Uma história do jornalismo em Portugal até ao 25 de Abril ...
Uma hist?ria do jornalismo em Portugal at? ao 25 de Abril de 1974
Jorge Pedro Sousa
Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investiga??o Media & Jornalismo
jorgepedrosousa@
?ndice
Em jeito de introdu??o... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1 A g?nese do jornalismo peri?dico em Portugal . . . . . . . . 2 2 O jornalismo portugu?s sob o signo do Iluminismo (s?culo
XVIII) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 3 O jornalismo portugu?s no s?culo XIX . . . . . . . . . . . . 11 3.1 A imprensa no per?odo subsequente ? Revolu??o Liberal de
1820 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3.2 O jornalismo portugu?s no per?odo de instabilidade (1834-
1851) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3.3 A industrializa??o da imprensa portuguesa . . . . . . . . . 29 3.4 O jornalismo portugu?s no final da Monarquia . . . . . . . 47 3.5 Fotojornalismo em Portugal no s?culo XIX . . . . . . . . . 48 4 Jornalismo em Portugal no s?culo XX (at? 1974) . . . . . . 50 4.1 A imprensa sob o signo do Estado Novo . . . . . . . . . . 56 4.2 Fotojornalismo em Portugal no s?culo XX (at? 1974) . . . 62 4.3 Radiojornalismo em Portugal no s?culo XX . . . . . . . . 67 4.4 Telejornalismo e cinejornalismo em Portugal no s?culo XX
(at? 1974) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 5 Os jornalistas em Portugal at? Abril de 1974 . . . . . . . . . 76 Conclus?es . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
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Jorge Pedro Sousa
Em jeito de introdu??o...
Desde a funda??o da nacionalidade que houve dispositivos pr?-jornal?sticos em Portugal, como as cr?nicas (de que ? exemplo a celebrada Cr?nica de D. Jo?o I, de Fern?o Lopes) e as cartas. Na segunda metade do s?culo XVI come?aram a ser editadas folhas noticiosas ocasionais de temas variados, algumas das quais sob a forma de pequenos livros. Nesse plano, Portugal acompanhou aquilo que se ia passando nos restantes pa?ses europeus.
Do mesmo modo, tal como aconteceu noutros pa?ses da Europa, o s?culo XVII trouxe a Portugal a novidade do jornalismo peri?dico. O seu primeiro ind?cio foi a publica??o ocasional de duas rela??es pluritem?ticas de not?cias, em 1626 e 1628, mas, em 1641, gra?as ? necessidade de propagandear a Restaura??o da Independ?ncia, come?ou a circular no pa?s o primeiro jornal peri?dico portugu?s: a Gazeta.
1 A g?nese do jornalismo peri?dico em Portugal
A primeira rela??o portuguesa pluritem?tica de not?cias impressa, pelo menos a primeira das que sobreviveram, foi a Rela??o Universal do que Succedeu em Portugal e Mais Provincias do Occidente e Oriente, desde o m?s de Mar?o de [1]625 at? todo Setembro de [1]626, redigida por Manuel Severim de Faria e extra?da de um conjunto de rela??es manuscritas do mesmo autor, reunidas na obra Hist?ria Portuguesa e de Outras Prov?ncias do Ocidente, Desde o Ano de 1610 At? o de 1640 da Feliz Aclama??o d'El Rei D. Jo?o o IV Escrita em Trinta e Uma Rela??es.
A Rela??o Universal apareceu em 1626, em Lisboa, e foi reimpressa em 1627, em Braga. Manuel Severim editou, contudo, um segundo n?mero das suas Rela??es, compreendendo not?cias do per?odo de Mar?o de 1626 a Agosto de 1627, que foi impresso em ?vora, em 16281.
As Rela??es de Manuel Severim de Faria tinham a forma de um pequeno op?sculo (formato de quarto, sensivelmente 20 cm x 14 cm),
1 Tengarrinha (1989: 29 e 35) op?e-se a que estas Rela??es de Manuel Severim de Faria sejam consideradas o primeiro jornal peri?dico portugu?s, pois apenas foram editados dois n?meros, pelo que "n?o t?m, como se exige no jornalismo, car?cter e periodicidade", falta-lhes "duas condi??es essenciais: continuidade e encadeamento".
