Jornalistas e opinião no surgimento da imprensa no Brasil ...



II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho

Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004

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GT História do Jornalismo

Coordenação: Prof. Dra. Marialva Barbosa (UFF)

Jornalistas e opinião no surgimento da imprensa no Brasil e durante a ditadura militar[1]

Carina Paccola[2]

Os primeiros tempos de imprensa no Brasil são carregados de opinião e posicionamentos dos jornalistas. A imprensa apareceu por aqui em 1808, no período colonial. No livro Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência, Isabel Lustosa faz um relato dos primórdios da imprensa brasileira e do seu papel no processo da Independência. O Brasil não tinha universidade e aqui a impressão das letras era proibida por Portugal. As tentativas de funcionamento de tipografias eram barradas pelas autoridades portuguesas (Lustosa, 2000: 65).

O navio que transportou D. João VI de Portugal trouxe junto – sem que a família real tivesse conhecimento disso – equipamentos gráficos que foram instalados no Rio de Janeiro dando origem à Impressão Régia, que funcionou até 1821.

Nessa gráfica foi publicada, pela primeira vez, em 10 de setembro de 1808, a Gazeta do Rio de Janeiro, uma adaptação da Gazeta de Lisboa, com a publicação de traduções de artigos da imprensa européia. D. João VI lia os escritos antes de irem ao prelo. Tudo o que era impresso no Brasil passava por essa tipografia oficial, que tinha regras claras sobre o que podia ou não ser publicado.

A história registra que, três meses antes da impressão da Gazeta do Rio de Janeiro, Hipólito da Costa imprimia o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, em Londres, que durou até dezembro de 1822. Com a censura oficial no Brasil, o jornal de Hipólito era uma voz dissonante dos portugueses.

Hipólito, monarquista, era favorável ao fim gradativo da escravidão, contrário às idéias da Revolução Francesa e, embora desejasse reformas para o Brasil, não queria que essas mudanças fossem feitas pelo povo. “(...) Desejamos as reformas, mas feitas pelo governo, e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo.”[3]

De início, o jornalista foi contrário à Independência. Segundo Werneck Sodré, Hipólito da Costa foi vencido pelos acontecimentos e “aceitou” a Independência, que era defendida pelo seu público leitor (1983: 28). Em janeiro de 1821, a publicação de um panfleto, sem autoria (embora se soubesse que fora escrito pelo comendador e coronel francês F. Caille de Geine, com ciência de D. João VI), argumentando que a família real deveria ficar no Brasil, causou tanta polêmica que acabou sendo recolhido.

O episódio foi um incentivo à publicação de impressos com opiniões sobre a política do Brasil. “O folheto de Caille abriu a torneira para as publicações do gênero. Curiosamente, uma publicação impressa com o jamegão do rei iniciava a prática da imprensa de participação. O fato de ser o mesmo texto atribuído a um cidadão comum estimulava também aos demais. Era a confirmação da liberdade de Imprensa. Qualquer um, no novo sistema, poderia vir a público dar o seu palpite na condução dos negócios do Estado” (Lustosa, 2000: 92).

Surgiram, então, jornais escritos por pessoas que ocupavam cargos públicos. O primeiro dessa leva foi o Conciliador do Reino Unido de propriedade de José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, que era censor da Impressão Régia. Os que se seguiram eram conciliadores, ordeiros e “amigos do rei e da nação”. “Jornais bem-comportados, que se propunham a educar o povo para o futuro constitucional que se avizinhava” (Lustosa, 2000: 102).

Por aqui, os livros eram escassos e a população, iletrada. Portanto, os intelectuais que começaram a escrever nos jornais cumpriam uma função também educativa. Eles estavam cientes desse papel. Ao publicar o jornal Constitucional, por exemplo, José Joaquim da Rocha, que era um importante personagem político, define seu objetivo como o de “educar as pessoas, preparando-as para o processo constitucional e procurando igualmente suprir-lhes as deficiências culturais e educacionais” (Lustosa, 2000: 31).

