EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE ... - …



EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIRETO DA __ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seus agentes que esta subscrevem, em exercício junto ao Centro de Apoio e à Promotoria de Proteção à Saúde Pública, situados na Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251, CEP 80.230-110, Rebouças, Curitiba/PR, usando das atribuições que lhes são conferidas pelos arts. 127, caput e 129, III, da Constituição da República, e também amparados pelo art. 120, III, da Constituição do Estado do Paraná, e fundamentados no art. 25, IV, alínea “a”, da Lei Federal n.º 8.625, de 12-2-1993, em combinação com os arts. 57, IV, alínea “b”, da Lei Complementar Estadual n.º 85, de 27-12-1999; 3º, 5º, 11, 12 e 19, todos da Lei Federal n.º 7.347, de 24-7-1985; no art. 1.º da Lei Estadual 10.703/94; e 461, caput, e parágrafos 3º e 4º do Código de Processo Civil Brasileiro e demais disposições pertinentes mencionadas ao longo desta petição, bem como no procedimento administrativo ministerial n.º 140/03, em anexo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

com pedido de antecipação de tutela

contra o ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno, ora representado pelo senhor Procurador-Geral do Estado, com endereço na Rua Conselheiro Laurindo, n.º 561, CEP 80.060-100, Centro, Curitiba-PR, pelos motivos de fato e de direito que, a seguir, deduz.

I – INTRODUÇÃO

A Constituição Federal assegura a todos os cidadãos brasileiros ou residentes no País o direito à saúde, sendo que, para tanto, políticas devem ser constantemente criadas e estabelecidas para possibilitar a adequada implementação de ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde.

Para melhor proporcionar resolutividade a tais premissas, optou-se por estabelecer e implementar o Sistema Único de Saúde – SUS, regionalizado e hierarquizado, onde através de um conjunto de ações de saúde por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, busca-se alcançar o cumprimento das funções e competências específicas.

Tais ações e serviços, uma vez implementados pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, são financiados e custeados com recursos da União, próprios e de outras fontes suplementares, sendo que tais receitas são repassadas por meio de transferências regulares e automáticas de fundo para fundo; isto é, há a transferência de repasse de recursos, diretamente do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde.

Dessa forma, os recursos públicos destinados às ações e serviços de saúde devem ser aplicados, obrigatoriamente, por meio dos Fundos de Saúde[1], sendo que, no âmbito dos Estados a receita encaminha-se ao Fundo Estadual de Saúde.

Tal fundo serve de instrumento de gestão, pois se destina, consoante apontado, ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde; de planejamento, na medida em que possibilita ao gestor visualizar os recursos de que dispõe para desempenhar sua função e de controle, a fim de facilitar o acompanhamento permanente das fontes de receita, valores, data de ingresso, despesas efetuadas.

A necessidade da correta gerência dos recursos orçamentários e de um fundo único para hospedar as verbas dirigidas ao financiamento da saúde, fez com que o Ministério da Saúde confeccionasse um Manual a respeito, de onde se torna importante, destacar, desde logo, as seguintes passagens:

“Os Fundos de Saúde, instituídos no âmbito de cada Estado, Distrito Federal e Municípios, são considerados fundos especiais conforme definição da Lei n.º 4.320/64. Suas receitas são especificadas e vinculadas à realização de objetivos e serviços determinados, no caso, às ações e serviços de saúde.

[...]

Com a edição da EC n.º 29/00, a exigência tornou-se mais clara: a utilização dos recursos para a saúde somente poderá ser feita por meio de Fundos de Saúde. Para que isso aconteça, é necessário que o Fundo tenha a titularidade da conta corrente destinada à movimentação desses recursos, o que implica na utilização de CNPJ próprio, mesmo que vinculado ao gestor estadual ou municipal do SUS.

[...]

Os recursos dos Fundos de Saúde não podem ser destinados à outra atividade que não seja à área da saúde. Essa condição está baseada no art. 71 da Lei 4.320/64. O acompanhamento e a fiscalização dos recursos serão realizados pelos Conselhos de Saúde sem prejuízo das ações dos órgãos de controle.

[...]

Os Fundos de Saúde constituem-se em instrumento: de gestão dos recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; de planejamento, dado que possibilita aos gestores visualizar os recursos de que dispõe para as ações e serviços de saúde; e de controle, por facilitar o acompanhamento permanente sobre as fontes de receitas, seus valores e data de ingresso, as despesas realizadas, os recebimentos das aplicações financeiras, dentre outros”[2].

Daí porque, ante sua inegável importância, deve existir a preocupação de todos em garantir o respeito a tais premissas, com o propósito de resultar assegurada a correta organização e o salutar fortalecimento do Fundo de Saúde.

II – FATOS QUE EMBASAM A PRETENSÃO

No desempenho de suas atribuições, a Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública instaurou o procedimento administrativo n.º 140/03, a fim de verificar a constituição, composição e regulamentação do Fundo Estadual de Saúde, bem como a eventual existência de receitas da Saúde nele não inseridas (fl. 02).

Expedido ofício à Secretaria de Estado da Saúde - SESA, solicitando esclarecimento sobre essas questões, verificou-se dos documentos enviados, relativos ao orçamento – 2003, a demonstração da existência de recursos próprios da área da Saúde fora do fundo, inclusive com confissão, no sentido de que: “a Secretaria de Estado da Saúde está em negociação com a Secretaria de Estado de Planejamento para que as receitas para a área de saúde passem todas pelo Fundo Estadual de Saúde” (fl. 11).

