Eudes Quintino de Oliveira Júnior*

[Pages:10]Revista

- Centro Universit?rio S?o Camilo - 2011;5(4):401-410

ARTIGO ORIGINAL/ RESEARCH REPORT/ ART?CULO

Aspectos ?ticos e legais da clonagem

Ethical and legal aspects of cloning

Aspectos ?ticos y legales de la clonaci?n

Eudes Quintino de Oliveira J?nior*

RESUMO: A evolu??o da tecnologia aliada ? incessante transforma??o do pensamento do homem gera uma ?rea de atritos constantes. Se, por um lado, s?o apresentadas conquistas que beneficiam o homem, lastreadas no non nocere, trazendo benef?cios incont?veis ? sa?de e ? longevidade com qualidade, por outro lado, perigosamente, avan?a por caminhos ainda n?o desbravados e que suscitam interesses cient?ficos que refogem da periferia ?tica, como, por exemplo, a clonagem humana. Em um repente, o homem se v? com as m?os em uma tecnologia apropriada para realizar sua pr?pria reprodu??o, em uma nega??o absoluta da alteridade, apresentando, dessa forma, uma modalidade diferenciada de cria??o de vida. At? h? pouco tempo a morte ocorria por doen?as j? vencidas pela medicina e ainda ocorre em rela??o a outras que ainda n?o foram debeladas, mas, mesmo assim, em uma invers?o total, parece ser mais f?cil clonar um ser humano do que cur?-lo. O homo medius, aquele balizador das investidas cient?ficas, pela sua pr?pria natureza, pelos princ?pios que abra?a, encontra-se diante de um mar de incertezas e necessita de informa??es id?neas para avalizar corretamente sua postura como destinat?rio de tamanha inger?ncia em sua vida. A clonagem humana, em suas modalidades, deve ser dissecada, com explica??es detalhadas a respeito de sua utiliza??o. O pensamento ?tico, como julgamento da necessidade e conveni?ncia da medida, ? o primeiro a aflorar e proferir o exame prelibat?rio a respeito da nova medida cient?fica. A ?tica aqui ? vista de forma caleidosc?pica, compreendendo a esfera individual e a coletiva, com a inten??o de se atingir um denominador consensual. Pode-se acrescentar a ela o pensamento bio?tico, revisitado em toda sua estrutura principalista, que tem por finalidade apresentar sua manifesta??o, estrat?gias de abordagens e considera??es a respeito de tamanho avan?o cient?fico e extrair as conclus?es a respeito da utilidade ? vida e sa?de humanas e, ao mesmo tempo, apontar eventuais consequ?ncias nefastas. Por fim, como que fechando o ciclo de avalia??o a respeito da clonagem humana, faz-se necess?ria a normatiza??o jur?dica, tendo como par?metros os princ?pios e fundamentos da Constitui??o Federal que, ap?s reconhecer a permissibilidade da realiza??o da pesquisa cient?fica, estabece limites ? ci?ncia, que n?o poder? invadir a esfera de prote??o do ser humano e provocar preju?zos a ele e ? pr?pria humanidade. Dessa forma, todo o avan?o da biotecnologia e da biotecnoci?ncia deve acompanhar a evolu??o gradativa do homem e t?-lo como destinat?rio provido de seguran?a, sem contrariar sua natureza e dignidade. PALAVRAS-CHAVE: Clonagem Humana. ?tica. Clonagem - legisla??o & jurisprud?ncia.

ABSTRACT: The evolution of technology added to the incessant transformation of human thought generates an area of constant attritions. If, on the one hand, we are presented with conquests that benefits humans, based in non nocere, which bring countless benefits to health and longevity with quality, on the other hand there is a dangerous advance of ways not yet tamed that excite scientific interests that do not respect ethics, such as, for example, human cloning. Suddenly men have a technology appropriate to carry through their very reproduction, in an absolute negation of alterity, a differentiated modality of life creation. Until recently death was caused by diseases already conquered by medicine and it still happens due to diseases already incurable. Nevertheless, in a total inversion, it seems to be easier to clone a human being than to cure her. Homo medius, that maker of scientific onslaughts, has to face, due to its very nature and the principles that are accepted, a sea of uncertainties; and she needs reliable information to correctly guarantee her position as addressee of so great an interference in her life. Human cloning, in its modalities, must be dissected, with detailed explanations regarding its use. Ethical thought, as the judgment of the necessity and convenience of this procedure, is the first to arise and to pronounce the prelibatory examination regarding the new scientific procedure. Ethics is seen here in a kaleidoscopic way, integrating both the individual and the collective sphere, with the aim of reaching some consensual decision. One may add bioethical thought, revisited in all its principialist structure, having as purpose to present its manifestation, approaching strategies of and reflection regarding so great a scientific advance in order to reach conclusions concerning the utility of human life and health and, at the same time, to point eventual ominous consequences. Finally, as if closing the cycle of evaluation regarding human cloning, legal normalization becomes necessary, having as parameters the principles and grounds of the Federal Constitution, which, after recognizing the permissibility of the accomplishment of scientific research, proposes limits to science, in order for it not be able to invade the sphere of protection of human beings and bring damages to them and even to mankind as a whole. In such a way, all advances in biotechnology and biotechnoscience must follow the gradual evolution of humans and have them as addressees provided with security, without opposing their nature and dignity. KEYWORDS: Cloning, Organism. Ethics. Cloning, Organism - legislation & jurisprudence.

