SOU MULHER! SOU GREMISTA! REPRESENTAÇÕES DA MULHER NO ...

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SOU MULHER! SOU GREMISTA! REPRESENTA??ES DA MULHER NO FUTEBOL E AS CRISTALIZA??ES DE G?NERO ENVOLVIDAS NESTE PROCESSO: UMA ETNOGRAFIA SOBRE TORCEDORAS DO GR?MIO.

Marcelo Pizarro Noronha

P?s-doutorando em Antropologia Social (UFRGS) marcelopnoronha@.br

Resumo

Neste artigo discuto a participa??o da mulher no universo do futebol club?stico brasileiro, tendo como recorte anal?tico trajet?rias de vida de torcedoras do Gr?mio. Atrav?s das suas narrativas, tentei compreender as diferentes motiva??es que as levaram a escolher o clube ga?cho como o "do cora??o". Em termos te?ricos, dialoguei com os estudos de g?nero, com o objetivo de problematizar o universo do futebol, um territ?rio masculino. A revis?o bibliogr?fica sobre a produ??o cultural futebol?stica incluiu, al?m de obras acad?micas e liter?rias, document?rios e CDs. Em se tratando de quest?es metodol?gicas, vali-me de observa??es participantes, de entrevistas e de depoimentos de torcedoras tricolores, al?m de fotografias. As conclus?es foram baseadas no meu doutoramento em Ci?ncias Sociais e nos estudos mais recentes (P?s-Doutorado). Palavras-chave: Futebol. Mulher. G?nero.

Introdu??o

O futebol pode ser considerado um fato social, pois est? relacionado a diferentes dimens?es culturais, englobando elementos pol?ticos, econ?micos, religiosos e pedag?gicos, entre outros. Para pensar a import?ncia deste esporte para o pa?s, ? interessante recorrer-se a DaMatta (1989: 73), para quem "o futebol no Brasil ? um ve?culo b?sico para a socializa??o e um complexo sistema para a comunica??o de valores essenciais em uma sociedade altamente segmentada". Gastaldo (2002) refor?a esta vis?o, ao considerar o futebol (juntamente com o carnaval e as religi?es afro-brasileiras) uma das mais importantes manifesta??es da cultura brasileira contempor?nea. Para ele, o chamado "esporte das multid?es" opera como uma esp?cie de "elemento aglutinador" no que diz respeito ?s representa??es culturais que se d?o acerca de uma ideia de "povo brasileiro". Hobsbawn (2000: 132) acredita que "nada ilustra melhor a globaliza??o do que as transforma??es por que passou o futebol na ?ltima d?cada", numa refer?ncia ? internacionaliza??o das transmiss?es esportivas e ?s in?meras transfer?ncias de jogadores entre v?rios pa?ses. Foer (2005) tamb?m considera o futebol como uma met?fora da globaliza??o, assim como Melo e Alvito (2006: 7), os quais acreditam que "(...) o conhecimento do mundo em tempos de globaliza??o passa pelo futebol". Esses autores, inclusive, organizaram uma criativa obra sobre os diferentes modos como o futebol ? retratado no cinema.

Existem muitos olhares sobre o futebol (ver NORONHA: 2010). Darei ?nfase, no entanto, ? participa??o feminina nesse esporte, a partir de uma etnografia sobre torcedoras do Gr?mio, com o intuito de compreender as diferentes motiva??es que as levaram a escolher

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o clube ga?cho como o "do cora??o".

1. As brasileiras e o futebol

Apesar do crescimento do futebol feminino no pa?s, ainda ? modesta a participa??o da mulher nesse campo, seja como jogadora ou dirigente. A vontade de ingressar no mundo da bola, no entanto, n?o ? nova. Guterman (2009: 24) chama a aten??o para o fato de que j? no primeiro campeonato paulista (futebol masculino), realizado em 1902, as arquibancadas do Vel?dromo, onde eram disputados os torneios, "(...) estavam sempre cheias de cavalheiros, de senhoras e de senhoritas". Cerca de vinte anos ap?s, o futebol feminino conquistou um pequeno espa?o, a partir de realiza??es de partidas na capital paulista. Gianella J?nior (2006: 24-25), no entanto, problematiza este processo, afirmando que "desde aquela ?poca, por?m, os homens n?o viam com simpatia uma mulher correndo atr?s da bola (...)".

