EXAME: Novembro/99 - Universidade Regional de Blumenau



EXAME: Novembro/99

Como a Internet está mudando o país

Por que a Internet oferece uma oportunidade sem precedentes ao país

Por Helio Gurovitz

A palavra Internet apareceu na EXAME pela primeira vez cinco anos atrás, em agosto de 1994. Tratava-se de uma reportagem antes de tudo didática. "Diariamente", dizia o texto, "trafegam pela rede milhões de cartas, programas de computador, arquivos eletrônicos e até fotografias". O autor notava que inclusive um - um único - filme já havia sido transmitido pela Internet. Num misto de surpresa e maravilha diante da nova tecnologia, afirmava haver no Brasil não mais que 36 000 usuários de Internet, todos no meio acadêmico.

Isso é história. Hoje, esse número já foi multiplicado por mais de 100. O número de usuários da Internet passa de 3,6 milhões e cresce a um ritmo estimado em 50% ao ano. O Brasil já ocupa a 14ª posição mundial no registro de endereços na Web, à frente de países como Coréia, Espanha ou China. A Internet abandonou a academia há tempos e mais de 90% desses endereços pertencem a empresas. E as vendas pela Web a brasileiros correspondem a 88% do comércio eletrônico da América Latina, avaliado em 160 milhões de dólares em 1998.

Tudo isso em apenas cinco anos. Nos mesmos cinco anos em que a Internet estourava mundo afora. "Pela primeira vez na história, pode-se afirmar que o Brasil tem condições tecnológicas de oferecer no mercado os mesmos produtos que os países de primeiro mundo", diz o consultor mineiro Ivan Moura Campos, um dos artífices da abertura da Internet brasileira ao mercado. "Estamos colados nos gringos, como na Fórmula 1." Conversa de torcedor? Considere então que a primeira siderúrgica brasileira começou a operar em 1946, praticamente dois séculos depois da revolução do carvão e do aço na Europa. Já o primeiro website brasileiro é de 1993, mesmo ano em que surgiram congêneres americanos. "Em dois anos, o Brasil pode estar em quinto ou sexto lugar na Internet mundial", diz Campos.

Ninguém está afirmando aqui que a rede das redes vá redimir as crônicas mazelas sociais do país nem se tornar de uma hora para outra uma garantia da democracia no Brasil, muito menos que traga a cura do câncer ou da Aids. Ela sozinha não faz nada. É o que o Brasil fizer com ela que importa e, por enquanto, apenas 2,5% da população tem acesso à rede. É de espantar, contudo, que, se a abertura de novas fábricas de carros continua a ocupar manchetes e mais manchetes de jornal, pouca gente parece prestar atenção a um fenômeno muito mais significativo: aquilo que os especialistas convencionaram chamar de Nova Economia já chegou aqui. E, ao que tudo indica, com uma força surpreendente. Para discutir como a Internet já está transformando - e pode transformar ainda mais - o país, a EXAME convidou personalidades do mundo digital para o debate , promovido no último dia 15 de outubro em São Paulo (leia a íntegra do debate da página 16 à 30). Eis o que o economista Paulo Guedes - que não é nenhum especialista em computador (ele há pouco tempo nem abria os próprios e-mails), mas entende muito de economia - afirmou durante o debate: "Antes era preciso uma Revolução Industrial para produzir um país como os Estados Unidos. Hoje, há uma dessas poucas oportunidades para o Brasil virar o jogo".

A Internet é, antes de tudo, a encarnação por excelência da tal Nova Economia. Trata-se da economia do conhecimento, em que negócios baseados no saber nascem, crescem e morrem a velocidades espantosas - como um site. Trata-se, ainda, da economia da informação, em que empresas podem ser baseadas apenas em ativos intangíveis (bits), não mais em ativos físicos (átomos) - e, justamente por isso, têm a agilidade de um site. Trata-se, finalmente, da economia da Era Digital, não mais da Era Industrial. Da Era da Internet.

Nos Estados Unidos, a Nova Economia é cada vez mais real. O setor de tecnologia da informação responde por 8% do produto interno bruto e é o que mais cresce (11% ao ano, em média). Durante a década de 90, a economia americana registrou o maior período consecutivo de crescimento desde a Segunda Guerra (acima de 3% ao ano). De acordo com Robert Gordon, da Northwestern University, o setor de equipamentos de informática foi um dos principais responsáveis pela aceleração no aumento de produtividade dos Estados Unidos a partir de 1995. No mesmo período, o uso da Internet tornou-se maciço. "O mundo das telecomunicações e da informática está convergindo maciçamente para a tecnologia da Internet", diz o consultor Ethevaldo Siqueira, um dos maiores especialistas brasileiros em telecomunicações.

