LEITURA, EMANCIPAÇÃO INTELECTUAL



LEITURA, EMANCIPAÇÃO INTELECTUAL

Laura Sánchez*

Profª Cristiane Ferraro**

Resumo

Este artigo tem por objetivo oferecer uma reflexão do porquê a leitura é importante. Para isso, em primeiro lugar se oferece uma panorâmica historiográfica - estudo e descrição da história da leitura e dos livros no mundo - quando ler era privilégio de uns poucos “eleitos” e muitos livros foram destruídos apagando a memória dos autores, de suas ideias, e de sua gente (BAEZ, 2006). A abordagem dada à leitura é uma ferramenta de vital importância para a educação do indivíduo, que por sua vez consegue se emancipar intelectualmente através dela (ADORNO, 2006). Hoje, já superadas muitas épocas e séculos de obscurantismo intelectual e educacional, existe liberdade para ir a uma biblioteca e ler um livro, mas será que se dá o verdadeiro valor a esse ato? Realmente se entende como a leitura nos educa? Como ela é libertadora? Como emancipa intelectualmente as pessoas? Pretende-se no decorrer do texto responder a pergunta de porque a leitura é importante, assim como incentivar o leitor a aprofundar-se cada vez mais no mundo dos livros, já que sendo ele um indivíduo mais competente intelectualmente passará a ser parte integrante de uma comunidade mais preparada e livre.

Palavras-chave: Educação; Emancipação Intelectual; Leitura.

Introdução

Este estudo visa trazer para os interessados, alguns pontos de reflexão sobre a importância da leitura para o indivíduo e para a humanidade. Inicia-se com uma breve contextualização da falta de priorização dos governos em investimentos em alfabetização para jovens e adultos. Em seguida, é feito um breve histórico da leitura para poder entender com profundidade como nem sempre os livros e consequentemente a leitura foram exequíveis para todos e o motivo deste fato. Da mão do escritor venezuelano Fernando Báez (2006), aborda-se também um assunto que não pode ser omitido nesta pesquisa sobre a leitura, como grande quantidade de livros foi destruída ao longo da história.

Mostra-se chegando ao ponto central do artigo a resposta à questão: Porque a leitura é importante? Tomando como referência os textos do grande filósofo e autor alemão do século XX, falecido em 1969, Theodor W. Adorno, defende-se neste trabalho a hipóteses de que a leitura é vital no caminho para educação e principal ferramenta para manter a emancipação[1] intelectual que a humanidade conquistou depois de séculos de privação.

Alfabetização, o primeiro passo

Considerando o analfabetismo como um antônimo de leitura, a alfabetização seria o primeiro passo para a leitura. Mas, como o analfabetismo é tratado hoje em dia? A mídia divulga freqüentemente a necessidade da alfabetização dos países como é o caso do Brasil. A sociedade admite de comum acordo que a alfabetização é básica, necessária e de vital importância para o indivíduo. São muitos os informes da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO que solicitam uma maior atenção para os livros, a leitura e a alfabetização de adultos como sendo uma das formas de promoção individual e social.

No mundo há 771 milhões de pessoas de mais de 15 anos que carecem de competências básicas em leitura, escritura e cálculo. Os governos e os organismos de ajuda não outorgam prioridade nem financiamento suficiente a os programas de alfabetização para jovens e adultos (Informe: Educação para todos; Edições UNESCO, 2005).

Sabe-se que a alfabetização permite ao indivíduo ler e escrever, isso, aparentemente parece simples, mas a questão é até que ponto a relevância que tem na vida da pessoa escrever e ler é entendida? Ser alfabetizado para saber assinar um documento? Ler uma receita de cozinha? Ler a etiqueta de um produto? Seria só isso? Por que é importante a leitura?

Seria possível nomear itens e itens de motivos para responder, mas será considerado o mais relevante, o mais sério, o mais definitivo, o “argumento dos argumentos” para demonstrar que a leitura, é sim, importante mesmo. Este texto pretende, na medida do possível, levar o leitor para uma reflexão profunda sobre como sem leitura não existe educação e como sem educação o indivíduo não se forma e não se desenvolve nos níveis cognitivo, cultural e social. Portanto, além de ser a leitura uma ferramenta insubstituível e imprescindível na educação, ela permite ao indivíduo se emancipar. Sendo a educação formadora de indivíduos, poderíamos dizer que, Leitura-Educação-Emancipação é um trinômio perfeitamente esclarecedor para explicar a importância da leitura.

