Barra da Tijuca (RJ), Plano Piloto, Legislação e Realidade: o ...

Revista VITAS ? Vis?es Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade ? uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano III, N? 6, abril de 2013

Barra da Tijuca (RJ), Plano Piloto, Legisla??o e Realidade: o processo de urbaniza??o, ocupa??o e suas consequ?ncias ambientais.

Tatiana Fernandes1 tfdsilva@

Resumo: este artigo historia o processo de urbaniza??o da Barra da Tijuca, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, e tem por base a compara??o entre seu Plano Piloto elaborado pelo arquiteto L?cio Costa em 1969 e a realidade atual da regi?o, observando contradi??es, continuidades e os diversos interesses em confronto: o interesse p?blico, o interesse dos empreendedores imobili?rios e as diversas motiva??es internas em luta dentro do poder p?blico da cidade do Rio de Janeiro. Ap?s in?meras altera??es no tra?ado original, por leis ordin?rias e decretos e por ocupa??es irregulares, a Barra da Tijuca ? hoje, janeiro de 2013, um bairro denso, com elevado crescimento demogr?fico, segrega??o social e territorial, fragmenta??o do tecido urbano, conv?vio urbano restrito a condom?nios fechados e shopping-centers, prec?rios servi?os p?blicos, rodoviarismo e degrada??o ambiental. Tendo por base te?rica o Direito Urban?stico, o texto parte do Decreto-lei 42/1969 do Estado do Rio de Janeiro, que aprovou o planejamento urban?stico, do exame do projeto elaborado por L?cio Costa e dos principais documentos legais (decretos municipais, leis ordin?rias e resolu??es) que alteraram normas e padr?es de ocupa??o do plano original, para por fim focalizar as modifica??es mais recentes (20012012) e as altera??es provocadas pelas obras para as Olimp?adas de 2016. Conclui-se que a urbaniza??o da regi?o tem se processado em descompasso com os princ?pios da Constitui??o Federal (CF, de 1988), com o Estatuto da Cidade (Lei federal n? 10257/2001) e com o Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro (1992). A hip?tese que orientou a pesquisa foi a de que as novas interven??es urbanas na Barra e o teor do novo Plano Diretor da cidade, de 2011, s?o uma continuidade de pr?ticas, que n?o se pautam pelos princ?pios consagrados no Estatuto da Cidade, n?o atendem ? popula??o de baixa renda e continuam a degradar o ecossistema local.

Palavras-chave: Barra da Tijuca, Plano Piloto, urbaniza??o, Rio de Janeiro, ambiente.

1 O artigo tem por base a disserta??o da autora, apresentada para a obten??o de mestrado em Sociologia e Direito no Programa de P?s-Gradua??o em Sociologia e Direito - PPGSD-UFF, em mar?o de 2013.

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Abstract: this paper focuses on the contradictions between urban law and urban reality in Barra da Tijuca, a neighborhood in the city of Rio de Janeiro, through the description of its master plans. Keywords: Barra da Tijuca; Rio de Janeiro; Master Plan; Urbanization; urban environment;

Este artigo mostra de forma resumida o processo de urbaniza??o e zoneamento da Baixada de Jacarepagu? e Barra da Tijuca desde a elabora??o do Plano Piloto elaborado pelo arquiteto L?cio Costa, em 1969, at? a atualidade, maio de 2013. Para tanto, tra?a um paralelo entre o que foi projetado pelo arquiteto e a realidade atual da regi?o, destacando as principais legisla??es envolvidas no processo de urbaniza??o da localidade bem como as in?meras transforma??es de ordem espacial, urbana e ambiental.

O processo de urbaniza??o e zoneamento da Baixada de Jacarepagu? e Barra da Tijuca teve in?cio em 23 de junho de 1969, atrav?s do Decreto-Lei n. 42, sancionado pelo governador do ent?o Estado da Guanabara, Francisco Negr?o de Lima. O artigo 1? do citado decreto determinava que a elabora??o e apresenta??o do Plano Piloto para a localidade seria do arquiteto L?cio Costa.

