Um Projeto Nacionalista em Busca da Modernidade:



Um Projeto Nacionalista em Busca da Modernidade:

A Gazeta de Cásper Líbero na Era Vargas

Profa. Dra. Gisely Valentim Vaz Coelho Hime

(Professora de História do Jornalismo do Centro Universitário UniFIAMFAAM, onde também exerce as funções de Coordenadora da Cátedra de Jornalismo e Coordenadora do Programa de Atividades Complementares.)

“Para um Brasil cada vez maior e melhor”: este lema sintetiza o projeto do jornalista-empresário que construiu o jornal mais moderno da América Latina nos anos 1940. Trata-se de Cásper Líbero e do vespertino paulistano A Gazeta. Cásper enxerga na cultura nacional, os elementos necessários para impulsionar o progresso do País. Sintoniza uma corrente de pensamento muito forte a partir dos anos 1920, no Brasil e no mundo, que tomará a forma de ideologias totalitárias e movimentos culturais, por vezes, conflitantes, por vezes, integrados. Atraído por esse espírito nacionalista, paulatinamente, Cásper cederá aos encantos do Governo Vargas, passando de forte opositor a um dos principais colaboradores, em tudo o que diz respeito à luta pela União Nacional e pelo engrandecimento da Nação.

PALAVRAS-CHAVES: HISTÓRIA DO JORNALISMO, TEORIA POLÍTICA, ERA VARGAS, CÁSPER LÍBERO.

Quando Getúlio Vargas se candidata às eleições à presidência da República em 1930, vários veículos de São Paulo, manifestam-se a seu favor: O Estado de S.Paulo, o Diário Nacional, o Diário de São Paulo e A Praça de Santos. Por sua vez, ficam ao lado do Governo, o Correio Paulistano, o Jornal do Comércio, o Diário Popular e A Gazeta, vespertino que começava a se projetar timidamente no cenário nacional, graças ao audacioso projeto de modernização, traçado por seu endividado diretor-proprietário Cásper Líbero. Em 1932, após dura repressão pelos partidários varguistas, A Gazeta, ao lado d’O Estado de S.Paulo e da Rádio Record, é fundamental na propagação dos ideais da Revolução Constitucionalista, novamente na oposição. Como explicar, então, a colaboração entusiasta com o Estado Novo, cujo símbolo poderia ser a visita do presidente às instalações d'A Gazeta, em 25 de novembro de 1941, quando o projeto de modernização já foi concluído com todo sucesso? Na ocasião, Cásper afirma que “A Gazeta sente-se orgulhosa de colaborar na execução do grande programa político que [Vargas] elaborou”, conduzindo o povo brasileiro[1]. A explicação está numa corrente de pensamento muito forte a partir dos anos 1920, no Brasil e no mundo, que tomará a forma de ideologias totalitárias e movimentos culturais, por vezes, conflitantes, por vezes, integrados: o Nacionalismo. Atraído pelo espírito nacionalista, paulatinamente, Cásper Líbero cederá aos encantos do Governo Vargas, passando de forte opositor a um dos principais colaboradores, em tudo o que diz respeito à luta pela União Nacional e pelo engrandecimento da Nação. “Para um Brasil cada vez maior e melhor”: este lema sintetiza o projeto do jornalista-empresário que construiu o jornal mais moderno da América Latina nos anos 1940. Cásper enxerga na cultura nacional, os elementos necessários para impulsionar o progresso do País.

Uma imprensa de opinião

Às vésperas das eleições de 1930, A Gazeta torna-se, efetivamente, um instrumento da campanha política de Júlio Prestes, candidato de Washington Luís. Rasga elogios à política estabilizadora do presidente que, segundo ela, seria responsável pelo fim da especulação cambial e bancária. O ataque de alguns jornais a essa política é interpretado como um instrumento a serviço dos especuladores estrangeiros. O vespertino elogia o governo de Prestes em São Paulo, salientando as modificações introduzidas no processo de manipulação, cultura e comércio de café, e o incentivo à policultura. Prestes é apontado como um homem de ação, responsável pela ótima administração do Estado: um homem preocupado com a realidade nacional.

