Estante da Denise



O PRE?O DO LIVRO AO REDOR DO MUNDOUma simples compara??o entre valores praticados aqui e em outros catorze paísesTem gente que coleciona selos, moedas, papéis de carta, amores. Eu coleciono edi??es de ‘Lolita’ publicadas ao redor do mundo (Arquivo pessoal)por?Rodolfo Viana“Livro no Brasil é caro.”?Esta frase é comum e aparece em diversos momentos?—?sobretudo quando pipoca na imprensa alguma pesquisa indicando quantos livros o brasileiro lê por ano. ? fácil acreditar na afirma??o, seja pelo nosso complexo de vira-lata, seja pela lógica: afinal, se tudo é t?o absurdamente caro neste País, como demonstra uma reportagem de Alexandre Versignassi e Felipe van Deursen, por que o mercado editorial seria exce??o?(A reportagem da dupla está à venda na Amazon, em formato e-book, e vale cada centavo. Quem quiser ter um gostinho do que trata o texto pode leralguns trechos no Gizmodo.)Portanto, a quest?o do pre?o do livro no País surge como afirma??o, e n?o como pergunta:?afinal, livro no Brasil é caro??Aqueles que colocam uma interroga??o e buscam encontrar uma resposta geralmente sustentam argumenta??es duvidosas: quem é contra a ideia de que literatura é artigo de luxo no Brasil compara o pre?o dos títulos a um jantar ou uma ida ao cinema?—?por exemplo,?assistir ao filme?Cidades de Papel?no Shopping Bourbon, em S?o Paulo, é R$ 0,95 mais caro que?comprar o livro de John Green?—?; quem acha o pre?o do livro alto demais tra?a uma rela??o entre os valores pagos pela obra aqui e em outros países?—?por exemplo,?O Vermelho e o Negro, de Stendhal,?sai por R$ 59,90 na brasileira Cosac Naify; lá nos EUA, a?Penguin vende por 11 dólares?(ou, com a convers?o de moeda, R$ 34,76).Digo que tais argumenta??es s?o duvidosas porque n?o comparam as mesmas coisas: um filme n?o é um livro e a simples convers?o de moeda ignora contextos geográficos e econ?micos. Ainda assim, a dúvida persiste: livro no Brasil é caro?Para responder a isso, propus a mim mesmo um estudo que, mesmo de maneira amadora, 1) comparasse o mesmo livro em diversos países, e 2) considerasse a realidade econ?mica dessas na??es.Tarefa 1: Escolher os títulosAs obras foram escolhidas aleatoriamente pelas pessoas que me seguem no Facebook. Sem explicar o motivo, pedi aos meus contatos que indicassem títulos de literatura estrangeira.Colhi sugest?es e, em seguida, ao notar que havia apenas clássicos, inseri títulos que figuram nas listas dos mais vendidos. O objetivo dessas inser??es é observar se os valores oscilam em rela??o a obras contempor?neas. Tais inser??es foram?A Fúria dos Reis,?Cidades de Papel?e?Se Eu Ficar.Para realizar este estudo, foi considerado o valor de capa de cada obra sem eventuais descontos de livreiros?—?o pre?o cheio, digamos. Foram desconsiderados os formatos pocket e, onde possível, capa dura.Tarefa 2: Usar uma “moeda” comum a todos os paísesA “moeda” escolhida n?o é exatamente uma moeda, mas sim o salário mínimo de cada na??o. Desta foram, distor??es monetárias (como flutua??es de c?mbio) s?o evitadas e os números permanecem no contexto de cada país. Com isso, é possível responder quanto do salário mínimo da China um chinês gasta para comprar?1984.Considerei, ainda, os diversos panoramas de salário mínimo no grupo pesquisado. Algumas na??es têm salários mínimos que variam de acordo com a regi?o ou a faixa etária do trabalhador (caso da ?frica do Sul, por exemplo); outras ainda est?o em processo de formula??o de um valor para o salário mínimo nacional (caso da Itália, por exemplo).ResultadoSe o Medium permitisse iframe, eu usaria tabelas e gráficos do Google Drive, e n?o esta imagem bizarra. (Sim, é um print do Excel.)No Brasil, um livro custa aproximadamente 6,47% do salário mínimo(que atualmente é de R$ 788).No cenário dos BRICS, nosso País ocupa o meio da tabela: o valor de um título n?o é t?o alto quanto na ?ndia e na ?frica do Sul, nem t?o baixo quanto na Rússia e na China. Entretanto, quando olhamos o pre?o do livro em 15 dos países que comp?em o G20, grupo no qual o Brasil se inclui, temos no??o de que pagamos muito mais para adquirir uma obra que outras na??es?