Escola Secundária de Bocage



[pic] Escola Secundária de Bocage

Aristides de Sousa Mendes

Trabalho Realizado por:

Carolina Pinheiro nº 8 (7ºF)

Inês Rodrigues nº 13 (7ºF)

Joana Dinis nº 16 (7ºF)

Miguel Miranda nº 26 (7ºF)

Setúbal

Abril,2007

Índice

0. Introdução 4

1. Vida e Obra

1. Antes de 1940 5

2. A Segunda Guerra Mundial 7

3. Castigo atribuído por Salazar 10

4. Pessoas salvas por Aristides 12

2. Homenagens 14

3. Biografia 17

4. Cronologia 20

5. Fundação Aristides de Sousa Mendes, Cabanas de Viriato e Palacete Pascal 24

6. Conclusão 27

7. Bibliografia 28

ANEXOS

Anexo I

Carta de Reclamação de Aristides de Sousa Mendes a Salazar 30

Anexo II

Declarações sobre Aristides 33

Anexo III

Notícias de Jornal 46

0. Introdução

Este trabalho surgiu no âmbito da disciplina de Estudo Acompanhado, com o objectivo de destacar uma individualidade importante.

“Os homens são do tamanho dos valores que defendem”

Foi, talvez por isso, que escolhemos Aristides de Sousa Mendes como nossa individualidade. Este foi um dos poucos heróis nacionais do século XX e o maior símbolo português saído da Segunda Guerra Mundial. Graças a ele, Portugal foi reconhecido como um País que ajudou os refugiados.

1. Vida e Obra

1.1. Antes de 1940

Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches foi baptizado numa pequena aldeia do concelho do Carregal do Sal, no sul do distrito de Viseu. Este pertenceu a uma família aristocrática com bens próprios, católica, conservadora e monárquica e o pai de Aristides era membro do supremo tribunal.

Aristides era licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e logo após instalou-se em Lisboa em 1907, tal como o seu irmão gémeo. Ambos seguiram uma carreira diplomática; Aristides veio a ocupar deste modo diversas delegações consulares portuguesas pelo mundo fora: Zanzibar, Brasil, Estados Unidos da América.

Em 1929 foi nomeado Cônsul-geral em Antuérpia, cargo que ocupou até 1938. O seu empenho na promoção da imagem de Portugal não passava despercebido. Por duas vezes por foi condecorado Leopoldo III, rei da Bélgica, tendo-o feito oficial da Ordem de Leopoldo e comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga. Cerca de dez anos depois de serviço na Bélgica, Salazar, presidente do Conselho de Ministros e ministro dos negócios estrangeiros, nomeou Sousa Mendes cônsul em Bordéus, França.

Em 1940, com 55 anos, aproximou-se do fim da sua carreira e é pai de catorze filhos. Politicamente nunca se fez notar.

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2.2. A Segunda Guerra Mundial

Quando a Segunda Guerra Mundial teve inicio, Aristides de Sousa Mendes ainda era cônsul em Bordéus. As tropas de Adolf Hitler avançaram rapidamente sobre a França. Salazar manteve a neutralidade de Portugal.

Pela Circular 14, Salazar ordenou aos cônsules portugueses distribuídos pelo mundo que se recusassem a conferir vistos às seguintes categorias de pessoas:

"estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio; os apátridas; os judeus, quer tenham sido expulsos do seu país de origem ou do país de onde são cidadãos"

Entretanto, em pleno ano de 1940, o governo francês refugiou-se temporariamente na cidade de Bordéus, fugindo de Paris antes da chegada das tropas alemãs. Milhares de refugiados que fogem ao avanço Nazi dirigiram-se para a cidade. Muitos deles afluem ao consulado português desejando obter um visto para a “liberdade” (visto de entrada a Portugal ou para os Estados Unidos). Se Aristides seguisse as ordens governamentais seria mais selectivo na distribuição de vistos.

Já no final de 1939, Sousa Mendes tinha desobedecido às instruções do seu governo e emitido alguns vistos. Entre as pessoas a quem Aristides passou vistos encontrava-se o Rabino de Antuérpia Jacob Kruger. Pessoa que faz compreender a Aristides que há que salvar os refugiados judeus.

A 16 de Junho de 1940, Aristides decide entregar um visto a todos os refugiados que o pedirem:

"A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião".

Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, Sousa Mendes carimbou passaportes, assinou vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis.

Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, Aristides disse:

"Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus".

Uma vez que Salazar tomara medidas contra o cônsul, Aristides continuou a sua actividade de 20 a 23 de Junho em Baiona (França), no escritório de um vice-cônsul e na presença de dois outros funcionários de Salazar. A 22 de Junho de 1940, a França pediu um armistício à Alemanha Nazi. Aristides, mesmo a caminho de Hendaye, continua a emitir vistos para os refugiados que cruzam com ele a caminho da fronteira, uma vez que a 23 de Junho, Salazar demitira-o de suas funções de cônsul.

Apesar de terem sido enviados funcionários para trazer Aristides, este lidera com a sua viatura uma coluna de veículos de refugiados e guia-os em direcção à fronteira, onde do lado espanhol não existe qualquer telefone. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de Madrid de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os guardas, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que com os seus vistos puderam continuar viagem até Portugal.

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2.3. O Castigo atribuído por Salazar

A 8 de Julho de 1940, Aristides regressa a Portugal, sendo punido pelo governo de Salazar. Este priva Sousa Mendes, pai de uma família numerosa, do seu emprego diplomático por um ano, diminui em metade o seu salário, antes de o enviar para a reforma. Para além disso, Sousa Mendes perde o direito de exercer a profissão de advogado. A sua licença de condução, emitida no estrangeiro, é lhe confiscada.

O cônsul demitido e sua família sobrevivem graças à solidariedade da comunidade judaica de Lisboa, que facilitou a alguns dos seus filhos os estudos nos Estados Unidos. Dois dos seus filhos participaram no Desembarque da Normandia.

Aristides frequentou, juntamente com os seus familiares a cantina da assistência judaica internacional, onde causou impressão pelas suas ricas vestimentas e sua presença. Certo dia, teve de confirmar:

"Nós também, nós somos refugiados".

Em 1945, Salazar alegrou-se, publicamente, por Portugal ter ajudado os refugiados, recusando-se no entanto a reintegrar Sousa Mendes no corpo diplomático.

A sua miséria será ainda maior: venda dos bens, morte de sua esposa em 1948, emigração dos seus filhos (excepto um).

Aristides de Sousa Mendes faleceu muito pobre a 3 de Abril de 1954 no hospital da Ordem Terceira (hospital dos franciscanos) em Lisboa. Não possuindo um fato próprio, foi enterrado como uma túnica de franciscanos.

2.4. Pessoas salvas por Aristides

Aristides, no Consulado de Portugal em Bordéus, em 1940, passou mais de trinta mil vistos. Destes, quase dez mil foram concedidos a refugiados de confissão judaica.

Na lista de vistos emitidos, lêem-se nomes de várias personalidades.

Política:

• Otto de Habsburgo

O Arquiduque Otto de Habsburgo, nascido a 20 de Novembro de 1912, é o actual chefe da casa dinástica de Habsburgo e é o filho mais velho de Carlos da Áustria, último imperador da Áustria e último Rei da Hungria. Este era detestado por Adolf Hitler.

Em 1916, Otto tornou-se Príncipe-Herdeiro da Áustria-Hungria. A sua família passou os anos seguintes na Suíça e, mais tarde, mudou-se para a ilha da Madeira, onde o seu pai veio a falecer prematuramente. Enquanto isto, o parlamento austríaco expulsou, oficialmente, a dinastia de Habsburgo e confiscou todas as propriedades da Coroa Imperial.

Em 1940, Otto é uma das dezenas de milhares de pessoas a quem o cônsul português Aristides concede o visto de saída de França, no momento da invasão nazi.

Otto foi membro do Parlamento Europeu pelo partido União Social Cristã da Baviera.

Actualmente mora na Baviera, na Alemanha, e tem nacionalidades alemã, austríaca, húngara e croata. Este é um potencial pretendente ao título de Rei de Jerusalém.

• Vários ministros do governo belga no exílio

Artista:

• Norbert Gingold (pianista)

• Charles Oulmont (escritor francês e professor na Universidade de Sorbonne)

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3. Homenagens

Aristides de Sousa Mendes, ao passar mais de 30 000 vistos a judeus e outras minorias perseguidas pelos nazis, ficou como o maior símbolo português saído da Segunda Guerra Mundial. Devido a esta individualidade, Portugal ficou conhecido como um país que ajudou os refugiados.