Por outro lado, critica abertamente os opositores – Getúlio Vargas e João Pessoa, candidatos da Aliança Liberal – chamados de “corvos do azar”. De atropelamentos a intempéries meteorológicas são utilizados para desenvolver a tese do azar que sua eleição traria ao Brasil. A campanha do diário aponta o choque entre duas mentalidades: a consciência dos rumos do País e a ambição camuflada sob uma ideologia anacrônica, materializadas, respectivamente, por São Paulo e Minas Gerais. O governo de Júlio Prestes é apontado como exemplo de prática política onde as preocupações partidárias cedem lugar à ação e o funcionalismo público não é utilizado na propaganda. Já o governo mineiro seria o reduto da “farsa liberalista”: um exemplo de politicagem parasitária e de facciosismo.

Tal cobertura ilustra exemplarmente o fazer jornalístico do período. No início dos anos 1930, a imprensa brasileira está concluindo um importante período de transição, ligado às transformações do País, em seu conjunto, e, nele, à ascensão burguesa e ao avanço das relações capitalistas. As conseqüências do novo quadro são várias, entre elas, a redução no número de periódicos e no aparecimento de novas empresas, dada à complexidade do empreendimento. Porém, a mudança principal é que se torna mais fácil comprar do que fundar um jornal; e é ainda mais prático comprar a opinião de um jornal do que o próprio. Como ressalta Werneck Sodré, a questão fundamental do período repousa sobre o poder: “(...) a imprensa, embora apresente agora estrutura capitalista, é forçada a acomodar-se ao poder político que não tem ainda conteúdo capitalista, pois o Estado serve principalmente à estrutura pré-capitalista tradicional. O traço burguês da imprensa é facilmente perceptível nas campanhas políticas, quando acompanha as correntes mais avançadas, e em particular nos episódios críticos, os das sucessões[2]”.

A compra da opinião da imprensa pelo Governo torna-se rotina. Os jornais voltam-se para o fato político sem se aprofundarem na análise. O tratamento dado à notícia é pessoal: destacam-se apenas atos, pensamentos ou decisões dos indivíduos que protagonizam o fato político. Esses indivíduos são endeusados ou destruídos, de acordo com os interesses da empresa jornalística. A linguagem da imprensa política pode ser virulenta ou servil.

Ao revelar ao leitor sua opção política e ao construir o discurso com o qual pretende alcançar adesões, A Gazeta tem como principal argumento o nacionalismo. Nos dias 25 e 27 de fevereiro, a primeira página do jornal é ocupada pela foto de Prestes, acompanhada dos dizeres: “O Candidato Nacional”. Segue o texto:

Nunca deixou de cumprir a sua palavra. No governo de São Paulo, em dois anos de administração, executou o seu programa e fez mais do que havia prometido. O sr. Júlio Prestes, no governo da República continuará a ação patriótica que desenvolveu em São Paulo, prometendo ao Brasil: continuidade administrativa, defesa da produção, ordem, paz e trabalho, grandeza e unidade da Pátria, respeito à vontade do eleitorado e à vontade das urnas, liberdade dentro da lei. Votar em Júlio Prestes é votar pela felicidade do Brasil e da República[3].

A Gazeta tenta identificar os revolucionários como inimigos da Nação por defenderem ideais separatistas. Segundo ela, o objetivo deles seria o enfraquecimento econômico do País, contrariando o otimismo dos círculos externos em relação à nossa economia. No dia 22 de outubro, pergunta na manchete de primeira página: “Separatismo por quê? O Brasil, tal como os nossos maiores nos legaram, não será jamais repartido. A Bandeira que triunfará é a mesma que adoramos desde a proclamação da República[4]”. Logo abaixo, vem a ilustração de soldados empunhando a bandeira do Brasil e o texto que afirma: “Não importa que alguns cidadãos, embriagados pelas deflagrações demagógicas, empunhem armas contra o resto do País, numa refrega fraticida que confrange os corações delicados, sacrificando, dilapidando as mais caras reservas da Pátria. A bandeira que triunfará ao de cima de todos esses transitórios arremessos da ambição impotente é a que nossos leitores podem contemplar na alegoria desta página[5]”.

Dois dias depois, o movimento revolucionário chega ao Rio de Janeiro e depõe o presidente Washington Luís. O povo sai às ruas e, em meio às comemorações, volta sua fúria contra a imprensa governista, empastelando vários jornais, entre eles, A Gazeta.

