O Melado Tenerifenho – Um caso exemplar



O Melado Tenerifenho – Um caso de persistência

Por Paulo Ferreira – Juiz OMJ e Presidente da Comissão Técnica de Canários de Porte do CPJO

O Melado Tenerifenho foi reconhecido oficialmente em Janeiro de 2002, no Campeonato Mundial de Ypres, como mais uma raça de porte de plumagem frisada ligeira.

De origem espanhola, da ilha de Tenerife, esta raça obteve o reconhecimento após um percurso de mais de 100 anos de criação e selecção e mais de 15 anos de trabalho, perseverança e empenho dos seus promotores, que nunca desistiram, e que viram agora definitivamente reconhecidos os seus esforços para a homologação oficial. Este caso é, por isso, verdadeiramente exemplar para nós, que também ambicionamos criar uma raça portuguesa, mas que às primeiras dificuldades, tendemos a desistir com o sentimento de que não seremos capazes. A canaricultura nacional tem o direito, como berço da canaricultura mundial, a figurar com uma ou mais raças no panorama internacional mas, só com muito trabalho, persistência e sobretudo seriedade e “profissionalismo” tal poderá vir a ocorrer. Com este artigo pretendo também trazer uma palavra de estímulo aos promotores do Arlequim ou de outra qualquer nova raça nacional.

1-As origens

Supõe-se que os antecessores dos primeiros Melados (palavra por que em Tenerife eram conhecidos os canários de cor amarelo nevado muito claros) terão surgido, em meados do século passado, nas ilhas Canárias, por cruzamento de canários frisados indefinidos (eventualmente canários frisados como os que existiam na Madeira e Açores com o nome de Caneludos) e canários de plumagem lisa de posição (eventualmente os canários denominados de Glasgow, antepassados do Scotch Fancy). Pensa-se que posteriormente veio a intervir um outro canário, denominado Hamburguês, que sendo mais rico de plumagem frisada, veio a melhorar esta caracteristica no Melado.

Estes canários antigos eram já distinguidos por possuirem uma certa corpulência, a sua posição intermédia entre o 7 (sete) e o 1 (um), os seus frisados médios, a sua plumagem compacta e abundante e a sua cor amarelo palha.

Durante muitos anos estes canários foram criados pelos ornitófilos de Tenerife mas, devido a não existir uma verdadeira orientação num sentido definido, com a elaboração de um standard definido e realista, não se fixaram verdadeiramente as caracteristicas apresentadas hoje pelo Melado Tenerifenho.

Só a partir dos anos 80, com o aparecimento do Giboso Espanhol, foi criada a sensibilidade para a necessidade de criar um standard para estes canários, que se distinguiam claramente das restantes raças existentes, e se produziu então uma tabela de pontuação que na prática poucas alterações sofreu até hoje.

2- O reconhecimento nacional

Após um amplo debate entre criadores, juízes e outros aficionados elaborou-se um standard e uma tabela de pontuação que definiu de certo modo as linhas mestras a seguir por todos os criadores. Foi apresentado pela primeira vez no 21º Campeonato de Espanha em Alicante (1985) como raça de exibição, mas no ano seguinte (1986) viu negada a aprovação no Campeonato de Tarragona. No ano de 1987 não foi apresentado no Campeonato Espanhol. No entanto, tal situação de inconsistência não servia as pretensões dos aficionados, e os promotores estavam decididos a homologar definitivamente esta raça a nível nacional visto que, na sua opinião se destacava, nas suas caracteristicas, das restantes raças e plumagem frisada ligeira.

Para reconhecer a raça era exigido pela F.O.C.D.E. um conjunto de rigorosas provas da viabilidade da raça, para além da necessária participação, com aprovação, em 3 Campeonatos de Espanha, segundo as regras da Federação Espanhola. À dificuldade responderam estes canaricultores com um trabalho “profissional”.

Perante os Juízes e representantes da Federação Ornitológica Cultural e Desportiva Espanhola foi apresentado pela F.O.Canárias/F.O.C.D.E.em Cádiz no dia 9 de Dezembro de 1989, por ocasião do 25º Concurso Nacional de Espanha de Canaricultura, um dossier completo sobre o canário Melado Tenerifenho que incluia a seguinte documentação: antecedentes biológicos, origens dos canários domésticos, desenvolvimento da canaricultura nas ilhas Canárias, génese e evolução do Melado Tenerifenho, caracteristicas do Melado Tenerifenho, tabela de julgamento do Melado Tenerifenho, radiografias do canário Melado Tenerifenho, documentação fotográfica do Melado e conclusões finais. Para além deste dossier foram apresentados 10 exemplares individuais e 2 equipas de 8 criadores com vista à aprovação.

A comissão estabelecida para o estudo da raça foi constituída pelo presidente da Comissão Técnica de Canários de Porte, por 16 Juízes de canários de Porte e 3 Aspirantes que constituiam respectivamente o Presidente da Mesa, o Secretário da Mesa e os Jurados da Mesa de Estudo e Comprovaçãoda nova raça. Por parte dos promotores da raça desempenhou um papel muito importante um biólogo de Sta. Cruz de Tenerife que trouxe um aporte de conhecimento técnico/profissional valioso.