Mesmo que fizessem agrados à Corte, esses jornais que acabavam de nascer representavam um avanço em relação à Gazeta do Rio de Janeiro – segundo Lustosa – ao entrarem no campo político. Lustosa ressalta que foi graças à imprensa que o público pôde acompanhar o debate que antecedeu a dissolução da primeira Assembléia Constituinte brasileira. Com uma linguagem bastante popular, os primeiros escritos eram de fácil compreensão para os leitores, formados basicamente pela elite.

D. João VI retornou a Portugal em julho de 1821. De 1821 a 1823, período em que houve intenso debate político, os jornais brasileiros declaravam-se com a função de preparar o povo para o regime liberal que surgia com a Independência. Os periódicos criticavam as leis feitas em Portugal para serem aplicadas no Brasil e eram bastante opinativos, a ponto de influenciarem D. Pedro I a permanecer no Brasil e a proclamar o famoso dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, contrariando os interesses de Portugal. A reação de Portugal foi violenta, encontrando resistência da população que saiu às ruas para se manifestar.

“A campanha dos jornais brasileiros contra as medidas das Cortes foi a primeira grande ação da imprensa brasileira. Ela uniria inicialmente todas as tendências e seria particularmente intensa entre o final de 1821 e o final de 1822 (...). A imprensa brasileira foi a grande retaguarda dos deputados que defendiam em Portugal a unidade e a autonomia do Brasil” (Lustosa, 2000: 134).

A mesma causa uniu desde as publicações do censor Cairu até o primeiro jornal politicamente independente, do Rio de Janeiro, o Revérboro Constitucional Fluminense, que durou de 15 de setembro de 1821 a 8 de outubro de 1822. Este jornal adotou a luta pela Independência como causa principal, refletindo a vontade e exaltação dos brasileiros. Defendeu, ainda, a instalação da Assembléia Constituinte e Legislativa, que acabou sendo convocada por D. Pedro. Os principais redatores do Revérboro, Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, estavam engajados na luta pela Independência.

Na análise de Werneck Sodré, é preciso contextualizar os movimentos que havia em torno da Independência: os representantes da classe dominante colonial entendiam ser necessário impor limites à Independência. A direita “pretendia uma separação em que não se rompesse com o passado, sem quebrar a louça, sem arranhão na estrutura colonial” (Sodré, 1993: 56).

E havia a mobilização popular que reivindicava uma Independência autêntica, que significasse liberdade e que avançasse para a República. A moderação acabou prevalecendo e muitos políticos que tinham um discurso mais revolucionário aliaram-se aos interesses da elite para que o processo parasse no momento da proclamação da Independência.

O Revérboro parou de circular porque seus redatores acreditaram que já tinham cumprido seu papel com a proclamação da Independência. No entanto, a liberdade não foi conquistada; Ledo e Januário foram perseguidos, junto com outros revolucionários, e exilados. A Constituinte foi dissolvida e a censura calou a imprensa.

Por se engajarem em movimentos políticos que contrariavam os interesses portugueses em defesa de um Brasil verdadeiramente livre, muitos jornalistas sofreram ao longo do processo da Independência agressões, perseguições e prisões. Cipriano Barata foi um desses. Nascido na Bahia, em 1764, Barata aderiu à revolução pernambucana de 1817. Em 1821, participou da deposição do conde da Ponte. Foi representante brasileiro nas Cortes portugueses. Quando retornou ao Brasil, já estava em curso o processo da Independência e ele posicionou-se ao lado dos que pleiteavam a liberdade. Fundou o primeiro jornal brasileiro republicano.

Em 9 de abril de 1822, no Recife, Cipriano Barata criou a série Sentinelas que circulou até 16 de novembro daquele mesmo ano, quando foi preso. Foi levado ao Rio de Janeiro onde passou por várias fortalezas. De todas elas, deu continuidade à publicação de jornais. Saiu da prisão oito anos depois, aos 68 de idade. Em 1832, Cipriano Barata retomou a publicação das Sentinelas.[4] Um dos maiores jornalistas de sua época, pela incansável luta em prol de um Brasil realmente livre de Portugal, Barata foi condenado à prisão perpétua.