Diante disso, evidenciando-se que recursos pertinentes à saúde pública deixaram de ser encaminhados ao Fundo Estadual de Saúde, em um primeiro momento houve a expedição de Recomendação Administrativa (fls. 29/32), que visava a, exatamente, compelir o governo do Estado à concentração legal desses recursos, para se alcançar a correta implementação de ações e serviços de saúde, além de transparência na gerência dos montantes, proporcionando aos órgãos fiscalizadores, e à própria comunidade, pleno acesso aos dados orçamentários relativos aos gastos com saúde pública no Estado do Paraná.

Em resposta, a SESA reconheceu a existência de um percentual de recursos “alocado ao orçamento das demais Secretarias, que têm gastos com ações e serviços de saúde” (fls. 43), tendo, em momento posterior, declarado que este percentual seria da ordem de 2% (fls. 51).

Diante da percepção de ilegalidade da situação em vigor e embaraçado no cumprimento da fiscalização sobre a utilização de recursos públicos no Sistema Único de Saúde, o Conselho Estadual de Saúde, através da Resolução CES/PR nº 15/2003, deliberou que fossem adotadas providências para a alocação de recursos no Fundo Estadual de Saúde (fls. 48).

Após a obtenção das informações e documentos necessários, o Serviço de Auditoria do Ministério Público apresentou informação de auditoria (fls. 109/111), destacando, de forma concludente, que:

“[...] 3. Conforme pode ser verificado nos ofícios n.º 241/2004/GS (fls. 43/44) e nº 629/2004/GS (fls. 51), assinados pelo Secretário de Estado da Saúde, diversas despesas consignadas no percentual da saúde são geridas fora do Fundo Estadual de Saúde”;

4. Diante dessas informações elaboramos um demonstrativo (Anexo I) onde consta todas as despesas consignadas no percentual da saúde, segregando aquelas que circulam ou são geridas pelo Fundo Estadual de Saúde e aquelas que circulam ou são geridas fora do referido Fundo;

5. Conforme demonstrado no Anexo I, R$ 453.391.470,00 (quatrocentos e cinqüenta e três milhões, trezentos e noventa e um mil, quatrocentos e setenta reais), equivalentes a 51,15% das despesas consignadas para a saúde no orçamento de 2004, são geridos por diversas Secretarias de Estado, portanto, fora do Fundo Estadual de Saúde;

6. Conforme se verifica às fls. 51 e no Anexo I, do montante acima mencionado, R$ 14.030.510,00 (quatorze milhões, trinta mil e quinhentos e dez reais) estariam ainda sendo geridos pela Secretaria Estadual de Saúde, fora do Fundo Estadual de Saúde, em virtude de convênios firmados em gestões anteriores; e

7. O Fundo Estadual de Saúde está gerindo R$ 433.046.742,00 (quatrocentos e trinta e três milhões, quarenta e seis mil, setecentos e quarenta e dois reais), equivalentes a 48,85% das despesas”.

Assim, verificada a lei orçamentária de 2004 (peça anexa e fls. 90/93), a exemplo do também ocorrido no exercício anterior (2003), restou cabalmente comprovada a existência de recursos para a saúde, ilegal e abusivamente administrados fora do Fundo Estadual de Saúde, em percentual equivalente a 50,15%, à vontade de várias Secretarias de Estado, em flagrante prejuízo ao Sistema Único de Saúde, de modo mais amplo, e às ações e serviços de saúde no Paraná, de modo mais restrito.

Essas assertivas foram posteriormente ratificadas pelo r. Tribunal de Contas do Estado do Paraná, visto ter se posicionado, claramente, para que as despesas com as iniciativas de saúde fossem realizadas apenas através do Fundo Estadual de Saúde.

Nesse sentido, depois de relatar as providências que encampou para que recursos Estaduais destinados às ações e serviços de saúde sejam aplicados por meio de fundo específico, tais como ressalvas, determinações e recomendações, referido Tribunal apresentou as seguintes conclusões:

“De todo o exposto, pode-se inferir que, o Governo Estadual não está cumprindo os mandamentos Constitucionais e legais a respeito da aplicação de recursos em ações e serviços públicos de saúde, em especial, pelos seguintes motivos:

1. por estar considerando como tais os gastos realizados em diversos órgãos componentes da Administração Pública Direta e Indireta, contrariando a orientação constitucional para a reunião dos recursos em um único Fundo de Saúde; 2. por estar considerando como gastos realizados com ações e serviços públicos de saúde, despesas que não reúnem os requisitos para tanto, tais como, despesas custeadas por recursos diferentes daqueles oriundos da Receita de impostos previstos na Emenda Constitucional 29/00;

3. por estar considerando como gastos realizados com ações e serviços públicos de saúde, despesas apresentadas sem o detalhamento necessário, que permitam inferir o seu relacionamento com as referidas ações ou serviços;

4. por não estar aplicando em ações e serviços públicos de saúde os percentuais mínimos exigidos pela referida Emenda Constitucional”.

Diante do material probatório coligido, deu-se vista dos autos à Procuradoria-Geral do Estado para, querendo, manifestar-se. O que fez às fls. 325/330, contudo, limitando-se a corroborar manifestação anterior da Secretaria Estadual de Saúde (fls. 124/126) que, entre outras coisas, admitia expressamente a existência de grande gama de recursos da Saúde sendo gerido, de forma pulverizada, fora do Fundo Estadual de Saúde, ou seja, atestando a necessidade de correção do ora pleiteado.

