Emoção e movimento nas representações sociais e na mídia

[Pages:5]Motriz, Rio Claro, v.9, n.2, p. 57 ? 61, mai./ago. 2003

Emo??o e movimento nas representa??es sociais e na m?dia1

Sebasti?o Josu? Votre

Laborat?rio do Imagin?rio e das Representa??es Sociais Curso de P?s-Gradua??o em Educa??o - UGF Rio de Janeiro RJ

Resumo: Neste texto, procura-se apresentar um caminhar da emo??o entre as trilhas delineadas pelas representa??es sociais, e pelos depoimentos da m?dia. As representa??es sociais s?o constru?das na intera??o das sociolinguagens entre os membros das torcidas (organizadas ou n?o). Para a m?dia, tomamos como refer?ncia manifesta??es da emo??o relacionadas a jogos da primeira fase do campeonato carioca. A perspectiva de an?lise ? semi?tica, com foco no significado das reportagens sobre a??es simb?licas e atos gestuais e verbais dos protagonistas do esporte. Procura-se demonstrar que os gestos e as pr?ticas linguageiras da m?dia oscilam entre solidariedade e luta, e alteram o estado dos comportamentos dos jogadores e dos membros do corpo t?cnico, bem como contribuem para criar e destituir ?dolos. Oferecem-se subs?dios para a compreens?o das rela??es entre imagin?rios/representa??es e pr?ticas, no campo esportivo. Argumenta-se que uma abordagem semi?tica, com foco nas a??es linguageiras e na an?lise dos hinos e gritos de "guerra", permitir? uma nova compreens?o da import?ncia dos rituais de apoio e esc?rnio e contribuir? para entendermos o papel ostensivo de s?mbolos (bandeiras, camisas, camisetas, bon?s, gorros, fitas, etc.) na defini??o e consolida??o da identidade esportiva e da coes?o emocional de torcedores e atletas. Palavras-chave: Emo??o, representa??es sociais, m?dia, pr?ticas sociais.

Emotion and movemen in social representations and media

Abstract: The aim of this text is to offer a balance between social representations and the production of ideas in the printed media, related to emotion in sport. The modality of sport taken as reference is football in Rio de Janeiro, with focus on 2003 State championship. Symbolic actions of players and fans are taken as object of analysis, and symbolic objects (flags, hymns, songs, gestures) are interpreted as source of emotion, cohesion and fighting among the fans of both teams. The semiotic approach adopted for analyzing the flow of emotion and the flow of actions allows one to interpret the sporting field as a special issue of "semanticization" of the symbolic world.

Key Words: Emotion, social representations, media, social practice.

Introdu??o

Comece-se pela etimologia do termo, na tradi??o latina. O ponto de forte da raiz da palavra, mov-, ? mover, deslocar, andar, avan?ar, sair, sobressair. O prefixo ex-, do latim antigo, aponta para fora. Baseamonos numa interpreta??o com base na teoria da extens?o imag?tica instant?nea (VOTRE, 2000). Segundo esta teoria, os sentidos denotativos e conotativos, concretos e abstratos, associados a termos correntes hoje, na cultura, o eram, no passado, em suas acep??es concretas e abstratas. O que sup?e admitirmos que no momento hist?rico em que os romanos cunharam exmovere, mover para fora, o movimento e o espa?o eram poliss?micos, tais quais o s?o hoje. Havia o movimento

1 Texto apresentado na Mesa redonda: Estados emocionais e movimento, no III Congresso Internacional de Educa??o F?sica e Motricidade Humana e IX Simp?sio Paulista de Educa??o F?sica

do corpo e o movimento do esp?rito, o espa?o f?sico e o espa?o mental, o dentro e o fora f?sico e o dentro e o fora mental. Ocorre que o substantivo da? derivado, emotio, emotionem, emo??o, cristalizou-se no campo metaf?rico, no movimento do esp?rito, no espa?o simb?lico da mente, do cora??o. ? o que se pode verificar, compulsando o Latin Dictionary de Lewis and Short da Oxford: etimologia: emoveo (exmoveo), emovi, emotum, emovere, mover para fora, para longe, remover; movere suum nomen omne ex pectore (mover seu nome de todos os peitos, i.e., de todos os cora??es).

