GRUPO II - CLASSE VII - Plenário



GRUPO II - CLASSE VII - Plenário.

TC-019.967/2005-4.

Natureza: Representação.

Órgão: Tribunal de Contas da União - TCU

Interessada: Secretaria de Material, Patrimônio e Comunicação Administrativa - SEMAT/TCU

Advogado: não há

Sumário: REPRESENTAÇÃO. ATOS DE DISPENSA E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. PUBLICAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA.

As aquisições caracterizadas por dispensa ou inexigibilidade de licitação, previstas nos arts. 24, incisos III e seguintes, e 25, da Lei 8.666/93, podem ser fundamentadas em dispensa de licitação, alicerçadas no art. 24, incisos I e II, da referida Lei, quando os valores se enquadrarem nos limites estabelecidos neste dispositivo.

RELATÓRIO

Trata-se de Representação da Secretaria de Material, Patrimônio e Comunicação Administrativa do TCU– SEMAT, contestando orientação da Secretaria de Controle Interno do TCU – SECOI, Secoi Comunica nº 6/2005, no sentido de que “a eficácia dos atos de dispensa ou inexigibilidade de licitação a que se refere o art. 26 da Lei nº 8.666/93 (art. 24, incisos III a XXIV e art. 25 da Lei n. 8.666/93), independentemente do valor do objeto, está condicionada a sua publicação na Imprensa oficial”.

2. Passo a transcrever o inteiro teor da Representação da Semat, bem como a manifestação da Consultoria Jurídica do Tribunal, para melhor visualizar o questionamento suscitado.

A presente representação tem como objetivo questionar o entendimento firmado pela SECOI no “Comunica SECOI nº 6 /2005”, publicado na página daquela Secretaria na intranet, para fins de avaliação inicial por parte da Comissão de Coordenação Geral – CCG e posterior encaminhamento ao Ministro-Relator das Contas desta Corte.

2. De acordo com o referido documento, é obrigatória, independentemente do valor do objeto (e este é o cerne da questão), a publicação dos atos de dispensa e inexigibilidade de licitação, consoante previsto no art. 26 da Lei nº 8.666/93. Fundamenta esse procedimento nos arts. 26 e 61 da lei já mencionada e na Decisão nº 234/1998-Plenário.

3. Data máxima vênia, discordamos da orientação supra, pois, como procuraremos demonstrar a seguir, a mesma não atende aos princípios da eficiência, da razoabilidade, da proporcionalidade, da economicidade, e, por isso mesmo, não encontra amparo legal na Norma nem na Decisão mencionadas.

4. Inicialmente, destacamos que a Decisão nº 234/98-Plenário não prevê como obrigatória a publicação dos atos mencionados, independentemente do valor da aquisição. Transcreva-se, por oportuno, a aludida decisão:

“Decisão

O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, com fulcro nos arts. 71, VI, da Constituição Federal, e 43, da Lei nº 8.443/92 c/c art. 194, § 1º, do Regimento Interno, DECIDE:

(...)

determinar à Secretaria Estadual de Saúde do Paraná que:

ratifique e publique na imprensa oficial os respectivos atos de dispensa, bem como das situações de inexigibilidade de licitações, conforme dispõe o art. 26 da Lei nº 8.666/93;

............”

5. Ciente de que o Relatório e o Voto são partes integrantes da deliberação, procedemos a um exame detido dos mesmos e novamente não encontramos nenhuma referência a respeito da necessidade de publicação de todo processo de inexigibilidade e dos demais casos previstos no art. 26 da Lei nº 8.666/93, independentemente do valor do objeto a ser adquirido.

6. Inclusão, portanto, pela SECOI, da expressão independentemente do valor do objeto constitui mera interpretação da Decisão, a qual, como veremos, vai de encontro aos princípios já mencionados, se dissociando, desse modo, de critérios hermenêuticos essenciais na consolidação de um direito justo e que atenda ao interesse público.

7. A respeito da questão, destaco inicialmente que não são poucos os casos de inexigibilidades de licitação com valores abaixo de R$ 8.000,00. Casos existem, a exemplo da assinatura de periódicos, como a revista “Falando de Qualidade”, cujo valor foi de R$ 117,60. Citamos, ademais, o pagamento de contas de água, de luz pelas Secretarias nos Estados e até mesmo IPVAs e Seguros obrigatórios O procedimento sugerido no “Comunica SECOI Nº 6”, além de mais complexo do que o exigido pela Lei nº 8.666/93, implica em custos de publicação que poderão ser até mesmo superiores ao valor da despesa.

8. Feita esta breve consideração fática, compreendemos que a interpretação literal do art. 26 da Lei nº 8.666/93 dada pela SECOI não encontra amparo nos princípios da eficiência, da economicidade, uma vez que confere às compras de pequena monta custos desnecessários, seja com a publicação, seja com a adoção de procedimentos mais complexos, com o envolvimento da alta cúpula da administração. Pelas mesmas razões, não vislumbramos amparo ao entendimento defendido pela SECOI nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Como admitir razoabilidade ou mesmo proporcionalidade em procedimento cuja publicação e demais atos administrativos praticados ficam acima do valor da despesa?

