1 - Rio de Janeiro



MULTIEDUCAÇÃO

Primeira Parte

SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE

1. A Terra é Azul!?

2. Teoria ou Teorias para quê?

3. Afinal, o que é Construtivismo?

4. Constituindo o Conhecimento na História e na Cultura

5. Outras Palavras...

6. Vivendo e Aprendendo a Jogar

7. Sem açúcar, com Afeto

8. Os Artesãos da Esperança

9. Bibliografia

SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE

1. A Terra é Azul!?

• Escola, lugar de formação

• Aluno, Turma, Escola: Ideal ou Real?

2. Teoria ou Teorias para quê?

• O Conhecimento teórico e o cotidiano da sala de aula

• Teoria - " um olhar privilegiado próximo a Deus"

• Para que servem as teorias afinal?

3. Afinal, o que é Construtivismo?

• O Construtivismo

• Para que educar?

• Sujeitos da aprendizagem

• Conteúdos Curriculares

• Construindo um conceito

4. Constituindo o Conhecimento na História e na Cultura

• Vygotsky

• A concepção histórico cultural

• O processo de Desenvolvimento

• A relação entre desenvolvimento e aprendizagem

• A importância das trocas interpessoais na constituição do conhecimento

• A formação de conceitos

• A formação de conceitos na sala de aula

• Vygotsky e a Educação Especial

5. Outras Palavras...

• A constituição do sujeito

• A " leitura do mundo" - o Encontro com o " Outro" e a Discussão do Diálogo Interior

• Discutindo a Diversidade em Busca da Unidade

• O papel da mediação da Linguagem e da Interação na Perspectiva Histórico Cultural

• Auto - Conceito e Preconceitos: Como se Formam no Espaço de Interação do Contexto Escolar

• Linguagem e construção de conhecimentos

• A Construção de Conhecimento - um processo interativo

6. Vivendo e Aprendendo a Jogar

7. Sem açúcar, com Afeto

• A Escola Que Está nas Pessoas

• As Pessoas Que Estão na Escola

• Escola: Espaço de Relações

8. Os Artesãos da Esperança

• O Futuro no Presente

• Onde a Escola Encontra a Vida

• Os Primeiros Passos

• Nasce uma Pedagogia

• A Educação pelo Trabalho

• A Educação a Serviço de uma Causa Social

9. Bibliografia

A Terra é Azul!?

• Escola, lugar de formação

Na década de 60, da imensidão do espaço, um astronauta contempla o mundo e constata que, a despeito da diversidade e das contradições, a Terra é Azul ! Envolta na atmosfera, parece um todo harmônico e uniforme. De longe, vê-se só o azul. De perto, percebe-se o verde da floresta, o marrom da terra, o branco da areia, o vermelho dos telhados...

Ser ou não azul, na situação apontada, não estaria expressando formas diferenciadas de olhar e perceber a realidade, a partir do lugar em que se está ?

E mais , o que esta questão teria a ver com o nosso tema central - a escola ?

Talvez mais do que se imagina, se considerarmos a escola como um lugar onde cabem formas diferentes de compreender o mundo. Um local onde conhecer é apreender o mundo em suas múltiplas facetas, tendo a certeza de que não existe um único ponto de vista que dê conta da explicação da realidade física e social.

Entretanto, nossa formação cultural, reforçada nos cursos que fizemos, seja na Escola Normal ou mesmo nas Universidades, nos levou a observar o mundo a partir da idéia de que existiria um saber verdadeiro, construído a partir de uma determinada lógica. “Mas o mundo em si, não está feito nem ordenado segundo essa lógica. Somos nós que lhe impomos uma lógica. O mundo externo a nós tem seus processos próprios, que se dão no espaço e no tempo, independentemente do nosso entendimento”.( Luckesi, 1993 )

Esta lógica tem nos conduzido a observar o mundo, como se ele fosse dividido, onde cada coisa existisse em separado, o que não nos permite compreendê-lo na sua relação com o todo.

Na verdade, nossa formação se deu a partir de saberes fragmentados, o que provocou uma dificuldade em percebermos que cada coisa se constitui nas suas várias interações.

Ao mesmo tempo, o próprio modo como a sociedade está organizada tem reforçado, de maneira velada, uma visão parcial da realidade, da forma como sentimos o mundo, seja do ponto de vista pessoal, seja do ponto de vista profissional.

Esta visão fragmentada aparece na oposição que estabelecemos entre razão e sentimento, entre obrigação e satisfação, entre dever e prazer, entre trabalho e lazer, entre o aprender e o brincar.

Por esta perspectiva, fica talvez mais fácil entender a própria dinâmica que tem permeado a vida na escola, marcada pela divisão do tempo, pela repartição do conhecimento, pela distribuição do poder.

São 9:30 da manhã. Fabiano fecha o livro de Ciências, o coloca na mochila e apanha o caderno dividido em várias matérias. Chegou a hora de prestar atenção à aula sobre frações. Sua professora de Matemática justifica a importância deste item do programa dizendo: “Vocês vão precisar disto mais tarde”. Numa mesma manhã, Fabiano teve que enfrentar a composição das rochas, os números decimais, a classificação dos pronomes.

Nas várias aulas que assistiu, imagina que muitos são os mundos existentes, mas nenhum se parece com o mundo real, no qual vive.

Nesta situação alguns são os aspectos que merecem ser destacados, no processo de organizar didaticamente as experiências de aprendizagem. As informações se sobrepõem e sínteses integradoras não são tentadas como forma de levar os alunos a produzirem conhecimento e reinventarem as experiências.

Sem entenderem para que servem tantas noções, não encontram sentido no que lhes é apresentado: memorização de saberes escritos apenas nos livros, imposição de conteúdos defasados, pouco significativos, e valorização de uma área do conhecimento em detrimento de outras. A lógica que preside esta prática pedagógica corresponde a uma concepção tradicional de educação, que não responde mais às exigências e às possibilidades dos tempos atuais.

Entendendo que cada disciplina possui uma lógica que precisa ser respeitada com suas regras e leis próprias, o grande desafio é o de superar o já “estruturado” e, efetivamente, relacionar as experiências de vida dos alunos à sua percepção do real e ao conhecimento sistematizado, pois “será muito mais rico se em nossas atividades didático- pedagógicas formos capazes de auxiliar nossos educandos a sentir e a perceber o mundo como uma totalidade de elementos articulados num todo”.( Luckesi, 1993 )

Mas para que esta prática possa acontecer, é importante que façamos da escola um grande espaço social, um lugar onde caibam a ousadia, a criatividade, sonhos e diferentes falas. Lugar onde se possa assumir a liberdade de saltar as cercas, quando as exigências desafiadoras do conhecimento forçarem e, especialmente, onde o trabalho solidário entre direção, professores, alunos e suas famílias passe a ser uma prática efetivamente vivenciada.

Para isto acontecer, quem sabe não tenhamos que abrir mão daquilo que nos parece mais seguro e certo, e explorar uma prática fundada na incerteza e na ousadia, desconfiando de nossas verdades e nossos preconceitos ?

• Aluno, Turma, Escola: Ideal ou Real?

É hora do Conselho de Classe da 3ª série de uma escola localizada na Zona Sul. As professoras, em círculo, ditam os conceitos de seus alunos por turma: 301, 302, 303 ... Vilma, uma das professoras, resolve falar do desempenho fraquíssimo de sua aluna Marluce. Suas observações giram em torno dos problemas que a aluna não consegue resolver. Vilma acaba por classificar Marluce de imatura, pois acha que lhe faltam pré-requisitos para o domínio dos mecanismos das contas.

Com esta situação, o que deve ser pensado é o perigo de estarmos classificando nossos alunos, a partir de conceitos que se enrijeceram, porque foram construídos dentro de uma lógica determinada : a lógica da falta. Falta de interesse, falta de amadurecimento, falta de condições intelectuais, falta da família, falta de condições materiais etc.

Na verdade, a falta está sendo definida a partir de uma imagem de turma homogênea que construímos em nossa cabeça, estruturada por determinado nível, série, origem social, desempenho escolar etc.

Marluce quando sai da escola, ajuda sua mãe na feira, ou vende chicletes na rua, mede, pesa, compara volumes. A matemática está presente na divisão de seu tempo, nos jogos, na organização de sua sobrevivência material.

Por que não consegue resolver problemas na sala de aula?

Para Ivani Fazenda, (1991) “tem sido levado em conta apenas o adestramento da criança, o repetir automático de exemplos e exercícios que dão a falsa impressão de aprendizagem, sem se levar em conta que ensinar matemática é antes de mais nada ensinar a “pensar matematicamente”, a fazer uma leitura matemática do mundo e de si mesma. É uma forma de ampliar a possibilidade de comunicação, expressão, contribuindo para a interação social... É sobretudo compreender que a matemática é uma outra modalidade de linguagem que necessita da linguagem convencional bem articulada para se fazer compreendida e assimilada e que o mundo atual já exige de todos uma certa cultura matemática”.

Com esta idéia, estamos chamando a atenção para a necessidade de revermos determinados procedimentos, usados em nossas salas de aula, que têm impedido os alunos de construírem conceitos, como, por exemplo, em matemática, de forma prazerosa e lúdica.

Ao lado desta questão, outro caminho a ser enfrentado é o de respeitar a diversidade, representada nos valores, modos de vida e práticas de nossos alunos, como meio de superar o impulso da homogeneização, tão presente no cotidiano da sala de aula.

Compreender e respeitar a diversidade não deve, no entanto, significar o descompromisso da escola em garantir aos alunos o acesso a outras formas de cultura presentes na sociedade. Isto é, não significa apenas reconhecê-lo em sua cultura de origem, o que seria uma prática injusta e discriminatória.

“Luís tem 8 anos e é de família muito pobre. Suas condições de vida não têm lhe permitido ter livros, revistas e jogos. Seu processo de alfabetização foi penoso e resultou na reprovação na 1ª série”. [1]

Com este exemplo, queremos enfatizar a importância do papel da escola em sua vida, onde não basta apenas o reconhecimento das formas de exclusão social a que Luís tem sido submetido, mas é importante que a escola se reconheça como instituição que proporciona experiências ricas, do ponto de vista cultural, ampliando as possibilidades já existentes e criando novas perspectivas.

Na verdade, a compreensão da diversidade situa-se não apenas num inventário da vida dos alunos, mas, também, no movimento de entender as formas de organização da sociedade, capazes de nos apontar caminhos na construção de uma convivência com nossos alunos, onde igualdade e diferença não são pólos opostos, mas complementares.

Este caminho implica uma interação entre valores e práticas, onde a relação é de reciprocidade, onde o risco, a perplexidade, a dúvida devem substituir a certeza sobre um único conhecimento, o " conhecimento verdadeiro" , ou uma única ação, aquela considerada a " correta" . Prática que não é dada, mas construída a partir de um outro olhar sobre o nosso trabalho, um olhar que incorpora a simultaneidade de verdades, simultaneidade que deve conviver com o compromisso, com a totalidade, com uma concepção mais unitária e orgânica do homem, da escola e do conhecimento.

Na busca da construção coletiva do conhecimento, que em hipótese alguma deve ser privilégio de poucos, precisamos mais do que nunca construir pontes entre campos do conhecimento, como forma de levar nossos alunos a compreenderem o mundo de forma mais articulada e de se tornarem autores do conhecimento.

Mais do que a mera integração entre conteúdos (que pode resultar numa “nova roupagem” para velhos problemas), este movimento pressupõe superar a fragmentação do conhecimento nos diferentes campos do saber.

Teoria ou Teorias para quê?

• O conhecimento teórico e o cotidiano da sala de aula

- “Chega de teoria ! Eu quero saber é como fazer.”

- “Teoria na prática não funciona.”

- “Vem ficar com minha turma de 40 alunos para ver se é fácil...”

- “Agora estão falando num tal de Freinet. Já fiz até um cursinho. E o que eu faço com Vygotsky ? Jogo pro alto ?”

Estas são algumas frases bem conhecidas por todos nós. São idéias, questionamentos, dúvidas e também certezas que circulam nas nossas conversas de professores.

- “Sem conhecer a teoria, o professor não sabe atuar.”

- “Eles querem é receita de bolo ...”

- “Nada dá certo porque falta embasamento.”

Estas são outras frases também muito ouvidas/faladas por nós.

Na verdade, o conhecimento teórico e o cotidiano da sala de aula ( teoria e prática) são faces da mesma moeda.

Fernanda, aos cinco anos de idade, freqüentava uma turma de pré- escola. Diariamente, sua professora tinha o cuidado de oferecer aos alunos uma folha de papel, com o nome de cada um grafado em linha pontilhada. A tarefa das crianças consistia em cobrir os pontinhos, escrevendo o próprio nome. No princípio foi uma festa. Todos ficaram radiantes porque estavam aprendendo a “escrever de verdade”. Até que um dia, Fernanda devolveu a sua folha assim:

A professora pediu que completasse a tarefa, mas ela se recusou. E continuou se recusando por vários dias, insistindo em cobrir somente as três primeiras letras. A família recebeu vários recados: “A Fernanda está ficando preguiçosa”. "Está desinteressada da aprendizagem da escrita”. “Não tem maturidade para enfrentar a classe de alfabetização no próximo ano”.

Ninguém, até então, tinha se preocupado em perguntar à própria menina porque ela passara a escrever daquela forma. Quando isto ocorreu, a resposta veio rápida: ”Não precisa de tanta letra”. E leu apontando com o dedinho :

Informada pela professora de que estava escrevendo apenas Fer, ( porém inconformada com a lógica do adulto) , ela decide: “Então meu nome agora é Fer”.

Analisando a prática desta professora, podemos perceber que concepções de aprendizagem embasam o seu trabalho. Em relação à aquisição da escrita, por exemplo, ela acredita que seu papel consiste em preparar os alunos para uma etapa posterior - a alfabetização - privilegiando a cópia e os exercícios, planejados para desenvolver o controle motor. Demonstra, ainda, preocupação em que a criança escreva corretamente desde o início.

O desempenho de Fernanda oferece à professora indícios que confirmam sua maneira de conceber a aprendizagem : “A menina é imatura. É preciso esperar que atinja a maturidade neurológica, motora e emocional, para que esteja em condições de aprender”.

No entanto, o comportamento de Fernanda pode ser visto por um outro prisma. Ela, que no início se satisfazia em deslizar o lápis sobre as letras pontilhadas, avança em sua compreensão do que é a escrita, passando a usar cada letra para representar um som da fala. Está convicta desta descoberta, porém, não ousa, ainda, contrariar os mais velhos. Faltam-lhe argumentos ? Estará numa fase “pré- autônoma”? Seja lá qual for o motivo, acaba apelando para uma saída que lhe possibilite continuar escrevendo como julga ser o correto. Se lhe fosse permitido escrever espontaneamente; comparar sua escrita com a que vê nos jornais, revistas, livros, cartazes; discutir com os colegas sobre o que escrevem; brincar com letras, palavras e frases; ouvir e tentar ler histórias, em pouco tempo, certamente, sua convicção ficaria abalada, levando-a a conquistar outras etapas no conhecimento da língua escrita, chegando à forma convencional.

A história de Fernanda, como tantas outras, nos possibilita perceber, que referenciais teóricos diferentes, conduzem a práticas pedagógicas diversas. E mais, que todo professor traz, subjacente à sua prática, um posicionamento teórico, quer ele tenha consciência disso ou não.

A Educação, sendo atividade humana, recorre a teorias que sistematizam conhecimentos sobre a criança e o adolescente. No entanto, vale ressaltar que as teorias são elaboradas por pesquisadores que, de maneira geral, definem e delimitam determinados aspectos a conhecer e, sobre estes, fazem seus estudos.

• Teoria - " um olhar privilegiado próximo a Deus"

A etimologia da palavra teoria, de origem grega significa “um olhar privilegiado próximo a Deus”, ou seja, um olhar superior, mas de todo modo, reduzido a algum aspecto do que se deseja conhecer e explicar.

Temos, assim, teorias sobre percepção, memória, inteligência, linguagem, emoções e sentimentos ... Ora, o aluno é um ser concreto, complexo, que percebe, lembra, pensa, sente e fala ao mesmo tempo. Se ele não aprende, se não está motivado, a que teoria isolada recorrer para superar estes problemas na prática, uma vez que eles, geralmente, podem ter muitas causas ?

Algumas propostas pedagógicas têm sido vítimas de um grande equívoco: adotar um único posicionamento teórico ao elaborar sua metodologia de trabalho, reduzindo, portanto, o âmbito de análise e ação. É o caso da professora que não vê como compatibilizar, em seu dia- a- dia, pressupostos evidenciados por Freinet e por Vigotsky. Acontece, porém, que nenhuma teoria é suficientemente abrangente a ponto de dar conta, sozinha, de todas as questões que emergem do interior da escola. E o que se tem constatado é a adoção de referenciais teóricos que privilegiam o aspecto intelectual, da cognição, ignorando-se a relevância das emoções, dos sentimentos, dos desejos, das fantasias, do imaginário social no ato educativo.

São múltiplos os campos do saber que investigam a realidade física e social: Sociologia, Biologia, Psicologia, Antropologia, História, Economia, Lingüística, Ética, Filosofia ...

Na área da formação do educador, estas ciências constituíram-se em campos específicos que vieram a compor os Fundamentos da Educação : Psicologia da Educação, Sociologia da Educação...que, tratadas como disciplinas isoladas, acabam por trabalhar de forma fragmentada e estanque, delimitando espaços : o biológico, o social, o psicológico ...

Sabendo que a Educação é uma prática social extremamente complexa, verificamos que cada teoria, isoladamente, pouco poderá nos ajudar ou que, pior ainda, costuma reduzir os problemas enfrentados a apenas uma dimensão.

Assim, é que se constatou que “a Fernanda estava desinteressada da escrita”. Como também é comum ouvir-se dizer :

-"As crianças não aprendem porque são subnutridas”.

-"Seu vocabulário é restrito”.

-"Nada se pode fazer porque não há interesse dos pais”.