A bacia sem?ntica em que gravita emo??o acolhe outros ingredientes com matizes assemelhados, onde figuram guerra, rivalidade, luta, antagonismo, vit?ria, ansiedade, coragem, garra, her?is, hero?nas, virtudes, superioridade, e seus correlatos simb?licos: ?cone, signo, sinal, s?mbolo, estandarte, mascote, fl?mula.

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Vou partir de tr?s hip?teses, duas fracas e uma terceira, forte:

a) A emo??o/compuls?o ? a mola do movimento esportivo. ? o pr?prio motus corporis, motus mentis, o pr?prio movimento do corpo e da alma do esportista em busca da supera??o, da transcend?ncia, do apogeu. O espa?o do movimento ? o da vertigem, da quebra do recorde, da busca da imortalidade. O movimento da emo??o ? para fora deste mundo, em dire??o ao mundo dos esp?ritos e corpos glorificados, em que a aura divina sopra e se passa a viver na mem?ria, na lembran?a, pr?pria, e dos f?s.

b) A emo??o se cultiva, se constr?i e se sustenta na intera??o e na intercomunica??o social: f?sica, esportiva, no trabalho, no lazer, na discuss?o, na frui??o da m?dia ? vendo TV, ouvindo r?dio, lendo jornais e revistas, consultando a Internet.

c) A terceira hip?tese ? que nas atividades de intera??o e intercomunica??o geram-se produtos culturais, objetos mentais que rolam, macios ou encrespados, entre os membros das comunidades de comunica??o. Esses objetos, mais ou menos consensuais, s?o as representa??es sociais. Alguns v?m de longa data, e t?m fundamento hist?rico, como a associa??o do Vasco da Gama com o bacalhau, do Fluminense com o p? de arroz, do Flamengo com o urubu. Outros s?o de origem recente, dif?cil de localizar, ou controversa, ou de extens?o metaf?rica, como o do Am?rica como caldeir?o do diabo.

Para apresentar achegas e achas na fornalha de burilamento das hip?teses, vou apresentar alguns postulados, que se apresentam sem comprova??o, como se foram axiomas, ou fatos evidentes. Para comprometer-me menos com a formula??o, e evitar a f?rmula da equa??o, vou estabelecer uma rela??o mais frouxa entre os conceitos: nessa rela??o, emo??o ser? postulada como contendo o atributo x, sem defini??o ou delimita??o do grau de inclus?o.

1. Emo??o, como motivador do movimento esportivo. Emo??o como associada a subjetividade, transcend?ncia, supera??o, no campo esportivo (emocionar-se ? o que importa, e o que sempre vale a pena, quando a alma n?o ? pequena).

2. Representa??es e pr?ticas sociais, como emocionalmente carimbadas. Representa??es como produtores e produtos da intera??o, na luta e na solidariedade (interagir para sobreviver, no reino da subjetividade).

3. Pr?ticas/movimentos, como mat?ria prima da constru??o das representa??es sociais da m?dia.

4. M?dias, como refer?ncia, term?metro, ponto de partida e chegada da emo??o no movimento esportivo. A m?dia como construtora de fatos espetaculares das coisas mais triviais. Como criadora do fant?stico a partir do corriqueiro.

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5. G?nero, como eixo articulador dos estados emocionais no movimento esportivo. (coes?o e contradi??o/antipatia). G?nero como lugar especial de representa??es polares, de constru??o e consolida??o de representa??es, opini?es e estere?tipos, e de cristaliza??o dessas constru??es atrav?s de frases-feitas, ditados, anexins, prov?rbios, anedotas, narrativas e lendas.

6. As linguagens das torcidas como f?brica da emo??o e reposit?rio da mem?ria social face ao movimento esportivo.

7. A est?tica dos aspectos perceptuais, sens?veis, pl?sticos do corpo, em repouso e em movimento, como laborat?rio de emo??es, sentidos e significados.

