Desde os finais da década de oitenta que assistimos ...



Utilização e Importância dos Medicamentos Genéricos em Portugal

Caldas, Ana Rita ; Cambão, Mariana; Ferreira, Joana; Monteiro, Joana; Neto, Joana; Sousa, Cristina M.; Pires, Joana;

Grupo 2 Turma 8

Introdução à Medicina 2002/2003

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Abstract

Introdução: Em Portugal os medicamentos genéricos estão consagrados na lei desde 1990, mas só a partir de 1998 é que se começa a sentir a sua lenta entrada no país, ocupando em 2002 cerca de 1,5% do mercado total de medicamentos, apesar de noutros países as quotas de mercado serem já bastante maiores.

Objectivo: Analisar a opinião dos médicos relativamente à utilização de medicamentos genéricos e determinar a frequência de utilização dos mesmos.

Participantes e Métodos: Realizou-se um estudo transversal com a aplicação de um questionário estruturado a uma amostra aleatória da listagem de todos os médicos (especialistas e internos complementares) que trabalham no Hospital de S. João da cidade do Porto. Analisaram-se estatisticamente os dados obtidos, utilizando a estatística descritiva e inferencial e construindo tabelas e gráficos ilustrativos e apropriados.

Resultados: Dos 25 médicos inquiridos a maioria classifica como medíocre o seu nível de conhecimento acerca de medicamentos genéricos (64%), assim como a informação disponível sobre os mesmos (56%). Embora poucos médicos consumam medicamentos genéricos (32%), prescrevem-nos, por vezes, aos seus doentes (88%). Os factores com maior grau de influência nessa prescrição são a confiança nos medicamentos genéricos (62,5%) e a condição económica do doente (60%).

Discussão: Verificou-se que embora atribuam grande importância aos medicamentos genéricos (especialmente devido aos menores encargos que trazem para o utente e para o SNS) é ainda relativamente baixo o número de médicos que prescreve estes medicamentos. Apesar desta pequena adesão à prescrição dos medicamentos genéricos e à falta de informação generalizada que se verificou existir, a maioria dos médicos inquiridos acredita num futuro positivo para o mercado de medicamentos genéricos em Portugal.

Introdução

Desde os finais da década de oitenta que assistimos periodicamente à discussão pública sobre medicamentos genéricos (1). Estes, para tomarem esta designação, têm de ser essencialmente similares a um medicamento de referência, isto é, têm de apresentar a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, sob a mesma forma farmacêutica e, para os quais, é demonstrada a bioequivalência com o medicamento de referência, através de estudos de biodisponibilidade adequados. Para além disso, os direitos de propriedade industrial ou processo de fabrico têm de ter caducado e não podem invocar a seu favor indicações terapêuticas diferentes ao medicamento de referência já autorizado.(2, 3)

Os Medicamentos Genéricos podem apresentar preços significativamente mais baixos (custam, pelo menos, menos 35% que os medicamentos de marca e têm ainda mais 10% de comparticipação do que os restantes) uma vez que não têm de suportar custos de marca.(3)

O mercado dos medicamentos genéricos encontra-se bastante evoluído em vários países que todos vêem como desenvolvidos, no entanto, e apesar de algumas medidas legislativas tendentes à implementação do seu uso, a quota no mercado destes medicamentos em alguns países é ainda muito reduzida.

Entre 1996 e 1997, a quota de mercado média dos Medicamentos Genéricos na Europa era de 15%. Em 1998, alguns estudos revelaram que nos E.U.A. e no Canadá o mercado destes medicamentos atingiu o volume de 40%, devido aos baixos custos a que eram vendidos. Estudos mais recentes indicam que, em países como o Reino Unido e a Dinamarca, o mercado de Genéricos atinge cotas de cerca de 49% e 80%, respectivamente; ao contrário de países como a Espanha, França, Portugal, Itália e Suécia, em que a popularidade dos Medicamentos Genéricos é ainda muita reduzida.(2, 4, 5)

Em Portugal os medicamentos genéricos estão consagrados na lei desde 1990, mas em 1998 a sua quota no mercado era de pouco mais do que 0%. Só a partir desta data, devido à operacionalização do sistema europeu de reconhecimento mútuo é que se começa a sentir a sua lenta entrada no país, ocupando em 2002 cerca de 1,5% do mercado total de medicamentos (6).