Após a análise das caracteristicas da raça foi efectuado um amplo debate que conduziu a algumas modificações na tabela de pontuação e na descrição do standard por forma a melhor definir as caracteristicas existentes (casos das definições da largura do peito e dorso, penas vibrisas do esterno e filoplumas das patas, inclinação do pescoço, tamanho minimo, cores admitidas, etc).

Foram também analisadas e quantificadas todas as diferenças relativamente às demais raças frisadas ligeiras tendo-se analisado em profundidade, rubrica a rubrica, as diferenças relativamente ao Frisado do Sul (por se entender que era a única raça susceptível de, com maus exemplares, se confundir com o Melado). Dessa comparação foi tirada a conclusão de que haveria sómente afinidade em cerca de 30% das caracteristicas, pelo que aos exemplares Melado Tenerifenho foram atribuídas caracteristicas raciais definidas e exclusivas.

Com base neste estudo e após discussão alargada decidiu a Federação Espanhola aprovar o standard final da raça e a sua ficha de julgamento, com vista à sua apresentação e posterior reconhecimento nacional.

Assim o Melado veio a ser apresentado com êxito nos seguintes Campeonatos de Espanha – em 1989 em Cádiz, em 1990 em Sevilha e reconhecido finalmente (3º ano) em 23 Novembro de 1991 em Madrid com ratificação em Assembleia Geral da F.O.C.D.E..

Como se verifica tanto as exigências como a resposta dos canaricultores foram exemplares a todos os níveis partindo-se então para o processo de reconhecimento internacional com uma base de trabalho sólida e cientificamente estruturada de modo a facilitar todo o processo posterior.

3-O reconhecimento mundial

Para que uma nova mutação ou raça seja reconhecida pela COM/OMJ determinados requisitos têm de ser cumpridos. Estes requisitos são tidos como os minímos por forma a garantir que as caracteristicas genéticas estão definitivamente fixadas para que o fenótipo da raça não sofra variações e se mantenha dentro do standard definido para a raça.

A COM/OMJ define os seguintes requisitos para o reconhecimento de uma nova raça:

-O pedido deve ser feito por um país membro da COM que fornecerá um processo completo com a documentação relativa à nova raça, standards e fichas de julgamento.

-Deverão ser apresentadas “fora de concurso” o minimo de 1 equipa de 4 aves e 5 aves individuais, de um ou vários criadores, durante 3 anos consecutivos nos campeonatos mundiais COM.

-O julgamento destas aves será efectuado por um conjunto de 5 Juízes de diferentes países, com excepção de 1 juíz do país membro que apresenta a raça.

-Os Juízes avaliam as aves de acordo com o standard proposto e emitem um relatório escrito

-As aves avaliadas deverão obter um minimo de 87% das caracteristicas necessárias de acordo com o standard (minimo de 87 pontos).

-Se estas condições não forem cumpridas em qualquer dos anos do processo este deve recomeçar do início.

No caso do Melado Tenerifenho as iniciativas com vista à sua homologação iniciaram-se em 1993 tendo deste então passado por alguns reconhecimentos positivos e outros negativos que provocaram o reinício do processo. Com efeito, logo na primeira apresentação num Campeonato do Mundo, em Breda na Holanda viu fugir a aprovação. No ano seguinte em Bucholt na Alemanha veio a obter o minimo que lhe garantiu o primeiro ano de aprovação. Em 1995, em Udine-Itália obteve de novo pontuações suficientes que lhe garantiram o segundo ano de aprovação. No entanto seguiram-se 2 anos – Charleroi (Bélgica) e Reims (França) em que as aves apresentadas não mereceram a aprovação dos Juízes presentes fazendo recomeçar todo o processo de 3 anos. Não esmorecendo os criadores continuaram a apresentar aves nos Mundiais: Em 1998 no Mundial de Zutphen (Holanda) obtiveram de novo a aprovação; em 1999 novamente as aves não obtiveram os minimos reprovando e fazendo voltar tudo à estaca zero. Pode acontecer, e daí a necessidade de persistência, que o processo de apresentação de uma raça sofra retrocessos motivados por questões acidentais exteriores (transporte irregular, doenças ou mortes de aves, questões ambientais, etc.). Segundo alguns especialistas estes problemas com o Melado ficaram a dever-se às diferentes condições atmosféricas entre o continente e as ilhas, e não a deficiente fixação das caracteristicas da raça. De facto, como qualquer criador ou juíz de raças frisadas sabe sobejamente, os factores de temperatura e humidade podem influir de forma radical na qualidade da plumagem e em especial dos frisados principais. Por outro lado a raça está há muitos anos perfeitamente difundida na ilha de Tenerife com participações de 200-300 Melados nas exposições locais e internacionais realizadas nas Canárias e portanto não seria por falta de boas aves que haveria estes recuos.