* Doutor em Ci?ncias da Sa?de, pela Faculdade de Medicina de S?o Jos? Rio Preto, SP. P?s-doutorando em Ci?ncias da Sa?de, pela Faculdade de Medicina de S?o Jos? do Rio Preto, SP. Mestre em Direito P?blico pela Universidade de Franca, SP. Promotor de Justi?a aposentado pelo Estado de S?o Paulo. Reitor do Centro Universit?rio do Norte Paulista, SP. E-mail: eudesojr@

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RESUMEN: La evoluci?n de la tecnolog?a agregada a la transformaci?n incesante del pensamiento humano genera un ?rea de constantes conflictos. Si, por una parte, nos presentan conquistas que benefician a los seres humanos, basadas en el no nocere, que traen ventajas incontables a la salud y a la longevidad con calidad, por otra parte hay un avance peligroso de maneras no todav?a domesticadas que excitan los intereses cient?ficos que no respetan la ?tica, por ejemplo, la clonaci?n humana. Los hombres tienen repentinamente una tecnolog?a apropiada a llevar a la reproducci?n de si mismos, en una negaci?n absoluta de la alteridad, una modalidad distinguida de creaci?n de vida. Hasta hace poco tiempo la muerte era causada por enfermedades conquistadas ya por la medicina y todav?a eso sucede debido a enfermedades a?n incurables. Sin embargo, en una inversi?n total, parece ser m?s f?cil reproducir a un ser humano que curarlo. Homo medius, ese fabricante de grandes avances cient?ficos, tiene que hacer frente, debido a su misma naturaleza y a los principios que acepta, a un mar de incertidumbres; y necesita informaciones confiables acerca las necesidades para garantizar correctamente su posici?n como destinatario de tan grande interferencia en su vida. Se debe disecar la clonaci?n humana, en sus modalidades, con explicaciones detalladas respecto a su uso. El pensamiento ?tico, como juicio de la necesidad y de la conveniencia de este procedimiento, es el primer a presentarse y pronunciar un examen anticipatorio respecto el nuevo procedimiento cient?fico. Se consideran aqu? la ?tica de una manera caleidosc?pica, integrando la esfera individual y colectiva, a fin de lograr cierta decisi?n consensual. Uno puede agregar el pensamiento bio?tico, nuevo en toda su estructura principialista, con el prop?sito de presentar su manifestaci?n, acerc?ndose a estrategias y a la reflexi?n respecto a tan grande avance cient?fico para alcanzar conclusiones referentes a la utilidad de la vida y de la salud y humana as? bien se?alar eventuales consecuencias siniestras. Finalmente, como cierre del ciclo de evaluaci?n con respecto a la clonaci?n humana, la normalizaci?n legal llega a ser necesaria, teniendo como par?metros los principios y los argumentos de la Constituci?n Federal, que, despu?s de reconocer la permisibilidad de la realizaci?n de la investigaci?n cient?fica, propone l?mites a la ciencia, para que ella no invada la esfera de la protecci?n de los seres humanos y produzca da?os a ellos e incluso a la humanidad en conjunto. De esta manera, todos los avances en biotecnolog?a y biotecnociencia deben seguir la evoluci?n gradual de los seres humanos y tenerlos como los destinatarios, les proporcionando seguridad, sin oposici?n a su naturaleza y dignidad.

PALABRAS-LLAVE: Clonaci?n de Organismos. ?tica. Clonaci?n de Organismos - legislaci?n & jurisprudencia.

INTRODU??O

Os tempos mudam, j? anunciava o poeta Virg?lio, e n?s mudamos com o tempo.

Os avan?os da biotecnologia e da biotecnoci?ncia ganham corpo e projetam-se em muitas ?reas da sa?de, principalmente na engenharia gen?tica, iniciada ap?s a decifra??o do DNA. H? um fasc?nio incontrol?vel do pesquisador em vencer todas as barreiras que se apresentam e, a um s? tempo, encontrar tecnologias conceptivas que sejam seguras e vi?veis, com o total controle sobre o patrim?nio gen?tico. Se, de um lado, v?o abrir novas alternativas para que sejam aplicadas na solu??o da infertilidade, a fim de que o cidad?o possa exercer seu direito de procria??o, por outro, em raz?o dos caminhos obscuros que v?o percorrer, h? necessidade de se tra?ar limites que protejam o ser humano.

O homem, pelo seu pr?prio comportamento e em raz?o da intelig?ncia de que ? dotado, carrega uma caracter?stica investigativa e pesquisadora voltada para conhecer os mist?rios que o desafia e rondam seu mundo exterior. Quer penetrar em todos os segredos da natureza, dominar os mares, ares, montanhas, ?rvores, animais e tudo mais, em uma verdadeira opera??o de cabo de guerra, em que, for?osamente, devem prevalecer sua conquista e superioridade. Mas, nem sempre consegue atingir seus objetivos. Nada pode fazer diante de um terremoto, de um tsunami,

de uma tempestade, de uma erup??o vulc?nica, a n?o ser, preventivamente, comunicar a imin?ncia do perigo. Mas, mesmo assim, prevalece a figura do dominador, do senhor gerenciador de todos os fen?menos naturais, sem freios e contrapesos. Se conseguiu benef?cios para aperfei?oar e otimizar sua vida, acumula preju?zos, pois deixa de recompor e preservar a natureza, que tem suas pr?prias e imut?veis regras.

