a ficção, que é sempre um documentário sobre sentimentos privados e inconfessáveis, explore radicalmente e sem censuras o coração humano. Que o documentário revele de forma transparente a sua dose de ficcionalidade. E que não esqueçamos as palavras de Elias Canneti: "Não acredite em alguém que sempre diz a verdade".

- Tragédia, comédia e misturas.

Comédia

peça teatral, de qualquer gênero

peça cujo propósito é divertir pelo tratamento cômico das situações, dos costumes e dos

o estilo cômico

a arte de fazer comédias

obra de ficção de cinema, televisão, rádio etc. cuja finalidade é fazer rir

Ex.: a c. da vida

cena cômica, ridícula ou escandalosa

Ex.: não se dá por satisfeito enquanto não representa a sua c.

pessoa, evento ou fato cômico

Ex.:

situação farsesca. embuste

Ex.: mostrem a verdade, vamos acabar com essa c.!

Locuções

c. à italiana

Rubrica: teatro.

m.q. commedia del' arte

c. antiga

Rubrica: teatro.

no teatro cômico da Grécia antiga, gênero iniciado em 460 a.C., e representado esp. pela obra de Aristófanes, de conteúdo satírico e caráter predominantemente político-social

c. atelana

Rubrica: teatro.

no teatro cômico da Roma antiga, tipo de comédia-farsa de temática político-social, subgênero que provinha da cidade de Atela

Obs.: tb. se diz apenas atelana

c. bufa

Rubrica: teatro.

a que procura provocar o riso por meio de processos grosseiros, farsescos

c. das máscaras

Rubrica: teatro.

m.q. commedia del' arte

c. de caracteres

Rubrica: teatro.

peça ou gênero em que o autor destaca os traços psicológicos e de caráter dos personagens, chegando, por esse meio, a uma interpretação de determinado segmento da sociedade ou da sociedade em geral

c. de costumes

Rubrica: teatro.

aquela que retrata satiricamente os costumes, usos e idéias de uma classe social, de uma época ou de uma profissão

c. de improviso

Rubrica: teatro.

m.q. commedia del' arte

c. histórica

Rubrica: teatro.

gênero teatral que põe em ação um fato ou episódio da história

c. italiana

Rubrica: teatro.

m.q. commedia del' arte

c. média

Rubrica: teatro.

gênero de transição da comédia grega antiga (três primeiros quartéis do sIV a.C.), quando o coro é suprimido e o conteúdo do texto torna-se alegórico e mitológico

c. moral

Rubrica: teatro.

gênero de comédia de costumes que põe os princípios éticos em destaque

c. musical

Rubrica: cinema, teatro.

gênero de comédia em que o canto e a dança se misturam com a ação

c. nova

Rubrica: teatro.

na Grécia do tempo de Alexandre (fins do sIV a.C.), gênero teatral que satirizava essencialmente a vida familiar e cujos principais autores foram Menandro e Filêmon

c. romântica

Rubrica: cinema, teatro.

gênero ou subgênero que apresenta histórias de amor de maneira sentimental e não raro piegas

c. sentimental

1 Rubrica: teatro.

gênero do sXVIII em que os personagens vivem aventuras que provocam emoção e piedade na platéia

2 Rubrica: cinema.

gênero ou subgênero cinematográfico em que predomina o sentimentalismo

c. tabernária

Rubrica: teatro.

na antiga Roma, comédia de usos e costumes da classe menos favorecida. fábula tabernária

alta c.

Rubrica: teatro.

a de tema e desenvolvimento elevados, com tratamento de estilo refinado

baixa c.

Rubrica: teatro.

a de caráter grosseiro, bufo ou licencioso

Tragédia

na antiga Grécia, peça em verso, de forma ao mesmo tempo dramática e lírica, na qual figuram personagens ilustres ou heróicos e em que a ação, elevada, nobre e própria para suscitar o terror e a piedade, termina ger. por um acontecimento funesto

peça, ger. em verso, cuja ação termina de ordinário por acontecimentos fatais

o gênero trágico.

a arte de representar ou fazer tragédias

ocorrência ou acontecimento funesto que desperta piedade ou horror. catástrofe, desgraça, infortúnio.

fazer tragédia de, procurar atribuir caráter ou aspecto trágico a fato ou acontecimento sem grande importância. fazer drama de

Ex.: ele vive fazendo tragédia.

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Vai dar bode?

"A morte é o fato primeiro e mais antigo, e quase me atreveria a dizer: o único fato."

Elias Canetti, A Consciência das Palavras.

Se não o único, a morte é nosso medo mais antigo. Para enfrentá-lo inventamos de tudo, a começar pela religião, onde nasceu o teatro. "Faz de conta que ele não morreu, que ele está vivo aqui, neste altar ou neste palco, faz de conta que eu sou ele, vejam!"

Faz de conta que você está só no mundo, completamente só, no meio da noite gelada, no alto de uma torre, e escuta passos. Afinal, você não está só. "Quem está aí?" O medo gela sua espinha: talvez seja um fantasma. O fantasma do pai - rei, chefe, sacerdote - foi nosso primeiro Deus.

"Quem está aí?" A morte não ser o fim é boa e má notícia. Fantasmas e deuses têm humor inconstante e, problema, não morrem. Mas talvez possam ser acalmados, com belos túmulos, flores, velas, quem sabe? O teatro nasceu destes ritos propiciatórios.

"Atenas tinha o festival de Antesteria, no fim de fevereiro, quando os fantasmas que no momento infestavam a cidade eram aplacados e banidos por meio de festins de danças dramáticas. A Noite das Bruxas, nos Estados Unidos, é uma sobrevivência deste costume". *

Um velho truque humano para superar medos é o "desfazimento mágico" (para Freud, Ungeschehenmachen): já que não podemos derrotar a morte em vida, podemos derrotá-la em nossa imaginação.

"O homem primitivo nega a morte trazendo de volta o falecido sob a forma de espírito, e o rito do ancestral ou adoração do espírito converte-se numa representação dessa ressurreição. (...) Muitas das tragédias gregas (Édipo em Colona de Sófocles, Medéia de Euripídes) estavam relacionadas a rituais que louvavam um herói ou heroína primitivos." *

Alguns destes rituais primitivos incluíam sacrifícios de animais, sua morte era oferecida aos deuses e, às vezes, sua carne era compartilhada para que os vivos absorvessem sua força. A morte do animal purgava os pecados, o "bode expiatório" morria por nós, para nos salvar. Pobre do bichinho! Para atenuar a culpa da morte de um caprino inocente, o sacerdote vestia sua pele (Ungeschehenmachen) e cantava, num renascer simbólico. Era o "canto do bode", em grego "tragoedia", tragédia.

A tragédia nasceu na Grécia e quase morreu na cruz: na ressurreição de Cristo nasceu sua igreja, cuja difusão no Ocidente quase acabou com o teatro: "Mais sofreu Cristo!". Quase. O teatro renasceu, outra vez dentro da religião, na representação da vida dos Santos e da própria vida de Cristo, os Passos da Paixão que ornamentavam os altares laterais das igrejas viraram quadros vivos em ocasiões festivas.

Não por acaso o mais antigo texto preservado deste novo teatro cristão chama-se "Quem-quaeritis" ("A quem procurais?", século IX), quase a mesma pergunta que abre o Hamlet. Os Anjos (metade do elenco) faziam a pergunta às Mulheres (outra metade do elenco) que visitavam o túmulo de Cristo. Elas respondiam: "Jesus de Nazaré, que foi crucificado". A tréplica dos Anjos informava que Cristo não estava mais lá: conforme o anunciado, ascendera aos céus. "Ide e anunciai que ele ascendeu de seu sepulcro". Cristo, o velho Rei Hamlet, Clitemnestra (que aterroriza Orestes, seu filho matricida), Duncan (rei da Escócia assassinado por Macbeth) e tantos outros fantasmas, recusam-se ao sepulcro.

Mas é bom lembrar que existe algo além da morte: a vida, este sim o fato primeiro. A maneira mais eficaz de enfrentar a morte é nascer e procriar, rituais de fertilidade são tão antigos quanto homenagens aos mortos. Ritos fálicos, orgias cerimoniais, festins sexuais existem em todas as culturas, desde sempre: o sujeito ou a sujeita se veste de bode, pirata, rei ou odalisca, bebe e se diverte por três noites e, na quarta-feira pede desculpas a todos no escritório, não sabe onde estava com a cabeça.

Destes rituais eróticos nasceu o avesso da tragédia, a comédia, "com sua imensa alegria e com o riso que silencia muitas ansiedades e dores de coração do espectador. A proverbial leviandade do palco é uma das suas mais antigas heranças; de forma sublimada é também um legado muito precioso".*

Nascemos sabendo que morreremos, a vida é ótima mas, no fim, vai dar bode, é inevitável. Inevitável, mas não insuportável. Para suportar a vida, que termina em morte nas tragédias ou em casamento nas comédias, é que fazemos teatro.

* GASSNER, John. Mestres do Teatro I: tradução Alberto Guzik e J. Guinsburg, editora Perspectiva, 2007.

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TRATADO COISLINIANO (Epítome do Livro II da Poética de Aristóteles)

Da wikipedia:

O manuscrito conhecido por Tratado Coisliniano é um texto anônimo do século VI que seria uma epítome dos conteúdos do dito livro segundo da Poética de Aristóteles, mas sob o qual recaem suspeitas dos estudiosos de conter elementos de escolas posteriores. Em que pese a impossibilidade de relacionar diretamente o Tratado Coisliniano com o texto de Aristóteles, o manuscrito é uma interessante fonte de consulta sobre a questão da comédia e do riso, sobre a qual pouco se tem estudado em comparação à tragédia.

Ao contrário do espaço dedicado às reflexões sobre a tragédia, Aristóteles faz pouquíssimas referências à comédia em sua Poética. A existência de um segundo volume dessa obra, o qual seria dedicado a esse outro gênero dramático, é imprecisa e respaldada apenas na referência histórica do Tratado Coisliniano.

No Tratado Coisliniano, define-se comédia como “uma imitação de uma ação risível e desprovida de grandeza, acabada, separada em cada uma das partes no tocante aos formatos” e “representada por atores e também por meio de narrativa, consumando pelo prazer e pelo riso a purgação destas afecções”. O autor estabelece que o efeito desejado na comédia é o riso, o qual é gerado “seja pelas falas, seja pelas ações”, e tece uma breve listagem das estratégias verbais – ou seja, textuais – e daquelas provenientes das ações para que se obtenha tal efeito cômico. Este último rol parece ser o mais aplicável ao gênero cômico através dos tempos – diz o autor que o riso surge a partir das ações pelos seguintes modos: assimilação, para melhor ou para pior; engano; impossível; possível e incoerente; quebra da expectativa; caracterização vulgar das personagens; uso de danças (gestos) grosseiras; aceitação, por um personagem, do que é melhor, deixando-se de lado o que é melhor para si; desarticulação do discurso pela falta de coerência.

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Tradução feita pelo grupo de pesquisa Do projeto OUSIA

Coord. Prof. Dr. Fernando Santoro



(...)

Siglae

[ ] delenda

{ } inserenda

( ) translatio ins.

{I e II. Gêneros Literários}

Da produção literária, uma parte é não mimética, outra parte é mimética.

A literatura não mimética reparte-se em investigativa e educativa, e esta(s) em didática e especulativa.

Já a literatura mimética reparte-se, de um lado, em narrativa, de outro, em dramática, i.e. que exprime-se por ações, a qual divide-se ainda em comédia, tragédia, mímica e sátira.

{III. Cátharsis}

A Tragédia afasta as afecções da alma relativas ao medo por meio de compaixão e terror, e [que] almeja estabelecer uma proporção do medo; tem como mãe a dor.

{IV. Definição da Comédia}

Comédia é uma imitação de uma ação risível e desprovida de grandeza, acabada, separada em cada uma das partes no tocante aos formatos; representada por atores e também por meio de narrativa, consumando pelo prazer e pelo riso a purgação destas afecções; tem como mãe o riso.

{V. Causas do Riso}

Mas o riso é gerado – seja pelas falas – seja pelas ações.

Riso proveniente das falas.

1) Por homonímia [diferentes com o mesmo nome]

2) {Por} sinonímia [iguais com nomes diferentes]

3) {Por} prolixidade [palavras demais]

4) {Por} paronímia – [entre palavras, semelhanças...]

4a) de prótese e aférese [acréscimo ou supressão de um elemento fonético

4b) {de} diminutivo.

4c) {de} trocadilho – com voz, – e com coisas de gênero semelhante.

5) {Pela} forma de falar

{VI. Riso proveniente de ações}

O riso (surge) a partir das ações:

1) Desde a assimilação, que se usa para o pior ou melhor

2) Desde o engano

3) Desde o impossível

4) Desde o possível e incoerente

5) Desde a quebra de expectativa

6) Desde a caracterização chula das personagens

7) Desde o uso de danças grosseiras

8) Quando alguém, tendo a possibilidade, deixa de lado o que é melhor e toma para si o que é pior

9) Quando o discurso é desarticulado à medida em que também não tem coerência alguma.

{VII. Ênfase}

A comédia difere da injúria, porque, de um lado, a injúria expõe abertamente os defeitos salientes, enquanto aquela precisa da chamada "ênfase".

{VIII. Bufão}

O bufão busca escarnecer das falhas da alma e do corpo.

{IX. Symmetria}

Deve haver uma proporção do terror nas tragédias e do riso nas comédias.

{X. Aspectos da Comédia}

Aspectos da comédia : enredo, caráter (das personagens), pensamento, elocução, canto, espetáculo.

{XI. Enredo}

Enredo cômico é aquele que tem sua construção com ações em torno do risível.

{XII. Personagens}

Personagens característicos da comédia : os iconoclastas e também os irônicos e os fanfarrões.

{XIII. Pensamento}

Há duas partes do pensamento: opinião e prova. {Há cinco provas} : juras, pactos, testemunhos, confissões, leis.

{XIV. Elocução}

Elocução cômica é comum e vulgar.

O poeta cômico deve atribuir às personagens a língua pátria das mesmas, mas na língua local dele.

{XV. Canto & Espetáculo}

O canto é uma particularidade da música, desde a qual deverá receber as bases independentes.

O espetáculo, com grande utilidade para as atuações dramáticas, sustenta a harmonia.

{XVI. Aspectos}

O enredo e a elocução e o canto são observados em todas as comédias, mas pensamentos e caráter e espetáculo em poucas.

{XVII. Partes da comédia}

Há quatro partes da comédia : prólogo, intervenção coral, episódio e êxodo.

1) Prólogo é uma parte da comédia que vai até a entrada do coro.

2) Intervenção coral é o canto cantado pelo coro, quando tem tamanho suficiente.

3) Episódio é o que fica entre dois cantos corais.

4) Êxodo é o que é falado no fim pelo coro.

{XVIII. Fases da comédia}

Da comédia:

1) Antiga : que se excede no risível;

2) Nova : que o dispensa e inclina-se para o sério;

3) Média : que é uma mistura de ambas.

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Italo Calvino, “Definições de território: o cômico”.

“Podemos dizer uma coisa ao menos de duas maneiras: uma maneira como quem a diz quer dizer aquela coisa e somente ela; e uma maneira como queremos dizer, sim, aquela coisa, mas ao mesmo tempo recordar que o mundo é muito mais complicado, e vasto e contraditório. A ironia ariostesca, o cômico shakespeariano, o picaresco cervantino, o humor sterniano, a truanice de Lewis Carroll, de Edgar Lear, de Jarry, de Queneau valem para mim na medida em que, por meio deles, alcançamos essa espécie de distanciamento do específico, de sentido da vastidão do todo”.

“A primeira virtude de todo humorista: envolver na própria ironia também a si mesmo”.

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O humor é uma das mais sofisticadas e interessantes características da inteligência humana, é uma forma avançada de filosofia, chega onde o pensamento não vai. Quase todos os grandes criadores e pensadores (Cristo, Dante, Montaigne, Shakespeare, Voltaire, Nietzsche) usaram o humor para transmitir suas idéias mais complexas. Nietzsche mandava desconfiar de qualquer verdade que não contivesse uma gargalhada. Podemos rir de quase tudo, principalmente de nós mesmos. O riso tem como função orgânica o alívio de tensão, relaxa os músculos, solta a respiração, desobstrui os canais lacrimais, umedece os olhos.

“Em todas as suas múltiplas e esplendorosas variedades, o humor pode ser definido simplesmente como um tipo de estimulação que tende a provocar o reflexo do riso. O riso espontâneo é um reflexo motor produzido pela contração coordenada de quinze músculos faciais segundo um padrão estereotipado e acompanhado pela alteração da respiração. A estimulação elétrica do principal músculo que ergue o lábio superior, o zigomático maior, com correntes de intensidade variada, produz expressões faciais que vão desde o leve sorriso, passando pelo riso franco, até as contorções típicas da gargalhada."