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eram impressas em papel de linho e continham not?cias de v?rias partes do mundo, sendo o primeiro n?mero (32 p?ginas) mais volumoso que o segundo (18 p?ginas). Por?m, conforme dissemos anteriormente, ? poss?vel que, mesmo contando com a exist?ncia de diversas folhas volantes monotem?ticas (algumas tamb?m designadas "rela??es", no sentido de serem um relato), essas Rela??es de Manuel Severim de Faria nem sequer tenham sido as ?nicas publicadas em Portugal nessa ?poca, pois existe na Torre do Tombo uma Carta R?gia, datada de 26 de Janeiro de 16272, onde se regista que, nessa data, j? existiam rela??es de not?cias h? alguns anos em Portugal:
"De alguns anos a esta parte se tem introduzido nesta cidade escrever e imprimir rela??es de "novas gerais"; e porque em algumas se fala com pouca certeza e menos considera??o, de que resultam graves inconvenientes, ordenareis que se n?o possam imprimir sem as licen?as ordin?rias e que antes de as dar se revejam e examinem com especial cuidado".
Assim, atrav?s dessa Carta R?gia alargava-se ?s rela??es de not?cias (incluindo quer as folhas volantes quer os primeiros jornais) o sistema de censura pr?via e de licen?as de impress?o j? patente nas Ordena??es do Reino:
"Por se evitarem os inconvenientes que se podem seguir de se imprimirem em nossos Reinos e Senhorios ou de se mandarem imprimir fora deles livros ou obras feitas por nossos vassalos, sem primeiro serem vistas e examinadas, mandamos que nenhum morador nestes Reinos imprima, nem mande imprimir neles nem fora deles obra alguma, de qualquer mat?ria que seja, sem primeiro ser vista e examinada pelos desembargadores do Pa?o, depois de ser vista e aprovada pelos oficiais do Santo Of?cio da Inquisi??o. E achando os ditos desembargadores do Pa?o que a obra ? ?til para se dever imprimir, dar?o por seu despacho licen?a
2 Ma?o da correspond?ncia do Desembargador do Pa?o, fol. 19, dirigida por Filipe III ao chanceler-mor do reino, Crist?v?o Soares, como veremos posteriormente.
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que se imprima, e n?o o sendo, a negar?o. E qualquer impressor livreiro ou pessoa que sem a dita licen?a imprimir ou mandar imprimir algum livro ou obra, perder? todos os volumes que se acharem impressos e pagar? cinquenta cruzados, a metade para os cativos e a outra para o acusador" (Ordena??es do Reino, livro 5o, t?tulo 102).
Os constrangimentos legais ? imprensa, decorrentes do modelo normativo e funcional de jornalismo franc?s do s?culo XVII, cercearam, assim, o jornalismo portugu?s emergente. Ali?s, a Restaura??o da Independ?ncia de Portugal, a 1 de Dezembro de 1640, tamb?m n?o trouxe boas novidades ? emergente imprensa portuguesa, pois logo em 1643 foram publicadas, por Dom Jo?o IV, leis que refor?avam o sistema de licen?as pr?vias e censura, revigoradas por um decreto de Agosto de 1663. Essa situa??o s? mudou com o liberalismo, no s?culo XIX (recorde-se que no s?culo XVIII, mais especificamente em 1768, foi, inclusivamente, institu?da em Portugal a Real Mesa Cens?ria).
