Fernando Pessoa e Mário Beirão - Brown …

M?rio Beir?o e Fernando Pessoa: Lusit?nia intertexto de Mensagem

Keywords

Caio Gagliardi*

Fernando Pessoa; M?rio Beir?o; Mensagem; Lusit?nia.

Abstract

M?rio Beir?o was one of the jurors of Antero de Quental Prize of poetry, which Mensagem, by Fernando Pessoa, received. One of Beir?o main books, Lusit?nia, is a key work to understanding the genesis and prominence of Mensagem. Besides proposing a comparison between the texts, this article reviews the attribution of that award, the political positioning of the poets and their aesthetic divergences with respect to the Camonian tradition.

Palavras-chave

Fernando Pessoa; M?rio Beir?o; Mensagem; Lusit?nia.

Resumo

M?rio Beir?o foi um dos jurados do Pr?mio Antero de Quental de poesia, no qual estava inscrito Mensagem, de Fernando Pessoa. Um dos principais livros de Beir?o, Lusit?nia, ? uma obra-chave para compreender a g?nese e o alcance de Mensagem. Al?m de propor uma aproxima??o entre os textos, este artigo examina a atribui??o do referido pr?mio, o posicionamento pol?tico dos poetas, suas diverg?ncias est?ticas e com rela??o ? tradi??o camoniana.

* Departamento de Letras Cl?ssicas e Vern?culas ? Universidade de S?o Paulo (USP).

Gagliardi I.

M?rio Beir?o e Fernando Pessoa

Partamos de um lugar-comum relativo ? revista A ?guia. H? cem anos estampou-se no n?mero 4 de sua 2.? s?rie o artigo "A nova poesia portuguesa sociologicamente considerada", assinado por um jovem escritor de 24 anos e ainda distante da celebridade que o pr?prio artigo antevia. N?o foi essa, ao contr?rio do que afirmaram alguns de seus primeiros cr?ticos, a estreia de Fernando Pessoa nas letras, tampouco isso ocorreu com um texto te?rico. Aos 14 anos, Pessoa publicara um poema intitulado "Quando a dor me amargurar", no jornal O Imparcial, de 18 de Julho de 1902. Poucos meses depois, no mesmo ano, o Dr. Pancr?cio, um pseud?nimo seu, publicava charadas em n?meros subsequentes do quinzenal O Pimp?o, e ent?o surgiram outros textos, poesia e prosa, em l?ngua inglesa, e tradu??es (cf. Saraiva, 1999: 21-22; Silveira, 1988: 97-105; Pessoa, 2013: 4953). Lembre-se, ainda, que seu primeiro texto cr?tico publicado ? um ensaio sobre Thomas Babington Macaulay, veiculado pela revista do col?gio de Durban, The Durban High School Magazine, em dezembro de 1904, intitulado "Macaulay". Apesar de ainda muito jovem, Pessoa revela nesse ensaio, nas palavras de Alexandre Severino, "pensamento cr?tico independente, arguto e judicioso" (Severino, 1971: 68). Houve, portanto, um pequeno hist?rico de publica??es at? a data do famigerado artigo d' A ?guia. Mas s?o todas elas publica??es restritas a um n?mero ex?guo de leitores, e de circula??o limitada. O que talvez seja realmente relevante considerar nesse caso, ? que estrear, mais do que simplesmente iniciar, ? uma manifesta??o p?blica, volunt?ria e de express?o singular. Nesse sentido, se encararmos a atitude e sua repercuss?o, o artigo d' A ?guia permanece sendo o primeiro momento em que Pessoa efetivamente se lan?a ao mundo das letras portuguesas. A estreia de Fernando Pessoa contrasta sensivelmente com a imagem do homem t?mido e de personalidade reservada. A natureza messi?nica dessas reflex?es, mais do que visar ao convencimento, ? amiga da ostenta??o e da pol?mica. Bem arquitetada, a estreia de Pessoa ?, na verdade, uma encena??o p?blica, um gesto perform?tico. ? nessa habilidosa pe?a de pol?mica que Pessoa anuncia bombasticamente o surgimento em Portugal de um escritor que tomaria o posto de poeta nacional, h? mais de tr?s s?culos ocupado por Cam?es. A argumenta??o com que fundamenta o vatic?nio ? marcada pela l?gica especiosa, de direcionamento teleol?gico: as grandes literaturas nascem quando uma sociedade, ap?s um per?odo de grave crise, procura se reerguer a partir da tomada de consci?ncia de sua identidade nacional. O jovem escritor de ideias pr?prias ilustra esse argumento tomando como exemplo o surgimento de Shakespeare, na Inglaterra isabelina, e de Victor Hugo, na Fran?a rom?ntica. Portugal passaria por uma fase an?loga ? que presenteou esses pa?ses

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com seus vates, isto ?, de plena tomada de consci?ncia de sua "ess?ncia espiritual" (como, ali?s, diria Teixeira de Pascoaes), e assistiria ? inesperada chegada de um "supra-Cam?es".