O conhecimento vai refinando cada vez mais e o esp?rito desbravador se volta para a descoberta do pr?prio homem. O nosce te ipsum, que ilustra o frontal do Or?culo de Delfos, empresta seu significado e aliando-se ?s t?cnicas revolucion?rias da biotecnologia e da biotecnoci?ncia vai ? busca de um progresso que ultrapassa e em muito o "Humano, demasiado humano", profetizado por Nietzche. Agora, o homem passa a ser pesquisador de si mesmo e intensifica suas pesquisas para desvendar as curas de doen?as consideradas irrevers?veis, que ? o desejo de toda humanidade e, ao mesmo tempo, sorrateiro, caminhando na contram?o da ?tica, tenta fazer um pacto com as c?lulas para entrar em seu universo, conhecer suas fun??es e seus comandos gen?ticos, com a correta distribui??o dos genes. ? a era do homo digitas:

"O incessante avan?o das pesquisas m?dicas", acentua Oliveira J?nior1, "principalmente na ?rea da gen?tica humana, obriga o cidad?o a fazer uma reflex?o de sua realidade e a se transportar para a nova era

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liderada pela biotecnoci?ncia, onde medicina, direito e ?tica se entrela?am t?o espetacularmente e rompem a barreira do inimagin?vel, acabando por afetar at? ent?o os pacatos conceitos do homem, pela complexidade de seus meios e resultados. Mal d? tempo para se aceitar determinado procedimento m?dico evolutivo, que outro se faz presente e, em nome da ci?ncia, atropela todo o lento racioc?nio do homem, destinat?rio da pesquisa, que fica sem qualquer condi??o de fazer a avalia??o necess?ria de sua conveni?ncia, tamanha s?o as propostas sedutoras".

CLONAGEM HUMANA

A clonagem humana vem ? tona e se apresenta como um novo desafio. De origem do voc?bulo grego kl?n, significa novo broto, rebento, ramo pequeno, uma r?plica, c?pia, no sentido de deriva??o de um ente origin?rio. Pode-se dizer que a clonagem ? uma forma de reprodu??o assexuada visando conseguir uma r?plica da pessoa que cedeu seu material procriativo. Houaiss2, em uma defini??o concisa de clone, assim conceituou: "indiv?duo geneticamente id?ntico a outro, produzido por manipula??o gen?tica". J? em uma defini??o mais t?cnica apresentada pelo Dicion?rio de Bio?tica3,

"a clonagem, em sentido pr?prio, consiste em tomar um ov?cito, priv?-lo do seu n?cleo e substitu?-lo pelo n?cleo de uma c?lula som?tica, quer dizer, pertencente a qualquer tecido do organismo, induzindo a multiplica??o e diferencia??o embrional".

O tema ? incandescente e envolve aspectos culturais, religiosos, legais, m?dicos, morais, ?ticos e sociais, trazendo em cada segmento suas posi??es inquebrant?veis. O padr?o moral da comunidade vem geralmente acompanhado de um preceito legal que regulamenta a tessitura da vida social. Por essa raz?o, lei e moral ocupam praticamente o mesmo terreno, algumas vezes minado ou movedi?o, mas com o mesmo empenho de criar padr?es que sejam comuns e fundamentais. O labirinto do conhecimento humano abre caminhos at? ent?o desconhecidos, que para serem trilhados necessitam da autoriza??o do pr?prio homem, que ir? ponderar a respeito da conveni?ncia, utilidade e necessidade, formando, assim, uma plataforma ?tica que servir? de sustenta??o para a elabora??o legislativa.

A primeira leitura que se faz da "feitura" do ser humano, vem do relato b?blico Gn 2:21-224:

"Ent?o o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre o homem, e este adormeceu; tomou-lhe, ent?o, uma das costelas, e fechou a carne em seu lugar e da costela que o Senhor Deus lhe tomara, formou a mulher e a trouxe ao homem".

O verbo "formar", empregado no verso b?blico, chega a ser um pouco severo, assim como, sem explica??o cient?fica a utiliza??o da costela para fazer nascer outro ser humano, mas por ser uma obra divina, a aceita??o ? indiscut?vel. A explica??o prov?vel foi dada por Krauss5:

Na utiliza??o de `costela' como mat?ria-prima ocorre, possivelmente, um trocadilho que se perdeu j? na l?ngua hebraica (e nas l?nguas modernas), mas na forma primitiva da hist?ria foi mantida. Na escrita cuneiforme sum?ria, o sinal para `costela' ? id?ntico ao da `vida'.

Aldous Huxley, na obra Admir?vel Mundo Novo, publicada em 1932, narra o futuro hipot?tico no qual as pessoas s?o pr?-condicionadas biologicamente e at? cogitou a respeito da utiliza??o de ?rg?os humanos para atingir a perfei??o de seus personagens. Vislumbrava, naquela ?poca, uma engenharia gen?tica reprodutiva avan?ada, em que os genes de uma terceira pessoa s?o implantados no ovo fecundado ou no embri?o. Com tal expediente, a crian?a carregar? os genes do pai, da m?e e de uma terceira pessoa superdotada, com a finalidade de "aprimorar" a ra?a humana. Na realidade, iria cindir a humanidade entre os "seres melhorados" e os "n?o melhorados".