Breve historiografia da leitura

A etimologia da palavra leitura remete ao idioma latim, lectura, de leggere, “reunir, enrolar; escolher; ler para si; ler em voz alta” (HOUAISS, 2001). Apareceu em 1382. Os primeiros “leitores” da história eram os ouvintes da oratória da antiguidade, através do diálogo que os mestres ensinavam. Na Grécia, a leitura era para os filósofos e os aristocratas. Já na Idade Media, era entre os grossos muros dos monastérios medievais que se encontravam as únicas bibliotecas e escolas, somente com livros permitidos pela igreja e a inquisição. Com o passar do tempo a educação formal ficou restrita ao clero, as leituras tinham como objetivo formar os religiosos. Pessoas que não tivessem a intenção de entrar no clero não teriam o privilégio da leitura

Foi dessa forma que a Igreja Católica censurou através do Index Librorum Prohibitorum (Catálogo dos Livros Proibidos) 4.000 obras e livros durante a inquisição, com a finalidade de evitar a leitura de livros considerados heréticos, condenando-os à fogueira. A monarquia também era a grande privilegiada na hora de aceder à leitura, já que reis e rainhas tinham a obrigação de passar por uma rigorosa educação dada por preceptores desde a infância. Formavam-se os monarcas, em letras, filosofia, alquimia, artes, matemáticas, política, e, sobretudo em várias línguas - poliglotismo, chegando à maioria a converter-se em verdadeiros eruditos. É este o caso, por exemplo, no século XVII, da rainha Cristina de Suécia, figura europeia muito culta que levou na sua corte o próprio René Descartes, para poder usufruir da suas descobertas (HEYDEN-RYNSCH, 2001).

Era dessa forma que a monarquia tinha o controle do povo já que com a informação se colocava em uma posição de superioridade e poder total. Aprofundando esta ideia chegamos a entender como a leitura era a ferramenta educativa que formava estas personalidades nas mais diversas áreas do conhecimento. Portanto, desde o começo no Ocidente, a leitura foi um processo iniciado com muita discriminação. Pouco a pouco, essa situação foi mudando e a leitura foi se expandindo para outras esferas, além das clericais e monárquicas, alcançando os mais diversos grupos sociais, nos quais predominavam os homens e muito raramente, a mulher. A leitura era vista como uma ameaça para mulher, que poderia lendo, vislumbrar outras possibilidades de viver sua vida além de ser mãe, doméstica e dominada pelo homem tanto moral quanto fisicamente.

A liberdade intelectual depende de coisas materiais, a poesia depende da liberdade intelectual. E as mulheres sempre foram pobres desde o principio dos tempos. Pelo que a mulher precisa de 500 libras ao ano, um quarto próprio com fechadura e acesso a uma biblioteca para chegar ao mundo e não permanecer sozinha em casa esperando ser maltratada pelo marido (WOOLF, 1993, p.109).

A leitura não era para todos os gêneros nem classes sociais. Porém, não acaba aqui a problemática do acesso à leitura quando se lembra de quantos e quantos livros já foram destruídos através dos tempos.

Destruição dos livros

Na verdade, os livros são destruídos desde que existem. Desde o mundo antigo no Oriente Médio, na Mesopotâmia, até hoje na guerra do Iraque, passando pela Biblioteca de Alexandria, pela inquisição espanhola (Autos de Fé) foram destruídos, queimados e eliminados livros e livros. Ao buscar uma razão para essa destruição Báez diz que: “Um livro é destruído com a intenção de aniquilar a memória que encerra, isto é, o patrimônio de ideias de uma cultura inteira” (BÁEZ, 2006, p. 24).

Ante uma panorâmica como esta, chega-se a pensar como realmente a leitura foi um bem conquistado que hoje está ao alcance da maioria das pessoas e, que cabe a todos a responsabilidade de preservá-la para as gerações que estão por vir. Entretanto, ainda no século XXI, existe um antigo costume juvenil de queimar textos didáticos quando se conclui o ensino médio. Báez (2006) explica que em junho de 2001, houve um caso escandaloso nas areias da praia de Cádiz, na Espanha, onde centenas de estudantes queimaram livros didáticos incluindo alguns de leitura obrigatória.

Ante esta barbárie cultural em pleno século XXI, o que falta para a conscientização da importância dos livros e da leitura?

Educação e emancipação intelectual

A leitura educa e emancipa intelectualmente o indivíduo. Ajuda no desenvolvimento cognitivo, aumentado o vocabulário e nutrindo de ferramentas lexicais. Sem leitura não é possível apreender matérias como química, física, matemática, filosofia, língua e outras. Ela é ferramenta indispensável para a formação acadêmica e para adquirir cultura. Ao ler, se dialoga com o autor levando as suas informações para o interior, filtrando-as e analisado-as para absorver aquela parte que interessa, passando essa informação a ser parte do universo pessoal. A pessoa cresce intelectualmente com a leitura tornando-se independente, mais livre, mais ponderada, formando opinião própria sobre o mundo, inclusive de si mesmo, reconhecendo as qualidades e defeitos do próprio caráter, ou os erros e acertos de suas ações.

Hoje é difícil imaginar estudar e cursar uma faculdade sem ler textos e textos, analisá-los, debatê-los em sala de aula e fazer seminários sobre seus conteúdos. Tanto é verdade que o estudante tem que realizar uma monografia, um trabalho de conclusão de curso que será resultado de muitas leituras sobre um assunto de seu interesse. Tudo com base na leitura. Em parte, você será um bom profissional se você conseguiu durante sua formação ler e assimilar essas leituras que depois serão parte de seu “dicionário cerebral”.

