Propostas de um novo nacionalismo: a visão do imigrante ...



O imigrante na visão de Plínio Salgado em O estrangeiro

Leandro Pereira Gonçalves

Doutorando em História (PUC-SP)

Plínio Salgado é conhecido, principalmente, pela liderança em torno do movimento integralista, mas a atuação literária após 1922 teve um grande destaque no cenário cultural brasileiro. No ano de 1926, Plínio Salgado publicou o romance de estreia na literatura[1], O estrangeiro, cuja temática central é uma crítica à sociedade brasileira nos primeiros anos do século XX, com o propósito de refletir sobre o modelo nacionalista a ser empregado no Brasil, tema recorrente no país como consequência das agitações modernistas. Como pano de fundo, o romance faz um debate em relação ao papel do imigrante no desenvolvimento da nação.

A obra, que é situada, entre os anos de 1913 e 1923, foi na época do lançamento considerada inovadora e um sucesso de vendas. O livro esgotara-se em 30 dias e foi alvo de críticas positivas, inclusive de opositores teóricos de Plínio Salgado, como na época, o já consagrado Monteiro Lobato, que naquele momento era um dos principais protetores do autor:

Vem de São Paulo um livro que vale pela mais pura revelação artística destes últimos tempos. O estrangeiro, de Plínio Salgado [...] Todo o livro [...] é uma inaudita riqueza de novidades bárbaras, sem metro, sem verniz, sem lixa acadêmica – só força, a força pura [...] Plínio Salgado é uma força nova com a qual o país tem que contar.[2]

A liderança política de Plínio Salgado, após 1932, com a criação da Ação Integralista Brasileira, fez com que ficasse ainda mais conhecido e respeitado, uma vez que em pouco tempo o movimento se transformou em uma das maiores mobilizações de massa do país, alcançando o invejável número de 1 milhão de militantes. O grupo tinha como proposta básica a criação do Estado Integral, que seria o Brasil dentro de uma ótica nacionalista com inspirações fascistas.

A proposta básica do integralismo era a defesa dos valores tradicionais cristãos, enraizados no lema: “Deus, Pátria e Família” e tinha como foco a luta constante contra o comunismo e o liberalismo, considerados ambos inimigos, e por isso todos integralistas, os camisas-verdes, seriam os “Soldados de Deus” que tinham as suas vidas em torno da defesa de um país forte, dentro dos limites cristãos. O movimento funcionou na legalidade até o ano de 1937, com o decreto do Estado Novo, mas a ideologia pregada por Plínio Salgado continuou a existir e permanece até os dias atuais, com o movimento denominado neointegralismo.[3]

O processo de formação ideológica da AIB foi desenvolvido com as discussões modernistas na década de 1920, como consequência da Semana de Arte Moderna de 1922. Plínio Salgado ao lado de outros intelectuais iniciaram discussões e ações culturais com base no que ficou conhecido como o Manifesto Verde-Amarelismo.[4] Na proposta do grupo pode ser encontrado um discurso baseado no nacionalismo cultural e político dentro de um momento de ascensão dos movimentos fascistas europeus; inspirados nesses regimes autoritários é que o grupo mostra sua ação.

Plínio Salgado encontrou nesses intelectuais do verde-amerelismo uma concepção de nacionalismo, mas para ele era necessário aprofundar o debate ideológico, por isso fundou o Grupo Anta e com ele iniciou uma caminhada em direção ao ultra-nacionalismo de base direita extremista. Para Plínio Salgado era preciso “criar a consciência da nacionalidade.” [5]

O crítico literário Wilson Martins, ao analisar a produção modernista de Plínio Salgado, afirma que o autor foi responsável por ter:

escrito os primeiros e, de resto, os melhores romances políticos da primeira fase. [...] É certo, porém, que tanto O Estrangeiro quanto O Esperado são as melhores realizações romanescas dos nos 20 [...] Plínio Salgado criará o esboço do que seriam, na década seguinte, os romances “sociais” e “políticos.”[6]