A primeira escola p?blica de futebol feminino de S?o Paulo foi inaugurada, de acordo com Bruhns (2000), somente em 1994, na data simb?lica de 08 de mar?o, "Dia Internacional da Mulher". Na d?cada anterior, no Rio de Janeiro, foi criada a Liga Carioca de Futebol Feminino, com a participa??o de nove clubes. Neste per?odo foi organizado o time feminino do Corinthians. Estas experi?ncias foram fundamentais para que em 1981 o Conselho Nacional de Desportos (CND) oficializasse o futebol feminino no Brasil (. .br/news3.php?.cod=3909, em 13/10/2009).

Uma quest?o importante foi tratada por Albuquerque (2007: 78), segundo a qual em 1941 "(...) um decreto do governo Vargas proibia as mulheres de praticarem esportes `incompat?veis com as condi??es da natureza'; entre estes esportes, claro, o futebol". Somente nos anos 80 ? que este decreto foi revogado, possibilitando o surgimento de equipes de futebol feminino no pa?s, sendo que muitas foram logo extintas, devido ? falta de p?blico e de patroc?nio. A falta de um mercado para o futebol feminino ? um fator decisivo para que este esporte n?o se desenvolva no pa?s, por se tratar de um espet?culo (Helal: 2001).

No mundo do esporte, as mulheres ainda ocupam, em grande medida, um lugar secund?rio, fato que ? bem representado no cinema (Moura: 2005). Vale lembrar que atualmente muitos clubes de futebol profissional do Brasil est?o lan?ando filmes sobre hist?rias, exibindo-os na forma de DVDs, ou mesmo nas grandes telas. Chama a aten??o, nessas obras, o fato de que dirigentes, torcedores e atletas, entre outros atores (numa perspectiva sociol?gica) s?o frequentemente filmados aos prantos. De acordo com Daolio (2003: 172), por meio do futebol, "(...) o homem reaprende a chorar ? de felicidade ou de tristeza ? `esquecendo-se' da educa??o que delegou este comportamento, preferencialmente, ?s mulheres". O futebol, portanto, constitui-se como um significativo espa?o para a express?o dos afetos masculinos, contradizendo, de certo modo, o senso comum de que "homem n?o chora". O apelo emocional que o futebol provoca ? bem retratado por Alves (2006: 7), segundo o qual "n?o h? nenhum outro esporte que provoque tanta paix?o, tanta alegria, tanta tristeza (...) o futebol ? a bola que se joga no jogo das conversas". Ele entende que o futebol d? um "sentido" para a vida de milh?es de pessoas no pa?s.

Retomando DaMatta (2006: 178-179), "(...) na Am?rica do Sul em geral e, no Brasil, em particular, o futebol ? considerado um jogo (...) tipicamente masculino", o que faz com que as mulheres ainda sofram in?meros preconceitos, sendo a maioria deles vinculados ?s suas orienta??es afetivas e sexuais. Goellner (2000) questiona este contexto, perguntando-se (e aos seus leitores) sobre o que ? ser feminina no mundo contempor?neo.

A respeito da identifica??o das mulheres com clubes de futebol, Costa (2006: 3) entende que "para se estabelecerem como torcedoras ? preciso ir contra uma s?rie de representa??es

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que fomentaram a ideia de que as mulheres e o futebol atuam em campos opostos". Em seus estudos, ela retoma nas suas palavras a folcl?rica figura da "Maria-chuteira", t?o antiga quanto o pr?prio futebol.

A emancipa??o da mulher brasileira no campo esportivo est? se dando, segundo Mour?o (2000), por meio de um processo de infiltra??o no mundo masculino. Para a autora, apesar dos esfor?os e dos avan?os femininos, os clubes e as federa??es ainda seguem no comando dos homens, o que pode ser explicado pelo fato de que no pa?s ainda n?o existe um movimento claro de mulheres em prol da igualdade de condi??es para a pr?tica do futebol. Sobre este contexto, Lovisolo (et al, 2006) acredita que o termo "infiltra??o" n?o ? adequado, pois possui conota??o militar e/ou de luta pol?tica. Isto n?o significa, obviamente, que as mulheres n?o briguem por um espa?o no universo do futebol; apenas o fazem de modo individualizado ou a partir de pequenos grupos, o que n?o caracteriza, na sua vis?o, um movimento social.