Várias ordens de factores têm contribuído para a baixa popularidade dos medicamentos genéricos como: má percepção da definição de medicamento genérico; os hábitos de prescrição por nome comercial e não por DCI (Denominação Comum Internacional), ou seja, pelo nome da substância activa; dúvidas quanto à qualidade dos genéricos e ausência de informação por parte dos prescritores e do público em geral; escassez de medidas institucionais de peso, que não acompanha a actualização e aperfeiçoamento do regime jurídico vigente; receios quanto à perda de liberdade de prescrição. A ausência da protecção de patentes até 1995, com a possibilidade de entrada no mercado de cópias de marcas a preços mais baixos (ocupando estes produtos hoje em dia 17% do volume de vendas) contribuiu também para a moderada evolução dos medicamentos em território nacional (7).

A classe médica, à qual competirá sempre zelar pelo melhor interesse do doente, demonstra ainda alguma resistência quanto à utilização dos medicamentos genéricos; já os farmacêuticos não entendem a razão pela qual se deixa à descrição do médico a decisão de autorizar ou não a substituição de um medicamento por outro igual de um produtor diferente, sem que lhe seja exigida qualquer justificação técnica.

No âmbito desta temática propomo-nos a analisar a opinião dos médicos relativamente à utilização dos medicamentos genéricos e determinar a frequência de prescrição dos mesmos.

 

Participantes e Métodos

Este trabalho consiste num estudo transversal, realizado prospectivamente, no período de Novembro de 2002 a Maio de 2003, por um grupo de sete alunas da disciplina de Introdução à Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

O estudo consistiu na aplicação de um questionário estruturado a uma amostra aleatória da listagem de todos os médicos (especialistas e internos complementares) que trabalham no Hospital de S. João da cidade do Porto.

A dimensão da amostra aleatória a estudar foi calculada através da seguinte fórmula: N = (Zα/2)2 p (1- p) / d2 (N = tamanho da amostra; Zα/2 = desvio normal que reflecte o erro tipo I; p = proporção que se pretende estimar; d2 = distância do intervalo de confiança), sendo que o resultado obtido para o tamanho da amostra foi de 50 médicos, para um intervalo de confiança de 14%.

O questionário utilizado foi construído tendo em conta as variáveis que se pretendiam quantificar e a subsequente construção da base de dados para o processamento dos mesmos. Tiveram-se preocupações com a linguagem (a linguagem do questionário é clara e objectiva), com o formato (o questionário começa com uma introdução, que descreve os objectivos do mesmo e assegura a confidencialidade dos dados recolhidos) e com o tipo de questões (as 25 questões que compõem o questionário são todas de resposta fechada e são apresentadas de uma forma sequencialmente lógica, de modo a facilitar a resposta ao entrevistado assim como a codificação e análise ao entrevistador). Com o objectivo de detectar erros na construção do questionário e melhorar o seu conteúdo foram distribuídos 10 questionários piloto.

Depois de obtida uma lista com os nomes e serviços dos 50 médicos pertencentes à amostra a estudar, definiu-se o método para a colheita de dados. Decidiu-se que o questionário deveria ser aplicado através de uma entrevista no local de trabalho do médico participante, respeitando os seguintes passos: 1) apresentação ao entrevistado (o entrevistador identificou-se como aluno da disciplina de Introdução à Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto); 2) explicação dos propósitos do questionário (o aluno explicou que fazia parte de um grupo ao qual foi proposto a realização de um trabalho com o objectivo de analisar a opinião dos médicos relativamente à utilização de medicamentos genéricos e estimar a frequência de prescrição dos mesmos); 3) entrevista ou na impossibilidade da sua realização no momento, marcação de data e hora mais convenientes para o médico. Por preferência da maioria dos médicos, foi-lhes entregue e explicado o questionário e mais tarde recolhido. O questionário foi, deste modo, aplicado através de duas formas: entrevista (pessoal) e auto resposta (porta a porta); 4) agradecimento da colaboração.

Construiu-se a base de dados, em função das variáveis a analisar, utilizando o programa SPSS (.

Fez-se a colheita de dados (aplicação do questionário). No total, deveriam ter sido respondidos 50 questionários. No entanto, devido a dificuldades encontradas durante a realização das entrevistas apenas foram obtidos 25 questionários (50%) dos 50 que se propunham ser respondidos. Dos 25 questionários sem resposta, 2 foram por recusa. Dos restantes 23, os motivos para a não resposta foram os seguintes: existência de médicos na listagem que já não trabalham no Hospital de S. João (4), médicos reformados (2), médicos de férias (1), médicos desconhecidos/ não encontrados (5), médicos indisponíveis (11). Os 25 médicos questionados tinham idades compreendidas entre os 26 e 62 anos e pertenciam a especialidades variadas.