Esse inusitado artigo, que estende um pouco mais o cap?tulo que A ?guia ocupa na hist?ria da literatura portuguesa, ao ser encarado em retrospectiva n?o prefigura maior mist?rio. O que faz pensar que Pessoa esteja referindo-se a si pr?prio como o "Grande Poeta" anunciado ?, sobretudo, a constata??o de que se considerava um "saudosista original", seja no sentido de preservar o esp?rito saudosista, como no de conferir ao movimento caminhos diferentes ? e, acrescentemos, porventura mais condizentes com as suas propostas ? aos trilhados por seu fundador. Tanto ? assim que, em carta enviada a ?lvaro Pinto, diretor d'A ?guia, Pessoa refor?a seu compromisso com o movimento, ao afirmar que "a nossa Causa ? importante demais para nos estarmos a constituir um partido pol?tico ou seita religiosa", incentivando a toler?ncia est?tica e ideol?gica entre o grupo, e distanciando-se, por outro lado, da perspectiva mais sect?ria de Pascoaes. Nessa mesma carta, Pessoa se define da seguinte maneira: "Eu ? que sou quanto h? de mais renascente em toda a extens?o da alma" (Pessoa, 1999: 80).

Em 1912, o poeta saudosista por direito era Teixeira de Pascoaes. No entanto, Pessoa exclui a possibilidade de identific?-lo como o "Grande Poeta" anunciado, com a seguinte afirma??o: "O movimento est? ainda no princ?pio, por isso n?o produziu ainda nenhum grande Poeta". Em carta escrita no mesmo ano, endere?ada a Boavida Portugal, Pessoa especifica seu ju?zo sobre Pascoaes:

A literatura de "aspira??o" do futuro ? inferior sempre, porque ? desligada do sentimento de realidade. Isto se verifica muito bem na obra de um poeta s?: Teixeira de Pascoaes. Quando ele era poeta puramente do presente, interpretando o esp?rito da sua ra?a, produziu a Vida Et?rea, que cont?m a, realmente insuper?vel, Elegia. O sonhador do saudosismo e futuros brumosos (sejam esses certos ou n?o ? o que importa ? que para ele n?o s?o realidades) n?o nos d? mais que as complexas fal?ncias do Maranus e Regresso ao Para?so.

(Pessoa, 1999a: 69)

O que fica claro a partir dessas passagens ? que se, por um lado, os artigos que o poeta publica na revista fornecem respaldo te?rico para justificar o Saudosismo, seguindo as intui??es prof?ticas de Pascoaes, por outro abrem perspectivas transigentes, inauditas para o movimento, chegando, mesmo, a definir, indiretamente, diretrizes para as pr?prias experimenta??es po?ticas. O amor ao "vago", ao "sutil" e ao "complexo", por exemplo, tal como defende em seu artigo de fundo sobre a "nova poesia", identifica-se com maior adequa??o a textos pr?prios, como "Pauis" (publicado primeiramente num d?ptico ao lado de "? sino da minha aldeia", sob o t?tulo geral de "Impress?es do Crep?sculo") e "Na Floresta do Alheamento" (que sairia em pouco tempo na pr?pria A ?guia). O primeiro bi?grafo de Pessoa, Jo?o Gaspar Sim?es, preferiu considerar a est?tica

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"pa?lica" (paulismo ? o nome dessa est?tica de vida curt?ssima criada por Pessoa, e j? dilu?da em poemas de S?-Carneiro e Almada Negreiros) como uma esp?cie de "saudosismo intelectualizado", por se tratar, afinal, de algo j? sensivelmente distinto ?quilo que se esperava encontrar n'A ?guia. Desse caminho de depura??o, Pessoa far? germinar, em 1934, isto ?, depois do fim d'A ?guia e da Renascen?a Portuguesa, j? em plena ditadura salazarista, um dos grandes poemas (ou "livros de poesia", se assim se preferir encar?-lo) em l?ngua portuguesa: Mensagem.

A considerar que o referido an?ncio tenha sido feito ainda em 1912, isto ?, antes mesmo do surgimento dos heter?nimos e de todos os seus principais poemas, revela-se j? de partida um tra?o absolutamente distintivo de sua trajet?ria po?tica, e que ser? fartamente justificado por sua produ??o doutrin?ria: Fernando Pessoa foi um autor plenamente consciente de seu g?nio po?tico. Era capaz de antever as pr?prias realiza??es, tal como um enxadrista que adianta mentalmente os movimentos. Para Pessoa, escrever era, afinal, um gesto com duplo direcionamento, para os seus e para a posteridade:

Se me disserem que ? nullo o prazer de durar depois de n?o existir, responderei, primeiro, que n?o sei se o ? ou n?o, pois n?o sei a verdade sobre a sobrevivencia humana; responderei, depois, que o prazer da fama futura ? um prazer presente ? a fama ? que ? futura. E ? um prazer de orgulho egual a nenhum que qualquer posse material consiga dar. P?de ser, de facto, illusorio, mas seja o que f?r, ? mais largo do que o prazer de gosar s? o que est? aqui.