Portanto, resulta evidente que R$ 453.391.470,00 (v. Relatório de Auditoria de fls. 109/111), destinados pelo governo do Estado à Saúde, estariam sendo movimentados fora do Fundo Estadual de Saúde, sendo que parte desse valor, em um total de R$ 14.030.510,00, também foi movimentado pela própria Secretária de Estado da Saúde em endereços contábeis diversos do Fundo, em claro descumprimento à norma de ordem constitucional e a outras regras legais, prejudicando a formulação e execução de políticas de saúde pública, bem como o controle social, em total detrimento à promoção, proteção e recuperação da saúde dos usuários do Sistema Único de Saúde no Paraná, tudo isso em contraponto ao preconizado pelo ordenamento jurídico, motivos pelos quais outra alternativa não restou ao Ministério Público senão a de propor a presente ação civil pública, no intuito de que o Fundo Estadual de Saúde possa cumprir sua finalidade de administrador exclusivo de todos os recursos da área da saúde.

III – DIREITO ÍNSITO À MATÉRIA

Com efeito, o direito à saúde, consagrado na Constituição brasileira, deve ser garantido e protegido pelo Poder Público, a quem incumbe o dever de implementá-lo, gerenciá-lo e financiá-lo nas diferentes esferas de governo.

No que pertine a essas ações, a Constituição Federal determina em seu art. 198, inciso I[3], que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, com direção única em cada esfera de governo.

Acompanhando a Magna Carta, a Lei Orgânica da Saúde[4] estabelece, no âmbito dos Estados, que a direção do SUS será exercida “pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente”, a quem competirá exercer a correta regência do Fundo Estadual de Saúde.

Em elucidativo comentário, Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos[5] explicam que :

“O Fundo de Saúde pode ser definido como uma modalidade de gestão de recursos, criado por lei e revestido de certas formalidades, com o fim de ser o receptor único de todos os recursos destinados à saúde, em cada esfera de governo: recursos financeiros destinados a custear as ações e os serviços públicos de saúde, sejam dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, bem como transferências de uma esfera estatal a outra, e recursos de outras fontes devem ser depositados no fundo de saúde”.

A mesma orientação está contida no manual “O SUS de A a Z – Garantindo Saúde nos Municípios[6]”, ao destacar que Fundos de Saúde são:

“Instrumentos de gestão dos recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de Saúde existentes nas três esferas de poder, equiparando-se aos conselhos, planos de Saúde e relatórios de gestão como instrumentos fundamentais ao SUS. A existência de fundos de Saúde nas esferas estaduais e municipais, para recebimento e movimentação de recursos financeiros do SUS é obrigatória por força de dispositivos legais e constitucionais. Os Fundos possibilitam que os gestores visualizem claramente os recursos de que dispõem para as ações e serviços de Saúde, acompanhando e controlando as fontes de receitas, seus valores e datas de ingresso, assim como as despesas realizadas e os recebimentos das aplicações financeiras”.

Reforçando esse posicionamento, a referida obra (O SUS de A a Z), ao tratar da vinculação de recursos, ainda assinala que:

“Com o objetivo de garantir recursos necessários para o atendimento da Saúde Pública, foi editada a Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, que alterou a Constituição Federal de 1988. O novo texto assegura a efetiva co-participação da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios no financiamento das ações e serviços de saúde. [...] A Emenda estabelece também que os recursos públicos destinados às ações e serviços de Saúde devem ser aplicados, obrigatoriamente, por meio dos fundos de Saúde, sendo acompanhados na sua destinação e utilização pelos respectivos conselhos de Saúde, tanto da União quanto dos estados, Distrito Federal e municípios, o que garante a participação da comunidade no controle dos recursos destinados à área de Saúde”.[7]

De igual modo, assevera Gilson de Cássia Marques de Carvalho:

“Uma das boas novidades essenciais – agora no texto constitucional, embora nas ADCTs, pela EC-29, de 13/9/2000 – foi a respeito da administração dos recursos do SUS, através de fundos. Tanto recursos próprios, como transferidos por outra esfera de governo, deverão ser administrados nos fundos de saúde (ADCT 77§3.º)”. [8]

Contrastando com o apresentado, no caso sob análise, o que se tem é uma variedade de Secretarias de Estado repartindo a função de direção do SUS, na medida em que gerem parcialmente os recursos direcionados ao custeio de ações e serviços de saúde, em franca oposição à idéia de direção única.

Importante, no entanto, frisar que tal diretriz, dependendo da ação ou do serviço que se esteja a considerar, não embaraça a possibilidade de atuação conjunta entre a SESA e outras Secretarias de Estado. O que evidentemente não é aceitável é que a Secretaria de Saúde e o Fundo de Saúde sejam totalmente alijados da movimentação/aplicação de recursos em ações e serviços de saúde.

Por exemplo, pela análise da lei orçamentária – 2004, verifica-se que outros órgãos do Poder Executivo estão administrando recursos destinados, efetivamente, à ações e serviços de saúde, a saber:

*Secretaria de Segurança Pública (fls. 159 do anexo – SIATE – R$ 15.190.000,00);

*Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (fls. 225 do anexo – produção de vacinas – R$ 23.513.700,00);

*Secretaria da Justiça e da Cidadania (fls. 242 do anexo – administração do complexo médico-penal - R$ 13.189.220,00);

*Secretaria do Trabalho, Emprego e Promoção Social (fls. 268 do anexo – crianças e adolescentes em medida de proteção com distúrbios psiquiátricos – R$ 3.021.240,00).