O objetivo prec?puo desenvolvido por Costa para a regi?o era controlar a expans?o urbana e preservar a ecologia do lugar, uma vez que a ?rea era uma das ?ltimas dispon?veis para onde a cidade poderia se expandir. Nesta ?poca o munic?pio do Rio de Janeiro crescia rapidamente, dominando os espa?os naturais. As autoridades locais acharam necess?ria a expans?o da cidade para uma ?rea ainda muito pouco habitada, a Baixada de Jacarepagu?, j? que a cidade "derramava-se como um l?quido pela Zona Norte e se comprimia contida entre vales e as praias da Zona Sul"2 A ocupa??o, que passaria a ser irrevers?vel, foi conduzida com o intuito de dar continuidade a orla da Zona Sul, expandindo a ?rea residencial mais valorizada do Rio de Janeiro.

O projeto, modernista assim como o de Bras?lia, utilizou conceitos estabelecidos na Carta de Atenas e no zoneamento, calcado na corrente do pensamento de Le Corbusier, que acreditava que a arquitetura deveria ter uma vis?o social, baseada nas essencialidades humanas, na felicidade do homem. L?cio

2 COSTA, L?cio. Plano Piloto para a urbaniza??o da Baixada compreendida entre a Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepagu?. Estado da Guanabara. 1969. p. 03.

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Costa projetou a Baixada de Jacarepagu? e Barra da Tijuca dividindo-as em ?reas onde os habitantes pudessem circular, morar, trabalhar e se recrear. Para isso criou n?cleos residenciais espa?ados e avenidas largas, sem sinaliza??o. O principal meio de transporte, tal como em Bras?lia, seria o autom?vel que iria trafegar livremente, sem tr?nsito. Elaborou-se um mapa (desenho, foto abaixo) com 43 itens que entendeu essenciais para a urbaniza??o da regi?o.

(Projeto

L?cio

Costa.

Dispon?vel

em

. 1

Acesso em: 10 ago. 2012). 1.Centro Metropolitano da Guanabara; 2. Centro C?vico;

3. Pedra da Panela (tombada); 4. Dois Irm?os; 5. Cortina de Ficus ? Benjamina; 6. ?rea de expans?o

urbana; 7. ?rea Reservada; 8. Renques de Palmeiras Imperiais; 9. Aeroporto executivo; 10. Bosque;

11. Expo -72 ? Universidade vinculada a secretaria de C & T3; 12. Museu; 13. DER; 14. Centros da

Barra e de Sernambetiba; 15. N?cleos Residenciais ? apartamentos; 16. Lotes residenciais; 17.

Utilidade p?blica ou privada; 18. BR ? 101; 19. N?cleos de torres residenciais; 20. N?cleos de casas

isoladas; 21. Pedra Ita?na ? ?rea preservada; 22. Morro do Portela; 23. ?reas urbanizadas e

arboriza??o; 24. Ancoradouros; 25. Entrada de Guaratiba (Bandeirantes.); 26. ?rea a estudar; 27.

Golf; 28. Engenheiro D ?gua (tombado); 29. Capela N. S. da Pena; 30. Bairro Prolet?rio a arborizar;

31. Ind?strias n?o nocivas; 32. Freguesia de Jacarepagu?; 33. Largo Pechincha - Jacarepagu?; 34.

Largo do Tanque - Jacarepagu?; 35. Largo do Taquara - Jacarepagu?; 36. Metr? - Espa?o Central;

37. Mono - Trilho Madureira - Gale?o; 38.Estrada de Jacarepagu?; 39. ?rea agr?cola ? Ch?caras e

S?tios; 40. Futura orla hoteleira; 41. Reserva biol?gica; 42. Aut?dromo existente; 43. Feira

Permanente dos Estados.)

3 Universidade vinculada ao secretariado de Ci?ncias e Tecnologia.

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Costa n?o queria que a Barra da Tijuca tivesse uma urbaniza??o igual a do bairro de Copacabana, onde linhas de pr?dios bloqueiam a vista e a circula??o da brisa mar?tima. Para isso, a Avenida Litor?nea, "entre a praia e a lagoa ou o canal de Marapendi", deveria ser mantida ao natural e sem pavimenta??o para se incorporar ao ambiente agreste das dunas ao longo das praias e para n?o bloquear a vista do mar dos demais quarteir?es. Jamais seria uma rua de m?o dupla, com retorno e constru??o de canteiro central. Na urbaniza??o da orla tamb?m estava prevista a edifica??o de hot?is nos dois extremos da faixa litor?nea.