Devido á sua coragem, Aristides, depois da sua morte, obteve muitas homenagens.

Cronologia

Homenagens a Aristides de Sousa Mendes

• 1967: O memorial de Yad Vashem (Memorial do Holocausto situado em Jerusalém), autoridade estatal israelita para recordação dos mártires e heróis do Holocausto, homenageia Aristides atribuindo-lhe o título de “Justo entre as Nações”. É-lhe atribuído, ainda, com a mais alta distinção, uma medalha com a inscrição do Talmude “Quem salva uma vida humana é como se salvasse um mundo inteiro”

• 1987: A República Portuguesa inicia o processo de reabilitação de Aristides de Sousa Mendes, condecorando-o com a Ordem da Liberdade e a sua família recebe as desculpas públicas. (Este facto ocorreu 17 anos após a morte de Salazar)

• 1994: O Presidente Mário Soares revela um busto em homenagem a Sousa Mendes, bem como uma placa comemorativa na “Rua 14 quai Louis-XVIII”, o endereço do consulado de Portugal em Bordéus em 1940.

• 1995: A Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um prémio anual com o seu nome.

• 1998: A Assembleia da República e o Governo português finalmente procedem à reabilitação oficial de Aristides de Sousa Mendes. A República Portuguesa condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas acções em Bordéus.

• 2006: Foi realizada uma acção de sensibilização “Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes”, na sua antiga casa em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal e na Quinta do Crestelo, Seia – São Romão

• 2007: Aristides foi votado como um dos 10 maiores portugueses, através do programa “Grandes Portugueses”. Segundo a estatística, Sousa Mendes ficava em nono lugar com 5,9% dos votos. Mas, para grande surpresa da população, Aristides ficou em terceiro lugar com 13% dos votos. Á sua frente ficaram Salazar e Álvaro Cunhal. O defensor da individualidade foi José Miguel Júdice – Advogado num dos principais escritórios de advocacia de país, e professor Universitário. Foi bastonário da ordem dos advogados. É membro do Conselho da “Internacional Bar Association”. É comunista em jornais nacionais (Tem 57 anos).

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4. Biografia

“Os homens são do tamanho dos valores que defendem. Aristides de Sousa Mendes foi, talvez por isso, um dos poucos heróis nacionais do século XX e o maior símbolo português saído da II Guerra Mundial. Em 1940, quando era cônsul em Bordéus, protagonizou a "desobediência justa". Não acatou a proibição de Salazar de se passarem vistos a refugiados: transgrediu e passou 30 mil, sobretudo a judeus. Foi demitido compulsivamente. A sua vida estilhaçou-se por completo. "É o herói vulgar. Não estava preso a causas. Estava preso a uma questão fundamental: a sua consciência", afirma o jornalista Ferreira Fernandes.” (Grandes Portugueses)

Aristides de Sousa Mendes nasceu a 19 de Julho de 1885 em Cabanas de Viriato, distrito de Viseu e era filho do Juiz José de Sousa Mendes e de Maria Angelina Ribeiro de Abranches. Teve um irmão gémeo de nome César, que tal como Aristides seguiu a carreira diplomática e que foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros quando Salazar tomou posse como Primeiro-Ministro.

Casou-se com a sua prima direita Maria Angelina Coelho de Sousa Mendes de quem viria a ter 14 filhos. Como Cônsul de 2ª. Classe exerceu funções na Guiana Inglesa, Galiza, Zanzibar, Curitiba e em S. Francisco da Califórnia, Maranhão, Vigo e Antuérpia como Cônsul de 1ª. Classe. Nomeado para exercer funções como Cônsul-Geral em Bordéus, em 1939, pouco antes do início da 2ª. Grande Guerra, Aristides de Sousa Mendes viu-se confrontado com um problema de consciência:

Por um lado, a afluência de milhares de refugiados que, com a invasão da França pelas tropas alemãs, afluíram a Bordéus na esperança de conseguir um visto para a Liberdade (Américas do Norte e do Sul, principalmente);

Por outro lado, as ordens recebidas do seu próprio Governo (Circular 14) que o impediam de passar vistos à maior parte dos refugiados, nomeadamente judeus, exilados políticos e cidadãos provenientes de países do Leste Europeu, sob pena de vir a ser castigado.

Perante esse dilema, Aristides de Sousa Mendes optou por obedecer à sua consciência e desse modo, contrariando ordens, decidiu passar vistos para a liberdade a todos que o solicitassem, independentemente da sua religião, raça ou credo político.

O seu gesto, para além de afectar os seus filhos, que se viram obrigados a emigrar, valeu-lhe a instauração de um processo disciplinar que na prática teve como resultado final a expulsão da carreira diplomática, apesar de no despacho de punição, datado de Outubro de 1940, constar que o mesmo deveria ficar na situação de inactividade com direito a metade do vencimento da categoria, durante um ano, findo o qual deveria ser aposentado.

Ora, nem mesmo essa situação lhe foi concedida, conforme se pode verificar no Anuário Diplomático de 1954 (ano da sua morte), onde consta que o mesmo se encontrava naquela data a aguardar passagem à situação de reforma. Aristides de Sousa Mendes faleceu ignorado até pelos seus amigos e na situação de miséria em 3 de Abril de 1954, no Hospital da Ordem Terceira de S. Francisco, em Lisboa.

O seu gesto só foi relatado e enaltecido depois de 25 de Abril de 1974, principalmente pela imprensa, sendo reabilitado pela Assembleia da República em 1988 (sob proposta de vários deputados entre os quais o Dr. Jaime Gama e o Dr. Jorge Sampaio) portanto, catorze anos depois da instauração do regime democrático em Portugal.

Depois disso, muitas homenagens lhe foram feitas em Portugal e no estrangeiro. Sem esquecer o valor e significado de muitas outras, realço a condecoração – Grã Cruz da Ordem de Cristo – que lhe foi atribuída pelo Senhor Presidente da República em 1995, por iniciativa da Senhora Drª. Maria Barroso Soares.

De modo a melhor divulgar o gesto de Aristides de Sousa Mendes, foi decidido pela sua família, com o apoio de várias entidades, criar a Fundação Aristides de Sousa Mendes. Esta tem como principal objectivo recuperar a Casa do Passal (que pertenceu a Aristides de Sousa Mendes), em Cabanas de Viriato, concelho de Carregal do Sal, a fim de nela instalar uma Casa Museu, Centro de Exposições, Biblioteca e Arquivo. Para além de vir a ser também a sede da Fundação.

5. Cronologia

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• 1885: Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, filho de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e do juiz José de Sousa Mendes, nasce em Cabanas de Viriato (Viseu) com o seu irmão gémeo César (19 de Julho);

• 1907: Aristides de Sousa Mendes e seu irmão César licenciam-se em Direito na Universidade de Coimbra e depois seguem uma carreira diplomática;

• 1908: Em Portugal, o Rei D.Carlos e o príncipe herdeiro são assassinados. Aristides casa com a sua prima Angelina (o casal virá a ter 14 filhos)

• 1910: Sousa Mendes é nomeado Cônsul de 2ª classe em Demerara, Guiana Francesa. Ocupou o seu posto acompanhado pela sua esposa e prima D.Angelina de Sousa Mendes (12 de Maio). Em Portugal dá-se a Revolução de 5 de Outubro e proclamação da República Portuguesa.

• 1911/1916: Depois de uma breve missão na Galiza, Aristides é nomeado Cônsul em Zanzibar, (que era parte da África Britânica) Toda a família é atingida por problemas de saúde. Alguns membros familiares foram atingidos pela malária, bronquite aguda ou asma. (Na altura Aristides tinha 6 filhos)

1914: Início da Primeira Guerra Mundial. Aristides descobre que o seu chanceler estava a roubar o cofre consular, notificou prontamente o Ministério, pedindo autorização para o demitir.

1915: Foi convidado para chefiar temporariamente a agência consular italiana em Zanzibar.

• 1916: Portugal entra na Primeira Guerra Mundial a favor dos Aliados; (batalha de Verdun, massacre do corpo expedicionário português.)

• 1918: Termina a Primeira Guerra Mundial com a vitória dos Aliados (França, Reino Unido,...). Sousa Mendes é nomeado Cônsul em Curitiba (Brasil). (13 de Fevereiro)

• 1919: Devido ás suas convicções monárquicas, Aristides de Sousa Mendes é castigado pelo governo de Sidónio Pais. César de Sousa Mendes, na altura encarregado da embaixada portuguesa no Rio de Janeiro, ajudou na defesa do seu irmão, conseguindo o levantamento das funções diplomáticas.