A clonagem pode ser terap?utica com o intuito de n?o reproduzir um ser humano e sim de criar embri?es com a finalidade de extrair deles as chamadas c?lulas-tronco para combater doen?as degenerativas, como Mal de Alzheimer, Parkinson, diabetes e outras. H? in?meras linhas de pesquisas voltadas para as hematopo?ticas e com apresenta??o de resultados animadores. Discute-se, no entanto, a respeito da utiliza??o das c?lulas-tronco embrion?rias, discuss?o essa que atinge o pr?prio conceito de in?cio da vida humana, que durante muito tempo ficou oscilando entre convic??es m?dicas, religiosas, cient?ficas, filos?ficas, ?ticas e jur?dicas.

O Supremo Tribunal Federal foi chamado para decidir a pol?mica quest?o na A??o Direta de Inconstitucionalidade e, segundo a explica??o de Oliveira J?nior6, vem a ser a discuss?o judicial "envolvendo a utiliza??o de c?lulas-tron-

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co embrion?rias para fins de pesquisa e terapia, nos casos de embri?es humanos produzidos por insemina??o in vitro, que n?o fossem utilizados no procedimento de procria??o, ou que sejam invi?veis para essa finalidade, al?m de estarem congelados h? tr?s ou mais anos, com a aquiesc?ncia dos genitores", conforme permissivo legal do artigo 5? da Lei No. 11.105, de 24 de mar?o de 20057.

O relator, ministro Carlos Ayres Brito, em extenso e fundamentado voto, decidiu que a vida humana ? confinada em duas etapas: entre o nascimento com vida e a morte encef?lica, per?odo em que a pessoa ? revestida de personalidade jur?dica, que a ela confere direitos e obriga??es na vida civil. Evidenciou ainda, o ministro julgador, que o thema probandum estava ligado aos embri?es congelados e que n?o ser?o utilizados.

O ?nico futuro, sentenciou ele, ? o congelamento permanente e descarte com a pesquisa cient?fica. Nascituro ? quem j? est? concebido e que se encontra dentro do ventre materno. N?o em placa de petri. Enfatizou, finalmente, que "embri?o ? embri?o, pessoa humana ? pessoa humana e feto ? feto. Apenas quando se transforma em feto este recebe tutela jurisdicional8.

Os demais ministros, que se guiaram pelo voto do relator, tamb?m deixaram transparecer que a vida tem in?cio in ventre e n?o in vitro. O locus definidor passou a ser intra?tero, casulo acolhedor do embri?o, proporcionando a ele todas as condi??es para seu desenvolvimento. Extra?tero n?o h? vida. O embri?o congelado, dessa forma, n?o ir? se desenvolver, confinado no "botij?o de nitrog?nio" para armazenamento ? local impr?prio para se ter vida ? pode ser considerado um conjunto de c?lulas procriativas. Somente com a transfer?ncia posterior para o ?tero ? que se concebe a vida.

Mas a preocupa??o que se apresenta ? a destrui??o dos embri?es, capitaneada pelo pensamento crist?o, ao que tudo indica, em raz?o da pr?pria evolu??o da ci?ncia, n?o ser? duradoura. As c?lulas-tronco embrion?rias ou som?ticas carregam uma linhagem diferenciada. S?o pluripotentes e, por serem jovens, apresentam uma potencialidade acentuada porque ainda n?o se especializaram, quer dizer, n?o exerceram nenhuma fun??o. Al?m disso, como ferramentas de multiutilit?rias, podem se ajustar a qualquer tipo de c?lula. S?o resultantes de um procedimento de fecunda??o em laborat?rio dos ?vulos da mulher e do s?men do homem. Ao lado das embrion?rias, as c?lulas adultas

encontradas na medula ?ssea e no sangue do cord?o umbilical, em algumas linhas de pesquisa, v?m apresentando bons resultados na produ??o de ?rg?os e tecidos humanos. Para fugir desse embate, cientistas procuram solu??es vi?veis para afastar do dilema ?tico da utiliza??o de c?lulas embrion?rias. Recentemente, nos Estados Unidos, foi desenvolvida uma t?cnica para reprogramar c?lulas adultas com as caracter?sticas das c?lulas-tronco embrion?rias, com a capacidade de formar qualquer tecido do corpo humano. Se vingar a pesquisa, as c?lulas normais ser?o convertidas em embrion?rias sem a necessidade de utiliza??o de embri?es humanos, al?m de fazer cair por terra a discuss?o moral e ?tica que reveste o assunto.

Mais al?m, um grupo de cientistas dos EUA, liderado por Craig Venter, descobriu a primeira c?lula viva sint?tica. Os cientistas sequenciaram o DNA de uma bact?ria e guardaram suas informa??es gen?ticas em um computador para, ap?s, injetar em uma c?lula de outra bact?ria, que teve seu DNA extirpado. No movimento seguinte, o micr?bio oco foi reiniciado e passou a replicar, dando origem ao nascimento de c?lulas sint?ticas. "O feito de Venter parece liquidar o argumento de que a vida requer uma for?a ou um poder especial para existir. Na minha vis?o, isso o torna um dos feitos cient?ficos mais importantes da hist?ria da humanidade", disse o bioeticista Arthur Caplan, da Universidade de Pensilv?nia. Ele comentou o estudo para a revista Nature.