Em meio a tantos processos de domina??o masculina no mundo do futebol, as mulheres por vezes reagiram. Entre 1991 e 1993, Marlene Matheus, esposa do lend?rio ex-presidente do Corinthians Vicente Matheus, assumiu a presid?ncia do Tim?o, tornando-se a primeira mulher a dirigir um grande clube brasileiro. Apesar do feito, n?o faltaram insinua??es (inclusive por parte da m?dia esportiva) de que ela apenas obteve o cargo por influ?ncia do marido, que continuaria exercendo o mandato "nos bastidores". Em dezembro de 2009, a vereadora do Rio de Janeiro e ex-atleta Patr?cia Amorim tornou-se a primeira presidente mulher do Flamengo (gest?o 2010-2012).

Chamo a aten??o para Jurema Bagatini Ramos, tida como a primeira mulher presidente de um clube de futebol no Brasil (do Esporte Clube Encantado, equipe do interior do Rio Grande do Sul, em 1973). Na ocasi?o, ela sofreu press?es da comunidade local (Encantado), inclusive de um representante da Igreja Cat?lica (um padre), que n?o aprovou esta experi?ncia, por julgar que as mulheres n?o tinham um "tino administrativo" (.br, em 04/03/2010). Seu irm?o, o ex-goleiro Vilson Bagatini, lembra que na ?poca foram publicadas mat?rias questionando se n?o havia mais homens no futebol brasileiro. Ele mencionou uma frase que leu num jornal, falando que a sua irm? era "a ?nica presidente que n?o entra em vesti?rio" (.br, em 04/03/2010). Apesar dos preconceitos, Jurema aceitou o desafio, levando um clube em situa??o de fal?ncia ? primeira divis?o do futebol ga?cho. Estas experi?ncias, apesar de emocionantes, s?o raras.

2. Futebol: uma quest?o de g?nero

A discuss?o sobre a participa??o da mulher no mundo da bola implica um estudo de g?nero. De acordo com Pr? (2004), o g?nero ? uma constru??o social, podendo ser compreendido tanto como uma vari?vel sociocultural, quanto como uma categoria de an?lise a ser explorada no ?mbito acad?mico. Seu estudo imp?e, conforme Silveira e Santos (2004), o reconhecimento de estere?tipos. As formas como as mulheres v?m sendo representadas (e se representam), portanto, devem ser consideradas. Para essas autoras, as representa??es sociais muitas vezes est?o em sintonia com as a??es de determinados grupos e indiv?duos, indicando uma esp?cie de "cristaliza??o" de g?nero, isto ?, podemos agir, sem perceber, de acordo com aquilo que se espera (culturalmente) de n?s.

Percebi esta situa??o em meu doutoramento em Ci?ncias Sociais (ver NORONHA, 2010), quando pesquisei o trabalho de dois grupos de mulheres vinculados ao Gr?mio e ao Internacional: o N?cleo de Mulheres Gremistas e o Espa?o da Mulher Colorada, respectivamente. A atua??o de ambos os grupos revelou-se amb?gua, na medida em

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que as suas integrantes desenvolveram diversas a??es assistenciais, a partir de modelos convencionais, que s?o comumente adotados por outros grupos de mulheres, ligados ou n?o ao universo do futebol; por outro lado, as mulheres gremistas, em especial, ingressaram no ?mbito pol?tico institucional, elegendo representantes do grupo no Conselho Deliberativo do clube e participando, de algum modo, do processo eleitoral para a presid?ncia desse.

Atualmente sigo acompanhando o trabalho do grupo gremista, voltando-me ainda mais para o campo pol?tico do clube ga?cho, com a inten??o de discutir a quest?o da representatividade feminina neste contexto.