(Pessoa, 2013: 373-374) (Pessoa, 1999b: 162)

J? nas p?ginas d'A ?guia, o poeta revelava uma de suas caracter?sticas principais, que viria a se confirmar por todo o folclore que ele mesmo fomentou a respeito do fen?meno heteron?mico: Pessoa foi um ex?mio construtor de mitos. Essa era, na verdade, uma delibera??o de seu esp?rito criador: "Desejo ser um criador de mitos, que ? o mist?rio mais alto que pode obrar algu?m da humanidade" (1966: 100).

Entretanto, interpretar o "supra-Cam?es" como auto-an?ncio n?o era uma leitura ?bvia em 1912, tampouco nas d?cadas subsequentes ? publica??o de seu artigo de estreia n' A ?guia. E aqui come?amos a ingressar mais objetivamente no tema central deste ensaio.

II.

Se hoje custa-nos atribuir o grau de "Grande Poeta" a qualquer outro que n?o o pr?prio Fernando Pessoa, ? razo?vel considerar que a maior parte dos leitores d' A ?guia daquele momento n?o tenha sequer levantado a hip?tese de um auto-vatic?nio, sendo levada a aventar, ainda que incertamente, nomes de jovens poetas promissores para ocupar o posto do anunciado, entre eles o de M?rio Beir?o.

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M?rio Beir?o e Fernando Pessoa

Dois anos mais jovem que Pessoa, Beir?o estreou um ano antes que ele, n' A ?guia, com o poema "As Queimadas", tendo seu primeiro livro, Cintra, sido publicado no ano seguinte, em forma de plaquette, pela Renascen?a Portuguesa. Nesse mesmo ano, em carta dirigida ao poeta, Pessoa o compara, ao que parece n?o por acaso, superlativamente a Keats (o autor de Hyperion, j? referido como uma poss?vel refer?ncia para Mensagem), e identifica, com entusiasmo, um processo de franca ascens?o criativa no jovem colega: "suba at? onde est?o os deuses, e receba deles a coroa que n?o murcha, porque as suas folhas s?o daquela mat?ria de que as coisas s?o divinamente feitas" (Pessoa: 1999a: 60; carta a M?rio Beir?o, 6-XII-1912). Al?m disso, em seu segundo artigo na revista, "A nova poesia portuguesa em seu aspecto psicol?gico", Pessoa menciona tr?s vezes o nome de Beir?o, como exemplo da "sutileza", "complexidade" e for?a "epigram?tica" da nova poesia realizada em Portugal, destacando dois trechos de seus poemas.

Os aut?grafos dos livros com que Beir?o presenteou Pessoa e as cartas que este enviou ?quele revelam a m?tua admira??o nutrida entre os poetas. Em mais de um momento da correspond?ncia, Pessoa chega a pedir ao colega que lhe envie seu livro: "N?o mudei de casa e aqui terei muit?ssimo prazer em receber O ?ltimo Lus?ada. Ansioso e confiado o espero. V. perdoar? ? minha amizade e admira??o que empurrem para o lado a delicadeza e lhe pe?am que me mande o livro logo que o tenha pronto e mo possa mandar" (Pessoa: 1999a: 94; carta a M?rio Beir?o, 8IV-1913). Na Biblioteca Particular de Fernando Pessoa, o exemplar enviado por Beir?o traz o seguinte aut?grafo, datado de 10 de Abril de 1913: "A Fernando Pessoa. Lembran?a de amizade e homenagem da maior admira??o pelo teu talento" (Beir?o, 1913).1 Chama ainda a aten??o o projeto de uma revista, formulado por Pessoa por volta de 1910, intitulada Lusit?nia, t?tulo hom?nimo ao volume de poemas publicado por Beir?o em 1913. Em seguida, a revista, ainda em planejamento, passou a chamar-se Europa, tendo finalmente vingado como Orpheu (Pessoa: 2009, 26-28).

Entretanto, considere-se igualmente o curto per?odo por que se estende essa troca epistolar. As sete cartas que apresentam Fernando Pessoa como remetente concentram-se em cerca de um ano e meio, enquanto os autores est?o na casa dos vinte e poucos anos. A primeira carta de Pessoa, que ? tamb?m a mais reveladora da imagem que conforma da poesia de Beir?o, data de 6 de dezembro de 1912, e a ?ltima, de 19 de Julho de 1914. O mesmo ocorre com os volumes de Beir?o presentes na biblioteca de Pessoa. O primeiro, Cintra (Figs. 1 e 2), ?-lhe enviado no ano da publica??o, 1912, e com o segundo, O ?ltimo Lus?ada (Figs. 3 e 4), de 1913, ocorre o mesmo, sendo que ambos apresentam dedicat?ria do autor e anota??es de leitura de Pessoa; j? o terceiro volume ali presente, A Noite Humana, de 1928 (distante, portanto, do per?odo no qual se concentra a correspond?ncia, Fig. 5), n?o

1 Ver A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa / Fernando Pessoa's Private Library (Pizarro, Ferrari, Cardiello, 2010: 190) e este link: .

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