A clonagem reprodutiva j? ? diferenciada da terap?utica e dela guarda uma abissal dist?ncia. Trata-se de se obter com a manipula??o gen?tica, em procedimento de reprodu??o assexuada, a cria??o de um ser id?ntico a outro j? existente, conservando o mesmo c?digo gen?tico. A pr?tica ? condenada universalmente, tanto pelo censo ?tico, como pela legisla??o.

VIS?O ?TICA DA CLONAGEM HUMANA

O ?thos, eos-ous, na sua an?lise estrutural, nada mais era do que o costume, a tradi??o, ambos voltados para a moral. Seria, em um linguajar mais liberal, a regulariza??o moral e correta da conduta humana, passada de gera??o em gera??o, sempre procurando atingir os pontos harm?nicos da conviv?ncia. ? a realiza??o espont?nea dos bons valores que permanecem como ideal de compartilhamen-

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to. N?o ? uma obra acabada, ? um pensamento em constante evolu??o, que, com o passar do tempo, vai se aperfei?oando. N?o ? resultado de condutas codificadas, n?o se revoga, nem ? derrogada. ? resultado do pr?prio pensamento evolutivo do homem, que, na sua ess?ncia, busca a felicidade e a perfei??o. O homem, na sua inesgot?vel dimens?o, passa por uma s?rie de muta??es em seu comportamento ?tico e moral. O dinamismo, que ? pr?prio de sua natureza, propulsiona-o para frente, obrigando-o a incorporar novos pensamentos, desde que convenientes. Pode-se at? dizer que, na realidade, n?o se trata de uma fus?o de novas tend?ncias e sim do aperfei?oamento das existentes. A palavra ?tica traduz com sobras o significado que se busca. Interpreta o pensamento sempre correto, o caminhar em linha reta, sem desvios, sem qualquer movimento pendular, mirando o infinito e nele incorporando toda a conquista que seja considerada significativa para o homem. ?, portanto, mais um exerc?cio de maturidade e aprimoramento do pr?prio viver.

H?, pois, a necessidade premente de abrir novos espa?os para deixar aflorar uma ?tica condizente com a realidade atual. De nenhuma valia ? a ?tica que n?o se coaduna com o dinamismo e a evolu??o do saber humano. Na busca de melhoria da vida, a intelig?ncia humana, aliada ao esp?rito empreendedor, exige a presen?a de uma ?tica evolutiva e din?mica. Quanto maior o grau de desenvolvimento humano para alcan?ar o est?gio de bem-estar, maior ser? a elasticidade do pensamento ?tico. ? um constante caminhar lado a lado, sem qualquer esp?rito de competi??o. Da? que, universalmente ? a n?o ser em alguns casos isolados liderados mais por curiosos e desafiadores da realidade da pr?pria humanidade ?, a clonagem, na modalidade de reprodu??o, apresenta-se como um procedimento totalmente inadequado e que merece o rep?dio ?tico. Para uma tentativa de explica??o mais pr?xima da ?tica voltada para o campo da medicina de pesquisa, pode-se dizer, guardadas as propor??es, que a ?tica ? o resultado de uma reprodu??o assistida, devidamente manipulada, utilizando o "s?men do Direito" e "?vulos da Filosofia", com sucesso absoluto desde a concep??o at? o parto. O fruto inaugurar? um novo espa?o, um limbo, com tend?ncia ? purifica??o.

Se a ?tica visa, segundo Arist?teles, construir os melhores valores de conduta, exibindo como padr?o a figura do homo medius, ? incontest?vel que tudo que contraria a natureza humana, que coloca em perigo o patrim?nio

gen?tico da humanidade, ? a??o que infringe os dogmas estabelecidos universalmente. Reeditar um ser humano, com as mesmas caracter?sticas de outro j? existente, agride a finitude da pr?pria vida. O homem n?o nasceu para ser imortal, como bem delineou Simone de Beauvoir em sua obra Todos os Homens S?o Mortais e sim para ter um est?gio gradativo de vida em que ter? oportunidade de realizar muitos feitos em cada fase e buscar sua realiza??o. ?, como tudo, predestinado ao in?cio, meio e fim. O "crescei e multiplicai-vos" b?blico9 significa a procria??o envolvendo homem e mulher, com seus respectivos materiais procriativos, e n?o a utiliza??o de outro material de um deles somente.

O homem ? propriet?rio de um patrim?nio chamado corpo humano, detentor de seus atos, administrador desse inesgot?vel latif?ndio, que vem revestido de uma tutela especial que lhe confere personalidade e o torna sujeito de direitos e obriga??es. Ao mesmo tempo em que ? um patrim?nio individualizado, carrega a semente universal, que ir? proporcionar a continuidade da humanidade. Justamente pela sua unicidade, que ? a forma pela qual se apresenta diante de um grupo social e adquiri a qualidade de pessoa humana e assim se torna conhecido, com suas virtudes, predicados e defeitos, n?o pode ser reprisado e nem representado por outro modelo id?ntico. A valora??o individualizada da pessoa n?o transfere valores para outra que seja igual. A vida compreende o nascimento e a morte.