A primeira gazeta portuguesa, publica??o noticiosa inspirada na La Gazette francesa de 1631 (Tengarrinha, 1989: 38), ? a Gazeta, cujo primeiro n?mero se intitulou Gazeta em Que se Relatam as Novas Todas, Que Ouve Nesta Corte, e Que Vieram de V?rias Partes no M?s de Novembro de 1641, publicada em Lisboa, com privil?gio real concedido a Manuel de Galhegos, e que, como algumas das outras gazetas, parecia, na forma (cerca de 20 x 14 cm) e volume (12 p?ginas), um pequeno op?sculo. Essa gazeta, que inaugura o jornalismo peri?dico em Portugal, foi publicada, com maior ou menor regularidade3, at? 1647, sendo o conjunto dessas publica??es conhecidas como "gazetas da Restaura??o". Em Outubro de 1642, a Gazeta "da Restaura??o" passou a incluir a men??o "de Novas Fora do Reino", pois foi proibida a publica??o de not?cias nacionais.
Entre 1647 e 1663 n?o foram publicadas quaisquer publica??es peri?dicas em Portugal, apenas surgiram, pontualmente, folhas volantes, que publicavam, essencialmente, not?cias sobre a guerra da independ?ncia que Portugal travava contra Espanha (Tengarrinha, 1989: 39).
3 Inicialmente, as gazetas "da Restaura??o" tiveram periodicidade mensal e em alguns casos quinzenal, mas posteriormente, tendo em conta os documentos sobreviventes, houve grandes per?odos de tempo (por vezes mais de seis meses sucessivos) em que n?o foram publicadas.
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O Merc?rio Portugu?s foi a segunda publica??o peri?dica est?vel que surgiu em Portugal. Apresentava, a forma e estilo da Gazeta "da Restaura??o", o que evidencia que a denomina??o merc?rio, gazeta ou mesmo rela??o n?o serve, a priori, para destrin?ar o tipo de publica??o de que se trata (para os europeus dos s?culos XV e XVI, as designa??es deveriam ser relativamente equivalentes). Cada n?mero procurava fazer uma cronologia noticiosa dos acontecimentos principais ao longo de um m?s inteiro4, embora sem preocupa??es de encadeamento. Foi editado em Lisboa, entre Janeiro de 1663 e Julho de 1667.
O prop?sito principal do Merc?rio Portugu?s era, tal como escreveu o seu editor, Ant?nio de Sousa Macedo5, relatar as novidades da guerra entre Portugal e Castela (Guerra da Restaura??o), constituindose quase como uma cr?nica noticiosa desse conflito, ? semelhan?a de um folhetim. Os textos do Merc?rio t?m, assim, um marcado cunho pol?tico e propagand?stico (engrandecer os feitos portugueses e diminuir o estatuto dos espanh?is), al?m de noticioso, que tamb?m aproximam esse jornal do modelo ingl?s. Veja-se o seguinte exemplo de not?cia do Merc?rio Portugu?s:
"Em tr?s deste m?s de Mar?o, em duas incurs?es que Le?o Leite de Oliveira, governador da pra?a de Campo Maior, mandou fazer em Ouguella, encontraram-se quinze cavaleiros do inimigo, com dois tenentes, [tendo os portugueses] tomado treze cavaleiros e ambos os tenentes e noventa cavalos carregados (...) escapando outros. Em v?rios dias seguintes tomou a cavalaria daquela pra?a [Campo Maior] (...) outros cavaleiros." (Merc?rio Portugu?s Com as Novas do M?s de Mar?o do Ano de 1664)
O Merc?rio Portugu?s inclu?a alguns t?tulos na primeira p?gina, al?m da refer?ncia ao m?s e ano de publica??o. Por exemplo, no n?mero
4 Um merc?rio franc?s que circulou em Portugal ap?s 1643, entre outras publica??es europeias de ent?o, ter? fornecido o modelo para o Merc?rio Portugu?s. Tratouse de Le Mercure Portugais ou Relations Politiques de la Fameuse R?volution d'?tat Arriv?e en Portugal depuis la Mort de D. S?bastien jusque au Couronnement de D. Jean IV, de que, segundo Tengarrinha (1989 : 42), sa?ram sete n?meros.
5 Segundo Tengarrinha (1989: 41), os sete n?meros do Merc?rio publicados em 1667 j? n?o foram redigidos por Sousa Macedo.
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