Outro grande jornalista foi João Soares Lisboa, proprietário do Correio do Rio de Janeiro, o primeiro a reivindicar a convocação da Constituinte, após a proclamação da Independência. Por defender a idéia da liberdade e não se contentar com a mera separação entre Brasil e Portugal, Soares Lisboa também amargou tempos na prisão e sofreu processo de expulsão do País[5].

“(...) Soares Lisboa era articulista fácil, simples, contundente, eficaz em sua argumentação, apreciado pelos que tinham as mesmas idéias e seguiam as mesmas tendências, temido pelos adversários, com influência muito grande na opinião” (Sodré, 1983: 69).

Por insistir no avanço das questões políticas e defender a República no jornal Correio do Rio de Janeiro, Soares Lisboa foi considerado subversivo e intimado a deixar o País em 1822. Ao regressar ao Brasil, em fevereiro de 1823, Soares Lisboa foi preso e condenado a 10 anos de prisão. Mesmo assim, continuava com a circulação do jornal. Em 24 de novembro foi obrigado a suspender definitivamente a publicação.

Obteve anistia do imperador, desde que deixasse o País. Embarcou para a Europa, em março de 1824, mas na passagem pelo Recife resolveu ficar e aderiu à causa da Confederação do Equador[6]. Pegou em armas e foi morto numa emboscada em 29 de novembro de 1824[7]. “Foi a maior figura da imprensa brasileira de seu tempo” (Sodré, 73).

A Assembléia Constituinte e Legislativa do Brasil, instalada em 3 de maio de 1823, funcionou até 12 de novembro, quando foi dissolvida por D. Pedro. Em seguida o imperador reorganizou seu ministério e instituiu um conselho de Estado para preparar uma nova Constituição. Submetida à apreciação das Câmaras municipais, a Constituição foi outorgada como lei básica do império, em 24 de março de 1824 (Lustosa, 2000: 407).

Somente em 1826, com a Assembléia Legislativa, surgiam as condições para o renascimento da imprensa no Brasil, que se alastrou por todas as províncias. Os jornais refletiam os debates políticos que se dividiam entre conservadores e liberais, entre monarquistas e republicanos. Os embates violentos entre os vários grupos políticos quase extinguiram a imprensa brasileira.

Jornalistas foram assassinados e crescia a revolta entre os brasileiros pelos rumos da política. Direita e esquerda liberais tinham o mesmo discurso e foram fundamentais para que em 7 de abril de 1831 D. Pedro abdicasse do trono. Com o início do período da Regência, logo depois ficaram nítidas as diferenças entre a esquerda e a direita liberais. Os conservadores aproveitaram-se dessa divisão e, numa composição com os liberais de direita, tornaram possível o golpe da Maioridade, em 1840[8].

Nesse novo período, que se iniciou com o 2( Reinado, mudaram as características da imprensa no Brasil. Durante toda a turbulência política que marcou o processo de Independência, os jornais eram francamente opinativos e políticos, com a defesa do pensamento dos vários movimentos que eclodiram no Brasil[9].

No País prevaleciam o latifúndio e a cafeicultura, assentada no escravismo. A Corte reinava absoluta. E a imprensa, que era basicamente política, começava então a ganhar um ar literário. Aos poucos, o jornalismo político foi se fundindo com o literário, segundo Werneck Sodré (183-185).

Na segunda metade do século XIX, os jornais passaram a ter em seu corpo de redação escritores como José de Alencar, Quintino Bocaiúva, Machado de Assis, Manuel Antônio de Almeida. Os contos literários, que depois foram impressos em livros, e os textos mais amenos sobre variedades predominavam nos jornais e conquistavam um público feminino.

As idéias republicanas cresceram e passaram a aparecer novamente nas páginas dos jornais. O movimento abolicionista também estampava-se na imprensa. Estudantes de Direito fundaram jornais liberais e abolicionistas. Grandes figuras políticas entraram nessa luta, como Rodrigues Alves, Joaquim Nabuco e Castro Alves[10]. Após a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, surgiram muitos jornais em todo o País.

Na virada do século, Werneck Sodré assinala a transformação por que passou a imprensa, com o surgimento da empresa jornalística em substituição aos pequenos jornais. A imprensa ganhou uma estrutura empresarial, com novos equipamentos gráficos.

