Ministério Público do Estado da Bahia



A EMANCIPA??O DA PESSOA COM DEFICI?NCIA: UMA PACIENTE HIST?RIA EM EVOLU??O Nesses empolgantes dias olímpicos, li uma notícia, relatando que Michael Phelps, um esportista notável, maior medalhista das últimas Olimpíadas, tem um transtorno de déficit de aten??o e hiperatividade - TDAH. A sua m?e, inclusive, é engajada na milit?ncia da inclus?o social das pessoas com deficiência ().A notícia chamou minha aten??o. Seguramente, a maioria esmagadora das pessoas n?o apontaria qualquer sinal de transtorno em Phelps. Ele n?o se emoldura no quadro que se pintou para as pessoas com deficiência. Por preconceito ou desconhecimento, o imaginário coletivo vê na deficiência um quadro patológico, díspare, quase alienígena. Na Idade Média se chegou a queimar em fogueiras as pessoas que possuíam alguma deformidade física, sob a alega??o de que eram a encarna??o do mal. Senhor, perdoa! Eles n?o sabiam o que faziam. Mas, n?o esque?amos, naquele momento era a opini?o da maioria. Mas, as coisas mudam. Inclusive, o próprio conceito de loucura é temporal e espacial. Que o diga Copérnico!Lembro sempre da genialidade (parece que escreveu hoje) de Machado de Assis, em seu O Alienista - que estudei para o vestibular, mas ficou tatuado em minha memória. Sim?o Bacamarte, um médico que enxergava loucura em todos os seus pacientes, termina o livro internando a si mesmo. ? orgasmática a passagem em que relata o motivo pelo qual internou a esposa, dizendo que estava aguardando ela se arrumar para sair, mas ela passou 30 minutos em frente ao espelho, se olhando. Só poderia estar louca! Em tempos contempor?neos, ainda temos muitas dificuldades para incorporar no cotidiano uma prática igualitária em rela??o à pessoa com deficiência. O Estatuto da Pessoa com Deficiência - EPD ainda é visto com desconfian?a. Em 20 anos de atividade jurídica, nunca presenciei uma crítica t?o contundente (e injusta) a uma lei. Impedir que se chame uma pessoa com deficiência (física, mental ou intelectual) de incapaz juridicamente vem gerando inc?modos nos intelectos - que n?o usam, normalmente, o cora??o como express?o. Parece-me mais do que evidente (é humano!) que o simples fato de alguém ter deficiência n?o induz incapacidade jurídica. Ao revés. S?o conceitos independentes. Uma pessoa pode ser incapaz sem ter deficiência (como o pródigo ou o menor de 16 anos de idade). E a recíproca é verdadeira. Nessa esteira, o art. 12 da Conven??o Internacional, celebrada em Nova Iorque e incorporada no Brasil em sede constitucional por for?a do art. 5?, §3? da Constitui??o, é de clareza solar ao estabelecer que a pessoa com deficiência terá o mesmo tratamento jurídico de qualquer outra pessoa, sem deficiência. Logo, somente se lhe pode imputar incapacidade quando n?o puder exprimir vontade, como reza o inciso III do Art. 4o do Código Civil, com a reda??o dada pelo Estatuto. Se uma pessoa sem deficiência só será reputada incapaz em casos tais, as pessoas com deficiência, também. Seria o exemplo do surdo-mudo (pessoa com deficiência física) que n?o puder exprimir vontade. Nesse caso, será tido como relativamente incapaz por n?o puder externar sua vontade, e n?o pela deficiência. A mudan?a é ainda mais alvissareira. O juiz, ao decretar a curatela do incapaz, estabelecerá um projeto terapêutico individualizado, indicando os limites da curatela e a extens?o da atua??o do curador. Ou seja, considera cada pessoa a ser curatelada em si mesma, pondo fim a um tempo de decis?es padronizadas, que interditavam direitos civis de uma pessoa humana apenas trocando o número do processo e o nome das partes. As pessoas s?o diferentes e precisam ter respeitada a sua dignidade, por si sós. A diferen?a integra a humanidade!!! N?o se pode tratar juridicamente as pessoas, ignorando que temos virtudes, potencialidades, defeitos, anseios, expectativas, estruturas emocionais... Enfim, vidas distintas! Aliás, os confins divisórios, as próprias fronteiras, entre a sanidade e a loucura s?o inatingíveis. E todos, sem exce??o, carregam características pessoais diferenciadas. Tenho TOC com a porta do carro e de casa. Aperto várias vezes o controle do carro para me certificar que a porta fechou, até fazê-lo esbravejar. Se