Arthur Koestler

A definição de Koestler, “o humor é aquilo capaz de provocar riso” é, como ele mesmo afirma, incompleta. Que tipo de humor? Chiste? Sátira? Paródia? Farsa? Provocar riso em quem? Em que condições? Por quanto tempo? O que mais, além do riso, o humor provoca?

O humor é também, na definição de Henri Bergson, “uma anestesia momentânea do coração”. O riso é sempre uma tragédia pelo lado do avesso, um drama sem emoção. Um bêbado pode ser engraçado se não for o seu pai, uma velhinha escorregando na calçada é engraçado se não for a sua mãe. (Quero dizer, se não for a MINHA mãe. Se for a sua pode ser engraçado, desculpe.)

Talvez esteja no manipular a duração e a amplitude deste efeito anestésico a questão chave do uso do humor na ficção. Se a anestesia é breve e permite aprofundar o corte, o humor é capaz de abrir caminhos, de transformar. Se, ao contrário, a anestesia é excessiva ou deixa seqüelas, seu efeito é de estagnação, acomodamento, apatia.

Sendo o riso um reflexo natural, o “reflexo do gozo”, o humor tem um julgamento objetivo: ou funciona ou não funciona. Não existe “ri mas não gostei”. (Na verdade existe. Ex: Borat).

Meu filho, quando tinha pouco mais de cinco anos e era fã da MTV, me perguntou por que os clipes das músicas lentas tinham mais fusões e os das músicas rápidas tinham mais cortes. A resposta não é simples. O sentimento de compaixão ou ternura quase sempre precisa de algum tempo para se formar. Quem já tentou editar um filme “emocionante” de 15 ou 30 segundos sabe do que eu estou falando. A ciência diria que a questão é hormonal, como afirma Aldous Huxley: “Levamos conosco, de um lado para outro, um sistema glandular que era admiravelmente bem adaptado à vida no Paleolítico, mas não muito à vida atual. Assim, tendemos a produzir mais adrenalina do que é bom para nós e, ou nos reprimimos e dirigimos as energias destrutivas para dentro, ou não nos reprimimos e passamos a ferir as pessoa”. Outra opção é chorar.

O riso, ao contrário do choro (um efeito extremo de emoções extremas), é rápido, cabe em quinze segundos, até em menos. O humor é uma relação cerebral, de inteligência, circula pelo poderoso e moderno telencéfalo em correntes elétricas, não se utiliza do nosso paleolítico sistema glandular.

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Chaucer, no prólogo do Monk’s Tale (“Conto do Monge”):

“Tragedie is to seyn a certeyn storie / As olde bookes maken us memorie. / Of hym that stood in greet prosperitee. / And is yfallen out of heigh degree / into myserie, and endeth wretchedly.”

A tragédia narra certa história,

que velhos livros guardam na memória,

daquele que já esteve em alta posição

e de lá tombou, rumo ao chão,

para virar um miserável:

um final nada agradável.

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“Uma tragédia é uma narrativa sobre a vida de um personagem, antigo ou eminente, que sofreu um declínio da fortuna num desenlace desastroso. (...) Pelo fato de sua ação ser a da alma que ascende da sombra ao brilho estelar, da dúvida temente à alegria e à certeza da graça, Dante intitulou seu poema de uma commedia.” George Steiner, A morte da tragédia.

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“Na comédia a gente casa, na tragédia a gente morre”.

Eugene Vale:

Situação cômica:

1. não existe situação cômica em si

2. toda situação cômica comporta necessariamente uma dimensão dramática

Tootsie: filmado como um drama. O Rei da Comédia e sua mãe.

Pastelão em “Houve uma vez dois verões”. Quem está se divertindo?

3. obtém-se o caráter cômico por uma redução ativa, artisticamente desejada e dinâmica dessa dimensão. Essa redução se obtém ou através da maneira como o tema é tratado nas suas minúcias ou, sobretudo, pelo pressuposto de conjunto que atenua o lado doloroso da natureza humana, que reduz a angústia garantindo-nos (o que é essencial para a convenção cômica) que nada demasiado grave sobrevirá e que tudo se arranjará sem sangue, lágrimas ou gritos de dor verdadeira, sem esquecer aquela perpétua inverossimilhança que tende também a minimizar a participação emocional no acontecimento e impedir que se leve a sério a situação dramática.

Monty Python, “Dead Parrot”.

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#CAPÍTULO 8: ADAPTAÇÕES

- Contos, romances, biografias, poemas, ensaios, quadrinhos.

Exercício: os menores contos.

Mudando de linguagem.

Aspectos técnicos:

A primeira e mais evidente diferença é que na linguagem audiovisual toda a informação deve ser visível ou audível. Isto parece uma obviedade ululante mas quem já tentou fazer um roteiro sabe como é difícil evitar a tentação de escrever: João acorda e lembra de Maria. Isso é muito fácil escrever e muito difícil de filmar. Palavras como pensa, lembra, esquece, sente, quer ou percebe, presentes em qualquer romance, são proibidas para o roteirista, que só pode escrever o que é visível. A literatura, que a todo momento nos remete ao fluxo de consciência dos personagens, pode utilizar todas essas palavras. Mas não necessariamente precisa utilizar todas essas palavras, o que faz com que alguns textos sejam muito mais facilmente adaptáveis do que outros.

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A segunda diferença fundamental, e que também diz respeito à natureza dessas linguagens, pode ser analisada a partir de uma frase de que Umberto Eco: "toda a narrativa se apóia parasiticamente no conhecimento prévio que o leitor tem da realidade". A metamorfose de Kafka começa com a seguinte frase: “Ao despertar após uma noite de sonhos agitados Gregor Samsa encontrou-se em sua própria cama transformado num inseto gigantesco”. Esta frase, talvez a melhor primeira frase da história do romance, disse tudo que é preciso saber para que a história comece. Cada um de nós, leitor, imaginou a sua própria cena, o escritor nos informa apenas aquilo que ele julga ser necessário, o leitor imagina todo o resto.

Já os cineastas - e os roteiristas - precisam fazer grande parte do trabalho do leitor. Qual a cor do inseto? É uma cama de madeira ou de metal? Qual a cor das paredes do quarto? Como é a luz do quarto? Há uma janela? A luz entra pela janela? Através da persiana ou através das cortinas? Como é o piso desse quarto? É de madeira ou está coberto por um tapete? A cama tem lençóis? Há outros móveis no quarto? Mesmo que muitas dessas perguntas sejam respondidas na seqüência do livro o cineasta precisa imediatamente tomar essas decisões, adiadas pelo autor. Lendo, cada leitor crias suas próprias imagens, sem custos de produção e limites de realidade. É natural que se decepcione quando veja as imagens criadas pelo cineasta e diga: "gostei mais do livro".

A ordem em que as informações são liberadas no cinema ou na literatura são inteiramente diferentes. (ver “Sono Eterno.”)

O terceiro aspecto técnico a ser considerado é que o cinema, como a música, é uma forma de expressão em que o tempo de apreensão das informações é definido exclusivamente pelo autor. Cada um de nós estabelece o próprio ritmo de leitura. Cada um de nós passa o tempo que quiser observando um quadro. Mesmo no teatro, o ator pode esperar que o público pare de rir de uma piada para dar seqüência ao texto. Mas um filme de 1 hora e 32 minutos é visto por qualquer espectador em 1 hora e 32 minutos.

Além destas três, poderíamos lembrar ainda de muitas outras diferenças.

O cinema, ao contrário da literatura, é um evento, um ritual para o qual nos vestimos, saímos de casa e pagamos ingresso, um ritual compartilhado com outros espectadores.

O cinema é um trabalho coletivo, ao contrário do texto, quase sempre expressão de um indivíduo.

A linguagem cinematográfica, ao contrário do texto, é intuitiva, ninguém precisa ser alfabetizado para entender um filme.

Mas é importante lembrar que o cinema não é só literatura. Ele mistura fotografia, teatro, música, dança pintura e literatura, criando a sua própria linguagem, que está em constante transformação, como qualquer linguagem. Muitos outros elementos, não presentes na literatura são utilizados pela linguagem do cinema, como os movimentos de câmera, os enquadramentos, a música, a cor e a luz. Cabe ao roteirista agregar esses elementos ao filme de modo a ser fiel - ou não - ao espírito do texto.

As relações entre o cinema e a literatura são antigas e nem sempre amistosas. Antes da invenção do direito autoral, em 1910, os cineastas simplesmente roubavam histórias dos livros. Em 1911, Gabriele d'Annunzio vendeu toda a sua obra, já escrita e futura, para uma empresa cinematográfica italiana. Desde lá, milhares de livros têm sido adaptados para o cinema. Segundo Ely Azeredo, a Bíblia é o livro campeão de adaptações, com incontáveis filmagens. O segundo lugar é de Sir Arthur Conan Doyle, com mais de 200 versões de Sherlock Holmes. Em terceiro lugar aparece o Drácula, de Bram Stoker.

Imagino que poucos de vocês já tenham ouvido falar em Cornell Woolrich. No começo dos anos 50 ele publicou numa revista barata de contos policiais uma história intitulada "Tinha que ser assassinato". Em 1954 o conto de Woolrich se tornaria um dos maiores clássicos da história do cinema, adaptado por Alfred Hitchcock com o título de "Janela Indiscreta". Isso não me faz concordar com a divertida afirmação de Hitchcock de que "livros ruins é que dão filmes bons". Dashiell Hammet e James Cain eram grandes escritores e seus livros deram ótimos filmes. James Ellroy é um ótimo escritor e seu livro “Los Angeles, Cidade Proibida” virou um ótimo filme. Shakespeare, para citar o maior dos autores, já foi transformado em pelo menos quatro grandes filmes: Ran (baseado em Rei Lear) e Trono manchado de sangue (baseado em Macbeth), duas adaptações de Akira Kurosawa, Fallstaff, de Orson Welles, e o Hamlet de Laurence Olivier.

Mas é certo que a boa literatura não necessariamente dá bons filmes. William Faulkner, além de nunca ter virado um bom filme, trabalhou em Hollywood e foi um roteirista medíocre. Dostoievski, Kafka, Cervantes, Proust, Machado de Assis ou Eça de Queirós ainda não entraram para a história do cinema.

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Etapas: story-line, sinopse, argumento, escaleta, roteiro.

Mesmo quando um romance ou conto serve de ponto de partida de um filme, pode ser útil fazer o story-line (uma síntese do conflito) e uma sinopse (um resumo da trama).

A partir do texto, o caminho é o mesmo: escaleta, roteiro, roteiro decupado.

O sentido da obra.

Um roteiro deveria preservar o sentido da obra. Muitas vezes, para isso, é preciso mudar a história.

Caso o autor esteja vivo ou a família detenha seus direitos autorais (menos de 70 anos da morte do autor), é fundamental definir claramente a autonomia do roteiro sobre o texto, se há restrições ( e quais são) e mudar a obra.

Exemplos práticos:

Temporal, Veríssimo.

Dorival, Tabajara.

Barbosa, Perdigão.

Agosto, Rubem Fonseca.

Luna Caliente, Mempo.

Maria Moura, Raquel de Queiroz.

O mambembe, Artur Azevedo.

Comédias, Veríssimo.

Sargento de Milícias, Millôr.

O Alienista, Machado.

Veja Bem, Drummond e João Cabral

O comprador de fazendas, Monteiro

Os Sertões, Euclides.

Negro Bonifácio, de Simões Lopes Neto.

Meia Encarnada Dura de Sangue, Lourenço Casarré.

Lisbela, Osman Lins.

O Coronel e o Lobisomen, José Cândido de Carvalho.

Benjamin, Chico Buarque.

Decamerão, Boccaccio.

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Os personagens do texto e os atores do filme.

Ex:

Luna Caliente

Dona Flor

Agosto

O Coronel e o Lobisomem

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As informações e os diálogos.

Muitas informações da trama de um livro estão fora dos diálogos (se é que há diálogos).

Transformar informações em diálogos é sempre um risco. É preciso dividir a tarefa com os outros (10) elementos da linguagem.

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Diferenças cinema / literatura.

Aspectos éticos:

Para falar sobre o os aspectos éticos da relação do cinema com a literatura, eu começo lembrando uma frase de Thomas Edison, um dos pioneiros do cinema: "estou trabalhando numa invenção extraordinária e em pouco tempo as crianças não precisarão ler nenhum livro". A profecia de Edison, felizmente, não se cumpriu, pelo menos não inteiramente. (“Não contem com o fim do livro”), mas é certo que parte da necessidade de ouvir e contar histórias, que até o século dezenove era atendida pela literatura (e, para a maioria analfabeta, pelo teatro) foi parcialmente substituída pelo cinema e depois pela televisão. Quem tem filhos sabe da dificuldade de convencê-los a enfrentar a longa, silenciosa e solitária leitura de um romance. Mas quem ama realmente seus filhos e já sentiu pelo menos uma vez o prazer da leitura, não desiste de tentar. E quase sempre tem sucesso.

O cinema aprofundou uma transformação chamada por Daniel Boorstin de "a revolução gráfica". Ela começou nos EUA no século dezenove. Graças às novas tecnologia de impressão de fotos, os jornais foram inundados de imagens. Alguns críticos começaram a se queixar do excesso de ilustrações da imprensa. O cinema, surgido no final do século dezenove e desenvolvido no início do século vinte, elevou os efeitos desta revolução ao cubo. Na opinião de Boorstin, o que esta enchente de imagens tem de mais preocupante é que ela possa incentivar apenas o pensamento imagético, "pensar em termos de uma imitação ou representação artificial da forma externa de qualquer objeto e, sobretudo, de uma pessoa".

Este pensamento nasce à custa do pensamento ideal: "pensar em termos de alguma idéia o valor ao qual se pode aspirar." Neal Gabler afirma que "a profusão de imagens nos direciona para o aqui e o agora, para algo imediatamente útil. O ideal nos direciona para algo acima e além, para algo cuja utilidade não é aparente de pronto". Para Boorstin a revolução gráfica foi também uma revolução moral porque substituía a aspiração pela gratificação.

Neil Postman acrescenta uma observação a isso: o texto impresso exige raciocínio. Empregar a palavra escrita significa seguir uma linha de pensamento que exige um poder considerável de classificação, de inferências e argumentação. Uma sociedade baseada sobretudo no texto escrito seria aquela em que a lógica, a ordem e o contexto predominam. Numa sociedade baseada em imagens, por outro lado, lógica e contexto perdem terreno para a gratificação imediata. A revolução da imagem transformou nossa maneira de pensar. Não seria o caso de afirmar, como Godard, que o cinema foi um erro, mas é fundamental reconhecer que ele supre parcialmente nossa necessidade de compartilhar histórias e ocupa um espaço antes preenchido pela literatura.

É importante lembrar, a favor da transposição da literatura para o cinema ou para a televisão, que todas as obras adaptadas aumentam em muito suas vendas. Eu não sei se as pessoas lêem os livros mas sei elas compram os livros, o que é bom. Certamente, algumas lêem os livros. O simples fato de incentivar a leitura justifica as adaptações.

João Nunes

Contos e romances

“ Os romances mais ricos e interessantes têm por vezes uma narrativa não-linear, com saltos temporais e espaciais dentro da mesma página e até do mesmo parágrafo. Frequentemente têm mais do que um protagonista, e enredos paralelos de importância semelhante. Além disso, dão uma presença importantíssima à vida interior dos personagens, aos seus pensamentos, emoções, sensações, a toda a sua subjectividade. Ora tudo isto é muito difícil de traduzir na linguagem do cinema, onde o espectador só pode conhecer o que é possível filmar, ou seja as manifestações visuais e audíveis da história: as ações, reações e palavras dos personagens. Assim, um dos grandes desafios de um roteirista ao fazer uma adaptação é como mostrar externamente todo esse universo interior dos personagens.

Acresce a tudo isto que muitos romances têm uma dimensão tal que a sua adaptação para um filme de duração normal (90 a 120 minutos) implica grandes cortes em cenas e por vezes enredos secundários completos. É por isso que muitas vezes é mais fácil adaptar para cinema um conto ou uma novela do que um romance - a estória está normalmente mais focada num protagonista, o enredo é geralmente mais simples e sequencial, e o desafio de perceber os temas e preocupações do autor é um pouco menor.”

João Nunes



#CAPÍTULO 9: FORMATOS

Novas formas de narrativas audiovisuais são criadas constantemente, todas podem ter (e quase sempre têm) roteiros. Os limites entre estas muitas formas são quase* inteiramente subjetivos, tênues e mutantes.

* Ficção é ficção, documentário é documentário.

- Curta, média e longa-metragem.

Não acredito que se possa determinar - com alguma utilidade - distinções éticas ou estéticas entre formas de expressão artística segundo o seu tamanho. Pense no ridículo que seria tentar emitir qualquer juízo de valor sobre poemas pelo número de seus versos ou de pinturas segundo sua metragem. Vale o mesmo para filmes, romances ou programas de tevê.