“(...) Se é assim afetado o plano da produção, o da circulação também o é, alterando-se as relações do jornal com o anunciante, com a política, com os leitores. Essa transição começara antes do fim do século (...). Está naturalmente ligada às transformações do país, em seu conjunto, e, nele, à ascensão burguesa, ao avanço das relações capitalistas: a transformação na imprensa é um dos aspectos desse avanço; o jornal será, daí por diante, empresa capitalista, de maior ou menor porte. O jornal como empreendimento individual, como aventura isolada, desaparece, nas grandes cidades. (...) Uma das conseqüências imediatas dessa transição é a redução no número de periódicos” (Sodré, 1983: 275).

Prosperaram títulos alternativos, de linhas anarquista e operária, que pregavam contra o sistema capitalista que se consolidava. Isso foi no início do século XX. Jornais ligados ao Partido Comunista lançavam manifestos favoráveis à Revolução Russa e eram reprimidos por isso.

Ao mesmo tempo, a grande imprensa se fortalecia enquanto empresa. Os jornais ainda eram bastante opinativos e manifestavam-se com relação às guerras, às políticas externas e à política em geral. Os periódicos oposicionistas sofriam ataques e censuras.

Mas a censura oficial veio com Getúlio Vargas, no Estado Novo que instituiu o regime ditatorial no Brasil. O rádio já tinha surgido e também passou a ser controlado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, criado pelo governo ditatorial seguindo modelo nazista.

“‘(...) No (...) período de 1937-1945, foi grande o número de jornais, revistas e panfletos fechados por determinação do executivo e grande também o número de jornalistas presos por delitos de imprensa’” (Freitas Nobre in Sodré, 1983: 381). Os jornais passaram a servir a ditadura.

Passado o governo Vargas, a estrutura empresarial montada em torno dos jornais tornava cada vez mais difícil o surgimento de novos veículos. Muitos jornais desapareceram e os que restaram tinham como característica pertencerem a grupos familiares. Quanto mais se desenvolveram novas tecnologias de comunicação e a mídia acentuou o seu processo de industrialização foi aumentando a concentração da propriedade dos veículos nas mãos de poucos.

O encarecimento da produção de um jornal afastou cada vez mais a possibilidade de jornalistas serem proprietários de jornais. Isso foi regra nos primeiros tempos em que pululavam jornais combativos ou de apoio aos governos. Os impressos eram dos próprios jornalistas que os criavam justamente para poderem manifestar sua opinião ou para contestarem outros jornais.

Embora não houvesse tantos recursos tecnológicos, os poucos homens de letras que havia no início do século XIX eram audaciosos o suficiente para imprimirem o que pensavam, acreditando sempre que expressar as opiniões era importante para convencer outros e ganhar a batalha.

Nas décadas de 60 e 70, na vigência do regime militar no Brasil, parte expressiva dos jornalistas tinha como característica a resistência ao regime de opressão e entendiam seu trabalho como fundamental para o rompimento com a ditadura e a construção de uma outra sociedade.

Muitos jornalistas defendiam a revolução para derrubar o sistema capitalista e construir uma sociedade socialista e comunista. No livro Jornalistas e Revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa, Bernardo Kucinski traça um panorama dos jornais alternativos que surgiram no Brasil durante a ditadura militar. Na apresentação do livro, Kucinski conta que entre 1964 e 1980 surgiram e desapareceram cerca de 150 periódicos “que tinham como traço comum a oposição intransigente ao regime militar” (1991, p. XIII).

Se a grande imprensa sofria censura da ditadura ou era complacente para com o regime, os jornais alternativos faziam denúncias sistemáticas das torturas e violações dos direitos humanos que ocorriam no País.

A imprensa alternativa era feita por jornalistas ligados a movimentos populares ou a correntes de partidos políticos de esquerda que estavam na clandestinidade. Eram jornalistas que tinham clareza do que pretendiam com o jornalismo e invariavelmente haviam perdido emprego na grande imprensa. Criavam assim um meio de trabalho, de denúncia da repressão e de pregação de uma outra sociedade.