Da mesma forma, ainda a título de exemplo, outros valores estão sendo destinados às ações e serviços que, embora de vinculação duvidosa com a matéria Saúde, são considerados pelo requerido para integralização do percentual de aplicação exigido em Saúde pela EC n.º 29/00[9] e igualmente são geridos por pastas diversas:

*Chefia do Poder Executivo (fl. 102 do anexo) - transfere recursos da saúde (R$ 151.412.220,00) para a SANEPAR, a fim de executar o Programa de Saneamento Ambiental – PARANASAN/JBIC (fl. 105 do anexo).

*Secretaria da Administração e da Previdência (fl. 129 do anexo) - destina ao SAS R$ 87.430.000,00 oriundos do orçamento da saúde (fl. 131 do anexo).IPE

*Secretaria de Educação (fl. 181 do anexo) - a “Estrutura de Distribuição do Leite – FUNDEPAR” movimenta R$ 950.000,00 do orçamento da saúde (fl. 192 do anexo).

*Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (fl. 293 do anexo) - a “aquisição e controle da compra do leite das crianças – CEASA” é responsável pela utilização de 45.000.000,00 destinados ao orçamento da saúde (fl. 310 do anexo).

*Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (fl. 317 do anexo) - à SUDERHSA destina, do orçamento da saúde, R$ 13.626.970,00 (fl. 324 do anexo).

*Secretaria do Trabalho, Emprego e Promoção Social – o programa do “leite das crianças” nos municípios movimenta R$ 375.000,00 do orçamento da saúde (fl. 263 do anexo).

*Secretaria de Segurança Pública - financiamento das atividades do Hospital da Polícia Militar - R$ 11.673.340,00 (fls. 167/168 do anexo).

Do exposto, percebe-se que recursos de grande monta não estão sob a gerência da Secretaria Estadual de Saúde, obviamente, violando a idéia de sua direção única. Aliás, tal circunstância é confessada expressamente pela SESA (fls. 11, 43, 44 e 51 do PA, respectivamente), consoante já registrado.

Mister destacar que além dos dispositivos já relacionados, essa prática vulnera o parágrafo 3º, do artigo 77, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que disciplina que "os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal".

Então, a própria Constituição Federal apresenta as linhas estruturantes na matéria: os recursos da saúde serão aplicados exclusivamente através do fundo de saúde e fiscalizados pelo conselho de saúde.

Na legislação ordinária, igualmente restam desobedecidos, o parágrafo 2º, do artigo 32, da Lei Federal n.º 8080/90, que expressa que “as receitas geradas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) serão creditadas diretamente em contas especiais, movimentadas pela sua direção, na esfera de poder onde forem arrecadadas”, e o caput, do artigo 33, que determina que “os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde”.

O requerido também desrespeitou o artigo 19 da Lei Estadual n.º 13.331/01 (Código Sanitário do Paraná), tendo em vista prescrever que: “os recursos financeiros, relativos ao SUS, provenientes de receita, repasse ou transferências da União para o Estado e do Estado para os municípios, serão depositados junto ao fundo de saúde de cada esfera de governo e movimentados pela direção do SUS, sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde, sem prejuízo da atuação dos órgãos de controle interno e externo. (§ único) Nos fundos de saúde, estadual e municipal, os recursos financeiros do SUS serão discriminados como despesas de custeio e de investimento das respectivas secretarias de saúde, seus órgãos e entidades, da administração direta e indireta, de modo que se identifiquem globalmente os recursos destinados ao setor saúde”.

Por fim, há lesão ao artigo 1º, da Lei Estadual n.º 10.703/94, que criou o Fundo Estadual de Saúde, na parte que estabelece que: “fica instituído o Fundo Estadual de Saúde do Paraná – FUNSAUDE, com a finalidade de administrar os recursos do Sistema Único de Saúde – SUS, em substituição ao Fundo Especial de reequipamento Médico e Sanitário – FUNRESAN, criado pela lei n.º 6361, de 21 de dezembro de 1972: “(§3.º) Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde – SUS serão depositados em conta especial no Banco do Brasil ou Banestado e constituirão o Fundo Estadual de Saúde – FUNSAUDE”;

Por outro lado, a Carta Magna determina que o SUS seja objeto de fiscalização, na forma disposta na lei, garantindo-se a participação popular[10], princípio regulamentado pela Lei Orgânica da Saúde (LF n.º 8080/90[11]) que, em seu artigo 7.º, inciso VIII, definiu a participação da comunidade e, no caput, do artigo 33, a fiscalização dos recursos orçamentários da Saúde através dos Conselhos de Saúde.

A propósito, a LF n.º 8142/90[12] também expressou que, em cada esfera de governo, o Sistema Único de Saúde contará com Conselho de Saúde, cabendo-lhe atuar na “formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo

Nesse sentido é o ensinamento de Gilson Carvalho[13]:

“A experiência demonstrou que, quando o Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde cumprem as determinações legais, há um avanço enorme a favor da ação finalística para a população. Vantagens para o administrador. Vantagens para os trabalhadores de saúde. Vantagens para a população usuária enquanto podem receber melhores serviços. Vantagem enquanto todos podem melhorar o uso dos poucos recursos. Só pelo fato de se implantarem as determinações legais acima citadas, os administradores passam a ter mais cuidados no trato do dinheiro público. É quase que automático.