Mas e o Brasil?

Historicamente, um dos principais freios ao desenvolvimento da rede no país era a limitação da infra-estrutura telefônica. Era. Graças à privatização da Telebrás, as telecomunicações estão vivendo dias gloriosos. De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, em 1994, o Brasil tinha 8,4 telefones fixos para cada 100 habitantes. Em agosto deste ano, esse número já era quase o dobro: 16 linhas para cada 100 habitantes, num total de 25,8 milhões de acessos fixos. Para não falar na telefonia celular. Em 1994, os celulares mal atingiam 0,5% da população. Hoje os 11,6 milhões de linhas celulares representam 7,2% da população. A previsão é que haja 31 milhões de telefones fixos e 16 milhões de celulares até o final do ano 2000. Um resultado prático: um ano depois da quebra do monopólio da Telebrás, o número de empregos no setor cresceu 17%, de 82 000 para cerca de 102 000.

Outra revolução que promete ter impacto para a Internet é a fibra óptica. Um cabo óptico transmite em uma hora todo o conteúdo da Biblioteca do Congresso Americano. Trata-se do pavimento da superestrada da informação, fundamental para a expansão do tráfego de bits pelo Brasil. Pois há pelo menos oito grupos diferentes investindo 3,5 bilhões de dólares na expansão da rede nacional de fibra óptica. Em 1995, havia menos de 4 000 quilômetros de cabos de fibra óptica no país. Hoje, há mais de 40 000. "O Brasil deu um salto muito grande nessa área", diz Siqueira. "Isso foi fruto pura e simplesmente da eliminação das barreiras."

Enquanto as regiões mais ricas tendem a ser cobertas por cabos ópticos, o futuro para o resto do país parece estar nas tecnologias sem fio. "A fibra não tem o efeito guarda-chuva que daria cobertura a um país continental como o Brasil", diz Siqueira. Os principais dispositivos de acesso à rede deverão ser semelhantes a celulares, mas mais rápidos que as linhas telefônicas convencionais. É essa alta velocidade que os especialistas chamam de banda larga, que chega primeiro ao consumidor pelos cabos da TV paga. "O celular também está migrando para a banda larga", diz Siqueira. "Em três a quatro anos, até no Brasil, o serviço de voz tende a ser gratuito. O lucro das operadoras virá da transmissão de dados por banda larga."

Mas terão os brasileiros os benefícios de quem desenvolve essas tecnologias? Resposta: já têm. "Antigamente só países centrais e grandes empresas tinham acesso a esse tipo de coisa", afirma Campos. "Hoje, graças à Internet, as especificações técnicas chegam a qualquer lugar ao mesmo tempo. Já tem gente no departamento de computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mexendo com o celular de banda larga." A UFMG, por sinal, tem se revelado um dos principais centros de desenvolvimento de tecnologias de Internet no Brasil. Foi de lá que saiu, por exemplo, o Família Miner, o sofisticado site de busca e comparação de preços que se tornou um sucesso de mercado. É lá que está sendo testado o Mercado Persa, um serviço de comparação e negociação de preços na Web que usa uma tecnologia conhecida como agentes inteligentes. Só para comparar: no festejado Massachusetts Institute of Technology (MIT), um serviço semelhante chamado Kasbah fez a fama de Pattie Maes, considerada a maior especialista mundial em agentes inteligentes. "O que estão fazendo em Minas Gerais é no mínimo igual ao que os americanos fizeram", diz Campos. Assim como a UFMG, outros centros de pesquisa estão prontos para desenvolver produtos em nível internacional (leia reportagem na página 40). "A quantidade de milionários brasileiros não será comparável à de americanos, mas há uma oportunidade inédita para empreendedores de fora do eixo Rio - São Paulo", diz o diretor de um banco de investimentos.

O desenvolvimento tecnológico brasileiro sempre esbarrou na falta de capital. Esse empecilho começa a ser vencido aos poucos, com a chegada gradual de investidores de risco ao país. Embora ainda haja um longo caminho a trilhar até o Brasil ter um mercado financeiro maduro e um capitalismo de risco pujante, um levantamento feito pela EXAME detectou que já há pelo menos 1 bilhão de dólares disponível para investimentos de risco no país (leia reportagem na página 32). "Muitas empresas de capital privado querem investir em Internet no Brasil", diz William Landers, diretor de pesquisa para a América Latina do banco de investimentos Lehman Brothers em Nova York. "O país tem competitividade porque conta com gente instruída a um custo mais barato que os Estados Unidos."