9. Também não demonstra a SECOI razões de ordem prática que justifiquem a adoção desses procedimentos. Não vislumbramos, ainda, interesse público, elemento essencial para a prática de qualquer ato administrativo, em se adotar o procedimento sugerido.

10. Por isso mesmo, podemos afirmar que o procedimento sugerido pela SECOI, fundamentado exclusivamente em interpretação literal do art. 26 da Lei nº 8.666/93, não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro. A respeito de processos de interpretação, cumpre trazer à colação excertos dos ensinamentos de Carlos Maximiliano (in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 18ª ed., Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, pp. 106/130), em especial aquele a respeito da necessidade de se interpretar uma norma, observando-se todo um processo lógico-sistemático em que os fatos e as próprias normas estão inseridos, isto é, levando-se em consideração os valores fundamentais da ordem jurídica, as circunstâncias do caso concreto, os objetivos almejados pelo dispositivo legal em questão, e não apenas a acepção literal destas:

“112. Tradicionalmente, além de dividir a interpretação, quanto à sua origem, em autêntica e doutrinal, também a decompunham, conforme os elementos de que se servia, em gramatical e lógica. Hoje não mais se aceitam semelhantes denominações impróprias. A interpretação é uma só; não se fraciona: exercita-se por vários processos, no parecer de uns; aproveita-se de elementos diversos, na opinião de outros: o gramatical, ou melhor, filológico; e o lógico, subdivido este por sua vez, em lógico propriamente dito, e social, ou sociológico.

A diferença entre os dois principais elementos, ou processos, consiste em que um só se preocupa com a letra do dispositivo; o outro, com o espírito da norma em apreço.

....

118. São as palavras símbolos apenas. Agrupadas, enfeixam, em reduzida síntese, um processo complexo de pensamentos. Cabe ao aplicador do direito desdobrar as idéias consubstanciadas no bloco, o que efetua conforme a sua experiência, desviado muitas vezes por aspirações, preferências e preconceitos pessoais, ou de comunidade, ou pela ignorância, quer das diferenças de acepções decorrentes do lapso de tempo, quer das alterações verificadas no meio ambiente.

...

120. Nada de exclusivo apego aos vocábulos. O dever do juiz não é aplicar os parágrafos isolados, e, sim, os princípios jurídicos em boa hora cristalizados em normas positivas. Grifamos

O último golpe na preferência pela exegese verbal foi vibrado com a vitória do método sociológico, incompatível com o apego servil à letra dos dispositivos, que é verdadeiro processo de ‘ossificação do Direito’; pois impede o trabalho criador por parte da jurisprudência, cujo papel, bem compreendido, leva a melhorar sensivelmente a lei. ‘A jurisprudência é um perpétuo comentário, que se afasta dos textos ainda mais, porque é, apesar seu, atraída pela vida’.

....

123. O processo gramatical, sobre ser o menos compatível com o progresso, é o mais antigo (único outrora). ‘O apego às palavras é um desses fenômenos que, no Direito como em tudo o mais, caracterizam a falta de maturidade do desenvolvimento intelectual.

....

130 Consiste o Processo sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto.

Por umas normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as conseqüentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma.

Em toda ciência, o resultado do exame de um só fenômeno adquire presunção de certeza quando confirmado, contrasteado pelo estudo de outros, pelo menos dos casos próximos, conexos; à analise sucede a síntese; do complexo de verdades particulares, descobertas, demonstradas, chega-se até a verdade geral.”

11. Questiona-se: qual o interesse em divulgar a aquisição de compras de R$ 100,00, R$ 200,00, R$ 8.000,00, se, para compras, por exemplo de até R$ 80.000,00, como no caso de convites, a própria Lei admite procedimento simplificado em que o princípio da publicidade e da legalidade estrita é mitigado com os princípios da eficiência, da economicidade, da razoabilidade, da proporcionalidade? Qual o interesse da lei em envolver a alta cúpula da administração nesse tipo de procedimento, cuja materialidade e riscos ao Erário são extremamente pequenos, em que o controle se mostra oneroso e, portanto, desnecessário?

12. É certo que o Estatuto das Licitações contempla implícita e explicitamente alguns custos incomuns ao setor privado - “custo legal”, “custo transparência”, “custo do controle”.

13. No entanto, o próprio Estatuto estabelece para cada procedimento de compra os seus custos, bem como a sua complexidade. Não por acaso, as contratações previstas no Estatuto das Licitações observam, rigorosamente, procedimentos mais ou menos complexos dependendo do valor da aquisição. Aliás, até mesmo aquisições de grande vulto, hoje, com o instituto do pregão e do registro de preços, foram significativamente simplificados.

14. Em verdade, uma interpretação do ordenamento jurídico que envolve a matéria, em especial uma análise de forma sistêmica da Lei nº 8.666/93, nos conduz à conclusão de que toda e qualquer aquisição inferior a R$ 8.000,00 deve ser enquadrada no art. 24, inciso II, por se tratar de norma específica, que prevalece, portanto, sobre as demais normas de caráter geral, no caso dos arts. 24, incisos III a XXIV e 25, e da mesma Lei, que regulamentam exclusivamente as compras superiores ao valor mencionado.