As teorias que embasam os Fundamentos da Educação nem sempre são pesquisadas em situações diretamente relacionadas a questões educacionais. Hoje sabemos que a generalização de seus resultados nem sempre dá conta dos fenômenos que acontecem em cada escola e em cada sala de aula.

Aí se diz que a “teoria não funciona” e que, “na prática, a teoria é outra”.

O fato de reconhecer que um só posicionamento teórico é insuficiente para embasar um projeto pedagógico, não deve, no entanto, ser confundido com determinadas práticas que misturam um “pouquinho de cada teoria”, tornando o cotidiano escolar contraditório e incoerente. É comum vermos, por exemplo, professores que realizam com seus alunos dramatizações, pesquisas, jogos, trabalhos com materiais concretos, leitura de jornais e literatura variada, mas que, na hora de avaliar, limitam-se a uma prova no estilo mais tradicional de perguntas e respostas ? Às vezes, alguns chegam a afirmar :

-"Sei que o meu aluno sabe muito mais do que conseguiu demonstrar na prova, mas o que posso fazer ?”

Não se trata, portanto, de fazer uma “salada pedagógica” e, sim, de buscar nos estudos dos diferentes teóricos os pontos convergentes e complementares.

É importante ressaltar, ainda, que as teorias não se limitam ao campo da Psicologia (Psicologia da criança, Psicologia do desenvolvimento ...) conforme se costuma enfatizar. Outras ciências contribuem, com igual importância, para o ato educativo. Valorizamos hoje, por exemplo, as culturas dos diferentes grupos sociais, graças aos avanços da Antropologia Cultural. E o reconhecimento das variações lingüísticas e regionalismos tornou-se possível graças aos estudos da Sociolingüística. E como compreender a inserção da escola na sociedade sem o apoio da Sociologia ?

Existe, ainda, um ponto que merece reflexão. Como as teorias chegam aos professores que estão nas salas de aula ? Será que as idéias formuladas pelos pesquisadores são socializadas para permitir o repensar da prática ? Ou se transformam em mais um “modismo” passageiro ? Exemplificando : um autor torna-se conhecido nos meios educacionais; como a divulgação de sua obra é quase sempre inadequada ou incompleta, ela acaba, geralmente, distorcida ou mitificada, passando-se a imaginar que as suas descobertas resolverão todos os problemas da educação. É claro que isto não ocorre, a teoria é descartada e os professores ficam descrentes. É por isso, com certeza, que muitos permanecem imunes às inovações, preferindo a segurança do que já conhecem, mesmo que os resultados se mostrem desastrosos para a maioria dos alunos.

Chamamos agora a atenção dos professores para uma questão fundamental. Trata-se da compreensão da provisoriedade do conhecimento. O que estamos discutindo hoje, talvez não faça mais sentido daqui a três, cinco ou dez anos. Os avanços tecnológicos, as mudanças rápidas da sociedade batem à nossa porta, exigindo uma reavaliação constante das nossas crenças e conhecimentos articulados e das ações que praticamos. O que os alunos de vinte, trinta anos atrás precisavam saber, difere bastante do que os alunos de hoje necessitam para uma participação efetiva na sociedade em que vivem.

• Para que servem as teorias afinal?

Para que servem as teorias afinal? Como elas podem ajudar os professores em seu cotidiano?

Para responder a estas questões existe uma certeza : são muitos os caminhos, depende de onde e como se quer chegar. As pesquisas se propõem a compreender e desvelar o homem : suas maneiras de pensar, de aprender, de sentir, de desejar, de fazer cultura, de viver em sociedade. É preciso, então, que as informações contidas em cada teoria estejam “nas mãos” dos professores, oferecendo-lhes, assim, as “pistas” para entenderem melhor o seu próprio trabalho e possibilitando construírem uma prática pedagógica renovada e renovadora.

As teorias iluminam possibilidades para trilhar certos caminhos pedagógicos de maneira conseqüente.

Por isso, é importante que os professores se apropriem das idéias dos autores de uma forma não fragmentada e crítica, discutindo alcances e limites de suas posições, para entenderem a conveniência e os riscos de adotá-los. Nós, professores, ampliaremos e aprofundaremos as experiências cotidianas com os alunos, enriquecendo-as através da compreensão e do confronto entre teorias e práticas educacionais.

Afinal, o que é Construtivismo?

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• O Construtivismo

Cena 1

Uma professora de Psicologia da Educação, ao discutir o programa da disciplina e sua importância para a formação do professor, anuncia que, dentre as teorias que abordam o processo de desenvolvimento intelectual e moral, está incluído o Construtivismo.

Uma aluna exclama: ”Deus me livre! Não agüento mais ouvir falar em Construtivismo e ainda não sei para que ele serve!!!”

Esta aluna tinha o curso de magistério e lecionava no 1º segmento do 1º grau.

Cena 2

Uma professora das primeiras séries (alfabetização)[2] dá o seguinte depoimento:

“Quando comecei a alfabetizar dava muitos exercícios de cópia e enchia o quadro de palavras e frases para os alunos lerem em conjunto. Quando pedia aos alunos para lerem, individualmente, ficava desanimada. Quase ninguém sabia.

Tempos depois, participando de encontros e cursos fui me interessando pelo Construtivismo. Passei a ler textos, discutir com colegas e rever minha forma de dar aula.

Ao ver as mudanças na minha maneira de ensinar e a participação dos alunos fui ficando cada vez mais segura e entusiasmada".

As duas cenas retratam a situação atual em relação a uma abordagem teórica que há várias décadas foi sendo introduzida no campo da Educação. Outras situações também podem ser encontradas, desde o completo desconhecimento, passando pela curiosidade, até a articulação do Construtivismo com outras teorias que oferecem subsídios à prática pedagógica.

Os estudos sobre Teoria Construtivista começaram com Piaget (1896 - 1980), que foi um biólogo com preocupações eminentemente epistemológicas (Teoria do Conhecimento), numa perspectiva interdisciplinar.

A grande pergunta que formulou foi : “Como se passa de um conhecimento menos elaborado para um conhecimento mais elaborado ?”

Pesquisou e elaborou uma teoria sobre os mecanismos cognitivos da espécie (sujeito epistêmico) e dos indivíduos (sujeito psicológico).

Piaget, entendendo ser praticamente impossível remontar aos primórdios da humanidade e compreender qual foi, efetivamente, o processo de desenvolvimento cognitivo desde o homem primitivo até os dias atuais (Filogênese), voltou-se para o desenvolvimento da espécie humana, do nascimento até a idade adulta (Ontogênese)

Assim se explica o fato de que, para conhecer como o sujeito epistêmico (sujeito que conhece) constrói conhecimento, tenha recorrido à Psicologia como campo de pesquisa. Ao elaborar a Teoria Psicogenética procurou mostrar quais as mudanças qualitativas por que passa a criança, desde o estágio inicial de uma inteligência prática (período sensório- motor), até o pensamento formal, lógico- dedutivo, a partir da adolescência.

Segundo Piaget, o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado desde o nascimento (inatismo), nem como resultado do simples registro de percepções e informações (empirismo). Resulta das ações e interações do sujeito com o ambiente onde vive. Todo o conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a infância, através de interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou cultural.

Segundo Piaget, o conhecimento resulta de uma inter-relação entre sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido.

Por um lado, existe um sujeito ativo que, em todas as etapas de sua vida, procura conhecer e compreender o que se passa à sua volta. Mas não o faz de forma imediata, pelo simples contato com os objetos. Suas possibilidades, a cada momento, decorrem do que Piaget denominou esquemas de assimilação, ou seja, esquemas de ação (agitar, sugar, balançar) ou operações mentais (reunir, separar, classificar, estabelecer relações), que não deixam de ser ações mas que se realizam no plano mental.

Estes esquemas se modificam como resultado do processo de maturação biológica, experiências, trocas interpessoais e transmissões culturais.

Por outro lado, os objetos do conhecimento apresentam propriedades e particularidades que nem sempre são assimilados (incorporados) pelos esquemas já disponíveis no sujeito.

Isto ocorre, ou porque o esquema assimilado é muito geral e não se aplica a uma situação particular, ou porque é ainda insuficiente para dar conta de um objeto mais complexo.

Assim, uma criança que já construiu o esquema de sugar, assimila a mamadeira, mas terá que modificar o esquema para sugar a chupeta, comer com colher etc.

Outro exemplo: um aluno que já construiu o conceito de transformação, terá que compreendê-lo em situações específicas, como em conteúdos de História, Geografia, Biologia, etc.

A esse mecanismo de ampliação ou modificação de um esquema de assimilação, Piaget chamou de acomodação. E fica claro que, embora seja “provocado” pelo objeto, é também possível graças à atividade do sujeito, pois é ele que se modifica para a construção de novos conhecimentos.

O conteúdo das assimilações e acomodações variará ao longo do processo do desenvolvimento cognitivo, mas a atividade inteligente é sempre um processo ativo e organizado de assimilação do novo ao já construído, e de acomodação do construído ao novo.

Fica assim estabelecida a relação do sujeito conhecedor e do objeto conhecido. Por aproximações sucessivas, articulando assimilações e acomodações, completa-se o processo a que Piaget chamou de adaptação. A cada adaptação realizada, novo esquema assimilador se torna disponível, para que o sujeito realize novas acomodações e assim sucessivamente.

O que promove este movimento é o processo de equilibração, conceito central na teoria construtivista.

Diante de um desafio, de um estímulo, de uma lacuna no conhecimento, o sujeito se “desequilibra” intelectualmente, fica curioso, instigado, motivado e, através de assimilações e acomodações, procura restabelecer o equilíbrio que é sempre dinâmico, pois é alcançado por meio de ações físicas e/ou mentais.

O pensamento vai se tornando cada vez mais complexo e abrangente, interagindo com objetos do conhecimento cada vez mais abstratos e diferenciados.

As situações concretas presentes nos exemplos a seguir, procuram ilustrar pressupostos e explicações teóricas e apontar implicações que ressaltem a importância de compreender a relação teoria- prática.

• Para que Educar?

Para que Educar? Revendo Objetivos...

Para Piaget, ter assegurado o direito à educação, significa ter oportunidades de se desenvolver, tanto do ponto de vista intelectual, como social e moral.

Cabe à sociedade, através de instituições como a família e a escola, propiciar experiências, trocas interpessoais e conteúdos culturais que, interagindo com o processo de maturação biológica, permitam à criança e ao adolescente atingir capacidades cada vez mais elaboradas, de conhecer e atuar no mundo físico e social.

Como enfatiza Piaget, a lógica, a moral, a linguagem e a compreensão de regras sociais não são inatas, ou seja, pré- formadas na criança, nem são impostas de fora para dentro, por pressão do meio. São construídas por cada indivíduo ao longo do processo de desenvolvimento, processo este entendido como sucessão de estágios que se diferenciam um dos outros, por mudanças qualitativas. Mudanças que permitam, não só a assimilação de objetos de conhecimento compatíveis com as possibilidades já construídas, mas também sirvam de ponto de partida para novas construções (adaptação).

Para que este processo se efetive, é importante considerar o principal objetivo da educação, que é a autonomia, tanto intelectual como moral.

Alguns exemplos ilustrarão o que Piaget entende por autonomia.

“Um aluno que tinha decorado a tabuada de multiplicar, sem saber o que esta significava em termos de operação mental, freqüentemente esquecia ou cometia erros e, mesmo alertado, não encontrava o resultado correto.

Quando teve oportunidade de compreender que a multiplicação é a soma de parcelas iguais, passou a ser capaz de encontrar qualquer resultado. Se tinha dúvidas quanto é 8x7, multiplicava 7x7=49, somava mais sete e acertava : 8x7=56.”

O aluno passou a não depender exclusivamente da memória, ficando autônomo para resolver os desafios por seus próprios meios, ou seja, utilizando uma operação mental já construída.

Esta capacidade construída, lhe permite agora, compreender se o enunciado de um problema de matemática, indica a necessidade de efetuar uma conta de multiplicação ou não.

Não faria como um aluno das primeiras séries do 1º grau que, ao fazer o dever, perguntava à mãe, que estava em outro local da casa :”Mãe, este problema é de somar ou de multiplicar?” - revelando depender da opinião de outra pessoa para agir, ou seja, sendo heterônimo no campo intelectual.

Aquela construção permitiu-lhe compreender, com mais facilidade, que a divisão também se faz por parcelas iguais e, finalmente, compreender porque 8x0=0 !!

Outro exemplo :

Durante uma aula de Geografia, a professora e alunos de 8ª série lêem um texto do livro didático, sobre aspectos sócio- econômicos do Oriente Médio.

Dentre outras informações o texto afirma que os países ali localizados se caracterizam por serem muito ricos em petróleo, e que suas populações são muito pobres, muitas delas nômades, vivendo em cabanas no deserto.

Após a leitura, inicia-se um exercício de fixação das informações.

Um aluno pergunta : “Professora, se existe tanto petróleo, se o país é tão rico, por que o povo é tão pobre ?”

Este aluno foi capaz de perceber, autonomamente, uma contradição. Não aceitou passivamente as informações.

Sua curiosidade lhe permitiu avançar na compreensão de relações entre riquezas naturais (petróleo) e estrutura social, modelo sócio- econômico e distribuição de renda etc.

Ser autônomo, do ponto de vista moral, significa ser capaz de agir a partir de valores morais, conscientemente assumidos como os mais corretos.

Como afirma Kamii: “A essência da autonomia é que as crianças se tornam capazes de tomar decisões por elas mesmas. Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Autonomia significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação. Não pode haver moralidade quando alguém considera somente o seu ponto de vista. Se também considerarmos o ponto de vista das outras pessoas, veremos que não somos livres para mentir, quebrar promessas ou agir irrefletidamente”.(Kamii, 1986 - p.72)

Para que uma pessoa ultrapasse a heteronomia que significa agir e ou fazer julgamentos, sem questionar os valores que os sustentam, precisa ser encorajada a construir por si mesma seus valores.

Uma criança heterônoma considera que é pior mentir para um adulto, do que mentir para uma criança, porque o adulto pode descobrir e puní- la.

Uma criança que já atingiu a moralidade autônoma, considera que é errado mentir tanto para os adultos como para as crianças pois em qualquer dos casos se está enganando o outro.

As crianças que são submetidas, tanto na família como na escola, a punições arbitrárias, sem sentido, têm sua heteronomia reforçada. Quando se habituam a fazer suas obrigações, só quando são recompensadas, não compreendem o valor intrínseco de suas ações e se tornam, muitas vezes, incapazes de se autogovernarem.

Se, ao contrário, as crianças e adolescentes forem incentivadas a trocar pontos de vista entre si e com os adultos, forem são levadas a refletir sobre as conseqüências de seus atos para si e para os outros, discutem os significados dos valores, terão mais chances de se tornarem autônomas.

No Brasil, quantas coisas precisaram acontecer, para que a frase “O importante é levar vantagem em tudo, certo ?”(Lei do Gerson) começasse a ser questionada, e fossem avaliadas criticamente as implicações desta atitude individualista e, até certo ponto, desonesta ?

• Sujeitos da Aprendizagem

Sujeitos da Aprendizagem :

Algumas Diferenças Significativas.

Uma criança de aproximadamente cinco anos, conversando com sua mãe, pergunta: “Mamãe, qual é o último número que existe ?” A mãe responde que não existe um último número pois sempre se pode somar mais um. E dá um exemplo: “Mesmo que seja um trilhão, você tem um trilhão e um e pode ir somando sempre mais um.”

A criança não se satisfaz e insiste : “Mas quando é que acaba? Qual é o último?”

A mãe tenta explicar mas não convence a criança.

Desta cena vários aspectos podem ser analisados e se tornam mais compreensíveis quando se recorre a uma teoria, como o Construtivismo Interacionista.

Uma primeira observação a ser feita, refere-se ao fato de que existe uma diferença qualitativa entre as formas de abordagem e compreensão de questões relativas ao sistema numérico.

A criança, sem dúvida, já tinha entrado em contato com o sistema numérico, através dos números constantes do seu endereço e / ou números de ônibus, sabia contar até um certo número, mas é bastante provável que ainda não tivesse construído o conceito de número.

Segundo Piaget, esta construção decorre da coordenação de duas operações mentais, a classificação e a seriação.

Para compreender o que é o número 5, por exemplo, o sujeito precisa, ao mesmo tempo, saber que 5 representa a classe de cinco unidades e que se localiza numa série assimétrica, entre o 4 (5-1) e o 6 (5+1).

A mãe, com certeza, por ter construído o conceito de número, responde à indagação da criança a partir da fórmula “n+1”, que lhe permite, de forma lógica, responder que não existe um último número, mesmo que a fórmula (n+1) não lhe seja familiar, ou mesmo conhecida enquanto fórmula.

A criança teve, provavelmente, sua curiosidade despertada a partir da constatação de que existem números diferentes, maiores, menores (um, dois, três algarismos). No entanto, não lhe é possível, no momento, compreender um conhecimento abstrato.

Uma segunda observação que se pode fazer é que, embora a mãe e a criança estejam em estágios diferentes, ambos decorrem de um processo de interação de vários fatores.

Para Piaget: “O ser humano, desde o seu nascimento, se encontra submerso em um meio social que atua sobre ele do mesmo modo que o meio físico. Mais ainda, que o meio físico, em certo sentido, a sociedade transforma o indivíduo em sua própria estrutura, porque não somente o obriga a reconhecer fatos, mas lhe fornece um sistema de signos completamente construídos que modificam seu pensamento, propõe-lhe valores novos e impõe-lhe uma cadeia definida de obrigações. É portanto, evidente que a vida social transforma a inteligência pelo conteúdo das permutas (valores intelectuais), pelas regras impostas ao pensamento - normas coletivas, lógicas ou pré- lógicas”.

Na perspectiva construtivista de Piaget, estas pressões sociais e lingüísticas vão sendo exercidas sempre em interação com as possibilidades de cada indivíduo ao longo do processo de desenvolvimento.