A seguir vou apresentar evid?ncias, de distinta natureza, e em ordena??o aleat?ria, com vistas a sustentar, ou pelo menos a ajudar a alicer?ar as hip?teses e os axiomas acima formulados. Que se comece pela m?dia, articuladora de representa??es, opini?es e palpites. As marcas linguageiras de estados alterados de humor e relacionamento abundam, nos ve?culos de circula??o das m?dias, impressas, orais, televisivas ou virtuais. Dadas as limita??es de espa?o, vou concentrar-me em algumas evid?ncias, de aplica??o discut?vel, dos t?tulos de reportagem da m?dia carioca, do final de fevereiro e in?cio de mar?o de 2003.2

Poder?amos come?ar a an?lise com o lugar-comum da SPORTV: "Todas as emo??es de um grande desafio". Pois todo desafio ? um grande desafio, que cabe exaltar, glorificar, fazer sair do r?s-do-ch?o, revestindo-o com o tom espetacular. Cria-se, com as palavras, um novo e maravilhoso mundo, em que a rivalidade ? palp?vel, as artimanhas da guerra s?o exaltadas, e as qualidades humanas, t?cnicas e t?ticas dos atletas s?o levadas ao paroxismo. Tudo ? apresentado como grandioso, ou pelo menos tudo ? grandiloq?ente.

Do Jornal dos Sports, selecionamos:

Quarta alucinante. Inadi?vel! Tens?o total! Peito aberto. Carlos Alberto pronto para a guerra. Diabo promete cozinhar o Bangu no Caldeir?o.

Vejamos agora um pequeno excerto do que rola no Lance, o di?rio dos esportes: Fla vai com for?a m?xima

2 O Jornal dos Sports de 7 de mar?o de 2003, na Se??o de Primeira, traz a seguinte not?cia: Den?lson envolvido em pol?mica na Espanha. O brasileiro Den?lson, do B?tis, provocou pol?mica na Espanha com declara??es dadas antes do jogo contra o Sevilha. "Temos que morrer para mat?-los, massacr?-los, no bom sentido da palavra", disse no site do jornal espanhol Marca. O Comit? Antiviol?ncia recomendou ? Federa??o Espanhola que investigue o brasileiro. Den?lson se mostrou surpreso com a repercuss?o de suas declara??es: "? melhor eu ficar de boca fechada."

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Emo??o e movimento, nas representa??es sociais e na m?dia

Anjo sem piedade

Trope?o coloca em risco cargo de Lopes

Diabo far? hoje jogo decisivo

P?-de-Anjo ? um dem?nio

Flamengo e Vasco protagonizaram um belo espet?culo, com cenas da mais intensa rivalidade. No final, quem saiu ganhando foi o time da Fuzarca que espantou a s?ndrome de vice em cima do rival.

Comecemos pelo Jornal dos Sports, fundado em 1931, que teve sua gl?ria sob a dire??o competente de M?rio Filho:

- Trata-se dos jogos de Quarta-feira, que ? apresentada como especial, especial?ssima, como Quarta alucinante.

- Nada se pode perder, nada se pode adiar, sob o dom?nio da emo??o, aqui rebatizada com seu parceiro tens?o: Inadi?vel! Tens?o total!

- Cada atleta ? um guerreiro, do qual se espera prontid?o, firmeza de car?ter, garra, autoconfian?a, disposi??o para o sacrif?cio e para a luta: Peito aberto. Carlos Alberto pronto para a guerra.

- As alcunhas, os apelidos, s?o costurados no fervor das batalhas em campo ou na imprensa, os pr?prios verbos se ajustam aos sentidos metaf?ricos dos nomes dos times e dos jogadores, como em Diabo promete cozinhar o Bangu no Caldeir?o.

Estamos no mundo maravilhoso da cria??o humana, em que artistas da imagina??o sugerem e criam mundos imagin?rios, em que entes superiores prometem fa?anhas imposs?veis de se dar no mundo dos mortais comuns.