15. Poder-se-á argumentar que a interpretação mencionada confunde os institutos da dispensa e da inexigibilidade. No entanto, ainda que se admita a efetiva possibilidade de enquadramento legal de uma despesa inferior a R$ 8.000,00 como inexigibilidade, fundamentada no art. 25, da Lei nº 8.666/93, para valores dessa magnitude não se aplica o disposto no art. 26 do Estatuto das Licitações.

Referido entendimento, coaduna-se com o espírito da Lei nº 8.666/93, ao determinar, de forma implícita, a realização de procedimentos mais simples para aquisições de pequena monta e procedimentos mais complexos para aquisições de grandes valores, como já explicitamos anteriormente. Não foi por acaso que a Lei mencionada criou as diversas modalidades de licitação – concurso, leilão, convite, tomada de preços e concorrência -, bem como as demais formas de aquisição. Cite-se, ainda, as licitações sob a modalidade de pregão, criada pela Lei nº 10.520/2002.

17. Encontra, amparo, ademais, o procedimento sugerido pela SEMAT, no art. 14 do Decreto-Lei nº 200/67, in verbis:

“Art. 14. O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco“

18. Por oportuno, transcrevo a seguir, breves fragmentos dos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (in Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, pp 97 e 99) a respeito dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade:

Princípio da Razoabilidade p. 97:

“Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis -, as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada. Grifamos.

....

É óbvio que uma providência administrativa desarrazoada, incapaz de passar com sucesso pelo crivo da razoabilidade, não pode estar conforme à finalidade da lei. Donde, se padecer deste defeito, será, necessariamente, violadora do princípio da finalidade. Isto equivale a dizer que será ilegítima, conforme visto, pois a finalidade integra a própria lei. Em conseqüência, será anulável pelo Poder Judiciário, a instâncias do interessado.

.....

Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos.”

Princípio da Proporcionalidade p. 99

Este princípio enuncia a idéia – singela, aliás, conquanto freqüentemente desconsiderada – de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. Segue-se que os atos cujos conteúdos ultrapassem o necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência; ou seja, superar os limites que naquele caso lhes corresponderiam. Grifamos.

Sobremodo quando a administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público.

Logo, o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa, portanto, apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual. Percebe-se, então, que as medidas desproporcionais ao resultado legitimamente alvejável são, desde logo, condutas ilógicas, incongruentes.”

19. Por todo o exposto, concluímos, data máxima vênia da compreensão da SECOI, que carece de amparo legal o entendimento firmado no “Comunica SECOI nº 6”, em especial quando acrescenta à Decisão nº 234/1998-Plenário, a possível existência da expressão “independentemente do valor do objeto”.

Desse modo, submetemos a questão a apreciação do Sr. Secretário-Geral de Administração propondo que a submeta a apreciação da CCG e posteriormente ao Ministro-Relator das contas do TCU.”

3. A seguir reproduzo o parecer da Consultoria Jurídica – Conjur:

Trata-se de Representação n. 06/2005-Semat (fls. 01/05), da Secretaria de Material, Patrimônio e Comunicação Administrativa, contendo questionamento quanto à legalidade do Secoi Comunica n. 06/2005 (fl. 05, item 20), que orienta pela ratificação e publicação dos atos de dispensa e inexigibilidade de licitação referidos no art. 26 da Lei n. 8.666/1993.

Os autos foram encaminhados pelo Exmº Ministro Presidente desta Corte de Contas (fl. 08) a esta Consultoria Jurídica para manifestação, nos termos do art. 69, inciso IV, da Resolução TCU n. 140/2000.

Da Representação

A Semat apresenta, em síntese, os seguintes argumentos:

A orientação da Secoi quanto à aplicação do art. 26 da Lei n. 8.666/1993 para os casos de dispensa e inexigibilidade referidos nos incisos III e seguintes do art. 24 e no art. 25 da citada Lei, independentemente do valor do objeto, não atende aos princípios da eficiência, da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade;

A Decisão n. 234/1998-Plenário “não prevê como obrigatória a publicação dos atos mencionados, independentemente do valor da aquisição”;

A publicação e demais atos administrativos em algumas situações ultrapassam o valor da despesa, pois, “não são poucos os casos de inexigibilidades de licitação com valores abaixo de R$ 8.000,00”;

Em uma interpretação sistêmica da Lei de Licitação e Contratos, conclui-se que “toda e qualquer aquisição inferior a R$ 8.000,00 deve ser enquadrada no art. 24, inciso II, por se tratar de norma específica que prevalece, portanto, sobre as demais normas de caráter geral, no caso dos arts. 24, incisos III a XXIV e 25, da mesma Lei, que regulamentam exclusivamente as compras superiores ao valor mencionado”.