A liderança no Movimento Constitucionalista

Logo após o empastelamento d'A Gazeta, Cásper Líbero parte para Londres, em exílio voluntário. Apesar do sucesso da primeira etapa de modernização do jornal, marcada pelo lançamento dos suplementos esportivo, infantil e feminino[6], os investimentos recentes em inovações gráficas e o empastelamento levam ao agravamento dos problemas financeiros. Nelson Líbero, irmão de Cásper e seu procurador, resolve fazer o jornal voltar a circular, contando para isso com seus próprios recursos. É assim que, apesar dos estragos, A Gazeta consegue retomar as atividades em 17 de novembro.

De volta ao Brasil, em abril de 1931, Cásper Líbero reassume a direção do vespertino, dando prosseguimento em suas páginas à campanha pela reconstitucionalização, iniciada por Rubens do Amaral. Este sai d’A Gazeta para, junto com outros revoltosos, fundar um veículo próprio, o Correio de São Paulo. Com apoio d'O Estado de S.Paulo, preparam o clima propício à eclosão do Movimento Constitucionalista, em que o rádio teve, pela primeira vez no cenário político brasileiro, papel de destaque, com a Rádio Record.

A tônica dos textos novamente é o nacionalismo, assumindo o Estado papel de herói-mártir na luta pelo aniquilamento dos inimigos da Pátria: “São Paulo exausto de ser o Estado mártir da Federação, apunhalado pelas intrigas de todo o dia, deflagrou-se na metamorfose de guerreiro intrépido, na rajada sui generis da insurreição[7]”. E a Revolução Constitucionalista vai se transformando praticamente numa guerra santa. Cásper parte para a frente de batalha, fato registrado com destaque nas páginas do jornal[8].

Com a derrota do movimento, o jornalista segue para a Casa de Correção no Rio de Janeiro e, em novembro, é deportado com outros presos políticos. Embarca para Lisboa e depois segue para Paris. Em seu lugar, na administração d'A Gazeta, ficam Pedro Monteleone e Eurico Martins.

O início da aproximação com Vargas

Atendendo a Herbert Moses, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), ao próprio Vargas, a 15 de maio de 1933, o Ministro da Justiça, Francisco Antunes Maciel Júnior, autoriza o regresso ao País de todos os jornalistas exilados: Austregésilo de Athayde, Guilherme de Almeida, Francisco de Mesquita, Vivaldo Coaracy, Hilário Freire, Prudente de Morais Neto, Percival de Oliveira, Ismael Ribeiro e Cásper Líbero.

Cásper desembarca em Santos, em 24 de junho, e retoma a direção do vespertino. As edições voltam-se à discussão de alguns princípios propostos na Constituinte. A instalação da Assembléia Constituinte a 10 de novembro é saudada na edição comemorativa da proclamação da República, como o “primeiro passo de integração no regime de lei e justiça, prelúdio de uma era de paz e concórdia – expansão das forças construtivas da nacionalidade[9]” –, além de ser o cumprimento da promessa de Getúlio Vargas.

Este editorial revela os primeiros traços, senão de uma aproximação com o governo Vargas, mas da busca de uma convivência harmoniosa. Ao retornar do exílio, Cásper está consciente de que dessa harmonia depende o futuro de seus projetos. Mostra-se, pois, cauteloso e respeitoso. Cauteloso, ao não entrar no mérito de questões como as articulações para a permanência de Vargas no poder, preferindo levar a discussão para o âmbito genérico dos princípios de nacionalidade. Respeitoso, ao ressaltar Getúlio como um homem que cumpre suas promessas – um homem de palavra, o que, nesses tempos, significa muito.

Ao voltar do exílio, a estratégia articulada pelo jornalista revela a preocupação de garantir a livre circulação nesse novo-velho governo que se articula. Busca se envolver numa capa de relativa neutralidade, desvinculando-se de posicionamentos identificados com partidos políticos e abraçando bandeiras amplas como a luta para um Brasil unido e maior. Esse comportamento torna-se evidente quando, em meados de 1934, recusa a indicação para deputado federal pelo Partido Republicano Paulista (PRP), agradecendo a lembrança como uma homenagem ao trabalho desenvolvido por intermédio do jornal.

Os violentos choques entre integralistas e comunistas são habilmente utilizados por Vargas para mostrar à classe média e aos militares os “perigos” de uma política mais aberta. Ameaçando com o “perigo da subversão vermelha”, ele leva o Congresso a promulgar a Lei de Segurança Nacional, conferindo ao Governo amplos poderes de repressão contra a Ação Nacional Libertadora (ANL). Tendo apoiado em parte as primeiras ações repressivas do Governo Provisório contra determinados veículos ou grupos políticos, toda a imprensa acaba sendo punida com a institucionalização da censura. E é punida juntamente com o Congresso que, tendo cedido ao espancamento de vários de seus membros, votado o Estado de Sítio e o Estado de Guerra, acaba fechado.

