Atenção Básica e Saúde da Família



Atenção Básica e Saúde da Família:

Referência e Contra-referência numa Unidade de PSF | |

|Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN |

|Centro de Ciências da Saúde |

|Departamento de Saúde Coletiva |

|NESC |

|V Curso de Especialização em Saúde da Família |

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|TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO |

| |

|Luiz Gonzaga da Silva |

|23/11/2007 |

Orientador: Prof. Dr. Paulo de Medeiros Rocha

|O presente trabalho destina-se à conclusão do V Curso de Especialização em Saúde da Família promovido pelo NESC/UFRN. Pretende-se|

|determinar a proporção de encaminhamentos (referências) realizados entre uma unidade de PSF, no período de janeiro a julho/2007, |

|e as diferentes especialidades que compõem o sistema de regulação metropolitano, verificando-se a proporção das consultas |

|especializadas efetivamente realizadas, além do tempo de espera dos pacientes nesse fluxo assistencial e o conhecimento sobre as |

|especialidades mais referenciadas. Considera-se como importante marcador para a qualidade da atenção o tempo de espera entre a |

|data da referência ou encaminhamento até a inclusão no sistema de agendamento, bem como a data da realização da consulta |

|especializada, e se esta foi de fato realizada. A proporção entre pacientes encaminhados e pacientes atendidos poderá ser um |

|indicador importante da situação atual da resolutividade da atenção especializada. Serão discutidos os vários fatores que |

|interferem nesse processo da atenção à saúde. |

INTRODUÇÃO

O SUS foi concebido como um sistema, ou seja, um conjunto, cujas partes devem estar ordenadas entre si, funcionando segundo uma estrutura organizada, submetida a princípios e diretrizes pertinentes. No atual sistema de saúde brasileiro a ênfase é orientada para a atenção básica. Deve-se ver a atenção básica como um conjunto de ações e serviços envolvendo promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Todos estão de acordo que o fortalecimento da atenção básica é o eixo fundamental para a reorientação do modelo assistencial brasileiro.

Não há dúvida de que a reorientação do modelo assistencial passa pelas unidades de atenção básica e, principalmente, pelas unidades de saúde da família. Passa, sobretudo, pela promoção e pela prevenção. São tarefas fáceis de se pensar, mas difíceis de se realizar num contexto historicamente voltado para a fragmentação do conhecimento e das práticas de saúde. A tendência da sociedade é de valorizar excessivamente a especialização e a tecnologia pesada. O trabalho dos profissionais da atenção básica é em geral desprestigiado.

Um dos males crônicos do Governo brasileiro na área da saúde (e em tantas outras) é a falta de coordenação entre as várias instituições. Em que pese o grande furor normativo, até hoje não se conseguiu ajustar a demanda e a oferta de serviços. A fragmentação e a falta (ou excesso) de informação continua sendo a regra. Isto tem trazido grandes dificuldades para os profissionais que trabalham na atenção básica. Sem coordenação, informação adequada e um sistema eficiente de referência e contra-referência é impossível cumprir o grande número de tarefas que são atribuídas a esses profissionais.

Pesa sobre a cabeça dos profissionais de saúde da família a grande responsabilidade de transformar o modelo de saúde brasileiro. Para isso são bombardeados com uma enorme carga de informações, nem sempre coerentes, que precisam ser criticamente filtradas e ajustadas à sua prática diária. Mas não há tempo suficiente para a necessária atualização e sistematização da experiência acumulada. O ritmo de trabalho é intenso. Os atos ou atendimentos médicos praticados são incontáveis, chegando freqüentemente à exaustão (MOURA, 2006).

Onde encontrar tempo para a promoção e a prevenção? Como a demanda é sempre maior que a oferta de profissionais, estes são obrigados a focar suas atividades nos problemas emergentes. “Não há como fazer prevenção e promoção com o sofrimento batendo à porta” (SANT’ANA, 2007).