A Semat conclui para solicitar:

não sejam aplicadas “as disposições contidas no art. 26 da Lei n. 8.666/1993 para as despesas realizadas com fundamento nos art. 24, inciso III a XXIV, e 25 da mesma Lei, quando não ultrapassarem os limites fixados nos incisos I e II do art. 24, da referida Lei (...)”; e

“todas as despesas realizadas até o limite de que tratam os incisos I e II do art. 24 da Lei n. 8.666/1993, sejam fundamentadas nestes dispositivos, ainda que possível o enquadramento das mesmas nos incisos III a XXIV, do art. 24, e art. 25 da mesma Lei.”

A Comissão de Coordenação Geral, por meio da manifestação CCG n. 03/2005 (fl. 06), emitiu parecer “concordando com as exposições contidas na aludida representação”, e “deliberou por submeter a questão ao Excelentíssimo Senhor Ministro-Relator das contas do TCU para apreciação e deslinde.” Desta feita, os autos foram encaminhados à I. Presidência, conforme despacho do Secretário-Geral de Administração (fl. 07).

Do Secoi Comunica n. 06/2005

A Secretaria de Controle Interno exarou a seguinte orientação:

“A eficácia dos atos de dispensa ou inexigibilidade de licitação a que se refere o art. 26 da Lei nº 8.666/93 (art. 24, incisos III a XXIV e art. 25 da Lei n. 8.666/93), independentemente do valor do objeto, está condicionada a sua publicação na imprensa oficial. O prazo para publicar é de 5 (cinco) dias a contar de sua ratificação pela autoridade superior.”

Esta orientação expedida por meio do Secoi Comunica n. 06/2005 está fundamentada nos arts. 26 e 61 da Lei n. 8.666/1993 e na Decisão n. 234/1994-Plenário. No tocante à Decisão ressalte-se não haver, de fato, qualquer referência ao valor do objeto, tal qual o mencionado art. 26.

No âmbito desta Corte de Contas constata-se que o entendimento exarado na Decisão n. 234/1994-Plenário foi seguidamente corroborado nos inúmeros momentos em que o Tribunal teve a oportunidade de julgar a matéria. Somente a título de ilustração, cite-se os casos mais recentes: Acórdãos nos 615/2005-Plenário, 1659-2005-Plenário, 1895/2005-Plenário, 2180/2005-1ª Câmara. Desse modo, depreende-se que o TCU manteve a posição firmada na Decisão n. 234/1998-Plenário, não tendo sido observado, em seus julgados, condicionamento quanto à aplicação do referido dispositivo legal em relação ao valor da contratação.

Do mérito

A Representação em exame, invoca os princípios da eficiência, da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade para interpretar o texto legal com a intenção de criar hipóteses nas quais não seria necessária a publicação do ato de dispensa ou inexigibilidade.

Sem dúvida que esta publicação representa dispêndios financeiros, de tempo e de pessoal para o andamento do processo, por vezes superiores aos valores do objeto a ser adquirido.

Contudo, não cabe ao intérprete criar hipóteses com base numa “interpretação sistêmica” sem amparo legal, principalmente quando se constata que há lei específica sobre a matéria, a qual já estabeleceu em rol exaustivo as exceções e qual o tratamento a ser-lhes dispensado, como se demonstrará a seguir.

O princípio da eficiência, conforme leciona José Afonso da Silva, “introduzido agora no art. 37 da Constituição pela EC-19/98, orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe a menor custo. (...) Logo, o princípio da eficiência administrativa consiste na organização racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a prestação de serviços públicos de qualidade com razoável rapidez, consoante previsão do inciso LXXVIII do art. 5º (EC-45/2004) e em condições econômicas de igualdade dos consumidores.” [1]

O administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello escreve: “Contudo, [o princípio da eficiência] é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto. De tal sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência.” [2]

Bandeira de Mello ensina ainda que “descende também do princípio da legalidade o princípio da razoabilidade. Com efeito, nos casos em que a Administração dispõe de certa liberdade para eleger o comportamento cabível diante do caso concreto, isto é, quando lhe cabe exercitar certa discrição administrativa, evidentemente tal liberdade não lhe foi concedida pela lei para agir desarrazoadamente (...). Procede, ainda, do princípio da legalidade o princípio da proporcionalidade do ato à situação que demandou sua expedição. Deveras, a lei outorga competências em vista de certo fim. (...) Assim, a providência administrativa mais extensa ou mais intensa do que o requerido para atingir o interesse público insculpido na regra aplicanda é inválida, por consistir em um transbordamento da finalidade legal.”[3]

Em outro trecho sobre o princípio da razoabilidade, o citado autor informa: “Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda.”[4]

Em relação ao princípio da economicidade, trata-se de uma análise da correlação entre o custo e benefício de contratação, no intuito de se obter, a partir do menor dispêndio, o melhor resultado. Num eventual confronto entre esta diretriz e o princípio da legalidade, em regra, prevalece o último. Neste sentido, clássica a lição de Hely Lopes Meireles segundo a qual “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’.”[5]

Uma leitura da Lei de Licitações e Contratos permite observar que o tratamento a ser dado às contratações do Poder Público deve obedecer a um procedimento licitatório. Como exceção, em algumas situações previstas na própria Lei, de forma exaustiva, frise-se novamente, há a possibilidade de ser afastado tal procedimento:

“Art. 17. (...)