Neste sentido, este autor afirma que a linguagem transmite ao indivíduo um sistema que contém noções, classificações, relações e conceitos produzidos pelas gerações anteriores. Mas a criança utiliza este sistema, seguindo sua estrutura intelectual. Se não tiver ainda construída a operação de classificação, uma palavra relativa a um conceito geral, será apropriada na forma de um preconceito, semi- individual e semi- socializado. Piaget exemplifica : a palavra “pássaro” evocará, então, o canário familiar.

Outra Cena :

“ Uma criança de seis anos não perde a oportunidade de demonstrar seu zelo e seu entusiasmo com as coisas da natureza. Gosta e protege animais, plantas e a pureza do ar.

Um certo dia vê, horrorizada, uma barata em sua casa e pede que a matem.

Seu irmão, de doze anos, diz : “Matar a barata ? Você não é protetora da natureza, dos animais ?”

A menina responde : “Matar sim. A barata não é da natureza, ela é suja, é nojenta”.

Este exemplo ilustra a diferença entre uma criança que não domina ainda a relação entre o todo e as partes, num sistema de inclusão de classes, e outra que já o faz.

Sem desconhecer a dimensão afetiva que a faz excluir a “barata nojenta” da natureza, a menina não se dá conta da contradição em que está ocorrendo.

Por outro lado, seu irmão já inclui na classe dos animais, tanto os “nocivos” ao homem, quanto os “úteis”, enquanto seres vivos que, por sua vez, estão incluídos em um conceito mais abrangente que é o de natureza.

Uma vez construída a operação de classificação e seu sistema de inclusão, novas possibilidades se abrem para o sujeito que é capaz de fazer deduções e inferências, de forma cada vez mais autônoma, ou seja, sem que precise ser “ensinado” a cada nova etapa do processo ensino- aprendizagem.

Esta é uma das contribuições mais promissoras do construtivismo para a Educação. Partir do ponto em que o aluno se encontra significa, do ponto de vista cognitivo, levar em consideração sua forma de pensar, perceber contradições, inconsistências, enfim, procurar identificar o que ele sabe e o que ainda precisa saber.

O construtivismo fornece também subsídios importantes para a seqüenciação dos conteúdos, ao longo das séries do ensino, ou seja, da articulação vertical do currículo.

• Conteúdos Curriculares

Conteúdos Curriculares :Considerações Preliminares

Cabe à escola proporcionar aos alunos o acesso ao conhecimento sistematizado que, não podendo ser apresentado em bloco, é necessariamente organizado na seqüenciação da Educação Infantil à 8ª série.

Pelos exemplos apresentados anteriormente, podemos constatar que cada conteúdo é constituído de conceitos, que se relacionam com outros conceitos, por meio de operações mentais.

Os conceitos de tempo e espaço, por exemplo, são básicos para a aquisição de conteúdos de várias áreas de conhecimento. São, na verdade, indispensáveis para a compreensão das relações homem- natureza, homem- homem, que diferem em maior ou menor grau nas diferentes culturas, nos modos históricos de existência social, na construção do conhecimento científico, etc.

Neste sentido, o construtivismo interacionista oferece uma contribuição extremamente valiosa, na medida em que afirma que os conceitos de tempo e de espaço são construções que resultam da abstração gradativa do tempo e do espaço vividos pelas crianças, e que vão sendo organizados pelo meio social e cultural.

As regularidades de fenômenos naturais, como o dia e a noite, ajudam a criança a construir o conceito de tempo nos seus aspectos físicos, ficando implícito o conceito de duração ampliando a construção do tempo cronológico (semana, mês, ano, século) o aluno será capaz de trabalhar com o conceito de tempo histórico.

Desta maneira o construtivismo ajuda a compreender que, se o aluno é levado a repetir que o Brasil foi descoberto em 1500, que a Independência foi em 1822, como informações a serem decoradas, nada garante que esteja construindo o conceito de tempo histórico.

Da mesma forma, o conceito de espaço e as possibilidades de sua representação em desenhos, maquetes e mapas, é construído a partir das ações concretas das crianças. Estas construções se iniciam no período em que a criança começa a explorar os diferentes espaços, através de suas ações e da coordenação destas ações.

De “espaços” separados, inclusive de seu próprio corpo (boca, nariz, mão, etc), a criança constrói a noção de um espaço único e objetivo, em que todos os objetos vão sendo incluídos e interrelacionados, inclusive ela mesma.

Assim, quando a criança ingressa na escola, já traz, sem dúvida, algum nível de construção destes conceitos, adquiridos em seu meio físico, social e cultural.

O estudo da Geografia, a partir da 5ª série, pressupõe a aquisição de instrumentos e técnicas de localização, bem como de técnicas de representação no espaço bi e tridimensional.

Se nos primeiros anos de escolarização o aluno puder exercitar a representação do espaço, através de várias formas, principalmente através de desenhos e maquetes, estará reconstruindo o espaço vivido, atendendo a novas exigências, como redução de tamanho, respeito à proporção etc.

Cabe à escola propor situações em que, atuando e interagindo com o professor e os colegas, os alunos atinjam formas mais complexas de se situarem no tempo e no espaço.

Assim, como afirma Emília Ferreiro : “A aquisição de conhecimentos para o Construtivismo não se explica pela apropriação de pedaços prontos de conhecimento mas de reconstrução em que a criança constrói ativamente o objeto e as suas propriedades.” (1987:95)

Ao longo da seqüenciação da Educação Infantil à 8ª série, há de se ter presentes as possibilidades gerais de cada etapa do desenvolvimento da criança e do adolescente, e dos alunos em cada série. Neste caso, as interações professor- aluno, aluno- aluno, seus desempenhos verbais e escritos, suas perguntas, seus “erros” mais freqüentes, são pistas valiosas.

Se a teoria fornece parâmetros, a prática balizará a atuação dos professores, sendo fundamental que haja compreensão da articulação vertical e horizontal dos conceitos a serem desenvolvidos e dos conteúdos a serem trabalhados no Núcleo Curricular Básico aqui propostos.

• Construindo um Conceito

Um ensino que não diferencie a INFORMAÇÃO que deve ser memorizada - nome de pessoas, coisas, acidentes geográficos, partes de um vegetal - de CONCEITOS que precisam ser construídos pelos alunos - capital de um país, espaço, medida etc . Isto porque o que se memoriza, sem se compreender, não desperta a curiosidade, não é incorporado a um sistema mais abrangente de conhecimento, não permite estabelecer relações entre conceitos, não propicia, portanto, aprendizagem efetiva.

Vejamos um exemplo :

O conceito de capital de um país precisa ser construído para que o aluno compreenda as relações políticas, administrativas, jurídicas e fiscais entre a sede do poder central e as demais unidades que constituem o país.

Esta construção poderá ocorrer a partir dos conhecimentos que os alunos adquirem fora da escola e que, provavelmente, são fragmentados e imprecisos.

Os alunos podem saber que o Presidente da República mora em Brasília, que os Ministérios ficam em Brasília e que os Deputados e Senadores se reúnem em Brasília.

O professor através da interação ou cooperação com os alunos e apoiado em jornais ou programas de televisão, poderá estabelecer as ações do Poder Executivo, do Poder Legislativo e Poder Judiciário, em relação aos Estados e Municípios. Poderá, ainda, explorar o significado de Polícia Federal, Empresas Estatais etc.

Uma vez compreendidas estas relações, ficará mais fácil para os alunos responderem a questões relativas aos Estados e Municípios que poderão oferecer elementos de compreensão do conceito. Entenderão também as relações que existem entre Paris e França, Londres e Inglaterra etc.

Evidentemente, o grau de complexidade deverá ser adequado a cada situação. A construção do conceito de capital de um país poderá ser iniciada na 3ª ou 4ª série e, uma vez bem construído, poderá ser reapropriado no ensino da História no 2º segmento, quando as implicações das mudanças de capital ( no caso do Brasil ) - Salvador para Rio de Janeiro e, posteriormente, para Brasília, serão discutidas.

Nunca é demais enfatizar as possíveis implicações desses conceitos para a construção da cidadania, na medida em que os alunos se situem no país e têm maior clareza do que deve ser responsabilidade de cada esfera do Poder Público e da própria Sociedade organizada, da qual faz parte.

Através desta estratégia - interação/ cooperação - os alunos perceberão, nos textos lidos, o que é passível de memorização, e o que exige a interação ou cooperação intelectual, para o domínio dos conceitos que propiciam a autonomia intelectual.

Coerente com esta fundamentação teórico- metodológica, a avaliação deixa de cobrar informações memorizadas, muitas vezes desconexas, e passa a indicar o que o aluno compreendeu e o que lhe falta compreender. Esta é uma conseqüência da maior importância da proposta de avaliação contida na MULTIEDUCAÇÃO.

Constituindo o Conhecimento

na História e na Cultura

• Vygotsky

Da mesma forma que a Teoria Construtivista ocupou (e tem ocupado) o centro das discussões entre os professores nas últimas décadas, atualmente, fala-se e ouve-se falar em Vygotsky.

Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu na Bielorússia em 5 de novembro de l896. Graduou-se em Direito, pela Universidade de Moscou, dedicando-se, posteriormente, à pesquisa literária. Entre l9l7 e l923 atuou como professor e pesquisador no campo das Artes, Literatura e Psicologia.

A partir de l924, em Moscou, aprofundou sua investigação no campo da Psicologia, enveredando também para o da Educação de deficientes. No período de 1925 a 1934, desenvolveu, com outros cientistas, estudos nas áreas de Psicologia e anormalidades físicas e mentais. Ao concluir outra formação, em Medicina, foi convidado para dirigir o Departamento de Psicologia do Instituto Soviético de Medicina Experimental. Faleceu em 11 de junho de l934.

A divulgação e circulação de suas obras foi proibida durante muito tempo na União Soviética, porque embora fosse um militante do Partido Comunista, ele ressaltou o aspecto individual da formação da consciência, e portanto, a concepção de que uma coletividade constitui - se através de pessoas com singularidades próprias.

• A Concepção Histórico Cultural

O contexto social vivido por Vygotsky e seus colaboradores, especialmente Luria e Leontiev, influenciou decisivamente os seus estudos. Participando de um momento conturbado da História, a Revolução Comunista, na Rússia, o foco de suas preocupações foi o desenvolvimento do indivíduo e da espécie humana, como resultado de um processo sócio- histórico. É interessante destacar que este grupo utilizou, em suas pesquisas, uma abordagem interdisciplinar - considerando-se as diferentes formações do próprio Vygotsky - o que para nós, educadores, se reveste de grande importância, porque traz para o campo educacional uma visão integrada de conhecimentos.

Para Vygotsky, as origens da vida consciente e do pensamento abstrato deveriam ser procuradas na interação do organismo com as condições de vida social, e nas formas histórico- sociais de vida da espécie humana e não, como muitos acreditavam, no mundo espiritual e sensorial do homem. Deste modo, deve-se procurar analisar o reflexo do mundo exterior no mundo interior dos indivíduos, a partir da interação destes sujeitos com a realidade.

A origem das mudanças que ocorrem nas pessoas está, segundo seus princípios, na interação entre estas, a Sociedade, a Cultura e a sua própria História.

• O Processo de Desenvolvimento

O referencial histórico- cultural apresenta, portanto, uma nova maneira de entender a relação entre sujeito e objeto, no processo de construção do conhecimento.

Enquanto no referencial construtivista o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito sobre a realidade ( sendo o sujeito considerado ativo), para Vygotsky, esse mesmo sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constitui conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a constituição de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social - relações interpessoais - para o plano individual interno - relações intra - pessoais.

Desta forma, o sujeito do conhecimento, para Vygotsky, não é apenas passivo, regulado por forças externas que o vão moldando; não é somente ativo, regulado por forças internas; ele é interativo.

Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura. A história e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se caracterizam como peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao longo dessa construção estão presentes: as experiências, os hábitos, as atitudes, os valores e a própria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu grupo familiar. Estão, ainda, presentes nessa construção, a história e a cultura de outros indivíduos com quem a criança se relaciona, em outras instituições próximas , como, por exemplo, a escola, ou contextos mais distantes da própria cidade, estado, país ou outras nações.

Mas, não devemos entender este processo como um determinismo histórico e cultural em que, passivamente, a criança absorve determinados comportamentos para reproduzí- los, posteriormente. Ela participa ativamente da construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-se e provocando transformações nos demais sujeitos que com ela interagem.

• A relação entre desenvolvimento e aprendizagem

Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do estágio de desenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vygotsky, a aprendizagem favorece o desenvolvimento das funções mentais :

“O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer”. (Vygotsky, 1987:101)

Esse aprendizado se inicia muito antes da criança entrar na escola, pois, desde que nasce e durante seus primeiros anos de vida, encontra-se em interação com diferentes sujeitos - adultos e crianças - e situações, o que vai lhe permitindo atribuir significados a diferentes ações, diálogos e vivências. Vamos citar um exemplo: uma criança de três anos de idade convive numa família, onde a escrita e a leitura são práticas cotidianas e valorizadas. Tanto quanto os outros membros da família, ela tem acesso a lápis, canetas e papel. O que acontece então ? Ela “escreve”, e muito. Rabisca, desenha e submete esta “escrita”, orgulhosamente, à aprovação de todos. Ela “lê” o que “ escreve” e os outros também “lêem” as suas “escritas”. É nesta atividade espontânea e prazerosa que esta criança começa a descobrir o significado da linguagem escrita ou seja, que mensagens orais com sentido, passam a ser registradas por signos impressos. Podemos dizer que esta forma de escrever, constitui uma aprendizagem facilitadora à apropriação da escrita convencional.

Muito embora a aprendizagem que ocorre antes da chegada da criança à escola seja importante para o seu desenvolvimento, Vygotsky atribui um valor significativo à aprendizagem escolar que, no seu dizer, “produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança”. (l987: 95)

Para entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, em Vygotsky, torna-se necessária a compreensão do conceito de zona de desenvolvimento proximal.

Segundo este autor, a Psicologia sempre esteve preocupada em detectar o nível de desenvolvimento real do indivíduo, ou seja, aquele que revela a possibilidade de uma atuação independente do sujeito. Um exemplo desta preocupação pode ser encontrada entre os psicólogos que utilizam testes, ou que se apoiam em escalas, visando detectar o nível de desenvolvimento do indivíduo.

Durante os testes ou observações que fazem, estes profissionais assumem uma posição neutra, distante, sem oferecer qualquer tipo de ajuda. Medem o desempenho observado ao final do processo, procurando compatibilizar erros e acertos, mas não consideram o processo vivenciado pelo indivíduo na resolução de problemas.

Do mesmo modo, a escola tende a valorizar, ainda hoje, apenas o nível de desenvolvimento real dos alunos, seja durante as aulas, seja nos momentos de avaliação. Não é difícil encontrar professores que, ao fazerem uma análise da turma, argumentam:

- Fulano é ótimo aluno, nunca pede ajuda para realizar suas tarefas!

Muitos professores, ao aplicarem suas provas, exigem que os alunos as realizem sozinhos, sem discutirem as questões com ele, professor, ou com os colegas. Esse tipo de avaliação leva em conta apenas o produto, ou seja, o que os alunos conseguem responder e não como conseguiram chegar às respostas. Perde-se, assim, a oportunidade de observar que muitas questões não respondidas, ou que apresentam respostas “erradas”, se realizadas com a mediação do professor, ou a de colegas mais experientes, teriam tido respostas positivas.

Daí porque Vygotsky aponta a existência de um outro nível de desenvolvimento - o proximal ou potencial - que, tanto quanto o nível real, deve ser considerado na prática pedagógica.

Quando alguém não consegue realizar sozinho determinada tarefa, mas o faz com a ajuda de outros parceiros mais experientes, está nos revelando o seu nível de desenvolvimento proximal, que já contém aspectos e partes mais ou menos desenvolvidas de intuições, noções e conceitos.

No episódio abaixo esse conceito aparece bem explicitado:

“No início da aula, como o faz diariamente, a professora distribui os cartões com os nomes dos alunos, que os têm também escritos nas blusas, para reconhecimento.

Uma das alunas não consegue ler o nome impresso.

Depois de um momento de dúvida, ela olha para o cartão e circula com ele, entre os alunos sentados na rodinha, comparando o nome escrito no cartão com o nome das blusas das crianças. Olha calmamente para um e outro, até que descobre e diz, satisfeita, o nome da colega.

Na realidade, a menina usou a blusa, com o nome das crianças impresso, como uma espécie de meio - auxiliar. Percebe-se que realizou uma operação lógica : se o nome da menina é igual ao da blusa, que é igual ao do cartão, então, o nome da menina é aquele que está impresso no cartão. Na verdade, seu raciocínio foi o seguinte: A = B e B = C, então, A = C !”

“Uma outra aluna, Denise, também não consegue ler o nome apresentado. Ela, então, reproduz, exatamente, o que a colega fizera.

Trava-se, então, o seguinte diálogo:

Denise - O nome do cartão é igual ao dessa menina.

Profa. - Mas você não sabe o nome da sua coleguinha ?

Denise - Sei.

Profa. - Qual é o nome do cartão ?

Denise - Não sei.

Profa. - Claro que sabe ! Você juntou o cartão com o nome da blusa. Na blusa está o nome da sua colega, que você sabe qual é. E no cartão ?

Denise - Não sei. Esse aí ( o cartão ) eu não sei ler. Esse da blusa eu sei porque é a blusa da Ana Paula.

Profa. - Você sabe que o nome do cartão é igual ao nome da blusa (compara). O nome da blusa você sabe . Lê pra mim ( a menina lê). Agora, olha o cartão. Você viu que ele é igual (coloca o cartão junto da blusa). Agora lê o nome do cartão.

Denise - Ah! ( parece que se dá conta). É Ana Paula.