Dentro desse momento de renovação cultural, o primeiro romance circulou pelo país, como uma obra de reflexão sobre a nação brasileira. O estrangeiro é: “uma excelente introdução para o pensamento integralista brasileiro.”[7] Tal afirmação é confirmada pelo próprio Plínio Salgado que, após o lançamento do livro em 1926, disse: “Estava lançado, com ele, um grande movimento nacional, que mais tarde se corporificou na Ação Integralista Brasileira.”[8]

Dessa forma, é possível enxergar a importância deste romance, com o intuito de contribuir para o melhor entendimento do pensamento de Plínio Salgado e do integralismo. O romance revela a inquietude do autor em relação aos caminhos que a sociedade brasileira estava tomando, não só com o processo de transformação agrária, como também com os primeiros surtos de indústrias no período próximo à Primeira Grande Guerra Mundial, que foram um marco de extrema importância para o autor, pois:

dali, derivou-se nas duas correntes que se chocam nos velhos países: o imperialismo econômico e o imperialismo doutrinário; a expansão capitalista e a expansão política. Esses dois fenômenos, que regulam o ritmo da existência dos velhos povos, tendem a ampliar sua projeção até os países novos [...] Os países novos, como o Brasil, só se salvarão nesta era histórica, por uma grande capacidade de afirmação, de personalidade. [...] De 1914 para cá, a situação tornou-se outra e vimos quanto estávamos deslocados de nós mesmos. Em 1919, após a Revolução Russa, nossa visão foi ainda mais nítida. Víamos, de um lado o imperialismo doutrinário de Moscou, estendendo seus tentáculos pela mentalidade universal e de outro, as diferentes expressões de imperialismo capitalistas.[9]

Para Plínio Salgado, a urbanização não era o melhor caminho para o desenvolvimento da pátria, pois com ela os grandes males da sociedade – imperialismo econômico (liberalismo) e o imperialismo doutrinário (comunismo) – encontrariam espaço e promoveriam a verdadeira destruição da alma nacional: “A tendência das cidades é para a desnacionalização.”[10]

O sentido de um desenvolvimento rural é o ponto de defesa que Plínio Salgado encontra para impedir o avanço dos males na sociedade brasileira. O autor diz que a pureza de uma nação estava baseada na figura do caboclo,[11] que para ele é o sentido do Brasil. Menotti Del Piccha refere-se elogiosamente a Plínio Salgado como: “caboclinho enxuto, nervoso e formidável.”[12] Com este discurso caboclo, Plínio Salgado volta os olhos para si próprio como modelo de brasileiro: “Minha mentalidade, desurbanizada e cabocla, debalde tem procurado sentir como o homem da fábrica ou do gabinete, da burocracia ou dos salões. Acredito que a grande maioria do país está em idêntica situação.”

O autor dizia que o Brasil precisava de um homem que soubesse coordenar três elementos vitais em busca do nacionalismo. Propunha a união do homem das letras, o homem do Estado e o homem do povo, em apenas um único homem[13] que era ele próprio e ainda se colocava como a pessoa capaz de solucionar e guiar a sociedade brasileira, em direção ao pensamento nacionalista de luta constante contra os inimigos.

Em Poemas do século tenebroso, lançado em 1961, o autor divulga a obra com um pseudônimo, Ezequiel, profeta que dá nome a um dos livros do Antigo Testamento, e denominado como aquele que foi chamado para pressagiar durante o cativeiro babilônico do povo judeu; lá fundou uma escola de profetas e ensinava a Lei. Plínio Salgado se colocava como o que prediz o futuro aquele com a missão de defender o Brasil, principalmente do mal cosmopolita.

Em O estrangeiro[14], o autor exalta e defende o universo rural, símbolo da pureza nacional, algo decisivo para a existência do verdadeiro nacionalismo. Um dos pontos do romance é a influência negativa que as metrópoles passariam a ter sobre as zonas interioranas, exemplo na obra ocorre quando o professor Juvêncio diz que o urbanismo é o fim da nacionalidade, expressando o anticosmopolitismo também existente no Manifesto de outubro de 1932.[15]

Ao analisar estes aspectos presentes no romance, José Leonardo Tonus conclui: “No diagnóstico da civilização brasileira que combina o antiliberalismo, o anticomunismo, o anticosmopolitismo e o tema do mal urbano surge um eixo central do pensamento político de Plínio Salgado.”[16]

A partir deste ponto, pode-se perceber o tratamento em destaque que o autor colocou na obra para o papel do imigrante. O processo imigratório é algo que deve ocorrer, mas com segurança. Dentro deste contexto de intensa transformação, Plínio Salgado situou os personagens do romance.