As oportunidades na Web são ilimitadas e as histórias de sucesso já são reais. De acordo com Landers, apesar de já dominar quase 90% do comércio eletrônico latino-americano, o Brasil ainda tem grande espaço a explorar na publicidade on-line. Considere que o Universo Online, a associação para a Internet dos grupos Folha e Abril, que edita a EXAME, teve no mês de setembro cerca de 550 milhões de páginas vistas. Tal audiência é maior que a da CNN americana, cerca de 400 milhões de páginas. "O potencial para anunciantes é gigantesco", diz Landers. "A audiência do Olé, maior portal da Espanha, não passa dos 35 milhões."

Para aproveitar a dianteira, ainda há obstáculos a superar, como a baixa penetração de computadores no país. "O custo dos PCs está caindo e o crescimento das vendas no Brasil é maior que nos países do mundo desenvolvido", diz Landers. De acordo com a International Data Corporation (IDC), o número de computadores no Brasil em 2001 deverá chegar a 12 milhões - o triplo do que era em 1996. Ou seja: o futuro do é promissor. "O que levou entre quatro e cinco anos nos Estados Unidos pode ser feito em um ano na América Latina", diz Landers. Por uma sorte histórica, o Brasil teve um ambiente regulatório esclarecido que manteve a Internet aberta à competição e fechada a monopólios. "O exemplo dos Estados Unidos mostra que esse setor não pode ser controlado pelo Estado", diz o diretor de outro banco de investimentos. É bom que continue assim.

Imposto eletrônico

O comércio na Internet deve, sim, ser taxado

Por Robert J. Samuelson

A Internet é um dos assuntos que parecem afetar o raciocínio de pessoas normalmente sensatas. Prova disso é a questão da incidência de impostos sobre o comércio eletrônico. Alguns dizem ser melhor não taxar a Internet, com a alegação de que ela representa o futuro e não deveria ser estrangulada com impostos. Esse argumento não toca na questão fundamental: por que a Internet não deveria ser taxada, como tudo o mais? A resposta é que ela deveria, sim.

Não faz sentido isentar o comércio na Internet de imposto sobre vendas. Trata-se de um subsídio disfarçado que beneficia um tipo de negócio em detrimento de outro. Hoje, quase todos os estados americanos cobram imposto sobre vendas. A alíquota padrão é de 5%. Com ela, os estados obtêm cerca de um terço de suas receitas (aproximadamente 156 bilhões de dólares em 1998). A maior parte dos produtos vendidos pela Internet, se não todos, escapa do imposto. É uma situação que apenas o Congresso pode modificar. Parte do comércio eletrônico depende desse subsídio oculto.

Qual o tamanho dessa parte? O economista Austan Goolsbee, da Universidade de Chicago, estima que, se as pessoas tivessem de pagar imposto sobre vendas, o comércio eletrônico poderia ser 30% menor. Sua estimativa não significa que, sem o subsídio fiscal, o comércio eletrônico deixaria de existir. O setor comercial online cresce mais de 30% ao ano. À primeira vista, parece que o consumidor é beneficiado por produtos mais baratos. O problema é que o preço baixo é conseguido à custa de concorrentes (que são obrigados a pagar impostos) e de governos (que perdem receita fiscal).

Apesar de estar crescendo muito, o comércio eletrônico ainda é pequeno em relação ao comércio total, o que faz as distorções econômicas e fiscais ser menores. A Forrester Research avaliou em 20 bilhões de dólares o volume do comércio eletrônico de empresas para consumidores nos Estados Unidos em 1999. Desse montante, 13 bilhões de dólares eram taxáveis, e os impostos perdidos pelo governo foram estimados em 525 milhões de dólares.

Mas, antes que as distorções provocadas por regras estúpidas fiquem grandes demais, deveríamos criar regras sensatas para a Internet. Em 1998, o Congresso criou uma comissão para cuidar disso. Suas propostas devem ser divulgadas em abril próximo. Até agora, a comissão deu poucos sinais de estar chegando a conclusões úteis.

Uma razão disso é a hipocrisia. Os titãs da Internet defendem o "livre mercado" mas também querem conservar o subsídio fiscal. Outra razão é ideológica. As pessoas da direita política normalmente enxergam a Internet como um meio de reduzir o papel do governo na sociedade. O crescimento do comércio eletrônico iria reduzir o imposto sobre as vendas e obrigar os governos a encolher. Como seria de esperar, a esquerda política faz objeções e lembra que os serviços locais (escolas, polícia) seriam prejudicados. Ela propõe que o comércio eletrônico seja taxado.

Será que esses participantes do debate têm idéia do que estão tentando fazer? As conseqüências políticas da taxação da Internet são imprevisíveis. Deveríamos, isto sim, ignorar esse debate e concentrar nossos esforços na garantia da concorrência justa. Há uma maneira de evitar o subsídio do comércio eletrônico e, ao mesmo tempo, incentivar a Internet.