Preconiza-se que a atenção básica seja resolutiva para 85% das necessidades de saúde da população, ideal que está longe de ser atendido com as atuais estruturas de serviços oferecidas. Ocorre que a maioria das unidades de PSF são improvisadas, instalando-se em espaços inadequados para abrigar as equipes e em geral desprovidas de equipamentos básicos imprescindíveis para um adequado atendimento aos usuários. Além disso, estas unidades são instaladas em áreas de concentração de miséria, com graves problemas socioeconômicos, onde os problemas de saúde da população são crônicos e caracterizados por uma demanda fortemente reprimida.

Acrescente-se que essa implantação ocorre isolada de outros projetos sociais em caráter interinstitucional e intersetorial, sem a estruturação dos demais níveis hierarquizados de referência do setor saúde. Em geral levantam-se enormes expectativas, porém com baixa resolutividade e frustração geral (Esmig/Cesf, 1997; apud ALEIXO, 2002).

A tendência dos gestores locais é transferir a responsabilidade dessas ações interinstitucionais e intersetoriais para as equipes de PSF. Como se esses profissionais tivessem o poder mágico de transformar água em vinho. Com a demanda e o sofrimento batendo à porta, como encontrar tempo para organizar essas ações se nem mesmo os escalões mais hierarquizados conseguem?

O PSF nasceu e se desenvolve num ambiente carregado de ambigüidades, no cenário de um SUS fragmentado e decomposto em diversas realidades: o “SUS para pobres”, como medicina simplificada para a massa, o “SUS real”, refém da política econômica federal, o “SUS formal”, estabelecido na Constituição Federal de 1988 e o “SUS democrático”, projetado pela reforma sanitária brasileira (Paim, 1996, apud Aleixo, 2002).

O PSF pode e tem sido eventualmente utilizado para “dourar a pílula” de uma medicina simplificada para pobres. Os profissionais sofrem as conseqüências indesejáveis dessas concepções menores, embora não consigam localizar com clareza e articular alguma atuação sobre a etiologia do processo ao qual estão submetidos (Aleixo, 2002).

Daí as críticas que se fazem ao trabalho dos profissionais que atuam nos serviços de atenção básica, incluído o PSF. Que esses serviços tendem a ser ineficientes, pouco resolutivos, muitas vezes atuando como meros triagistas, fortalecendo a idéia de simples “porta de entrada”. Por sua vez, os ambulatórios de especialidades atuam mais como “centros primários modificados”, atendendo uma demanda que poderia ser abordada na atenção básica. O Programa de Saúde da Família (PSF) tem acrescentado complexidade a este processo, na medida em que amplia o universo dos problemas (Moura, 2006).

Sobre o universo dos problemas atribuídos às equipes do PSF, citamos, a título de exemplo, as chamadas Áreas Estratégicas de Operacionalização da Atenção Básica no Município de Natal: (1) Saúde da criança; (2) Saúde do adolescente; (3) Saúde da mulher; (4) Saúde do idoso; (5) Saúde do adulto; (6) Saúde bucal; (7) Saúde da pessoa com deficiência; (8) Saúde do trabalhador; (9) Saúde mental; (10) Urgências; (11) Meningite; (12) Malária; (13) Hepatites virais; Hanseníase; (14) Tuberculose; (15) DST-AIDS (NATAL, 2007).

Deve-se incluir nessa relação o HIPERDIA, que contempla o cadastramento e o acompanhamento de hipertensos e diabéticos, a obrigação de visita domiciliar para a qual o Município/Distrito Sanitário não fornece viatura, mas determina um número mínimo de visitas para cada profissional da equipe.

Veja-se que cada um desses programas tem seus próprios protocolos, sempre se procurando enfatizar a maior importância de cada um, numa atitude do tipo “puxar a brasa para a minha sardinha”. Claro que todos são importantes, mas seguir protocolos detalhados e tão diversificados torna-se um grande peso para as equipes, que mal podem dar conta da demanda emergencial. Aqui, mais uma vez, evidencia-se a fragmentação do sistema. Continua-se trabalhando com programas e ações focalizados, contrariando as próprias diretrizes do SUS, que preconiza uma “assistência focada no indivíduo, na família e na comunidade e não num recorte de ações ou enfermidades” (Brasil, 2007).