Acredito que os princípios básicos de estrutura do roteiro, incluída a divisão em três atos, são os mesmos em qualquer formato ou duração, mas podemos fazer algumas reflexões sobre a relação entre a estrutura do roteiro e a duração do filme.

A principal característica de um telenovela, o que a distingue das séries ou miniséries é a sua duração. Roteiros de novela são escritos enquanto a história está no ar e a reação do público (à trama ou aos personagens) altera a sua escrita. O autor de uma telenovela sabe que poucas pessoas assistem a todos os capítulos, e por isso as informações são constantemente repetidas. O autor também sabe que o grau de desatenção do espectador é altíssimo, e portanto todas as informações fundamentais à compreensão da trama devem ser absolutamente claras, faladas, repetidas à exaustão.

É comum, por absoluta falta de tempo do autor para dramatizar informações, que os personagens das telenovelas escutem atrás das portas ou falem em voz alta seus pensamentos mais secretos. De fato, vi recentemente um episódio de uma série onde um personagem escuta atrás da porta enquanto outro personagem fala sozinho, em voz alta, confessando seus crimes. (O roteirista estava com muita sorte!)

Nunca tentei escrever uma telenovela e posso imaginar a dificuldade que seja manter com equilíbrio uma trama diária (um longa a cada dois dias) que envolve mais de 50 personagens e ainda esteja sujeita ao gosto do espectador.

O padrão (no caso de roteiros de ficção) é de 1 página por minuto.

Classificação arbitrária:

Curta: até 20 minutos.

Média: 20 – 60 min.

Longa: mais de 60 min.

Roteiros de curtas (até 15 minutos?) devem temer (um pouco) menos o desinteresse inicial do espectador, geralmente quando ele começa a se aborrecer, já acabou.

O espectador precisa de algum tempo para estabelecer o ritmo do filme. Inversões de cronologia (como o flashback) são de maior risco nos curtas.

Nas comédias, os diálogos tendem a ser mais rápidos que nos dramas. Em nossos programas de televisão eu e o Guel calculamos que um roteiro de drama tem, em média, 1000 caracteres (sem espaço) por minuto. A média cresce para 1150 caracteres por minuto nas comédias. Atenção: isso não é uma regra: é uma constatação a partir de trabalhos realizados.

Nos documentários este número varia conforme o projeto, mas a leitura do roteiro deve levar, no máximo, a duração do filme.

“... o romance necessariamente, necessariamente, deve alternar momentos de poesia com momentos triviais, como uma estátua colocada numa praça, em uma extensão anódina para que se destaque. Acredito que isso estabelece a diferença essencial entre o conto e o romance, a intensidade do conto não poderia ser suportada ao longo de quinhentas páginas.”

Ernesto Sabato

in “Diálogos Borges Sabato”, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, São Paulo, Editora Globo, 2005

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TESES SOBRE O CONTO

Ricardo Piglia em "O Laboratório do Escritor" (Iluminuras).

Tradução de Josely Vianna Baptista

Num de seus cadernos de notas Tchecov registrou este episódio: "Um homem, em Monte Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida". A forma clássica do conto está condensada no núcleo dessa narração futura e não escrita. Contra o previsível e convencional (jogar-perder-suicidar-se) a intriga se estabelece como um paradoxo. A anedota tende a desvincular a história do jogo e a história do suicídio. Essa excisão é a chave para definir o caráter duplo da forma do conto.

Primeira tese: um conto sempre conta duas histórias.

O conto clássico (Poe, Quiroga) narra em primeiro plano a história 1 (o relato do jogo) e constrói em segredo a história 2 (o relato do suicídio). A arte do contista consiste em saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Uma história visível esconde uma história secreta, narrada de um modo elíptico e fragmentário. O efeito de surpresa se produz quando o final da história secreta aparece na superfície.

Cada uma das duas histórias é contada de maneira diferente. Trabalhar com duas histórias significa trabalhar com dois sistemas diversos de causalidade. Os mesmos acontecimentos entram simultaneamente em duas lógicas narrativas antagônicas. Os elementos essenciais de um conto têm dupla função e são utilizados de maneira diferente em cada uma das duas histórias. Os pontos de cruzamento são a base da construção.

O conto é uma narrativa que encerra uma história secreta. Não se trata de um sentido oculto que depende da interpretação: o enigma não é senão uma história que se conta de modo enigmático. A estratégia da narrativa está posta a serviço dessa narrativa cifrada. Como contar uma história enquanto se está contando outra? Essa pergunta sintetiza os problemas técnicos do

conto.

Segunda tese: a história secreta é a chave da forma do conto e suas

variantes.

A versão moderna do conto que vem de Tchecov, Katherine Mansfield,

Sherwood Anderson, o Joyce de "Dublinenses", abandona o final surpreendente

e a estrutura fechada; trabalha a tensão entre as duas histórias sem nunca

resolvê-las. A história secreta conta-se de um modo cada vez mais elusivo. O

conto clássico à Poe contava uma história anunciando que havia outra; o

conto moderno conta duas histórias como se fossem uma só.

A teoria do iceberg de Hemingway é a primeira síntese desse processo de

transformação: o mais importante nunca se conta. A história secreta se

constrói com o não dito, com o subentendido e a alusão.

"O Grande Rio dos Dois Corações", um dos textos fundamentais de

Hemingway, cifra a tal ponto a história 2 (os efeitos da guerra em Nick

Adams) que o conto parece a descrição trivial de uma excursão de pesca.

Hemingway utiliza toda sua perícia na narração hermética da história

secreta. Usa com tal maestria a arte da elipse que consegue com que se note

a ausência da outra história.

O que Hemingway faria com o episódio de Tchecov? Narrar com detalhes

precisos a partida e o ambiente onde se desenrola o jogo e técnica utilizada

pelo jogador para apostar e o tipo de bebida que toma. Não dizer nunca que

esse homem vai se suicidar, mas escrever o conto como se o leitor já

soubesse disso.

Kafka conta com clareza e simplicidade a história secreta e narra

sigilosamente a história visível até transformá-la em algo enigmático e

obscuro. Essa inversão funda o "kafkiano". A história do suicídio no

argumento de Tchecov seria narrada por Kafka em primeiro plano e com toda

naturalidade. O terrível estaria centrado na partida, narrada de um modo

elíptico e ameaçador.

Para Borges a história 1 é um gênero e a história 2 sempre a mesma. Para

atenuar ou dissimular a monotonia essencial dessa história secreta, Borges

recorre às variantes narrativas que os gêneros lhe oferecem. Todos os contos

de Borges são construídos com esse procedimento.

A história visível, o jogo no caso de Tchecov, seria contada por Borges

segundo os estereótipos (levemente parodiados) de uma tradição ou de um

gênero. Uma partida num armazém, na planície entrerriana, contada por um

velho soldado da cavalaria de Urquiza, amigo de Hilario Ascasubi. A narração

do suicídio seria uma história construída com a duplicidade e a condensação

da vida de um homem numa cena ou ato único que define seu destino.

A variante fundamental que Borges introduziu na história do conto

consistiu em fazer da construção cifrada da história 2 o tema principal.

O conto se constrói para fazer aparecer artificialmente algo que estava

oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos

permita ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta. "A visão

instantânea que nos faz descobrir o desconhecido, não numa longínqua terra

incógnita, mas no próprio coração do imediato", dizia Rimbaud.

Essa iluminação profana se transformou na forma do conto.

********************************************

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Além de sua duração, os produtos audiovisuais podem ser divididos de acordo com a forma de exibição e recepção, em duas grandes categorias:

1. “Dose única”: um filme (curta, média ou longa) pensado para ser visto (embora nem sempre seja) do começo ao fim, sem interrupções.

É o caso dos filmes produzidos para serem exibidos em salas de cinema, sem interrupções, ou na televisão, numa exibição única, com ou sem intervalos comerciais.

2. “Em fatias”. Séries, sitcons, minisséries, novelas.

É cada vez mais difícil imaginar que um produto audiovisual será exibido unicamentre em dose única, numa sala de cinema. Quase todos os filmes acabam na televisão, em dvds, na internet e, a partir daí, serão exibidos ao gosto do exibidor e vistos ao gosto do espectador. Isso não impede que a maioria dos realizadores – inclusive eu – escrevam pensando que o filme será visto em “dose única”.

Já me vi muitas vezes na situação de procurar, depois do filme pronto, o melhor momento para interrompê-lo e chamar nossos gentis patrocinadores e, apesar disso, continuo escrevendo sem pensar nisso, quando escrevo para cinema.

O roteiro de televisão é escrito pensando em sua divisão por blocos, se há divisão de blocos. Faz bem para os índices de audiência que o final de cada bloco provoque, no espectador, a vontade de tolerar 4 minutos de interrupção na narrativa e voltar para a história, se não houver nada melhor passando em outro dos 50 canais. À expectativa crescente da trama antes do final do bloco costuma-se dar o nome de “gancho”. Não existem regras para um “gancho eficiente”, não há regra para o que pode interessar o espectador.

- Roteiros que serão interrompidos por comerciais devem considerar a hipótese de apresentar o conflito principal antes disso. (“Anchietanos”)

. Séries

A televisão (no Brasil, nos EUA e na Inglaterra) divide a programação em três categorias: news (não-ficção: jornalismo, documentários, revistas de informação, entrevistas, etc.), “dramaturgia” (“scripted entertainment”, literalmente, entretenimento com roteiro, séries, minisséries, novelas, sitcons, etc.) e “unscripted entertainment” (que no Brasil tem o nome genérico de “programa”: game shows, realitys, programa de auditório, talk-shows, etc).

Os exemplos de mistura entre as várias categorias são tantos e tão variados que nem cabe enumerá-los, embora o quase sempre execrável “jornalismo-comédia” e os abomináveis “reality-shows” sejam a praga da hora e mereçam registro.

Programas de auditório, telejornais, sorteios de prêmios, shows de calouros, programas de debate e entrevista, talk-shows, todos têm – ou podem ter – roteiros, isto é: um planejamento prévio, por escrito, da ordem em que as “coisas” acontecem (cenas, atrações, apresentações, entrevistas, depoimentos, etc.), da duração de cada uma delas, e das eventuais falas, textos escritos ou não, que poderão ser usados na filmagem ou depois dela.

Aqui vamos falar apenas dos roteiros de “dramaturgia”.

Os roteiros dos telefilmes, histórias de uma hora ou mais, com exibição única, se assemelham em tudo aos roteiros de um longa metragem para o cinema e, lembrando as já citadas diferenças de recepção, obedecem (ou desobedecem) as mesmas “regras”, tem os seus mesmos problemas e desafios.

As séries, isto é, uma mesma história contada em vários capítulos, ou ainda, várias histórias vividas com os mesmos personagens em diferentes capítulos, obedecem (ou desobedecem) regras diferentes, tem problemas e desafios específicos.

Séries, roteiro e direção (de pelos um episódio):

Todos estes roteiros foram feitos em parceria, com diferentes autores. (Guel Arraes, Giba Assis Brasil, Pedro Cardoso, João Falcão, Adriana Falcão e outros)

. A comédia da vida privada

. Luna caliente

. A invenção do brasil

. Brava gente

. Decamerão

. A história do amor

Séries, roteiro (de pelos um episódio):

. Agosto

. Memorial de Maria Moura

. Brasil especial

. Cidade dos homens

. Antonia

. Os normais

. A vida ao vivo

. Ó-paí-ó

. Clandestinos

. Delegacia de mulheres

. Programa legal

. Doris para maiores

. Bicho homem

. Sexo oposto

X

|. Séries vistas, inteiras ou quase inteiras (mais de uma temporada): |. Séries vistas, alguns episódios. |

| | |

|COMÉDIA | |

| | |

|Um personagem: |Absolutely Fabulous |

|I Love Lucy |Rhoda |

|A Feiticeira |Phillys |

|Jeannie é um Gênio |Cilada |

|Nanny |Futurama |

|Alf |ICarly |

|Mulher de Fases |Mr. Bean |

|The Office |Zack e Cody |

|Agente 86 |Os Feiticeiros de Weverly Place |

|Bob Esponja |Becker |

| |Entre tapas e beijos |

|Dois personagens: | |

|Shazam e Xerife | |

|Mad About You | |

|Beavis and Butt-Head | |

|Will & Grace | |

|Phineas e Ferb | |

| | |

|Uma família: | |

|Os Simpsons | |

|Família Dinossauro | |

|A Família Addams | |

|A Família Buscapé | |

|Os Monstros | |

|A Grande Família | |

|A Família Trapo | |

|Everybody Loves Raymond | |

|That ’70s Show | |

|Third rock from de sun | |

|Papai Sabe Tudo | |

| | |

|Vários personagens / turma: | |

|Seinfeld | |

|Monty Python’s Flying Circus | |

|Os Três Patetas | |

|Banana Split | |

|Armação Ilimitada | |

|MASH | |

|Guerra, sombra e água fresca | |

|South Park | |

|Friends | |

|Os Monkees | |

|Cheers | |

|Chaves | |

|Chapolin | |

|The Big Bang Theory | |

| | |

|Um lugar, ambiente de trabalho: | |

|Os Muppets | |

|Mary Tyler Moore | |

|30 Rock | |

|O Sítio do pica-pau amarelo | |

|O Bem Amado | |

| | |

|DRAMA / ROMANCE | |

| | |

|Um personagem: |Anos Incríveis |

|Malu Mulher |O Primo Basílio |

| |The Tudors |

|Dois personagens: |Weeds |

|Grande Sertão Veredas |Hung |

|Roma |Alice |

| |Treme |

|Uma família: |Californication |

|Os Waltons |A Sete Palmos |

| |A Casa das 7 Mulheres |

|Uma turma: |A Cura |

|Ciranda Cirandinha |A Muralha |

|Confissões de uma adolescente |Riacho Doce |

|Sex and the City |Noivas de Copacabana |

|Desperate Housewives |Engraçadinha |

|Anos Incríveis |Anarquistas, Graças a Deus |

|Anos Dourados |Chiquinha Gonzaga |

|Anos Rebeldes |Dalva e Herivelto |

| |Engraçadinha |

|Um lugar, ambiente de trabalho: |Maysa |

|Mad Men |Pushing Daisies |

|Twin Peaks |Presença de Anita |

|Incidente em Antares |Riacho Doce |

|A Ilha da Fantasia | |

|POLICIAL / INVESTIGAÇÃO | |

| | |

|Um personagem: |Os Detetives (Casal Mc Millan, McLoud) |

|Columbo |Família Soprano |

|Tempera de aço |Arquivo X |

|Arquivo confidencial |CSI - Investigação Criminal |

|Kojak |Monk |

|Baretta |Epitafios |

|House |Sherlock |

|Dexter | |

| | |

|Dois personagens: | |

|A Gata e o Rato | |

| | |

|Uma turma: | |

|Os Intocáveis | |

|Hawaii 5-0 | |

|As Panteras | |

|S.W.A.T. | |

|Mob Squad | |

| | |

| | |

| | |

|AVENTURA | |

| | |

|Um personagem: |MacGyver |

|O Super-Homem |Chips |

|Zorro |Bionic Woman |

|Daniel Boone |24 Horas |

|Batman |Game of Thrones |

|O Homem de Seis Milhões de Dólares |Jaspion |

|National Kid |Jiraya |

|Kung Fu |Jornada nas Estrelas |

|Vigilante Rodoviário |O Incrível Hulk |

|James West |The Tudors |

| |MacGyver |

|Dois personagens: | |

|O Agente da U.N.C.L.E. | |

|O Túnel do Tempo | |

|Carga Pesada | |

| | |

|Uma família: | |

|Perdidos no Espaço | |

|Bonanza | |

| | |

|Uma turma: | |

|Terra de Gigantes | |

|Jornada nas Estrelas | |

|Thurderbirds | |

|Missão: Impossível | |

|As Aventuras de Rin Tin Tin | |

| | |

|GUERRA | |

|Combate | |

|SUSPENSE | |

|Lost | |

|Além da Imaginação | |

|MUSICAL |The Partridge Family |

|Glee | |

|Jazz | |

| | |

X

Processo mais comum de criação de uma série:

. Alguém (autor, produtor, ator, diretor) decide criar uma série. Vamos chamá-lo de “criador”.

. O criador desenvolve (por escrito) o conceito da série, os personagens principais, ambientes, época, tema, conceitos, etc.

. O criador e roteiristas escrevem a sinopse e a escaleta de um episódio. Se for uma série “fechada” (em tese), a sinopse deve contar a história até o fim. Se for uma série “aberta”, o criador e roteiristas trabalham no roteiro de um episódio (quase sempre o primeiro, piloto) e em algumas sinopses de outros episódios.

. Análise da sinopse, escaletas, roteiros, determinando a escala de produção. (Duração dos episódios, periodicidade, número de episódios, etc.).

. Descrição da série, seus vários personagens e possíveis tramas. (Bíblia)

. Gravação do piloto.

. Análise do piloto e desenvolvimento (ou não) dos roteiros dos próximos episódios.