Fica cada vez mais difícil manter um jornal. A imprensa começa a sentir os efeitos da inflação, como também das pressões políticas. Conta Afonso Arinos a respeito da Folha de Minas: “Para um jornal sério e de oposição, a vida, já precária, tornou-se impossível. Nossa única força, que era o poder de crítica aos Governos, desapareceu[10]”.

O entrosamento com o novo governo

Sob o Estado Novo, a projeção de Cásper Líbero no meio político cresce a olhos vistos. Cada vez mais é recebido por personalidades políticas, convidado para eventos públicos e comitivas, além de homenageado por diversas associações e entidades.

Ao viajar para a Alemanha, por exemplo, em março de 1938, com o intuito de comprar novos equipamentos para A Gazeta, o jornalista torna-se alvo das atenções do governo de Berlim, que lhe prepara, por intermédio do Ministério da Propaganda, uma recepção com honras de estadista. Este fato é indicativo do destaque que Cásper já começava a apresentar no cenário nacional, uma vez que o Governo Alemão somente dispensaria um tratamento dessa categoria a alguém de relevância. Por outro lado, também indica a aproximação do jornalista com as idéias totalitárias. Em dezembro deste mesmo ano, Cásper recebe o título de comendador da Coroa Italiana.

De volta ao Brasil, o jornalista dá sinais de que não pretende apenas continuar uma relação de harmonia e entendimento com o governo, mas quer se aproximar do presidente. Prevista uma viagem de Vargas a São Paulo, Cásper assina um editorial pedindo ao povo paulista que o receba bem. É certo que a política do Departamento de Imprensa e propaganda (DIP) “orienta” a imprensa no sentido de matérias favoráveis ao governo, mas um editorial de próprio punho vai além da obrigação.

Em março de 1939, a pretexto da compra de equipamentos, em acordo com nova etapa de modernização do vespertino, Cásper viaja novamente para a Alemanha, passando também pela Itália. Em outubro, o embaixador italiano Ugo Sola visita A Gazeta, ocasião que o jornalista aproveitará para tecer diversos elogios à Itália e a Mussolini. Deste discurso tiramos o que lhe atrai nas doutrinas totalitárias como o Nazismo e o Fascismo: o espírito nacionalista. É este princípio que ele destaca no discurso de inauguração das novas instalações d'A Gazeta[11] e que o aproxima do Governo Vargas. Afirma inclusive sentir-se muito honrado com o apoio do poder público estendido à iniciativa privada, quando esta se volta para as linhas fundamentais do patriotismo: os interesses brasileiros.

Cada vez mais, o relacionamento com o Distrito Federal ganha em aproximação e cordialidade. Em fevereiro de 1940, um telegrama assinado pelo secretário da Presidência da República, Luiz Vergara, comunica a Cásper Líbero a disponibilidade do presidente de fazer passar, no Palácio Guanabara, o premiado documentário Um Vespertino Moderno[12].

Gradualmente Cásper introduz-se no círculo de parentes e amigos do presidente. Na cobertura da estadia de Vargas no Estado, em abril deste ano, A Gazeta caracteriza a sua administração como una, forte e contínua, correspondendo às aspirações populares e às realidades nacionais[13]. Alguns dias antes, em comemoração ao 10º ano de Vargas na Presidência, o jornal reserva a ele toda a primeira página do dia 19, com foto e editorial, classificando-o como centro de irradiação das energias criadoras da nacionalidade. O espírito nacionalista é o elo de ligação entre Vargas e Cásper, pois dá o tom, de um lado, à administração no Estado Novo e, por outro, à linha editorial do vespertino. Por isso, ao destacar o nacionalismo do Governo Federal e seu representante máximo, A Gazeta, mais do que cumprir a orientação do DIP, enfatiza princípios que sempre valorizou em seu projeto editorial. Portanto, se o apoio de Cásper ao Estado Novo começou como uma questão de sobrevivência, aos poucos, transformou-se em anuência pessoal, encantado que estava o jornalista com os fundamentos nacionalistas do projeto político varguista.