O Plano Municipal de Saúde 2006-2007 reitera o compromisso municipal com a continuidade da expansão da estratégia saúde da família, na perspectiva de atingir 70% da população de Natal até 2007, dando prioridade às áreas socioeconomicamente mais vulneráveis, cobrindo completamente as regiões norte e oeste e parcialmente as regiões sul e leste (Natal, 2007).

É perfeitamente compreensível, recomendável e justo que as equipes de PSF sejam instaladas nas áreas socioeconômicas mais vulneráveis. Mas se essa instalação não vier associada a outros projetos sociais e essa assistência básica não estiver inserida numa estrutura sistêmica, com disponibilidade de acesso aos demais níveis de assistência, ou seja, sem a garantia de um sistema de referência e contra-referência eficiente, não há como mudar a realidade dessas comunidades.

Segundo, ainda, o Plano Municipal de Saúde 2006-2007, para unidades que atuam com ESF recomenda-se a cobertura de até 12 mil habitantes por unidade, o que comportaria no máximo 4 equipes. Cada equipe é responsável por, no máximo, 4 mil habitantes, sendo a média recomendada de 3 mil. O município de Natal encontra-se dentro desse parâmetro, com número de equipes variando de 2 a 4 por unidade de saúde (Natal, 2007).

O que o documento do município não diz é que na maioria das unidades estão faltando médicos. Conseqüentemente, os que permanecem nas equipes são sobrecarregados, responsabilizando-se por uma cobertura de até mais de duas vezes a média recomendada, como no caso da USF Soledade I que, de acordo com os dados do SIAB de julho de 2007, tem 7.256 pessoas cadastradas e um único médico (SIAB, 2007).

Já afirmamos antes que pesa sobre a cabeça dos profissionais de saúde da família a grande responsabilidade de transformar o modelo de saúde brasileiro, entretanto, a tendência da sociedade é de valorizar excessivamente a especialização e a tecnologia pesada. O trabalho dos profissionais da atenção básica é em geral desprestigiado. Daí que a mudança de paradigma deve ocorrer também na sociedade. Numa sociedade de consumo, a tendência dos indivíduos é de não assumirem a responsabilidade pela sua própria saúde. Estes indivíduos não raro vivem em franca oposição aos preceitos da saúde. O que esperam, e o que é bom para a indústria farmacêutica, é a medicalização em massa. Aumenta a demanda por soluções mágicas, como se bastasse a prescrição de uma pílula, o encaminhamento ao especialista ou a solicitação de um exame sofisticado e tudo estivesse resolvido

Desse modo, o foco é mantido no especialista, dificultando a mudança de paradigma na atenção à saúde. A falta de contra-referência só vem agravar esta situação. O profissional do serviço básico fica sem saber o que aconteceu com o paciente referenciado. Não sabe o diagnóstico, o tratamento instituído e se deverá haver um retorno para avaliação. Quando esse paciente volta à unidade é para solicitar novo encaminhamento. O profissional não tem outra alternativa senão considerar as informações do paciente, que, muitas vezes, sequer compareceu à consulta agendada. E o ciclo de desinformação e de fragmentação vai se perpetuando.

Segundo Josemar de Almeida Moura (2006), em geral os serviços de atenção básica tendem a ser ineficientes, pouco resolutivos, muitas vezes atuando como meros triagistas, fortalecendo a idéia de simples “porta de entrada”. Por sua vez, os ambulatórios de especialidades atuam mais como “centros primários modificados”, atendendo uma demanda que poderia ser abordada na atenção básica. O Programa de Saúde da Família (PSF) tem acrescentado complexidade a este processo, na medida em que amplia o universo dos problemas (MOURA, 2006).