• 1949: Não seria apenas a geografia a separar Sousa Mendes da família nos últimos anos da sua vida - muitos dos seus filhos emigraram para os EUA. Em Outubro desse ano, Sousa Mendes casou por procuração com a francesa Andrée, de quem tivera uma filha. Parece haver poucas dúvidas de que era um caso de amor estranho mas genuíno. No entanto, Sousa Mendes, sabia que casar com Andrée podia ter graves consequências, devido à instabilidade mental dela e à profunda hostilidade da família dele em relação a ela. Um dos motivos de Sousa Mendes para se casar parece ter sido o desejo de legitimar a filha. Sem dúvida que a solidão também foi um factor.

• 1920: O facto de ter sido punido pelas suas convicções monárquicas, anti-republicanas, só serviu para reforçá-las. Aristides aumentou legalmente o seu nome para Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, reafirmando assim as suas raízes aristocráticas. César (seu irmão) fez o mesmo. As convicções aristocráticas estavam (e ainda estão, pelo menos por agora) bem presentes no tecto do hall de entrada da sua casa, em Cabanas de Viriato

• 1920: O facto de ter sido punido pelas suas convicções monárquicas, anti-republicanas, só serviu para reforçá-las. Aristides aumentou legalmente o seu nome para Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, reafirmando assim as suas raízes aristocráticas. César (o seu irmão gémeo) fez o mesmo. As convicções aristocráticas estavam (e ainda estão, pelo menos por agora) bem presentes no tecto do hall de entrada da sua casa, em Cabanas de Viriato (Novembro).

• 1921/1923: Aristides dirige, temporariamente, o Consulado de S. Francisco da Califórnia (11 de Junho), cidade onde nasce o seu 10.º filho.

• 1924: Aristides é Cônsul em S. Luís do Maranhão (Brasil) (29 de Agosto). Depois, passa a dirigir, interinamente, o Consulado de Porto Alegre (Brasil). (21 de Dezembro)

• 1926: Sousa Mendes regressa a Lisboa para prestar serviço na Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. Em Portugal, dá-se a revolução militar do 28 de Maio conduzida pelo Marechal Gomes da Costa.

• 1927: A Ditadura Militar portuguesa confia em Aristides e nomeia-o Cônsul em Vigo.

• 1928: Salazar é nomeado Ministro das Finanças.

• 1929: Aristides é nomeado Cônsul-geral em Antuérpia (Bélgica).

• 1930: Salazar passa a exercer o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. (actualmente, este cargo equivale ao de 1º Ministro)

• 1936: O rei belga, Leopoldo III, condecora Aristides de Sousa Mendes, decano do corpo diplomático.

• 1938: Salazar nomeia Aristides de Sousa Mendes, Cônsul de Portugal em Bordéus.

• 1939: Salazar e Franco assinam o Pacto Ibérico. A Alemanha de Hitler invade a Polónia, início da Segunda Guerra Mundial. Com a Presidência do Conselho, Salazar acumula a pasta de Ministro dos Negócios Estrangeiros.

• 1940: Contrariando as ordens de Salazar, Aristides de Sousa Mendes, no Consulado de Portugal em Bordéus, passa mais de 30.000 vistos a judeus e outras minorias perseguidas pelos nazis. Salazar condena Sousa Mendes a um ano de inactividade e depois aposenta-o sem qualquer vencimento.

• 1945: Termina a Segunda Guerra Mundial com a vitória dos Aliados (França, Grã-Bretanha, Estados Unidos da América, União Soviética, ...). Aristides de Sousa Mendes dirige carta à Assembleia Nacional, reclamando contra o castigo que lhe fora imposto pelo Governo (este esforço foi em vão).

• 1948: Morre Angelina de Sousa Mendes.

• 1954: Assistido apenas por uma sobrinha, Aristides de Sousa Mendes morre «pobre e desonrado», no Hospital da Ordem Terceira, em Lisboa.

6. Fundação Aristides de Sousa Mendes, Cabanas de Viriato e o Palacete Pascal

A Fundação Aristides de Sousa Mendes tem uma origem recente. Foi criada no dia 23 de Fevereiro de 2000, depois de o cônsul ter sido reconhecido e reabilitado pelo Ministério de Negócios Estrangeiros, em 1988. Antes de mais, a Fundação pretende perpetuar a memória de Aristides de Sousa Mendes e a sua acção exemplar, sendo alguém que arriscou a carreira diplomática, contrariando, por sua conta e risco, ordens superiores, em nome de princípios universais de solidariedade e de humanidade. A reabilitação foi um processo lento, que só ficou concluído catorze anos depois da queda do anterior regime.

Para sobreviver à situação de destituição do cargo diplomático, o cônsul teve que se desfazer da sua casa em Cabanas de Viriato que, assim, e a partir daí, entrou numa fase de ruína crescente, até aos nossos tempos.

Uma das acções da Fundação foi que a casa de Aristides fosse adquirida pelo estado, a fim de ser recuperada e reclassificada como Casa-Museu. Isto só foi possível com a doação de 50 mil “contos” (250 mil euros) á Fundação pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, a 27 de Março de 2000.

Depois de reabilitada, a casa irá conter o espólio do cônsul que a Fundação têm estado a recolher e irá dar uma particular atenção à questão dos direitos humanos e à história das perseguições durante a II Guerra Mundial. A casa vai ter:

- Um Museu dedicado a Aristides de Sousa Mendes,

- Um Centro de Memória e arquivos,

- Uma Biblioteca e um Centro de Documentação,

- Um Auditório. (...indispensável para acolher e permitir debates aos grupos visitantes deste lugar de memória.). [pic]

O "palacete" do Passal está dominado por uma imensa estátua do Cristo Rei, que Sousa Mendes tinha mandado esculpir em Louvain em 1933. Esta estátua foi transferida de comboio, e por isso foi necessário dividi-la em 3 partes, ajustados uma vez no sítio com os meios limitados da época.

7. Conclusão

Aristides de Sousa Mendes, em 1940, protagonizou a desobediência justa, quando era cônsul em Bordéus. Não acatou a proibição de Salazar de se passarem vistos a refugiados. A sua vida estilhaçou-se por completo. Esse foi o feito que marcou o seu nome na História contemporânea. No entanto, para a maioria da população portuguesa o seu nome é praticamente desconhecido. Daí a relevância do nosso trabalho, que pretende dar a conhecer um homem que salvou milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

“Foi um herói vulgar. Não estava preso a causas. Só estava preso á sua consciência”

Jornalista Ferreira Fernandes

Aristides é considerado o “Schindler Português”, muito antes do alemão começar a sua actividade solidária e humanitária para com os judeus. Revendo a verdade histórica, Oskar Schindler é que foi o “Aristides Alemão”. Esta comparação é ainda injusta porque Oskar Schindler salvou menos pessoas que Aristides.

8. Bibliografia

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-rtp.pt

Anexos

Anexo I

Carta de Reclamação de Aristides de Sousa Mendes a Salazar

Sr. Presidente da Assembleia Nacional:

Aristides de Sousa Mendes, ex-cônsul de Portugal em Bordéus, lugar de que foi destituído pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, por motivo de ter, com desobediência às instruções vigentes, dado vistos em passaportes a milhares de estrangeiros que procuravam no nosso país abrigo contra a ameaça dos exércitos alemães, então em vias de ocupação do Sudoeste da França vem, no exercício do seu direito de reclamação, garantido no n.º 18 do art.º 8º da Constituição, apelar para a Assembleia Nacional, como encarregada pela mesma Constituição de vigiar o cumprimento das suas disposições e das leis da Nação » ( Art.º 91, n.º 2) com os seguintes fundamentos:

Tendo-lhe sido enviadas instruções pelo ministro dos Negócios Estrangeiros sobre vistos em passaportes, essas instruções continham na 1ª alínea a proibição absoluta de os dar aos israelitas, sem discriminação de nacionalidade.

Tratando-se de milhares de pessoas de religião judaica, de todos os países invadidos, já perseguidas na Alemanha e noutros países seus forçados aderentes, entendeu o reclamante que não devia obedecer àquela proibição por a considerar inconstitucional em virtude do art.º 8.º n.º 3 da Constituição, que garante liberdade e inviolabilidade de crenças, não permitindo que ninguém seja perseguido por causa delas, nem obrigado a responder acerca da religião que professa, medida que aliás se lhe tornava necessária para saber a religião dos impetrantes, e assim negar ou conceder o visto.