Com as medidas genéricas, em cumprimento à lei, vai-se abrir ‘o cofre’ para que todos possam olhar o que tem lá dentro. Não adianta abrir o cofre só para alguns, com algumas informações dadas como migalhas pelos administradores. Ao invés de apenas uns poucos de dentro ou de fora da instituição saúde saberem das coisas e trabalharem quase que sozinhos, ao se abrir o cofre e mantê-lo aberto. Abre-se o controle a todos os cidadãos. Aumenta-se e muito a capacidade de controlar para melhorar eficácia e eficiência e fazer crescer a cidadania em favor das pessoas”.

Sendo assim, por certo, se a legislação exige a constituição dessas esferas de fiscalização popular, não o faz de modo apenas formal e, sim, deseja que lhes seja permitido o exercício efetivo do controle social dos gastos governamentais. Ou nas palavras de Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos[14]:

“A gestão do fundo de saúde se faz sob a supervisão do conselho de saúde da respectiva entidade estatal. Se os recursos do SUS não estiverem unificados em um só caixa, a sua dispersão embaraçará a ação fiscalizadora do conselho de saúde (art. 33 e §3.º do art. 77 do ADCT)”.

Conforme a orientação do Ministério da Saúde[15]:

“Os Conselhos de Saúde constituem-se na regulamentação da diretriz constitucional da participação da comunidade no Sistema Único de Saúde, tornando-se, portanto, a instância deliberativa e fiscalizadora do SUS em cada esfera de governo. Os Conselheiros e as Conselheiras de saúde estão nos conselhos exercendo atividades de relevância pública, a serviço do SUS pela garantia dos princípios constitucionais e legais”.

Portanto, a pulverização ilegal dos recursos orçamentários da Saúde, bem como de sua gerência, efetivamente impossibilita a fiscalização adequada do Conselho Estadual de Saúde-CES.

Nesse passo, calha o escólio de Luiz Odorico Monteiro de Andrade[16]:

“A NOB 01/96 identifica quatro papéis básicos para o gestor estadual, os quais não são, necessariamente, exclusivos e seqüenciais. Afirmou que ‘o exercício desses papéis, pelo gestor, requer a configuração de sistemas de apoio logístico e de atuação estratégica que envolvem responsabilidades nas três esferas de governo’. Reafirmou que o cumprimento destes papéis se relaciona diretamente com o pleno funcionamento do Conselho Estadual de Saúde (CES) e da Comissão Intergestores Bipartite (CIB)”. (grifamos)

Em suma, não há dúvida que o Estado do Paraná, vem, contrariamente ao preconizado pela legislação, alocando recursos do orçamento da saúde, relativos à suas ações e serviços, em contas não pertencentes ao Fundo Estadual de Saúde, bem como permitindo que sua aplicação se dê por intermédio de gestores outros que não o do Sistema Único de Saúde no âmbito estadual, fatos que, além de flagrantemente ilegais, têm impossibilitado o controle social exercido pelo Conselho Estadual de Saúde, vulnerando, por igual, os princípios de transparência e unicidade.

Logo, versa o presente feito, em síntese, sobre o descumprimento, por parte do Estado do Paraná, das disposições trazidas pelo artigo 77, §3.º, do ADCT; pelos artigos 32, §2.º; e 33, caput; da LF n.º 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde); pelo artigo 19, da LE n.º 13331/01 (Código Sanitário do Estado); e pelo artigo 1.º, da LE n.º 10.703/94.

Diante dessa obrigação pública descumprida, nasce a correspondente obrigação de fazer, isto é, determinar a concentração de todos os recursos orçamentários da Saúde no Fundo Estadual de Saúde, sob a gerência da Secretaria Estadual de Saúde, permitindo-se a fiscalização do Conselho Estadual de Saúde e de outros órgãos.

IV. DO ATO VINCULADO

Nota-se que a matéria submetida à apreciação judicial está estritamente regulada, de tal sorte que descabe qualquer eventual alegação de discricionariedade no seu trato por parte do administrador, posto que não lhe é facultado, a esse pretexto, afrontar a regulamentação existente e colocar em grave risco a adequada prestação de ações e serviços de saúde, prejudicadas com a falta de direcionamento centralizatório dos recursos para o Fundo Estadual de Saúde.

Assim afirma-se porque as premissas expostas encontram respaldo na legislação e obrigatoriamente são consideradas de eficácia plena; logo, funcionam como limitador do campo de atuação discricionária do Administrador Público, que detém apenas a competência vinculada.

De regra, o dever de agir é um dos princípios da Administração, para quem a execução, a continuidade e a eficácia dos serviços públicos constituem imperativos absolutos. Por isso se diz que, sendo outorgado para satisfazer interesses indisponíveis, todo poder administrativo tem para a autoridade um caráter impositivo, convertendo-se, assim, em verdadeiro dever de agir.

Ao tratar do assunto, a administrativista Odete Medauar assinala que:

“Há poder vinculado, também denominado competência vinculada, quando a autoridade, ante determinada circunstância, é obrigada a tomar decisão determinada, pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica. O ordenamento jurídico confere ao administrador um poder de decisão, mas predetermina as situações e condições, canalizando-a a uma só direção. Por isso, na doutrina se diz que já matérias de reserva legal absoluta, em que o vínculo da Administração ao bloco de juridicidade é máximo. Se houver uma só solução, como conseqüência da aplicação de uma norma, ocorre o exercício do poder vinculado.”[17]

Em idêntico sentido, o professor Celso Antônio Bandeira de Melo sustenta que:

“Atos vinculados – os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos.”[18]

Por conseguinte, o regramento existente constitui limitação ao agir discricionário do requerido, devendo, na verdade, corporificar norma a ser seguida, dentro da mais estrita legalidade, demonstrando não haver justificativa plausível para o reprovável agir pelo qual tem preferido pautar-se.

V - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição Federal de 1.988 atribuiu ao Ministério Público, dentre outras coisas, o dever de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), ao mesmo tempo em que lhe confiou o zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos nela assegurados, promovendo as necessárias medidas à sua garantia (art. 129, inc. II)[19]. No mesmo sentido é o art. 120, inc. II, da Constituição Estadual[20], e a Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná[21].

O termo relevância pública, segundo Antonio Augusto Mello de Camargo e Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, quer significar:[22]

“[...] a qualidade de “função pública”, como verdadeiro dever-poder, que regra a garantia da saúde pelo Estado; a natureza jurídica de direito público subjetivo da saúde, criando uma série de interesses na sua realização – públicos, difusos, coletivos e individuais homogêneos; o limite da indisponibilidade, tanto pelo prisma do Estado como do próprio indivíduo, do direito à saúde; a idéia de que, em sede do art. 197, o interesse primário do Estado corresponde à garantia plena do direito à saúde e as suas ações e serviços, sempre secundários, só serão legítimas quando imbuídas de tal espírito; o traço de essencialidade que marca as ações e serviços de saúde.”

Dessa forma, o fato das ações e serviços de saúde serem compreendidos como de relevância pública na CF, não há qualquer espaço para discussão acerca de sua essencialidade, impondo aos integrantes do Ministério Público que atuem diligentemente em sua defesa, a fim de que sejam aptos, em quantidade e qualidade, a realizar o direito que lhes corresponde.

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, de forma a dirimir a dúvida que alguns insistem em manter, de forma enfática, já decidiu que:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Melhoria de serviços de saúde – Sistema Único de Saúde (SUS) – Direito Difuso – Legitimidade do Ministério Público – Carência de ação afastada – Recurso provido. “Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público social visando a verificação da situação do sistema único de saúde e sua operacionalização”. (RESP 124.236).”[23]

Assim, da leitura da Carta Federal - e também da Constituição Estadual, entre outros dispositivos incidentes - infere-se que a missão institucional do Ministério Público está hoje ontologicamente relacionada à defesa da sociedade, na luta pela manutenção do Estado de Direito e pelo respeito à cidadania. Esse papel constitucional deve ser exercido inclusive, e se for o caso, em oposição a agentes do próprio Estado, pois, no sistema de freios e contrapesos concebido pelo constituinte, foram atribuídas ao Parquet funções institucionais relacionadas diretamente com a fiscalização do Poder Executivo.

Diante do exposto, resta inconteste a legitimidade ad causam do Ministério Público por sua especializada Promotoria de Proteção à Saúde Pública, no ajuizamento da ação civil pública para o exercício da função institucional insculpida no art. 129, inc. II, da Constituição Federal.

VI – TUTELA ANTECIPADA

A concessão da tutela antecipada constitui-se em ferramenta de extrema utilidade contra os males decorrentes do tempo de tramitação do processo, exigindo a presença de dois requisitos essenciais: prova inequívoca do alegado e a verossimilhança da alegação.

Para a agilização da entrega da prestação jurisdicional, não subsiste qualquer dúvida quanto à existência – mais do que provável na espécie - do direito alegado, consoante se infere dos argumentos e dispositivos legais mencionados. Ademais, tal afirmativa parte do reconhecimento de que prova inequívoca não é aquela utilizada para o acolhimento final da pretensão, mas apenas o conjunto de dados de convencimento capazes de, antecipadamente, através de cognição sumária, permitir a verificação da probabilidade da parte requerente ver antecipados os efeitos da sentença de mérito.

Na hipótese vertente, a prova material inequívoca pode ser inferida por meio de toda a documentação coligida no Procedimento Administrativo, na qual se destacam os relatórios do Serviço de Auditoria do MP e do Tribunal de Contas do Estado do Paraná; as Resoluções do Conselho Estadual de Saúde; além dos diversos esclarecimentos (verdadeira confissão) prestados pelo próprio Secretário de Estado da Saúde.

Por conseqüência, a verossimilhança do direito invocado acaba também se tornando evidenciada, com forte juízo de probabilidade, mais que isso, de certeza, ante a flagrante desobediência do requerido às normas constitucionais e infra-constitucionais, o que cada vez mais vem dificultando o alcance da reparação necessária. Em outras palavras, o fator verossímil exigido está patenteado nas conclusões apresentadas pelos órgãos fiscalizadores, além dos dados trazidos pela Secretaria de Estado da Saúde.

A isso deve somar-se o grave receio de dano irreparável que naturalmente advém da dificuldade imposta ao controle dos recursos da Saúde pelos órgãos responsáveis pela fiscalização (TC, CES e MP), somado ao desequilíbrio que acarreta ao SUS, dificultando sua gestão e seu planejamento, já que o inadequado financiamento, destinando recursos para longe do Fundo Estadual de Saúde, tem o condão de continuar abalando a ainda frágil estrutura do Sistema, produzindo, aí sim, danos inquantíficáveis e irrecuperáveis, tais como o sofrimento dos usuários, perda de vidas e ofensas à integridade física e mental das pessoas.

Por conseguinte, permitir que tal situação somente venha a ser regularizada ao final da demanda, implica na persistência indefinida das omissões apontadas e seus prejuízos.