Desse modo, o foco é mantido no especialista, dificultando a mudança de paradigma na atenção à saúde. A falta de contra-referência só vem agravar esta situação. O profissional do serviço básico fica sem saber o que aconteceu com o paciente referenciado. Não sabe o diagnóstico, o tratamento instituído e se deverá haver um retorno para avaliação. Quando esse paciente volta à unidade é para solicitar novo encaminhamento. O profissional não tem outra alternativa senão considerar as informações do paciente, que, muitas vezes, siquer compareceu à consulta agendada. E o ciclo de desinformação e de fragmentação vai se perpetuando.

O presente trabalho visa determinar em que grau de eficiência encontra-se o sistema de referência e contra-referência numa Unidade de Saúde da Família no município de Natal, respondendo às seguintes perguntas: Qual o tempo médio para o fluxo USF/Central de Regulação/Serviço Referenciado/USF? Qual o tempo médio desse fluxo por especialidade referenciada e quais as mais referenciadas?

1. Contextualização

1.1. O Programa de Saúde da Família

Em primeiro lugar, o Programa de Saúde da Família deve ser visto como uma mudança de paradigma e não como uma medicina para pobres ou excluídos sociais. O Programa não deveria se constituir apenas em mais um artifício do Estado para economizar recursos. Claro que a economia deve ser uma meta a ser atingida a médio ou longo prazo, mas no momento da implantação há que se Investir em infra-estrutura, criando-se as condições intelectuais e materiais para o bom êxito do Programa. Se insistirmos numa medicina de segunda, exercida por profissionais não valorizados e não comprometidos com a mudança de paradigma não chegaremos a lugar nenhum.

Mas aqui, a idéia subjacente ainda é a da Conferência de Alma Ata (1978), organizada num momento de crise econômica mundial e sob o peso das Instituições econômicas internacionais, em que o foco principal era na atenção primária à saúde, que “disponibilizaria serviços de prevenção, de cura e de reabilitação a custo acessível” (OMS, 1978).

O Programa de Saúde da Família, como seu nome sugere, deveria ser um programa que propiciasse a afluência de valores da comunidade: valores intelectuais, artísticos, educacionais, etc. Que não ficasse adstrito às normas, mas que fosse de fato implementado na prática. Deveria ser como uma grande família, integrando usuários, profissionais e gestores/gerentes do sistema. Naturalmente, como em qualquer família, sempre haveria algum conflito – as pessoas não são objetos inertes – mas deveríamos ter vontade e criatividade para resolvê-los.

1.2. Saúde da Família: atenção primária à saúde ou atenção básica?

Embora possam parecer a mesma coisa, os conceitos de atenção primária à saúde e atenção básica à saúde foram construídos em momentos históricos diferentes e, portanto, no contexto de diferentes realidades. O primeiro foi construído a partir da Declaração de Alma Ata (1978) em que o foco principal era na atenção primária à saúde, que disponibilizaria serviços de prevenção, de cura e de reabilitação a custo acessível, “referencial que iria inspirar as primeiras experiências de implantação dos serviços municipais de saúde no final da década de 1970 e início de 1980” (GIL, 2006).

Com o desenvolvimento do SUS este referencial parece perder gradativamente a sua potência, sendo cada vez mais substituído pela concepção da Atenção Básica à Saúde. Em meados da década de 1990, a implantação do PSF e dos incentivos financeiros específicos dirigidos aos municípios, especialmente o Piso da Atenção Básica, em 1998, resultou no fortalecimento da Atenção Básica e do PSF no âmbito municipal (GIL, 2006).

Entretanto, para Gil, a pergunta que emerge é se há diferentes compreensões acerca dessas concepções e se as mesmas podem ser entendidas como sinônimos no contexto brasileiro. A autora questiona se a Saúde da Família sofre influências decorrentes da superposição desses conceitos, uma vez que há referências à Saúde da Família ora como proposta estruturante para a organização da Atenção Básica, ora como da Atenção Primária, e, ainda, como mais um dos programas da rede básica de serviços (GIL, 2006).

A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/1990) não faz referência explícita a essas concepções, limitando-se a expressões tais como “níveis de assistência” e “níveis de complexidade do sistema” (art. 7º, incisos I e II) (BRASIL, 1990).