Nestes termos, se o reclamante não obedeceu à ordem recebida do Ministério, não fez mais que resistir, nos termos do n.º 18 do art. 8º da Constituição, a uma ordem que infrigia manifestamente as garantias individuais, não legalmente suspensas nessa ocasião (art.º 8.º, n.º 19).

E não se pretenda que a inviolabilidade de crenças não é, segundo a Constituição, um direito para os estrangeiros visados, por não se acharem residindo em Portugal, único caso em que poderiam ter os mesmos direitos que os nacionais (do art.º 7.º) pois não se trata no caso presente de um direito dos estrangeiros mas de um dever dos funcionários portugueses, que nem em Portugal nem nos seus Consulados, também território português, poderão sem quebra da Constituição interrogar seja quem for sobre a religião professada, para negar qualquer acto da sua competência, o que a admitir-se significaria odiosa perseguição religiosa, mormente quando se impunha o direito de asilo que todo o país civilizado sempre tem reconhecido e praticado em ocasiões de guerra ou calamidade pública.

Espera o reclamante que a Assembleia, na alta função de vigiar pelo cumprimento da lei, haja por bem declarar nula a pena que lhe foi imposta, por motivo da desobediência às instruções citadas, exigindo a respectiva responsabilidade àquele ou àqueles funcionários que, dando-lhe a referida ordem, «atentaram contra a Constituição e o regime estabelecido» (art.º 115.º, n.º 2) reconhecendo-lhe o direito e reparações materiais e morais pelo prejuízo que lhe foi causado pelo processo disciplinar que lhe foi instaurado no Ministério (art.8.º, n.º18).

Não alegou na resposta que deu no mesmo processo disciplinar estas circunstâncias, pelo motivo de, lavrando a guerra na Europa, não querer dar publicidade e relevo a uma atitude, por parte de funcionários do Estado, que sobre ser inconstitucional poderia ser interpretada como colaboração na obra de perseguição do governo hitleriano contra os judeus, o que representaria uma quebra da neutralidade adoptada pelo governo.

Não pode porém suportar a evidente injustiça com que foi tratado e conduziu ao absurdo, a que pede seja posto rápido termo, de o reclamante ter sido severamente punido por factos pelos quais a Administração tem sido elogiada, em Portugal e no estrangeiro, manifestamente por engano, pois os encómios cabem ao país e à sua população cujos sentimentos altruístas e humanitários tiveram larga aplicação e retumbância universal, justamente devido à desobediência do reclamante.

Em resumo, a atitude do Governo Português foi inconstitucional, antineutral e contrária aos sentimentos de humanidade e, portanto, insofismavelmente «contra a Nação».

Pede deferimento (a) – Aristides de Sousa Mendes.

Anexo II

Declarações sobre Aristides

Páginas do Diário do Rabino de Antuérpia Jacob Kruger*

Na Polónia já estou acostumado ao anti-semitismo e não me espanta que, no outro lado, na Alemanha, Hitler tome o poder. Pelas ruas de Berlim judeus são perseguidos, espancados e mortos - é que nos escrevem, é que nos dizem, é o que lemos, oi gewalt. O meu nome é Chaim Kruger e sou rabino numa klein statle, num pequeno povoado. “A guerra é inevitável”, prevejo, “e em breve os nazis estarão aqui”. Não é fácil mas, com economias feitas penosamente, com a minha mulher e as nossas seis crianças, em 1938 conseguimos escapar de Varsóvia para Bruxelas.

Em 1939 os alemães invadem a Polónia e, logo a seguir, os Países Baixos. Com a minha família, outra vez estamos em fuga. Chegamos a Paris mas logo abalamos para sudoeste porque os alemães já estão a invadir a França. Milhares, dezenas de milhares de refugiados, judeus e outras minorias, pejam os caminhos; são antinazis franceses e belgas e holandeses e checos e alemães, também algumas famílias ciganas. Uma, ou duas vezes por dia, caças alemães mergulham em voo picado sobre as estradas e metralham os caminhantes. Há dezenas de mortos nas bermas, todos eles ensanguentados. Ainda ouço os gritos, choros, lamentações, oi wais mir. Quis Deus que eu, e os meus, tenhamos escapado sempre ilesos, graças a Deus, dank main Got.

Para fugir à hecatombe, agora a nossa esperança é chegar à fronteira, atravessar a Espanha, entrar em Portugal e dali embarcar para América, onde parentes nossos esperam por nós.

Chegamos a Bordéus em Maio de 1940 e a cidade está repleta de fugitivos. Procuro o Consulado espanhol para obter o visto no passaporte da minha família mas um funcionário diz-me que sem antes obter o visto português não conseguirei o espanhol. Saio meio atordoado com a informação, não entendo o que se passa. Cá fora um francês, também ele refugiado e, ao que suponho, comunista, explica-me:

Páginas do Diário do Rabino de Antuérpia Jacob Kruger

- Rabi, Franco foi ajudado pelos nazis durante a guerra civil espanhola. É por isso que não quer no seu território fugitivos do nazismo. Só os deixa passar se forem rumo a Portugal. Salazar, o primeiro ministro português, está entalado. Portugal tem uma aliança antiquíssima com a Inglaterra e um pacto recente com a Espanha. Se hoje pender para os Aliados, será invadido pelos alemães através de Espanha. Se pender para os alemães, a Inglaterra desembarcará tropas em Portugal. É claro que a simpatia do fascista Salazar vai para Hitler. Mas tem que fingir uma estrita neutralidade para evitar a intervenção quer do Eixo, quer dos Aliados. Por isso estou em crer que Salazar lava as mãos e vai impedir a entrada de refugiados em Portugal. Aliás o Dr. Mendes já me disse que tem enviado centenas de telegramas para Lisboa, pedindo autorização para dar vistos e até agora não obteve qualquer resposta.

- Quem é o Dr. Mendes?

- É o Cônsul de Portugal em Bordéus, Dr. Aristides de Sousa Mendes.

Mendes, Mendes... O nome bate-me nos ouvidos, reconheço-o, é marrano, é judeu. Tenho que falar com o Dr. Mendes.

Dirijo-me ao Consulado de Portugal. O jardim e as ruas vizinhas estão repletas de refugiados, todos a aguardar vistos para seguirem viagem, são milhares em desespero. Identifico-me, peço para falar com o Dr. Mendes. Três horas depois sou recebido. É um cavalheiro muito distinto, porém com feições angustiadas. Deve estar a viver uma grande tragédia, bem posso imaginar qual seja ela. Apresento-lhe a minha mulher e os meus filhos, conto-lhe do nosso êxodo de Varsóvia até Bordéus. Entende o meu sofrimento porque também ele tem muitos filhos, acho que doze. Convida-nos a pousar em sua casa para darmos algum descanso às crianças.

Páginas do Diário do Rabino de Antuérpia Jacob Kruger

Convida-nos a pousar em sua casa para darmos algum descanso às crianças. Aceito, agradeço e pergunto-lhe se também ele é judeu. Sorrindo, esclarece:

- Rabi, não se iluda com o meu apelido Mendes. Até onde eu posso rastear, a minha família, há pelo menos cinco gerações, é de católicos fervorosos. Se, por acaso, tivemos um ancestral judeu, não é nada que nos desmereça, mas disso não temos conhecimento.

Errei o alvo, main mazle, má sorte a minha,... Não sei como continuar a conversa. Engasgo-me. Depois ouso perguntar-lhe quando podemos contar com os vistos para seguir viagem para Portugal. Acabrunhado, diz-me que nada pode garantir, ainda não tem a necessária autorização do seu Governo.

- Então, Dr. Mendes, vamos ficar aqui em Bordéus à espera da matança?

Levanta-se. Amargurado, segura-me o braço.

- Rabi, tenha fé, nem tudo está perdido, confie na Divina Providência.

Conduz-nos a sua casa, que fica no Quai Louis XVIII, por trás do Consulado. Apresenta-nos à sua esposa, D. Angelina, e a três dos seus filhos mais velhos. Indica os aposentos que nos destina. Deseja-nos um bom descanso. Apesar de gentio, apesar de goi, este Dr. Mendes is a Mensche, é realmente um Homem.

Páginas do Diário de Aristides de Sousa Mendes

TENHO SEDE...