Podem ser divididas segundo:

Gênero

Drama, comédia, romance, musical, terror, suspense, crime, infantil, científica, animação, documental, etc, etc, e todas as misturas possíveis entre os vários gêneros.

TV genres and Category:

Drama:

Action-adventure or Thriller, Comedy-drama, Family drama, Legal drama, Medical drama, Police procedural, Political drama, Science-fiction / Fantasy / Horror / Supernatural drama, Serial drama, Soap opera, Teen drama

Miniseries and Television movies

Comedy:

Mockumentary, Satire, Situation comedy, Sketch comedy



Número

Três ou mais episódios, sem limites. (The Simpsons já tem mais de 500 episódios. “Carlos”, “Sherlock”, 3 episódios cada.)

Periodicidade

Diária ou semanal, com ou sem um final previsto. Os episódios podem ter histórias mais ou menos independentes, com arcos dramáticos que percoram vários episódios ou não.

Minissérie.

História única contada em vários episódios, com um final determinado.

A exibição é feita em episódios diários (o mais comum no Brasil) ou semanais (comum nos EUA e Europa).

Ex: Agosto, Memorial de Maria Moura, Roma, Luna Caliente, Anos Rebeldes, Anos Dourados, Som e Fúria, etc, etc.

“Teleshakespeare”, de Jorge Carrion

“As séries americanas ocuparam, na primeira década do século XXI, o espaço de representação que durante a segunda metade do século XX foi monopolizado pelo cinema de Hollywood.”

“Como nas grandes tragédias de Shakespeare, a série Roma soube alternar a macropolítica e a micropolítica: a transição da República para o Império e as histórias dos centuriões da XIII Legião, o Senado e o bordel, Julio Cesar e um criado Judeu, os amores de Marco Antonio com Cleópatra e a iniciação sexual de um jovem aristocrata de quem ninguém mais lembra.”

(O Príncipe Cansado)

“Talvez um dos conceitos chave da teleficção dos nossos dias seja a profundidade. Não se trata meramemente de uma questão de metragem, quer dizer, não só temos personagens e tramas profundas porque os roteiristas dispõe de muitas horas de ação para desenvolvê-las, falo de algo mais abstrato. Falo da da capacidade que tem certos personagens de penetrar na consciência do leitor, de converter-se em familiares, tanto em sua miséria como em seu esplendor.”

Questões:

Misturas de gêneros. Comédia-romântica, drama-policial, docudrama, etc.

Ter ou não ter “um arco dramático” que percorra a série. Os personagens se transformam? Quanto?

Ter ou não ter “claque”?

Ter ou não ter vinhetas? Texto, cartões, legendas, etc.

Offs?

Flash-backs?

Testemunhais? Documentários?

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Mistura de gêneros e heróis complexos.

"A arte das séries de tv" , de Vincent Colonna. (em francês)

#CAPÍTULO 10: MÍDIAS

Um filme (qualquer narrativa audiovisual) pode ser escrito e produzido para diferentes mídias. Quase todos os filmes frequentam várias mídias.

O caminho mais comum a ser percorrido por um filme é: sala de cinema, dvds, televisão a cabo, televisão aberta. Raros exemplos (Auto da Compadecida, telefilmes lançados em dvds) vão no sentido contrário.

Séries de tevê são feitas, em maior número, para as tevês a cabo. Clips musicais são hoje feitos preferencialmente para a internet. Os filmes pornográficos, um vasto e lucrativo mercado audiovisual, hoje são produzidos para internet e dvds, não mais para o cinema. Há filmes feitos para celular, para a internet (todos terminam lá), e também para mídias físicas, como um dvd, é o procedimento comum na Nigéria, maior produtor mundial de filmes, seguido pela Índia e Estados Unidos.*

X

Sobre Nollywood, por Bruno Magrani de Souza*

“O marco inicial de Nollywood é geralmente atribuído a um evento ocorrido em 1992. Kenneth Nnebue, um conhecido comerciante da cidade de Onitsha, possuía um grande carregamento de fitas VHS em branco e deparou com o seguinte problema: como vender as fitas? Foi então que o comerciante teve a idéia de rodar um filme, gravá-lo nas fitas VHS e vendê-las. Caso o comprador não estivesse satisfeito com o filme, ou se este não fosse vendido como o esperado, podia- se sempre apagar a fita e utilizá-la novamente. Eram vendidos ao preço de US$ 3, diretamente pelos vendedores de rua, nos mercados populares da Nigéria. O resultado dessa idéia foi a venda de mais de 750 mil cópias do filme “Living in Bondage”, o que não só tornou Kenneth milionário como também impulsionou uma indústria multimilionária. Hoje em dia, poucos são os filmes vendidos em VHS. Com a tecnologia digital mais barata e acessível, são rodados diretamente em formato digital de alta resolução e gravados em VCDs (mais comuns) ou DVDs. Cada produção custa entre US$ 15 mil e US$ 100 mil e vende algo em torno de 50 mil cópias.

Os filmes tratam de assuntos diversos, mas temas envolvendo religião, magia e dilemas morais são recorrentes. Quanto aos gêneros, os dramas ocupam o topo da lista dos mais vistos, seguidos pelas comédias. Como me confessou Charles Igwe, um dos principais produtores cinematográficos nigerianos: “Somos muito emotivos e sentimentais. Gostamos de assistir a filmes que tenham final feliz”. Isso é verdade para a grande maioria dos filmes: se não tem final feliz, não faz sucesso.

*Bruno Magrani de Souza é mestrando em propriedade intelectual pelo Inpi e pesquisador do

Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito (RJ)

CINEMA: Nollywood: na contramão da onda global, publicado em Teoria e Debate nº 71 - maio/junho 2007.



publicado em 25/03/2009

Living in bondage (trecho):

Living in bondage, dirigido por Chris Obi Rapu, roteiro de Kenneth Nnebue e Okechukwu Ogunjiofor, produzido por Kenneth Nnebue.

(trecho)



x

No que diz respeito à mídia preferencial do filme (sua primeira exibição), para o roteirista interessam especialmente a quantidade de atenção, a fluência, o conhecimento prévio do público, a escala de produção, o grau de interatividade.

. A quantidade de atenção do espectador.

|Quantidade de atenção | | | | | |Obs: Tem gente que fala ao celular no cinema, tem gente que desliga o |

| | | | | | |telefone para ver a novela, mas são exceções. Informações fundamentais para a|

| | | | | | |compreensão da história devem ser mais ou menos explicitadas (repetidas, |

| | | | | | |confirmadas), dependendo da mídia. |

|Cinema |X |X |X |X |X |Numa tela grande, no escuro, tudo que aparece no filme (e no roteiro) é |

| | | | | | |percebido pelo público. A imagem, numa tela grande, numa sala escura, é muito|

| | | | | | |eloquente. (“O cinema ama o silêncio”. J. C. Carriére) |

|Dvds |X |X |X | | |É comum o espectador dar pause ou ver o filme em partes. Também é comum que o|

| | | | | | |espectador veja o filme várias vezes. |

|Cabo |X |X |X | | |Cabo digital também permite o pause. Muita gente vê pedaços de filmes. Muitas|

| | | | | | |reprises. |

|TV Aberta |X |X | | | |Alta desatenção. É comum a tevê ligada, sem ninguém vendo. Poucas reprises. |

| | | | | | |Controle remoto na mão, baixíssima tolerância. (“A tv criou uma geração de |

| | | | | | |ditadores”. Fellini) |

|Internet |X | | | | |Público disperso e desatento. Número incalculável de opções. Quase todo mundo|

| | | | | | |(que está conectado) pode ver o que quiser, quando quiser. A narrativa do |

| | | | | | |filme concorre com notícias, e-mails, etc. |

|Celular |X | | | | |Público desatento, tela pequena, ambiente de total desatenção. Alguém já viu |

| | | | | | |um filme num celular? |

. Fluência: com ou sem blocos e intervalos, com ou sem pause e rewind.

|Fluência | | | | | |Obs: a divisão da história em blocos pré-determinadas, com intervalos, altera|

| | | | | | |a concepção do roteiro. (ganchos) |

|Cinema |X |X |X |X |X |Raramente há interrupção. (só em filmes muito longos). Quando exibido na |

| | | | | | |tevê, as interrupções são definidas pelo exibidor. (relação com os rolos do |

| | | | | | |negativo) |

|Dvds |X |X | | | |O espectador determina a fluência. |

|Cabo |X |X |X | | |Há canais que exibem filmes com e sem intervalos. TV digital pode ter função |

| | | | | | |pause, rewind. |

|TV Aberta |X | | | | |Sempre há intervalos, definidos pelo exibidor. (com ou sem consulta ao |

| | | | | | |produtor, diretor). Por enquanto, sem função pause. |

|Internet |X | | | | |O espectador (e a conexão) determina a fluência. |

|Celular |X | | | | |O espectador (e a conexão) determina a fluência. |

. Definição maior ou menor do público alvo.

|Definição do público | | | | | |Obs: saber (com maior ou menor precisão) a quem se fala, pode interferir na |

|alvo | | | | | |concepção do roteiro. |

| | | | | | |(Públicos de idades, formação, países diferentes.) |

|Cinema |X |X |X | | |Filmes para o cinema tem público alvo pré-determinado, mas há surpresas. |

|Dvds |X |X | | | |Há públicos específicos para os diferentes gêneros, mas o dvds costumam |

| | | | | | |passar de mão em mão. |

|Cabo |X |X |X |X |X |Os canais de tevê a cabo conhecem muito bem seu público de assinantes. Cada |

| | | | | | |canal e horário tem seu público. (Quem compra tapetes ou vacas pela |

| | | | | | |televisão?) |

|TV Aberta |X | | | | |Para todos. Há nichos de público por horário, mas todos (diferentes classes |

| | | | | | |sociais, idades, gêneros e graus de instrução) assistem de tudo. |

|Internet |X |X | | | |Para todos, com pesquisa direta do público alcançado. |

|Celular |X |X | | | |Para todos, com pesquisa direta do público alcançado. |

. Escala de produção. (relacionada, indiretamente, com a mídia.)

|Escala de produção | | | | | |Obs: há séries com orçamento de cinema (sucessos e fracassos), cinema de |

| | | | | | |baixo orçamento (idem), etc. Quanto maior a escala de produção, maior a |

| | | | | | |pressão sobre o roteiro, a necessidade de vários tratamentos, etc. (“O único |

| | | | | | |risco é o roteiro”) |

|Cinema |X |X |X |X |X |Um filme de longa-metragem (no Brasil) , raramente custa menos de 1 milhão. A|

| | | | | | |média anda em torno de 3 milhões, acho. |

|Dvds |X | | | | |Custo de produção reduzido. Custo de cópias variável conforme a demanda. |

|Cabo |X |X |X | | |Custo variável, dependendo do horário, gênero, formato, duração. |

|TV Aberta |X |X |X |X | |Custo variável, dependendo do horário, gênero, formato, duração. |

|Internet |X |X | | | |Custos de produção reduzidos, retorno financeiro incerto. (“Tudo grátis”) |

|Celular |X | | | | |Não há longas para celular. Custo de produção reduzido. |

. Grau de interatividade.

|Interatividade | | | | | |Obs: Teatro x jogo. A tecnologia digital embaralhou os conceitos. |

|Cinema |X | | | | |O prazer do espectador vem, como no teatro, da incapacidade de interferir|

| | | | | | |na trama e no destino dos personagens. |

|Dvds |X |X | | | |Idiomas, legendas, formato do quadro. |

|Cabo |X |X |X | | |O exibidor sabe exatamente que está assistindo, o espectador pode |

| | | | | | |escolher o idioma, legendas. |

|TV Aberta |X |X | | | |Testes de audiência podem determinar o destino de personagens. (“Você |

| | | | | | |decide”) |

|Internet |X |X |X |X |X |O espectador pode fazer tudo, inclusive criar a história. E comentá-la. |

|Celular |X |X | | | |O espectador pode comentar a história, mandar recados, indicar a amigos. |

As mídias, no sentido geral (que não dizem respeito diretamente ao trabalho do roteirista), variam ainda de acordo com:

. Qualidade da exibição.

|Qualidade da exibição.| | | | | |Obs: A qualidade das projeções e do som variam muito, conforme a sala, o |

| | | | | | |canal ou a conexão. |

|Cinema |X |X |X |X |X |Há excesso de publicidade e trailers. |

|Dvds |X |X |X |X | |Há excesso de publicidade e trailers. |

|Cabo |X |X |X |X | |Com ou sem intervalos, com ou sem vinhetas gráficas. |

|TV Aberta |X |X |X | | |Há excesso de publicidade e vinhetas. |

|Internet |X |X | | | |Problemas de fluxo de imagem. Está melhorando. |

|Celular |X | | | | |Telas pequenas. Está melhorando. |

. Público potencial.

|Público potencial. | | | | | |Obs: A expectativa do público no cinema se traduz em número de cópias no |

| | | | | | |lançamento. Na televisão, no horário de exibição (trilho) e na campanha de |

| | | | | | |lançamento. |

|Cinema |X |X |X | | |No Brasil, cerca de 15 milhões de pessoas vão ao cinema uma vez por ano. |

| | | | | | |Ingressos vendidos por ano: cerca de 100 milhões. |

|Dvds |X |X | | | |Mercado pirata muitas vezes que o mercado formal. |

|Cabo |X |X |X |X | |11,3 milhões de casas (julho de 2011, IBGE). Crescimento de 15,6% no primeiro|

| | | | | | |semestre. |

| | | | | | |Número médio de pessoas por domicílio é 3,3 pessoas. 37,3 milhões de |

| | | | | | |brasileiros tem tv a cabo. |

|TV Aberta |X |X |X |X |X |No Brasil, quase todos têm televisão aberta. Um ponto de Ibope, +- 1,5 |

| | | | | | |milhões de espectadores. |

|Internet |X |X |X |X |X |Não há medidas confiáveis sobre o público que assistiu inteiro um filme na |

| | | | | | |internet. Cresce o número de pessoas que baixam filmes. Acesso fácil, |

| | | | | | |universal (youtube e outros). |

|Celular |X | | | | |Número de espectadores desconhecido. |

. Durabilidade presumida.

| | | | | | |Obs: quase todos os filmes frequentam quase todas as mídias. Quanto mais |

| | | | | | |cópias, maior chance do filme sobreviver. (Ésquilo escreveu mais de oitenta |

| | | | | | |peças, só sete sobreviveram, graças às cópias). |

|Cinema |X |X |X |X |X |Um filme feito para o cinema, em princípio, é eterno. Vi, este ano, “A |

| | | | | | |chegada do trem na estação”, dos irmãos Lumiere. |

|Dvds |X |X | | | |Devem durar mais alguns anos. |

|Cabo |X |X |X | | |Um ano no ar, reprises. Tudo termina em dvd. (e, na internet) |

|TV Aberta |X |X |X | | |Grande exposição na estréia, eventuais reprises. Alguns produtos terminam em |

| | | | | | |dvd. |

|Internet |X | | | | |70% de tudo que é colocado na internet desaparece em 4 meses. |

|Celular |X | | | | |Alguma exposição no lançamento, depois internet. |

. Relação custo x retorno

| | | | | | |Obs: varia muito de acordo com o produto, mas o cinema tem sempre alto custo |

| | | | | | |(podendo dar muito retorno) e uma produção para celular ou dvd tem, em geral,|

| | | | | | |baixo custo. |

|Cinema |X |X |X | | |Alto custo. Alto ou baixo retorno, prejuízo. |

|Dvds |X | | | | |Baixo custo, baixo retorno. (exceções: Nigéria, filmes pornográficos) |

|Cabo |X |X | | | |Custo e retornos médios, muito variáveis. |

|TV Aberta |X |X |X |X |X |Baixo custo, em comparação ao retorno. |

|Internet |X | | | | |Baixo custo, baixo retorno. |

|Celular |X | | | | |Baixo custo, baixo retorno. |

. Visibilidade (divulgação em outras mídias).

| | | | | | |Obs: varia muito de acordo com o produto, mas as salas de cinema continuam |

| | | | | | |sendo o grande lançamento de um filme. Tevês pagam o filme de acordo com seu |

| | | | | | |público nas salas. |

|Cinema |X |X |X |X |X |Jornais, revistas, sites, festivais, críticas, programas de tv, todos tratam |

| | | | | | |de cinema. |

|Dvds |X | | | | |Um filme feito exclusivamente para dvd tem, em geral, baixa visibilidade. |

|Cabo |X |X | | | |Varia muito, dependendo do projeto, da tevê, do tema, etc. |

|TV Aberta |X |X |X |X | |Alta visibilidade na estréia (especialmente na própria tevê), revistas e |

| | | | | | |colunas especializadas, muitas, todas voltadas ao público da tevê. |

|Internet |X |X | | | |Acesso fácil, universal (youtube e outros), excesso de oferta. |

|Celular |X | | | | | |

TEXTOS COMPLEMENTARES

Trecho do Primeiro Capítulo da Minissérie "Agosto", roteiro e adaptação de Jorge Furtado e Giba Assil Brasil sobre romance de Rubem Fonseca.