Introduziram-se os dados na base de dados e editaram-se os mesmos a fim de detectar e corrigir algum erro no seu processamento.

Analisaram-se estatisticamente os dados, utilizando a estatística descritiva e inferencial e construindo tabelas e gráficos ilustrativos e apropriados.

Resultados

A partir da análise dos questionários, pode-se afirmar que a introdução dos medicamentos genéricos em Portugal é considerada importante pela grande parte dos médicos inquiridos (76%). (Gráfico 1)

Gráfico 1 - Dos 25 médicos inquiridos, 76% considera importante a introdução dos medicamentos genéricos. 16% considera mesmo que é muito importante e apenas 8% pouco importante.

Tentou fazer-se uma relação entre a importância dos medicamentos genéricos e a frequência de prescrição dos ditos, patente no gráfico seguinte (Gráfico 2).

Gráfico 2 - Verifica-se que a frequência de prescrição dos MG aumenta com o nível de importância que os médicos lhes atribuem.

Quando um determinado princípio activo tem como opção um medicamento genérico, a maioria dos médicos inquiridos (88%) afirma que apenas prescreve com alguma frequência este tipo de medicamentos. (Gráfico 3)

Gráfico 3 – Em relação à utilização de medicamentos genéricos, verificou-se que 88% prescreve-o com alguma frequência, 4% nunca o prescreve e 8% prescreve-o sempre. 

De um modo geral, os médicos consideram que as vantagens mais significativas decorrentes da utilização dos medicamentos genéricos são os menores encargos para o utente e para o Sistema Nacional de Saúde; a vantagem menos relevante é a aplicação das poupanças resultantes da prescrição dos genéricos em formação/congressos. (Tabela 1)

Tabela 1 – Vantagens da Utilização de Medicamentos genéricos - Relativamente à classificação das vantagens dos medicamentos genéricos, numa escala de 1 a 5 (1=nada importante e 5=muito importante), e considerando apenas as respostas superiores a 3, a mais apontada foi “os menores encargos para o utente”.

Segundo a opinião médica, os factores com maior grau de influência na utilização dos medicamentos genéricos são o nível de confiança nos mesmos, a condição económica do doente e o nível de conhecimento sobre genéricos; a publicidade e a opinião de outros doentes são considerados os menos importantes. (Tabela 2)

Tabela 2 – Factores que influenciam a prescrição de medicamentos genéricos - Em relação aos factores que influenciam a prescrição de medicamentos genéricos, numa escala de 1 a 5, (1=nada importante e 5=muito importante), e considerando apenas as respostas superiores a 3, o considerado mais importante é o nível de confiança

Relativamente ao nível de conhecimento acerca dos medicamentos genéricos, verificou-se que a maioria dos médicos inquiridos (64%) o classifica como medíocre e apenas 36% como bom; nenhum dos inquiridos considera que o seu nível de conhecimento é muito bom ou mau. Tentou estabelecer-se uma relação entre o conhecimento dos medicamentos genéricos e o consumo pessoal dos mesmos, traduzida no gráfico 4.

Gráfico 4 - O nível de conhecimento acerca dos medicamentos genéricos inflluencia o consumo pessoal destes por parte dos médicos inquiridos, já que no grupo de médicos com um melhor nível de conhecimento acerca dos medicamento genéricos o consumo destes medicamentos é maior.

No que diz respeito à informação disponível acerca dos medicamentos genéricos, há uma pequena percentagem (12%) que a classifica como má; para a grande parte dos médicos (56%) é medíocre e para 32% é boa.

Aos medicamentos genéricos são associadas algumas desvantagens: o decréscimo no investimento na investigação de novos fármacos é uma grande desvantagem apontada por 48% dos médicos; o estímulo da competitividade entre as indústrias farmacêuticas é considerada igualmente uma desvantagem, embora de menor impacto; a distorção das regras concorrenciais é uma desvantagem de importância considerável.

A alteração da prescrição pelos farmacêuticos não é muito bem aceite entre a população médica; de facto, 80% discorda dessa possibilidade.

A evolução do mercado de medicamentos genéricos é tida pela maioria dos médicos como positiva. (Gráfico 5)

Gráfico 5 - Actualmente, os medicamentos genéricos ainda não estão plenamente implementados em Portugal; todavia as expectativas médicas futuras são optimistas: 72% considera que a sua evolução no mercado será positiva, 24% que se irá manter como na actualidade e apenas 4% que será uma evolução negativa.