Não consigo dormir, viro-me para a esquerda, viro-me para a direita, ora tenho frio, ora calor, ora me tapo, ora destapo. Vivo em Bordéus e de Lisboa acabo de receber más notícias, proibições. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

Febre? Talvez acesso da malária que apanhámos em Zanzibar, tu, eu, os nossos filhos. Ou talvez as sezões que antes eu apanhara em Demerara, na Guiana Francesa. Estou em crer que o paludismo já mordeu a minha alma. Tenho pressa, tenho sede. Que horas são? Angelina dá-me água.

Estou sempre a zanzar de um lado para o outro, na cama e na vida. A diplomacia tem destas coisas, não dá tempo para um homem assentar e deitar raiz. Será por isso que eu torno sempre às mais profundas. Em 1908 tentaram cortá-las, no Terreiro do Paço mataram-me el-Rei D. Carlos, também o príncipe herdeiro. Lesa-majestade, lesa-vida... Dois anos depois o 5 de Outubro, bandeiras republicanas são içadas, já definha a História pátria. E agora, de Lisboa, acabo de receber más notícias, proibições. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

Não gosto que me entalem o lençol no colchão, até parece que estou dentro de uma camisa de forças. De mãos dadas, livres corríamos... Em Cabanas de Viriato tenho um palácio mandado levantar pelos fidalgos meus ancestrais, é a Casa do Passal. Dela, de manhãzinha, de mãos dadas saíamos a correr, saltávamos de fraga em fraga. Tinhas 15 anos e eu 18. Lembras-te ó prima, ó namorada, ó prometida? Quanto mais prima, mais se lhe arrima, diz o povo e tem razão. A vila de Nelas fica ali além e o rio Dão corre lá mais em baixo. É só atravessá-lo para chegarmos a Viseu. No lado oposto, atrás de nós, a Serra da Estrela, a soberana, domina toda a paisagem. Inocência e liberdade, nós a correr, bem me lembro, quisera eu regressar aos tempos que já foram... Porém, de Lisboa, acabo de receber más notícias, proibições. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

Insónia. Sinto o calor do teu corpo, vontade minha é outra vez fazer amor contigo. Porém temo engravidar-te, catorze vezes já pariste em sangue e sofrimento, expiação do pecado original, filha de Eva que tu és. E não devo refrear-me porque é pecado, devo ser tal como Deus me fez. Além do mais a nossa união foi consagrada pela Santa Madre Igreja, criai-vos e multiplicai-vos. Se, por causa de nossos pais Adão e Eva, fomos expulsos do Paraíso, cumpra-se então o destino que Deus nos traçou. Refrigério para o teu martírio será aleitares mais outra criança que virá para alegrar as nossas vidas. Contudo temo que toda esta inquietação esteja a perder sentido. Temo que já tenhas alcançado a menopausa embora, por vergonha, não o confesses. E se isso realmente aconteceu, o teu silêncio converte o nosso desejo em luxúria e pecadores nos tornamos, é a radical tentação da carne, penitência, penitência, mea culpa, tenho a casa cheia de imagens do Senhor e da Virgem que foi a sua Mãe. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

Há por aqui um mosquito que não me deixa dormir. César é o meu irmão gémeo. Juntos, íamos tomar banho no rio Dão. Juntos, cursámos Direito na Universidade de Coimbra. O nosso pai é juiz. Mas César e eu optámos pela diplomacia, não pela magistratura ou advocacia. Até nas carreiras somos gémeos. Tomámos o caminho errado? Creio que sim, somos monárquicos e, com a implantação da República, passámos a ser descriminados. Fui Cônsul na Guiana Francesa, 1 ano; em Zanzibar, África britânica, 7 anos. Ali estou sempre doente, também a minha mulher e os meus filhos, paludismo. Peço para me transferirem. No Palácio das Necessidades de Lisboa, que é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, finalmente atendem o meu pedido e mandam-me para o sul do Brasil, sou nomeado Cônsul em Curitiba. Estamos em 1919, tenho 34 anos. Só por causa das minhas convicções monárquicas o novo Governo de Sidónio Pais, sem mais nem menos, suspende-me de funções. Consequências: inactividade, redução brutal de vencimentos e família cada vez maior. É o limiar da miséria, é o desespero. Na Embaixada portuguesa no Rio de Janeiro, César é o Encarregado de Negócios, felizmente. Movimenta-se, consegue que 34 prestigiados cidadãos portugueses, residentes em Curitiba, subscrevam um “protesto contra uma campanha miserável movida contra o Cônsul português por criaturas sem vislumbre de senso moral”. A iniciativa de César dá resultado: no final do ano suspendem a suspensão. Mas continuo sob mira e alvo não quero ser. Tudo se agrava, de Lisboa acabo de receber más notícias, proibições. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

Não quero travesseiro, já me basta a almofada. 4 anos mais novo do que eu, em Santa Comba Dão, no nosso distrito de Viseu, nasceu homem que vai dar muito que falar, estou em crer. Também ele cursou Direito na Universidade de Coimbra mas depois optou por Economia e Finanças, não pela Diplomacia. Em 1910, em Viseu, no Colégio do Cónego Barreiros, durante a sua conferência sobre a “Educação da Mocidade”, ele disse: “A vontade deve ser educada no amor a Deus e ao próximo, no amor à família, à honra e à dignidade, ao trabalho e à verdade”. Estou de acordo. Este moço pode vir a ser uma barreira contra a falta de escrúpulos que submerge a nação. O seu nome? António de Oliveira Salazar. Um dia será alçado a lugar cimeiro do país, prevejo. Mas quando é que ele vai assumir o poder para nos salvar? Tenho pressa, tenho sede, Angelina dá-me água.

Este cobertor felpudo é muito quente, trato de empurrá-lo para os pés da cama. Não me deixam ficar em Curitiba, não lhes convém, a colónia portuguesa está bem ciente da perseguição que me fizeram. Mandam-me para Cônsul temporário em S. Francisco da Califórnia. Temporário é equivalente a vencimento reduzido e, em dois anos, nascem mais dois filhos meus. Outra vez o limiar da miséria, o desespero. Depois mandam-me novamente para o Brasil. Em Agosto de 24 sou Cônsul em S. Luís do Maranhão, no norte. E em Dezembro estou a gerir interinamente o Consulado de Porto Alegre, no extremo sul. “Interinamente” é eufemismo de “corte nos vencimentos”... Cansam-me estas viagens, estas deslocações sucessivas, mas o pior de tudo é a falta de dinheiro. Além do mais, de Lisboa acabo de receber más notícias, proibições. Mas não cedo, não renego, a causa monárquica também é minha, antes quebrar que torcer. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

Abafado, já a suar, vontade minha é desfazer-me do pijama, é ficar nu, mas isso não é distinto, não fica bem a um chefe de família. Em 1926 estou outra vez em Lisboa, presto serviço na Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. A 28 de Maio ocorre o golpe do General Gomes da Costa, é a Ditadura Militar. Para surpresa minha, em Março de 27 sou nomeado Cônsul em Vigo, na Galiza, cargo de muito prestígio. Um amigo meu, funcionário interno do Palácio das Necessidades, diz-me que fui escolhido “por motivo de confiança”, pois o regime militar vê em mim “o funcionário próprio para inutilizar os manejos conspiratórios dos emigrados políticos contra a Ditadura”. Os militares foram gentis, fizeram-me justiça mas estão equivocados a meu respeito: não sou um denunciante, pedras eu não atiro, nem a primeira, nem a segunda, nem qualquer outra. Que horas são? De Lisboa acabo de receber más notícias, proibições. Tenho sede, Angelina dá-me água.