Observemos agora alguns t?tulos de reportagem do Lance, que se desdobra com virtuose em sua vers?o virtual, no Lancenet: na guerra do esporte, o Fla vai com for?a m?xima. No caminhar dos times, h? a surpresa, o suspense e o inesperado, pois pode-se encontrar um Anjo sem piedade. Haver?, logo mais, um mengo vingador. Pois cangaceiro da G?vea ? vingativo. Ademais, o caminho ? tortuoso, pedregoso, cheio de percal?os, pois ? um caminho cheio de armadilhas, e de guerreiros, que na competi??o querem, a todo custo, brilhar, para continuar a ter seu lugar de guerreiros garantidos. Cargos e fun??es esfuma?am-se a cada jogada. Cabe estar sempre atento, porque Trope?o coloca em risco cargo de Lopes. O mesmo diabo, fora da cozinha, precisa de cuidar-se, pois segundo o Lance, Diabo far? hoje jogo decisivo. Mas h? mais, muito mais. Os nomes nem sempre contemplam o esp?rito dos nomeados, como se pode ver em P?-de-Anjo ? um dem?nio. As narrativas s?o um exemplo perfeito do discurso emotivo, em que as vit?rias e as derrotas s?o metaforizadas com os termos da luta: Flamengo e Vasco protagonizaram um belo

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espet?culo, com cenas da mais intensa rivalidade. No final, quem saiu ganhando foi o time da Fuzarca que espantou a s?ndrome de vice em cima do rival.

As representa??es sociais sobre emo??o, veiculadas na m?dia, s?o semente e fruto do que rola nos est?dios e seu contexto emocional imediato. Cabe, pois, examinar, tamb?m, alguns can??es, hinos, ou gritos de guerra das na??es e tribos do esporte. Vou ilustrar esse discurso com fragmentos do que se ouve nas arquibancadas da na??o rubro-negra, do Flamengo, para vermos como ecoam os mesmos slogans, a mesma cultura guerreira, de esc?rnio, humor e maldizer. Vejam que no pr?prio hino do clube, a palavra emo??o ? emblem?tica:

"Uma vez Flamengo, sempre Flamengo / Flamengo sempre eu hei de ser / ? meu maior prazer, v?-lo brilhar, seja na terra, seja no mar / vencer, vencer, vencer / uma vez Flamengo, Flamengo at? morrer / Na regata ele me mata, me maltrata, me arrebata de emo??o o cora??o / consagrado no gramado / sempre amado/, o mais cotado nos Fla-Flus, ? um ai-Jesus / eu teria um desgosto profundo, se faltasse, o Flamengo no mundo / ele vibra, ele ? fibra, muita libra j? pesou / Flamengo at? morrer, eu sou".

Os itens l?xicos desse hino cont?m elementos de gl?rias, de prova??o, de coes?o e de luta, de modo que cada vez que ? cantado ele emociona os f?s com um ou v?rios desses sentidos. Seus verbos: lutar, morrer, vencer, matar, maltratar, apontam para o extremo da a??o, enquanto arrebatar leva ao extremo a emo??o. Seus substantivos localizam o embate: terra, gramado, mar, regata. Pintam a festa (prazer, emo??o, cora??o), e materializam o apego (desgosto); Seus adjetivos s?o sagrados e dotados de valor: consagrado, amado, cotado, profundo. Entre os adv?rbios, predomina "sempre", da fidelidade absoluta, at? morrer, ao time. Por outro lado, ? um texto cristalizado na mem?ria dos rubro-negros, e que ? for?a da repeti??o, vale mais como ritual do que pelo conte?do sem?ntico. O efeito coesivo da execu??o coletiva do hino ? t?o expressivo que mesmo quem n?o seja torcedor fan?tico do Flamengo, ao cantar o hino com pessoas que o fazem fan?tica e fervorosamente, se emocionam, vivencia esse sentimento. A repeti??o de "uma vez Flamengo sempre Flamengo", ? sintom?tica. Sinta Flamengo uma ?nica vez para e voc? se render? a seu charme e poder de sedu??o, e lhe "vestir? a camisa" para sempre. ? a luta do her?i ?pico que pode tornar-se tr?gico, mas ser? eternamente Flamengo, ? um ato de ades?o de car?ter "sagrado".