A obra é um romance dentro do romance realizado pelo mestre-escola Juvêncio. Segundo Maria Stella Bresciani o:

Romance dentro do romance é a sugestão do Autor, para se desvendar ele próprio talvez, na última página, cobrindo-se com as vestes do mestre-escola Juvêncio, nacionalista convicto, praticante. A autoria do romance, duplamente atribuída a ele e ao personagem, impõe uma duplicidade ao texto que me intrigou e norteou a(s) leitura(s). Salgado na persona de Juvêncio cria Ivan, seu duplo, o outro que só poderia existir fora dele. Fica explicito que, para Plínio Salgado, a concepção de nação, construção intelectual, exige a figura da alteridade para, no modo do espelho, ganhar forma, adquirir particularidade.[17]

A montagem narrativa gira em torno de um imigrante bem sucedido pelo trabalho árduo e hábitos de poupança que enriquecem. A história de Ivan, personagem que divide a posição central do romance com o professor Juvêncio[18], seguiu os caminhos dos milhões de europeus expulsos de sua terra. Militante revolucionário perseguido pela polícia czarista introduziu a figura do outro entre os imigrantes, já que é o único russo entre os italianos.[19]

A questão imigratória, que está presente no romance, é algo que ocorre tradicionalmente na literatura brasileira desde o século XIX no contexto do realismo e naturalismo, mas é notadamente no período modernista que a constituição de romances desse caráter ganhou destaque no cenário literário brasileiro cujo objetivo era refletir sobre as transformações do país no século XX.

O romance se passa em São Paulo, mas não pode ser considerado uma obra apenas paulista e sim uma obra de caráter nacional. Segundo Augusta Garcia Dorea:

O estrangeiro é um romance essencialmente brasileiro, não apenas paulista, porque São Paulo é o Estado que maiores correntes migratórias recebe, internas e externas, havendo, portanto, de dar, ele próprio, o tipo brasileiro, graças a essa particularidade.[20]

O trabalho literário tem início no porto de Santos com a chegada dos imigrantes, e os momentos de maior destaque ocorrem na pequena cidade de Mandaguary e Campinas. No romance, o escritor define a pequena cidade como um local de conspirações, onde tudo se acomodava aos interesses de cada um. Os cidadãos submetiam-se às vontades e caprichos dos chefes regionais, tornavam o ambiente propício para a destruição da nacionalidade, porque tudo para o brasileiro se resumia a uma questão de oportunidade. O momento final da obra, será em Campinas onde o desenvolvimento capitalista industrial ocorreu com intensidade; sendo este o elemento causador da destruição humana, que faz o russo Ivan cometer o suicídio.

Plínio Salgado realizou, na década de 1920, uma reflexão sobre o papel do imigrante no sentido da formação da sociedade brasileira. Nas obras do líder integralista, é possível observar menções de alerta em relação à entrada dos estrangeiros e, consequentemente da cultura exterior para o Brasil. O líder integralista deixa claro não ser contra a imigração, demonstra a importância do processo para o desenvolvimento do país, mas com um certo cuidado.

Plínio Salgado não admite o domínio espiritual do imigrante, mas aceita a imigração, achando até indispensável a sua contribuição para a formação étnica do povo brasileiro e para o progresso econômico do país. Assim é que mostra as aldeias no Norte, onde não há imigrantes, em completa decadência; e as aldeias de São Paulo, onde a corrente imigratória é intensa, em grande progresso – as fazendas crescem, a lavoura amplia-se e as fazendas se enriquecem.[21]

O autor deixou claro que o propósito no romance, é realizar reflexões. Observa-se, no diálogo transdisciplinar entre História e Literatura, a necessidade de conhecer a obra literária de Plínio Salgado para verificar objetivos e visões que o autor propõe para o Brasil. “O romance não aponta uma solução para a sociedade brasileira. Faz vagas menções a um tempo ainda indefinido.”[22] É um tempo de formação da consciência, a preparação intelectual, cultural e política para a solução dos problemas brasileiros, que viria através da Ação Integralista Brasileira.