Sonhar, às vezes é antecipar. Em 1928 Salazar sobe à ribalta, é ele o novo Ministro das Finanças da Ditadura Militar. Com o auxílio do exército impõe novas contribuições, veta despesas públicas, alcança o equilíbrio do orçamento, liquida a dívida flutuante e estabiliza a moeda. Já ninguém consegue arredá-lo, ou ele ou a bancarrota. Em 1930 acontece o óbvio: Salazar, de Ministro das Finanças galga a Presidente do Conselho de Ministros. Talvez possa agora restaurar a monarquia. Poderia, lá isso poderia... Poderia mas não quer pois, sem estirpe nem coroa, quem está a converter-se em soberano absoluto é o próprio Salazar, metamorfoses. Ilusão, triste ilusão a minha e agora, de Lisboa, acabo de receber más notícias, proibições. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

Daqui a pouco vou precisar do robe, acho que o deixei aos pés da cama. Não correspondo às expectativas dos militares mas eles continuam a prestigiar-me, não sei porquê. Em 1929 nomeiam-me Cônsul em Antuérpia, na Bélgica. Ali permaneço durante 9 anos. Com apenas 50 anos já sou o decano do corpo diplomático. O rei belga, Leopoldo III, simpatiza muito comigo, por duas vezes me condecora. Mas em 38 sou nomeado Cônsul em Bordéus, França. Peço para ser mantido em Antuérpia, cidade onde fiz tantos amigos. Salazar, para minha consternação, recusa o pedido e sigo para Bordéus. De Lisboa acabo de receber más notícias, proibições. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

De outras vezes o sonho converte-se em pesadelo, ânsias, ao acordar a minha apetência é gritar. Em 39 rebenta a II Guerra Mundial. Os alemães invadem a Polónia e os Países Baixos e a França, Paris é ocupada. Depois a horda ariana começa a descer para sul e sudoeste, vêm aí os assassinos! Milhares e milhares de refugiados de guerra acampam nos jardins do Consulado e nas ruas vizinhas. Franceses, belgas, holandeses, checos, austríacos e até alemães. Judeus mas também cristãos. Querem vistos para o meu país, querem vistos para a Vida. Mas de Lisboa acabo de receber más notícias, proibições: com a Presidência do Conselho, Salazar acumula agora a pasta de Ministro dos Negócios Estrangeiros e proíbe que se passem vistos a refugiados de guerra, principalmente a israelitas. Outra vez me desilude o moço de Santa Comba. Diz-se católico mas esqueceu-se do amor ao próximo que Jesus apregoava e praticava para exemplo de todos os fiéis. Que faço eu? Acato a ordem do Presidente do Conselho? Impassível, vou então ficar à janela a assistir à matança dos inocentes? Não, não e não! Não sou cúmplice da chacina, vou desobedecer a Salazar, vou passar os vistos e salvar os perseguidos. Prefiro estar com Deus contra um homem, do que estar com um homem contra Deus. Que horas são? Tenho sede, Angelina dá-me água.

Páginas do Diário do Rabino de Antuérpia Jacob Kruger

VISTOS PARA A VIDA

É um espanto, este Dr. Mendes. Na manhã do dia 17 de Junho de 1940 avisa-me:

- Rabi, sossegue, vou passar vistos a toda gente.

Nos dias 17, 18 e 19, ele e dois dos seus filhos mais velhos trabalham sem parar, nem sequer para almoçar ou jantar, exaustão. Passam milhares e milhares de vistos, os refugiados já organizados em filas. Os passaportes são colectivos, familiares. No meu constam oito nomes, o meu, o da minha mulher e os dos meus filhos. Assim acontecendo com quase todos, calculo que o Dr. Mendes, nesses três dias, tenha passado uns 30 mil vistos, dos quais 10 mil a judeus, pelo menos.

Não se dá por contente. Obedecendo às instruções que recebera de Lisboa, o Cônsul de Portugal em Bayonne recusa-se a passar vistos aos refugiados de guerra. Porém o Dr. Mendes é seu superior. Desloca-se a Bayonne, que fica junto da fronteira franco-espanhola, e é ele-mesmo quem, mais uma vez, passa milhares de vistos.

O mesmo acontece com o Consulado de Portugal em Hendaye. Também aí o Dr. Mendes passa milhares de vistos.

No dia 24 de Junho o Dr. Mendes mostra-me e traduz-me um telegrama que acabara de receber. É chamado imediatamente a Lisboa e acusado por Salazar, o Primeiro Ministro português, de “concessão abusiva de vistos em passaportes de estrangeiros". Depois de 32 anos de serviço, o Dr. Mendes vai ser demitido sem receber qualquer reforma ou indemnização, e 12 filhos tem ele para criar. Já teve 14, mas morreram 2, o segundo e o último, se não estou em erro. Cuidar de 12 filhos é obra! Eu que o diga, que só tenho 6 e bem sei como custa criá-los. Compadeço-me, voz embargada, ihre mazle, má sorte a sua. Mas é ele quem atalha, quem me anima:

- Rabi, se tantos judeus sofrem por causa de um demónio não-judeu, também um cristão pode sofrer com o sofrimento de tantos judeus...

A grosse Mensche, um grande Homem!

Páginas do Diário de Schmil Goldberg

SALAZAR NÃO PERDOA

O meu nome é Schmil Goldberg. Mas, se quiserem, podem tratar-me por Samuel. Sou judeu e americano. Este ano, em 1941, estou em Portugal para dar assistência a refugiados de guerra, trabalho voluntário. Na Cozinha organizada pela Comunidade Israelita de Lisboa tenho a oportunidade de conhecer o Dr. Aristides de Sousa Mendes. Foi o diplomata, o Cônsul que, em França, passou milhares e milhares de vistos a judeus fugidos do nazismo. Uns já partiram para a América, outros ainda estão em Portugal. Também prestamos auxílio ao Dr. Sousa Mendes, pois ele e a família estão muito carenciados. Foi demitido, não recebe qualquer pensão do Governo e, apesar de licenciado em Direito, está proibido de exercer a advocacia e os seus filhos foram impedidos de frequentar a Universidade. O seu irmão, que era embaixador, também foi demitido. Vê-se que Salazar jamais perdoará o gesto humanitário do Dr. Sousa Mendes. Num povoado do Distrito de Viseu, o ex-Cônsul possui um palácio onde chegou a albergar muitas famílias de refugiados, às quais, em França, passara vistos para entrada em Portugal. Mas, para atender às necessidades da sua numerosa família, foi obrigado a hipotecar todo o recheio. O Dr. Sousa Mendes já não dispõe de meios financeiros para sobreviver, está condenado à miséria. Temos o dever de auxiliá-lo e auxiliamos. Até lhe proporcionamos condições para que alguns dos seus filhos emigrem para os Estados Unidos e Canadá. Os que lá se estabelecerem mandarão cartas de chamada para os outros, estou certo disso

Documento Escrito por Aristides Quando Estava á Beira da Morte

Hospital da Ordem Terceira

Lisboa, 3 de Abril de 1954

Estou no Hospital da Ordem Terceira, na Rua Serpa Pinto. Abro a mala, retiro o lenço, enxugo os olhos. O meu tio, Dr. Aristides de Sousa Mendes, acaba de falecer, trombose cerebral agravada por pneumonia. A sua esposa, a minha tia Angelina, morreu em 1948 com uma hemorragia cerebral e ficou vários meses em coma, coitada. Todos os seus filhos, meus primos, vivem hoje nos Estados Unidos e no Canadá, conseguiram escapar a tempo deste purgatório... Sou eu a única familiar presente. O meu tio era um homem bom, sempre a pensar no bem dos outros. É por isso que morre pobre e desonrado.

Anexo III

Notícias de Jornais

Busto Eterniza Figura de Aristides de Sousa Mendes

[pic]

A Câmara Municipal de Carregal do Sal e a Direcção Municipal de Monumentos Nacionais vão unir esforços no sentido de prestar a homenagem que falta a Aristides de Sousa Mendes - o diplomata português que salvou dezenas de milhar de judeus do holocausto nazi durante a II Guerra Mundial -, através da colocação de um busto do diplomata em Cabanas de Viritato, na sua terra natal.

Referindo-se ao "Oscar Schindler português", o presidente da autarquia, Atílio dos Santos Nunes, refere que " é uma pena que este ilustre filho de Cabanas já tenha sido homenageado em França, Israel e Estados Unidos e não na sua terra natal ".

Decidido que está o destino a dar ao degradado palacete de Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato ( onde ainda escondeu e ajudou algumas dezenas de judeus ) e que vai ser transformado num moderno hotel, Atílio dos Santos Nunes refere que a excelente colaboração e receptividade dada pela Direcção Geral dos Monumentos Nacionais à ideia de colocar um busto do diplomata "irá compensar as décadas de esquecimento a que Aristides de Sousa Mendes foi votado, repondo uma justiça que tarda".

Aristides de Sousa Mendes nasceu a 19 de Julho de 1885 em Cabanas de Viriato, no seio de uma família de aristocratas "marranos", isto é, "cristãos novos", tendo-se licenciado em Direito em 1910 na Universidade de Coimbra, exercendo, a partir daí, a carreira de professor até 1938, ano em que seria nomeado cônsul em Bordéus, funções que manteve até Julho de 1940.