Na realidade, a Internet já é taxada. Existem impostos sobre os serviços de telecomunicações, aplicados às linhas que fazem a conexão com a Internet. São altos. O governo federal americano cobra um imposto de consumo de 3%. Os estados e municípios impõem uma gama confusa de taxas e impostos que gira em torno de 18%. Os impostos costumam ser maiores do que o imposto sobre vendas. Além de altos, são desatualizados. A TV a cabo paga imposto menor. Na medida em que os serviços de cabo, telefone e Internet vão sendo empacotados juntos, o que será taxado?

O que pode ser feito é evidente. Segundo uma decisão tomada pela Suprema Corte americana em 1992, os estados não podem taxar a maioria dos produtos vendidos por mala direta por empresas de outros estados. A mesma proibição se aplica às empresas que vendem pela Internet. O Congresso pode e deve suspender essa proibição. Mas deve fazê-lo apenas nos estados que reduzirem dramaticamente - ou até eliminarem - os pesados impostos que aplicam às telecomunicações. Com isso, conectar-se à Internet se tornaria mais barato, e a concorrência do comércio eletrônico passaria a ser mais justa.

© 2000, Washington Post Writers Group

Onde está o dinheiro? O gato comeu? Ninguém viu?

Entenda, de uma vez por todas, a lógica - se lógica há - por trás do acesso gratuito à internet

Por Mikhail Lopes

A Internet no Brasil sofria de vez em quando os efeitos de rajadas de vento. Nas últimas semanas, o tempo virou. Uma onda de investimentos vinda do Hemisfério Norte se encontrou com centros de alta pressão de capitais. O furacão que se formou a partir daí arrastou uma top model internacional, bancos de varejo, bancos de atacado, a Igreja Católica, ex-donos de supermercado, bandas de rock, medalhões do jornalismo e até uma cadela. O tufão foi batizado de acesso gratuito à Internet.

Bradesco e Unibanco viraram o ano oferecendo Internet grátis a seus clientes. Bastou isso para iniciar uma onda de anúncios de mais de uma dezena de novos provedores gratuitos como Super11, Tutopia, Católico e iG. Provedores tradicionais como o Universo Online, associação dos grupos Folha e Abril, que edita a EXAME, e Terra, do grupo espanhol Telefónica, também se viram obrigados a entrar no jogo, sob pena de verem evadir-se os assinantes de seus serviços pagos. Lançaram, respectivamente, o NetGratuita e o Terra Livre.

Em meio à maré de benemerência para com o bolso do internauta, que tem sido louvada aos quatro ventos em anúncios e mais anúncios em jornais, revistas e na TV, restou uma questão sem resposta: se todos os provedores começarem a oferecer acesso gratuito, quem é que vai pôr a mão no bolso para pagar a conta? Sim, porque ninguém viu a cor do dinheiro ainda. Dinheiro, por enquanto, só saiu. O iG, provedor gratuito controlado pelos fundos GP e Opportunity, anunciou um investimento de 120 milhões de dólares e afirmou só esperar retorno dentro de três ou quatro anos. Fora do Brasil, a conversa dos provedores gratuitos é parecida. O NetZero, vice-líder no mercado americano, e o Freeserve, o líder inglês, tiveram prejuízos de 15,3 milhões e 1,7 milhão de dólares respectivamente no ano passado. Eles prevêem que a conta vire para o azul só lá para o fim de 2002.

Para ganhar dinheiro, ato que, na Internet, pode equivaler a ordenhar uma pedra, a turma do acesso grátis não tem muita opção. Na verdade, só há três bolsos de onde pode sair algum:

1) O do anunciante, que pode se interessar pelos olhos da audiência atraída pelo acesso grátis;

2) O do próprio internauta, que, mesmo sem gastar com acesso, pode pagar por mercadorias, serviços ou pelo conteúdo dos sites;

3) O das empresas telefônicas, que podem dividir com os provedores a receita ganha com os internautas pendurados na linha ao acessar a Internet.

"Se você olhar para o negócio de mídia nos Estados Unidos e na maioria dos países do mundo, ninguém ganha dinheiro só com anúncios", disse à EXAME Bob Pittmann, presidente e diretor de operações do America Online, maior provedor do mundo, que está se fundindo com o grupo Time Warner. "Revistas e jornais vendem em bancas e têm receita de assinaturas. Canais de TV a cabo como Nickelodeon e MTV, que ajudei a criar, não seriam lucrativos hoje se o assinante não pagasse nada por eles." À semelhança da TV a cabo, o mercado tenta descobrir na Internet - um universo ainda em construção - que modelo de negócios será viável. Cada uma das possíveis fontes de receita tem seus prós e contras.