CENA 1-1 - EXT/NOITE - RUAS

Um Mercedes preto roda na noite. Reflexos da cidade passam pelo seu capô. Um letreiro sobreposto indica:

1o DE AGOSTO DE 1954

0 HORA E 15 MINUTOS

O carro sobe numa entrada de garagem e pára. Buzina duas vezes.

CENA 1-2 - EXT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: FRENTE

O Mercedes está parado em frente à garagem do edifício, com os faróis acesos, em luz alta. RAIMUNDO, um pernambucano magro de testa pequena, meio ofuscado pela luz, passa pela frente do carro e abre o portão. O carro entra na garagem. Raimundo aperta os olhos, ainda sem enxergar direito, e acena discretamente para o motorista, sem ter certeza de tê-lo reconhecido. Depois, torna a fechar o portão.

CENA 1-3 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: GARAGEM

O Mercedes pára na garagem, no subsolo do edifício, onde há outros carros. Apaga os faróis. A porta do motorista abre, uma pessoa desce. Em seguida, a outra porta também abre.

CENA 1-4 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA

Raimundo entra pela porta envidraçada do edifício. Olha rapidamente para fora, para os dois lados da rua. Tranca a porta e entra.

CENA 1-5 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: GARAGEM

PAULO Gomes Aguiar, 40 anos, grande, musculoso, magro, elegante, aproxima-se do elevador, no interior da garagem, e aperta o botão. Há uma outra pessoa com ele, nunca mostrada. Paulo olha para esta pessoa com uma ponta de desejo.

CENA 1-6 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA

Raimundo, sentando-se em seu posto na portaria, olha o ponteiro do mostrador do elevador, que marcava a Garagem, começando a se mover. Quando o elevador passa pelo andar da Portaria, Raimundo pode ver, pela portinhola, o rosto risonho e levemente embriagado do Dr. Paulo Gomes Aguiar.

TEREZA, uma morena baixinha, 25 anos, vestida de forma simples, surge dos fundos da portaria.

TEREZA

Então, Raimundo?

RAIMUNDO

Vamos esperar um pouco.

TEREZA

Não vai chegar mais ninguém. Tá todo mundo dormindo.

RAIMUNDO

Mais uma hora, Tereza. Mais uma hora.

TEREZA

Amanhã eu tenho que acordar cedo.

Raimundo levanta-se cautelosamente, vai até a porta, abre-a e olha para os dois lados.

RAIMUNDO

Tá bem. Mas eu não posso demorar.

Raimundo e Tereza caminham até os fundos da portaria. Tereza abraça Raimundo, enquanto os dois desaparecem atrás da porta do quarto de Raimundo, na continuação do corredor. Em seguida, Raimundo entreabre a porta.

RAIMUNDO

Tem que deixar um pouco aberta. Alguém pode chegar.

Tereza continua abraçando e beijando Raimundo. Ele, aos poucos, vai entrando no clima.

Sob os sons da trepada de Raimundo e Tereza, recuamos pelo corredor, de volta à portaria, enquanto sobem os acordes iniciais de O INVERNO, de Vivaldi. O ponteiro do elevador está parado no oitavo andar.

CENA 1-7 - INT/NOITE - APTO DE PAULO: QUARTO/BANHEIRO

A música de Vivaldi se mistura com os sons de uma trepada. O quarto de Paulo é espaçoso e cheio de detalhes luxuosos em estilo art nouveau, tudo de muito bom gosto. Sobre a mesa de cabeceira, um jornal com a manchete MAR DE LAMA NO PORãO DO CATETE. Sobre o jornal, dois copos de uísque quase vazios, um cinzeiro cheio. Roupas espalhadas pelo chão.

De repente, ouve-se um grito de gozo. Sobre a cama, a mão crispada de Paulo. A mão relaxa e fica imóvel. O braço, imóvel. O rosto contraído, olhos e boca abertos, língua para fora entre os dentes, marcas de esganadura no pescoço. Paulo está morto. O colchão se move: a outra pessoa levanta-se da cama. A música é interrompida. Som de agulha de vitrola sendo levantada sem cuidado, arranhando um pouco o disco.

Por trás da cortina do box, formas indefinidas de alguém tomando banho. Em seguida, o chuveiro é desligado. A cortina do box se abre e revela o peito musculoso de um homem negro, com uma marca de dentada, pouco abaixo do mamilo esquerdo. O homem passa a mão no ferimento, que sangra. Ele tem um grande anel dourado. Tira o anel e examina o sangue em sua mão. Vai até a pia, coloca o anel ao lado do sabonete e lava as mãos. O sangue escorre pela pia.

CENA 1-8 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: QUARTO DE RAIMUNDO

O encanamento desce, aparente, pelo quarto de Raimundo, um cubículo sem janelas, com uma cama estreita e um pequeno armário sem porta. Raimundo e Tereza estão deitados na cama. Ouve-se o som da casa de máquinas do elevador. Raimundo se ergue, apressado. Abotoa a calça e a camisa.

RAIMUNDO

Vem descendo alguém. Fica aqui.

Raimundo apaga a luz do quarto e sai, deixando a porta entreaberta.

CENA 1-9 - INT/NOITE - EDIFíCIO DEAUVILLE: PORTARIA

Raimundo chega apressado à portaria e olha para o ponteiro do elevador que vem descendo. Raimundo senta em seu posto e fica olhando para o ponteiro. Não consegue ver ninguém pela portinhola. O elevador passa direto para a garagem.

RAIMUNDO

(com expressão de tédio) Garagem...

Raimundo se levanta e vai abrir o portão da garagem. A portaria fica deserta.

CENA 1-10 - EXT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: FRENTE

Raimundo abre o portão da garagem. Fica esperando algum carro sair. Nada acontece. Ele olha a garagem. Nenhum movimento.

CENA 1-11 - INT/NOITE - EDIF DEAUVILLE: PORTARIA

Pés de um homem na portaria do prédio. Ele pára no saguão, como se olhasse em torno, e sai do prédio.

CENA 1-12 - INT/NOITE - CATETE: CORREDOR/QUARTO DE GETúLIO

Interior do palácio do Catete, na penumbra. No fundo do corredor, abre-se a porta de um pequeno elevador. Um homem sai do elevador e aproxima-se. Letreiro sobreposto indica:

PALáCIO DO CATETE

1 HORA E 40 MINUTOS

O homem é GREGóRIO Fortunato, 50 anos, negro, forte, corpo volumoso. Veste paletó e gravata.

Obs: atenção ao figurino: o público deve acreditar que se trata do mesmo homem que saiu do Deauville na cena 1-11.

Gregório vem pelo corredor até parar em frente a uma porta fechada. Escuta. Abre uma fresta na porta. GETúLIO Vargas está de costas, sentado na cama, de pijama. Gregório fica um tempo parado, olhando para o presidente, com um ar de quase devoção. De repente, ouve uma voz às suas costas.

MANUEL

Tenente Gregório?

Gregório volta-se, calmo, com uma ponta de ódio no olhar. Vê MANUEL, um negro franzino, 25 anos, com uma bandeja na mão.

GREGóRIO

(encostando a porta) O que foi, Manuel? Não vê que o presidente está tentando dormir?

MANUEL

O senhor precisa de alguma coisa?

Gregório fica olhando fixo para Manuel.

MANUEL

(assustado) É que eu pensei que o senhor...

GREGóRIO

(autoritário) Volta pra cozinha, Manuel.

Manuel sai. Gregório dá mais uma olhada para o interior do quarto de Getúlio e fecha a porta. Afasta-se lentamente.

As 36 situações Dramáticas segundo Gozzi-Goethe-Polti

(Carlo Gozzi, 1720-1806, dramaturgo italiano. Johann Goethe, 1749-1832, poeta, escritor e dramaturgo alemão. Georges Polti, autor de "As 36 situações Dramáticas", 1934).

1, implorar. 2, o salvador. 3, a vingança que persegue o crime. 4, vingar parente por parente. 5, acuado. 6, desastre. 7, vítima de. 8, revolta. 9, tentativa audaciosa. 10, rapto. 11, o enigma. 12, conseguir. 13, ódio de parentes. 14, rivalidade com parentes. 15, adultério mortal. 16, loucura. 17, imprudência fatal. 18, crime de amor involuntário. 19, matar um parente ignorado. 20, sacrificar-se pelo ideal. 21, sacrificar-se pelos parentes. 22, sacrificar tudo pela paixão. 23, ter que sacrificar a família. 24, rivalidade entre desiguais. 25, adultério. 26, crimes de amor. 27, ser informado da desonra de um ser amado. 28, amores proibidos. 29, amar um inimigo. 30, a ambição. 31, luta contra deus. 32, ciúme equivocado. 33, erro judiciário. 34, remorso. 35, reencontrar. 36, perder a família.

Principais forças temáticas, segundo Étienne Souriau:

- Amor (sexual, familiar ou de amizade + admiração, responsabilidade moral, salvação da alma)

- fanatismo (religioso ou político)

- cupidez

- avareza

- desejo de riquezas, de luxo, de prazer, de beleza, de honrarias, de autoridade, de satisfações de orgulho

- inveja

- ciúme

- ódio

- desejo de vingança

- curiosidade

- patriotismo

- desejo de realização profissional

- desejo de realização de vocação (religiosa, científica, artística, de viajante, de homem de negócios, de vida militar ou política...)

- necessidade de repouso, de paz, de asilo, de redenção, de liberdade, de Outra Coisa, de Outro Lugar, de inocência, de virtude, de absolvição, de esquecimento, de exaltação, de ação, de sentir-se vivo, de realizar-se.

- Medo da morte, do pecado, do remorso, da dor, da miséria, da feiúra (ambiente), da doença, do tédio, da perda do amor. (olfrygt, em dinamarquês arcaico: medo que acabe a cerveja)

- Receio da infelicidade dos seres amados, do seu sofrimento ou morte, da sua desonra moral, de seu aviltamento.

Os 25 enredos mais bem pagos, por Charles Simmos (autor e editor americano)

Uma criança amadurece

Um vício-inexplicável é revelado uma virtude

Uma situação misteriosa é explicada

Uma identidade complexa é revelada

O herói é libertado de sua falsa crença

Uma recompensa material é procurada e uma espiritual é encontrada

A agressão se volta contra o agressor

O herói incompetente prova seu valor

Uma tarefa impossível é realizada

Uma tarefa possível é realizada

Amigos ou amantes e se reconciliam

A unidade ameaçadas da família é restabelecida

O mal de um homem mau prevalece

O herói bom-mau chega ao equilíbrio

O herói é tentado mas sua virtude vence

O herói encontra a paz

O herói escolhe a alternativa mais sábia ou a melhor pessoa

Garoto ganha a garota, garota ganha o garoto, um ganha o outro.

Garoto perde a garota, garota perde o garoto, um perde o outro.

O herói repara sua única falta (falha trágica)

A felicidade é abandonado em troca do dever

A dúvida sobre o herói é dissipada

Uma faceta da natureza humana é revelada

A fé ou esperança vital do herói diminui e é revivida

A validade da magia é estabelecida



Os Dez Mandamentos da Good Machine

1. O orçamento é a estética - adapte seu roteiro às suas possibilidades. Lembre-se: se a escala de sua história ultrapassa os seus recursos, o público vai achar que algo está faltando e você vai perdê-lo.

2. Realismo custa dinheiro - por isso determine bem suas opções estéticas e atenha-se a elas.

3. Se você não pode realizar um filme "no-budget" sem ter um orçamento e ater-se a ele. Saiba o custo de tudo, saiba quanto você já gastou, saiba quanto você ainda vai precisar gastar.

4. Faça tudo o mais legalmente possível - consiga licenças, escreva memorandos, trate dos direitos autorais, liberações, permissões, etc. Não deixe que nada venha a atrapalhar a obtenção da licença final para a exibição do seu trabalho.

5. Não faça acordos para conseguir dinheiro que façam com que você se sinta desconfortável ou que possam comprometer muito sua liberdade - seja preciso, claro e inequívoco quanto a sua linha criativa fundamental.

6. Não seja um idiota com sua equipe (há duas formas de ser idiota: ser rude ou ser desorganizado e desperdiçar o tempo deles).

7. Se você deixar, as pessoas desaparecem. Alimente bem o elenco e a equipe - uma boa alimentação é meio caminho andado para compensar o mau pagamento. E dez horas de descanso entre os dias de trabalho não é um luxo, mas uma necessidade.

8. Todos os erros são cometidos na pré-produção. Improvisação e sorte são recursos excelentes durante as filmagens - mas eles não substituem a total falta de preparo. Comunique suas idéias à equipe. Não a obrigue a adivinhar o que você está pensando.

9. Não perca tempo terminando esta lista. Comece a rodar!

ETAPAS DA CONSTRUÇÃO DE UM ROTEIRO:

Trecho de primeira anotação para o roteiro de “Houve uma vez dois verões”

(sexta-feira, 3 de março de 2000, 16:53:00)

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Chico, em Porto Alegre, recebe um telefonema. É Roza, quer encontrar com ele.

Juca e Chico ensaiam o encontro. Escolhem a roupa dele.

Encontro de Chico e Roza. Ela informa que está grávida.

Decidem que um aborto é o melhor a fazer. Ela não tem grana e não pode pedir dinheiro para o pai. O aborto custa mil e quinhentos reais.

Ele raspa a poupança, vende o som e o scaner, consegue mil reais. Juca empresta 500.

Chico encontra com Roza, ele entrega o dinheiro. Ela dá um beijo nele e desaparece.

Outro verão. Juca e Chico na mesma praia, jogam fliper. Chico finalmente consegue ficar entre os dez melhores escores da máquina e vai escrever seu nome na lista. E vê que o primeiro, segundo, quarto e quinto lugares da lista de recordes são de Roza. As datas dos records são anteriores ao primeiro encontro dos dois.

Chico passa o resto do verão procurando por ela, em outras praias.

Chico encontra Roza. Diz que descobriu tudo: ela é craque no fliper, estava mentindo para ele. Ela confessa, aplicou aquela com trinta garotos no verão passado, ganhou uma grana. Ela pergunta o que ele vai fazer. Ele quer transar com ela mais uma vez.

Transam, ele vai embora.

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Primeiro tratamento do roteiro:

terça-feira, 26 de dezembro de 2000, 10:54:20

CENA QUARTO DE CHICO, DIA

Chico em seu quarto, estudando e ouvindo música. Pára de ler e tira do bolso a ficha do flíper. Fica rodando a ficha na mesa.

CHICO (OFF)

Voltei para Porto Alegre e tinha prova de química orgânica, um saco. Eu podia descobrir as impressões digitais dela na ficha, se eu já não tivesse segurado e esfregado esta ficha mil vezes. Ligações covalentes, pra que eu vou usar isso na vida? Talvez ela já esteja na Austrália.

Toca o telefone. Ele atende.

CHICO

Alô?

CHICO

É.

CHICO

Claro.

CHICO

Tudo.

CHICO

Como é que tu conseguiu meu telefone?

CHICO

Sei.

CHICO

Não, estava estudando.

CHICO

Química orgânica.

CHICO

Quero, claro.

CHICO

Sei. Que horas?

CHICO

Tudo bem.

CHICO

Tá.

CHICO

Outro.

Chico desliga o telefone, fica parado alguns segundos e dá um grito.

CENA QUARTO DE CHICO, NOITE

Chico fala olhando para si mesmo no espelho enquanto experimenta várias camisetas. Juca vai alcançando camisetas e jogando as já experimentadas na gaveta.

CHICO

Ela disse alô, eu disse alô, já achando que era ela mas não podia ser ela. Ela disse é o Chico? e eu disse é, aí já achando que era ela mesmo. Aí ela disse é a Roza. Com z, lembra? Eu disse, claro. Ela disse, tudo bom?, eu disse tudo. Aí ela disse que queria me ligar mas não tinha o meu número. Eu perguntei como ela conseguiu. Ela disse que encontrou uma amiga da praia que tinha, deve ser a Violeta.

JUCA

Argh.

CHICO

Eu disse sei e ela perguntou se estava interrompendo alguma coisa, eu disse não, eu estava estudando química orgânica. Aí ela perguntou se eu queria encontrar com ela, eu disse que sim, claro, é lógico. Não, eu acho que eu só disse quero, claro. Aí ela perguntou se eu sabia de um bar na Nilópolis, um que tem umas mesinhas brancas e um toldo amarelo, perto do posto.

JUCA

O Coquinho.

Camiseta azul, gola redonda.

CHICO

O Coquinho. Eu disse sei e perguntei que horas. Ela disse oito, oito e meia. Eu disse tudo bem, ela disse então a gente se vê lá. Eu disse tá. Ela disse um beijo. Eu disse outro.

JUCA

Vai com a azul. No Coquinho só tem moinhos, a azul é mais moinhos. O que tu vai dizer? Tem camisinha?

Camiseta preta, gola vê.

CHICO

A gente não vai trepar no Coquinho.