Denise imitara mecanicamente os passos da colega, sem no entanto, entendê-los. A mediação da professora foi fundamental para que chegasse à descoberta do nome da colega."( Locatelli, l99l)

Portanto, o nível de desenvolvimento mental de um aluno, não pode ser determinado apenas pelo que consegue produzir de forma independente; é necessário conhecer o que consegue realizar, muito embora ainda necessite do auxílio de outras pessoas para fazê-lo.

O conhecimento do processo que a criança realiza mentalmente é fundamental. O desempenho correto nem sempre significa uma operação mental bem realizada. O acerto pode significar, apenas, uma resposta mecânica. Daí a importância do professor conhecer o processo que a criança utiliza para chegar às respostas. Do mesmo modo, conhecendo esse processo, e intervindo, provocando, estimulando ou apoiando quando a criança demonstra dificuldade num determinado ponto, torna-se possível trabalhar funções que ainda não estão de todo consolidadas.

Quando não consideramos essas funções que se encontram em processo de consolidação, deixamos de atuar na zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.

Através de experiências de aprendizagem partilhadas, atua-se nessa zona de desenvolvimento proximal, de modo que funções ainda não consolidadas venham a amadurecer .

• A importância das trocas interpessoais na constituição do conhecimento

Para Góes (1991:20),

“A boa aprendizagem é aquela que consolida e sobretudo cria zonas de desenvolvimento proximal sucessivas.”

Desta forma, verificamos o quanto a aprendizagem interativa permite que o desenvolvimento avance. Ressaltando a importância das trocas interpessoais, na constituição do conhecimento. Vygotsky mostra, através do conceito de zona de desenvolvimento proximal, o quanto a aprendizagem influencia o desenvolvimento.

Este conceito traz uma série de implicações para a prática pedagógica, porque:

• o processo de constituição de conhecimentos passa a ter uma importância vital e, portanto, deve ser considerado tão importante quanto o produto ( avaliação final );

• o papel do professor muda radicalmente, a partir dessa concepção. Ele não é mais aquele professor que se coloca como centro do processo, que “ensina” para que os alunos passivamente aprendam; tampouco é aquele organizador de propostas de aprendizagem, que os alunos deverão desenvolver sem que ele tenha que intervir. Ele é o agente mediador desse processo, propondo desafios aos seus alunos e ajudando-os a resolvê- los , realizando com eles ou proporcionando atividades em grupo, em que aqueles que estiverem mais adiantados, poderão cooperar com os demais. Com suas intervenções estará contribuindo para o fortalecimento de funções ainda não consolidadas, ou para a abertura de zonas de desenvolvimento proximal. Não podemos esquecer de que a aprendizagem é fundamental para o desenvolvimento ;

• nesta perspectiva rompe-se com a falsa verdade de que o aluno deve, sozinho, descobrir suas respostas; de que a aprendizagem é resultante de uma atividade individual, basicamente intrapessoal. Aquilo que o aluno realiza hoje, com a ajuda dos demais, estará realizando sozinho amanhã;

• a aprendizagem escolar implica apropriação de conhecimentos, que exigem planejamento constante e reorganização contínua de experiências significativas para os alunos;

• a reorganização das experiências de aprendizagem devem considerar o quanto de colaboração o aluno ainda necessita, para chegar a produzir determinadas atividades, de forma independente. Dessa forma o professor poderá avaliar, durante o processo, não somente o nível das propostas que estão sendo feitas, mas, sobretudo, o nível de desenvolvimento real do aluno - revelado através da produção independente - bem como o seu nível de desenvolvimento proximal - onde ainda necessita de ajuda. Chega-se, assim a um conhecimento muito maior da realidade do aluno, do “curso interno de seu desenvolvimento” (Vygotsky), tendo condições de prever o quanto de ajuda ainda necessita, e como se deve reorientar o planejamento para apoiar esse aluno;

• para que todo esse processo tenha condição de se consolidar, o diálogo deve permear constantemente o trabalho escolar; para Vygotsky a linguagem é a ferramenta psicológica mais importante ;

• desta maneira é possível verificar não apenas o que o aluno é num dado momento, mas o que pode vir a ser ;

• rompe-se com o conceito de que as turmas devem ser organizadas buscando-se uma homogeneidade .

Vale destacar que, durante este processo de construção partilhada, não se verifica apenas no aluno a abertura de zonas de desenvolvimento proximal. Este movimento contínuo exerce uma influência relevante na zona de desenvolvimento proximal do próprio professor, transformando as relações entre todos, e propiciando maior compreensão do contexto de ensinar e aprender.

Ao mesmo tempo, é importante esclarecer que este conceito - zona de desenvolvimento proximal - não está relacionado apenas às interações que se efetivam em sala de aula. Em qualquer situação de interação, onde pessoas mais experientes proporcionem às outras, instrumentos que lhes permitam desenvolver conhecimentos e habilidades, a abertura, ou o fortalecimento de zonas de desenvolvimento proximal, podem ser percebidas. Na relação mãe / filho, por exemplo, quando a mãe, brincando com seu filho com um jogo de quebra - cabeças, refaz a montagem para que o mesmo visualize a cena por inteiro e, num segundo momento, vai colaborando na remontagem, está atuando em sua zona de desenvolvimento proximal.

• A Formação de Conceitos

Conhecemos bem a função comunicativa da linguagem, que permite ao homem vivenciar um processo de interlocução constante com seus semelhantes. No entanto, a linguagem não exerce apenas o papel de instrumento de comunicação. Ela permite ao homem formular conceitos e, portanto, abstrair e generalizar a realidade, através de atividades mentais complexas.

Vygotsky (l987:50) afirma que:

“A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à atenção, à associação, à formação de imagens, à inferência, ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos.”

Através da palavra designamos objetos, os representamos, mas, também, abstraímos e generalizamos suas características. A palavra “gato”, por exemplo, designa qualquer tipo de gato: branco, preto, selvagem , doméstico, persa, angorá, grande, pequeno etc.

A função de generalização garante a comunicação entre as pessoas. Isto porque, quando nos comunicamos com outra pessoa, e durante uma conversa nos referimos a determinado objeto, um “relógio”, por exemplo, mesmo que o nosso interlocutor não faça a mesma imagem que estamos fazendo (imaginamos um relógio redondo e ele um relógio quadrado), o entendimento ocorre pois se mantém preservada a sua característica essencial. Essa capacidade de generalizar e abstrair, incluindo os objetos, outros seres, ou mesmo ações em determinadas categorias, nos liberta dos limites da experiência concreta. Nós não precisamos estar em contato direto com o relógio, para conversarmos sobre ele (continuando no mesmo exemplo ).

Para que se torne compreensível a perspectiva de Vygotsky sobre desenvolvimento de conceitos, é necessário entender que o significado da palavra transforma-se ao longo do desenvolvimento do sujeito; o significado da palavra evolui, posto que integra novos sentidos, novas conotações.

Assim, o desenvolvimento conceitual não se dá de forma definitiva, mas gradual, porque também, gradativamente, evolui o significado da palavra.

Em seu livro “Pensamento e Linguagem ”, Luria (l986) ilustra bem essa evolução, mostrando que, para uma criança pequena, a palavra “loja” tem um significado bastante concreto. É o lugar onde se compra algo, um “armazém”, segundo ele.

Este significado muda substancialmente, à medida que transcorre o desenvolvimento da criança. Nas etapas iniciais, a palavra “armazém” designa um certo lugar onde são vendidos o pão fresco, doces e bolachas. Por isso, por trás da palavra está o sentido afetivo que tem na vida da criança o “armazém”. Para uma criança no início da vida escolar , “armazém” designa o lugar onde se vai comprar produtos diversos e onde, às vezes, ela é mandada para fazer compras...

Para um economista, por exemplo, esta palavra tem um significado completamente distinto. A referência concreta é a mesma, porém, na palavra “armazém”, encontra- se agora um sistema de conceitos, por exemplo, o sistema econômico de troca, ou a fórmula “dinheiro - mercadoria - dinheiro”... Na criança pequena, a influência principal é desempenhada pelo afeto, pela sensação de algo agradável. Para a criança menor ou para o jovem escolar, a influência principal é desempenhada pela imagem imediata, de sua memória, que reproduz uma situação determinada. Para o estudioso economista, o papel principal é desempenhado pelos enlaces lógicos presentes na palavra.

• A Formação de Conceitos na Sala de Aula

Se, inicialmente, a criança formula conceitos a partir de uma relação direta que estabelece com a realidade concreta, aos poucos ela vai isolando determinados atributos do objeto, rumo a abstrações e generalizações cada vez mais complexas. Tomemos um momento de sala de aula, para que possamos entender melhor essa questão:

" Em um determinado dia, numa classe de alfabetização, são apresentadas aos alunos, as palavras “menino” e “menina”, sem apoio do desenho . A professora lê e pede que apontem a única diferença entre elas. Os alunos concluem que uma palavra termina com / o / e, a outra, com /a /.

Pede-se a um dos meninos que ponha os cartões no quadro, onde estão os nomes dos alunos, em duas fileiras separadas: uma fileira com o nome das meninas, e uma fileira com os nomes dos meninos. Acima da fileira das meninas está a figura da Minnie e, acima da fileira dos meninos, a figura do Mickey. O menino põe os cartões entre as duas fileiras. A professora, então, diz:

- Acho que tem um jeito melhor para arrumar esses cartões com as palavras “menino” e “menina”. Quero ver quem descobre.

Horácio: Bota o cartão com “menino” embaixo do Mickey e o da “ menina” embaixo da Minnie.

Profa: Por que vamos colocar assim ?

Horácio: Porque Mickey é homem e Minnie é mulher.

Os cartões são colocados dessa forma, sob os desenhos que ensinam os nomes dos meninos e das meninas.

Profa: É, agora estão nos lugares certos. Mas será que é só porque tem o Mickey que a gente colocou a palavra “menino”, e só porque tem a Minnie que a gente colocou a palavra “menina”?

Josélia: Não. É porque o cartão com o nome “menino”, fica na fila dos nomes dos meninos, embaixo dele só tem meninos (cita alguns), e o cartão da “menina” fica em cima dos nomes das meninas.

Locatelli,1991

Percebe-se que a professora tentava levar os alunos a fazerem uma generalização, como a que começou a ser feita por Horácio. Ele não atingiu a elaboração mais generalizada, como fora pretendida, tendo ligado concretamente palavras e desenhos, sendo, desta forma, a palavra relacionada a um objeto ao qual poderia estar referenciada.

Já a menina relacionou as palavras a um agrupamento de nomes, pertencentes a um determinado gênero, observando a abrangência dos grupos, sem se fixar apenas no referente concreto

Vygotsky investigou dois tipos de conceitos : os conceitos “cotidianos” e os conceitos “científicos”.

Por conceitos cotidianos ele compreende aqueles que durante seu processo de desenvolvimento, a criança vai formulando, na medida em que utiliza a linguagem para nomear objetos e fatos, presentes em sua vida diária. Ao falar, ela vai referindo-se à realidade exterior e, quanto mais interage dialogicamente com seus semelhantes, mais vai se distanciando de uma fase em que o conceito está diretamente ligado ao concreto, para tornar cada vez mais abstrata a forma de generalizar a realidade. Por exemplo, a criança, quando bem pequena, para falar de um carro, tem que estar diante dele, mas, aos poucos, vai se distanciando dessa situação, em que o nome faz parte do objeto para se referir a ele, ou seja, é possível falar de um carro, mesmo que não esteja diante de um.

Por conceitos científicos, Vygotsky considerou aqueles formados a partir da aprendizagem sistematizada e, portanto, a partir do momento em que a criança se defronta com o trabalho escolar. Os conceitos científicos são todos aqueles que derivam de um corpo articulado de conhecimentos e que aparecem nas propostas curriculares, como fundamentais na organização de conteúdos a serem trabalhados com os alunos.

Geralmente, as crianças formulam os conceitos cotidianos, mas não conseguem defini-los por meio de palavras, a não ser numa fase mais adiantada de sua vida. Vejamos : uma criança pode utilizar o conceito de “carro”, por exemplo , em sua vivência diária . Mas se lhe perguntarmos “O que é um carro ?” não chegará à definição do mesmo, respondendo, na maioria das vezes, a partir de seu caráter funcional: “Serve para passear”, ou a partir de dados relacionados às suas experiências: “O meu pai tem um carro”.

Com os conceitos científicos o processo de formação ocorre de forma inversa. Ao iniciar o seu aprendizado na escola, auxiliada pelas explicações e colaborações de seus professores, o aluno chega à definição dos conceitos científicos, mas a apropriação desses conceitos só ocorre a partir das atividades escolares.

“André cursava a terceira série, onde estava estudando o processo de fotossíntese. Ele já falava como a planta produz seu próprio alimento em contato com a luz do sol. Um dia, estando com sua família na praia, onde observava tudo curiosamente, de repente, começou a gritar : “Corram, venham ver a alga fazendo fotossíntese !” É que numa poça entre as pedras, havia algas e a água estava cheia de bolhas, evidenciando para o menino um conhecimento que ele havia aprendido na escola : o vegetal em pleno processo de fotossíntese”.

Os conceitos cotidianos desenvolvem uma trajetória ascendente, enquanto os conceitos científicos desenvolvem um caminho descendente; os primeiros caminham do particular para o geral, enquanto os outros vão do geral ao particular. Tanto quanto os conceitos cotidianos, os conceitos científicos percorrem uma trajetória de desenvolvimento, não sendo apreendidos, como afirma Vygotsky, em sua forma definitiva, logo no início em que o aluno entra em contato com eles. Vale dizer que não ocorrem distanciados uns dos outros, mas encontram-se interrelacionados.

• Vygotsky e a Educação Especial

As investigações de Vygotsky não se voltaram apenas para o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos ditos “normais”. Atribuindo grande importância à Educação Especial, coordenou e desenvolveu pesquisas neste campo, tendo atuado com crianças e adolescentes portadores de deficiência (física, visual, mental, auditiva e múltipla), no Instituto Experimental de Defectologia ( termo utilizado na Rússia, no início do século, para se referir ao trabalho desenvolvido com pessoas portadoras de deficiências).

Segundo afirma :

“A educação para essas crianças deveria se basear na organização especial de suas funções e em suas características mais positivas, ao invés de se basearem seus aspectos mais deficitários.” (1987: 28)

Uma prática pedagógica que tome como ponto de partida a deficiência em si apresenta como pressuposto, a dificuldade, tendo como objetivo quase sempre a superação desta dificuldade, através da modelagem de comportamentos, ou do desenvolvimento de atividades de caráter funcional, apenas. Previamente, determina-se o que a pessoa portadora de deficiência não pode alcançar.

Se, ao contrário, não “reduzimos”, de antemão, as possibilidades do nosso aluno portador de deficiência e, num processo de interação constante, procuramos com ele as “vias de acesso” à constituição de conhecimentos e valores, estaremos possibilitando que aprenda e se desenvolva, apesar da deficiência, sem previamente determinarmos até onde terá condições de caminhar.

Tem sido comum ouvir de educadores que atuam com crianças e adolescentes surdos ou portadores de retardo mental, que estes não conseguem atingir níveis mais elaborados de pensamento, estando restritos ao nível de pensamento concreto. Esse é o motivo apresentado para que limitem o trabalho com esses alunos, ao desenvolvimento de atividades concretas, não considerando que muitos, apesar de apresentarem deficiências mais graves, podem desenvolver formas mais elaboradas de pensamento.

Vygotsky (1988:100) argumenta que,

“...precisamente, porque as crianças retardadas, quando deixadas a si mesmas, nunca atingirão formas bem elaboradas de pensamento abstrato, é que a escola deveria fazer todo o esforço para empurrá-las nessa direção, para desenvolver nelas tudo que está intrinsecamente faltando no seu próprio desenvolvimento.”

Nesse caso a utilização do recurso concreto deve servir, tão somente, de apoio, como ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento abstrato.

Como exemplo, trazemos um momento de trabalho com um aluno portador de surdez profunda que, através de um processo de mediação constante, foi superando as dificuldades iniciais na formação de conceitos, considerados, muitas vezes, complexos de serem construídos.

Aluno - Por que ovo de chocolate e coelho na Páscoa ? Coelho bota ovo?

Profa - O ovo e o coelho são símbolos da Páscoa.

Aluno - Símbolo ? O que é isso ?

A professora, então, fez o desenho do emblema do Botafogo (o aluno era torcedor do Botafogo), ao que ele imediatamente respondeu:

- Botafogo !

Profa - Então, a Estrela Solitária é o símbolo do Botafogo. Você vê o emblema e logo se recorda do time de futebol.

Outros símbolos foram servindo de modelo, de modo que o aluno fosse ampliando o conceito questionado.

Desenhar o emblema do Botafogo foi o recurso concreto utilizado pela professora, inicialmente, para que o aluno fosse se apropriando do conceito em questão. (Fernandez, l993)

Num processo de inter- regulação onde o professor exerce um papel constante de mediador, o trabalho deve ter, tanto quanto para as demais crianças, uma visão prospectiva, voltada para o futuro.

Quanto ao processo de avaliação desses alunos - erroneamente chamado de “diagnóstico”, se realizado pela área de Educação - é fundamental que se tenha o cuidado de não partir para a descrição de quadros, enfatizando aquilo que o aluno não é.

É necessário buscar conhecer aquilo que ele pode vir a ser, transformando esse momento de avaliação numa instância de aprendizagem, só possível de se realizar se instaurado um espaço de interação dialógica - diálogo esse que não necessita ocorrer apenas através de palavras, mas de gestos, ações, produções escritas etc - onde a pessoa portadora de deficiência é considerada, não como um organismo deficiente, mas como todo ser humano, um ser simbólico culturalmente localizado.

Outras Palavras

• A Constituição do Sujeito

“O leitor institui

outra linha, lendo

O leitor constitui

um feixe de linhas cruzadas

organizando textos.

No percurso do texto

e no trânsito da leitura,

as linhas se chocam,

se repudiam, se perdem,

correm paralelas

e podem se amar.”