§ 2o A Administração também poderá conceder título de propriedade ou de direito real de uso de imóveis, dispensada licitação, quando o uso destinar-se:

I - a outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel;

II - a pessoa física que, nos termos de lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura e moradia sobre área rural situada na região da Amazônia Legal, definida no art. 2o da Lei no 5.173, de 27 de outubro de 1966, superior à legalmente passível de legitimação de posse referida na alínea g do inciso I do caput deste artigo, atendidos os limites de área definidos por ato normativo do Poder Executivo.

(...)

§ 4o A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado;

(...)

Art. 24. É dispensável a licitação:

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

III - nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem;

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

V - quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas;

VI - quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento;

VII - quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o parágrafo único do art. 48 desta Lei e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços;

VIII - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;

IX - quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional;

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

XI - na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;

XII - nas compras de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis, no tempo necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes, realizadas diretamente com base no preço do dia;

XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;

XIV - para a aquisição de bens ou serviços nos termos de acordo internacional específico aprovado pelo Congresso Nacional, quando as condições ofertadas forem manifestamente vantajosas para o Poder Público;

XV - para a aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.

XVI - para a impressão dos diários oficiais, de formulários padronizados de uso da administração, e de edições técnicas oficiais, bem como para prestação de serviços de informática a pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou entidades que integrem a Administração Pública, criados para esse fim específico;

XVII - para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;

XVIII - nas compras ou contratações de serviços para o abastecimento de navios, embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meios de deslocamento quando em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento, quando a exiguidade dos prazos legais puder comprometer a normalidade e os propósitos das operações e desde que seu valor não exceda ao limite previsto na alínea "a" do inciso II do art. 23 desta Lei:

XIX - para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto;

XX - na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.

XXI - Para a aquisição de bens destinados exclusivamente a pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pela CAPES, FINEP, CNPq ou outras instituições de fomento a pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico.

XXII - na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica;

XXIII - na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.

XXIV - para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

XXV - na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica - ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida.

XXVI – na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação.

XXVII - para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão.

Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II do caput deste artigo serão 20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas.

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

§ 2o Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.”

Neste sentido, em seu art. 26 abaixo citado, a Lei n. 8.666/1993 especifica as medidas a serem adotadas pela Administração para os casos mencionados no próprio dispositivo:

“Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.

Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.”

Por oportuno, ressalte-se que, com base na redação anterior do art. 26 da Lei n. 8.666/1993, o Secoi Comunica n. 06/2005 e a Representação sub examine fazem referência somente aos incisos III ao XXIV do Art. 24. Contudo, com a edição da Lei n. 11.107/2005, em 06 de abril de 2005, a redação do art. 26 da Lei n. 8.666/1993 foi alterada para contemplar o “inciso III e seguintes do art. 24” do citado diploma legal, ou seja, do inciso III ao XXVII.

De se notar, portanto, que para as despesas de pequeno valor, nos termos do art. 24, incisos I e II, a Lei n. 8.666/1993 já definiu um procedimento simplificado que, a partir de uma análise combinada com o art. 26 da citada Lei, excluiu a publicação do respectivo ato de dispensa de licitação. Contudo, em relação aos demais incisos do art. 24, bem como as hipóteses de inexigibilidade do art. 25 e as que especifica do art. 17, forçoso reconhecer que a Lei determinou expressamente para tais casos a publicação do ato de dispensa e inexigibilidade sob pena de ineficácia do ato administrativo. Não se vislumbra, portanto, como estender tal tratamento às exceções previstas nos incisos III e seguintes do art. 24 e do art. 25, quando a própria Lei não o fez.

Em relação ao art. 26 em tela, deduz-se que a vontade do legislador tenha sido no sentido de que ao serem criadas situações nas quais não haja o procedimento licitatório, faz-se necessário não só uma ratificação pela autoridade competente, como também a publicidade de tal ato administrativo, de forma a garantir a transparência na gestão da res publica.

Conclui-se assim que (i) quando a Lei desejou dar tratamento diferenciado a alguma situação, assim o fez no próprio texto legal; (ii) não se vislumbra, portanto, ainda que a partir de uma interpretação sistêmica, como criar novas hipóteses ao caput do art. 26 da Lei de Licitações e Contratos. Não se trata, assim, de uma interpretação literal da Lei de Licitação e Contratos; ao contrário, da leitura e interpretação do texto legal, infere-se que já foram previamente definidas as exceções e qual o tratamento a ser-lhes aplicado. Logo, estabelecer limites abaixo dos quais se estende excepcional tratamento, seria criar nova hipótese, não prevista em Lei, extrapolando o mínimo legal ao qual o poder discricionário da Administração Pública está submetido, conforme ensina Hely Lopes Meireles:

“Mas, embora não cuidando de todos os aspectos dos atos relegados à faculdade discricionária, o legislador subordina-os a um mínimo legal, consistente na estrita observância, por parte de quem os vai praticar, da competência, da forma, da finalidade, e dos princípios do regime jurídico administrativo, deixando o mais à livre escolha do agente administrativo.”[6]

Por essa razão, apesar de a orientação da Secoi trazer a frase “independentemente do valor do objeto” – a qual não se encontra no texto da Lei n. 8.666/1993, nem nas decisões desta Corte –, a expressão não representa qualquer vício de legalidade, uma vez que será exigível a ratificação e a publicação do respectivo ato se autorizado o enquadramento em um dos dispositivos enumerados no art. 26 da Lei de Licitações e Contratos.