De qualquer modo o processo de avanços e recuos não fez esmorecer os criadores a promotores da raça e, finalmente, um ciclo de 3 anos com pareceres positivos iniciado com o Mundial de Alicante (em 2000) e continuado com o nosso Mundial de Santa Maria da Feira (2001) veio a dar o reconhecimento a esta nova raça de porte no Mundial de 2002 em Ypres na Bélgica recompensando todos os que se tinham empenhado nesta tarefa.

Como vimos os promotores do Melado Tenerifenho, as ilhas Canárias e Espanha estão, de facto, de parabéns pela perseverança demonstrada ao longo de todo o processo.

4-As caracteristicas genéricas do Melado Tenerifenho

O Melado Tenerifenho é um canário de porte de plumagem frisada ligeira e de posição. Como todas as raças ligeiras apresenta apenas os frisados principais do peito (jabot), dos flancos (aletas) e do dorso (manto). Para além destas caracteristicas essenciais apresenta ainda uma posição de trabalho em forma de 1 devido ao ângulo formado pelo pescoço associado à posição vertical das patas e coxas. Esta posição é intermédia entre a posição do Frisado do Sul (em forma de 7) e a posição do Gibber Italicus (em forma de 1 muito pronunciado). A posição é semelhante à do Giboso Espanhol embora com um ângulo ligeiramente menos pronunciado.

Relativamente ao Giboso Espanhol apresenta, no entanto, diferenças substanciais no que diz respeito à plumagem uma vez que o Melado tem uma plumagem abundante enquanto o Giboso apresenta escassez de plumagem.

Outra caracteristica distintiva do Melado é também o seu tamanho. Com efeito para além de um comprimento minímo de 18 cms. este canário tem de apresentar uma forma geral muito volumosa com plumagem abundante, dorso e peito largos (desejável um peito de 4 cms.).

A plumagem,como expresso acima, deve ser muito abundante e sedosa, delimitando perfeitamente as zonas lisas (em que deve ser compacta) e as zonas frisadas (em que deve ser volumosa). Por esse facto, e ao contrário do Gibber e do Giboso, o esterno está coberto de penas lisas, compactas e muito curtas e pequenas (denominadas vibrisas) e as pernas estão cobertas de penas lisas, compactas, grandes e largas (denominadas filoplumas). Quaisquer destas penas são muito finas, sedosas, de raquis macio e bárbulas soltas e suaves mais parecendo pêlos que penas.

Apresentamos de seguida o standard completo desta raça frisada ligeira, tal como publicado pela OMJ:

|Posição e Forma |Posição erguida e em forma de 1 (um). |

|20 |Forma geral grande, muito volumosa, marcando perfeitamente as zonas de plumagem lisa e |

| |plumagem frisada. |

|Jabot e Abdómen |Nascendo simétricamente de ambos os lados de um peito largo, o jabot é aberto, formado |

|15 |por dois conjuntos de penas frisadas curtas que se dirigem para o centro, deixando ver o|

| |esterno coberto de finas penas lisas. |

| |Abdómen liso (sem frisados). |

|Aletas |Partindo de cada um dos flancos, são grandes,densas e simétricas, e não aderentes às |

|10 |asas. |

|Tamanho |18 cms de comprimento minimo. |

|10 | |

|Manto |Nascendo simétricamente ao longo da linha central longitudinal dorsal, é volumoso, |

|10 |recaindo abundantemente em ombros altos e dorso largo. |

|Pescoço |Longo, coberto de penas lisas. |

|5 | |

|Cabeça |Proporcionada, coberta de penas lisas. |

|5 | |

|Plumagem |Abundante, sedosa, compacta nas zonas lisas e volumosa nas zonas frisadas. |

|5 |São admitidas todas as cores. |

|Cauda |Longa, estreita e perpendicular ao poleiro |

|5 | |

|Asas |Longas, bem aderentes ao corpo e sem se cruzarem. |

|5 | |

|Patas |Longas, rigidas, com coxas cobertas de penas lisas. |

|5 | |

|Condição Geral |Saúde e higiene perfeitas. Habituação à gaiola de exposição. |

|5 |São admitidas todas as cores. |

Gaiola de Exposição – Tipo Yorkshire com um poleiro elevado

Esta nova raça, embora não sendo ainda vulgar nas exposições regionais e nacionais, apresenta caracteristicas de robustez e beleza que, aliadas à disponibilidade por razões geográficas, poderão torná-la muito popular entre nós, agora que está homologada a nível mundial pela COM/OMJ.

O longo e árduo caminho que o reconhecimento mundial representa, e que no futuro se perspectiva ainda mais difícil pelas restrições impostas pela OMJ, só deverá fortalecer ainda mais o empenhamento de todos os que se dedicam à selecção e criação de novas variedades de canários de porte. Existem actualmente diversas raças candidatas a esse reconhecimento internacional mas provávelmente só os promotores mais rigorosos e persistentes, apoiados por entidades nacionais sérias e profissionais, levarão o “barco a bom porto”.

Paulo Ferreira - Juiz Internacional OMJ

Comissão Técnica de Canários de Porte do CPJO

Julho 2003

-----------------------

[pic]

[pic]

[pic]

[pic]

[pic]

[pic]

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download