Este elo fica evidenciado em diversos momentos do ano de 1940, principalmente nos pronunciamentos de Cásper e de Vargas. O discurso do jornalista, na Rádio Cultura, a propósito dos festejos da Semana da Pátria é um dos mais significativos no estabelecimento dessa ligação entre a formação patriótica do jornalista e a aprovação aos rumos nacionalistas atribuídos ao País no Estado Novo. Segundo Cásper, “o Regime Novo é o despertar da razão brasileira[14]”. A ligação aparece novamente no discurso de José Gomes Talarico, universitário, chefe da Embaixada Universitária Cásper Líbero, em visita ao Palácio Guanabara, em novembro: “Cásper é amigo de Vargas, capaz de um sacrifício pessoal por um Brasil maior e melhor, com o mesmo espírito de amor que Vargas consagra às coisas brasileiras[15]”. A resposta do presidente confirma a afinidade dos dois nesse campo: tece elogios a Cásper por sua ação patriótica desenvolvida em São Paulo, através d'A Gazeta, jornal que recebe de sua parte especial atenção pelo programa de expressão nacional que desenvolve na vida política do Brasil, pelas suas colunas[16].

O discurso de Cásper na Rádio Cultura estende a preocupação com a união nacional à união entre as repúblicas americanas, na defesa do continente, insinuando aproximação com o Panamericanismo propagado pelos Estados Unidos. A partir de outubro de 1940, tornam-se freqüentes os editoriais sobre o estreitamento das relações Brasil-Estados Unidos e as matérias sobre o aumento na venda de café da América Latina para esse país.

O ano de 1941 é a coroação das relações internacionais de Cásper Líbero. Cada vez mais conhecido e respeitado, principalmente no continente americano, o jornalista oferece, em outubro, uma recepção aos membros da Missão Econômica Canadense. O ano também celebra o estreitamento das relações com a Presidência da República. O encantamento de Cásper por Getúlio já transparece nas reportagens e editoriais, apontando o presidente como a personalidade perfeita “para traduzir os ideais e aspirações do povo que há dez anos vem dirigindo com pulso viril e com a penetração viva das necessidades e ideais brasileiros[17]”. Vargas é tratado como o grande herói que tem levado à frente as mudanças necessárias para o crescimento econômico brasileiro[18].

Entre o jornalismo e a política

Cásper Líbero lança uma nova perspectiva para os profissionais de jornalismo de seu tempo: ser empresário-jornalista. Até então, a profissão de jornalista, intrinsecamente ligada à política, servia de trampolim para cargos e posições. O que menos contava era a informação e as conseqüências que o tratamento a ela dado pudesse ter sobre a sociedade. É a era dos Chateaubriands, que transformam a imprensa “noutra forma de fazer política e uma política marcadamente pessoal[19]”. Uma política feita em nome de ganância pessoal, status e vaidade. Chatô “(...) costumava dizer que era mais importante estar correto do que ser consistente. Justificava assim o verdadeiro ziguezague doutrinário de sua vida[20]”.

Cásper Líbero não deixa de empunhar bandeiras políticas. O que ele faz é subordinar o político ao empresário-jornalista, enquanto outros subordinam o jornalista ao político. Quanto às suas pretensões políticas, esclarece: “nunca almejei outra coisa, senão, apenas, ser diretor d'A Gazeta”. Aos que colocam isso em dúvida, retruca: “respondi com fatos e não com palavras, pois que recusara a indicação do meu nome para cargos eletivos, com vitórias garantidas”. E esclarece: “Não estou nem muito alto, nem muito baixo. Na altura suficiente para ver o que se passa em baixo e apreciar o que se passa em cima. E com isso, poderei dizer que as minhas pretensões políticas não são outras senão ficar na posição em que estou, porque assim poderei, com grande prazer, amparar aqueles que precisem subir, da mesma forma que poderei dar a mão àqueles que tiverem que descer[21]”.