—?o mesmo título custa quase 10 vezes mais aqui do que na Alemanha, e cinco vezes mais do que na Fran?a.Dentre os países estudados,?o Brasil está em quarto lugar no ranking das na??es com pre?os mais elevados, perdendo apenas para ?ndia, México e ?frica do Sul.Leia a legenda da imagem anterior.Breve reflex?oO brasileiro paga caro pelo livro. Esta é uma constata??o t?o óbvia quanto simplista, pois descaracterizamos, assim, a complexidade do mercado. A pergunta n?o é mais “livro no Brasil é caro?”, mas sim “por que livro no Brasil é caro?”. Podemos culpar os impostos, claro, mas o grande vil?o, na minha opini?o, pode ser outro:?livro é caro porque o brasileiro n?o tem o hábito da o qualquer outra mercadoria?—?lembre-se: livro é como uma geladeira?—?, o pre?o do livro deve cobrir sua produ??o e gerar lucro. Se poucos exemplares s?o vendidos, o custo por unidade é maior.?Se observarmos os dez livros de fic??o mais vendidos em 2014, veremos que, somados, eles n?o chegam a 1,5 milh?o de exemplares?—?sendo que?A Culpa ? das Estrelas, de John Green, abocanhou 44,1% de tudo isso.De acordo com?estudo da Nielsen para o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, no primeiro trimestre de 2015, as vendas gerais (fic??o, n?o-fic??o, autoajuda, universitário, técnico etc.) n?o chegaram a 9,8 milh?es de exemplares. Parece muito, mas estamos falando de um país continental com aproximadamente 203 milh?es de habitantes?—?dos quais?70% n?o leram um único livro em 2014, segundo pesquisa da Fecomércio do Rio de Janeiro.Chegamos ao Paradoxo Tostines da literatura:?o brasileiro n?o lê porque livro é caro ou livro é caro porque brasileiro n?o lê?Também chegamos à pergunta de ouro: por que o brasileiro n?o lê? O?Zero Hora tentou explicar este fen?meno. ? reportagem, Regina Zilberman, professora do Instituto de Letras da UFRGS, afirma: “Nós ignoramos a alfabetiza??o por boa parte da nossa história. A obrigatoriedade é de meados de 1930, n?o tem 100 anos. Ou seja, saímos atrasados em rela??o a outros países.” Já Sergius Gonzaga, ex-secretário da Cultura de Porto Alegre, diz: “O Brasil iniciou tardiamente o seu processo de escolariza??o, e isso se deu no início dos anos 1960. Na mesma época, o país entra na era do audiovisual, com TV e cinema. Ou seja, o País pula do analfabetismo direto para o audiovisual, n?o consegue formar uma cultura de leitura.”Por mais interessantes que sejam os argumentos dos especialistas, o tesouro está mesmo em um dos comentários do texto: “N?o sei se ainda é assim mas, no meu tempo, os professores te obrigavam a ler os ‘clássicos’ de Machado de Assis e companhia. Livros do tempo do Arari Pistola já naquela época, com histórias sem a miníma atratividade para as crian?as da época. Conhe?o gente que leu aquilo e pensou: ‘se ler é isto, nunca mais quero ler um livro na vida.’ (…) No meu caso, o que me salvou foi a série Vaga-Lume. Aquilo sim era leitura para a gurizada, sem ser infantil. Até hoje às vezes pego um para lembrar daqueles tempos”, diz o leitor Jo?o Marcelo Rockstroh.Talvez, se fossem adotados no ensino fundamental mais O?Escaravelho do Diabo?e?A Turma da Rua Quinze?e menos?Dom Casmurro?e?Quincas Borba, o jovem adquirisse o gosto pela leitura. No futuro, ele se tornaria um adulto que consumisse mais livros?—?inclusive os clássicos. E com mais livros vendidos, o custo por unidade n?o seria t?o elevado. Se o valor de produ??o fosse menor, o pre?o de capa talvez fosse mais atrativo.A estabilidade do mercado editorial, portanto, n?o passa por?legisla??o que estabelece pre?o fixo; nosso hábito de leitura n?o passa por?cota de espa?o à literatura brasileira nas livrarias. O que o Brasil precisa para ter um cenário estável em longo prazo é reformar a grade de ensino nas escolas para estimular a leitura. Assim criaremos gente que compra mais e lê mais. ? a única forma de quebrar o Paradoxo Tostines da literatura.Este texto foi publicado originalmente na revista Benedito, newsletter de literatura e mercado editorial entregue todo domingo aos assinantes. Assine também. ................
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