Na seara da saúde, a não resolução dos problemas, em hipótese nenhuma pode ser admitida como realidade imutável e despida de qualquer conseqüência. Sempre haverá conseqüências, algumas irreparáveis.

Não incide possibilidade do provimento antecipatório produzir qualquer perigo de irreversibilidade,[24] já que, a qualquer tempo, acaso isso fosse admissível, os recursos podem ser redirecionados do Fundo Estadual de Saúde para outras contas, sob a gerência pulverizada de outras Secretarias de Estado, logo, o estado anterior à antecipação buscada tem fáceis condições de voltar a reinar, só que neste caso, em flagrante prejuízo às diretrizes do SUS e da saúde dos cidadãos paranaenses.

Portanto, imprescindível a pronta intervenção judicial para que o poder público estadual propicie a concentração de todos os recursos destinados à Saúde em um fundo único, o Fundo Estadual de Saúde.

Assim afirma-se, pois se coloca à apreciação judicial assunto específico, de grande interesse social, mostrando-se relevante a necessidade de conhecimento do exposto através de uma nova compreensão, de conteúdo distinto do usualmente adotado nos conflitos privados entre partes individuais, a fim de que a condução do processo e a interpretação das normas regulamentadoras sejam feitas por meio de premissas corretas, evitando a configuração de omissão do caráter e da significação pública que representa a regra consistente no fato de que todos os valores destinados às ações e serviços de saúde, o mais prontamente possível, sejam concentrados no Fundo Estadual de Saúde, visando a transparência das contas públicas e o perfeito controle pelos órgãos fiscalizadores e pela própria comunidade.

Coerente com esses enunciados, depreende-se da jurisprudência do col. Tribunal de Justiça do Paraná a manifesta possibilidade de concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública em situações como similares a que está sendo submetida à função jurisdicional do Estado. A respeito:

“Mandado de segurança – Liminar Deferida – Fornecimento de medicamento necessário a saúde da agravada – razões do recurso que insurgem contra a possibilidade de concessão de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública - § 3., artigo 1., da Lei nº 8.437/92 – Inaplicabilidade no caso em comento – Relevância dos direitos invocados pela recorrida – Agravo improvido. A vedação contida no artigo 1. da Lei nº 8.437, de 1992, especificamente no § 3., não prevalece quando o assunto em debate referir-se ao direito a saúde e à vida, assegurados a todos os cidadãos.”[25]

A esses argumentos deve somar-se o corretamente enfatizado pelo Juiz de Direito Carlos Roberto Feres:

“O poder do juiz de conceder ou não a antecipação da tutela não configura um ato discricionário na acepção que tal ato possui no direito administrativo. O Juiz tem, isso sim, se configurados os requisitos previstos no art. 273 e seus parágrafos e incisos do Código de Processo Civil, não apenas o poder, mas o dever de conceder a antecipação. Seu campo de atuação “discricionário” (relativa margem de liberdade de escolha) está apenas dentro dos limites impostos pelo legislador, mesmo quando interpreta conceitos vagos ou indeterminados, influenciando, certamente, na formação de sua convicção, não apenas sua formação pessoal, mas o meio social em que vive e as circunstâncias fáticas que cercam o pedido.”[26]

Dessa forma, presentes os requisitos necessários, requer o Ministério Público seja concedida medida liminar, determinando a antecipação dos efeitos da sentença de mérito para obrigar o Estado do Paraná à reunião de todos os recursos[27] destinados à Saúde no Fundo Estadual de Saúde, sob a gerência exclusiva da Secretaria Estadual de Saúde, no prazo de 30 dias.

 Na eventualidade do Estado do Paraná não prover o solicitado, a contar do deferimento da medida liminar, requer o Ministério Público seja o mesmo condenado a arcar com multa cominatória diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do § 2º, do art. 12, da Lei Federal n° 7.347/85, valor esse que deverá ser destinado ao Fundo Estadual de Saúde sem, no entanto, ser considerado para integralização dos percentuais apontados pela Emenda Constitucional n.º 29/00.  

VII – DO PEDIDO

Isso exposto, requer-se:

1) o recebimento da presente petição, com a documentação em anexo, e sua respectiva autuação e registro;

2) a concessão da antecipação de tutela pleiteada e especificada no item anterior, inaudita altera pars e independentemente de justificação prévia ou, se a entendendo necessária, observado o prazo de setenta e duas horas da Lei Federal n° 8.437/92;

3) a cominação de multa diária, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), ao requerido, pelo não cumprimento das disposições da tutela antecipada que lhe couber obedecer;

4) a citação do requerido no endereço mencionado, para que, querendo, apresente, no prazo da lei, a contestação que entender pertinente;

5) seja julgado procedente o pedido, determinando-se a alocação e depósito, no Fundo Estadual de Saúde, de todos os recursos orçamentários (v. fl. 111 do PA) destinados à Saúde, incluindo-se as verbas referentes ao atual exercício, as subseqüentes, bem como eventuais valores remanescentes de exercícios passados, cuja movimentação deve ser acometida, com exclusividade, ao seu gestor legal, ou seja, ao Secretário Estadual de Saúde, destacadamente e sem prejuízo de outras pertinentes, as relativas à educação e avaliação nutricional (Secretaria Estadual de Saúde – 1041); manutenção de bens e serviços para a saúde (Secretaria Estadual de Saúde – 2229); programa de saneamento ambiental (Chefia do Poder Executivo – 1005); gestão do sistema de saúde dos servidores do Estado do Paraná (Secretaria de Estado da Administração e da Previdência); compra do leite das crianças (Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento); Fundo Paraná, manutenção dos hospitais universitários do Norte do Paraná, de Maringá e do Oeste do Paraná, produção de vacinas (Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – 2168, 2194, 2199, 2204 e 2853); distribuição do leite (Secretaria de Estado da Educação – 1073); administração do complexo médico penal (Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania – 2256); serviços de saúde e assistência social, serviços de SIATE (Secretaria de Estado de Segurança Pública – 2116, 2124); saneamento ambiental (Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – 2405); implantação do leite das crianças, medidas de proteção de crianças e adolescentes (Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social – 1116, 2294) (fl. 111);