O CONASS (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde) em várias partes de um único documento usa as expressões “atenção primária” (inclusive no próprio título) e “atenção básica”, indistintamente. Propõe um conceito de “Atenção Primária” e faz referência a documento anterior (2003) em cujo título usa a expressão “Atenção Básica” (CONASS, 2004).

Vê-se, pois, que é justa a preocupação de Célia Gil. Isto demonstra bem em que nível de caos encontra-se a compreensão sobre o nosso modelo de saúde. A conseqüência dessa ambivalência entre atenção primária e atenção básica é revelada também nos chamados níveis de atenção: primário, secundário e terciário ou, de outro modo, baixa, média e alta complexidade. Assim, dá-se a entender que a complexidade seria crescente a partir do nível básico, quando na realidade o nível de maior complexidade é justamente o básico (ou deveria ser), justificando-se o seu reconhecimento como de “alta complexidade e baixa densidade tecnológica”.

Em vez de se falar em graus de complexidade melhor seria falar-se em graus de densidade tecnológica. Vanessa Costa Silva propõe que o termo “níveis de complexidade” seja substituído por “níveis de diferentes densidades tecnológicas”, entendendo que este termo contribui para a qualificação e horizontalização de todos os profissionais e serviços de saúde. O termo “complexidade” reforça o modelo hospitalocêntrico e em nada contribui para a construção da integralidade. Na verdade, ela acrescenta que o nosso sistema de saúde nem é “hospitalocêntrico”, mas “agudocêntrico”, isto é, as ações são voltadas para o atendimento de situações agudas (SILVA, 2004).

1.3. Integralidade

Outro conceito que precisa ser analisado é o de integralidade. Integralidade do sistema e no sistema e integralidade na atenção. Esta supõe vê-se o homem como um ser integral do ponto de vista físico, psíquico e social e cuja abordagem deve levar em conta pelo menos estas três vertentes que o compõem. Ou seja, integralidade é um princípio fundamental do SUS, garantindo ao usuário ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, com garantia de acesso a todos os níveis de complexidade do sistema e, por outro lado, atenção sociopsicossomática, focada no indivíduo, na família e na comunidade e não num recorte de ações ou enfermidades.

A Lei 8080 (art. 7º, inciso II) preconiza que o SUS deve garantir: “Integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (BRASIL, 1990).

Entretanto, uma coisa é a norma e outra é a sua aplicação. Vanessa Costa Silva (2004) afirma que:

Para organizar os serviços rumo à atenção integral, qualificando o SUS, impõe-se a efetivação de uma rede integrada de serviços de saúde em contraposição a um conjunto fragmentado de serviços, programas, ações, e práticas clínicas. Mas, não é fácil conceber e implantar formas de abordagem integral da saúde em um sistema hegemônico de medicalização, especialização, fragmentação e centrado no hospital. Essa concepção passa pela revalorização da prática clínica e o desenvolvimento de novos paradigmas gerenciais (SILVA, 2004).

Existem poucos estudos sobre a integração de serviços e processos de mudança organizacional que impulsionem a integração (OMS, 1996; apud SILVA, 2004).

Ressalta-se que, nos jargões da área de planejamento e gestão de serviços de saúde, o termo “integração” é mais utilizado quando o foco é a gestão, ao passo que “integralidade” é mais empregado quando o foco é a atenção à saúde (SILVA, 2004).

1.4. Referência e contra-referência

Usaremos aqui o texto oficial do SUS, como está expresso no site do Ministério da Saúde (.br):

Entende-se por referência o ato de encaminhamento de um paciente atendido em um determinado estabelecimento de saúde a outro de maior complexidade. A referência deverá sempre ser feita após a constatação de insuficiência de capacidade resolutiva e segundo normas e mecanismos pré-estabelecidos. O encaminhamento deverá ser acompanhado com todas as informações necessárias ao atendimento do paciente (formulário com resumo da história clínica, resultados de exames realizados, hipótese diagnóstica, etc.) e a garantia, através de agendamento prévio, do atendimento na unidade para o qual foi encaminhado (BRASIL, 2007). (grifos nossos).

