Aspectos sociais do Governo FHC



Considerações sobre o Programa Social do Governo Fernando Henrique Cardoso

Profa. Maria Teresa Toribio Brittes Lemos

Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

A complexidade de se governar um país com as dimensões de um continente tem constituído um dos maiores desafios do governo Fernando Henrique Cardoso.

Ao assumir o governo, FHC apresentou à nação um projeto político-econômico orientado para o neoliberalismo e a globalização. Programas sociais foram omitidos e a sociedade passou a aguardar com ansiedade que, após as reformas econômicas, os problemas sociais fossem contemplados. Contudo, no seu primeiro mandato o caos social se ampliou, aumentando o desemprego devido às privatizações, aos salários baixos e exclusões sociais.

Movimentos sociais ameaçaram esse primeiro mandato como as invasões dos Sem Terra, greves e protestos urbanos e rurais.

Na campanha política do segundo mandato, contudo, predominou a preocupação social. Discursos inflamados e promessas de se acabar com a miséria no país através de projetos voltados para a área social reanimaram a sociedade abatida pelas falsas promessas .

Na realidade, o governo só pôde assegurar a estabilidade do Real por pouco tempo, devidos às crises conjunturais nacionais e internacionais. O desemprego acelerado e a miséria passaram a dominar a nação.

Este trabalho pretende levantar alguns aspectos pontuais que marcaram decisivamente o governo FHC como um dos mais insensíveis às questões sociais de um país que vive atualmente um dos mais fortes momentos de exclusão social de sua história.

Segundo Amélia Cohn, um tema de “ tamanha complexidade e amplitude consistiria na alternativa mais imediata de se optar por traçar um panorama e fazer um balanço das políticas e programas sociais que vêm sendo implementados desde 1994 pelo Governo FHC”[1]. A autora acredita que, dessa forma, pode-se analisar com maior clareza o programa social do atual governo e dessa maneira abordar com maior clareza os problemas que afetam a sociedade brasileira.

Entre os grandes desafios que os governantes brasileiros vêm enfrentando, nos últimos anos, destacam-se o crescimento demográfico e os problemas do inchamento das cidades devido à migração e ao êxodo rural, que contribuíram para ampliar questões fundamentais como a pobreza e as desigualdades sociais. Junto a essa situação estão a luta pelos direitos humanos e cidadania, bem como a construção de uma identidade nacional.

Nesse sentido, o governo FHC, apesar de todos os esforços empreendidos para colocar o país no patamar de primeiro mundo, não conseguiu superar esse obstáculo social. A opção adotada nos programas de cunho neoliberais dirigiu-se para o crescimento econômico e para a política externa. Assim, as crises sociais se agravaram, e se um programa emergencial não for imediatamente aplicado, a situação a curto prazo poderá tornar-se incontornável, levando-se em conta a aproximação do novo período de eleições, quando a oposição tenderá para aprofundar as críticas ao governo.

Até o momento, as propostas apresentadas pelos programas sociais não expressam a realidade do país. A preocupação do governo consiste na tentativa de implantar um novo padrão de regule a situação social, não criando frentes de trabalho, mas propostas governamentais de reforma da previdência social, que desvinculam o acesso dos cidadãos a determinados benefícios e serviços de sua inserção no mercado de trabalho (formal ou informal ), explica Amélia Cohn[2].

No entanto, a previdência social sofreu um retrocesso em relação ao seguro social, após ter alcançado o estatuto de seguridade social em 1988, uma vez que passou a vincular o acesso diferenciado ao valor dos benefícios, segundo a capacidade de poupança individual de cada um durante sua vida útil [3].

A partir de 1994 surgiu a tendência para um sistema de proteção social através da previdência social, apresentando “ distintas lógicas na sua articulação com a dinâmica macro-econômica”,[4] redefinindo-se, dessa maneira a articulação entre políticas econômicas e sociais. Assim , de um lado encontra-se o subsistema de proteção social relativo aos benefícios sociais securitários – e, portanto, contributivos; de outro, o subsistema relativo aos benefícios sociais assistenciais – e portanto, redistributivos, financiado com recursos do orçamento fiscal. Essa política consiste na articulação entre políticas econômicas e políticas sociais

Os direitos contributivos vinculam-se às diretrizes macroeconômicas, enquanto instrumento para a criação de poupança interna para se ampliar a taxa de investimento da economia; e o segundo deles, de caráter não contributivo, fica à mercê da disponibilidade – sempre escassa – de recursos orçamentários da União, afirma Cohn. No entanto, essas políticas apresentam um caráter dicotômico e se contrapõem à política econômica adotada que se refere à diminuição do déficit público, e, conseqüentemente, acabam por ter seus recursos cortados ou reduzidos, não atendendo às necessidades da sociedade.