O ser humano, dessa forma, posiciona-se no n?cleo das atividades m?dico-cient?ficas, que devem pautar seu conhecimento vinculado aos padr?es ?ticos apontados pela sociedade, como tamb?m observar o juramento hipocr?tico prestado; ? o destinat?rio de toda produ??o que busca as melhores condi??es de sa?de e vida, o que impede, por si s?, o nefasto empreendimento como construtor de si mesmo. A ci?ncia ? colocada ? disposi??o do homem, que, no exerc?cio de sua autonomia de vontade, mirando os princ?pios norteadores da ?tica, vai decidir a respeito dos rumos que ela ir? percorrer, observando sempre os crit?rios de conveni?ncia e necessidade. As experi?ncias realizadas com humanos nas guerras mundiais foram suficientes para dissipar definitivamente qualquer tentativa de constru??o artificial de outro modelo. Cada homem ? uma unidade, insubstitu?vel na dimens?o estritamente pessoal de sua vida, quer seja na escolha do parceiro, quer seja na op??o vocacional, na conduta so-

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cial. N?o se qualifica o ser humano como uma verdade corporal, org?nica, racional, biol?gica ou sociol?gica. Ele ? a s?ntese da representatividade da pr?pria vida, que lhe confere o potencial para realizar suas aspira??es.

O romancista e dramaturgo tcheco Tch?pek, em sua pe?a A F?brica de Rob?s, narra o drama que experimentou a humanidade em raz?o do avan?o indiscriminado da ci?ncia, em que um pesquisador consegue dar vida ? m?quina com apar?ncia humana, que se incumbe da realiza??o de todas as tarefas e atividades do homem, desprovida, no entanto, de qualquer sentimento. Em um determinado di?logo, o diretor da f?brica, quando indagado a respeito da produ??o em s?rie de seres humanos, assim se manifestou diante de uma compradora:

Mas o velho Rossum tinha a inten??o de faz?-lo literalmente. Voc? sabe, ele queria depor Deus de uma maneira cient?fica. Era um grande materialista e por esse motivo fazia tudo isso. Ele queria simplesmente provar que n?o havia a necessidade de um Deus. Por isso ele cismou de fazer um homem tim-tim por tim-tim como n?s.

E, em seguida, arremata: "Imagine que ele inventou de fabricar tudo at? a ?ltima gl?ndula, como no corpo humano. Ap?ndice, am?dalas, barriga, coisas sem necessidade. At?... hum... gl?ndulas sexuais"10.

VIS?O LEGAL DA CLONAGEM HUMANA

O C?digo de Nuremberg, editado em 1947, foi o primeiro documento legal sinalizador ? no sentido de que todo experimento somente poder? ser realizado se tiver o consentimento de pessoa livre e capaz ?, com a finalidade de produzir resultados que sejam vantajosos para a humanidade, baseado em pesquisas realizadas anteriormente em animais, procurando sempre evitar danos desnecess?rios, com riscos aceit?veis e limitados. Foi o embasamento para o nascimento da ci?ncia da Bio?tica. O termo "bio?tica" foi introduzido pela primeira vez pelo oncologista Van Rensslaer Potter, em seu livro Bioethics. Bridge to the Future. J?, em 1970, ocupando um espa?o mais amplo, a bio?tica se intitulou ?tica das ci?ncias da vida. Essa ?tica traz em seu bojo tr?s princ?pios com total aplica??o ao tema sub studio: a) autonomia da vontade do paciente, que exige a manifesta??o de pessoa que tenha discernimento para concordar com a realiza??o de determinada

interven??o cir?rgica ou terap?utica; b) da benefic?ncia e n?o-malefic?ncia, no sentido de observar sempre a rela??o risco/benef?cio e o non nocere; c) justi?a social, no qual deve ser observada a regra da isonomia ou igualdade diante da lei. Se um determinado procedimento atendeu os objetivos com rela??o a um paciente, a outro dever? ser estendido.

A Resolu??o No. 196/96, do Conselho Nacional de Sa?de, que estabelece normas e diretrizes regulamentadoras sobre pesquisas envolvendo seres humanos, n?o pode ser olvidada. Trata-se de um documento que traz uma enorme carga do pensamento bio?tico, al?m de acompanhar as declara??es universais de prote??o aos direitos humanos e prote??o aos sujeitos de pesquisa. Justamente por ser um documento padr?o deve ser complementado pela elabora??o de outros, envolvendo ?reas tem?ticas. Mas, mesmo assim, em face da lacuna legislativa ou interpretativa, continua sendo a fonte inesgot?vel para a solu??o de conflitos entre profissionais e pacientes. Estabelece a obrigatoriedade no sentido de que o procedimento m?dico de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja pr?tica ainda n?o esteja devidamente consagrada na literatura m?dica, siga as diretrizes tra?adas na Resolu??o e que o material de estudo seja considerado como pesquisa. Criou as inst?ncias de reflex?o ?tica para os estudos em humanos: o Comit? de ?tica em Pesquisa (CEP), de composi??o multidisciplinar e contando tamb?m com a participa??o de um representante da comunidade de usu?rios, cuja finalidade ? examinar criteriosamente todos os procedimentos de qualquer natureza envolvendo seres humanos e referend?-los ou n?o; a Comiss?o Nacional de ?tica em Pesquisa (CONEP), vinculada ao Conselho Nacional de Sa?de, tem compet?ncia recursal e decis?ria a respeito dos projetos de pesquisa analisados pelo CEP.