Silviano Santiago

Desde que nasce, a criança interage com o meio em que se situa, desenvolvendo várias formas de comportamento, utilizando-se de diferentes estratégias para se inserir neste meio, compreendê-lo e agir sobre ele .Seu desenvolvimento se dá a partir das interações que realiza com outros indivíduos e com o meio no qual está inserida.

O desenvolvimento é um processo integrado que abrange diversos aspectos da vida: motor, emocional, cognitivo e social. Não se deve, portanto, superdimensionar qualquer uma destas faces deste processo .

Como a criança interage com as formas já dadas pela sociedade, em um determinado espaço e tempo, pode-se dizer que ela se apropria da cultura em que vive e que, portanto, a cultura é constitutiva de seu processo de desenvolvimento, já que os padrões de interação entre as pessoas com quem ela convive são definidas pela prática cultural do grupo a que pertencem .

Por outro lado, a criança não é um ser apenas em desenvolvimento cognitivo, mas um ser real e concreto em interação com o mundo que a cerca. Diríamos que a criança é um ser historicamente situado e que, embora em processo de constituição de conhecimentos e de sua própria singularidade, ela já é alguém hoje, em casa, na rua, na escola .

“O sujeito se faz como ser diferenciado do outro, mas formado na relação com o outro”. Assim sendo, “a constituição do sujeito, com seus conhecimentos e formas de ação deve ser entendida na sua relação com outros grupos, no espaço da intersubjetividade” a partir de uma série de circunstâncias que se entrelaçam.

Smolka,1993:10

Desta forma, nenhuma criança pode ser considerada fora de seu espaço e tempo, pois cada uma é um “eu” concreto que articula o mundo significativamente. O universo de sentidos que cada um constrói, implica sempre as relações com o “outro”. Relações estas estabelecidas através das diferentes formas de manifestação da linguagem .

• A " Leitura do Mundo" - o Encontro Com o “Outro” e a Construção do Diálogo Interior.

Nas relações com o “outro” e com o “mundo” as crianças aprendem a ler este mundo e a internalizá-lo, como se pode depreender das palavras de um menino na rua - vendedor de chicletes :

“ - Carro de bacana é besteira. A gente num tá nem chegano e ele bate cum o vidro na cara da gente. Eu acho que até tem vontade de cuspir na cara da gente. Pensa logo que é pivete.”

O sujeito - leitor do mundo - menino na rua - vendedor de chicletes, vai produzindo sua singularidade, através das interações realizadas por meio da Linguagem: palavras, gestos, olhares, silêncios...

A dimensão de mundo de cada um, a singularidade que se cria, organiza-se, em grande parte, em função das condições sociais em que se vive e reorganiza-se, a cada momento, em função das condições de interação a que se estiver exposto.

A singularidade tem estreita relação com as condições histórico- sociais e com o curso da existência do sujeito. No mundo interior, cada um constrói suas deduções , suas apreciações, num espaço marcado por tensões. O diálogo com o “outro” implica na internalização de sentimentos e valores que não se impõem de forma homogênea, sendo, por isso mesmo, contestados e desafiados.

As diversas leituras do mundo que vão sendo feitas são produções de sentido .Os sentidos não nascem do nada .Eles são criados, se fundam socialmente e são construídos em confrontos de relações sócio- historicamente determinadas, fundadas e permeadas por jogos de poder .

Cada criança e adolescente com que convivemos traz para a sala de aula seus sentidos, sua singularidade, com todas as diferenças sociais, culturais, étnicas, de gênero. Diferenças que fazem parte daquele “tanto para si “ que cada um de nós guarda.

Fala-se muito na diversidade e em aceitá-la, sem que se discuta a longa história que deu origem à construção da diferença, no país e na escola pública. É mais fácil escrever sobre a diversidade do que desenvolver políticas justas que levem à eqüidade, a busca da unidade de uma ação educativa de qualidade na diversidade.

• Discutindo a Diversidade em Busca da Unidade

Entendemos por diversidade, aspectos da vida de crianças e adolescentes e as maneiras que cada um deles têm de construir valores e significados que derivam de sua condição étnica, de gênero e das condições sócio- econômicas- culturais em que estão inseridos .

Concepções de gênero, etnia, situação sócio- econômica, têm sido tratadas como se fossem naturais na sociedade, sem que sejam discutidas numa perspectiva histórica .Os conflitos são ignorados, sem que se tente compreendê-los como fazendo parte do encaminhamento na solução de possíveis problemas .

Muitos ainda consideram que há raças inferiores ou que a classe social influi no grau de inteligência e na capacidade de construção de conhecimentos .

“ - Você tá vendo esse escurinho aí, eu não dava nada por ele. Fala mole. Caladão. Eu até indiquei pra psicóloga. E não é que ele me surpreendeu ? Tá aprendendendo direitinho.”

“ - Esse menino é completamente nulo. Também, pudera, a mãe é nervosa, um bando de filhos, vive largado por aí ...”

“ - Essa aí não tem jeito. A mãe é super ignorante. Veio lá do Norte. Fala errado. A menina é assim. Não aprende nada.”

Estas falas, retiradas do cotidiano de salas de aula, (Locatelli, 1991)mostram como não se tem levado em conta que a própria sociedade cria os desiguais, pela distribuição desigual de oportunidades, face às condições de, etnia, gênero, situação sócio- econômica . A questão crucial é a da concentração de poder, que forja os “diferentes”.

Na sala de aula ocorre o encontro das diferenças. Defrontam-se múltiplas histórias de vida. Da vida de professores e alunos. Confrontam-se preconceitos e criam-se resistências. A sala de aula é um espaço onde se explicitam tensões.

Neste espaço, qualquer informação, conteúdo, valor a ser discutido, implica em tantas formas de construção de conhecimento, quantos forem os sujeitos envolvidos, pois para cada sujeito, a repercussão se fará de forma diferenciada atingindo a rede de sentidos em que ele está enredado.

Para entender crianças e adolescentes é preciso percebê-los em sua plenitude, sem reducionismos, levando-se em consideração seus modos de sentir, criar, significar e dar sentido ao mundo que os cerca, considerando seus afetos, desejos, emoções, entendendo-os como seres que não só trazem história, como se fazem na história.

O tipo de inserção de cada um na sociedade origina diferentes modos de ser, construir, significar e sentir, a partir de relações que se vão estabelecendo.

Através da interação mediada pela linguagem, seja do tipo expressivo- postural, gestual ou a lingüística propriamente dita, diferentes significações vão sendo construídas, partilhadas, modificadas.

Grande parte do que chega até nós surge através da interação com o “outro”, seja este “outro” : a família, o professor, os colegas, a mídia, os acontecimentos no bairro e na cidade... Ao retornar para si próprio, as palavras impregnadas de sentido deste “outro”, são internalizadas, numa espécie de diálogo interior que serve à estruturação da própria singularidade de cada um .

Constituindo conhecimentos, valores e significados de forma interativa, crianças e jovens lidam com múltiplos processos, incluindo aqueles não relacionados especificamente à área da cognição, mas a da emoção, da sensibilidade, a da explosão de tensões. Seria, portanto, necessário que o professor estivesse atento aos modos como seus alunos interagem em diferentes situações: nos jogos e brincadeiras, através de desenhos, das conversas entre eles.

Estas formas de linguagem apontam para os sentidos que estão sendo construídos, e são os meios que crianças e adolescentes empregam para expressar sua forma de pensar o mundo e os conhecimentos que vão construindo, e que transformam a vida ao seu redor, na sala de aula, na escola, onde for .

• O Papel de Mediação da Linguagem e da Interação na Perspectiva Histórico Cultural.

Durante muito tempo, face aos trabalhos de Piaget, colocou-se excessiva ênfase no processo de construção do conhecimento, como um fenômeno fundamentalmente individual, fruto da interação do sujeito com o objeto do conhecimento. A construção do conhecimento é vista, neste enfoque teórico, como uma atividade auto- estruturante.

Embora não se discorde de que a atividade do sujeito seja básica para a construção do conhecimento, e que há momentos específicos a serem respeitados, isto não implica necessariamente que a influência do professor e o tipo de interações em que a criança estiver envolvida, não tenham peso nesta construção. Pelo contrário, há razões para se crer que a interação mediada pela linguagem, tem papel importante, não apenas na construção do conhecimento escolar, como também no desenvolvimento de diferentes processos psicológicos .

Se para Piaget o desenvolvimento cognitivo é concebido fundamentalmente, como a construção de um plano interno do indivíduo - a equilibração das estruturas operatórias - de forma que as relações interpessoais, suas características e repercussões dependam do nível alcançado por esta construção, para Vygotsky, e os seguidores da Teoria Histórico- Cultural, é grande o papel da interação social no desenvolvimento dos processos psicológicos superiores .

Em seus trabalhos, Vygotsky aponta para a importância da linguagem como instrumento de pensamento, afirmando que a função planejadora da fala, introduz mudanças qualitativas na forma de cognição da criança, reestruturando diversas funções psicológicas, como a memória, a atenção voluntária, a formação de conceitos, etc.

Para Vygotsky, a linguagem age decisivamente na estrutura do pensamento, e é ferramenta básica para a construção de conhecimentos. A linguagem, em seu sentido amplo, é considerada por este autor como um instrumento, pois ela atuaria para modificar o desenvolvimento e a estrutura das funções psicológicas superiores, tanto quanto os instrumentos criados pelos homens modificam as formas humanas de vida .

Vygotsky afirma que, num primeiro momento, o conhecimento se constrói de forma inter- subjetiva ( entre pessoas ) e num segundo momento, de forma intra - subjetiva ( no interior do sujeito ).

“ É na relação com o “outro”, desde o nascimento que vão se constituindo os papéis que a criança assume no diálogo (as formas culturais de responder à fala do outro ), os objetos do conhecimento ( aquilo sobre o que se fala ), e o próprio uso da língua ( a noção desta como veículo comunicativo ).” (Regina de Assis ,1992)

Quando a mãe dialoga com o bebê, dando-lhe “voz”, ajudando-o a interpretar situações variadas, ela o coloca em uma relação inter- subjetiva que se transformará em relação intra subjetiva, isto é internalizada.

Quando um bebê estende a mão para tocar um objeto e o adulto o aproxima dele, aos poucos a criança internalizará este gesto como o de apontar. Se no início, a criança usa esta forma de linguagem difusamente, gradativamente passará a estabelecer elos entre sua ação difusa e a organizada por outra pessoa.

Os adultos que cuidam de um bebê não lhe proporcionam apenas cuidados físicos, mas colocam sobre ele certas representações sociais (imagens, idéias, expectativas ) que o introduzem no mundo da cultura.

O bebê nasce num mundo simbólico, onde significados vão sendo usados pelos indivíduos para controlar seu ambiente e a si próprios. É na interação que estabelece com outros membros da sua cultura (mãe, pai, irmãos, colegas, professores ), e com os meios de comunicação, em geral, que as crianças vão construindo seu próprio sistema de significados .

Entretanto, ao mesmo tempo em que depende de sua constituição orgânica, e das possibilidades de ação e interação que lhe são oferecidas pelo ambiente, as crianças podem escolher entre diferentes modos de comportamento, construindo novos modos de ação. As diferentes interações a que estão submetidas são fundamentais para que isto ocorra.

Passo a passo as crianças vão construindo significados, conhecimentos, valores, num diálogo consigo próprias, com o outro e com o mundo, levantando mentalmente as várias posições (opiniões, concepções, perspectivas ) sobre determinado assunto .

Gradativamente, as crianças aprendem a observar as situações de diferentes perspectivas , tentando colocar-se no ponto de vista do outro ,como nos mostra Zilma de Oliveira em pesquisa realizada (USP/INEP/ 1991) :

"Crianças de 5 anos, após brincarem com água no pátio da escola voltaram para a sala molhadas .Um menino que estava mais molhado que os demais ouviu uma observação da professora:

- Se eu fosse você, eu saía e ficava lá fora para tomar sol e secar a roupa !

- Se você fosse eu, você não saía porque você não deixava! "

Ou seja se você- professor, fosse eu- aluno, você aluno não sairia porque você professora não deixaria ."

As crianças não aprendem apenas o que lhes é apresentado como objeto de estudo. Elas vão tateando ( como afirmava Celéstin Freinet ), através dos diálogos trocados e das interações vividas, aprendendo o que as situações cotidianas lhes colocam à frente. Neste aprendizado elas desempenham diferentes papéis, se relacionam com várias pessoas, vão “jogando o jogo da vida” e nele vão construindo sua singularidade, organizando os significados, conhecimentos e valores que as guiarão na busca por uma cidadania plena.

• Auto-Conceito e Preconceitos : Como se Formam no Espaço de Interação do Contexto Escolar

Cena comum em sala de aula são os desenhos, as dramatizações, as conversas entre professores e alunos e destes entre si.

Algumas destas situações podem nos fornecer pistas eloqüentes de como se estão formando, ou sendo reforçados, preconceitos que circulam pela sociedade.

Crianças e jovens, negros, muitas vezes se representam em seus desenhos como brancos, expressando a percepção que já constituíram do padrão dominante de “beleza” que a sociedade impõe. Pobres moradores de barracos desenham belas casas e nelas vivem com suas famílias .Batalhas internas são travadas com os lápis coloridos. Nossos alunos dizem muito de si no que desenham. Ao desenhar ou dramatizar, eles organizam a realidade a fim de melhor compreendê-la ou a transformam segundo seus desejos. São formas por eles empregadas para expressar o pensamento interior.

Através destas “pistas “ pode-se perceber como nossos alunos estão internalizando determinados valores que circulam pela sociedade, constituindo-se em preconceitos que estigmatizam grupos sociais, étnicos ou de gênero e como também muitos se vêem, isto é, como constróem seu próprio auto- conceito .

Vejamos outro exemplo retirado de pesquisa (Locatelli,1991):

“ Alguns alunos brincam na Casa de Bonecas. Um menino lava louça na pia. Uma menina se aproxima, travando-se o seguinte diálogo:

Denise - Ué! Você gosta de lavar louça? Quem lava louça é mulher.

Luciano - Eu gosto. Na minha casa quem lava louça é o meu pai.

Denise - Mas não pode . Mulher é quem lava louça. A mãe é que tem que lavar.”

“Em outra situação, as crianças pintavam uma gravata feita em cartolina para dar de presente aos pais no dia a eles dedicado.

Trava-se o seguinte diálogo:

Benjamin - Você vai pintar a gravata do seu pai de rosa ?.

Tito - Vou. Que que tem ?.

Benjamin - Rosa é cor de mulher ..

Tito - Meu pai gosta de rosa. Ele tem uma camisa rosa..

Benjamin - Então ele é bicha !.

Jorge - É bicha sim! Preto é que é cor de macho !”.

“Cena em aula de educação física :

O professor, num dia de chuva, estica uma corda na sala e propõe aos alunos jogarem a bola por sobre ela. A bola é jogada por vários meninos, até que o professor a passa para uma menina . Um aluno reclama :

"- Pô, tio ! Não dá prá ela, não. Ela não vai conseguir. Menina não tem força. Ela não vai conseguir nunca !”

Locatelli,1991

Em outro contexto a professora observa o desenho de um menino gordo que se desenha magro, e da menina negra que se desenha loura de olhos azuis, ouvindo o seguinte diálogo:

- Eh, você não é magro coisa nenhuma, você é um bolão!...

- E você , acha que é a Xuxa?

- Ah, mas eu gosto assim...

- É, e eu sou assim...

Assis 1987

As crianças têm suas próprias concepções sobre o papel de meninos e meninas: lavar louça não é para homem, rosa é cor de mulher, menina não tem força...

Tais concepções separam nitidamente os papéis, o que é apropriado para homem e para mulher , refletindo os significados simbólicos presentes nos grupos sociais.

A constituição de um significado simbólico se dá culturalmente, através de um processo interativo, e realiza-se num contexto em que normas, papéis sociais e hierarquias articulam adultos, jovens e crianças em ambientes familiares, grupos de vizinhanças ou interesses comuns. Estes significados simbólicos, embora estáveis durante períodos mais ou menos longos, passam, contudo, por transformações nas regras. Estes elementos não são invariáveis, eles mudam conforme as condições históricas da sociedade que os produz.

As palavras das crianças, nestas manifestações descritas, carregam dentro de si uma orientação social que reflete os valores e conceitos que as impulsionam. Nestes exemplos, significados foram se formando a respeito do papel desempenhado na sociedade por homens e mulheres. Percebe-se o discurso dominante de submissão à uma prática ainda arraigada em nossa sociedade, e que retrata questões referentes à incapacidade da mulher frente ao homem, ao seu papel de doméstica. Muito cedo, as crianças separam o que é brinquedo de menino ou menina, lugar de homem ou mulher, possibilidades ou impossibilidades das pessoas.

“Numa determinada turma, um dos alunos dirige-se à professora, quando a mesma solicita a um dos alunos que conte a história que desenhou:

- Não pede pra ele não, tia ! Ele não sabe mesmo !”

“O que não sabia mesmo” era um dos que ficavam colocados no grupo dos fracos, nas célebres fileiras separadas, percebidas por todos, inclusive pelos “fracos”.

“Em outra situação, numa escola regular que abrigava uma classe de surdos, um grupo de alunos que saíra para beber água, ao passar pela sala destes alunos surdos, observa os desenhos que as crianças faziam, após terem ouvido uma história contada pela professora. Surpreso, um destes pergunta :

-Quem fez os desenhos ?

A professora responde que foram as crianças da turma .

-Ué, eles sabem fazer, é ? Eles não são surdos ?”

Fernandez, 1993

• Auto-Conceito e Preconceitos - O papel dos professores

A ação da escola, como instância de mediação, pode confirmar ou negar em cada pessoa individualmente, ou, em uma classe em seu conjunto, o poder das pressões sociais e culturais, dependendo do modo como os professores se posicionam frente a determinadas questões .

O papel dos professores, ao acompanhar e analisar as crianças em suas manifestações espontâneas, deve ser o de instaurador de desequilíbrios, de conflitos entre concepções assumidas, desafiando as bases em que estão fundamentadas as experiências dos alunos, ao problematizarem as maneiras contraditórias e múltiplas em que estas se entrecruzam .