A maioria dos provedores gratuitos brasileiros parece ter se inspirado no americano NetZero, que prevê ganhar dinheiro exclusivamente com publicidade e comércio eletrônico (os bolsos 1 e 2). Para ter acesso ao serviço do NetZero o usuário tem de preencher um formulário online com 22 questões sobre temas como estado civil ou renda familiar. As informações permitem à companhia desenhar um perfil demográfico usado para determinar que tipo de anúncio ou mercadoria oferecerá para este ou aquele internauta. O NetZero exibe seus anúncios numa janela que não pode ser fechada ou bloqueada por telas de outros programas. Se o internauta tentar fechá-la, a conexão cai automaticamente.

De maneira análoga à da senhora que, durante um intervalo da novela das 8, suspira pelo italiano Matteo enquanto assiste a um comercial de sabão de coco, os internautas parecem dispostos a aceitar uma dose extra de publicidade em troca do acesso gratuito. O NetZero tem arrebanhado assinantes à razão de 8 000 a 9 000 por dia, de acordo com números corroborados por alguns analistas de investimentos. Pioneira do acesso gratuito nos Estados Unidos, a empresa começou a operar em outubro de 1998 e já contabiliza 3 milhões de assinantes e um valor de mercado de 3,1 bilhões de dólares. Ainda pode parecer pouco perto da America Online, líder mundial com 22 milhões de assinantes, mas é mais do que os 2,5 milhões de assinantes que pagam pelos serviços do EarthLink e do MindSpring, terceiro e quarto maiores provedores americanos.

Audiência, como compreenderá qualquer criança em idade escolar, é um ingrediente fundamental para que saia dinheiro do bolso número 1, ou seja, para que produtos e anúncios sejam vendidos. Por isso, os provedores brasileiros se apressaram em divulgar números reluzentes dando conta das multidões de internautas que assinaram seus serviços gratuitos. O NetGratuita anunciou ter 830 000 usuários. O iG diz ter outros 420 000 assinantes. Mas é preciso frisar que esses números não significam quase nada, como se apressam em admitir os próprios provedores. "Não temos como garantir que um usuário não se cadastrou mais de uma vez", diz Matinas Suzuki Jr., diretor de conteúdo do iG.

Os provedores também não garantem que quem se cadastrou está de fato usando o serviço. O NetZero, por exemplo, diz que apenas metade dos seus assinantes se conectaram pelo menos uma vez no mês de janeiro. O número que tem sido usado como medida do sucesso de um provedor gratuito é a quantidade de acessos que ele recebe, ou, como quer o jargão, de page views. A quantidade de páginas visitadas pelos usuários está relacionada ao tempo que eles passam no site. No caso da AOL, os assinantes passam 88% do tempo online dentro dos sites da empresa. Por isso, a AOL teve em setembro de 1999 uma receita de 5,14 dólares por usuário em publicidade e comércio eletrônico. O Netzero, por sua vez, faturou 2,48 dólares per capita.

Anúncios costumam ser cobrados pelo número de vezes que alguém os vê. No NetGratuita, por exemplo, o anunciante paga de 20 a 70 reais (dependendo do tipo do anúncio) por cada mil vezes que seu anúncio é visto por um internauta. Mas esse modelo está em evolução. "Em vez do número de acessos, o número que os anunciantes vão querer ver é o de usuários individuais", diz Victor Ribeiro, diretor-geral do NetGratuita. "Para eles, é muito melhor dez pessoas vendo seu anúncio do que uma mesma pessoa vendo dez vezes."

A venda de publicidade e o comércio eletrônico deverão movimentar este ano no Brasil uma quantia ainda modesta: 448 milhões de dólares, de acordo com um relatório do banco Crédit Suisse First Boston. Mas estima-se que, à medida que evoluem o número de internautas (com números auditados, o que o Instituto Verificador de Circulação está começando a fazer) e os mecanismos de comércio eletrônico e de cobrança de anúncios, as cifras deverão explodir. "A publicidade na Internet vai crescer tanto já no ano que vem que eu nem arrisco fazer previsões", diz Antonio Rosa Neto, presidente da Associação de Mídia Interativa.

Enquanto os vaticínios otimistas não se concretizam, a maior fonte de receita dos provedores pagos continua sendo o bolso número 2 da lista inicial: a cobrança de assinaturas. O Terra, por exemplo, faturou 25 milhões de dólares no ano passado. Desse total, 16 milhões vieram do pagamento de assinaturas. Na America Online, dos Estados Unidos, 70% do faturamento de 4,8 bilhões de dólares em 1999 veio da cobrança de assinaturas (algo como 22 dólares mensais por usuário).