Aos céticos, lembramos que, de fato, Cásper jamais aceitou a indicação de seu nome para cargo algum. Desde que assumiu a direção d'A Gazeta, fez dela sua vida, no sentido de equipará-la ao melhor jornalismo do mundo, de dotá-la das melhores instalações, do melhor maquinário, do mais capacitado corpo técnico. Fez do jornalismo seu instrumento de ação na sociedade, procurando torná-lo o reflexo do meio em que se inserira. Procurou submeter tais interferências ao caráter jornalístico, nem sempre com sucesso, é verdade. Muitas vezes, as críticas aos excessos cometidos pelos opositores poderiam igualmente ser aplicadas a ele próprio. Muitas vezes, as denúncias abandonam o perímetro crítico para vagarem ao sabor do emocional, com resultados deploráveis como a tese do azar que recairia sobre o Brasil se Vargas fosse eleito em 1930. Não se verifica, porém, que tenha utilizado A Gazeta para destruir pessoas que, por um motivo ou outro, o tenham desagradado como era comum acontecer então.

Para um Brasil maior e melhor

Seria reducionista, contudo, explicar a aproximação entre Cásper e Vargas pelo interesse do empresário-jornalista. Se conveniente, esta foi justificada e amparada pela crença comum no nacionalismo. Com base na leitura d'A Gazeta, podemos afirmar que os grandes temas do discurso governamental, durante o Estado Novo, são: a elevação do Brasil à condição de potência de primeira grandeza; a organização do mercado de trabalho e o solucionamento da questão social; a implantação de um projeto político pedagógico que pressupõe a educação como força capaz de reformar a sociedade; o relacionamento com os Estados Unidos; o regionalismo dos Estados; o centralismo e a autonomia dos Estados; a superação do atraso e a equiparação do Brasil aos países economicamente mais desenvolvidos; a modernidade. Mas, excetuando os Estados Unidos, esta já era a temática do vespertino no início dos anos 1930!

Por esse motivo, apesar da mudança radical de posicionamento, A Gazeta consegue manter uma certa dose de coerência em seu discurso, se considerarmos o espírito nacionalista, marcante nas edições. Esse espírito está na origem do projeto jornalístico de Cásper Líbero, que acredita em “um País maior e melhor”.

Sentimento nascido em casa mesmo, em Bragança Paulista, nos encontros políticos comandados pelo pai ou a partir dos ensinamentos da mãe, aos quais ele mesmo várias vezes se refere: “desde criança, minha mãe alimentou-me o amor pela Pátria[22]”. Mas também sentimento fortalecido pelo convívio com grandes nomes dessa Pátria, como Rui Barbosa, que em suas ações demonstraram tudo o que se pode fazer por uma nação, quando se tem verdadeiro amor por ela. Ou ainda, sentimento revigorado pelo Movimento Modernista que mergulhou os anos 1920 em um nacionalismo desenfreado, acompanhado de perto pelo jovem participativo e interessado. Sentimento que se traduz na promoção de tudo o que possa significar progresso, desenvolvimento, equiparação da Pátria à vanguarda internacional: aviões, ferrovias, rodovias, indústrias, tecnologia, educação.

Durante todo o período em que Cásper foi proprietário d'A Gazeta, o nacionalismo é invocado como argumento das mais diversas teses políticas, a propósito dos mais variados eventos. Para criticar o movimento revolucionário de 1930, por exemplo, o veículo recorre freqüentemente ao nacionalismo. Em julho de 1930, a pretexto do assassinato de João Pessoa, fala-se em união nacional como principal arma contra “um movimento de partidarismo regional e não de opinião nacional e que, por isso, tende ao fracasso[23]”.

Passadas as Revoluções de 1930 e de 1932, o nacionalismo é aclamado o grande beneficiado com a instalação da Assembléia Constituinte. O editorial de 15 de novembro de 1933 destaca a Assembléia como o primeiro passo de integração no regime de lei e justiça, prelúdio de uma era de paz e concórdia, expansão das forças construtivas da nacionalidade.

O tema “união nacional” aparece freqüentemente na segunda metade dos anos 1930 e na virada dos anos 1940, diante do conturbado panorama internacional. Surge como “um imperativo da hora presente e uma condição sine qua non de nossa integridade territorial, da nossa soberania política e da nossa independência econômica[24]”. Os Estados Unidos não representariam, contudo, qualquer ameaça à essa integridade, pois “devem firmar nas Américas a mais perfeita comunhão internacional[25]”. Dessa forma, Cásper atende, por um lado, aos interesses do Governo brasileiro, em negociação com os americanos para a instalação da indústria siderúrgica e, por outro, aos seus próprios interesses, como jornalista e empresário, de aproximar-se do país que já se anuncia como futuro líder do pós-Guerra.