Mas, a verificação desses males não determina em Plínio Salgado uma atitude pessimista e descrente. Pelo contrário, ele acredita ainda nas reservas morais da sociedade e espera o seu reerguimento total. E não se limita a fixar em sua obra o resultado de sua observação, mas apresenta soluções para os nossos problemas. Seus romances não formam, pois, uma obra de ficção com objetivo puramente literário, mas a expressão da sua ideologia, da sua constante preocupação com o povo brasileiro, do seu estudo dos problemas nacionais.[23]

Partindo desse viés, o autor apontou uma necessidade de cuidado em relação ao cosmopolitismo. No Manifesto de outubro de 1932, Plínio Salgado expôs com clareza seus propósitos para o Brasil. Para o autor: “A Nação Brasileira deve ser organizada, una, indivisível, forte, poderosa, rica, próspera e feliz. Para isso precisamos de que todos os brasileiros estejam unidos.”[24] A defesa ideológica nacionalista e sua aversão cosmopolita acompanharão Plínio Salgado durante toda a vida, como pode ser observado no romance O dono do mundo. Nesse, ele adotou um tom profético, afirmando que o apocalipse chegará com o desenvolvimento tecnológico e o advento das máquinas, expressões da força urbanística e que não são o mais correto para a defesa nacionalista devido à presente influência externa.[25] Esse cosmopolitismo, que para Plínio é o grande mal, causa: “a desagregação do homem de suas peias naturais, e o projetam no terreno neutro, que é o mercado.”[26]

Plínio Salgado alerta a sociedade para a imigração, que pode contribuir para o mal, na fortificação do cosmopolitismo:

Nos países de imigração, como o nosso, as cidades vão se tornando, pouco a pouco, consciências isoladas na Grande Consciência. Falta-lhes, para a perfeita harmonia nacional, o liame das tradições e dos costumes, a consciência histórica, a unidade de sentimento. Forças diversas atuam sobre nossos centros mais populosos, estabelecendo o entrechoque de correntes religiosas, de doutrinas políticas, de credos literários, de processos comerciais; e de tudo resulta o resfriamento gradual de nossas energias próprias. Essas forças se anulam em contraposição umas das outras, e o resultado fatal é uma permanente crítica negativista, que se infiltra como um veneno na alma de nossa gente. [...] Estas considerações me levam a crer na imensa necessidade de um levantamento da fé brasileira, de uma coordenação de forças novas, de uma intensa afirmação nacional. O Brasil precisa salvar-se do mal urbano [...] A mocidade brasileira tem necessidade de levantar-se, num movimento de fé.[27]

Nesse discurso, é possível constatar o papel central que o imigrante possui no projeto de criação de um novo movimento político. Dessa forma, vê-se, com total relevância, a análise da obra com o objetivo de visualizar quem é o imigrante para Plínio Salgado.

O estrangeiro é um romance que se desenvolve dentro de um ambiente de imigração e, logo no início da obra, o autor propõe uma explicação para o surgimento da imigração no Brasil:

Trecho de história do Brasil: os naturais, por seu gênio erradio, não se prestavam a faina agrícola. Foi necessário instituir a escravidão africana. Os negros eram comprados nas feiras. A libertação dos escravos coincidiu com a República e esta com o desenvolvimento da lavoura. Abriram-se as portas à imigração.[28]

No início da obra, o autor narra a chegada dos primeiros imigrantes, foca nos italianos a análise, identificado pela família Mondolfi, que é caracterizada pela ascendência econômica. Carmine Mondolfi economiza, compra terras e torna-se a figura central da colônia. Ajuda a fundar a sucursal da escola Dante Alighieri, reduto e símbolo da italianidade.

A partir deste processo, analisa a situação do brasileiro (caboclo) em face a chegada dos italianos. É possível perceber a formação de alguns grupos divergentes em relação ao papel dos estrangeiros. Há alguns personagens que não aceitam em hipótese alguma a presença do imigrante e lidam com radicalização, evitando qualquer tipo de contato com o novo. Na obra são caracterizados como os bandeirantes.