“(...) a esse impulso essencialmente jornalístico, somava-se o apelo geral revolucionário das gerações dos anos 60 e 70, fazendo dos jornais alternativos, primeiro, instrumentos de resistência ou de uma revolução supostamente em marcha, depois, numa segunda fase, derrotado esse apelo, caminho de trânsito da política clandestina para a política de espaço público durante o período de abertura” (Kucinski, 1991: XVI).

De acordo com o livro, muitos desses profissionais haviam militado no movimento estudantil no final da década de 60, alguns com passagem pela luta armada e pelas prisões. Juntaram-se a eles recém-formados das escolas de comunicação dos anos 70.

Os profissionais eram oriundos de grandes jornais e revistas em que já faziam um trabalho crítico. Mesmo pertencendo à grande empresa Editora Abril, a revista Realidade, por exemplo, já funcionava com uma redação alternativa. Kucinscki relata que os principais jornalistas da redação de Realidade eram membros de células políticas e discutiam com a direção da revista para impor seus pontos de vista.

Até mesmo a revista Veja tinha em sua redação jornalistas combativos. Em dezembro de 1969, a revista publicou duas reportagens denunciando a tortura de presos políticos. No mês seguinte, foi trocada a equipe de jornalismo que tinha nomes como Raimundo Pereira, Élio Gaspari, Dirceu Brizola e o próprio Bernardo Kucinski. “Fechava-se o último grande espaço para um jornalismo crítico” (Kucinski, 1991: 41).

Ao mesmo tempo em que jornalistas mais engajados eram expurgados da grande imprensa e se embrenhavam no jornalismo alternativo, os que permaneciam nas redações travavam outra forma de luta por melhores salários e condições de trabalho.

No início da década de 60, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo organizava greves nas empresas paulistas. Em 1961, uma greve impediu a circulação dos jornais num final de semana. Parou até o noticiário de TV e rádio. Esse episódio ajudou a fortalecer a organização dos jornalistas em torno do Sindicato[11]. Em 1962, houve greve também nas redações cariocas.

Em 1975, em outro acontecimento, desta vez trágico, os jornalistas tomaram uma atitude que contribuiu para revelar as atrocidades do regime militar. Foi o assassinato de Vladimir Herzog, então chefe de jornalismo da TV Cultura, de São Paulo. A grande imprensa ainda não havia aderido ao processo de abertura política.

A morte de Herzog, sob tortura, no DOI-CODI de São Paulo, em 25 de outubro de 1975, provocou protesto dos jornalistas. O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo “se fechou em assembléia permanente, com apoio da Igreja, da OAB, da Universidade, apoio de dentro do governo. O sindicato fez uma resistência heróica, e essa resistência foi crescendo de tal maneira que ficou insustentável para o governo. Logo em seguida, um operário morreu no mesmo quartel, isso foi o fim” (Ribeiro, 2000: 5).

Muitos jornais alternativos – Versus, Coojornal, Repórter, Opinião, Movimento, Em tempo e outros – tiveram vida curta e encerraram as atividades por motivos variados que vão de divergências políticas internas às dificuldades de administração comercial.

O Pasquim foi o que teve vida mais longa, de 1969 a 1988. Até 1975, o jornal sofreu cerrada censura dos militares. No início dos anos 80, o Pasquim foi vítima desta vez de uma cisão interna por causa de divergências partidárias. Em 1988, o jornal que havia sido símbolo da resistência fechou, depois de ter suas vendas reduzidas a três mil exemplares, em edições quinzenais (e não mais semanais).

O certo é que com a abertura política os jornais alternativos perderam sua principal função – de resistência. Muitos jornalistas também foram sendo absorvidos de volta à grande imprensa.

O jornalista e colunista da Folha de S. Paulo Clóvis Rossi afirma que o papel do jornalista varia de acordo com as condições históricas, econômicas, sociais e políticas. “Não é a mesma coisa ser jornalista em um país rico e em um país pobre, em uma democracia ou sob uma ditadura, na guerra e na paz” (Rossi, 1986: 6).