À primeira vista pode parecer que o acesso gratuito é um golpe nos provedores pagos, tão dependentes da receita de assinaturas. Na verdade, é um tiro que pode sair pela culatra e alvejar os próprios provedores gratuitos. "Não entendo como pode dar certo esse negócio de oferecer apenas acesso grátis", afirma Will Landers, diretor de pesquisa de Internet para a América Latina do Crédit Suisse First Boston. Mesmo provedores que pareciam acreditar em conteúdos 100% abertos, como o Terra, começam a apostar em serviços pagos dirigidos a públicos específicos (ver reportagem à página 122). Na opinião de especialistas como Landers, o modelo ideal de negócios evoluirá para um pacote misto com serviços gratuitos e pagos voltados para públicos de poderes aquisitivos diferentes.

Imagine, por exemplo, um operador de bolsa que pague para obter informações financeiras em tempo real, uma criança que peça aos pais para jogar na Web os últimos jogos da Disney ou alguém que queira fazer videoconferência pela Internet e precise, para isso, usar as conexões de alta velocidade oferecidas pela rede de TV a cabo. Nada disso será de graça. Nesse ponto, empresas como Universo Online, America Online e Terra estão em vantagem porque já oferecem alguns desses serviços diferenciados.

Empresas com uma gama maior de conteúdo e serviços conseguirão ter margens de lucro maiores. Mas criar ou adquirir conteúdo e serviços é uma tarefa nada trivial. Afinal, qual a receita de melado para besuntar o seu site de modo que os internautas venham como formigas? Conterá notícias, entretenimento, salas de bate-papo, comunidades virtuais de grupos de interesse? Empresas com experiência em produzir conteúdo saíram na frente. Mas, num universo célere como a Internet, não podem cochilar. Precisam continuar o trabalho de agradar o cliente. Seja oferecendo também acesso gratuito, seja correndo atrás de novos conteúdos. Foi o que fez a America Online com a compra do grupo Time Warner. "Não tenho certeza se a America Online teria sido capaz de adiar o acordo em seis ou oito meses", disse à revista Business Week David Wheterell, principal executivo da CMGi, um dos investidores mais influentes da Internet. "Até lá, o efeito cumulativo do acesso gratuito teria sido tão grande que poderia minar o valor das ações da AOL. O acordo foi feito no momento exato."

A derradeira - e de eficácia mais suspeita - fonte de receita dos provedores gratuitos é o bolso número 3: o repasse de parte da receita das operadoras de telefonia. Tal modelo foi inventado no final de 1998 na Inglaterra pelo provedor gratuito Freeserve, controlado pela rede de revendas de eletroeletrônicos Dixons. O Freeserve se beneficiou das regras locais do jogo das telecomunicações. As ligações telefônicas na Inglaterra (como no Brasil) são cobradas em função do tempo de duração. Com base nisso, o Freeserve fez um acordo com a operadora de telefonia Energis. Pelo trato, a Energis repassa ao Freeserve 0,1 pence para cada minuto que os assinantes do provedor ficam conectados. Em 1999, a receita do Freeserve foi de 2,7 milhões de libras: 1,1 milhão em publicidade e comércio eletrônico (ele acaba de ultrapassar o Yahoo! como o site mais visitado no país), mais 1,6 milhão em dinheiro repassado pela Energis. Em 2003, o Crédit Suisse First Boston prevê que a receita com repasse da operadora deverá subir para 14 milhões de libras e a receita com comércio e publicidade alcançará 102 milhões.

Propelido por esse mecanismo engenhoso e pela capacidade de distribuir CDs com kits de acesso nas lojas Dixons, o Freeserve ultrapassou o America Online no mercado de acesso local. Note que, no Brasil, o fundo GP, acionista do iG, também controla uma cadeia de varejo: as Lojas Americanas. E é bom lembrar que os controladores do iG, GP e Opportunity são também acionistas da Telemar e da Tele Centro Sul, respectivamente, assim como o grupo controlador do Terra também é dono da Telefônica de São Paulo.

Na época do lançamento do Freeserve, o America Online liderava sossegado o mercado inglês com 350 000 assinantes. Um ano depois, em setembro de 1999, o Freeserve tinha 1,3 milhão de assinantes (tem hoje perto de 1,7 milhão) e valia 3 bilhões de dólares no mercado acionário. O America Online somava 600 000 usuários que lhe conferiam o terceiro lugar na lista dos provedores britânicos. O Freeserve acabou inspirando a criação de uma centena de outros provedores gratuitos locais. O próprio AOL acusou o golpe e lançou um serviço de acesso gratuito na Inglaterra com a marca Netscape: o Netscape Online. Só agora esse serviço, somado ao da Compuserve (também controlado pelo AOL), começa a encostar no Freeserve. Eles totalizam, pelas contas mais recentes, 1,6 milhão de usuários.