Esta desmistificação de estereótipos prepara o caminho para a compreensão ampla e responsabilização sobre os direitos dos cidadãos. Isto ocorre em muitos momentos e, como veremos, explicitadas as tensões, em geral com a mediação do professor, melhores resultados podem vir a ser obtidos.

“ Alunos de cerca de 7/8 anos voltam de uma aula de Educação Física. Um deles imita uma colega :

- Tia, era pra correr, aí a Geléia foi andando assim...assim...(imita o andar da colega, como se ela fosse um boneco desengonçado )

A professora pergunta porque ele chama a colega de Geléia e o aluno responde :

- Porque ela é mole, toda mole, molenga ...

Outro aluno interfere :

- Toda menina é molenga mesmo .

Entra na discussão uma outra menina (não a que está sendo motivo da discriminação), em defesa da colega e das meninas em geral :

- Molenga você vai ver. Te dou um teco na cara!

A professora que deixara o conflito se explicitar participa da discussão:

- Em primeiro lugar sem essa de que mulher é molenga e homem é fortão ! Em segundo lugar o nome da sua colega é Dirce e não Geléia.

Locatelli, 1991

A turma em questão era acentuadamente dividida entre meninos e meninas, e a professora tinha o firme intento de discutir a questão. Diferentes situações sempre foram aproveitadas para isto.

“ Em um outro momento, dias após, a menina que fizera a defesa da classe feminina, levou para a escola, no Dia das Crianças, um skate para brincar. Houve grande reação, tanto da parte de meninos, quanto das próprias meninas. Na opinião de todos, skate era para menino.

Embora levando um brinquedo diferente dos convencionalmente utilizados pelas outras meninas, que se dedicaram a brincar com bonecas, casinha etc..., a aluna pouco se importou com as críticas e desafiou os colegas:

- Qual é?! Que que tem ? Eu ando de skate bem à beça. Não tem essa não ! Eu gosto, e daí que vocês acham que é de homem ?! Sem essa!”

Locatelli, 1991

Novamente no espaço da tensão, a professora conversou com os alunos sobre o que cada um pensava ser brinquedo de homem ou de mulher. Por que deveria ser assim ? Perguntou se as mães deles trabalhavam, o que faziam em casa depois do trabalho, indagou a respeito das atividades dos pais em casa. Nestas conversas, a professora não fechou a questão com a sua opinião. Ela chamou os alunos para a interlocução, para a reflexão acerca dos papéis estabelecidos pela sociedade para homens e mulheres. O debate ganhou força. Muitas convicções começaram a ser abaladas.

A questão de gênero perpassou o “currículo” o ano todo, e pôde-se perceber como cada vez mais as distinções marcadas foram se atenuando.

Por outro lado, ainda ouvimos falas que reforçam estereótipos do que é ser homem ou mulher:

“ - Rafael, você não pode chorar ! Homem não chora !”

“ - Vanessa, você é uma menininha ! Precisa se arrumar! Pega a escova, bota o arco ! Menina tem que estar bonitinha !”

“ - Não, Mariana ! Não bata no seu colega ! (O colega batera nela, antes ) Ele é um homenzinho, é mais forte que você. Se ele resolver te bater, a tia não vai poder ajudar!”

Locatelli, 1991

A professora da Dirce (que não é Geléia) procurou o tempo todo desmistificar um preconceito que se forma cedo em nossa sociedade, o da diferença entre possibilidades de homens e mulheres, que se refletirá mais tarde na diferença de oportunidades profissionais, nos salários mais baixos para funções semelhantes, nas formas mais sutis de discriminação.

A questão do gênero, em geral, é muito mal colocada na escola. Gênero é muito mais do que uma característica sexual: representa o que é o masculino e o feminino em dados grupos em determinado período histórico. Em nossa cultura, “machista” por excelência, não se admite, no plano cultural, que o homem chore, a não ser em situações dramáticas. Menino que chega em casa chorando ainda leva “bronca” porque não revidou. Já para o gênero feminino, nossa cultura orienta em geral para um padrão de docilidade, de submissão, de embelezamento, de sedução.

Claro que nenhuma cultura é estática. Há sempre uma espécie de “espaço de negociação”, em que os membros a ela pertencentes, estão em constante processo de reinterpretação de significados. A escola, como local em que estes se explicitam, não pode estar alheia a diferentes discussões que presentes na sociedade. Além disso, a interpretação de diferentes culturas provoca variações em relação às expectativas sobre os papéis a serem desempenhados pelos diferentes gêneros em distintas situações sócio - econômicas.

Além do preconceito, o auto- conceito também se constitui através da interação. A imagem que cada um tem de si próprio é, em grande parte, alimentada pela imagem que o outro faz de nós.

A situação de ser negro, ou seja, pertencer a outra etnia tão bem relatada em trabalho de Oliveira (1993:118:119) pode nos ajudar a entender a questão em pauta.

“ Uma professora pede a uma aluna que leia o seu trabalho. Ela responde baixo que não gostaria de fazê-lo. A pesquisadora, presente na sala indaga o porquê da recusa. A aluna responde:

- Eu não, os outros vão rir de mim.”

Neste momento, sua não- participação é mediada, dentre outros aspectos, pelo que imagina que os outros possam fazer com relação a ela. Quem são esses outros? Por que iriam rir dela? Quem é esse “mim”, de quem os outros poderiam rir?

A aluna citada era muito discriminada pelos colegas. Muitos recusavam que ela sentasse no mesmo grupo que eles. Chacotas eram feitas. Apelidavam-na de Noite, Escuridão. A menina era negra.

Quem era esse “mim” no jogo das relações estabelecidas nessa situação? Que imagem esta aluna tinha de si?

Sua produção textual deixa isto claro :

“ Eu sou preta tenho o cabelo duro. Os meninos tiram sarro de mim só porque eu sou preta(...)

A Ana é diferente de mim, ela tem cabelo grande, ela é morena eu sou preta, os meninos agarram ela(...)

Eu sou parecida com a Bea, a Bea tem cabelo duro, eu também tenho cabelo duro(...)

A escola pública de 1º Grau precisa estar atenta para não se tornar um espaço de tensões discriminatórias para os alunos negros, mulatos, de origem oriental ou indígena, nordestinos, sulistas, meninos, meninas, gordos, magros, bonitos; feios, pobres ou não e que não se adeqüam a padrões como os portadores de necessidades educativas especiais, os deficientes visuais, auditivos, motores ou portadores de desequilíbrios psicológicos.

O Núcleo Curricular Básico MULTIEDUCAÇÃO reconhece o desafio enfrentado pelos professores de 1º Grau ao lidar com a diversidade de alunos presentes às salas de aula, e a conseqüente complexidade de seu inestimável trabalho. No entanto, reconhece também, o direito de todos os alunos a uma educação pública de boa qualidade, independente de suas características físicas, de suas origens econômicas e regionais. Reconhece e reafirma a dignidade que deve estar sempre presente ao ato de ensinar e de aprender com êxito.

• Linguagem e Construção de Conhecimentos

A interação tem um papel fundamental na construção crítica de significados culturais. Em muitos momentos, na sala de aula, interações, tanto positivas quanto negativas, ajudam, dificultam ou bloqueiam o caminho de construção de conhecimentos pelas crianças.

Nas interações positivas, o professor propicia situações que ajudam o aluno a planejar e efetuar ações, de forma a organizar seus conhecimentos, e lhe oferece espaço para usar a palavra, pois somente compartilhando a palavra com o aluno, será possível conhecer as bases em que se fundamentam suas experiências, levando-o a avançar na construção de conceitos científicos e de valores morais. Nas interações negativas, ou o professor impede que o aluno se expresse, para externar o modo como constrói conhecimentos, ou até mesmo lhe fornece informações, que não o ajudam a avançar nesta construção.

Vejamos um exemplo extraído do trabalho de Zilma de Oliveira ( 1993 ):

“ Crianças de 4 anos ouvem uma história contada pela professora, que lhes mostra a gravura de um cachorro.

Prof - Zelinha era uma cachorrinha bem bonitinha que também tinha um pêlo macio e gostoso ...

Artur - É cachorro tem pêlo ...

Pedro - Ele late : au! au! au!

Célia - Ele tem pulga !

Prof - Não ! Não é pulga, é pêlo mas às vezes o cachorro tem pulga também ..

Pedro - E gente ?

Prof - Gente também ...

Pedro - E catapora, cachorro tem ?

Prof - Tem.

Marta - Quem tem catapora ..Aí nós pega de outra gente e nós fica na cama doente, deitado o dia inteiro ...

Prof - Até sarar ! Bom, vamos voltar à história !

No caso da história contada pode-se perceber os muitos significados que as crianças trouxeram de suas experiências e que foram negociados, comparados, confrontados. As crianças discutiram características do animal e falaram do seu hóspede natural : a pulga. Perceberam que a pulga não incomoda só os cachorros, mas as pessoas também. No entendimento deles parecia que a pulga era como uma doença que se pega como catapora, de outra pessoa.

Neste fato, foi positivo a professora ter deixado a conversa fluir, contudo pode-se pensar que ela deixou passar uma boa oportunidade de fazer avançar o conhecimento das crianças, quando não estabeleceu a diferença entre a pulga para o cão e para as pessoas e, principalmente, quando afirmou que cachorro também tem catapora.

Não se trataria de “dar aula” para as crianças, porém é preciso estar atento, para não deixar que certos conhecimentos construídos espontaneamente articulem- se de forma incorreta.

Um outro exemplo de interação não- construtiva pode ser visto também em situação envolvendo alunos de 6 anos em turma de pré- escolar:

“A professora resolve propor um problema à turma, fato que se transformou mesmo num problema.

Prof - Bom ... Agora nós vamos resolver um problema ... Angelo comprou três caixas de chicletes e 4 caramelos. Quantos doces Angelo comprou ?

Silêncio total. A professora repete a questão. O silêncio é quebrado pela pergunta de um aluno :

Francisco - É caixa de chiclete grande ou pequena, tia ?

Prof - Tanto faz ...Qualquer caixa de chiclete... (repete o problema pela terceira vez)

A pergunta do menino fazia sentido, pois uma caixa de chicletes, grande, tem vários chicletes e a pequena tem dois. Sem saber a que caixa a professora se referia, ficou difícil resolver o problema.

No entanto, a questão fora vista sob outro ângulo, por outro menino (Vicente), como se pode notar quando a professora repete novamente o problema, mudando inadvertidamente, a pergunta final. Ao invés de perguntar “Quantos doces ...?”, a professora perguntou “Quantas coisas o menino comprou? “ Vicente e muitos outros responderam corretamente : sete coisas.

Prof - Custaram, hein! Vejam só como é fácil ! (neste momento, a professora vai ao quadro e ilustra o problema, usando um diagrama para juntar os dois conjuntos ). Ao ilustrar, ela vai falando : Estão vendo ? Ele comprou 3 caixas de chicletes e 4 caramelos. Ao todo ele comprou 7 doces.

Vicente - Sete balas, tia !

Prof - É tudo doce : chocolate, bala, chiclete, jujuba. Salgado é que não é.

Vicente sacudiu a cabeça como se não concordasse.”

Locatelli, 1991

Diz Cagliari (1991:27) que “A Matemática não se faz só com números, mas também com a linguagem”. Neste caso específico, importa saber que “em cada etapa do desenvolvimento infantil, a palavra adquire novas estruturas semânticas, muda e se enriquece o sistema de generalizações nela encerrados, o que quer dizer que o significado da palavra se desenvolve.”(Luria, 1987:52)

Por trás das palavras estão encerradas uma série de imagens imediatas e práticas, que correspondem a certas situações experimentadas. Neste caso, Vicente fizera uma generalização, usando a palavra “balas” para englobar chicletes e caramelos. Ele possuía capacidade de generalização, porém, parecia que estes elementos se encaixavam numa certa categoria, e não naquela mais ampla com a qual a professora lidou ao contrapor doces /salgados.

O significado da palavra “doces” certamente era conhecido por ele, porém a categoria “balas”, parecia englobar o significado particular de cada um dos elementos citados, enquanto a palavra doces” talvez se originasse de outros enlaces (quem sabe : brigadeiro, bolo/ doces; pastel, empada/ salgados ; chiclete, caramelos/ balas )

A forma de diálogo entre a professora e os alunos não propiciou uma interação positiva, criando, até mesmo, dificuldades para as crianças. O modo como a questão foi proposta, e a falta de paciência da professora para entender as perguntas dos alunos, que tinham sua lógica, não ajudou nem ao primeiro aluno, que queria saber o tipo de caixa de chiclete para fazer a conta de quantos “doces”, nem ao segundo, que estava demonstrando, nitidamente, uma categorização diferente para as palavras empregadas.

A cena analisada faz com que se retome a questão do poder da palavra, assemelhando-se a uma situação narrada por Lewis Carrol em seu livro “Alice no País das Maravilhas”, onde o autor relata uma discussão entre Humpty Dumpty e Alice :

“H.D. - Quando uso uma palavra, ela significa exatamente o que eu quero dizer, nem mais nem menos.

A - O problema é que você pode fazer com que as palavras signifiquem tantas coisas.

H.D.- O problema é saber quem manda. Isto é tudo.”

Nas salas de aulas das escolas públicas de 1º Grau o uso das palavras, sua combinação em frases e seus significados, muitas vezes revelam que o poder cabe apenas aos professores . No entanto , sem cair na armadilha do " democratismo" que esconde a necessidade de uma hierarquia, é preciso que os mestres saibam dar voz e vez aos seus alunos, pois é desta relação deste diálogo interessado de parte a parte, que nascem conhecimentos e valores significativos e portanto duradouro e úteis.

Com o apoio de Vigotsky discute-se, hoje, a constituição do pensamento e a construção do conhecimento, incorporando-se o papel do outro, discute-se como o que se lê, vê, ouve... assume significados. Que operação mental entra neste jogo ? Como se compreende palavras ditas e também aquilo que não depende de palavras, depende de gestos, expressões, imagens, silêncios ?

Para este autor, a transição entre pensamento e palavra, passa pelo significado, tanto que este autor nos dirá que “Um pensamento é como uma nuvem descarregando uma chuva de palavras”...( Vygotsky 1987:129)

A palavra tem um significado dicionarizado e um sentido particular. Este sentido está ligado a certos enlaces que vão se fazendo a todo momento, dependendo de operações que se fazem o tempo todo. Há sempre uma troca, uma intermediação entre os significados emitidos e os sentidos de cada um. Entrecruzam- se o tempo todo afetos, desejos, memórias, emoções.

A ênfase na importância da linguagem não eqüivale, no entanto, à valorização da transmissão de conteúdos de forma verbalista, numa volta ao ensino tradicional, linear onde " o mestre ensina e os alunos aprendem" ... Nosso Paulo Freire, em sua grande obra já mostrou a falácia, o engano desta visão.

Para Vygotsky, a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, sendo a principal mediadora entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Em cada situação de interação, o sujeito está em um momento de sua trajetória particular, trazendo consigo determinadas possibilidades de interpretação do material que obtém do mundo externo.

• A Construção do Conhecimento - um processo interativo

Valorizando-se o aspecto sócio- histórico cultural em que a criança vive, se estará sendo valorizado o espaço da inter- subjetividade, de trocas entre os sujeitos, observando-se como são intermediados pelo adulto as relações da criança com o mundo.

As interações a que as crianças e jovens podem estar expostos são de três tipos:

1 - entre o adulto e o aprendiz - são relações assimétricas já que, em princípio, é o adulto quem introduz o aluno no mundo dos conhecimentos, significados e valores.

2 - entre crianças e jovens - devendo-se estimular a organização do que se chama de par diverso, isto é, colocando-se para trabalhar juntas, crianças e jovens, em níveis de desenvolvimento diferentes, a relação se estabelece mais facilmente até porque não há o status de autoridade interferindo, não há a assimetria professor /aluno. É por isso que se fala tanto hoje em formar turmas heterogêneas, e não grupar fortes, médios e fracos.

3 - Por fim, estas interações se dão entre a criança e outros diferentes produtos culturais, como livros, vídeos, programas de televisão, filmes, revistas, computadores, brinquedos, propaganda, etc...

À medida em que as crianças crescem e ampliam seus contatos sociais e campos de ação, recebem informações, processam-nas, lançando mão de vários recursos para se apropriar de um objeto de conhecimento. Tanto a sua ação como a mediação com o outro, tem grande importância.

A mediação sujeito/objeto do conhecimento não passa apenas pelas estruturas cognitivas, mas envolve a questão das interações, afetos, rejeições, relações sociais e situações de ensino, constituindo-se a construção do conhecimento numa mediação intersubjetiva. Esta é uma diferença fundamental entre constutivismo piagetiano e a concepção histórico/ social de Vygotsky e seus colaboradores e seguidores.

Vista desta forma, cresce de importância o papel do professor na mediação do aluno com o objeto do conhecimento, podendo-se falar da construção do conhecimento, como sendo um processo interativo. Cresce também de importância o lugar da escola pública de 1º Grau como instituição indispensável à constituição de conhecimento e valores que levam à introdução ao mundo da cidadania plena.

Muitas vezes o fracasso escolar tem como causa o fato de não se perceber as diferenças, de não se reconhecer a singularidade de cada um, de não se dar espaço para a polifonia e para a polissemia, isto é, para o encontro de diferentes discursos, com distintos significados na tentativa de se construir um discurso único, homogeneizador.

A diferença, interpretada como deficiência, pode servir para que se façam diagnósticos das crianças, medicalizando-se o fracasso escolar, patologizando- se o que não é deficiência e sim posição na vida social, singularidade, expressão de cultura, momento particular.

Houve um tempo em que se pensou que o desenvolvimento apresentava formas padronizadas, com características bem marcadas em cada fase. Houve um tempo em que se supôs que as possibilidades e incapacidades de cada um, eram determinadas geneticamente.