O avanço das tecnologias foi transformando o perfil dos jornalistas. As redações dos jornais transformaram-se em linha industrial de produção. O computador substituiu a máquina de escrever e vários processos foram informatizados, extinguindo muitas funções dentro de um jornal e causando desemprego. O ritmo do trabalho da redação se submeteu ao horário industrial e o tempo de produção das matérias foi reduzido.

O corre-corre dos jornalistas nas redações faz com que eles tenham menos tempo para fugir dos assuntos mais corriqueiros em busca de novos temas ou novos enfoques. Isso tem se agravado nos últimos tempos. Com meios eletrônicos à disposição, os jornalistas acompanham os últimos acontecimentos em todas as áreas e têm que trabalhar contra o relógio para produzir a notícia num tempo que é determinado pela indústria.

No Brasil, a informatização dos jornais teve início na década de 80. A Folha de S. Paulo foi o primeiro jornal a introduzir computadores na redação. De imediato, foram demitidos 72 jornalistas que faziam a tarefa de revisão[12]. Com programas de auto-correção, cada jornalista passou a ser responsável pela revisão ortográfica de seu texto.

A informatização permitiu que os jornais aproximassem cada vez mais sua produção ao processo de qualquer outra indústria. A Folha de S. Paulo foi substituindo gradativamente boa parte dos jornalistas mais velhos, que não se adaptavam ao novo modo de fazer jornal, por jovens profissionais, “que apresentavam também as vantagens adicionais de ganhar menos, exigir menos e submeter-se mais facilmente ao controle da secretaria de redação” (Arbex, 2001: 148).

Essa nova geração de jornalistas, formada nas universidades a partir da década de 80 e que predomina hoje nas redações, foi integrada mais facilmente ao modelo industrial de jornalismo, em contraposição a profissionais mais antigos que tinham uma tradição de resistência dentro da imprensa brasileira.

Se a ditadura acabou no Brasil, com a eleição de Tancredo Neves em 1985, o País ainda está longe de viver uma democracia. Em 1989 os brasileiros voltaram a eleger o presidente do Brasil pelo voto direto – a última vez fora em 1960, com a eleição de Jânio Quadros[13].

De 1964 a 1985 o Brasil foi comandado pela ditadura dos militares. Em 1989, os brasileiros puderam finalmente eleger de forma direta o presidente da República. Mas o retorno de um mecanismo democrático de escolha dos governantes – a eleição direta – não tem conseguido suplantar a precariedade da democracia ao longo do processo de transição. Vários autores questionam, desde a década de 80, a possibilidade de dissociar democracia política e social (Chauí, 1989; Weffort, 1989; Stepan, 1988; Moisés, 1982; Kowarick, 1988; Przeworski, 1989).

Em vista das crises nas sociedades latino-americanas, em geral, e na brasileira, em particular, tem se constatado que “a democracia política encontrou pela frente um enorme passivo social que não tem conseguido eliminar” (Carvalho, 2002: 6).

José Murilo de Carvalho afirma que “a combinação de oligarquia, populismo e ditadura, no continente latino-americano, potencializa a dissociação entre democracia política e democracia social. Há um contexto de extremas dificuldades e aquela primeira não tem demonstrado bases sólidas para enfrentar as desigualdades sociais” (Carvalho, 2002: 6).

Segundo o geógrafo Milton Santos (1926-2001), a redemocratização tem sido um equívoco: “Não há uma real ‘democratização’ na América Latina. (...) Os governos latino-americanos mantiveram o processo eleitoral, mas não o resto. A garantia de cidadania plena para todos se reduziu junto com os direitos sociais. (...) Ainda assim, continuamos dizendo que estamos nos redemocratizando. E não estamos. Estamos apenas cumprindo um processo eleitoral que é um processo de consumo como qualquer outro. (...) Não é propriamente uma democracia porque a ampliação dos direitos efetivos não foi feita” (Santos, 2002: 104).

Mesmo diante da grave crise social no País, que tem visto a cada dia aumentar o tráfico de drogas e o extermínio da população periférica dos grandes centros, a imprensa não adotou uma postura crítica diante das tragédias sociais, como a fome e a violência, a que assistimos. Se a ditadura militar mobilizou jornalistas em todo o País que denunciaram torturas e assassinatos e exigiram mudanças, a ditadura dos interesses econômicos dominantes continua matando centenas de brasileiros todos os dias, vítimas da fome, da falta de educação e da violência.