Por outro lado, a partir do próprio texto legal, e conforme já mencionado na Representação, nos casos em que se verifique a possibilidade de duplo enquadramento, o que ocorrerá quando a situação se amoldar nas hipóteses de dispensa ou inexigibilidade e a despesa não ultrapassar os limites contidos nos incisos I ou II do art. 24 da Lei de Licitações e Contratos, pode o administrador, desde que devidamente justificado nos autos, no âmbito do seu poder discricionário e em conformidade com o princípio da economicidade, adotar o fundamento legal que implique menor onerosidade à Administração Pública. Por oportuno, registre-se que, com esse entendimento, a aplicação de tal princípio não fere o preceito ao qual está vinculado: o princípio da legalidade.

Neste sentido, Jorge Ulisses Jacoby, ao comentar a Decisão nº 6.431/96 do Tribunal de Contas do Distrito Federal na qual “diante da possibilidade de duplo enquadramento, considerou incorreta a fundamentação das notas de determinadas notas de empenho tendo em vista enquadrar-se no art. 25, I, e não 24, II, da Lei n. 8.666/93, relevando a falha, porque as despesas são inexigíveis de licitação”, assevera que:

“a melhor interpretação parece ser, no entanto, o enquadramento no dispositivo que represente maior vantagem para Administração Pública, no caso, o inc. II do art. 24, porque se poupa o custo da publicação. No âmbito do Distrito Federal a decisão está correta porque à época a publicação não era cobrada.”[7]

Da conclusão

Ante o exposto, pelos fatos e fundamentos revelados neste parecer, conclui-se que:

A orientação contida no Secoi Comunica n. 06/2005 está de acordo com a legislação vigente.

Em relação ao pedido de extensão dos limites definidos nos incisos I e II do art. 24 da Lei n. 8.666/1993 para os casos previstos no art. 26 da citada Lei, data venia, por ausência de fundamento legal, entende-se improcedente.

No tocante à viabilidade de enquadramento das aquisições caracterizadas por dispensa ou inexigibilidade de licitação (arts. 24, incisos III e seguintes, e 25) em que ocorra também a possibilidade de fundamentação nos incisos I e II do art. 24 da citada Lei, propugna-se sua procedência, por estar em consonância com a Lei de Licitações e Contratos e com os princípios da legalidade, da razoabilidade e da economicidade.

Restituímos os autos ao Presidente desta Corte de Contas, destacando a deliberação constante da Manifestação da Comissão de Coordenação Geral (fl. 06) de que a questão seja submetida ao Ministro-Relator das contas do TCU.”.

É o relatório.

VOTO

Esclareço que estou submetendo o presente processo ao Plenário desta Corte, com fundamento no art. 17, § 1º, do Regimento Interno, haja vista a relevância do assunto e considerando que o entendimento acolhido pode repercutir nos processos internos da administração, bem como nos relativos ao controle externo.

2. Cuida-se de Representação da Secretaria de Material, Patrimônio e Comunicação Administrativa do TCU– SEMAT, contestando orientação da Secretaria de Controle Interno do TCU – SECOI, Secoi Comunica nº 6/2005, no sentido de que “a eficácia dos atos de dispensa ou inexigibilidade de licitação a que se refere o art. 26 da Lei nº 8.666/93 (art. 24, incisos III a XXIV e art. 25 da Lei n. 8.666/93), independentemente do valor do objeto, está condicionada a sua publicação na Imprensa oficial”.

3. Em suma, verifica-se que a controvérsia reside na obrigatoriedade ou não da aplicação do disposto no art. 26 da Lei nº 8.666/93 às despesas realizadas via contratação direta, fundamentadas no art. 24, incisos III e seguintes, e no art. 25 da referida Lei, quando o valor da despesa não ultrapassar os limites impostos pelo art. 24, incisos I ou II.

4. Quanto ao mérito da questão, observo que o art. 24, incisos I e II, da Lei nº 8.666/93 faculta dispensar licitação quando o valor do objeto a ser contratado for igual ou menor que 10% dos limites estabelecidos no art. 23, alínea “a” dos incisos I e II, da Lei em comento, senão vejamos:

“Art. 24. É dispensável a licitação:

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 27.5.98)

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 27.5.98)”.

5. Da leitura do art. 26 da Lei nº 8.666/93, depreende-se que o regulamento de licitações e contratos admitiu a adoção de procedimento simplificado para as dispensas ocorridas com base nos incisos I e II do art. 24, haja vista tê-los excluído do respectivo dispositivo, verbis:

“Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e nos incisos III a XXIV do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o, deverão ser comunicados dentro de três dias a autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, como condição para eficácia dos atos.”.