Um ano depois de ter chegado a Bordéus começava a II Guerra Mundial com a invasão alemã da Polónia, ao que se seguiriam os Países Baixos e a França, provocando uma autêntica avalhancha de europeus ( especialmente judeus ) que procuravam escapar ao jugo nazi, pretendendo a todo o custo um refúgio seguro nos países "neutrais", entre eles Portugal, o que se encontrava mais afastado da Alemanha.

Logo após a invasão da Polónia, Aristides de Sousa Mendes pediu autorização a Lisboa para conceder vistos a quem procurasse refúgio em Portugal e, como resposta, recebeu a célebre Circular nº 14 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, determinando que "as delegações diplomáticas portuguesas só podem emitir vistos a quem for portador de uma passagem válida para navios a sair de Lisboa, não devendo, em caso algum, ser emitidos vistos a russos, checos, húngaros e, em nenhuma circunstância, a judeus".

Vistos em papel de embrulho

Após a invasão de França ( Maio de 1940 ), Aristides de Sousa Mendes, ignorando por completo a Circular nº 14, começou a emitir vistos aos milhares de refugiados que acampavam junto ao Consulado Português de Bordéus. Em apenas três dias ( 16 a 18 de Junho de 1940 ) e auxiliado pelos filhos, o diplomata emitiu mais de 30 mil "vistos de trânsito", 12 mil dos quais destinados a judeus.

Ao cabo de alguns dias de trabalho árduo e quando os impressos esgotaram, o cônsul de Portugal começou a emitir os vistos em simples papel de carta e, mais tarde, em qualquer pedaço de papel com a dimensão suficiente para levar o carimbo do Consulado e a assinatura de Sousa Mendes. O diplomata chegou mesmo a carimbar e assinar pequenos pedaços de papel pardo de embrulho, cortados à pressa.

Chegado a Lisboa em Junho de 1940 ( por imposição de Salazar ), Aristides de Sousa Mendes foi imediatamente destituído do Corpo Diplomático e proibído de exercer a advocacia. Os benefícios e reforma a que tinha direito foram-lhe retirados. Para sobreviver foi obrigado a vender todas as suas propriedades e bens, acabando por morrer na miséria em 3 de Abril de 1954.

Correio da Manhã 02.04.1998

| |Sousa Mendes, "O Desobediente de Bordéus" |

| |15/09/2003 |

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|Maio de 1940. Os exércitos de Hitler invadem os Países Baixos. O Luxemburgo cai imediatamente. A Holanda resiste alguns dias. |

|Na Bélgica, contra a vontade do seu Governo, o rei Leopoldo assina a rendição. Milhares de pessoas abandonam os seus lares e |

|fogem para França. |

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|Em Antuérpia, apesar dos cinco filhos pequenos, o rabi Chaim Krugger decide esperar o fim do Sabat para partir. Em Bruxelas, |

|Liesel Spett e o marido fecham a casa e partem, com os filhos, de 6 e 3 anos. |

| |

|O destino é Paris, na França ainda livre. Os bombardeamentos das linhas férreas alteram-lhes os planos — e é Bordéus que os |

|acolhe, como a milhares de outros refugiados. Incapaz de deter o avanço alemão, a 10 de Junho o Governo francês parte, também |

|ele, para Bordéus. |

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|O consulado de Portugal em Bordéus atrai milhares de fugitivos em busca de um visto que lhes permita sair de França, passar |

|Espanha, atingir Lisboa e daí partir, rumo aos Estados Unidos. |

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|O que esses fugitivos ignoram é que há ordens estritas de Lisboa para a concessão de vistos. A Circular 14 do Ministério dos |

|Negócios Estrangeiros, dirigido por Salazar, determina que “os cônsules de carreira não poderão conceder vistos consulares sem|

|prévia consulta ao Ministério aos estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas, aos |

|portadores de passaportes Nansen [1] e aos Russos; (...) àqueles que apresentem nos seus passaportes a declaração ou qualquer |

|sinal de não poderem regressar livremente ao país de onde provêm; aos judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou |

|daqueles de onde provêm”. |

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|Determinações com que o cônsul de Portugal em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, católico, monárquico e conservador, cujo |

|irmão gémeo foi ministro dos Negócios Estrangeiros no primeiro Governo de Salazar, tem dificuldade em conformar-se. Sobretudo |

|porque as consultas prévias ao ministério são, normalmente, demoradas — e as respostas muitas vezes negativas. Sensível à |

|angústia dos que o procuram, o cônsul já por mais de uma vez infringiu as ordens recebidas. A 24 de Abril, uma carta do |

|ministério ameaçara-o de sanções: |

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|“Por despacho de 16 de Janeiro último, foi chamada a sua atenção para a irregularidade cometida ao conceder um visto para |

|Portugal no passaporte de Arnold Winitzer e mulher, antes de haver pedido para tal a indispensável autorização deste |

|Ministério. (...) Apesar disso, em 1 de Março, visou o passaporte do médico espanhol Eduardo Neira Laporte, cujo visto esta |

|Secretaria recusou. Ao dr. Neira Laporte foi recusado o desembarque em Lisboa, não só porque visto lhe fôra abusivamente |

|concedido, mas ainda porque a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado o considera indesejável. (...) Fica advertido de que |

|qualquer nova falta ou infracção nesta matéria será havida por desobediência e dará lugar a procedimento disciplinar.” |

| |

|Ao contrário dos que, em Lisboa, dão as ordens, Aristides de Sousa Mendes confronta-se, diariamente, com a aplicação das |

|orientações da Circular 14. É que entre as centenas de pessoas desesperadas que acorrem ao consulado em Bordéus, mulheres e |

|homens de todas as idades, muitas vezes com filhos, há judeus, ciganos, apátridas, combatentes contra o nazismo, que vêem no |

|visto português a única forma de escapar ao terror nazi. |

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|A 13 de Junho, o ministério recusa- lhe, uma vez mais, a concessão de vários vistos. Entre eles, o do homem que preferira |

|correr o risco de morrer sob os escombros de sua casa a desrespeitar o Sabat, o rabi Chaim Krugger. |

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|Sousa Mendes encontrara-o na rua, frente à sinagoga, com a mulher e os filhos. Pai de 13 filhos, o cônsul é sensível à |

|situação dos Krugger e convida-os para ficarem em sua casa até à chegada dos vistos, de cuja autorização não duvida. Chaim |

|Krugger aproveita a ocasião para explicar ao diplomata tudo o que sabe sobre a perseguição nazi aos judeus. Para o católico |

|convicto que é Sousa Mendes, não faz sentido que alguém seja perseguido por razões religiosas — e, perante a negativa de |

|Lisboa, decide, ainda assim, conceder vistos aos Krugger. |

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|O rabi, no entanto, recusa: não são eles os únicos a precisar de salvação. Todos os judeus que se comprimem às portas do |

|consulado correm os mesmos riscos. É para todos os seus irmãos que requer a ajuda do cônsul. |

| |

|Sousa Mendes hesita. Esgotado, cai de cama durante três dias. Mas quando, ao quarto dia — domingo, 16 de Junho —, se levanta, |

|tomou uma decisão: vai dar vistos a todos os que o necessitarem e ordenar que o façam também os consulados dependentes de |

|Bordéus. |

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|Os refugiados que se apinham à porta do consulado — 14, Quai Louis XIV — vêem um excitado rabi Krugger, sem chapéu nem casaco,|

|sair do consulado e gritar: “Judeus! Dai-me os vossos passaportes! Conseguir- vos-ei vistos!” |

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|Também Otto de Habsburgo, depois de Sousa Mendes ter visado pessoalmente os passaportes da família imperial austríaca, faz |

|chegar ao consulado centenas de passaportes de cidadãos austríacos em fuga, que igualmente recebem os necessários vistos. |

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|Enquanto Sousa Mendes, ajudado por familiares e funcionários, trabalha sem cessar, também em Bordéus, Pétain prepara o |

|armistício — e De Gaulle decide partir para Londres. |

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|A 17, 18 e 19 de Junho, o consulado de Portugal em Bordéus emite milhares de vistos. |

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|Na noite de 19, a cidade é bombardeada. Para os refugiados que — como os Bromberger e os seus três filhos, fugidos de |

|Antuérpia em Maio — julgavam poder esperar em Bordéus até ao fim da guerra, é de novo a fuga, a caminho de Baiona. |

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|O vice-cônsul português em Baiona, Faria Machado, recebeu de Sousa Mendes ordens para desobedecer à Circular 14 e conceder |

|vistos a quem o solicitasse. Inquieto, avisa o ministério — que envia a Baiona o cônsul Lopo Simeão. |