Ignacio Ramonet analisa que a figura do jornalista foi perdendo espaço e importância à medida que a comunicação passou a ganhar corpo dentro das instituições. Na atualidade, os sindicatos, empresas, partidos políticos, associações, organizações não-governamentais e outras instituições passaram a ter seus próprios jornais, boletins para veicular suas próprias informações. “Vivemos agora num universo comunicacional (...) em que todo mundo comunica” (Ramonet, 1999: 55).

Nesse contexto, Ramonet avalia que o jornalista perde sua especificidade, sua singularidade. Essas instituições também acabam fornecendo informações para os próprios jornalistas. Os departamentos de comunicação das instituições e empresas de todos os segmentos da economia atualmente inundam as redações com releases sugerindo pautas e notícias sobre o trabalho que desenvolvem.

Com a redução crescente do número de jornalistas dentro das redações esse material produzido fora dos meios de comunicação é bastante utilizado pelos jornais, rádios e TVs. As novas tecnologias também contribuem para o fim da especificidade do trabalho do jornalista, na opinião de Ramonet.

A internet é um exemplo de que qualquer pessoa hoje pode produzir sua própria notícia e torná-la disponível para centenas de outros indivíduos. Outra facilidade das novas tecnologias são as câmeras usadas para gravar cenas cotidianas e que muitas vezes captam imagens de acidentes ou de outros fatos relevantes e que acabam sendo veiculadas depois nas redes comerciais de televisão.

Esse material poderia ter um aproveitamento em meios alternativos de comunicação, em que a comunidade produziria sua própria informação. Há rádios e TVs comunitárias, por exemplo, que estimulam esse tipo de produção o que é bastante positivo para a construção de espaços democráticos de comunicação.

No entanto, quando esse material é transmitido via grandes meios, ele é só mais uma matéria-prima do grande noticiário e acaba reforçando a idéia de que as imagens e a instantaneidade valem mais do que qualquer abordagem jornalística mais aprofundada a sobre determinado assunto.

Afinal, imagens que captam fatos na hora em que estão acontecendo e informações veiculadas pela rede de computadores também de casos recém-acontecidos – mesmo sem a devida apuração – têm audiência e leitura garantidas. O fato e o indivíduo são colocados cara a cara, sem a intermediação dos jornalistas.

“(...) se cada cidadão se torna jornalista, o que restará propriamente aos jornalistas profissionais?” – pergunta Ramonet (1999: 56). Não é esse tipo de participação da comunidade que interessa para que a comunicação sirva de fato à sociedade na construção da democracia.

O jornalista, dentro da nova mídia, torna-se mais uma testemunha diante do fato, segundo Ramonet, porque ele constata seu acontecimento e transmite a informação sem analisá-la. O jornalismo se confunde com testemunho.

Os jornalistas, muitas vezes, acabam exercendo a profissão sem analisar os reflexos de sua atividade profissional na construção de uma sociedade democrática. “A noção de que os meios de comunicação são apenas condutores de informação prevalece não apenas entre acadêmicos, mas também entre jornalistas e outros profissionais da comunicação” (Porto, 1998: 23).

Porto cita vários autores que apontam a importância do jornalista para a democracia. “(...) o jornalista não é apenas um provedor de informações, mas contribui para dar significado político ao mundo” (Hallin, 1994: 1). Esse mesmo autor critica que “sem conexões com instituições de debate político de onde interpretações se originam, jornalistas movem-se sem direção e de forma irresponsável por inúmeras posições, apresentando uma visão de mundo intimamente vinculada às perspectivas dos membros do Estado” (Hallin, 1994: 5-7).

O mito da objetividade, criado pelo jornalismo americano e adotado como modelo no jornalismo brasileiro, contribui para que os jornalistas acreditem estar cumprindo uma atividade em que a subjetividade não deve transparecer. De acordo com o princípio da objetividade, “o papel da imprensa é relatar os fatos de forma neutra, sem que as opiniões e valores dos jornalistas interfiram no relato das notícias” (Porto, 1998: 23).