A aliança entre patriotismo e Panamericanismo já aparece em um discurso de Cásper, proferido no final de 1940, durante um almoço em sua homenagem organizado pelos cônsules do Continente Americano. E já aparece, inclusive, a idéia de comunhão internacional à qual recorrerá, muitas vezes, nos anos seguintes. O jornalista enfatiza que, desde as lutas pela independência das nações americanas, o Continente é movido por uma política de igualdade e respeito aos direitos de todos os povos americanos. Nesse sentido, é visto como novo e grande, nobre e forte, em que todas as aspirações de patriotismo e ambições territoriais se exprimem em poucas palavras: todos por um e um por todos[26].

Trata-se de um desdobramento da filosofia de “construção de um Brasil maior e melhor” desenvolvida por Cásper, nas páginas d'A Gazeta. O amor à pátria é o que permite a Cásper desenvolver sua doutrina de engrandecimento do País, que o estimula a apoiar propostas político-econômicas nacionalistas, que o leva a vislumbrar o crescimento do poderio brasileiro no contexto internacional. E essa vontade de que o Brasil cresça e se torne cada vez mais respeitado freqüenta com muita assiduidade as páginas d'A Gazeta, jornal que vincula seu próprio projeto de modernização ao empreendido pelo País.

A partir da década de 1920, os Meios de Comunicação tornam-se efetivamente instrumentos e porta-vozes da modernidade, difundindo as motivações necessárias a criar climas de empatia para conduzir os cidadãos a participarem do projeto proposto na condução dos rumos da Nação. Em outras palavras, passam a atuar como expressão e instrumento do modelo desejado de desenvolvimento nacional.

No Brasil da Era Vargas, essa função dos Meios de Comunicação é clara. O projeto de reforma da sociedade brasileira, articulado pelos liberais oposicionistas paulistanos, visava superar o atraso e equiparar o País aos economicamente mais desenvolvidos. Os periódicos são a principal via de expressão dessas propostas. N’ O Estado de S.Paulo e n’A Gazeta, são freqüentes as manchetes, exaltando a potencialidade econômica do Brasil e a responsabilidade da sociedade em efetivar o progresso econômico.

Ao tratar da modernização de seu jornal, no início do processo, em 1929, Cásper afirma: “A Gazeta não quer ser outra coisa senão um reflexo do ambiente em que se formou e em que se desenvolve continuamente. A missão que nos impusemos é a de espelhar a agitação da metrópole paulistana, os surtos vigorosos do seu progresso, as transformações contínuas por que passa[27]”. Anos depois, em 1941, chegaria ao Museu de Arte Moderna, em Nova York, o documentário Um Vespertino Moderno, retratando a finalização do projeto. Estão presentes, os principais proprietários e diretores de empresas de publicidade, jornais e cinema, além das emissoras de rádio da América do Norte. Cásper mostra a todos como A Gazeta é capaz de produzir uma edição de última hora, completa, dentro de 12 minutos, a contar da chegada da mais recente notícia telegrafada de Washington ou Berlim. Prova assim aos norte-americanos que “não precisam mais ficar com receio a respeito da habilidade mecânica e da eficiência dos brasileiros”. Os americanos, que “têm mostrado ceticismo sobre se seria garantido emprestar-se ao Brasil 60 milhões de dólares para que fosse iniciada a indústria siderúrgica[28]”. A viagem e a exibição do filme foram realizadas a convite de Getúlio Vargas.

Bibliografia

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CAPELATO, Maria Helena & PRADO, Maria Lígia. O Bravo Matutino: Imprensa e Ideologia no Jornal O Estado de S.Paulo, São Paulo, Alfa-Ômega, 1970.

FRANCO, Afonso Arinos Melo. A Alma do Tempo, Rio de Janeiro, 1961.

HIME, Gisely Valentim Vaz Coelho. A Hora e a Vez do Progresso - Cásper Líbero e o Exercício do Jornalismo nas Páginas d'A Gazeta. São Paulo, dissertação de mestrado, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), 1997.

MOTA, Carlos Guilherme & CAPELATO, Maria Helena. História da Folha de S.Paulo (1921-1981), São Paulo, Impres, 1980.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil, 3ª edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983.

WAINBERG, Jacques Alkalai. Império de Palavras: Estudo Comparado dos Diários e Emissoras Associadas, de Assis Chateaubriand, e Hearst Corporation, de William Randolph Hearst, São Paulo, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), 1996.

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[1]A Gazeta, 26 de novembro de 1941.