Os estudos de g?nero fomentam o debate sobre as rela??es de poder estabelecidas entre homens e mulheres. Para Zinani (2006: 92), "? invi?vel pensar a quest?o de g?nero sem considerar que a hist?ria das mulheres, at? pouco tempo atr?s, foi escrita por homens, que detinham o destino delas nas m?os". A subordina??o feminina apontada por Rosaldo (1979) e por Ortner (1979) ? problematizada por Butler (2003: 20), a qual acredita que "a no??o de um patriarcado universal tem sido amplamente criticada em anos recentes, por seu fracasso em explicar os mecanismos de opress?o de g?nero nos contextos culturais concretos em que existe". A autora, no entanto, entende que ? dif?cil superar esta vis?o hist?rica, baseada numa esp?cie de dicotomia entre masculino e feminino.

Bourdieu (2007: 41), por sua vez, ao analisar os processos culturais que levaram o homem ? condi??o de dominador, que ? relativizada pelo autor, observa que "(...) as rela??es sociais de domina??o e de explora??o que est?o institu?das entre os g?neros (...) levam a classificar todas as coisas do mundo e todas as pr?ticas segundo distin??es redut?veis ? oposi??o entre o masculino e o feminino". Ele acredita que o movimento feminista, por se tratar de uma a??o pol?tica, deve levar em considera??o todos os sintomas ou efeitos de domina??o que est?o inseridos na ordem social.

3. As mulheres no Gr?mio

A participa??o feminina no Gr?mio ao longo dos seus mais cem anos de exist?ncia ? modesta. Uma olhada para a produ??o cultural (livros, filmes, discos, outros) sobre o clube ga?cho indica que as mulheres geralmente s?o retratadas por conta de sua beleza (apesar do registro de v?rias atletas amadoras vinculadas ao clube). ? o caso de Maria Bruger, por exemplo, eleita "Rainha tricolor" em 1953, ano em que o Gr?mio comemorou o seu cinquenten?rio (FERLA, 2002). Marta Rocha, eleita Miss Brasil em 1954, tamb?m foi citada numa obra sobre o tricolor, por ter visitado o est?dio Ol?mpico, neste per?odo, numa jornada que reuniu uma multid?o em torno da casa gremista (COLLE, 2005).

Nos CDs que encontrei sobre o Gr?mio, s?o raras as refer?ncias ?s mulheres, pois estas obras s?o voltadas, de modo geral, para a reprodu??o de gols que valeram t?tulos para o clube, al?m de depoimentos de craques. Os filmes mais recentes sobre o tricolor ga?cho pouco falam sobre a presen?a feminina na institui??o. Na obra "Inacredit?vel: a batalha dos Aflitos" (DVD, 2006), a atriz e apresentadora da Rede Globo Fernanda Lima fala que se sente "muito orgulhosa de ser gremista". Ela ? a ?nica mulher a depor neste document?rio.

Em outro v?deo sobre o clube ga?cho, "Gr?mio: cora??o e ra?a" (1997), foram exibidas imagens de torcedoras gremistas mostrando como ? a sua prepara??o para assistirem uma partida do Gr?mio. Em meio ?s sess?es de maquiagem, passando na boca um batom azul cintilante, elas cantam e treinam algumas coreografias que ser?o tornadas p?blicas no est?dio Ol?mpico. V?-se aqui, novamente, uma dimens?o est?tica.

Numa vis?o rom?ntica, o escritor Natal Dornelles (2007, p.46) afirmou que as torcedoras gremistas "(...) s?o bot?es de rosas, s?o margaridas, s?o violetas, s?o azaleias, s?o flores do

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campo". As mulheres se fazem presentes nas brincadeiras que envolvem a rivalidade entre o Gr?mio e o Internacional. Pereira (2007: 21) publicou a seguinte piada:

"o Colorado chega em casa e encontra um Gremista embaixo da cama. Furioso pergunta ? mulher: - O que faz este Gremista debaixo da cama? Com os olhos radiantes, ela responde: - Embaixo n?o sei, mas em cima faz maravilhas!"

Percebe-se nesta e em outras hist?rias contadas pelo autor uma conota??o sexual, sendo a mulher um objeto ? merc? dos homens-torcedores, que a usam como um trof?u a ser exibido para o advers?rio. ? importante salientar que este autor publicou sua obra em duas vers?es: numa os tricolores debocham dos colorados; na outra, os colorados riem dos gremistas. O texto ? o mesmo, mudando apenas o "lugar" de cada torcedor no enredo.