Por contra-referência entende-se o ato de encaminhamento de um paciente ao estabelecimento de origem (que o referiu) após resolução da causa responsável pela referência. A contra-referência do paciente deverá sempre ser acompanhada das informações necessárias ao seguimento ou acompanhamento do paciente no estabelecimento de origem, onde, juntamente com seus familiares, será atendido nas suas necessidades básicas de saúde (BRASIL, 2007). (grifos nossos).

Para que o sistema de referência e contra-referência funcione, é fundamental uma boa articulação entre as unidades do sistema local e regional, a partir do estabelecimento do comando e coordenação únicos em cada nível, com definição clara das atribuições de cada unidade dentro do sistema, de acordo com os princípios de regionalização e hierarquização. Em áreas complexas, a existência de centrais de marcação de consultas especializadas e de internações hospitalares facilita esse sistema (BRASIL, 2007).

Chamamos a atenção para o uso do termo “estabelecimento” no texto oficial, em vez de unidade ou serviço de saúde. Como se, uma vez por toda, a linguagem comercial tenha sido incorporada à linguagem dos serviços de saúde. Como é também o caso de “cliente” em vez paciente ou usuário do sistema, o que é cada vez mais freqüente nas publicações atuais, principalmente por autores não-médicos. O processo de mercantilização da Medicina (e suas práticas) mostra sua força e domínio ao influenciar também o campo da saúde pública.

Salta à vista que sem um sistema eficiente de referência e contra-referência não se pode falar de integralidade no SUS. A falta de contra-referência para as unidades de atenção básica tem sido denunciada por todos os profissionais do SUS em todo o território brasileiro, tornando-se dramática no caso do município de Natal, com sérias conseqüências para o acompanhamento dos pacientes pela USF.

2. Objetivos

a) Analisar a proporção entre pacientes encaminhados da USF e a proporção de pacientes atendidos nas unidades especializadas como indicador da integração entre os níveis de atenção na rede de saúde.

b) Identificar o tempo médio de espera entre a data de referência (encaminhamento do paciente numa unidade de PSF) até a data do atendimento especializado (realizado ou não).

c) Objetiva-se também determinar quais as principais especialidades demandadas e o tempo médio de espera por especialidades.

3. Metodologia

Estudo epidemiológico transversal, descritivo, utilizando dados da unidade de PSF Soledade I, Zona Norte do município de Natal, dados do SIAB (Sistema de Informações da Atenção Básica) e dados do SISREG (Sistema de Regulação) da Central Metropolitana Reguladora, abrangendo o período de 01 de janeiro a 31 de julho de 2007.

No âmbito da USF, adotou-se o que é determinado no Instrumento nº 4 de Avaliação da Qualidade da Estratégia Saúde da Família, no item 4.12 C (consolidado), cujo padrão é: A ESF registra e monitora as referências para outros níveis de atenção. Ou seja: Os atendimentos para as referências (atendimentos especializados) são registrados sistematicamente em outros instrumentos além do prontuário médico, permitindo o monitoramento do fluxo: casos atendidos/não atendidos, tempo de espera e retorno das informações às unidades (conta-referência).

Atendendo ao que é preconizado nesse Instrumento foram registrados em “livro próprio” o nome do paciente, o número do prontuário, a data da referência, a especialidade referenciada, a data do agendamento e a possível contra-referência. Com este procedimento foi possível determinar o tempo real decorrido entre a referência e o agendamento, pelo menos, já que na prática não existe a contra-referência.

Como a USF Soledade I não dispõe de acesso ao sistema de marcação de consultas da Central Metropolitana Reguladora, não foi possível seguir o fluxo formal do Município (fig. 1).

[pic]

Fonte: NATAL. SMS. (Re)desenhando a Rede de Saúde na cidade do Natal. SMS, Natal, 2007.