Quando mostra excel?ncia esportiva, o time leva seus torcedores ao ?xtase. O amor, a identifica??o e a alegria s?o t?o grandes e t?o fortes que alucinam quem torce pelo Flamengo. Alucinam tanto que os torcedores se sentem prazerosamente maltratados, em que a emo??o ? de matar. "Me mata", "Me maltrata", "Me arrebata de emo??o o cora??o", ? um momento de

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?xtase que permite a fuga, o escape da realidade. Os torcedores transcendem para um outro plano, em que domina a emo??o.

J? o hino da Ra?a ? cantado sempre que as bandeiras entram no est?dio e em momentos de exalta??o e suporte ao time que est? em campo, provocando a torcida advers?ria:

Quem n?o for rubro-negro, pode come?ar a correr / ela vem com seus guerreiros / ela vem pra te fuder / rubro-negro ? assim mesmo / d? porrada em qualquer um / mas que beleza / que beleza, o rubro-negro n?o tem medo de morrer / ol?-l?, ol?-l?, a ra?a vem a?, o bicho vai pegar...

"Torcer / lutar / o inimigo massacrar / Ra?a Rubro-negra / Eu sou / Eu sou da Ra?a, eu sou/ vou dar porrada, eu vou / e ningu?m vai me segurar, nem a PM..."

"Oh, meu Meng?o, eu gosto de voc? / quero cantar ao mundo inteiro / a alegria de ser rubro-negro / cante comigo, Meng?o / acima de tudo rubro-negro / cante comigo, Meng?o / acima de tudo, rubro-negro..."

"O Senhor ? rubro-negro, rubro-negro eu tamb?m sou / eu sou da Ra?a, tamb?m ? o Senhor/ da Ra?a do Mengo."

Os hinos mostram que a emo??o/exalta??o vem do competir, do superar, brilhar, vencer. Segundo Salgueiro (2003), quando se trata do esporte, profissional ou amador, a competi??o, apesar da ?nfase na coopera??o, predomina e faz do esporte uma atra??o emocionante, procurada por tantos praticantes e torcedores. Os estribilhos desautorizam a cantilena "futebol ? paz, n?o viol?ncia", "esporte ? uni?o, n?o ? guerra" e enfatizam o tom com que Den?lson se refere ? disputa.

Os esportes movem atletas e admiradores e, conseq?entemente, viabilizam o surgimento de um sentimento de identifica??o e apego por determinados atletas e equipes, o que s? se verifica com a combina??o de fidelidade ao time e de hostilidade e rivalidade face a seus advers?rios. O processo coesivo de uni?o, em torno de uma identidade alimenta-se da expectativa de sobrepujar o rival. O jogo de for?as estimula a sociabiliza??o construtiva, leva pessoas para os est?dios, mas tamb?m acentua o acirramento de rixas que conduzem a atitudes violentas, com resultados por vezes fatais. A busca da emo??o re?ne uma carga dram?tica e subjetiva que leva para dentro do esporte diversos conceitos vividos no cotidiano. S?o as dramatiza??es da vida di?ria que formam os estere?tipos e os s?mbolos das torcidas, unem e dividem pessoas em torno da paix?o por uma equipe.

Na confus?o de emo??es que s?o as partidas de futebol, ? dif?cil separar e distinguir as a??es e os conceitos positivos e negativos. N?o existe, no esporte, uma rela??o de causa e conseq??ncia, pela qual

podemos prever as atitudes do torcedor, nem mesmo entender essas atitudes, como refer?ncias n?tidas das inten??es dos indiv?duos. O indiv?duo se satisfaz, no jogo, com a alegria da disputa e a participa??o no grupo, bem como com o acirramento da partida e a adversidade da contenda. A ades?o reflete o cativamento objetivo que o esporte exerce sobre nossas individualidades.