Um dos jornalistas mais respeitados no Brasil, Cláudio Abramo (1923-1987) criticava essa aparente postura de neutralidade. “O jornalista não pode ser despido de opinião política. A posição que considera o jornalista um ser separado da humanidade é uma bobagem. A própria objetividade é mal-administrada, porque se mistura com a necessidade de não se envolver, o que cria uma contradição na própria formulação política do trabalho jornalístico. Deve-se, sim, ter opinião (...). É preciso ter consciência. O que se procura, hoje, é exatamente tirar a consciência do jornalista. O jornalista não deve ser ingênuo (...)” (Abramo, C., 2002: 109).

Segundo análise de Cláudio Abramo, na década de 80, para um jornalista ser bem-sucedido ele deveria ser despido de opinião. “É uma violação do direito íntimo de as pessoas terem opinião; uma equiparação da profissão a uma espécie de renúncia de si mesmo: não se tem opinião sobre nada, principalmente opinião política” (2002: 115).

Além de defender o fim desse discurso da neutralidade, Abramo entendia ser necessário para os jornalistas uma sólida formação cultural e humanística, muita leitura e vivência. Só com essa bagagem, o jornalista teria referências que o ajudariam a fazer o registro do cotidiano. A carência desse tipo de conhecimento – para ele – consistia numa tragédia para o jornalismo.

Referência bibliográfica e bibliografia consultada

ABRAMO, Cláudio. A Regra do Jogo. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.

ARBEX JR., José. Showrnalismo – a notícia como espetáculo. São Paulo, Editora Casa Amarela, 2001.

CARVALHO, José Murilo de. Do patético ao tragicômico. In Folha de S. Paulo. São Paulo, Caderno Mais, 11 ago. 2002, p. 4-6.

HALLIN, D. We keep America on top of the world: television journalism and the public sphere. New York, Routledge, 1994.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo, Scritta Editorial, 1991.

LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (1821 – 1823). São Paulo, Companhia das Letras, 2000.

RAMONET, Ignacio. A tirania da comunicação. Petrópolis, Vozes, 1999.

RIBEIRO, José Hamilton. A história do Sindicato de São Paulo. In Jornal da Casa. Londrina, set. 2000, p. 5.

RIBEIRO, José Hamilton . Jornalistas: 1937 a 1997. Sessenta anos da fundação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1998.

ROSSI, Clóvis. Vale a pena ser jornalista? São Paulo, Editora Moderna, 1986.

SANTOS, Milton. O País distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania. Ribeiro, Wagner Costa (org.). São Paulo, Publifolha, 2002.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. São Paulo, Martins Fontes, 1983.

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[1] Esta comunicação é parte da Dissertação de Mestrado da autora. A dissertação intitula-se Um Retrato de quem Retrata o Mundo, defendida em julho de 2003 no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

[2] Professora do Curso de Jornalismo do Departamento de Comunicação Social da Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR), em Londrina.

[3] (Sodré, 1983: 28).

[4] (Sodre, 1983: 66-67, 95-96, 122, 170).

[5] (Sodré, 1983: 55-57).

[6] Movimento republicano e separatista que congregava os descontentamentos com a dissolução da Constituinte de 1823 e também com a outorga da Constituição de 1824.

[7] (Sodré, 1983: 72-73).

[8] (Sodré, 1983:119, 120, 128).

[9] Sobre esses movimentos ver: Bomfim, 1931, e Cunha, 1966.

[10] (Sodré, 1983: 197).

[11] De acordo com o livro Jornalistas – 1937 a 1997 – 60 anos da fundação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, de José Hamilton Vieira.

[12] Conforme José Arbex Jr. (2001: 147).

[13] Janio Quadros tomou posse em 31/1/1961 e renunciou em 24/8/1961. O vice dele, João Goulart tomou posse em 7/9/1961, após uma manobra do Congresso que instituiu o Parlamentarismo. Jango governou até 1º/4/1964, já no regime presidencialist`, quando foi derrubado pelo golpe militar.

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