Em um diálogo com o mestre-escola Juvêncio, o russo Ivan indaga o professor sobre quem é o verdadeiro caboclo:

Ivan queria ver um caboclo autêntico. Contou-lhe o amigo que eram raros. Quase todos estavam no sertão. Poucos ficaram nas redondezas, cantando a viola, empalamados. Alguns – pequenos agricultores, taverneiros, carreadores ou peões, exceção feita ao Zé Candinho -, andavam por ali, mas guardavam poucos traços do caboclo genuíno, ou antes, eram uma expressão inferior do caboclo. O legítimo, esse prosseguia a sua faina, rumo às brenhas, afastando-se da onda de absorvente dos estrangeiros. [...] Os que partem são fortes como fundadores de países. Os que ficam, são como seu Indalécio, olhos morteiros, toadas monótonas nos lábios...[29]

Como foi citado há outro personagem que é afetado pela imigração, Nhô Indalécio, que morre de desgosto por não conseguir desafiar o poder existente. Esse personagem representa um grupo da sociedade que não tem poder de reação, pobres caipiras, decadentes, que não acompanham o desenvolvimento da sociedade, virando reféns dos imigrantes. É uma crítica que o autor faz à sociedade brasileira e demonstra a perseguição dos italianos (Carmine Mondolfi) que alcançam o enriquecimento, promovendo o abandono dos caboclos da terra, que não têm forças para combater a opressão. Em uma passagem do romance envolvendo o “caboclo domesticado: Nhô Indalécio”[30] e o violento administrador da fazenda, Martiniano, é possível verificar a relação de violência existente:

Aconteceu que os porcos de Nhô Indalécio aventuraram excursões pela fazenda. Martiniano mandou avisá-lo, “Que mataria os bichos.” Indalécio pôs mais um fio de arame na cerca. Os suínos eram teimosos. Romperam a barreira, entraram insolentes como hussards. Troaram tiros de espingarda. Seguiu-se uma proclamação. “Que não se queixe a polícia, se não quiser levar umas lambadas, com este chicote.” Nhô Indalécio mandou dizer que não se queixava à polícia; entregava a injúria nas mãos de Deus.[31]

O violento Martiniano representa outro grupo de caboclos, para os quais ser brasileiro é praticar a xenofobia[32] e com o uso da violência desenvolve a sua cultura. No decorrer da obra, deixará a fazenda para ir à cidade e fica totalmente encantado com o cosmopolitismo. Envergonhava-se da vida levada durante anos, como burro de carga, ridicularizava os agricultores e revolta-se intensamente com os imigrantes que enriqueceram, deprimindo os brasileiros.[33]

Existe ainda outro tipo de caboclo no romance, representado pelo Pantojo e pelo major Feliciano que aceitam a imigração sem maiores problemas. Procuram constantes soluções para ganhar com essa relação. É um grupo de personagens que tem como único propósito se beneficiar individualmente. Durante o momento da obra em que o major Feliciano não estava no poder mostrava ser um intenso nacionalista:

O major Feliciano, não admitia que estrangeiros governassem. Em Mandaguary, o prefeito era italiano; o coletor sírio; e italianos e espanhóis havia no Diretório e na Câmara. Caipiras inconscientes acompanhavam-nos e o Governo o que queria eram votos. Ostensivamente, em quase todas as cidades, fundavam-se as celebérrimas “Dante Alighieri” e as escolas onde as crianças aprendiam, antes de mais nada, a língua italiana. Um absurdo dizia.[34]

No momento em que o major alcança uma posição de destaque na política local, altera totalmente seu comportamento, com a intenção de manter acordos com os imigrantes: “O major Feliciano fazia parte dos brasileiros que aprovavam a imigração e adequava-se aos estrangeiros, estabelecendo um acordo com eles e com eles se identificando e alheando-se às coisas brasileiras.”[35] O major em uma carta diz:

A localidade (Mandaguary) entrou agora num período de grande progresso. O sr. Presidente do Estado prometeu vir, em pessoa, inaugurar o chafariz. Fiz as pazes com o pessoal da “Dante Alighieri” por causa de uma causa que me deram e me rendeu cinquenta contos. De modo que subvencionei a escola e a banda da colônia. Vou conceder a uma companhia de alemães vários favores para o serviço de luz. Havia uma de brasileiros que me dava comissão muito pequena e achei pouco patriotismo. Espero ir para S. Paulo, deputado, servir o país em mais largos horizontes.[36]

Ao lado de Feliciano, nesse descaso em relação ao Brasil, estava Pantojo, que pertencia a um grupo paulista tradicional cuja riqueza proveniente do café, permitia-lhe residir ao lado de um luxo mundano, apegado à moda estrangeira, ao sustento de amantes e ao vício do jogo. Sem preocupação alguma com o desenvolvimento do Brasil, usava o imigrante como forma de promover o enriquecimento e nada mais.

Contra as imagens descritas dos caboclos em relação aos imigrantes, estava o mestre-escola Juvêncio, expressão mais próxima de Plínio Salgado. Para o diretor das Escolas Reunidas: “Pátria é a voz do país saindo pela boca do homem.”[37] Juvêncio era o símbolo da nacionalidade:

O tema do nacionalismo aparece na situação burlesca do mestre escola, Juvêncio, estrangulando perante seus alunos, os papagaios que ganhara de presente porque haviam aprendido com seus antigos donos emigrantes a repetir as palavras do hino fascista: “Giovinezza, Giovinezza, primavera di belleza!” Juvêncio exalava nacionalismo.[38]

A oposição central do mestre-escola era o desenvolvimento e o crescimento em larga escala dos imigrantes e isso era perigoso para o desenvolvimento da sociedade brasileira. O momento máximo de insatisfação ocorreu quando:

Com foguetes e cerveja, fundou-se em Mandaguary uma sucursal da “Dante Alighieri.” A banda musical “Giuseppe Verdi” compareceu uniformizada, com dragonas e alamares verdes em fardas azul ferrete. Um velho garibaldino fez um discurso dramático.[39]

Como forma de reação, o professor: “reabriu as aulas das Escolas Reunidas resolvido a fazer concorrência a Dante Alighieri, disposto a tudo, a um combate sem tréguas, violenta, arrasadora guerra de extermínio.”[40]

O mestre-escola (Plínio Salgado), que revelou na última página da obra, ser autor da história, é considerado o verdadeiro caboclo (brasileiro), que tem como objetivo amar e lutar pelo crescimento da nação, tendo ao lado os imigrantes, que serão absorvidos para a formação de uma pátria forte. O objetivo de Plínio Salgado foi demonstrar que o Brasil tem forças para resistir ao cosmopolitismo e assimilar o imigrante, mas para isso seria preciso criar um elemento de aglutinação, por isso, o autor desenvolve em diversos momentos do romance, meios para pensar o processo educacional (catequizador) brasileiro:

As crianças das Escolas Reunidas eram filhos de italianos, espanhóis, japoneses, sírios, mulatinhos espertos puxados ao português. Cantavam o hino nacional e respondiam na ponta da língua, se lhes perguntavam - quem descobriu o Brasil? – Foi o almirante português Pedro Álvares Cabral. [...] A bandeira flutuava – palpitante cabeleira verde – na ponta do caule esguio, que parecia um homem cumprido e entusiasmado. [...] E as vozes afinadinhas: Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante... Juvêncio vibrava.[41]

O mestre-escola não admitia o excesso de italianidade que estava havendo na “Dante Alighieri”, onde ensinavam:

- Onde nasceu Cristóvão Colombo?

- Em Genova.

- Quem plantou o café no Estado de S. Paulo?

- Os italianos.

- Quem inventou o automóvel Ford?

- O conde Matarazzo.[42]

Plínio Salgado não tentou promover uma aversão generalizada ao imigrante. O objetivo deste panfleto político é refletir sobre quais caminhos a sociedade deve seguir com a presença da cultura estrangeira no país. O autor tem a intenção de criticar imigrantes que vêm para o Brasil, mas não conseguem entrar no espírito de vida do brasileiro, como o russo Ivan, que vem para o país, mas não consegue se desligar do passado e, como conseqüência, não pensa no futuro. O moscovita não conseguiu adaptar-se à nova terra, ele não conseguia sentir e integrar-se na vida brasileira; o fim foi trágico: o suicídio.