A Constitui??o Federal, em seu artigo 1?, inciso II, erigiu ? categoria de fundamento do Estado Democr?tico de Direito o princ?pio da dignidade humana, que tem sua raiz na Declara??o Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Na??es Unidas, em 1948. A tutela conferida n?o ? destinada somente ? vida biol?gica e sim ? dimens?o moral e social do ser humano como pessoa, no ?mbito de sua liberdade e autonomia. Consistente a defini??o de dignidade humana lan?ada no Dicion?rio de Bio?tica11: "O termo `dignidade' indica um atributo universalmente comum a todos os homens, sem cujo reconhecimento n?o poder? haver liberdade nem,

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muito menos, justi?a ou paz, uma caracter?stica espec?fica nossa e que nos coloca em um grau superior em rela??o a todos os outros seres existentes na terra". ? uma carga de atributos que a pessoa humana carrega, diferenciando-a e entronizando-a em um cen?rio de prote??o para que possa desenvolver de forma conveniente seu projeto de vida, contando com o respeito do pr?ximo e a prote??o estatal.

Quando se fala em dignidade da pessoa humana ingressa-se em um universo de prote??o ilimitada, amparando direitos j? conquistados, assim como outros derivados e outros ainda que se incorporam em raz?o da mutabilidade da pr?pria sociedade. A dignidade ? a medida protetiva individualizada, com refer?ncia ? determinada pessoa com exclusividade. Assim, n?o se estende a dignidade de um ente origin?rio ao derivado, pois a tutela ? individualizada e n?o repetitiva ao mesmo ser. Cada qual decidir? a respeito de seu modelo de vida, de seus ideais e objetivos a atingir, buscando a realiza??o pessoal, familiar e profissional para que possa alcan?ar o "Bem Supremo" do homem, consistente na busca da pr?pria felicidade, segundo o pensamento de Arist?teles na ?tica Nicomaqueia. A pluralidade ? sim protegida pelos dispositivos legais, mas compreende a reuni?o de todas as singularidades diferenciadas e n?o sua repeti??o.

A Declara??o Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, em seu artigo 11, enfatiza: "N?o ser?o permitidas pr?ticas contr?rias ? dignidade humana, tais como clonagem reprodutiva dos seres humanos". No mesmo sentido a Organiza??o das Na??es Unidas (ONU), em 2005, expediu um documento proibitivo, pois acredita que a clonagem contraria a dignidade da vida humana, assim como ? incompat?vel com sua prote??o. O C?digo de ?tica M?dica3, por sua vez, em seu artigo 15, expressa taxativamente: "o m?dico n?o deve realizar a procria??o medicamente assistida com nenhum dos seguintes objetivos: criar seres humanos geneticamente modificados; criar embri?es para investiga??o; criar embri?es com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar h?bridos ou quimeras".

A Ag?ncia Nacional de Vigil?ncia Sanit?ria (ANVISA), na sua fun??o regulat?ria, editou a Resolu??o RDC No. 29/2008, criando o Cadastro Nacional dos Bancos de C?lulas e Tecidos Germinativos (BCTG) e Informa??o da Produ??o dos Embri?es Humanos produzidos por t?cnicas de fertiliza??o in vitro e n?o utilizados no respectivo procedimento, al?m de criar o Sistema Nacional de Produ??o

de Embri?es ? SisEmbrio. Tal medida tem por finalidade controlar a popula??o embrion?ria do pa?s e tamb?m estabelecer quantos embri?es poder?o ser usados para fins de pesquisa e terapia, obrigando as cl?nicas de reprodu??o humana a enviar informa??es sobre a produ??o de embri?es humanos produzidos por t?cnicas de fertiliza??o in vitro para que fiquem registrados nos Bancos de C?lulas e Tecidos Germinativos (BCTG).

A Lei de Biosseguran?a12, assim conhecida, erigiu ? categoria de crime a utiliza??o de embri?es humanos produzidos por fertiliza??o in vitro para fins de pesquisa e terapia, a n?o ser que sejam considerados invi?veis; que se encontrem congelados h? tr?s anos ou mais e sempre contando com o consentimento dos genitores. O consentimento ? exigido tanto para a capta??o do material reprodutivo, como para sua utiliza??o posterior em pesquisa e terapia. ? interessante observar que a lei usou o termo genitores, designando os pais que cederam o material para fins de procria??o somente, explicitando o permissivo legal. Tamb?m ? considerada conduta criminosa, a pr?tica de engenharia gen?tica em c?lula germinal humana, zigoto humano ou embri?o humano. ? il?cita, igualmente, a realiza??o de clonagem humana.

Reza o artigo 26 da lei referida: "Realizar clonagem humana: Pena ? reclus?o, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa".

Em 1996, na Esc?cia, com o nascimento da ovelha Dolly, o primeiro mam?fero adulto artificial e assexuado, sem a participa??o do gameta masculino no processo de clonagem, o mundo cient?fico cuidou em proteger definitivamente o patrim?nio gen?tico, n?o permitindo a realiza??o da mesma experi?ncia com seres humanos. A carga gen?tica, dessa forma, passou a receber dupla prote??o com rela??o ? sua titularidade: de um lado, representa os genes dos progenitores, mas pertence exclusivamente ao indiv?duo; de outro, em raz?o da igualdade de sua estrutura gen?tica, e da pr?pria continuidade da ra?a humana, ? do dom?nio da humanidade. Do nascimento da Dolly, at? o fechamento do Projeto Genoma Humano, no in?cio desse s?culo, a medicina deu significativos passos para a pesquisa regenerativa e sua implanta??o nos seres humanos. Ingressou com todo potencial na ?rea da engenharia gen?tica visando criar c?lulas novas, ou at? mesmo ?rg?os inteiros para substituir os que v?o se deteriorando em raz?o de doen?as, acidentes ou envelhecimento e cogita at? mesmo a

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substitui??o do homem por outro par que seja mais eficiente, elaborado de acordo com sua pr?pria imagem.