JUCA

(dá uma camisinha para Chico) Leva camisinha.

CHICO

Uma só?

JUCA

Ué? Não ia trepar e agora quer duas?

CHICO

Só se der algum problema. Tudo bem, uma chega, a gente não vai trepar.

JUCA

Tu sabe o que vai dizer para ela?

CHICO

Sei.

CENA MESA, NOITE

Chico, de camiseta vermelha, toma um gole de guaraná.

CHICO

Eu pensei muito naquela noite. Claro que eu nunca vou esquecer, tu sabe disso. Talvez tenha sido mais importante para mim do que para ti, deve ter sido. Mas eu queria que fosse importante para ti também. Queria não, eu quero. Eu não quero que aquela seja nossa única noite. Quero que seja a primeira.

Juca olha para Chico.

JUCA

Tá legal. Gostei do "queria não, quero". Parece que tu errou e corrigiu na hora. Mas a camiseta azul é melhor.

CENA COQUINHO, NOITE

Chico, de camisa azul, está sentado numa mesa de rua no Coquinho. Bebe um guaraná, de canudo. O guaraná tem aquele gelos furados, Chico espeta um gelo e larga o canudo sobre o copo, com o gelo pendurado como um anel.

Chico fica olhando o gelo derreter pendurado no canudo. O gelo pinga magicamente no exato ritmo da música "Bird on the wire".

O anel de gelo está quase se partindo. Chico passa os olhos pelo bar, nada de Roza. O anel de gelo se movimenta, vai cair. O gelo cai no copo.

ROZA

Oi.

CHICO

Oi.

Chico se levanta. Beijam-se de maneira meio atrapalhada. Sentam. Chico sorri, Roza também.

CHICO

Bom te ver.

ROZA

Também queria te ver.

CHICO

Eu pensei muito naquela noite.

ROZA

Eu não pensei nada, acho que estava louca. A gente nem usou camisinha.

CHICO

Não, eu quero dizer que eu pensei muito sobre aquela noite. Claro que eu nunca vou esquecer, tu sabe disso.

ROZA

Nem eu vou esquecer. Eu estou grávida.

Chico fica olhando para Roza. Ela sorri.

CENA PRAÇA, NOITE

Roza mostra a Chico uma tabela de cores de um teste de gravidez.

ROZA

Olha aqui. Se ficar vermelho, ou cor de rosa, é porque tu não tá. Se der verde, ou azul, é porque tu tá. Quanto mais azul, mais é certo que tu tá grávida.

CHICO

E aí?

Ela mostra, numa agenda, uma tirinha de papel, metade branca, metade verde, bem clarinho. Chico examina a tirinha na luz.

CHICO

É meio verde mesmo.

ROZA

Essa foi a primeira que eu fiz, semana passada. Esta eu fiz ontem.

Ela mostra uma tirinha metade branca e metade muito azul.

CHICO

E tu fez mais de uma vez?

Ela mostra a ele um folha da agenda com várias tirinhas, todas muito azuis.

Uma PAI e uma MÃE com seu TRÊS FILHOS estão comprando pipocas. Chico olha para as crianças enquanto fala com Roza.

ROZA

Eu vou tirar.

CHICO

Como?

ROZA

Vou abortar.

CHICO

Mas como?

ROZA

Numa clínica. Uma amiga minha conhece.

CHICO

Não é perigoso?

ROZA

Sempre é, um pouco. Ela disse que é um lugar chique, sala de espera, cheio de gente, na zona sul.

CHICO

Como é que faz?

ROZA

É uma máquina, um tubo, tipo um aspirador. O cara enfia o tubo, liga a máquina e pronto.

CHICO

Pode ser perigoso.

ROZA

Se eu fizer logo, não é tanto, quanto mais cedo, menos perigoso.

CHICO

Eu posso te ajudar?

ROZA

Não sei. Tu tem mil reais?

CHICO

Mil reais? Custa mil reais?

ROZA

Custa dois mil reais. Eu acho que consigo mil, já tenho seiscentos.

CHICO

Mil reais?

ROZA

Mil reais. Eu posso conseguir mais um pouco se vender o celular.

CHICO

Tu tem celular?

ROZA

Tenho, mas é de cartão. (anota o número, dá o papel a ele) Me liga. Se eu conseguir mais que mil, te aviso. Se tu me ligar e outra pessoa atender é porque eu vendi o celular.

CHICO

Tá.

CHICO

Eu acho que ia ser legal ter um filho contigo.

ROZA

É. Quem sabe, mais tarde.

CHICO

É.

CENA BRIC, DIA

Chico entrega um aplificador para um VENDEDOR, num bric. O cara testa o amplificador.

CHICO (OFF)

O filho que eu não vou ter com Roza nunca vai mentir para a mãe que o amplificador estragou para poder vender por seiscentos um amplificador que vale mil e juntar com o dinheiro da poupança para pagar um aborto.

CENA COQUINHO, DIA

Chico e Roza numa mesa do bar. Ela chora, ele conta o dinheiro. Termina de contar, põe o dinheiro na agenda dela.

CHICO

Falta duzentos. Vou pedir para o Juca, talvez ele tenha.

ROZA

Melhor não dizer para ninguém. Eu consigo.

CHICO

Quer que eu vá contigo?

ROZA

Não precisa. A minha amiga vai, ela tem carro.

CHICO

Quando tu vai?

ROZA

Logo que der. Eu te ligo.

CHICO

Liga?

ROZA

Ligo.

Ela dá um beijo nele, enxuga as lágrimas e sai.

CENA QUARTO DE CHICO, DIA

Chico em sua casa, sentado, olha o telefone. Ele pega o telefone e confere o botão que regula a altura do toque, põe no volume máximo. Larga o telefone.

Levanta-se, caminha pelo quarto, pega um game-boy, liga. Fica jogando game-boy alguns segundos. Desliga o jogo e vai até o telefone. Confere o fio do telefone, verifica se está bem conectado na parede. Pega o fone e escuta rapidamente. Desliga e fica olhando para o telefone.

Pega o telefone e disca.

CHICO

Roza?

CHICO

Marcos? Tu tá com a Roza?

CHICO

Ah, é? Quando?

CHICO

E... tu conhece a Roza de onde?

CHICO

Ah, é?

CHICO

Não, ela me falou que ia vender o celular, mas não pensei que fosse tão rápido. Ela não te deixou nenhum número?

CHICO

Bom, se ela ligar tu podia dar um recado?

CHICO

Tudo bem, eu sei que ela não vai ligar, mas SE ela ligar, tu pode dizer que o Chico telefonou?

CHICO

Tá bom, obrigado.

CENA QUARTO DE CHICO, NOITE

Juca está jogando tetris. Chico está na cama.

JUCA

Quem disse que o filho era teu?

CHICO

Não enche o saco.

JUCA

Tô falando sério. Quem disse que era teu?

Juca tem um espaço certinho para uma pedra comprida de quatro, vermelha. Mas ela não vem.

CHICO

Eu sei que era meu. Ela sabia.

JUCA

Sabia que precisava de mil reais, isso é que ela sabia. Pode ter pedido pro outro cara, ele não deu, ela te procurou.

CHICO

Era meu. Eu sei que era.

O espaço da pedra de quatro continua vago, Juca empilha as outras pedras nos cantos.

JUCA

Ela vendeu o celular.

CHICO

Ela disse que ia vender.

Surge uma pedra vermelha. Cai e se encaixa na buraco.

JUCA

Ela não te ligou, não te deu endereço. Tu não acha estranho?

Quatro fileiras desaparecem.

CENA COQUINHO, NOITE

Chico no bar, sozinho. Olha entre as mesas.

CHICO (OFF)

Achei estranho. Passou uma semana e eu achei muito estranho. Passou um mês e eu tive certeza que ela estava na Austrália, rindo da cara do idiota que pagou o aborto para ela.

CENA PLAYWORLD, NOITE

Chico joga pimbal.

CHICO (OFF)

Passou um ano e eu estava no mesmo flíper, jogando na mesma máquina, na mesma praia, a maior e pior do mundo. Felizmente era dezembro, o meu pai juntou uma grana este ano. Prometeu que no ano que vem nós vamos tirar férias em janeiro. Meu recorde no pimbal era quarenta e oito mil e eu já estava com cinqüenta e seis. Sessenta! Sessenta e dois mil. Sessenta e quatro!

CHICO

Setenta mil!

Juca se aproxima.

JUCA

Setenta mil?

CHICO

Setenta e dois!

A bola passa. Game over.

CHICO

Merda!

Acende-se o placar dos recordes.

JUCA

Recorde da máquina!

O cursor do placar dos recordes está piscando no décimo lugar. O primeiro, segundo, terceiro, quinto e sétimo lugares estão ocupados por Roza, com z. O placar também indica as datas dos recordes.

Chico e Juca ficam olhando para o placar.

CENA RODOVIÁRIA, DIA

Chico, de mochila, na fila para comprar passagens da rodoviária.

CHICO

Ela sabia jogar, sabia jogar muito bem. Ela fingiu que não sabia para eu ajudar.

JUCA

Talvez o filho fosse teu.

CHICO

Que filho? Ela nem tava grávida.

JUCA

Tu disse que viu o exame.

CHICO

Vi umas tirinhas de papel, podia ser qualquer coisa. Ela me fez vender meu pioneer. Eu vou matar aquela guria.

JUCA

Esquece.

CHICO

Esquece um cacete.

Chico embarca no ônibus interpraias.

JUCA

Ela deve estar na Austrália.

CHICO

Eu encontro.

CENA ÔNIBUS, DIA

O ônibus passa pela estrada entre dunas e lagoas. Chico, com a cara grudada o vidro, olha os fios que correm ao lado da estrada. Parece que é o fio que se move, descendo e subindo, uma linha preta embarrigando sobre um céu azul e nuvens ralas.

Música.

“Cabelos cor de jambo”, de Frank Jorge.

CENA BAR, NOITE

Chico caminha por uma calçada cheia de gente, mesas nas calçadas. Uma guria está chorando, outra guria consola. Um gordo ri alto. Um Garçom traz dois chopes.

CENA FLÍPER, NOITE

Chico caminha entre as máquinas de um flíper.

CENA ESTRADA, DIA

Chico pede carona. Uma kombi, dirigida por uma freira, pára. Ele embarca na kombi.

CENA KOMBI, DIA

Chico, com uma cara de enjôo, tenta sorrir para suas companheiras de viagem, 6 freiras. Chico passa mal e vomita.

CENA ESTRADA, DIA

Chico desce da kombi no meio da estrada. As freiras partem, xingando. Chico volta a pedir carona.

CENA BAR DE CALÇADA, NOITE

Chico senta numa mesa de bar. Come um sanduíche. Ouve o barulho de um pimbal, alguém jogando muito bem. Chico interrompe a mordida no meio. Entra no flíper. (últimos acordes da música).

CENA FLÍPER, NOITE

Chico se aproxima por trás da máquina onde há alguém marcando muitos pontos. Chico, de longe, espia quem está jogando.

É uma criança. Chico morde o sanduíche. Chico pára de mastigar, parece ter reconhecido a criança. Aproxima-se.

CHICO

Oi.

CRIANÇA

Não atrapalha.

CHICO

Eu te conheço.

CRIANÇA

Sorte tua.

CHICO

A gente não se viu no ano passado?

CRIANÇA

Game-over! Tu me atrapalhou. Tu me fez perder uma ficha!

CHICO

Eu te compro outra.

Chico vai até o caixa. Pede uma ficha a moça do caixa. É Roza.

ROZA

Ó.

CHICO

Ó.

CENA HOTEL, NOITE

A Criança está dormindo no sofá de um pequeno apartamento de hotel. Roza tira o som de uma televisão portátil. Chico está na sala Roza vai até o quarto, pega a carteira, tira o talão de cheques. Chico pára na porta do quarto.

ROZA

Quer os juros da poupança?

CHICO

Quero. Quanto dá?

ROZA

Tu me deu oitocentos, faz um ano. Acho que dá uns mil.

CHICO

Tá bom.

Ela faz o cheque. Ele entra no quarto, pega o cheque.

CHICO

Esse cheque tem fundo?

ROZA

Vou botar o telefone atrás. Tá bom assim?

Ela entrega o cheque a ele.

CHICO

(ele confere) Outro celular? É teu mesmo?

ROZA

(mostra o celular) Quer conferir?

CHICO

Quero.

Chico senta na cama, pega o telefone do quarto e disca. O celular dela toca.

ROZA

Quer que eu atenda?

Ele desliga o telefone. Ela guarda o celular.

CHICO

O que tu ganhou com isso?

ROZA

No verão passado? Catorze mil reais. Vinte e dois caras, quinze caíram. Estou devolvendo mil. Ganhei catorze mil.

CHICO

Vinte e dois caras?

ROZA

Vinte e três, na verdade. Mas um eu nem procurei, ele trabalha de office-boy, sustenta a mãe e o irmão, só descobri depois. Deixei para lá.

Roza pega um vidro de mertiolate, abre. Roza senta numa cadeira e apía o pé sobre a cama. Começa a passar mertiolate entre os dedos do pé.

CHICO

Tu não ficou com medo de engravidar de verdade?

ROZA

Eu tomo pílula.

CHICO

E a aids? Se o cara usa camisinha, não funciona.

ROZA

É um risco. Mas eu só escolho caras de pouca experiência. Ou nenhuma, como tu.

CHICO

Dava para ver assim, de longe?

ROZA

Quase sempre dá. Mais alguma coisa?

Ela troca o pé.

CHICO

Ele é teu filho?

ROZA

Meu irmão.

CHICO

E a tua mãe?

ROZA

Não sei onde anda. Meu pai morreu.

CHICO

Não tem mais ninguém?

ROZA

Onde?

CHICO

Tua família.

ROZA

Tenho um tio. Um idiota.

Ela abaixa o pé e fecha o vidro de mertiolate.

CHICO

Isso tudo não dá muito trabalho? Porque tu não cobra para transar? É mais prático.

ROZA

E tu acha que alguém ia pagar mil reais para transar comigo?

Chico olha para ela. Pega o cheque e rasga e pedacinhos. Joga os pedacinhos do cheque sobre cama. Ela fecha e larga o vidro de mertiolate.

Chico tira os tênis e joga no chão.

Roza, abrindo a blusa, vai até a porta do quarto e se certifica que a criança está dormindo na sala. Fecha a porta do quarto.

A blusa de Roza cai no chão, junto aos tênis de Chico. A colcha da cama cai e provoca uma revoada de pedacinhos de cheque.

CENA MINIGOLFE, DIA

Manhã, quase ninguém na rua. Chico caminha por um campo de minigolfe. Entra numa das pistas. A pista, de cimento, tem como obstáculo um grande calombo. Chico chuta uma tampinha, posiciona a tampinha no centro da pista. Chico observa o trajeto que a tampinha deverá fazer para chegar no buraco, além do calombo. Chico olha para a tampinha e dá um chute, seco.

A tampinha sobe e desce o calombo e cai exatamente no buraco. Chico sorri.