Torcedores, somos rivais por excel?ncia, mesmo que essa rivalidade nunca atinja outros n?veis, diferentes da "boa provoca??o" e da brincadeira. Portanto, toda a??o, ofensiva ou n?o, produz nas torcidas rivais uma acentua??o dos sentimentos de disputa.

Mas ao lado da disputa, a emo??o se constr?i a partir de um outro ingrediente, igualmente extasiante: h? a busca da beleza, que ? fundamental. Segundo Peres (2003), interpretar o fen?meno esportivo a partir da perspectiva est?tica ? voltar nosso olhar para os aspectos sens?veis, expressivos e l?dicos do esporte. Busca-se uma interpreta??o complementar ?quela movida pelo racionalismo cientifico ? tecnol?gico.

O movimento esportivo ? pl?stico, de comunica??o e express?o de diferentes culturas, no qual ? poss?vel perceber significados e valores, sentimentos e emo??es de uma sociedade ou de um grupo social. ? um espa?o de performance, em que a t?cnica funciona como elemento criador da beleza e da comunica??o sens?vel. E um espa?o de lazer quando causa prazer seja pela pr?tica seja pela contempla??o.

A beleza de um atleta em movimento ou os momentos de um jogo coletivo ou individual encantam milhares de pessoas com imagens e emo??es ali expressos e registrados. A beleza do movimento corporal causa nas pessoas uma sensa??o de pertencimento, como se as pessoas fizessem parte daquele instante, daquela jogada, daquele movimento, apenas pelo fato de o contemplarem e de reconhecerem nele uma das faces da beleza do esporte.

Santin (1995, p.24) fala da necessidade que temos em compreender a linguagem de nosso corpo, pois ele nos fala atrav?s "[...] da emo??o, da paix?o, do sentimento. A linguagem das necessidades, dos desejos [..]", a Educa??o F?sica e o esporte por tratarem da motricidade humana, s?o neste sentido, os principais respons?veis por esta alfabetiza??o corporal a que ele se refere e que est? relacionada ? sensibilidade. Comenta ainda que Schiller, j? no s?culo XVIII, ao falar da educa??o est?tica do homem, via no impulso l?dico, que a sensibilidade e a raz?o atuam juntas. N?o podemos ent?o, falar que uma sobrepuja a outra.

De modo geral, para todo espectador deste esporte, o julgamento est?tico se relaciona basicamente com a sensibilidade, com a emo??o. Desta forma s?o compartilhados os elementos est?ticos atrav?s da experi?ncia vivenciada pela sensa??o l?dica e prazerosa que a contempla??o causa e que ? percebida pelos sentidos.

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Emo??o e movimento, nas representa??es sociais e na m?dia

G?nero ? um eixo privilegiado para as reflex?es sobre representa??es sociais e m?dia face aos estados emocionais. Aqui, abre-se um espa?o para essa tem?tica no esporte, mais de perguntas do que de considera??es nocionais, j? que a presen?a feminina na m?dia esportiva ? ?nfima. Apenas duas mulheres, Caroline Hildebrandt, do nado sincronizado, e Jacqueline Silva, do surfe, s?o mencionadas por seu desempenho. O que se pode inferir dessa distribui??o assim?trica do esporte brasileiro? Deborah Tannen, em seu best seller, You just don?t understand, diz que as mulheres, entre si, tendem a manifestar gestos, linguagens e a??es que evidenciam emo??o, associa??o a coopera??o, enquanto os homens, entre si, evidenciam tra?os de competi??o, inseguran?a, "trairagem", ou pelo menos tendem a ficar com o p? atr?s. Diz a pesquisadora que tal comportamento se verifica na cultura americana e pode ser estendido como um universal das rela??es entre os sexos, ou melhor, intra-sexo. Como se comporta o Brasil, tomando como evid?ncia alguns gestos e atitudes de mulheres e homens, no quadro recente da atividade f?sico-desportiva, a exemplo de Oscar, Rom?rio, Jackie Silva e Maurren? At? que ponto a participa??o das mulheres, nos esportes coletivos, poderia contribuir para que sejam retomados e revalorizados aspectos cruciais da cultura, e para que a viol?ncia e a rivalidade sejam reconduzidas a dimens?es control?veis? O crescimento do futebol feminino, na d?cada de 80, mostrou que as agress?es f?sicas e verbais eram proporcionalmente mais freq?entes do que mostrava o futebol masculino. Por outro lado, outras dimens?es culturais do esporte n?o foram analisadas, nesta ?poca, e merecem uma an?lise cuidadosa, hoje. At? que ponto a beleza, como condicionador da vida, se manifesta no esporte feminino, com os corpos em repouso e em movimento?