[2]Nelson Werneck Sodré, História da Imprensa no Brasil, 3ª edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983, p.316.

[3] A Gazeta, 25 e 27 de fevereiro de 1930.

[4] A Gazeta, 22 de outubro de 1930.

[5]Texto completo: “A luta de sucessão aberta pelos partidários de um Brasil fracionado, de um Brasil transformado em republiquetas inimigas umas das outras por múltiplas questões econômicas e de fronteiras, representa a maior aberração de que poderíamos dar conta nesse atormentado período de nossa História.

Separatismo por quê?

Só a ignorância, aliada à mais requintada má fé, pode proclamar esse credo vilipendioso aos brios de uma Nação que constitui perante o mundo o mais surpreendente milagre de coesão racial ávica. O Brasil, tal como o amamos, tal como os nossos maiores nos legaram, não será jamais repartido pela simples vontade de meia dúzia de políticos ambiciosos. Não importa que, nesse momento, no Rio Grande do Sul, o pavilhão nacional tenha sido substituído pela bandeira do Estado. Não importa que alguns cidadãos, embriagados pelas deflagrações demagógicas, empunhem armas contra o resto do País, numa refrega fraticida que confrange os corações delicados, sacrificando, dilapidando as mais caras reservas da Pátria. A bandeira que triunfará ao de cima de todos esses transitórios arremessos da ambição impotente é a que nossos leitores podem contemplar na alegoria desta página.

Conduzido pela mocidade, agitado aos ventos generosos do quadrante pela juventude heróica que hora se bate nos campos de batalha, o pavilhão que tem sido em 40 anos de República o orgulho de todos os bons brasileiros, mais uma vez firmará bem alto o estunante civismo da nacionalidade, mais uma vez simbolizará a Pátria indivisível, grande pela extensão territorial e grande pela nobreza de seus filhos abnegados.

A bandeira do Brasil sempre foi e há de ser essa! Contra ela não prevalecerá a onda insidiosa que agora se eleva para subverter, esfacelar, destruir a obra que custou um século de perseverante obstinação, obra que resplandece aos olhos dos estrangeiros como atestado de uma raça viril e gloriosa, sempre disposta ao sacrifício, contanto que a Pátria se engrandeça e se nobilite!”.

[6] A modernização editorial buscava sintonizar as principais preocupações do momento, privilegiando a vida da cidade, com suas questões políticas e econômicas, o processo de urbanização e suas conseqüências sociais, os eventos culturais e esportivos. Nessa perspectiva, surgem, pioneiramente A Gazeta Esportiva e A Gazetinha, em 1928, e a Página Feminina, em 1929.

[7] Uma saudação da excelentíssima esposa do major Ivo Borges à mulher paulista In A Gazeta, 14 de setembro de 1932, p.1.

[8]A Gazeta, 9 de julho de 1932.

[9]A Gazeta, 15 de novembro de 1933.

[10]Afonso Arinos Melo Franco, A Alma do Tempo, Rio de Janeiro, 1961.

[11] Primeiro edifício projetado no Brasil para abrigar uma empresa jornalística.

[12] Documentário sobre o dia-a-dia do jornal A Gazeta, que mostra em detalhes sua modernidade empresarial. Foi premiado em concurso promovido pelo DIP.

[13]A Gazeta, 26 de abril de 1940.

[14]A Gazeta, 4 de setembro de 1940.

[15] A Gazeta, 9 de novembro de 1940.

[16]A Gazeta, 9 de novembro de 1940.

[17]A Gazeta, 1º de julho de 1941.

[18]A Gazeta, 27 de outubro de 1941.

[19]J. A. Wainberg, Império de Palavras - Estudo Comparado dos Diários e Emissoras Associadas, de Assis Chateaubriand, e Hearst Corporation, de William Randolph Hearst, São Paulo, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), 1996, p. 11.

[20]Id., ibid., p. 99.

[21]Todas as afirmações foram retiradas de um mesmo discurso, publicado n'A Gazeta, 27 de maio de 1940.

[22]A Gazeta, 4 de setembro de 1940.

[23]A Gazeta, 28 de julho de 1930.

[24]A Gazeta, 30 de dezembro de 1941.

[25]A Gazeta, 23 de outubro de 1941.

[26]A Gazeta, 29 de novembro de 1940.

[27] A Gazeta, 15 de janeiro de 1929.

[28]A Gazeta, edição de 30 de junho de 1941

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