Assim, o líder integralista demonstrou que era impossível e desnecessário lutar contra o imigrante, pois o Brasil precisava deles para o desenvolvimento. Mas para que isso ocorresse, era preciso promover a assimilação dos imigrantes pela realidade brasileira e, não, o contrário, pois se algum imigrante viesse para o Brasil sem esse propósito não conseguiria viver no país, como aconteceu com o russo Ivan. Este manifesto em forma de romance serviu de introdução para Plínio Salgado criar o embasamento teórico necessário para a formação da Ação Integralista Brasileira.

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[1] Plínio Salgado publicou, em 1919, uma coletânea de poemas intitulada: Thabôr (obra que o deixou conhecido na capital paulistana). Na década seguinte, passou a ser reconhecido como um verdadeiro intelectual, principalmente após o sucesso de seu primeiro romance, O estrangeiro, seguido posteriormente de O esperado e O cavaleiro de Itararé, formando, assim, a trilogia romanesca denominada “Crônicas da Vida Brasileira”. Plínio Salgado escreveu mais três romances: A voz do oeste, em 1934; Trepandé – redigido entre 1938 e 1939, mas publicado apenas em 1972 – e O dono do mundo, que segundo o editor Gumercindo Rocha Dorea foi escrito no fim da vida, aproximadamente, entre o período de 1974 e 1975 que não foi finalizado em decorrência de sua morte, sendo publicado apenas no ano de 1999. A composição ficcional de Plínio Salgado abrange ainda a literatura infantil, quando, em 1951, lança a obra: Sete noites de Joãozinho, além de uma produção poética, Poema da fortaleza de Santa Cruz, em 1948, e uma coletânea assinada pelo pseudônimo de Ezequiel, Poemas do século tenebroso, no ano de 1961. Plínio Salgado publicou ainda outras dezenas de obras com temáticas políticas, religiosas, sociológicas e filosóficas, como A quarta humanidade, A doutrina do sigma, O que é integralismo, Vida de Jesus, A aliança do sim e do não, O conceito cristão de democracia, A mulher do século XX, entre outras. Conferir: GONÇALVES, Leandro Pereira. Literatura e autoritarismo: o pensamento político nos romances de Plínio Salgado. Juiz de Fora: Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – Dissertação de Mestrado, 2006.

[2] LOBATO, Monteiro. “Forças novas.” Rio de Janeiro, 22 mar 1936. In: SALGADO, Plínio. Obra coletiva. São Paulo: Revista Panorama, 1936, p.253-258.

[3] Conferir: CARNEIRO, Márcia. Do Sigma ao Sigma – entre a anta, a águia, o leão e o galo – a construção de memórias integralistas. Niterói: UFF – Tese de Doutorado, 2007.

[4] Nhegaçu Verde Amarelo, conhecido como Manifesto do Verde-Amarelismo, ou da Escola da Anta, foi divulgado no jornal Correio Paulistano, de 17 de maio de 1929. Conferir: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. 17 ed. Petrópolis: Vozes, 2002, p.361-367.

[5] SALGADO, Plíno. Despertemos a nação! Rio de Janeiro: José Olympio, 1935, p.11.

[6] MARTINS, Wilson. A literatura brasileira. 5 ed. São Paulo: Cultrix, 1978. v.6, p.249-251.

[7] TONUS, José Leonardo. O estrangeiro de Plínio Salgado: un roman sur l'immigration?Universitè de Paris III - Sorbonne Nouvelle, 2000. Disponível em: http:// univ-paris3.fr/recherche/sites/edelal/DEA/Bresil/DEATonus.pdf. Acesso em: 12 set. 2005, p.02 (minha tradução). “une excellente introduction à la pensée intégraliste au Brésil”

[8] SALGADO, Plínio. “Sentimentais”. In: ______. Obras completas. São Paulo: Américas, 1956a. v.20, p.373.

[9] SALGADO, Plínio. “Literatura e política.” In: ______. Obras completas. São Paulo: Américas, 1956b. v.19, p.85-90.

[10] idem, ibidem, p.96.