Na prática o fluxo era o seguinte:

(1) preenchida a ficha de referência, a Administradora ou um ACS conduzia a mesma até o Distrito Norte II, onde permanecia à espera de agendamento de acordo com a disponibilidade do sistema; (2) realizado o agendamento, era emitida uma ficha de consulta que era devolvida à Unidade; (3) com os dados desta ficha era então possível anotar no “livro próprio” a data da consulta do paciente; (4) a partir daí, o ACS da micro-área do paciente deveria avisá-lo/entregar-lhe a ficha de consulta, com data, horário e serviço executante.

A fim de se determinar se a consulta agendada foi de fato realizada, serão utilizados os dados do SISREG (Sistema de Regulação) da Central Metropolitana de Reguladora, que fornece as seguintes informações: (a) data da inclusão no sistema, (b) data do agendamento, (c) atendimento realizado, (d) atendimento não realizado e (e) atendimento cancelado. A data em que é realizado o encaminhamento não é considerada pelo sistema.

4. Resultados

Desse modo, seguindo o fluxo operativo descrito, foram registradas 202 referências, a partir das quais procuramos determinar o tempo médio de espera em cada especialidade entre a data da referência e a data do agendamento e quais as mais referenciadas.

Foram descartadas as referências para pediatria, ginecologia, geriatria, fisioterapia, nutrição, psicologia e traumatologia. Esta última por se tratar de casos urgentes e encaminhados diretamente à Clinort, referência em urgências traumatológicas para a Zona Norte. Pediatria, ginecologia e geriatria por serem consideradas especialidades de atenção básica. Fisioterapia, psicologia e nutrição, não sendo especialidades médicas, estão fora do sistema de marcação da Central Reguladora.

Permaneceram para análise 180 referências, cujos resultados estão expostos no quadro:

1. Alergologia 02

2. Angiologia/cirurgia vascular 09

3. Cardiologia 32

4. Cirurgia 04

5. Dermatologia 06

6. Endocrinologia/metabologia 08

7. Gastroenterologia 06

8. Mastologia 07

9. Neurologia 05

10. Oftalmologia 29

11. Oncologia 02

12. Ortopedia/traumatologia 30

13. Otorrinolaringologia 15

14. Pneumologia 01

15. Protologia 06

16. Psiquiatria 05

17. Reumatologia 04

18. Urologia 09

TOTAL 180

[pic]

CONSIDERAÇÕES FINAIS –

Com isso, pode-se evidenciar quais as especialidades mais críticas, contribuindo para que a gestão possa adequar a demanda e a oferta de serviços especializados.

Constatou-se uma grande ausência de literatura sobre o assunto. Referência e contra-referência não são descritores reconhecidos pelos bancos de dados consultados. Pesquisando na BIREME o descritor “referência e contra-referência no SUS”, “atenção básica” e “atenção primária” o resultado foi zero para os bancos de dados LILACS, MEDLINE e SicELO. Para o descritor “serviço básico de saúde” foram encontradas 60 referências, nenhuma tratou do assunto em pauta.

BRASIL. ABC do SUS. Disponível em



Acessado em 9 de agosto de 2007.

CONASS. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária – Seminário do Conass para construção de consensos / Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília, 2004.

GIL, Célia Regina Rodrigues. Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades do contexto brasileiro. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(6):1171-1181, jun, 2006.

Disponível em:

Acessado em: 10 de junho de 2007

MOURA, Josemar de Almeida. Interconsultas médicas: Uma avaliação dos Relatórios de Referência sob o ponto de vista dos consultores de um serviço público de ensino, referência em Endocrinologia e Metabologia. Belo Horizonte, 2006. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais – Faculdade de Medicina.

ONU/OMS. Declaração de Alma Ata. Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde. Alma-Ata, URSS, 6-12 de setembro de 1978. Disponível em: Acesso em: 17 de junho de 2007

SANT’ANA, Ana Maria. A Propósito da Medicina de Família. Artigo on-line.

SILVA, Vanessa Costa. O processo de implantação do Sistema Integrado de Serviços de Saúde em Vitória – ES: contribuição à discussão da integralidade na atenção à saúde. Rio de Janeiro, 2004. Dissertação (Mestrado) – Saúde Pública – FIOCRUZ.

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