Houve ainda um tempo em que, à criança e à sua família, foram atribuídas diferentes carências. Muitas destas idéias co- existem, porém anuncia-se um novo tempo: um tempo em que se discute que a aprendizagem não é mecânica, controlada externamente, nem endógena, controlada internamente.

A aprendizagem se dá num movimento integrado com o desenvolvimento, em que um serve ao outro. Quanto mais a criança e o adolescente aprendem, mais se desenvolvem, através da interação, da prática dialógica em que conteúdos significativos vão sendo articulados aos seus conhecimentos, reorganizando-se os sentidos particulares de cada um.

E isto acontece de forma gratificante e exitosa para os alunos das escolas públicas, quando os professores agregam interesse ao seu ofício de ensinar através do diálogo que busca entender, que estranha mas não repele, construindo pontes de comunicação, canais de sintonia e entendimento entre os adultos, jovens e crianças.

Isto se faz com energia e respeito, que trazem como conseqüência entusiasmo, alegria e êxito mútuos

Vivendo e

Aprendendo a Jogar

Vivendo e Aprendendo a Jogar

Você está sonhando ?

Ah! Pare de brincadeira...

Preciso parar com essas fantasias e cair na real...

Jogo, sonho, fantasia sempre estiveram associados a coisas pouco sérias ou sem importância. Nossa sociedade insiste na divisão em dois mundos opostos onde, de um lado, estariam a brincadeira, os sonhos, a imaginação e, de outro, o mundo sério da razão, do trabalho.

Esta idéia justifica o descaso, tão freqüente na cultura adulta, pelo ato de brincar, não levando em conta que adulto também brinca. Brinca, não só aquele adulto que, por força do seu exercício profissional, convive com as crianças, mas também, o executivo engravatado no escritório, o operário com sua britadeira no asfalto, a costureira da fábrica, a dona de casa em sua cozinha

Podemos afirmar que, independente das diferenças individuais, todo adulto precisa de brincadeira e de alguma forma de jogo para viver.

Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, afirma que a brincadeira do adulto está relacionada com a sua capacidade de lidar, de forma lúdica, com seus próprios pensamentos. Em suma, o espaço da criatividade, o humor constituem a brincadeira e o jogo do adulto.

Alguns teóricos vêm, nos últimos anos, se dedicando ao estudo da atividade lúdica e sua importância, não só no desenvolvimento cognitivo da criança, como também na constituição do sujeito.

Segundo Vygotsky e Leontiev ( 1988 ), as atividades lúdicas não estão simplesmente ligadas ao prazer. A imaginação e as regras são características definidoras da brincadeira. Não existe brinquedo sem organização e sem motivo. A situação imaginária tem uma lógica, previamente estabelecida, mesmo não sendo formal.

Brincar é uma realidade cotidiana na vida de crianças, jovens e adultos, e para que brinquem, é suficiente que não sejam impedidos de exercitar sua imaginação. A imaginação é uma atividade mental que permite às crianças, relacionarem seus interesses e necessidades com a realidade de um mundo que pouco conhecem. É o meio que possuem para interagir com o universo dos adultos, universo que já existia quando elas nasceram e que só aos poucos irão compreendendo. A brincadeira expressa a forma como uma criança reflete, ordena, desorganiza, destrói e reconstrói o mundo à sua maneira. É também um espaço e um tempo onde a criança pode expressar, de modo simbólico, suas fantasias, seus desejos, medos, sentimentos e os conhecimentos que vai construindo, a partir das experiências que vive.

A capacidade de brincar abre, para a criança, uma possibilidade de decifração dos “enigmas” que a rodeiam. A brincadeira é um momento de investigação e construção de conhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo, dentro de um contexto de " faz de conta" .

Nas escolas isto é comumente esquecido. Brincadeira e aprendizagem são consideradas ações com finalidades bastante diferentes que não podem habitar o mesmo espaço e tempo. Ou se brinca, ou se aprende. Na melhor das hipóteses, o professor cria oportunidade para que a brincadeira aconteça, sem atrapalhar as aulas. São os recreios, os momentos livres ou as horas de descanso. No entanto, constata-se que é através da brincadeira que a criança representa o discurso externo e o interioriza, construindo seu próprio pensamento.

As regras e a imaginação levam a criança a se comportar além de sua forma habitual. Nos jogos e brincadeiras ela age como se fosse maior do que é na realidade, e isto, inegavelmente, contribui de forma intensa e especial para o seu desenvolvimento. Vejamos um exemplo que esclarece esta idéia: quando um grupo de crianças resolve brincar de padaria, necessariamente, já estão envolvendo-se em uma situação imaginária, onde cada uma representa papéis diferentes dos de suas próprias realidades. São obrigadas então a “parar para pensar” sobre como se comporta o padeiro, os fregueses, etc. Esta experimentação de diversos papéis sociais, este "faz de conta" por si só já constitui uma situação notável para a aprendizagem. Além do envolvimento numa situação imaginária, a brincadeira também exige que as crianças submetam-se a regras de comportamento e atitude (dos padeiros e seus fregueses), assim como, a um enredo criado por elas mesmas, que orientará a brincadeira.

Segundo Alexis Leontiev, é na atividade lúdica que a criança desenvolve sua habilidade de subordinar-se a uma regra, mesmo quando um estímulo direto a impele a fazer algo diferente. “Dominar as regras significa dominar seu próprio comportamento, aprendendo a controlá-lo, aprendendo a subordiná-lo a um propósito definido”. (l988, p. l39)

Este auto- controle interno sobre o conflito entre o seu desejo e a regra da brincadeira, é uma aquisição básica para o nível de sua ação real e a constituição de um código de valores e padrões de comportamento, que levam a uma ética futura.

Desta forma, pode-se afirmar que as atividades lúdicas, enquanto promotoras da capacidade e potencialidade dos alunos, devem ocupar um lugar especial na prática pedagógica, tendo como espaço privilegiado, a sala de aula.

A brincadeira e o jogo precisam “vir à escola”, se acreditamos na importância do “brincar” para o desenvolvimento do sujeito. Muito pode ser trabalhado a partir de jogos e brincadeiras. Contar e ouvir histórias, dramatizar, jogar com regras, correr, fazer- de- conta, desenhar, entre outras atividades lúdicas, constituem excelentes momentos para a aprendizagem. Segundo Constance Kamii, a situação ideal de aprendizagem é aquela em que, a atividade é de tal modo significativa, que quem aprende a considera como um trabalho e como um jogo. Isto é, algo que se aprende com prazer.

Para a criança muito pequena, os objetos têm uma força motivadora intrínseca. Através das percepções e motivações, os objetos dizem à criança como agir. Por exemplo: uma cadeira é para sentar. O objeto e a ação dominam o significado. Já com o brinquedo, esta relação se inverte. A cadeira pode ser o automóvel, várias cadeiras enfileiradas podem ser um trem. Nesta situação, o significado sobrepõe-se ao objeto (deixa de ser cadeira para ser “automóvel”) e à ação (deixa de ser para sentar e passa a ser “para dirigir”).

Nestas brincadeiras de faz-de-conta, o objeto adquire a função de signo, com características e histórias próprias que navegam ao sabor das necessidades e desejos das crianças. Para Vygotsky, ocorre um movimento no campo do significado. O predomínio do significado sobre o objeto e sobre a ação / situação observada a partir do aparecimento da brincadeira, introduz o pensamento infantil num mundo absolutamente novo, independente das restrições situacionais próprias das crianças muito pequenas. Livre, o pensamento pode imaginar, criar, inventar e representar. Enfim, tornar-se instrumento para a compreensão e transformação do mundo objetivo.

Todos os processos de criação emergem na criança desde a mais tenra idade. Pode-se perceber isto com clareza nos jogos infantis, quando o menino amarra um lençol no pescoço e brinca de super- herói, ou quando a menina se lambuza de maquiagem vivenciando a “superstar” televisiva. Estes são exemplos da autêntica capacidade infantil de criar e brincar, daí a necessidade de perceber a importância das atividades lúdicas no processo de construção de conhecimentos plenos de valores, sentidos e significados.

Por outro lado, o jogo e a brincadeira não devem ser entendidos apenas como situações em que se envolvam as crianças menores. Qualquer aula se torna mais interessante, quando se conhece através do jogo, quando se reúnem jogo e trabalho.

É importante notar que as atividades lúdicas podem - e devem - ser desenvolvidas em todas as disciplinas que compõem o currículo escolar. Não existem componentes curriculares que, necessariamente, sejam mais propícias ao jogo, assim como também não existem séries onde devam prevalecer as brincadeiras, e outras onde estas e os jogos estejam ausentes.

Freqüentemente, acredita-se que as atividades lúdicas sejam próprias das séries iniciais do 1º grau, ou mais afetas a algumas disciplinas, como a Educação Física ou Artística. Entretanto, o que se verifica é que o ato de brincar - tão privilegiado pelas crianças e adolescentes - ocupa poucos espaços na escola : espaços onde é “permitido” brincar, onde supostamente não se realiza um trabalho sério, como se a brincadeira e o jogo não fossem importantes para o desenvolvimento da capacidade de pensar, refletir e abstrair, organizar, realizar, avaliar.

Isto conduz a algumas falsas idéias, tão habitualmente encontradas na escola, tais como:

-"Nas classes de educação infantil era só brincadeira, mas agora que vocês estão na 1ª série é diferente, é sério!"

-"Esta turma só tem boas notas em Educação Física porque lá eles só brincam. Mas nas matérias importantes eles estão com um péssimo desempenho."

-"Este aluno só foi aprovado em Artes. Também se não passasse em Artes seria demais. É muito fácil !"[3]

Possibilitar a entrada efetiva da ludicidade na escola é o desafio. O jogo e a brincadeira devem invadir o espaço escolar a fim de transformá-lo num espaço de descobertas, de imaginação, de criatividade, enfim, num lugar onde professores e alunos sintam prazer pelo ato de conhecer, através de ensinar e aprender.

Sem Açúcar, com Afeto

• A Escola que Está nas Pessoas

A criança vai à Escola para aprender a ler, escrever e contar, trazendo consigo o seu mundo familiar, suas experiências, seus jogos e brincadeiras.

Em princípio, ela chega à escola cheia de expectativas, de curiosidade e, também, com alguma apreensão sobre quem e como serão os professores. Sua chegada implica num conjunto de descobertas de si própria, do outro e do mundo que a rodeia.

Também o professor, a despeito de sua experiência, entra na relação com o aluno, impregnado de uma história de vida própria, uma experiência singular. Ele recebe seus alunos, no início do ano letivo, também cheio de expectativas.

Encontramos, ainda na escola, expectativas vindas das famílias envolvidas com as crianças, em relação aos professores, à direção da escola, ao resultado da ação pedagógica, às formas de avaliação, à aprovação ou não de sua criança.

A Direção da escola também tem suas crenças, projetos e desejos, sobre o trabalho dos professores, sobre o desempenho das crianças, sobre a atuação de pais, famílias e demais funcionários da escola.

Os professores, por sua vez, também têm suas expectativas em relação ao Diretor que, em muitos casos, não correspondem ao perfil de Diretor que encontram em suas escolas.

É a Direção da escola que favorece, em maior ou menor grau, a construção de relações cooperativas, solidárias e transparentes, de maneira co-responsável com todos os elementos do ambiente escolar: alunos, pais e responsáveis, funcionários e professores.

Se por trás de cada uma dessas funções, campos de atuação e papéis sociais, dentro da escola, reconhecemos a existência de pessoas únicas e singulares, ampliam-se as possibilidades de serem criados vínculos afetivos neste ambiente educacional.

Quando a Direção da escola distancia-se do cunho essencialmente pedagógico que de fato lhe cabe, pode acabar por entender, de maneira restrita, a ação escolar. Se, eventualmente, chega a desconsiderar a importância dos vínculos afetivos na construção dos conhecimentos, conceitos e valores, tende a levar em conta, apenas, o “produto do trabalho” de cada um dos setores e, assim, certamente, as relações humanas, poderão se revestir de um caráter massificado, utilitário, tornando-se mesmo desumanas e destrutivas.

Há algumas constatações que valem para todos os envolvidos nesta trama, como por exemplo, de que é muito difícil escapar de uma expectativa negativa que se cria com relação a qualquer pessoa, o que vale para professores, alunos, famílias, direção, funcionários e comunidade. Se o professor acredita em si e nos seus alunos, acredita que todos são capazes e dignos, com certeza, estarão presentes condições muito favoráveis para a construção do saber na escola. Se o Diretor acredita nos professores, nas crianças, famílias e demais funcionários e também os considera capazes, o trabalho poderá fluir em melhores condições. Sabemos que expectativas positivas são potencializadoras de sucesso; e isto vale para professores e alunos, na escola e fora dela.

Na década de 60, dois pesquisadores americanos, Jacobson e Rosenthal, analisaram o que denominaram de “efeito Pigmalião”, isto é, o de profecias que os professores fazem e que acabam por se realizar, pelas condições que eles próprios criam.

Na antiga Grécia, Pigmalião esculpe a estátua de Galatéa, e a vê tão perfeita, que termina por apaixonar-se por ela. Infelizmente, na transposição do mito grego para a sala de aula, nem sempre o final é feliz, porque, logo no início do ano letivo, muitos professores cristalizam uma opinião sobre seus alunos, através de impressões nem sempre fiéis ao que as crianças são, ou podem chegar a ser. Deste modo, os “bonzinhos” continuam sendo estimulados, os “atrasados” são deixados à sua própria sorte e, os “impossíveis”, afastados para o fundo da sala e mantidos sob pressão.

Cada turma é composta, portanto, de indivíduos - alunos e professores - uns diferentes dos outros.

Mas a verdade é que não existe professor ideal, nem tampouco pessoa, ou relação, ideal. Muito menos a turma ideal, onde todos sejam iguais, perfeitos, de acordo com nossos desejos. É preciso desmanchar as fantasias e jogar fora os rótulos, procurando lidar com as situações reais da melhor forma possível. Existe no imaginário social, o mito que associa o sucesso escolar a alunos bem nutridos e bem atendidos, material e psicológicamente, por suas famílias.

Nem sempre os alunos que encontramos em nossas escolas, apresentam este perfil, como também, não se pode continuar acreditando que, em turmas de crianças de nível sócio- econômico elevado, todos aprendam, passem de ano, satisfazendo o nosso “ideal”.

Infelizmente, em algumas salas de aula dos nossos dias, ainda existem questões graves, como o preconceito e a discriminação, que cercam a ampla maioria de crianças de baixa renda, e que acabam por penalizá-las, quando seus professores acreditam, de antemão, que elas são inferiores em seus modos de raciocinar, sentir e agir. Estes preconceitos ferem, profundamente, a auto- estima das crianças, que ainda não dispõem de poder suficiente para defenderem-se, e que buscam ultrapassar a rejeição e a indiferença de que se vêem alvos, através de comportamentos distintos.

É preciso lembrar que diferença é um fator positivo, e que não seria possível progredir e transformar a vida para melhor, se todos fôssemos iguais, pensássemos da mesma maneira. Já argumentamos a este respeito, anteriormente, quando afirmamos os propósitos pedagógicos do Núcleo Curricular Básico MULTIEDUCAÇÃO.

• As Pessoas Que Estão na Escola

É cada vez mais freqüente, nas relações de ensino- aprendizagem, observar-se um clima em que se privilegiam os aspectos cognitivos e intelectuais, deixando-se de lado, mais uma vez, algo muito valioso para a aprendizagem : o vínculo afetivo que se estabelece entre aluno, professor e toda a comunidade escolar.

A presença do afeto na sala de aula é um ingrediente importantíssimo, para se poder concretizar na escola, tudo o que se espera dos professores e seus alunos : que ensinem e aprendam bem, com êxito. Não falamos daquele " banho de doçura" , enjoativo e artificial. Pedimos aquilo de que todo mundo gosta e precisa, sejam adultos, crianças, professores, alunos ou funcionários: aquele calor necessário que estimula o convívio, que colore as faces e faz os olhos brilharem. Quem não gosta de se sentir querido ? Quem não deseja, em algum momento, poder olhar, “olhos nos olhos”, seus companheiros de jornada, e saber- se aceito, pertencendo ao grupo ?

Se pararmos para pensar em nossa vida escolar, nas matérias e disciplinas que cursamos ao longo de tantos anos, será difícil determinar se o que nos encantou em Geografia, por exemplo, foi o estudo das bacias hidrográficas e dos tipos de vegetação, ou foi a personalidade daquele professor, que marcou nossa história como estudante e como pessoa.

Assim como o caminho do interesse, da ânsia pela descoberta e pelo conhecimento passa pelos professores, esses também são, muitas vezes, os responsáveis pelo bloqueio de estradas. Em outras palavras, o professor através de suas atitudes, sua postura e do clima que estabelece em sala de aula, pode ajudar a abrir, ou a fechar, os caminhos que levam à estrada do conhecimento e do prazer de aprender.

Não há mais lugar, hoje, para valores, comportamentos e verdades estereotipadas, que distanciam a escola do que se espera dela : ensinar aos alunos a aprenderem com prazer e competência.

Reconhecemos que há tantos “nós” na Escola, que só “nós” - os que estamos preocupados com uma educação de boa qualidade - podemos desatá-los, com competência, mas com afeto...

• Escola : Espaço de Relações.

A transformação na escola acontecerá, levando- se em conta:

• o problema da padronização e massificação da Educação ;

• a visão que os alunos têm de seus professores;

• a possibilidade de reconhecer, nas diferenças entre os vários alunos das nossas salas de aula, uma riqueza que torna o trabalho pedagógico mais humano e gratificante para todos os envolvidos.

Reverter os altos índices de evasão e repetência na escola de lº grau, buscando o sucesso na sua tarefa de ensinar a ler, escrever, calcular, interpretar e transformar o meio ambiente, os mundos do trabalho, da cultura e das linguagens que os expressam, é o desafio da Educação, hoje. É preciso defender e lutar por uma escola, de qualidade, para todos, comprometida com o desenvolvimento pleno (físico, intelectual, sócio - afetivo, psicomotor) de nossos alunos, com uma identidade própria, num tempo espaço em constante transformação.