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Trezentos filmes com grandes roteiros, em ordem alfabética pelo sobrenome do diretor:

1. Memórias do subdsenvolvimento Alea, Tomas Gutierrez

2. Guantanamera (Alea, com J. C. Tabió)

3. Annie Hall Allen, Woody

4. Manhattan

5. Hannah e suas irmãs

6. Crimes e pecados

7. Tiros sobre a Broadway

8. A rosa púrpura do Cairo

9. Memórias

10. Zelig

11. Fale com ela Almodóvar, Pedro

12. Mulheres à beira de um ataque de nervos

13. Tudo sobre minha mãe

14. Que fiz eu para merecer isto?

15. O jogador Altman, Robert

16. Exército inútil

17. Cerimônia de casamento

18. Short Cuts

19. Nashville

20. MASH

21. Magnolia Anderson, Paul Thomas

22. Macunaíma Andrade, Joaquim Pedro

23. Profissão: repórter Antonioni, Michelangelo

24. Blow-up

25. Segunda-feira ao sol Aranoa, Fernando Leon de

26. Muito além do jardim Ashby, Hal

27. Deu pra ti anos setenta Assis Brasil Giba / Nadotti, Nelson

28. Pixote Babenco, Hector

29. Minha mãe é uma sereia Benjamim, Richard

30. Morangos silvestres Bergman, Ingmar

31. O sétimo selo

32. Fanny e Alexander

33. Cenas de um casamento

34. O último tango em Paris Bertolucci, Bernardo

35. 1900

36. A última sessão de cinema Bogdanovich, Peter

37. Impróprio para menores

38. Esperança e glória Boorman, John

39. O jovem Frankenstein Brooks, Mel

40. Banzé no oeste

41. Este obscuro objeto do desejo Buñuel, Luis

42. O discreto charme da burguesia

43. Viridiana

44. O anjo extreminador

45. O filho da noiva Campanela, Juan José

46. A felicidade não se compra Capra, Frank

47. O Boulervard do Crime Carné, Marcel

48. A corrida do ouro Chaplin, Charles

49. Luzes da cidade

50. Tempos modernos

51. O garoto

52. Fargo Coen, Joel e Ethan

53. Gosto de Sangue

54. A roda da fortuna

55. O poderoso chefão I Coppola, Francis

56. O poderoso chefão II

57. Apocalypse now

58. A conversação

59. Peggy Sue

60. Drácula

61. Z Costa-Gavras

62. Music box

63. Cabra marcado para morrer Coutinho, Eduardo

64. My fair lady Cukor, George

65. Casablanca Curtiz, Michael

66. As horas Daldry, Stephen

67. Os dez mandamentos De Mille, Cecil

68. Carrie, a estranha De Palma, Brian

69. Vestida para matar

70. Ladrões de bicicletas De Sica, Vittorio

71. O silêncio dos inocentes Demme, Jonathan

72. Vivendo no abandono Dicillo, Tom

73. Banca de Neve e os sete anões Disney, Walt

74. Pinocchio

75. Dançando na chuva Donen, Stanley

76. Charada

77. A Vida dos Outros von Donnersmarck, Florian Henckel

78. O pagador de promessas Duarte, Anselmo

79. Os imperdoáveis Eastwood, Clint

80. O encouraçado Potemkin Eisenstein, Sergei

81. Ivan, o terrível

82. Alexandre Nevski

83. O casamento de Maria Braum Fassbinder, Rainer Werner

84. O desespero de Verônica Voss

85. A estrada Fellini, Federico

86. A doce vida

87. Amarcord

88. Os boas-vidas

89. Noites de Cabíria

90. Entrevista

91. Oito e meio

92. Abismo de um sonho (Sheik Bianco)

93. E o vento levou… Fleming, Victor

94. O mágico de Oz

95. Rastros de ódio Ford, John

96. No tempo das diligências

97. Um estranho no ninho Forman, Milos

98. Amadeus

99. Procura insaciável

100. Os amores de uma loira

101. Cabaret Fosse, Bob

102. All that jazz

103. Lenny

104. Sete dias de maio Frankenheimer, John

105. Herói por acidente Frears, Stephen

106. A grande família

107. Operação França Friedkin, William

108. O exorcista

109. As aventuras do Barão de Munchausen Gilliam, Terry

110. Monty Phyton em busca do cálice sagrado

111. Acossado Godard, Jean-Luc

112. Viver a vida

113. Uma mulher é uma mulher

114. Pillow Book Greenway, Peter

115. O nascimento de uma nação Griffith, D.W.

116. Intolerância

117. L.A., cidade proibida Hanson, Curtis

118. Aguirre, a cólera dos deuses Herzog, Werner

119. Fitzcarraldo

120. O enigma de Kaspar Hauser

121. Janela indiscreta Hitchcock, Alfred

122. Um corpo que cai

123. Psicose

124. Intriga internacional

125. Os pássaros

126. Pacto sinistro

127. O homem que sabia demais

128. Butch Cassidy e Sundance Kid Hill, George Roy

129. O golpe de mestre

130. O mundo segundo Garp

131. Eles não usam black-tie Hirshman, Leon

132. Sem destino Hopper, Denis

133. O homem que queria ser rei Huston, John

134. A Noite do Iguana

135. O Falcão Maltês

136. Uma aventura na África

137. O Tesouro de Sierra Madre

138. Cidade das ilusões

139. Mais estranho que o paraíso Jarmush, Jim

140. Down by law

141. Jesus Cristo Superstar Jewinson, Norman

142. A vida de Brian Jones, Terry

143. O Reencontro Kasdan, Lawrence

144. Corpos ardentes

145. Um bonde chamado desejo Kazan, Elia

146. Sindicato de ladrões

147. Zorba, o grego Kazantzakis, Nikos

148. Onde fica a casa do meu amigo? Kiarostami, Abbas

149. Close up

150. Através da oliveiras

151. A vida privada de Henrique VIII Korda, Alexander

152. Dr. Fantástico Kubrick, Stanley

153. 2001, uma odisséia no espaço

154. A Laranja Mecânica

155. O Iluminado

156. Os Sete Samurais Kurosawa, Akira

157. Ran

158. Dodeskaden

159. Rashomon

160. Viver

161. Trono manchado de sangue

162. Derzu Uzala

163. M, o vampiro de Dusseldorf Lang, Fritz

164. Toy Story Lasseter, John

165. Lawrence da Arabia Lean, David

166. A Ponte do rio Kwai

167. Faça a coisa certa Lee, Spike

168. O Bom, o mau e o feio Leone, Sergio

169. Era uma vez no oeste

170. Era uma vez na América

171. Os reis do iê-iê-iê Lester, Richard

172. Vida em família Loach, Ken

173. Ser ou não ser Lubitsch, Ernest

174. O Diabo disse não

175. A loja da esquina

176. Ninotchka

177. O céu pode esperar

178. American graffiti Lucas, George

179. Guerra nas estrelas

180. Rede de intrigas Lumet, Sidney

181. O veredito

182. 12 homens e uma sentença

183. Longa jornada noite adentro

184. Uma história de verdade Lynch, David

185. A embriaguez do sucesso Mackendrick, Alexander

186. Atlantic City Malle, Louis

187. O homem do Sputnik Manga, Carlos

188. A malvada Mankiewicz, Joseph

189. A condessa descalça

190. Salve o cinema Makhmalbaf, Mohsen

191. Um instante de inocência

192. Diabo a quatro Marx (Irmãos, autores, mas não diretores)

193. Um dia nas corridas

194. Uma noite em Casablanca

195. Uma noite na ópera

196. Próxima parada: bairro boêmio Mazursky, Paul

197. Sem fôlego McBride, Jim

198. O incrível exército de Brancaleone Moniccelli, Mario

199. Os companheiros

200. Gaiola das loucas

201. Meu caro diário Moretti, Nani

202. Nada de novo no front Milestone, Lewis

203. Nasce uma estrela Minelli, Vincent

204. Assim estava escrito

205. Nosferatu Murnau, Friedrich

206. A primeira noite de um homem Nichols, Mike

207. Quem tem medo de Virginia Wolf?

208. Todas as mulheres do mundo Oliveira, Domingos

209. O império dos sentidos Oshima, Nagisa

210. A pequena loja dos horrores Oz, Frank

211. Os safados

212. Todos os homens do presidente Pakula, Alan J.

213. Bonnie & Clyde Penn, Arthur

214. Meu ódio será tua herança Peckinpah, Sam

215. Chinatown Polanski, Roman

216. Tootsie Pollack, Sidney

217. A Batalha de Argel Pontecorvo, Gillo

218. Quando Paris alucina Quine, Richard

219. Feitiço do tempo Ramis, Harold

220. Juventude transviada Ray, Nicholas

221. Cliente morto não paga Reiner, Carl

222. Questão de honra Reiner, Rob

223. A regra do jogo Renoir, Jean

224. Meu tio na América Resnais, Alain

225. Hiroshima, meu amor

226. Deus e o diabo na terra do sol Rocha, Glauber

227. Terra em transe

228. A garota do adeus Ross, Herbert

229. Sonhos de um sedutor

230. Adeus, Mr. Chips

231. A grande ilusão Rossen, Robert

232. Nelson Freire Salles, João Moreira

233. Santiago

234. Amuleto de Ogum Santos, Nelson P.

235. Rio quarenta graus

236. Vidas secas

237. O grande momento Santos, Roberto

238. Cria cuervos Saura, Carlos

239. Patton Schaffner, Franklin

240. Perdidos na noite Schlesinger, John

241. O tambor Schlondorff, Wolker

242. Nós que nos amávamos tanto Scola, Ettore

243. Um dia muito especial

244. Feios, sujos e malvados

245. Rocco Papaleo (Chigago story)

246. A viagem do Capitão Tornado

247. O baile

248. A Família

249. O terraço

250. Taxi driver Scorsese, Martin

251. O touro indomável

252. Bons companheiros

253. O rei da comédia

254. Alice não mora mais aqui

255. O último concerto de rock

256. Blade runner Scott, Ridley

257. Dirty Harry Siegel, Dom

258. E.T., o extra-terrestre Spielberg, Steven

259. Tubarão

260. Os caçadores da arca perdida

261. Encurralado

262. Os brutos também amam (Shane) Stevens, George

263. Sete homens e um destino Sturges, John

264. Mephisto Szabó, István

265. Jonas que no ano 2000 fará 25 anos Tanner, Alain

266. Pulp fiction Tarantino, Quentin

267. Cães de aluguel

268. Meu tio Tati, Jacques

269. As férias do Sr. Hulot

270. Andrei Rublev Tarkovski, Andrei

271. A noite de São Lourenço Taviani, Paolo e Vittorio

272. Noite americana Truffaut, François

273. Jules e Jim

274. O homem que amava as mulheres

275. Belíssima Visconti, Luchino

276. Rocco e seus irmãos

277. O leopardo

278. Mamãe é de morte Waters, John

279. Cidadão Kane Welles, Orson

280. O mestre dos mares Weir, Peter

281. Pasqualino Setebelezas Wertmuller, Lina

282. O crepúsculo dos deuses Wilder, Billy

283. Se meu apartamento falasse

284. Cinco covas do Egito

285. Quanto mais quente melhor

286. O pecado mora ao lado

287. Testemunha de acusação

288. Irma la Douce

289. Pacto de Sangue

290. A montanha dos sete abutres

291. A primeira página

292. Sabrina

293. A noviça rebelde Wise, Robert

294. West side story

295. Como roubar um milhão de dólares

296. Ben-Hur Wyler, William

297. Lanternas vermelhas Yimou, Zhang

298. Uma cilada para Roger Rabbit Zemeckis, Robert

299. De volta ao futuro

300. Crumb Zwigoff, Terry

Onze idéias (e meia) para ter idéias.

Millôr Fernandes: “Inspiração é coisa de amador.”

Quem pretende ser pago para contar histórias não pode ficar esperando visitas da Musa, ela tem mais o que fazer.

I . Contra o originalidade.

Uma vez um jovem repórter perguntou para o Einstein se ele tinha um caderno onde anotava suas idéias. Resposta: "Idéias, meu filho, eu tenho bem poucas" (1). Idéias são raras, meia dúzia de boas dão e sobram para uma vida ou duas. Einstein era um gênio que sabia que o mais valioso poder da mente é o de relacionar idéias e não propriamente de criá-las. O número de idéias já existentes é mais do que suficiente para ocupar o cérebro de qualquer um (2). Enquanto idéias não surgem, o melhor a fazer é tentar conhecer e misturar idéias já nascidas, de preferência uma mistura de forma e proporção incomum ou, melhor ainda, inédita, a ponto desta mistura poder até ser chamada de nova, embora provavelmente os gregos já tenham tido uma idéia igualzinha, e antes deles os chineses e os hindus.

II. Bons lugares para procurar idéias.

Para conhecer e misturar idéias, primeiro é preciso encontrá-las. A vida real, os livros, a música, as artes plásticas e o cinema são, nesta ordem, os cinco melhores lugares para encontrar idéias. Idéias nascem no terreno pantanoso que separa certezas e dúvidas. Certezas e dúvidas são bem mais freqüentes e não menos valiosas que as idéias, a ciência e a arte vivem de sua luta constante. Na ciência as idéias vêm da natureza, obedecem leis, valem até que surja uma idéia melhor e então viram refugo. Na arte, que é tudo que a natureza não é, criar e transformar são sinônimos. A arte não é substitutiva, não se desinventa nem se perde. Um bom laboratório pode identificar traços de Noel em Chico, Glauber em Caetano, Cèzanne em Picasso, Lubisch em Billy Wilder, Montaigne em Borges, Shakespeare e Cervantes em todo mundo. Um laboratório melhor pode achar traços de Giotto em Caetano, Picasso em Billy Wilder, Borges em Chico. Há algo de todos em todos, desde sempre e, espero, para sempre.

III. Não esqueça o leitor.

Versos de uns se misturam ao olhar de outros, memória, observação e invenção se confundem e a esta mistura chamamos de idéia. Surge, ou não, um incompreensível (se não for remunerado ou retribuído de alguma forma) desejo de comunicar o resultado da mistura, de representar a realidade percebida em forma de linguagem, que é sempre pessoal, com sotaque, cacoete e vícios. Se tal representação tiver pelo menos um leitor (leitor, espectador, ouvinte ) pode até ser arte ou ter algum valor de mercado. “Arte”, como sabia Stravinsky, “requer comunhão”.

IV. Anote em algum lugar, em letra legível, o que diz a Musa.

Numa maravilhosa entrevista sobre o conto (3), Jorge Luis Borges afirma não acreditar, ao contrário da teoria de Edgar Allan Poe (4), "que a arte, a operação de escrever, seja uma operação intelectual". "Penso", diz Borges, "que é melhor que o escritor interfira o mínimo possível em sua obra. Isto pode parecer estranho, mas não é". Borges lembra que esta é a doutrina clássica: Homero, "ou os gregos a quem chamamos de Homero", sabiam que o poeta não inventa nada, ele é simplesmente "o amanuense de algo que ignora e que em sua mitologia particular chama de a Musa" ("Canta, Musa, a cólera de Aquiles"). Borges continua: "Os hebreus preferiram falar de Espírito, e nossa psicologia contemporânea, que não sofre de excessiva beleza, de subconsciência, inconsciente coletivo, ou algo assim".

V. Como não ter idéias.

Ter idéias, portanto depende da Musa ou Qualquer Coisa Assim (não tenho o e-mail nem telefone de contato).

Não ter idéias, ao contrário, só depende de você. Há várias maneiras de não ter idéias. Seja reverente. O que já existe é ótimo e suficiente, para que trazer ao mundo mais idéias? A chance que você tem de produzir algo realmente significativo (como Aleijadinho, Freud, Marx ou Aristóteles) é praticamente nenhuma. Há livros demais no mercado, filmes e quadros demais, há mercado demais. Você não precisa fazer mais nada. E creia. Acredite no que diz o livro, a imprensa, o cinema, os artistas, os líderes políticos, religiosos e empresariais. Acredite que um líder que é ao mesmo tempo político e empresarial pode ser também um líder religioso. Acredite que tudo pode ser diferente se você fizer tudo exatamente igual. Acredite em tudo, sem parar. Ou descreia de tudo, sem parar. Nada fará diferença. Esqueça de você e pense no outro, a vida do outro, a dor do outro, a idiotice do outro, a sua não importa. Desconhece-te a ti mesmo.

VI. Concentre-se na encomenda.

Idéias dependem da encomenda. Ter uma idéia para quê? Para o almoço? Para um presente? Para um filme, um quadro? Autores que escrevem/pintam/filmam porque querem são uma moda bem recente, quase toda a arte produzida pelo homem até o século XIX foi sob encomenda: Giotto, Cervantes, Rembrandt, Velazquez, Michelangelo, Mozart, Aleijadinho, só trabalharam sob encomenda. O melhor cinema americano (1910-1960) foi todo feito sob encomenda, ninguém pensava estar fazendo arte, apenas cumpriam prazos e orçamentos. Shakespeare escrevia por encomenda, quase sempre adaptando histórias conhecidas, com prazo de entrega e exigências diretas da trupe. Tem que ter nove personagens. Tem que ter uma cena com cachorro e outra com pirata. Tem que ter beijo e duas músicas. E é para sábado. Assim, e ainda atuando (nos papéis que tinham as falas mais complicadas mas não exigiam muita ação) e fazendo negócios (morreu rico, sócio da companhia, do teatro, dono de terras e de uma das melhores casas da cidade), ele produziu a maior obra de um ser humano. E mudou o mundo.

VII. Arte e técnica são uma coisa só.

"Não se envergonhe de ser um artesão, isto não te impedirá de ser um gênio" (Delacroix). Muitas das criações de Shakespeare surgiram a partir de detalhes técnicos. O novo teatro tem um lugar para um conjunto de músicos? Que tal um pouco de música na peça? Pouca gente percebe a importância da técnica na criação artística. É mais sedutor falar em inspiração, revolta e originalidade, do que falar em prensas, grifas ou tipos de papel. Mas uma prensa mudou a literatura, uma grifa (5) criou o cinema e um novo tipo de papel mudou a história do mundo. O códex, que hoje chamamos de livro, com páginas cortadas e costuradas, foi inventado provavelmente no século I, provavelmente pelos cristãos, membros da classe baixa e iletrada no império romano. O livro se tornou possível com a invenção de papéis mais resistentes, capazes de serem cortados em folhas e costurados. Os antigos textos do Tanach (6) judeu eram escritos em peles de animais e guardados em rolos, dentro de potes de cerâmica ou caixas de madeira. Os cristãos usaram a nova mídia, o livro, para divulgar sua religião, como hoje usam as rádios e a televisão aberta. Os livros costurados, ao contrário dos potes de cerâmica que guardavam os rolos do Tanach, determinam uma ordem linear e imutável para a leitura dos textos: primeiro Gênesis, depois Êxodo, etc. Talvez seja de montagem a principal diferença entre o Antigo Testamento cristão e os livros do Tanach judeu. No Antigo Testamento o livro dos Profetas (que anunciam a chegada do Salvador) foi para o final, imediatamente antes do Novo Testamento. A montagem cristã é assim: Ele virá, alguém chega e, portanto, deve ser Ele. Na leitura dos judeus (com rolos em potes, a montagem dos judeus é não-linear, como nos editores digitais de imagens) os Profetas vinham no início: ele virá, não chega ninguém e segue o drama. A tecnologia sempre altera a arte e a linguagem.