As constru??es j? existentes nos loteamentos Tijucamar, Jardim Oce?nico e Recreio dos Bandeirantes, como possu?am terreno arenoso, deveriam plantar amendoeiras que n?o poderiam ser podadas. O arquiteto esperava que, com o plantio das amendoeiras, posteriormente os pr?prios moradores contribuiriam com a arboriza??o com o cultivo de cajueiros e coqueiros, o que criaria um o?sis acolhedor que ajudaria na composi??o paisag?stica do conjunto. Essa mesma determina??o tamb?m deveria ser seguida pela Cidade de Deus. Inspirado pela defesa da paisagem, Costa inadmitia o posteamento em toda a ?rea do Plano, mesmo que fosse a t?tulo prec?rio, uma vez que todas as instala??es deveriam ser subterr?neas.

As terras de Vargem Grande, Vargem Pequena e os campos de Sernambetiba seriam ?reas de cultivo, destinadas a s?tios, granjas e ch?caras. Seria criado nesta localidade um plano paralelo para habita??es populares, que teriam toda a infraestrutura e que seriam constru?das com recursos do Banco Nacional de Habita??o (BNH). Em 1976, na gest?o de Marcos Tamoyo, chegou-se a pensar na realiza??o desse projeto. Contudo, como esclarecem Ger?nimo Leit?o e Vera Rezende, a regi?o possui solo "inadequado (turfa), que encarece o seu aproveitamento para constru??es de baixo pre?o"4.

O plano de L?cio Costa determinava que a reserva biol?gica de Jacarepagu? se mantivesse protegida bem como a ?rea do Bosque da Barra. O Plano expressava a preserva??o do meio ambiente utilizando-se da palavra "agreste"; falava em monumentos naturais e na cria??o de parques p?blicos. O arquiteto queria abund?ncia de ?reas verdes cont?nuas e sempre que poss?vel, in natura. Costa

4 LEIT?O, Ger?nimo; REZENDE, Vera. Planejamento e realiza??o da Barra da Tijuca como espa?o residencial, evolu??o e cr?tica de um projeto para uma ?rea de expans?o da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. UFF.

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tinha o compromisso em manter a vegeta??o original at? o limite que considerava poss?vel para uma ?rea urbanizada.

Numa vis?o socialista, Costa acreditava que aquilo que projetou seria para todos, mas, na pr?tica, o que ocorreu foi que a Barra da Tijuca n?o foi realizada para a classe de baixa renda que precisa do transporte p?blico para se locomover: houve uma urbaniza??o sem transporte de massa, pois pouco foi pensado nela. Verificou-se aqui o mesmo equ?voco ocorrido em Bras?lia, pois o arquiteto criou a capital do pa?s, mas, n?o, as cidades sat?lites. Essas foram constru?das da mesma forma que as favelas, pela exclus?o s?cio espacial.

Para colocar em pr?tica o projeto elaborado por L?cio Costa, foi criado no mesmo dia da promulga??o do Decreto-lei n. 42, o Grupo de Trabalho para a Baixada de Jacarepagu? (GTBJ), ?rg?o do qual o arquiteto foi consultor, e que ficou encarregado de coordenar e dirigir a implanta??o do plano. Com isso, os propriet?rios de lotes, com o objetivo de definir os aproveitamentos de suas ?reas, passaram a procurar o GTBJ que, junto com Costa, determinavam os projetos que seriam aprovados para a regi?o, uma vez que o plano urban?stico apenas tra?ava diretrizes gerais, que deveriam ser detalhadas na medida em que os projetos eram apresentados.

Em 05 de mar?o de 1976, foi promulgado o Decreto n? 322 que instituiu que a Baixada de Jacarepagu? e Barra da Tijuca seria considerada Zona Especial ? 5; no mesmo dia foi sancionado o Decreto n. 324, que determinou a aprova??o das instru??es normativas de uso, sua intensidade e parcelamento de toda a ZE-5, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Planejamento e Coordena??o-Geral (SUDEBAR) e dividiu a ?rea em 46 subzonas. Para cada uma dessas 46 subzonas seriam definidos caracter?sticas, limites, parcelamento do solo, uso, intensidade, tipos de edifica??es e gabaritos pr?prios. O objetivo era priorizar obras de implanta??o da subesta??o de g?s, duplica??o da atual Ayrton Senna e atual Avenida Salvador Allende e a extens?o de toda a rede de abastecimento de ?gua, pela Companhia Estadual de ?gua e Esgoto. Para atender aos interesses do setor imobili?rio este decreto incluiu ?ndices urban?sticos mais atraentes para a constru??o civil. Come?aram, assim, as primeiras grandes modifica??es no plano urban?stico do arquiteto e Costa se desligou do seu acompanhamento, declarando posteriormente em entrevista seu desapontamento.

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