PUC-Rio



Brasil: País do Futuro?

Maria Clara Lucchetti Bingemer

         Em palestra proferida no ano de 2003 na Semana Sinapse, em São Paulo, o conhecido economista Eduardo Gianetti conduziu importante discussão sobre se o Brasil seria o país do futuro. (cf. FSP 30/9/2003).   Em sua palestra, Gianetti disse que compartilha da idéia —otimista— de que o Brasil tem condições de superar seu passado. Retomamos aqui as reflexões do prof. Gianetti porque parece-nos que conservam toda a sua atualidade.

É fato que o Brasil vive dias dourados.  Apesar de todos os problemas dos quais os maiores e mais visíveis a olho nu são a violência urbana e a corrupção, a economia brasileira, ao contrário de seus vizinhos países do Cone Sul, conhece tempos bons, com o real valorizado frente ao dólar como não o está desde 1999.

          Além disso, em tempos onde a ecologia é a obsessão de todos, o Brasil virou foco das atenções mundiais, por ser um país com uma abundancia pouco encontrada em outros de recursos naturais.  Temos água, florestas verdes, a Amazônia, enfim, uma quantidade generosa de riquezas que permite olhar para o futuro com esperança. Num momento onde os alimentos e sua produção se encontram em crise, é para o Brasil que os olhos do mundo deverão voltar-se para encontrar a fonte de produção desses alimentos.  

             "É um mérito manter a esperança por tanto tempo", afirmou o professor Gianetti em seu discurso por nós citado acima, após contrapor a condição do Brasil, de país do futuro, com a do Reino Unido. "O inglês não acredita que seu país possa equiparar ou superar seu passado.”

            Após essas positivas constatações, o economista, com proféticas palavras, disse considerar que o principal desafio para que o Brasil compense os problemas acumulados seja a redução da desigualdade social. "Hoje, quem não tem nada valoriza questões econômicas muito mais do que se a distância para o mais rico fosse menor." Ou seja, o acesso da classe baixa a mais consumo e a mais comida não a fez mais satisfeita, mas mais desejante. 

Quem está mais bem alimentado tem mais condições de sonhar e desejar.  E mais condições igualmente de constatar quão longe está de seu sonho e sua utopia.  Seu olhar se levanta e começa a aspirar aquilo que nunca aspirara, simplesmente porque o desconhecia.

            Para Gianetti, professor das Faculdades Ibmec e autor do livro "Felicidade", da editora Companhia das Letras, o futuro do Brasil deve ser buscado como o produto da tensão entre o desejável e o exeqüível. "O sonho desvinculado da realidade não vinga. A realidade desprovida de sonho definha." Neste sentido, de nada adianta projetar para a economia brasileira em longo prazo aumentar significativamente o PIB se a distribuição de renda ao mesmo tempo não acompanha essa melhoria e a estende horizontalmente a mais pessoas, preferivelmente a todos. 

            Segundo Gianetti, pesquisas demonstram que, acima desse valor, não há um ganho perceptível na satisfação pessoal. "Precisamos nos libertar do fetiche do crescimento", disse como condição para um verdadeiro desenvolvimento. Como acadêmico que é, o professor Gianetti cita especialmente a educação como grande falha nacional.  Uma das incoerências econômicas brasileiras, segundo ele, é o fato de o déficit da Previdência representar 5,5% do PIB, enquanto gastos com ensino público fundamental e médio equivalem a 4,3%. "Um país que faz isso 'desinveste' no seu passado, em vez de investir no futuro.”

               Por outro lado se a educação fosse prioridade nacional o Brasil estaria realmente construindo seu futuro.Pois, além da equidade econômica, também seria alcançada a igualdade de oportunidades que é a condição da verdadeira liberdade: "Não faz sentido dizer que alguém é livre para ler Machado de Assis se não é alfabetizado".

A quase inexistência de mobilidade social que existe no Brasil é, por isso, o contrário da condição de igualdade de oportunidades, podendo produzir e produzindo com efeito indivíduos e cidadãos com grande potencial intelectual que, sem nenhuma chance de crescimento, tornam-se criminosos.

A atenção à educação e o investimento nela são, a nosso ver, a real condição para que o Brasil faça jus à sua utopia de país do futuro. 

* Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, e Diretora Geral de Conteúdo do Amai-vos. É também autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.

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