[11] idem, ibidem, p.97.

[12] PICCHIA, Menotti. “Diário de Notícias.” Rio de Janeiro, 22 mar 1936. In: SALGADO, Plínio. op.cit., 1936, p.229.

[13] SALGADO, Plínio. op.cit., 1956b, p.29-30.

[14] Em todas as citações do romance O estrangeiro foi realizada uma alteração na grafia em relação ao original, devido a modificação linguística existente na edição usada na pesquisa. 3ª edição, Rio de Janeiro: José Olympio, 1936.

[15] Manifesto de Outubro de 1932 é considerado o marco inicial do movimento integralista, foi divulgado no dia 07 de outubro de 1932, em uma solenidade no Teatro Municipal de São Paulo.

[16] TONUS, José Leonardo. “Progrès et décadence dans le roman O estrangeiro de Plínio Salgado.” In: PENJON, Jacqueline; PASTA JÚNIOR, José Antonio. (Org.). Littérature et Modernisation au Brésil. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, p.93-103, 2004, p.102. (minha tradução). “Dans le diagnostic de la civilisation brésilienne, ou se conjuguent l’antilibéralisme, l’anticommunisme et l’anticosmopolitisme, le théme du mal urbain surgit ici comme um axe central de la pensée politique de Plínio Salgado.”

[17] BRESCIANI, Maria Stella Martins. “Falar literariamente da alteridade: Plínio Salgado em O Estrangeiro.” Letterature d’America, Roma, v. 87, p.53-83, 2001, p.63.

[18] Ivan e Juvêncio podem ser considerados um único personagem, pois o mestre-escola é o espelho de Plínio Salgado e criará Ivan como seu auto-retrato na busca do nacionalismo.

[19] SALGADO, Plínio. O estrangeiro. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1936, p.16.

[20] DOREA, Augusta Garcia. O romance modernista de Plínio Salgado. São Paulo: IBRASA, 1978, p.31.

[21] DOREA, Augusta Garcia. op.cit., 1978, p.34.

[22] BRESCIANI, Maria Stella Martins. op.cit., 2001, p.55.

[23] DOREA, Augusta Garcia. op.cit., 1978, p.75.

[24] SALGADO, Plínio. Manifesto de outubro de 1932. São Paulo: Voz do oeste, 1982, p.4.

[25] Conferir: SALGADO, Plínio O dono do mundo. São Paulo: GRD, 1999.

[26] SALGADO, Plínio. op.cit., 1956b, p.97..

[27] idem, ibidem, p.97-100.

[28] SALGADO, Plínio. op.cit., 1936, p.21.

[29] SALGADO, Plínio. op.cit., 1936, p.28-29.

[30] idem, ibidem, p.35.

[31] idem, ibidem, p.43.

[32] TONUS, José Leonardo. op.cit., 2000, p.03. O autor no estudo citado destaca a relação entre o romance O estrangeiro e o pensamento integralista e afirma: “O estrangeiro, romance sobre o imigrante, é um panfleto nacionalista, racista, xenófobo e anti-semita.”[33] p.02 (minha tradução). O objetivo de TONUS é demonstrar o pensamento nacionalista de Plínio Salgado, exaltando a aversão ao estrangeiro que, segundo o autor, estará presente dentro do movimento integralista. “O estrangeiro, roman sur l’immigration, est um pamphlet nationaliste, raciste, xénophobe et antisémite.

[34] DOREA, Augusta Garcia. op.cit., 1978, p.33

[35] SALGADO, Plínio. op.cit., 1936, p.66.

[36] BARROS, José Eliseo de. O modernismo integralista nos romances O esperado e O estrangeiro de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: UFRJ – Tese de Doutorado, 2006, p. 68.

[37] SALGADO, Plínio. op.cit., 1936, p.266-267.

[38] idem, ibidem, p.46.

[39] TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro da década de 30. 2 ed. Porto Alegre: Difel;UFRGS, 1979, p.59.

[40] SALGADO, Plínio. op.cit., 1936, p.40.

[41] idem, ibidem, p.55.

[42] SALGADO, Plínio. op.cit., 1936, p.29-30.

[43] idem, ibidem, p.101.

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