A participa??o feminina no Gr?mio aumentou nos ?ltimos anos. O clube voltou a oferecer vagas passou a oferecer vagas para meninas que queiram praticar o futebol, atrav?s de uma escolinha conveniada ? institui??o.

Em termos de composi??o pol?tica formal, o Gr?mio contabiliza atualmente 150 Conselheiros Titulares (mandato 2007-2013), sendo que apenas tr?s integrantes s?o mulheres. Existem outros 150 Conselheiros Titulares, que foram eleitos para um mandato diferente (2010-2016). Na soma dos dois quadros, temos somente cinco mulheres, o que representa aproximadamente 1,6% dos 300 Conselheiros Titulares do clube, um n?mero modesto se comparado ? quantidade de s?cias (em torno de 14% de um quadro social que beira os 70 mil associados). Esse percentual se parece com o de outros grandes clubes de futebol profissional do pa?s. A atua??o das mulheres no universo pol?tico destas institui??es, portanto, ? bastante limitada, devido a uma cultura que reserva aos homens os cargos diretivos, n?o por causa de regimentos escritos, mas, sobretudo, pela tradi??o.

4. As gremistas

Por conta das pesquisas que desenvolvi nos ?ltimos anos sobre o universo do futebol, entrevistei muitas torcedoras do Gr?mio, em especial aquelas vinculadas ao N?cleo de Mulheres Gremistas (ver NORONHA, 2010). Com o objetivo de aprofundar meu olhar sobre o "gremismo" demonstrado pelas torcedoras, voltei a entrevistar algumas delas, agora com o foco sobre a sua rela??o afetiva com o clube, um conceito pensado com base em Damo (2007), para quem as institui??es esportivas devem ser compreendidas a partir do reconhecimento de duas dimens?es: pol?tico-administrativas e simb?lica. Para ele (2002: 12), "torcer por um clube de futebol ? participar ativamente da vida social, construindo identidades que extrapolam o indiv?duo, a casa e a fam?lia. Vivencia-se concretamente o pertencimento na rua, no est?dio, em pleno dom?nio p?blico". Em rela??o ao torcedor tricolor (o que inclui mulheres e homens), Ostermann (2000: 84) acredita que

"? fan?tico pode ser doente, alguns poucos s?o reflexivos e ponderados, separam o jogo da considera??o sobre o advers?rio, mas todos, em pequenas gradua??es para mais ou para menos, s?o gremist?es, isto ?, antes do Gr?mio n?o h? quase nada, incluindo-se a? a fam?lia, amizades, casamentos, namoros ou outras sedu??es da vida"

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? poss?vel afirmar que esta concep??o sobre o que ? ser um gremista vale para boa parte dos torcedores de outros times. Silva (2005) entende que o processo de ado??o de um time como o "do cora??o" representa um movimento em busca de uma identidade, de um rosto, de um v?nculo.

A seguir, algumas considera??es de gremistas "roxas" ? ou seriam azuis?

Foto 1: Anne Schneider, organista, 66 anos. Arquivo: Marcelo Pizarro Noronha

Entrevistei pela primeira vez esta torcedora, uma das mais importantes organistas do Brasil, filha do tamb?m m?sico Leo Schneider, quando do meu doutoramento. Recentemente procurei Anne em busca de outras informa??es sobre o Gr?mio e, ent?o, renovei algumas perguntas. Segundo a artista, sua identifica??o com o tricolor teve in?cio em torno dos seus nove anos de idade, levando-a a associar-se em seguida ao clube e a acompanhar as partidas do Gr?mio no Ol?mpico. Anne revelou que possui diversos objetos com a marca do Gr?mio, como canetas, cadernos, t?rmicas, entre outros. Ela conta que, de t?o gremista, usou a camisa do time durante um concerto realizado na Alemanha. Para Anne, em respeito ? constru??o do novo est?dio do clube (que ser? inaugurado em dezembro deste ano), as expectativas s?o "as melhores poss?veis, pois uma nova Arena, ultramoderna ? um est?mulo a todos e aos novos gremistas".