No Brasil, a legislação não permite um acordo como o que fizeram Freeserve e Energis. Operadoras de telefonia são empresas que ganham uma concessão para explorar um serviço público de telecomunicação. Provedores de acesso são empresas que, independentemente de concessão, prestam aquilo que o dialeto dos burocratas resolveu chamar de serviço de valor adicionado. Para o superintendente de serviços públicos da Agência Nacional de Telecomunicações, Edmundo Antonio Matarazzo, o repasse de receita de uma operadora para um provedor significa que uma empresa que presta um serviço público (a operadora) está subsidiando outra que presta um serviço privado (o provedor). "Se os provedores tivessem subsídio, então um serviço de tele-horóscopo, que é de valor adicionado, também teria direito", diz Matarazzo. "A operadora não pode discriminar clientes. Tem de cobrar a mesma tarifa dos clientes que têm o mesmo perfil de tráfego." Do contrário, diz Matarazzo, quem acabaria arcando com o ônus do subsídio seria o usuário doméstico de telefonia.

"Não sabemos se algum dia a legislação permitirá o repasse de receita. Por isso, temos de garantir que apenas a venda de publicidade seja capaz de sustentar o negócio", diz Michel Hannas, diretor de vendas no Brasil da IFX, empresa americana dona do provedor gratuito Tutopia. Por enquanto, a peleja para vender anúncios é parcialmente compensada, porque o apelo do acesso gratuito faz com que os provedores precisem gastar menos em propaganda que um provedor pago. "O acesso gratuito é a maneira mais barata de conseguir novos usuários", diz Aleksandar Mandic, diretor de novos negócios do iG. Enquanto um provedor pago desembolsa 200 dólares por ano, incluindo publicidade, para arrebanhar cada novo assinante, o gratuito só gasta 1 dólar por cliente novo, de acordo com um relatório do banco Chase Hambrecht & Quist.

Mas a questão é se os usuários a que Mandic se refere vão chegar para ficar. Como o acesso é gratuito, o internauta tende a se cadastrar em vários provedores antes de escolher o melhor. Ou seja: será preciso lançar mão de algo mais que modelos, festas e mascotes caninas. Será preciso oferecer serviço de boa qualidade, como ter linhas telefônicas suficientes para atender aos usuários que querem se conectar. Houve muita reclamação a respeito de linhas congestionadas nos horários de pico durante as primeiras semanas de operação dos provedores gratuitos no Brasil. Para piorar, a maioria dos provedores resolveu suprimir a assistência técnica. A explicação - não admitida por eles - é que o suporte ao usuário responde por 30% do custo operacional.

As condições atmosféricas na Internet pioraram nas últimas semanas porque aos problemas técnicos somou-se a grita dos pequenos provedores contra o acesso gratuito. Eles argumentam que não são capazes de competir em um modelo de negócio que deverá consumir mais e mais capital. "É pouco provável que sobrevivam mais que três ou quatro provedores no Brasil até o final deste ano", diz Michel Hannas, do Tutopia. É bom mesmo todo mundo, competidores da primeira hora e neófitos, colocar as barbas de molho. Afinal, zero é mesmo um preço muito atraente.

Exame Digital - 08/03/2000

A volta do leiteiro

A logística - vital para o comércio eletrônico - ressuscita o entregador de porta em porta

Por Lidia Rebouças

Natal passou. O dia de Reis também. E aquele presente, um livro e dois CDs, pedidos ao Submarino - o antigo site de compras da BookNet -, não chegou a tempo. Papai Noel se esqueceu de mim ou foi desculpa esfarrapada de quem não teve paciência para enfrentar os shopping centers? Não. O problema foi da loja virtual, que prometeu entregar o presente em dez dias. Ele chegou mais de 20 dias depois do pedido, quando a árvore de Natal já tinha virado enfeite de sala. Ao abrir a caixa, nem ao menos uma cartinha do Submarino pedindo desculpas. O atraso parecia ter uma explicação em si: o Brasil é grande, o transporte é deficitário, os fornecedores não têm estoque, e não são muitos os entregadores que conseguem atravessar a última quadra até a sua casa.