Discussão 

A introdução dos medicamentos genéricos no mercado farmacêutico português constituiu um acontecimento de grande importância.  De facto, a ela estão associadas grandes vantagens, sendo de salientar os menores encargos para o doente e para o Sistema Nacional de Saúde. No entanto, é ainda razoavelmente baixa a quantidade de médicos que receita o medicamento genérico para o princípio activo desejado, sendo apontados o nível de confiança nos medicamentos genéricos e a condição económica do doente como os principais factores levados em consideração no momento da prescrição.

O nível de conhecimento em relação aos medicamentos genéricos é também bastante baixo, talvez devido à  pouca quantidade e má qualidade da informação disponibilizada aos médicos em relação a este tema, sendo, no entanto, a maior parte desta informação fornecida através de publicações governamentais (ex.: Infarmed). Grande parte dos médicos tem conhecimento de alguns estudos de bioequivalência, havendo uma maior tendência para a prescrição por parte daqueles cujo conhecimento destes estudos é mais alargado. 

O nível de conhecimento influencia também o consumo destes medicamentos pelo próprio médico; de facto, há uma maior tendência para este consumo pessoal quando o nível de conhecimento é mais elevado. Por outro lado, esta experiência pessoal não altera de um modo significativo a frequência de prescrição de medicamentos genéricos aos doentes.

Para além da grande resistência demonstrada pelos médicos no que diz respeito à prescrição de medicamentos genéricos, a maioria dos mesmos tem também uma atitude particularmente negativa face à possibilidade de substituição do medicamento prescrito por parte do farmacêutico.

Do ponto de vista do paciente existe ainda alguma relutância em relação à utilização dos medicamentos genéricos e são poucos aqueles que solicitam a sua prescrição. De um modo geral, o doente não se manifesta de forma significativa em relação à prescrição deste tipo de medicamentos.

Como principal desvantagem da introdução dos medicamentos genéricos no mercado merece especial realce a possibilidade de decréscimo do investimento na investigação, com a estagnação da descoberta de novos princípios activos.

A reduzida adesão à prescrição dos medicamentos genéricos e a falta de informação generalizada sobre este tema constituem, actualmente, uma realidade em Portugal, contrariamente ao que acontece em países como Alemanha, Dinamarca, Reino Unido e Holanda, onde o mercado de medicamentos genéricos já se encontra consideravelmente desenvolvido(2,4). Todavia, existem expectativas optimistas no que diz respeito à evolução do mercado de medicamentos genéricos no nosso país, tal como esperam as estimativas realizadas pelo Ministério da Saúde.(8) 

Durante a realização do estudo surgiram algumas dificuldades, nomeadamente: o diminuto tamanho da amostra, devido ao reduzido número de questionários conseguidos; o facto de as respostas ao questionário terem sido obtidas por auto-resposta e não através de entrevista, devido à indisponibilidade dos médicos; a escassa disponibilidade de estudos relativos ao tema em questão, por se tratar de  um tema actual e, porque o tema do nosso trabalho incide exclusivamente no estudo da utilização e importância de medicamentos genéricos em Portugal,  o que de certo modo limitou o estabelecimento de relações e a retirada de ilações. 

Bibliografia

(1) Aranda da Silva JA. Medicamentos Genéricos: Mitos e Realidades - Falta de informação... ou manipulação da dita?. Jornal Médico de Família, série III, nº31, Set 2002: 12-13

(2) 1.º Simpósio Nacional "O medicamento genérico". in Livro O medicamento genérico, Ciclum Farma. 2001

(3) Pelicano A. Muito Genericamente. Revista Mundo Médico, ano 3, nº24, Set/Out 2002: 18

(4) Nunes, R. capítulo 3: Política do Medicamento: 33-59. in Nunes, R.; Rego, G. Prioridades na Saúde, Mc GrawHill. Lisboa 2002.

(5) Genéricos ganham mais medicamentos. Jornal de Notícias, 9 Dez 2002

(6) Revista Farmácia Distribuição, revista profissional de farmácia, nº134, Out 2002: 32-37

(7) infarmed.pt

(8) Inverneiro, R. Novo Sistema de Comparticipações já entrou em vigor – genéricos e preços de referência. Revista Nova Gente, n.º1384, 26 Mar 2003 – 1 Abr 2003: 60-62

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