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|Quando chega a Baiona, a 22 de Junho, este encontra, em redor do consulado — 8, Rue du Pilori —, onde Sousa Mendes ajuda Faria|

|Machado e Vieira Braga, cônsul honorário, a emitir vistos, o que descreve, em telegrama para o ministério, como |

|“circunstâncias tragicamente anormais” e “incalculável multidão em situação verdadeiramente desesperada enchendo as ruas na |

|proximidade do consulado”. |

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|Sylvain Bromberger, então com 15 anos, lembra-se de esperar, na praça contígua, que lhes fossem visados os passaportes |

|entregues no consulado pelo irmão mais velho, David. De vez em quando, alguém chegava à praça com um molho de passaportes e |

|gritava alguns nomes. Quando, finalmente, ouviu “Bromberger”, soube que a família tinha uma possibilidade de salvar-se. |

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|Horas mais tarde, chega por sua vez a Baiona o embaixador de Portugal em Madrid, Pedro Teotónio Pereira. Homem da confiança de|

|Salazar, aclara as instruções para a concessão de vistos: |

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|“Vistos de passaportes ‘Nansen’ só com bilhetes de barco.” De resto, podem receber vistos “ingleses, americanos, americanos do|

|Sul, franceses — gente limpa! — e belgas — personalidades! —, atendendo também a outros recomendados pelas embaixadas e |

|legações”. Tudo para — nos termos da informação ao ministério de Lopo Simeão — “evitar a entrada em Portugal de uma massa |

|ignóbil e em grande parte indesejável do ponto de vista social”. |

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|No dia seguinte, Teotónio Pereira, acompanhado de Faria Machado e Lopo Simeão, dirige-se a San Sebastian, para dali contactar |

|o ministério, em Lisboa. Em Hendaia, encontra Sousa Mendes, que ali acompanhara alguns refugiados — e continuava a conceder |

|vistos. |

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|Liesel Spett, que nesse dia atravessa a fronteira, lembra-se de o ver, de gabardina, encostado a um carro, a passar vistos em |

|todos os papéis que lhe estendiam. |

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|Milhares de pessoas atravessaram, desde 19 de Junho, a ponte internacional de Irún — e esse dia 23 de Junho é apontado pelas |

|agências internacionais como “um dos dias de maior trabalho” para os guardas fronteiriços espanhóis. Quando, chegada a Irún, a|

|família Bromberger olhou para trás, na direcção de Hendaia, viu que tinham já chegado os primeiros soldados alemães. |

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|Já o compositor e pianista Norbert Gingold, judeu austríaco, que tinha recebido o visto português, não conseguiu visto de |

|trânsito de Espanha. Teotónio Pereira comunicara entretanto às autoridades espanholas “a decisão de dar por nulos os vistos |

|concedidos pelo consulado em Bordéus a numerosíssimas pessoas que ainda se encontravam em França”, acrescentando que “o |

|referido cônsul havia perdido o uso da razão.” O adido militar alemão em Madrid — citado por Lopo Simeão — louva “a atitude |

|correcta tomada pelo Governo português, filtrando essa precipitada corrente de imigração”. |

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|Sousa Mendes é mandado regressar a Lisboa. A 4 de Julho, Salazar, que acumula a pasta dos Negócios Estrangeiros com o seu |

|cargo de presidente do Conselho, ordena a abertura de um inquérito aos acontecimentos de Bordéus e Baiona. (Dois dias antes, |

|em mensagem ao representante português em Londres, parecia saber de antemão o resultado: “Vistos concedidos em Bordéus |

|foram-no em contravenção de instruções expressas do Ministério, por cônsul que já afastei do serviço.”) |

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|A nota de culpa refere a concessão de vistos a pessoas pertencentes a “nacionalidades para as quais, por determinação do |

|Ministério dos Estrangeiros, estava interdita a concessão de qualquer visto”. A nota acrescenta que “houve necessidade de |

|deixar internar no país esses estrangeiros, em virtude das autoridades espanholas não consentirem no seu retorno” e conclui |

|que “a atitude do arguido deu lugar a uma situação desprestigiante para Portugal perante as autoridades espanholas e alemãs de|

|ocupação”. Na sua contestação, Aristides de Sousa Mendes refere a “aflição indescritível” daqueles que pediam um visto e |

|salienta: “Não podia eu fazer diferenças de nacionalidades, visto obedecer a razões de humanidade que não distinguem raças nem|

|nacionalidades.” O cônsul de Portugal em Bordéus afirma ter procedido sempre “segundo os ditames da [sua] consciência, que |

|nunca deixou de [o] guiar no cumprimento dos [seus] deveres”. |

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|Embaixador de Portugal em Bruxelas, presente em Baiona na altura da concessão dos vistos, Calheiros e Meneses depõe a favor de|

|Sousa Mendes, esclarecendo que, “para resistir às súplicas e implorações de tantos desgraçados apavorados com a aproximação do|

|invasor e o justo medo do campo de concentração, ou, ainda pior, do fuzilamento, se requeria uma coragem moral pouco banal”. |

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|O instrutor do processo, Paula Brito, recomenda a pena de “suspensão de exercício e vencimento de mais de trinta até cento e |

|oitenta dias”. Salazar decide: “Um ano de inactividade com direito a metade do vencimento da categoria, devendo em seguida ser|

|aposentado.” |

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|Sousa Mendes não se conforma. O seu advogado, Adelino da Palma Carlos, requer ao Supremo Tribunal Administrativo a anulação da|

|sentença. Em vão. |

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|É também em vão que, para fazer frente à redução do vencimento, tenta voltar a advogar: a recusa do ministério em informar a |

|Ordem dos Advogados das razões do seu processo impede- o de exercer. |

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|Em Cabanas de Viriato, onde a família Sousa Mendes dava, todas as quintas-feiras, um jantar aos pobres e recebia amigos e |

|refugiados, o filho do padeiro é um dos primeiros a aperceber-se das dificuldades: “O saco do pão que lhes levava ia cada vez |

|mais vazio.” |

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|Em breve, Sousa Mendes é forçado a abandonar a casa de Cabanas de Viriato, a mudar-se para um pequeno apartamento em Lisboa e |

|a partilhar com refugiados o recurso à cantina da Assistência Judaica Internacional — onde um dia dirá a um jovem judeu, Isaac|

|Bitton, que também ele, Sousa Mendes, é um refugiado. |

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|A Assistência Judaica Internacional ajuda, aliás, alguns dos filhos do cônsul a partirem, também eles, rumo aos Estados |

|Unidos. |

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|Terminada a Segunda Guerra com a vitória dos Aliados, Sousa Mendes entrega à Assembleia Nacional uma reclamação contra a |

|sentença que lhe fora imposta. Mais uma vez em vão. |

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|O cônsul, no entanto, nunca se arrepende do seu acto. Fiel às suas convicções religiosas, recorda que, “se tantos judeus |

|puderam sofrer por culpa de um católico — Hitler — então, não é demais que um católico sofra por ter auxiliado judeus”. |

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|A 3 de Abril de 1954, Aristides de Sousa Mendes morre no Hospital da Ordem Terceira. César, o gémeo, recebe um cartão de |

|condolências de Salazar. |

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|Em 1967, em Israel, a Autoridade para a Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto considera Aristides Sousa Mendes |

|“gentio virtuoso” e planta uma árvore em seu nome. |

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|Dez anos depois — contra as reservas dos serviços, que consideram a reparação da injustiça feita a Sousa Mendes uma crítica |

|aos diplomatas mais obedientes — o então titular da pasta dos Estrangeiros, José Medeiros Ferreira, homologa a proposta da |

|reintegração de Sousa Mendes na carreira diplomática. Mas só em 1989 essa reintegração vem a efectivar-se, depois da votação |

|unânime da Assembleia da República. |

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|Distinguido a título póstumo com a Ordem da Liberdade, “o Desobediente de Bordéus” é hoje um exemplo de que a obediência cega |

|não é, nem pode ser, um dever absoluto. |

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* - Uma das pessoas que recebeu um visto de Aristides de Sousa Mendes

"Sendo diplomata, assinou os vistos de sua vontade, com grande sacrifício pessoal, enorme generosidade e contra as ordens do Governo de então. Arriscou a liberdade e o futuro, para defender vidas, em defesa dos direitos humanos."

Padre Vítor Melícias

"Graças a Aristides de Sousa Mendes, Portugal ficou na história do séc. XX como um país que apoiou os refugiados durante a Segunda Guerra Mundial."

Irene Pimentel

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