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Foto 2: Isabel Weschenfelder, dona de casa, 46 anos. Arquivo: Marcelo Pizarro Noronha

Integrante do N?cleo de Mulheres Gremistas, Betty, como ? mais conhecida, assumiu um papel importante no meu doutoramento, ao apresentar-me ? coordenadora desse grupo. Ela foi decisiva para a aceita??o da minha presen?a como observador das atividades (regulares e extraordin?rias) do N?cleo. ? poss?vel afirmar que Isabel tornou-se, no contexto da minha pesquisa, uma "mediadora", no sentido dado por Combessie (2004: 33), para quem (em respeito aos mediadores) "(...) eles pertencem ou pertenceram ao grupo estudado, est?o dispostos a facilitar os primeiros contatos, a dar as primeiras informa??es; ?s vezes, eles se interessam pela pesquisa, por seu desenvolvimento, por seus progressos, d?o opini?es, conselhos, ajuda". A contribui??o dessa torcedora do Gr?mio foi interessante, pois minimizou o "estranhamento" inicial estabelecido entre mim e o grupo; afinal, eu era o ?nico homem presente na maioria das reuni?es que acompanhei.

Segundo Betty, em sua casa existem v?rios objetos do Gr?mio, como toalhas, camisetas, sapatos, bolsas, chaveiros, bandeiras, enfim, uma diversidade de artigos tricolores. Perguntada sobre um momento marcante em sua vida de torcedora, ela comentou que costumava ir ao est?dio Ol?mpico antes de o clube ser rebaixado para a segunda divis?o do futebol profissional do pa?s, mas que "(...) quando est?vamos na s?rie B foi o momento mais emocionante ao meu ponto de vista, porque fam?lias inteiras iam ao jogos (...) ali percebi o quanto o gremista ama seu clube".

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Foto 3: Rosa Foresti, Servidora P?blica do Judici?rio Federal, 58 anos (ao microfone, discursando).

Arquivo: Marcelo Pizarro Noronha

Conselheira do Gr?mio, Rosa ? uma das maiores lideran?as do N?cleo de Mulheres Gremistas e uma torcedora apaixonada pelo clube. Ela defende a articula??o entre as a??es assistenciais e a pol?tica, para que as mulheres gremistas possam vir a assumir, em breve, novos pap?is no clube e no mundo do futebol. Assim como tantas outras torcedoras, Rosa possui diferentes camisas do Gr?mio, bem como outros objetos com a marca tricolor. Durante uma entrevista, ela revelou uma mem?ria:

"meu av? levava minha m?e a assistir jogos do Gr?mio na Baixada (em uma ?poca que mulheres pouco frequentavam o futebol); eu comecei a acompanh?-lo ao Est?dio Ol?mpico aos 9 anos. Antes disso, lembro que muitas vezes (pequenina ainda) fui com a bandeirinha do Gr?mio (feita pela minha v?) para as ruas festejar vit?rias do Gr?mio".

As lembran?as de Rosa t?m forte apelo emocional, bem como a de tantas outras torcedoras apaixonadas pelo Gr?mio com que conversei na minha pesquisa.

Considera??es finais

A revis?o da produ??o cultural sobre futebol (iniciada no meu doutoramento em Ci?ncias Sociais) demonstra que neste universo as mulheres seguem sendo tratadas comumente de forma preconceituosa ou idealizada. Figuras folcl?ricas como a da "Maria-chuteira", por exemplo, definida por Riboldi (2008: 74) como "a mulher que est? sempre rondando o local onde se encontram os atletas, vai aos treinos, com o fim de namorar jogador de futebol", ou a da "espectadora embevecida", express?o empregada pela pesquisadora Simone Guedes, num evento acad?mico (comunica??o oral, VII Reuni?o de Antropologia do MERCOSUL, julho de 2007), seguem presentes, ?s vezes de forma disfar?ada, nas mat?rias produzidas por diferentes m?dias esportivas. A an?lise das publicidades voltadas para as torcedoras (tidas como consumistas vorazes) refor?a o olhar estereotipado sobre as mulheres.

Embora seja uma realidade, a participa??o feminina no mundo da bola, como torcedora, dirigente ou atleta, precisa ser ampliada. A paix?o club?stica demonstrada pelas

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