6. Observa-se, assim, que a mens legislatoris pretendeu simplificar os procedimentos a serem adotados para a contratação de valores abaixo de R$ 8.000,00, por entender que o montante não é relevante o suficiente para justificar o esvaimento de parcela significativa de recursos, com vistas a exercer mecanismos de controle.

7. Nesse contexto, ao fazermos uma análise sistêmica da Lei de Licitações e Contratos, podemos perceber claramente que a complexidade dos mecanismos de controle se eleva na proporção em que se avoluma o montante de recursos envolvidos na contratação. Com efeito, o valor determina a relevância da contratação e, por assim dizer, o nível de exigência mínima para que ela se efetive dentro do arco da legalidade.

8. Assim sendo, os procedimentos da dispensa prevista no art. 24, incisos I e II, da Lei de Licitações, são mais simplificados que os do convite, os deste mais que os da tomada de preços e os desta última também são menos complexos que os da concorrência, tudo isso em razão dos valores envolvidos. Em face disso, a contratação por dispensa, com fundamento no art. 24, incisos I e II, não exige a publicação e a contratação na forma prevista para as demais modalidades, requerendo apenas a afixação do instrumento convocatório em local próprio.

9. Desse modo, comungo com o entendimento explicitado no parecer da Conjur, no sentido de que, havendo possibilidade de duplo enquadramento, relativamente às hipóteses de dispensa ou inexigibilidade que não ultrapassem os limites fixados nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93, o administrador está autorizado a adotar o fundamento legal que implique menor custo para a Administração Pública, em observância ao princípio da economicidade.

10. Contrário senso, não posso concordar com a argumentação da Conjur, no sentido de que a Representação da Semat cria hipótese com base em interpretação sistêmica sem amparo legal, para concluir que a contratação por inexigibilidade abaixo dos limites consignados no art. 24, incisos I e II, da Lei de Licitações deve ser obrigatoriamente publicada.

11. Conforme mencionei anteriormente, a interpretação sistêmica da Lei nº 8.666/93 permite concluir que o valor determina a relevância da contratação e, por conseguinte, o nível de exigência mínima para que a contratação se efetive dentro do arco da legalidade.

12. Desse modo, não se afigura razoável a lei facultar a dispensa de licitação para todas as contratações abaixo de R$ 8.000,00, mas exigir procedimentos mais rigorosos se a fundamentação for alicerçada em inexigibilidade de licitação.

13. A interpretação sistêmica é o reflexo da unicidade da ordem jurídica, o que revela no caso vertente a intenção do legislador em simplificar os procedimentos considerados menos relevantes em termos de valor.

14. Diante disso, se o suporte fático é idêntico e a lei faculta o enquadramento como dispensa de licitação, não há razão para exigir publicação quando a contratação abaixo de R$ 8.000,00 for alicerçada na inexigibilidade. A interpretação restritiva adotada no comunicado da Secretaria de Controle Interno se sustentaria apenas se restasse demonstrada a utilidade/necessidade em razão de alguma peculiaridade que a justificasse.

15. Entretanto, não verifiquei nenhum óbice à aplicação da interpretação sistêmica sugerida na Representação da Semat, pois todas as restrições legais impostas à dispensa também o seriam à inexigibilidade.

16. Veja-se, pois, que até mesmo na hipótese de determinado gestor fracionar uma inexigibilidade em duas dispensas para fugir da necessidade de publicação ou mesmo em duas contratações por inexigibilidade, as duas situações estariam em pé de igualdade em termos de infração legal.

17. Assim sendo, apesar de a ausência de publicação dificultar a identificação do fracionamento, no caso de dispensa, uma vez detectado estará sempre sujeito às reprimendas legais. De outro modo, se o procedimento adotado for a realização de duas contratações por inexigibilidade, uma vez identificado que o objetivo do fracionamento fora burlar os procedimentos exigíveis para as contratações que não se enquadrarem no art. 24, incisos I e II, da Lei nº 8.666/93, também estará sujeito às cominações legais, podendo, inclusive, ensejar a anulação do processo.

18. Diante disso, não vejo utilidade em exigir procedimento mais rigoroso para a inexigibilidade de licitação e as dispensas que se enquadrem nos limites de valores definidos no art. 24, incisos I e II, da Lei nº 8.666/93, motivo pelo qual a expressão restritiva, “independentemente do valor do objeto”, constante do Secoi Comunica nº 6/2005 deve ser expurgada, haja vista que carece de amparo legal.

Ante o exposto e, não obstante divergir parcialmente dos fundamentos expendidos pela Conjur, estou convencido de que a questão pode ser suficientemente equacionada com o reconhecimento da possibilidade de que as aquisições caracterizadas por dispensa ou inexigibilidade de licitação, previstas nos arts. 24, incisos III e seguintes, e 25, da Lei 8.666/93, possam ser fundamentadas em dispensa de licitação, alicerçada no art. 24, incisos I e II, da referida Lei, quando os valores se enquadrarem nos limites estabelecidos neste dispositivo.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 02 de agosto de 2006.