Em sua obra O enigma do dom, Maurice Godelier analisa bem essa situação, quando critica os sistemas capitalistas, nos quais a economia, não conseguindo absorver a mão-de-obra excedente, delega ao Estado os excluídos sociais. Como o Estado também não consegue resolver esses problemas sociais, mesmo ampliando impostos e outras taxas, permite que a sociedade se encarregue dos problemas da exclusão, através de instituições caritativas ou mesmo pelo sentimento de solidariedade que os indivíduos possuem . A população passa a dar o que recebeu com seu trabalho, isto é, o dom, não recebendo nada em troca , a não ser a satisfação de ter ajudado o próximo, através da solidariedade. No entanto, a solidariedade , que pode ser entendida em sociedades primitivas , não basta para resolver os problemas sociais , gerados por uma economia que não depende apenas dela, mas de um conjunto de interesses nacionais e internacionais, nas sociedades modernas e capitalistas .

Enquanto isso ocorre, o número de excluídos sociais se amplia e, com eles, a crise social se instala. Surgem movimentos sociais de toda a ordem, urbanos e rurais. O governo é obrigado a usar o seu poder para resolver questões que poderiam ser resolvidas se tivesse havido um programa social de emprego e fixação das populações migrantes e trabalho para os desempregados.

No entanto, com as privatizações, recrudesceram as tensões, devido ao alto nível de desemprego. A classe média tornou-se cada vez mais empobrecida, perdendo seu conteúdo ideológico e unindo-se às camadas excluídas, que acreditam poder resolver à sua maneira os problemas criados por uma política econômica que não abrange a todos. Formam um “verdadeiro exército de Brancaleone”.

Surgem movimentos dos Sem Terra, dos Sem Teto, desempregados aliados ao lumpesinato. A impressão é de uma situação sem saída. Urgem programas sociais para minimizar as exclusões.

Desde 1994, quando assumiu o poder , o governo FHC vem definindo a agenda do debate público para tais problemas , mas que demonstram incapacidade de inovação na forma de se enfrentar a questão social no Brasil.

A situação social continua sendo concebida como uma série de “problemas sociais” a serem enfrentados de forma isolada e desarticulada entre si. Reproduz-se assim, a concepção segmentada da questão social e, em decorrência, a formulação e implementação de políticas sociais setorializadas sem um projeto para a sociedade que as articule e imprima um sentido político ao seu conjunto. Em vez de enfrentar a pobreza por uma ótica estrutural para a sua superação, a concepção oficial é de aliviar a pobreza dos “grupos socialmente mais vulneráveis[5] .

O governo, no entanto, não desconhece essas questões estruturais e se propôs a tratar o problema da desigualdade e da participação social, especialmente com o aprofundamento da crise fiscal e as mudanças da economia mundial. As reformas econômicas passaram a dominar a agenda dos diferentes governos, mas só se transformaram em propostas legislativas no governo FHC. Porém , como afirma Limongi, políticas redistributivas não estavam contempladas e a diminuição das desigualdades sociais, na visão do governo, dependia diretamente da resolução dos problemas econômicos e da manutenção da estabilidade[6].

No entanto, o sucesso eleitoral do Plano Real, em 1994, e seus efeitos imediatos sobre o poder de compra dos segmentos menos privilegiados da população garantiram a autonomia do governo na implementação de sua agenda legislativa. Mas o aprofundamento dos efeitos da crise teve reflexos imediatos no Congresso, aumentando as divergências na base do governo. O Congresso, mesmo pretendendo atender a essas demandas , tem pouca autonomia para priorizar as políticas públicas. E o impasse é criado. Como resolver o problema das exclusões sociais com os desencontros entre os Poderes Públicos e a ausência de Políticas Públicas? Limongi enfatiza que “ introduzir barreiras de entrada no sistema político poderia restringir ainda mais o papel que o Congresso Nacional exerce sobre a definição da agenda do Governo”[7].

Para maior entendimento do programa social do governo FHC, de 1994 aos dias atuais, os quadros abaixo , explicitam bem essa situação.

Quadro I

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Quadro II

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Considerações:

As tabelas evidenciam a carência de investimentos em programas sociais e justificam os conflitos que se aceleraram nos últimos meses. A insatisfação da sociedade com o descumprimento das promessas eleitorais, o achatamento das camadas médias e o aumento da exclusão, somando-se a essa situação a violência que assola as grandes cidades, evidenciam que a estrutura social encontra-se abalada.

Enquanto essa situação caótica não está sendo resolvida, greves e conflitos como invasões de terras abalam a segurança social e colocam em risco o prestígio do governo FHC.

Bibliografia

Cohn, Amélia – As políticas Sociais no Governo FHC. S.P., USP, 2000

Limongi, Fernando e outros – Governabilidade e concentração de poder institucional- o Governo FHC S.P., USP, 2000

Sallum, Brasilio Jr. – O Brasil sob Cardoso. SP., Revista de Sociologia ( 11/12, 1999

Toledo, Roberto Pompeu – O Presidente Segundo o Sociólogo.SP;., Cia das Letras, 1998

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[1] Cohn, Amélia – p. 183

[2] - Idem, op. cit., p.184

[3] - Cohn, Amélia.2000, Tempo Social, USP, p. 185

[4] Idem, op. cit., p.186

[5] -Limongi< Fernando et alii, – Governabilidade e Concentração de Poder Institucional –O Governo FHC.2000, Tempos Social, SP.,p.52

[6] - Idem , op. cit., p.60

[7] Idem, op. cit., p. 61

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