O tipo penal descrito ? incisivo e objetivo. O n?cleo da a??o ? o verbo realizar com o significado de criar, produzir, lan?ar m?o de todos os meios t?cnicos e cient?ficos para conceber um ser humano id?ntico a outro j? existente, independentemente dos objetivos. A simples a??o de quebrar a regra da procria??o e inverter seu procedimento para se obter artificialmente um clone ? uma conduta demonstrativa de dolo intenso, uma vez que ? social e penalmente relevante e reprov?vel. ? interessante observar que qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do crime, pois o legislador n?o exigiu que o ato seja executado por um profissional da sa?de. Pode at? ser que haja a participa??o de m?dico e alguma pessoa que seja de outra ?rea do saber. O bem jur?dico tutelado ? a pr?pria dimens?o do ser humano em sua natureza individualizada, assim como a prote??o ao patrim?nio gen?tico da humanidade.

Tal tipifica??o foi inclu?da na lei com o intuito de proteger o patrim?nio gen?tico e o genoma humano. A pr?tica do procedimento de exce??o pelos operadores da reprodu??o humana, n?o deve afastar o olhar do princ?pio do malum non facere que rege a ci?ncia da bio?tica e do neminem laedere, consubstanciado nas Institui??es de Justiniano, e sim fixar na justa causa, que ? a procria??o. Qualquer invas?o das barreiras protetivas pode trazer s?rios preju?zos ? esp?cie humana, ferindo-a em sua integridade e at? mesmo desconfigurando o patrim?nio gen?tico da humanidade. Afinal, o interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse ?nico da sociedade ou da ci?ncia, conforme disciplina a Conven??o sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina13, no seu artigo 2?.

Tem-se a impress?o que se cria uma banaliza??o em tema de tamanha import?ncia, coisificando-o. O desenvolvimento das pesquisas na ?rea da embriologia tem que ser visto com muita cautela, buscando sempre o respeito ? dignidade humana para que n?o se corra o risco de ingressar na procria??o artificial, afastando todos os valores humanos do casal que desejou a procria??o. Enquanto as t?cnicas s?o direcionadas para a solu??o dos problemas de infertilidade, tem-se aceita??o e aprova??o popular. Quando se distancia das metas optadas pela sociedade, como, por exemplo, a programa??o para fazer nascer somente homens com caracter?sticas previamente selecionadas, ou a clonagem, a rejei??o ? total. O grupo social conhece as regras permissivas para uma conviv?ncia de aceita??o harm?nica. Cabe

salientar aqui o pensamento do Montesquieu na obra O esp?rito das Leis, quando projetou a realiza??o espont?nea do Direito, no sentido de que se cada pessoa tivesse sua cota de comprometimento social e sua leitura ?tica agu?ada, a lei passa ao largo, sem chamar a aten??o. Ant?fonte, sofista grego, por sua vez ? cuja obra foi parcialmente perdida ?, introduziu o conceito de "consentimento dos governados" para expressar que somente a lei feita pelos homens necessita de aprova??o, enquanto que a outra, origin?ria da pr?pria ?tica, despreza qualquer avalia??o, uma vez que, por si s?, carrega o esp?rito cogente.

O patrim?nio gen?tico ? aquele que assegura a pr?pria sobreviv?ncia da esp?cie, por isso rotulado de patrim?nio gen?tico da humanidade. O Conselho da Europa, preocupado com os procedimentos inescrupulosos, recomendou a intangibilidade da heran?a gen?tica levando em considera??o as interven??es artificiais. "O patrim?nio gen?tico, como o pr?prio nome diz", afirma Oliveira J?nior14:

? a somat?ria das conquistas do homem, no plano f?sico, ps?quico e cultural, que o acompanha atrav?s de seus registros biol?gicos, faz parte de sua hist?ria e evolu??o e, como tal, merece a prote??o legal. ? o relato e o retrato da ra?a humana, desde o homem-de-neandertal. Passa a ser objeto de tutela pessoal e estatal e qualquer ofensa a ele ? desrespeito ? pr?pria humanidade. A prote??o desloca-se da individualidade do ser humano j? formado, com personalidade pr?pria, para aquele que ainda vem a ser, com personalidade jur?dica.

A legisla??o mundial repudia a t?cnica de clonagem por considerar que se trata de um procedimento despojado de ?tica e que afronta os princ?pios da pr?pria natureza humana. ? sabido, pelas experi?ncias realizadas em animais, que s?o necess?rias muitas tentativas seguidas, e destrui??o de in?meros embri?es para se conseguir atingir o objetivo, que vem se mostrando de pouca efici?ncia, com reiterados abortos de fetos malformados e com morte em curto espa?o de tempo. Scott15, em c?lculos objetivos, assim anunciou:

By one count, out of 17.500 attempts at reproductive cloning in at least five mammalian species, 99.2 percent of the implanted embryos died in utero. Of those mammals that were born, many died soon after.

Sem falar ainda da dificuldade de se estabelecer a voca??o gen?tica e a ordem heredit?ria, para saber quem ? o pai, o filho e assim por diante. Aceita-se a interven??o cient?fica que seja para controlar ou at? mesmo extirpar defini-

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