6) a cominação de multa diária, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), pela procrastinação na concentração dos recursos da Saúde no FES, sendo neste depositada, sob gerência da SESA, com recursos não-oriundos do percentual do orçamento (EC n.º 29/00) dirigido à Saúde.

7) a produção, na hipótese de se mostrar necessária, de todas as provas legalmente admissíveis, especialmente depoimento pessoal dos representantes, inquirição de testemunhas, juntada de documentos (nos termos do artigo 397 do Código de Processo Civil) e exames periciais que se fizerem necessários;

8) a dispensa de pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, conforme estabelecido no art. 18, da Lei de Ação Civil Pública.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), apenas para efeitos fiscais.

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

Curitiba, 04 de julho de 2005.

Marcelo Paulo Maggio Luciane Maria Duda

Promotor de Justiça Promotora de Justiça

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[1] Art. 77 do Ato das Disposições Transitórias, com redação dada pela EC nº 29/2000.

[2] Manual Básico do Ministério da Saúde, “Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde”, Brasília-DF, 3.ª ed., 2003, p. 31/32.

[3] Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

[4] Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:

I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;

II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e

III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.

[5] CARVALHO, Guido Ivan de e SANTOS, LENIR. Sistema único de saúde. 3. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2002. p. 277.

[6] Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde e Ministério da Saúde, Brasília-DF, 2005, p.108.

[7] O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde e Ministério da Saúde, Brasília-DF, 2005, p. 252/253.

[8]Tese de Doutorado “$U$ - Financiamento Federal para a Saúde – 1988/2001”, São Paulo, 2002, p.273

[9] Os números apresentados pelo Estado do Paraná, ditos como aplicados em ações e serviços de saúde, não estão sendo, in casu, combatidos quanto à sua composição interna (qualitativa ou quantitativa) para fins de integração do percentual indicado na EC n.º 29/00, já que a questão é objeto de investigação em procedimento autônomo nesta Promotoria de Justiça.

[10] Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

[11] Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição

Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

VIII - participação da comunidade;

Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde.

[12] Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:

I - a Conferência de Saúde; e

II - o Conselho de Saúde.

§ 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde.

§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.

[13] Em estudo intitulado “O Financiamento Público da Saúde no Bloco de Constitucionalidade”, p. 27.

[14] CARVALHO, Guido Ivan de e SANTOS, LENIR. Sistema único de saúde. 3. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2002. p. 277

[15] Direito Sanitário e Saúde Pública – vol. I, p. 304/305, Brasília-DF, 2003

[16] “SUS – passo a passo” (Normas, Gestão e Financiamento), ed. Hucitec, São Paulo, 2001, p. 63

[17] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2001.

[18] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 365.

[19] Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

[20] São funções institucionais do Ministério Público:

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

[21] Além das funções previstas na Constituição Federal, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, na Constituição Estadual e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

V – promover a defesa dos direitos constitucionais do cidadão para a garantia do efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública...;

[22] Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz e Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, no artigo intitulado “O conceito de relevância pública na Constituição Federal” (in: Série Direito e Saúde/OPAS/OMS. N. 1, Brasília: OPAS, 1992. P. 29-39).

[23] TJPR – AC nº 6318. 5. Câm. Cível. Rel. Des. Lauro Laertes de Oliveira. Jul. em 05/12/2000.

[24] Artigo 273, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil.

[25] TJPR. Ac nº 24.091. Rel. Dilmar Kessler. julg. Em 10/11/2004, unân.

[26] FERES, Carlos Roberto. Antecipação da tutela jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 81. Com o mesmo entendimento José Roberto dos Santos Bedaque destaca que: “Caso se verifiquem os pressupostos legais, é seu dever fazê-lo. Existe, é verdade, maior liberdade no exame desses requisitos, dada a imprecisão dos conceitos legais. Mas essa circunstância não torna discricionário o ato judicial”. In: Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 244.

[27] Relativas à educação e avaliação nutricional (Secretaria Estadual de Saúde – 1041); manutenção de bens e serviços para a saúde (Secretaria Estadual de Saúde – 2229); programa de saneamento ambiental (Chefia do Poder Executivo – 1005); gestão do sistema de saúde dos servidores do Estado do Paraná (Secretaria de Estado da Administração e da Previdência); compra do leite das crianças (Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento); Fundo Paraná, manutenção dos hospitais universitários do Norte do Paraná, de Maringá e do Oeste do Paraná, produção de vacinas (Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – 2168, 2194, 2199, 2204 e 2853); distribuição do leite (Secretaria de Estado da Educação – 1073); administração do complexo médico penal (Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania – 2256); serviços de saúde e assistência social, serviços de SIATE (Secretaria de Estado de Segurança Pública – 2116, 2124); saneamento ambiental (Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – 2405); implantação do leite das crianças, medidas de proteção de crianças e adolescentes (Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social – 1116, 2294) (fl. 111).

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