Segundo os informes do Programa Internacional de Avaliação de Alunos - PISA 2000-2003, os alunos europeus admitem que haja uma estreita relação entre a freqüência da leitura e os resultados acadêmicos. É sabido da dificuldade que muitas pessoas têm de ler, “o ato de fugir dos livros”. O hábito da leitura tem que ser conquistado com o tempo. O papel do professor é de vital importância na motivação da leitura para os alunos. É preciso uma nova metodologia de ensino, mais tempo para ler em sala de aula, não só na matéria de língua ou literatura e sim em todas as matérias, educar lendo na prática. Os pais também devem assumir a sua responsabilidade educativa lendo para seus filhos 15 minutos por dia e adquirindo para eles uma biblioteca. Toda criança deveria ter sua própria biblioteca para poder crescer com informação e com amor à leitura.

A leitura proporciona instrução, esclarecimento, ou seja, educa criando hábitos de reflexão, análise e concentração. Ajuda a pessoa a se focar em um assunto evitando o devaneio. Uma pessoa que adquiriu o hábito da leitura tem autonomia cognitiva, ela está preparada para apreender por si mesma, inclusive de maneira autodidata.

A educação faz o indivíduo conhecedor, permite que ele pense por si mesmo, que consiga se manifestar com lógica e serenidade ante situações de injustiça, que possa se defender, argumentar e se fazer ouvir com coerência e respeito. Adorno (2006) aponta que, planejamento educacional é também um planejamento de conteúdo. De que forma esse conteúdo seria passado aos alunos? Tanto oral quanto textualmente, portanto uma vez mais, verifica-se que sem leitura não há educação.

Considerações finais

Conclui-se, pois, que durante muitos anos os livros foram um bem proibido para a maioria e a leitura consequentemente somente para alguns privilegiados. O empenho dos “poderosos” por ter o povo sob seu controle se limitava a tirar deles toda probabilidade de crescimento intelectual, por mediação da leitura e da educação, uma vez que eles sabiam do poder que ler daria para as pessoas: o “poder do conhecimento”. E como conseqüência deste “poder” o povo seria emancipado e livre dos seus controles e manipulações. Como teria sido a historiografia se a leitura nunca tivesse sido proibida, se nunca tivesse existido censura? A sociedade seria a mesma? As pessoas teriam evoluído mais como indivíduos? Existiria ainda tanta barbárie? Haveria uma democracia na prática?

Hoje caminhando cada vez mais para a alfabetização mundial, as pessoas são formadas e educadas principalmente através da ferramenta da leitura. A leitura participa avidamente da transformação de um indivíduo para a sua emancipação intelectual. Uma pessoa posicionada na vida, culta, erudita será no mínimo uma leitora. E como leitora terá ideias, buscando soluções para os problemas pessoais e coletivos.

Remetendo aqui as observações da escritora Virginia Woolf no seu livro “Un Cuarto Proprio” (traduzido em como “Um teto todo seu”), a leitura dos livros opera os sentidos em cataratas; depois de lidos vê-se com mais intensidade; o mundo aparenta ter-se despejado do velo que o cobria e ter recobrado uma vida mais intensa.

Para o leitor, a leitura é um instrumento para a sua vida. Agora, a questão é: desejar um mundo futuro com crianças que serão um dia, adultos autônomos de ideias e opiniões próprias ou um mundo de indivíduos iguais, medíocres, fáceis de controlar e dirigir? A diferença pode estar em dar para uma criança uma biblioteca, já parou para refletir sobre isso?

REFERÊNCIAS BIBLOGRÁFICAS

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2006.

BÁEZ, Fernando. História universal da destruição dos livros. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

HEYDEN-RYNSCH, Verena Von Der. Cristina de Suecia. Barcelona: Tusquets Editores, 2001.

HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. CD- ROM. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva / Instituto Antonio Houaiss, 2001.

WOOLF, Virginia. Un Cuarto propio. Chile: Editorial Cuarto Propio, 1993.

INFOGRAFIA

UNESCO. Disponível em: < >. Acesso em: 21 abr. 2010.

DYCTIONARY SANTOS. Disponível em: < >. Acesso em: 25 abr. 2010.

SUGESTÕES DE FILMOGRAFIA

O CLUBE de leitura de Jane Austen; Titulo original: The Jane Austen Book Club. País: EUA. Data: 2007. Duração: 105 min. Gênero: Drama Direção: Robin Swicord.

O LEITOR; Titulo original: The Reader. País: EUA & Alemanha. Data: 2008. Duração: 124 min. Gênero: Drama histórico. Direção: Stephen Daldry.

O NOME da Rosa; Titulo original: Der Name Der Rose. País: Alemanha. Data: 1986. Duração: 130 min. Gênero: Suspense histórico. Direção: Jean-Jacques Annaud.

O SORRISO de Mona Lisa; Titulo original: Mona Lisa Smile. País: EUA. Data: 2003. Duração: 125 min. Gênero: Drama. Direção: Mike Newell.

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[1] Ato ou efeito de emancipar (-se); qualquer libertação; alforria, independência.

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