Buscamos uma Educação mais abrangente. Para tanto, nós, professores, precisamos descobrir respostas individuais para cada ambiente, para cada aluno. Cada situação escolar é única, com seus problemas, desafios, impasses e vitórias. É fundamental, portanto, que cada professor tenha a possibilidade de refletir sobre suas convicções e desejos, relacionando-os à sua prática escolar. Aprofundando essas reflexões consigo mesmo, e com o seu grupo de alunos, o professor irá descobrir algumas de suas próprias respostas.

Esse processo, que é contínuo e infinito, pressupõe constantes transformações e correções de rota, auto- crítica e auto- avaliação. Acreditamos que a construção de relações afetuosas e mais humanas, seja o resultado de um esforço coletivo de alunos, professores, famílias, funcionários e direção . Todos precisam estar também preparados e disponíveis para se avaliarem e a seus papéis, individualmente e/ou em equipe, atualizando seus objetivos, discutindo alternativas, visando, sempre, a melhoria da qualidade de vida na instituição educacional.

As dificuldades só podem ser vencidas com alianças e cumplicidade de todos os envolvidos no ambiente escolar que, como todo ambiente vivo, não deve se constituir em lugar de imobilismo, nem descrença. A comunidade escolar, precisa estar presente nas decisões coletivas, para se apropriar, afetivamente, de seu destino, como algo que também lhe pertence. É importante que a escola promova reuniões e encontros, de forma sistemática, nas quais a proposta pedagógica seja discutida com as famílias, e onde acordos que beneficiem os alunos sejam estabelecidos

“Esta participação constante e viva de elementos da comunidade é um procedimento que promove a valorização cultural e profissional através da ação conjunta e cooperativa de elementos que trocam entre si um saber, uma experiência formal e teórica, uma vivência de educação assistemática com conhecimentos e valores próprios da vida real. Em outras palavras procura- se promover a própria comunidade à posição de sujeito agente do processo educativo institucionalizado, em oposição a de consumidor passivo e alienado de um saber desvinculado da sua realidade. Mais ainda, possibilitar a consciência da produção do próprio saber através da ação cooperativa”.

(SME, l985: 4)

Numa escola viva, como o próprio mundo, cheia de energia e onde se possam estabelecer relações afetivas, não há lugar mais para alunos, nem professores, imóveis, olhares fixos no quadro-negro, nem cabeças baixas sobre os cadernos.

Uma sala de aula do tamanho do mundo, busca favorecer a livre expressão, através das diferentes linguagens, com o colorido da imaginação e da fantasia de todos.

Os alunos são diferentes uns dos outros, como o são os professores. Todos têm suas opiniões, seus desejos próprios e seus gostos, que se manifestam através de palavras, atitudes e, sobretudo, por tudo o que não é dito, mas é sentido e “lido” pelo coração. Um olhar reprovador, um riso irônico, o desprezo ou o silêncio provocador incomodam a todos e não fazem bem a ninguém. A melhor forma dos seres humanos se entenderem, é a do diálogo aberto e franco, sincero e verdadeiro. Dá trabalho, leva tempo. Mas vale a pena !

Os Artesãos da Esperança

• O Futuro no Presente

O futuro não é uma coisa escondida na esquina

O futuro a gente constrói no presente

Paulo Freire

Se tivéssemos que pensar num nome que sintetizasse o sentido da palavra educação, certamente o nome de Paulo Freire apareceria como uma das opções mais indicadas. Falar de educação sem falar de Paulo Freire é como falar de amor sem paixão, de esperança sem sonho.

Este pernambucano, nascido no bairro de Casa Amarela, na cidade de Recife, em 19 de setembro de 1921, influenciou decisivamente o pensamento educacional, não apenas no Brasil como em todo o mundo. Paulo Freire ficou internacionalmente conhecido com o que se convencionou chamar do " método Paulo Freire de alfabetização de adultos". Afirmação que o educador contesta com muita propriedade. Na verdade, Paulo Freire não criou um método de alfabetização. Em sua preocupação com a educação das classes populares, no contexto do que denominou ser uma " Pedagogia do Oprimido" , construiu uma verdadeira concepção política do ato de educar, adotando como princípios fundamentais a valorização do cotidiano do aluno e a construção de uma práxis educativa que estimule a leitura crítica do mundo. Na visão do educador, a educação popular e progressista não separa em nenhum momento o ensino dos conteúdos do desvelamento da realidade.

Em seu trabalho de alfabetização de alunos adultos, empreendeu uma perspectiva metodológica que evidenciava as etapas:

a) Investigação do universo vocabular da comunidade de alfabetizandos. Nesta etapa os educadores deveriam inventariar as palavras que mais expressassem o contexto cultural onde estão inseridos os alunos. Estas palavras funcionariam como palavras geradoras, propiciando um debate em torno de temas vinculados ao cotidiano dos alunos.

b) Tematização. Através da tematização se buscaria representar o modo de vida dos alfabetizandos, propiciando assim o surgimento de um ambiente alfabetizador.

c) Problematização. Esta é a etapa que mais caracteriza a abordagem original apresentada por Paulo Freire, uma vez que explicita a afirmação de que a verdadeira alfabetização não se contenta com a simples leitura das palavras. A alfabetização problematizadora favorece, portanto, o desvelamento da realidade sendo este um passo importante para que o aluno participe da luta política de transformação das suas condições concretas de existência.

Ao estimular a discussão política Freire não buscava apenas que os alunos falassem de política, mas, fundamentalmente compreendessem a importância de intervirem na vida política. Uma condição básica para ser cidadão, ensina Freire, é ser sujeito de sua própria vida.

Para Freire o caminho da verdadeira educação libertadora estaria na perspectiva de se partir do mundo próprio das classes populares, de seus valores e expectativas, em direção a um contínuo processo de elaboração cultural. O papel do educador progressista seria o de contribuir para a " desocultação" das verdades postas pela ideologia dominante. O educador politicamente comprometido deve, então, contribuir para que os alunos construam uma consciência crítica que lhes possibilitará serem sujeitos de sua própria história.

Em toda a sua obra, Freire sempre criticou as visões acríticas de educação combatendo o otimismo ingênuo daqueles que acreditam que a educação é capaz, por si só, de promover as transformações democráticas que a sociedade necessita. Da mesma maneira critica o pessimismo fatalista dos que esperam que as mudanças infra- estruturais aconteçam , para que somente assim a educação possa desenvolver o seu potencial transformador. Nesta perspectiva a educação não é nem redentora da sociedade nem tão pouco está passivamente à espera das mudanças estruturais. O aluno, enquanto sujeito educacional, tem sua subjetividade evidenciada frente às situações históricas. O indivíduo é um sujeito ativo numa sociedade em permanente movimento histórico, onde as transformações ocorrem pelas ações mútuas.

A escola para Paulo Freire não é apenas uma instituição social responsável por transmitir conhecimentos - é bastante conhecida a sua crítica às " educação bancária" . A escola é um centro produtor de cultura, aberto ao mundo, na confluência de uma via de mão dupla, sendo influenciada pela sociedade e influenciando na constituição desta mesma sociedade. Desta maneira, Freire se apresenta como um intransigente defensor da crescente democratização das relações políticas que se travam no interior da escola. Democratização esta que deve se expressar tanto na gestão administrativa das unidades educacionais como na formulação do projeto político - pedagógico da escola.

Para a construção desta proposta emancipatória de educação popular, Paulo Freire nos convida a inventar uma verdadeira " Pedagogia da Esperança" que recolha da prática concreta dos sujeitos educacionais o seu fundamento. De nada vale a teoria se esta não se orienta pela prática . É neta relação dialética prática - teoria - prática que Paulo Freire nos convida a tecer ativa e solidariamente nossa esperança de uma educação comprometida com os interesses amplos da maioria da população, com a democracia, com a justiça, com a liberdade e os direitos da cidadania.

Pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo. Mas, prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, como se a luta se pudesse reduzir a atos calculados apenas à pura cientificidade, é frívola ilusão. Prescindir da esperança que se funda também na verdade como na qualidade ética da luta é negar a ela um dos seus suportes fundamentais. O essencial ( ... ) , é que ela, enquanto necessidade ontológica, precisa ancorar- se na prática. Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática para tornar- se concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira , assim, espera vã. Freire, 1992

• Onde a Escola Encontra a Vida

No ano de 1920 um professor primário chega à uma aldeia do sul da França. Com a saúde debilitada, devido a sua participação em combates na I Guerra Mundial, vinha substituir o velho mestre que se aposentara. Era um professor diferente aquele. Seu primeiro contato com os alunos não foi na sala de aula. Preferiu dedicar alguns dias a explorar a aldeia e seus arredores. Andava e observava. Foi assim que primeiro conheceu aqueles que seriam seus alunos. Olhava as crianças que brincavam, riam e corriam pelos campos; que pescavam e se banhavam nos riachos; que rolavam nos morros e inventavam jogos; crianças que viviam com intensidade entre bichos, plantas e gente.

As aulas têm início. Uma das primeiras preocupações do nosso jovem professor foi constatar que seus alunos, tão cheios de vida no dia- a- dia fora da escola, mostravam-se tímidos, apáticos, amedrontados e desinteressados na sala de aula. Começou, então, a questionar as rígidas normas e programas educacionais vigentes, e sentir a necessidade de encontrar uma nova forma de trabalhar, atendendo à efervescência dos interesses infantis. Era diferente aquele professor. Seu nome: Célestin Freinet.

Freinet tinha um temperamento ousado e inconformado. Optando pela mudança, transformou as "situações escolares" em experiências de vida. Isto, no entanto, não se deu como num passe de mágica. Buscando compreender melhor as reações dos alunos, ele começa a estudar; lê os teóricos e principais educadores da época. Viaja, participa de congressos e toma conhecimento de novas idéias. Mas volta à sua aldeia, convencido de que terá que nascer ali mesmo o projeto educacional centrado na vida da criança, como ele julgava que devia ser.

• Os Primeiros Passos

Freinet começou inaugurando uma nova relação entre ele e seus alunos, baseada na confiança, no respeito mútuo e na cumplicidade. Desceu de seu estrado e sentou-se junto às crianças.

Para espanto dos moradores, saíam todos, professor e alunos, a dar longos passeios. Como ficar aprisionados na sala de aula com tanta coisa acontecendo lá fora ? Observavam a natureza e as transformações que nela ocorriam, andavam pelas ruas, conversando com as pessoas e pesquisando sobre o seu modo de viver. De volta à escola discutiam, desenhavam, escreviam e liam. Eram as Aulas- Passeio, o primeiro elo do encontro entre a escola e a vida.

Insatisfeito com os manuais escolares da época, o mestre começou a produzir, junto com os alunos, o seu próprio material de leitura. No Livro da Vida registravam os fatos mais interessantes vivenciados no dia- a- dia; era o reflexo de suas emoções, numa perfeita inter-relação com o meio. A apatia e o desinteresse vão dando lugar ao entusiasmo, à ansiedade de ver suas próprias idéias registradas no papel e à alegria de verificar o seu progresso na conquista do saber.

Os textos livres (a livre expressão) já eram uma realidade na sala de aula, mas não bastava a Freinet que aquelas idéias ficassem restritas a este pequeno universo, aprisionadas nos cadernos dos alunos. Ele queria divulgá-las, dividir com os outros a emoção dos momentos de criação. Foi assim que surgiu a Imprensa Escolar. Munido de uma impressora( limógrafo ), conjunto de tipos e outras peças iniciou seus alunos na elaboração de um jornal, cuja leitura era compartilhada com os amigos e familiares, a gente da aldeia.

A aldeia, no entanto, era pequena. Muito pequena para conter tantas idéias e para satisfazer tanta sede de conhecimento. Era preciso abrir suas fronteiras para a troca de saberes. Tem início, então, uma intensa correspondência entre Freinet e outros professores, interessados em conhecer o seu trabalho. Também os alunos foram incentivados a participar desse intercâmbio sócio- cultural: eram presentes, desenhos, fotos, cartas, jornais, onde contavam, uns para os outros, as suas experiências de vida. Foi através da Correspondência Interescolar que as crianças das montanhas passaram a conhecer sobre o mar, a pesca e os costumes dos que viviam numa aldeia marítima. E estes, ficaram sabendo de colheita, da vida dos pastores, dos tecelões, das histórias ...

• Nasce uma Pedagogia

Nasceu assim, da prática, a Pedagogia Freinet. Não da prática mecânica, repetida e desprovida de sentido, mas da ousadia, da insatisfação, do estudo, da reflexão, da experimentação e do compromisso com uma escola democrática e popular. Uma escola que desse aos filhos do povo, os instrumentos necessários à sua emancipação.

As técnicas foram importantes. Importantes pontos de partida para a formulação de um corpo de princípios, chamados Invariantes Pedagógicas, que embasam e direcionam o trabalho. Freinet acreditava, sobretudo, na diversidade. Nunca pregou a homogeneidade entre os seus seguidores. As Invariantes Pedagógicas, ao contrário de se constituírem em regras intocáveis, representam uma filosofia, uma postura de vida.

Elas nos dizem, por exemplo, que as crianças aprendem muito mais através da experimentação (tateio experimental ), do que pelas explicações dos professores. Falam de uma escola democrática, sem imposições autoritárias. De uma escola onde o respeito mútuo educa para a dignidade. De um ambiente onde a disciplina e a ordem são frutos da motivação para o trabalho. Do trabalho individual ou produzido numa equipe cooperativa. A Pedagogia Freinet aponta, ainda, para o êxito. Ela aposta na necessidade que todo ser humano tem de conseguir sucesso naquilo que faz.

Foram fundamentais para a divulgação de suas idéias, a publicação de artigos em revistas de educação, de boletins que trocava com professores de toda a França, dos livros que Freinet escrevia. A criação da Cooperativa de Ensino Leigo ( CEL ) permitiu uma maior organização e recursos financeiros para a impressão dos documentos que eram distribuídos aos seus correspondentes. Principalmente a publicação da revista L´Educateur ( O Educador ).

• A Educação pelo Trabalho

Na sua infância, Freinet foi pastor de ovelhas, e foi um trabalhador durante a vida inteira. As atividades desenvolvidas com seus alunos induzia-os ao trabalho, onde todas as etapas eram valorizadas. Na atividade com a Imprensa Escolar, por exemplo, os alunos além de criarem os textos, participavam plenamente da confecção do jornal, manuseando a impressora e mexendo com os tipos. Sempre havia oportunidades para planejar, executar e avaliar as atividades individual ou coletivamente.

Assim foi também com o fichário escolar cooperativo, com a biblioteca de trabalho, com a horta, com o uso do tear, com os ateliers de artes e até com o encanamento que levou água da aldeia até a escola.

Como nos diz Elise, a colaboradora, a esposa e mãe de sua filha: "Na Pedagogia Freinet, a escola deve assegurar uma verdadeira formação, aquela que dê o mesmo valor à inteligência verbo -conceitual e aos mais simples trabalhos feitos com as mãos".

Freinet acreditava que o trabalho constituía uma necessidade profunda do ser humano. Uma de suas Invariantes, afirma :" A criança não se cansa de um trabalho funcional, ou seja, que atenda aos rumos de sua vida". Por isso, aboliu de sua escola tanto o ensino enciclopédico, desprovido de sentido, quanto a brincadeira, como simples passatempo. Ele dirigiu suas críticas aos jardins-de-infância e às famílias que afastavam as crianças do mundo do trabalho, oferecendo-lhes apenas jogos. Na sua escola não havia distinção entre trabalho e jogo. Na Pedagogia Freinet a escola é um local de trabalho prazeroso, lúdico.

• A Educação a Serviço de uma Causa Social

O conjunto das técnicas de Freinet tinha como finalidade: constituir o indivíduo para exercer a sua cidadania. É por isso que a sua escola foi ao encontro da vida. De tudo o que convidava a uma vida plena, e também do que podia transformar a vida.

Sua opção política foi a de estar a serviço do povo, de lutar para melhorar as condições sociais da população. Só para isto a educação fazia sentido.

Não trabalhou, portanto, somente com os alunos em sala de aula. Sua ação ultrapassou os muros da escola, mesclando-se com a vida da comunidade. Foi assim que contribuiu para a criação de associações de pais e de operários, fazendo com que compreendessem e se interessassem pela educação de seus filhos.

Sofreu as conseqüências desta opção. Sua escola que educava para a liberdade, para a crítica e para as transformações da sociedade, causou desconfiança e feriu interesses. Freinet sofreu perseguições políticas, foi afastado do cargo de professor e do Partido Comunista Francês . Apesar da saúde debilitada, não esmoreceu. E, mesmo trabalhando na clandestinidade, exerceu o seu papel mais importante: o de professor. Alfabetizou, organizou grupos de trabalho, criou um jornal ...

Desde 1966 Freinet já não está entre nós. Não morreu, no entanto, a proposta educacional que foi plantada no espírito de seus companheiros de luta. E é preciso, mais do que nunca, continuar este movimento pedagógico em defesa da fraternidade, do respeito, da dignidade e da alegria.

Nas palavras do próprio Freinet :

"É preciso ter esperança otimista na vida".

Estes dois artesãos, Freire e Freinet iluminam muitos dos caminhos da MULTIEDUCAÇÃO

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[1] A rede pública municipal do Rio de Janeiro, desde o ano de 2000, implantou o 1º Ciclo de Formação, terminando, assim com a CA, as 1ª e 2ª séries.

[2] Desde o ano de 2.000, a rede pública municipal do Rio de Janeiro implantou o 1º Ciclo de Formação e terminou com a CA, as 1ª e 2ª séries.

[3] A partir do ano de 2000, a rede pública municipal do Rio de Janeiro implantou o 1º Ciclo de Formação e extinguiu a CA, a 1ª série e a 2ª série.

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Capítulo 1

Capítulo 2

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Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 6

Capítulo 5

Capítulo 7

Capítulo 8

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