Estou longe de concordar em que os depoimentos da m?dia, e as representa??es sociais deprens?veis dos hinos e gritos de guerra dos torcedores transformem o esporte num fen?meno cultural, em que se manifestem os valores da nossa cultura. Portanto, gostaria de concluir esta participa??o de forma pol?mica, com coment?rios ?s Reflexions ? propos de repr?sentations sportives, de Moscovici (1995), publicadas em Quel Corps ? Critique de la Modernit? Sportive. Paris: Les Editions de la Passion, 179-194. Para ele, o esporte ? uma grandiosa encena??o de espet?culo para a civiliza??o atual, um meio eficaz de n?o-participa??o e de participa??o n?o-participativa na vida social e no debate pol?tico. Refere Guy Debord em a sociedade do espet?culo, em que a mercadora se oferece a si mesma em espet?culo, em que os corpos se transformam em m?sseis espetaculares. Salienta que o esporte permite recriar entre os cidad?os os v?nculos passionais que n?o s?o somente pol?ticos, porque nada ? mais desolador e perigoso que um pa?s em que a paix?o est? em baixa. Entretanto, poder-se-ia conceber o esporte como um projeto cultural ou s?cio-pol?tico, no sentido que Sartre atribui a projeto? Seria necess?rio, para isto, proceder a uma transposi??o cultural das pr?ticas esportivas de

modo a recuperar, se tal for poss?vel, a competi??o educativa. O que sup?e reintroduzir as no??es de jogo e de prazer, de liberdade l?dica e er?tica, e de cria??o est?tica. Ent?o, no l?dico ter?amos casa para o emotivo. Ora, o esporte se autonomizou e se separou destes valores fundamentais de beleza, de realiza??o pessoal, de liberdade, de verdade, de coopera??o n?o agressiva, em proveito de uma busca encarni?ada da performance e da efic?cia, que ? a nega??o dos valores humanos fundamentais. Para que o esporte seja um elemento da cultura, ? necess?rio que ele deixe de ser puro efeito de constrangimento para voltar a ser o mestre de si pr?prio, cumprindo e desenvolvendo valores.

Refer?ncias

MOSCOVICI, Serge. Reflexions ? propos de repr?sentations sportives. In: Quel Corps ? Critique de la Modernit? Sportive. Paris: Les Editions de la Passion, 1995. 179-194.

PERES, Lana. A est?tica no salto ornamental.. Disserta??o de Mestrado - Universidade Gama Filho, 2003.

SALGUEIRO, Stefan. Sociabiliza??o no futebol brasileiro. Disserta??o de Mestrado - Universidade Gama Filho, 2003

SANTIN, Silvino. A respeito de coment?rios. Revista Movimento, Porto Alegre, v.2, n.2, p. 24-28, 1995.

VOTRE, Sebasti?o J. On Athleticism in the Victorian and Edwardian Public School: a semiotic analysis of J. A. Mangan's approach to historical knowledge, 2000.

Endere?o: Sebasti?o Josu? Votre Rua Manoel Vitorino, 625 ? Piedade Rio de Janeiro RJ 20.748-900 Telefax: (21) 2599-7138 e-mail: votre@.br

Manuscrito recebido em 15 de janeiro de 2003. Manuscrito aceito em 10 de mar?o de 2003.

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