Atualização: as câmeras de alta resolução (Red, Alexia, e a decupagem).

VIII. Desconfie do óbvio. Faça (a si mesmo) perguntas sobre o óbvio.

O que é o cinema? Como funciona? Como a música, e ao contrário da literatura, o cinema tem uma duração. Como a música, e ao contrário da pintura, cinema tem um ritmo. Como a literatura, o cinema pode usar o poder das palavras. Como a tragédia na definição de Aristóteles, o cinema é “uma máquina coribântica e psicagógica”. Como a fotografia, o cinema reforça a tese de que é ver para crer. Mas o cinema, que pede sua força emprestada de todas as artes, não é só arte, se é que é arte. O cinema é também uma indústria, ou uma arte industrial, reprodutiva. O cinema é também um evento que pode causar, como foi percebido desde as suas primeiras exibições, "uma poderosa impressão de realidade".

IX. Idéias, ainda bem, mudam.

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Figura 1

Observe com atenção a figura 1. Na esquerda, o roteirista/cineasta/autor, com algo na cabeça, uma idéia para um filme, vamos chamar de idéia A. (Note-se que, para fazer um filme, são necessárias centenas, talvez milhares de idéias, idéias de todos os tipos e tamanhos, que vão desde “qual é o assunto do filme?” até “qual o melhor brinco, o branco ou o vermelho?” e “onde estacionar o caminhão do gerador?”) Na direita, o espectador, vendo e ouvindo o filme e formando na cabeça algo que vamos chamar de idéia B. (Note que as milhares de idéias do filme podem, na cabeça do espectador, virar milhões ou meia dúzia, ou nenhuma). Idéia: representação mental de algo concreto, abstrato ou quimérico. Observe ainda que, entre o autor com a idéia A e o espectador com a idéia B existe um filme, retangular, com uma duração x. (A leitura de Hamlet pode levar um tempo que varia de três horas a uma vida inteira. Já o filme Hamlet tem 155 minutos, para todos.) A imagem, levemente estilizada, representa o encontro do Príncipe Hamlet com o espectro do Rei Hamlet. O texto sob a imagem representa a fala do fantasma: “Se um dia você amou seu pai...” Na criação cinematográfica, idéias devem virar luz ou som, cinema não tem cheiro ou sabor (como a culinária), nem volume (como a arquitetura e a escultura).

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Figura 2

Antes de virarem luz e som, as idéias devem virar palavras, escritas no roteiro. É por isso que a regra única do bom roteirista, que deveria estar tatuada no dorso das mãos, é: “Tudo o que está escrito no roteiro deve ser visível ou audível. Exceção: nenhuma”. Parece óbvio e simples. É óbvio, mas não é nada simples. Volta e meia me pego escrevendo uma cena: “João acorda e Maria não está no quarto”. Isto não é roteiro, é literatura. Num roteiro, “não está no quarto” não significa nada. Maria não está no quarto, Muhammad Ali não está no quarto, Skip, o Canguru, não está no quarto. Quarto: João acorda, sozinho. Se o roteirista escreve que “Maria não está no quarto” segue o texto pensando que Maria já existe em algum lugar. Mas Maria, que não está no quarto, é um item de uma lista de ausências. No cinema, ou vemos e ouvimos Maria, ou não há Maria alguma.

O roteiro é a tentativa de transformar a linguagem cinematográfica em palavras. É também um instrumento de trabalho para a equipe, encarregada de transformar palavras em linguagem cinematográfica. Esta equipe age no mundo real, onde chove e faz sol, e onde tudo custa dinheiro. Esta equipe é humana, dorme, namora, come, viaja, dorme demais, se atrasa, trabalha demais, se cansa. E tudo isso custa dinheiro.

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Figura 3

A idéia A (do autor) vira roteiro, a equipe transforma o roteiro em filme, que tem imagem e som. Esta imagem e este som entram na cabeça do espectador, que forma a idéia B. A diferença entre a idéia A e a idéia B pode ser chamada de número de Wilder. (Em homenagem a Billy Wilder, roteirista e diretor. Seus filmes têm, para mim, a menor distância possível entre intenção e gesto, A menos B é igual a zero.) Algumas raras vezes o filme na cabeça do espectador é mais interessante do que era na cabeça do autor (AB). Paulo José diz que o roteiro é a tese, as condições de produção são a antítese e o filme é a síntese.

X. Cinema é trabalho de equipe.

A idéia da existência de um autor no cinema é bastante discutível. Para a imensa maioria dos espectadores, o filme é dos atores. E pense no mais autoral dos filmes, Cidadão Kane, escrito, produzido, dirigido e interpretado por Orson Welles. Mesmo assim, o filme não seria nada (ou seria totalmente diferente) sem o roteiro de Herman Mankiewics, sem a fotografia de Gregg Toland, sem a música de Bernard Herrmann. Se você quer uma arte solitária, que exponha uma única subjetividade, tente a poesia, a pintura, a literatura, até mesmo a música. Para fazer cinema você precisa de muitas idéias, de muitas pessoas.

XI. Tudo na vida tem um fim.

Menos a lingüiça, que tem dois. Um filme tem uma duração. No cinema, como na música - e ao contrário da literatura e das artes plásticas - o tempo de apreensão da informação é determinado exclusivamente pelo autor. Buñuel dizia que o filme devia respeitar a inteligência e também a bexiga do espectador e, portanto, não devia ter mais que uma hora e meia. Há alguns raros bons filmes que não contam história alguma, filmes que dialogam mais com as artes plásticas e menos com as artes dramáticas. Os filmes narrativos, que contam uma história, não deveriam durar mais do que a história. É preciso, portanto, descobrir qual é a história: quem quer o quê? Quando o personagem consegue o que quer - ou desiste de tentar, ou o que ele quer não mais existe - a história termina.

Gosto muito do curso rápido de dramaturgia que o Rei de Copas dá a Alice na cena do julgamento, quando ela pergunta como contar uma história: “Comece do começo. Vá até o fim. E então pare!”

XI.1/2. Leia mais.

Cinema cria imagens, leitura cria imaginação. Quem quer fazer cinema deveria ler muito, especialmente livros bons, alguns até sobre cinema.

É claro que nenhuma destas onze idéias é inteiramente original. Algumas foram achadas na rua, muitas dentro de casa, outras em livros, músicas, quadros, filmes. De algumas fontes eu não perdi o rastro. Aqui vão.

Notas:

(1) Imagine que maravilha poder perguntar alguma coisa para o Einstein. Se tivesse a chance, o que você perguntaria?

(2) "O que os românticos chamam de genialidade ou talento ou ainda inspiração não é nada mais do que encontrar a estrada certa seguindo o faro de alguém, só que pegando atalhos." (Italo Calvino). "É melhor partir de um clichê do quer terminar nele." (Alfred Hitchcock)"Tudo o que não é tradição é plágio." (Eugene d'Ors) "A originalidade é a volta à origem." (Antonio Gaudi) "O clássico que escreve sua tragédia observando certo número de regras que conhece é mais livre que o poeta que escreve o que lhe passa pela cabeça e é escravo de outras regras que ignora." (Raymond Queneau)

(3) Entrevista de Jorge Luis Borges ao jornalista peruano Américo Cristófalo, publicada no Brasil pela revista Porto e Vírgula, com tradução de Charles Kiefer.

(4) Poe dizia ter escrito "O Corvo" seguindo regras rígidas de construção, como quem faz uma máquina de produzir melancolia ("o mais legítimo entre os tons poéticos"). O tema escolhido deveria ser, portanto, a morte de uma mulher bonita, "sem dúvida o argumento mais poético do mundo". Gosto da idéia (achei lendo Vonnegut, que deve ter achado lendo Aristóteles) de que um texto é uma máquina, mas concordo com Borges (nisso e em tudo mais) quando diz que a explicação de Poe sobre a feitura de "O Corvo" é uma brincadeira, tão divertida quanto o método investigativo de Auguste Dupin, o primeiro dos detetives, criação de Poe nos "Crimes da Rua Morgue".

(5) A grifa é uma peça das câmeras e dos projetores de cinema, uma espécie de garfo que se encaixa nas perfurações do filme e o faz avançar. Antes da grifa os irmãos Lumière só conseguiam fazer filmes borrados. O filme avançava de maneira contínua, mesmo quando o obturador estava aberto, e por isso a imagem não ficava nítida. Louis Lumière lembrou que o mesmo problema acontecia nas máquinas de costura, o tecido rasgaria se avançasse enquanto a agulha o perfura. Na costura o problema foi resolvido com uma grifa, que faz o tecido se mover e parar em frações de segundo. Era isso que eles precisavam, uma grifa. Lumière disse que a idéia de usar a grifa nas câmeras e projetores lhe surgiu numa noite de insônia, em 1894: "Eu estava meio doente e tive que ficar de cama. Uma noite em que não conseguia dormir, a solução se apresentou claramente a meu espírito".

(6) Tanach é um acróstico de Toráh (Pentateuco), Neviim (Profetas), Ketuvim (Escritos).

(7) Roget achava que o fenômeno era puramente orgânico, que a imagem de um objeto permanecia na retina por um tempo que variava de 1/20 à 1/5 de segundo. Se fosse assim, o cinema seria impossível, as imagens iriam se embaralhar no cérebro. Mas em 1912 Max Wertheimer e Hugo Munsterberg descobriram que se trata de um fenômeno também psicológico, uma espécie de ponte criada pelo cérebro entre uma imagem e outra. Eles deram a isto o nome de fenômeno Phi. A persistência retiniana, percebida por Roget, faz com que o tempo entre as imagens não seja percebido, mas quem cria a ilusão de movimento é o tal fenômeno Phi. Sem ele, não haveria cinema.

(8) Verdade? Mentira! A fotografia reproduz parcialmente um ponto de vista num local e num momento específico. Um filme sobre uma vida não é uma vida, assim como a fotografia de uma cadeira não é uma cadeira e a pintura de um cachimbo não é um cachimbo. Mas um quadro que representa uma cadeira sempre contém uma dúvida: o artista pintou uma cadeira que via ou uma cadeira que imaginava? O quadro é a imitação de uma idéia ou de uma cadeira real? Por mais realista que seja a pintura, a intermediação da subjetividade do artista está sempre presente. Isto não acontece no cinema, ao contrário. Na fotografia, e ainda mais no cinema, a imagem de uma cadeira sempre leva a crer a existência de uma cadeira real e possível de ser fotografada. A fotografia (e mais ainda o cinema) nos força a uma ilusão: eu estou vendo uma cadeira, logo existe uma cadeira. A mimesis é camuflada pelo caráter mecânico e aparentemente não subjetivo da linguagem fotográfica. Todos nós sabemos que esta não-subjetividade é falsa. E na era das imagens digitais é cada vez mais falsa.

# PARTE 11: BIBLIOGRAFIA

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(ativas em agosto de 2011)

CASA DE CINEMA DE PORTO ALEGRE



Site da produtora. Conexões para vários sites de cinema. Roteiro integral, em diferentes versões, de vários longas e curtas.

No site da CCPA, na página de cada filme pode ser encontrado o seu roteiro, alguns em várias versões. Por exemplo, aqui a página de “Houve uma vez dois verões”, em duas versões:



Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, onde devem ser feitos os registros de roteiros:



Parte das aulas de Giba Assis Brasil na Unisinos estão disponíveis na internet:

As oito regras de Kurt Vonnegut para uma história curta:



Screenwriting, na Wikipedia:



Roteiro de Cinema, editado por Fernando Marés de Souza desde junho de 2002, ótimo portal com muitos links e fontes de pesquisa:



Blog de João Nunes, roteirista português:



WRITERS GUILD OF AMERICA

Muitos textos, links e ferramentas (páginas de pesquisa) para roteiristas. Em inglês.



SCRIPT-O-RAMA



Site bastante completo com centenas de roteiros disponíveis para download. Em inglês.

INFLOW'S



Dezenas de rorteiros para dowload, Monthy Phiton, Tarantino, Kubrick, irmãos Cohen (inclusive Fargo). Em inglês.

- Direitos

. Não mande o seu roteiro PARA NINGUÉM sem antes registrá-lo.

Como e onde registrar: cópia datilografada, com as páginas numeradas e rubricadas, uma a uma. Fundação Biblioteca Nacional.

Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca Nacional, onde devem ser feitos os registros de roteiros:



- Últimas Palavras

. O que não é visível ou audível não é roteiro.

. Questione suas escolhas. Pergunte sempre por que fazer qualquer coisa. Pergunte sempre por que não fazer qualquer coisa. Experimente outras possibilidades.

“Quando alguém nos contrata para escrever um roteiro está nos fazendo um elogio de proporções inimagináveis. Estão nos pagando para colocar marcas pretas numa folha de papel. Estão nos dizendo, “Aqui tens um monte de dinheiro… agora nos conte uma história”. Se conseguirem encontrar um trabalho mais extraordinário do que este, por favor digam-​​me.” J. Michael Strackzynski.

. Pense sempre que seu filme vai ter um público. Igor Stravinsky: "...a arte requer comunhão, e o artista tem necessidade imperativa de levar outros a participarem da alegria que ele experimenta".

. Não subestime a inteligência do público.

. Não superestime a inteligência do público.

. Lembre-se que um set de filmagem é normalmente um péssimo lugar para ser "criativo". Muito barulho, muita gente, pouco tempo. Em casa, escrevendo o roteiro, você tem tempo e condições para, no roteiro, fazer e refazer uma cena. Para isso, você só precisa de papel, lápis e borracha. Não custa nada. Fazer e refazer uma cena no set de filmagem ou numa ilha de edição custa muito dinheiro.

. Com as câmeras digitais, os editores digitais e a internet, não há desculpa aceitável para não fazer um filme.

. A convicção audaz: se aquilo em você acredita firmemente contradiz todas as regras, esqueça as regras.

. Oscar Wilde: "Um pouco de sinceridade é uma coisa perigosa, e muita, é absolutamente fatal."

“A little sincerity is a dangerous thing, and a great deal of it is absolutely fatal.”

Oscar Wilde, The Critic as Artist, part 2, 1891

. Kurt Vonnegut: "Se querem realmente magoar seus pais e não tem coragem de se tornar gays, o mínimo que podem fazer é entrar para as artes. Não estou brincando. As artes não são uma maneira de ganhar a vida, são uma maneira de tornar a vida mais suportável. Cantem no chuveiro. Dancem ao som do rádio. Contem histórias. Escrevam um poema a um amigo, até mesmo um poema horrível. Façam isso da melhor maneira que puderem. Receberão uma enorme recompensa. Terão criado algo."

. “Tentaste sempre. Sempre falhaste. Não te aborreça. Tenta de novo. Falha de novo. Falha melhor.” Samuel Beckett.

Escrito para a equipe de “Decamerão” em 18 de outubro de 2008.

Ao trabalho

Falar em prosa é coisa corriqueira

Mato que acha até quem não procura

Poesia é flor que nasce noutra beira

E onde floresce põe, na precisão, loucura.

Caros atores, amigos, cara equipe

Lá vamos nós então, mais um trabalho

Espero que nenhum de nós se gripe

Espero poucos cortes, nenhum talho

O sentido, como sempre, é a mistureba

Bocaccio e o Bardo, versos raros, grosserias

Um naco de chanchada, da ópera uma reba

Piadas, trocadilhos, patuscadas, ironias

Espero mourejar tal qual um mouro

Espero não achar ninguém xarope

Espero gargalhadas, algum choro

Espero, sobretudo, um bom ibope

Teremos algum sexo, é verdade

Mas só de faz de conta, respeitoso

O filme é pra agradar qualquer idade

Ou então o que dirá o Pedro Cardoso?

Espero, como sempre, o inesperado

A cor do fim da tarde, visitas de animais

O eco de uma frase, um som dobrado

Um corvo na janela e nada mais.

Que todos se divirtam e cumpram cronogramas

Decorem bem as falas, com atenção e zelo

Cuidem dos figurinos, vão cedo pras suas camas

E, por favor, não me falem de cabelo!

Não cheguem atrasados nas filmagens

Não deixem bagas fora dos cinzeiros

Não digam aos locais muitas bobagens

Mantenham-se casados ou solteiros

Da poesia o cinema é bom marido

A chama da palavra numa tela

A luz que aquece a casa do sentido

O i que se transforma numa vela

No fim, o filme, vez em quando arte

Tela que grava o brilho de um instante

O circo mal chegou e logo parte

Se for paixão, que seja fulminante.

18.10.08

© Jorge Furtado

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