UBIRATAN AGUIAR

Ministro-Relator

TC-019.967/2005-4

Natureza: Representação.

Unidade: Tribunal de Contas da União (TCU)

Interessada: Secretaria de Material, Patrimônio e Comunicação Administrativa (Semat/TCU)

Declaração de voto - Auditor Augusto Sherman Cavalcanti

Registro, inicialmente, que acompanho a tese constante do Voto proferido pelo eminente Ministro Ubiratan Aguiar de que o princípio constitucional e legal da economicidade deve prevalecer diante de controles cujo custo seja superior ao do ato controlado, conforme preceitua o art. 14, do Decreto-Lei 200/67, in verbis:

“Art. 14 – O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco.”

2. A intenção do art. 26 da Lei 8.666/93, quando exclui os incisos I e II do art. 24, da mesma lei, da obrigação de publicação dos atos a que se referem tais incisos na imprensa oficial, é de louvar o princípio da economicidade.

3. Assim, ante as mesmas razões, concordo com o nobre Relator em privilegiar a economicidade também nos casos de dispensa previstos nos incisos de III a XXIV e de inexigibilidade previstos no art. 25 da Lei 8.666/93, cujos custos se encontrem dentro dos limites prescritos nos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei.

Penso, contudo, deva restar claro que, nas hipóteses de dispensa (incisos III a XXIV do art. 24) e de inexigibilidade (art. 25) de baixo valor, embora a eficácia do ato, em face do princípio da economicidade, não fique vinculada à publicação dele na imprensa oficial, os demais requisitos do art. 26 e de seu parágrafo único (como a apresentação de justificativas e o encaminhamento do ato à autoridade superior no prazo indicado para ratificação), bem como os requisitos específicos que caracterizam as aludidas espécies de dispensa e a inexigibilidade, devem ser mantidos e criteriosamente observados.

Sala das Sessões, em 2 de agosto de 2006.

Augusto Sherman Cavalcanti

Auditor

ACÓRDÃO Nº 1336/2006 -TCU-PLENÁRIO

1. Processo n.º TC - 019.967/2005-4.

2. Grupo II - Classe: VII - Representação.

3. Interessada: Secretaria de Material, Patrimônio e Comunicação Administrativa - SEMAT/TCU

4. Órgão: Tribunal de Contas da União

5. Relator: Ministro Ubiratan Aguiar.

5.1. Revisor: Ministro Benjamin Zymler.

6. Representante do Ministério Público: não atuou.

7. Unidade Técnica: Conjur.

8. Advogado constituído nos autos: não consta.

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Representação da Secretaria de Material, Patrimônio e Comunicação Administrativa do TCU– SEMAT, contestando orientação da Secretaria de Controle Interno do TCU – SECOI, Secoi Comunica nº 6/2005, no sentido de que “a eficácia dos atos de dispensa ou inexigibilidade de licitação a que se refere o art. 26 da Lei nº 8.666/93 (art. 24, incisos III a XXIV e art. 25 da Lei n. 8.666/93), independentemente do valor do objeto, está condicionada a sua publicação na Imprensa oficial”.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, em:

9.1. com fundamento no art. 237, inciso VI, conhecer da presente representação, para, no mérito, considerá-la procedente;

9.2. determinar à Secretaria de Controle Interno do TCU que reformule o “SECOI Comunica nº 06/2005”, dando-lhe a seguinte redação: “a eficácia dos atos de dispensa e inexigibilidade de licitação a que se refere o art. 26 da Lei 8.666/93 (art. 24, incisos III a XXIV, e art. 25 da Lei 8.666/93), está condicionada a sua publicação na imprensa oficial, salvo se, em observância ao princípio da economicidade, os valores contratados estiverem dentro dos limites fixados nos arts. 24, I e II, da Lei 8.666/93”.

10. Ata nº 31/2006 - Plenário

11. Data da Sessão: 2/8/2006 - Ordinária

12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1336-31/06-P

13. Especificação do quórum:

13.1. Ministros presentes: Adylson Motta (Presidente), Marcos Vinicios Vilaça, Valmir Campelo, Walton Alencar Rodrigues, Guilherme Palmeira, Ubiratan Aguiar (Relator), Benjamin Zymler e Augusto Nardes.

13.2. Auditor convocado: Augusto Sherman Cavalcanti.

13.3. Auditor presente: Marcos Bemquerer Costa.

|ADYLSON MOTTA |UBIRATAN AGUIAR |

|Presidente |Relator |

Fui presente:

LUCAS ROCHA FURTADO

Procurador-Geral

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[1] Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., pp. 671 e 672.

[2] Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., pp. 109 e 110.

[3] Ob. cit., pp. 67 e 68.

[4] Ob. cit., p. 97.

[5] Direito Administrativo Brasileiro, 30ª ed., p.88.

[6] Ob. cit., p. 120.

[7] Vade-mécum de Licitações e Contratos, 2ª ed., pp.409 e 410.

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