Mas um sistema de entrega não muito diferente funcionava bem no antigo Império Romano. Na época, todas as cidades eram interligadas por estradas públicas. Saindo de Roma, elas atravessavam a Europa e percorriam todas as províncias. Para dominar a extensão entre esses territórios, os imperadores construíram postos abastecidos com 40 cavalos a cada 8 e 10 quilômetros. Essa estrutura permitia a um único mensageiro sair da Capadócia ao anoitecer e chegar a Constantinopla ao meio-dia do sexto dia, depois de percorrer mais de

1 000 quilômetros.

Parece que essa tarefa tornou-se mais árdua justamente no século em que o carro menos potente tem a força de 50 cavalos. E tem sido cada vez mais crítica no mundo do comércio eletrônico, que promete não somente dominar a distância, mas eliminá-la. Os comerciantes estão competindo menos por produto e pela qualidade, e mais na velocidade de atender o mercado. A cada clique que efetiva, na velocidade da luz, a compra em um site, corresponde inapelavelmente a entrega de um produto, em velocidade muito, muito menor. A tecnologia mais moderna precisa conviver com uma das habilidades mais antigas: a capacidade de armazenar e gerir o estoque, de manuseá-lo, separar os produtos em embalagens individuais e entregá-los no prazo prometido e na porta da casa do consumidor. Essa habilidade, conhecida como logística, tornou-se um ponto nevrálgico nos empreendimentos digitais. Mas, ao que tudo indica, eles não conseguiram estruturar suas entregas na mesma velocidade que despertaram o consumidor virtual. Foram mais hábeis em oferecer conveniência do que em praticá-la.

Para praticá-la, é necessário combinar na medida certa dois ingredientes: estoque e entrega. Foi a falta de produtos no estoque que deixou os clientes do Submarino a ver navios. "A operação cresceu mais rapidamente do que nossa velocidade em repor a mercadoria", diz Murillo Tavares, presidente do site. Depois dessa experiência, Tavares decidiu investir 13 milhões de reais na construção de um estoque maior e próprio. Essa estratégia também foi adotada pelo mais conhecido dos varejistas virtuais: a . Depois de anos tentando convencer o mercado de que era possível uma empresa vender sem pôr a mão na mercadoria, a Amazon desistiu de depender de distribuidores como a Ingram e está erguendo sete depósitos para conseguir entregar no ritmo prometido aos compradores.

Gerenciar estoque com uma variedade grande de produtos envolve também diferentes fornecedores, com prazos e características distintos. Muitos fabricantes e fornecedores brasileiros mantêm estoques no limite para garantir o giro do capital no atual cenário de juros altos. Isso espreme o prazo de reposição das mercadorias e desafia ainda mais a logística. Além do mais, o mundo industrializado tornou-se uma passarela de moda, onde CDs, softwares, chips e videogames ficam obsoletos a cada mudança de estação. Reduzir o giro de estoque não é somente uma questão de custo, mas de velocidade, nesse novo ritmo do ciclo industrial. O que antes não era perecível, produtos de alto valor agregado como PCs, celulares e programas de computador, agora parece derreter nas estantes como sorvete.

A entrega, o segundo ingrediente essencial para o sucesso logístico, vem esbarrando na deficiência da infra-estrutura brasileira. Por aqui, sempre foram privilegiados os meios mais caros de transporte, rodoviário e aéreo, em detrimento de ferrovias e hidrovias, capazes de atravessar as longas distâncias do país a custos menores. Há uma legião de transportadoras rodoviárias, especializadas em tipo de carga e região atendida. Poucas cobrem sozinhas o Brasil inteiro. "Apesar disso, nos dois últimos anos a logística brasileira evoluiu muito", diz Eduardo Atihé, diretor da Andersen Consulting. Há, sem dúvida, casos de sucesso, como a sofisticada distribuição de autopeças da General Motors do Brasil para a sua rede nacional de 500 concessionárias. Depois de ter feito vários ajustes, a montadora hoje consegue atender, de sua fábrica em São Paulo, mais de 4 000 pedidos por dia em 24 horas. Dependendo da região, o tempo caiu de três dias para 12 horas.

Mas, mesmo nos Estados Unidos, o mundo da logística tradicional descobriu que o comércio eletrônico apresenta um novo desafio. Um varejista como o Wal-Mart, por exemplo, tem um dos mais sofisticados sistemas de gestão de estoque e distribuição. Até a pressão dos pneus é calibrada para que os caminhões possam atracar na altura certa das docas do armazém. Mas tal sistema, assim como o da GM brasileira, é incapaz de chegar à porta de cada consumidor. Atender à linha de produção de uma fábrica ou ao ritmo de vendas no armazém de um varejista está muito aquém de chegar à casa de cada cliente. Entregar em domicílio sem conhecer de antemão a origem do pedido nem ter rotas de entrega preestabelecidas e regulares envolve uma logística bem mais refinada.

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