dependesse dele, estaria eu internado. Mas, me salvo com Raul, "controlando a minha maluques, misturada com minha lucidez"...Em seu instigante livro (Bipolaridade e temperamento forte), o gaúcho Diogo Lara revela que personagens importantes da história tinham transtornos mentais, embora jamais se tivesse duvidado de sua perfeita sanidade: Fredy Mercure, Churchil, Cazuza, dentre outros. Filosoficamente, inclusive, acho que vale um reparo a uma ideia corriqueira entre os juristas: a inten??o do EPD n?o é conceder prote??o à pessoa com deficiência, mas, em verdade, estabelece a sua INCLUS?O SOCIAL, com vistas a que se lhe confira autonomia existencial e patrimonial. N?o se trata de simples norma protecionista, mas inclusivista. Por isso, a pessoa com deficiência, de fato, faz jus a garantias que efetivem inclus?o, como o IPI reduzido para aquisi??o de veículo automotor, as vagas preferenciais em estacionamentos, o acesso prioritário e adaptável etc. N?o s?o meras formas protetivas. Muito mais. S?o mecanismos de inclus?o, emancipando a pessoa para que exer?a, como bem queira, os seus direitos, em absoluto patamar de isonomia. Tenho consciência, porém, de que se trata de um movimento lento, aluvi?nico. ? paulatina e gradual a absor??o do ideal de igualdade. Como bem reflete o Lulu Santos, "ainda vai levar um tempo, pra fechar o que feriu por dentro...."Apesar da minha franciscana paciência, assisto, com muita preocupa??o movimentos legislativos, em tentativa de absurdo retrocesso. Recrudescendo o tratamento da pessoa com deficiência, a PLS 757/2015, que tramita no Congresso, ignora o compromisso jurídico assumido pelo Brasil, juntamente com quase 200 outros países. Preocupa-me porque usa retórica, com textos eruditos, em esfor?o hercúleo para tentar, como dizia o italiano Leopardi, "mudar os móveis de lugar, para que tudo fique como sempre foi". Sinceramente, n?o acho que seja maldade, mas, provavelmente, vaidade intelectual. Resta-me clamar: Senhor, perdoa, eles n?o sabem o que fazem...A verdade é que a mudan?a de paradigma n?o é bem absorvida pelo jurista. Como diz O grande educador lusitano Boaventura de Sousa Santos, um paradigma científico demora 2 gera??es para ser superado depois de ser substituído. Isso porque os profissionais, formados sob a égide do paradigma anterior possuem dificuldades para enxergar o novo, e os novos profissionais ser?o formados, em um primeiro momento, por professores que foram formados pelo paradigma anterior. Calha com perfei??o ao tema, a advertência de F. Ost, professor em Montreal, acerca da demora do jurista em absorver novas ideias. Afirma que se o Direito quer "exercer miss?o de media??o social, necessita de tempo, tanto na dura??o necessária para a reflex?o, quanto no sentido de p?r em perspectiva os meios para levar em conta uma história social. Quando o tempo jurídico se reduz ao curto prazo ou se deixa prender na arapuca do instant?neo, torna-se aleatório.... ? amnésia do passado acrescenta-se ent?o a miopia do futuro; reina sozinha, soberana, a atualidade". Por isso, mantenho a paciência totalmente carregada, a mente quieta, a espinha ereta e o cora??o tranquilo.Oxalá (para usar uma express?o bem baiana), tenhamos uma indigna??o social, contrariamente ao aludido projeto, com vistas a manter íntegro e hígido o sistema de inclus?o. Para quem ainda insiste em achar que uma pessoa com deficiência deve ser enquadrada como incapaz, sugiro que acompanhe os jogos paralímpicos, que se avizinham. Talvez seja um bom momento para prospectar se aquelas pessoas s?o incapazes ou, em última análise, se a incapacidade n?o está no ideal aristocrático que povoa o cora??o e a mente de algumas pessoas...Sobre o tema, para apresentar cores, tons e matizes até ent?o n?o conhecidos, ouso recomendar a leitura do vol. 1 do nosso CURSO DE DIREITO CIVIL: Parte Geral, escrito a quatro m?os com o amigo Nelson Rosenvald, bem assim como o ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICI?NCIA COMENTADO ARTIGO POR ARTIGO, em coautoria com os colegas Promotores de Justi?a Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Pinto, que mereceu prefácio do Senador Romário (grande defensor da matéria), ambos publicados pela Editora Jus Podivm )].br), onde a matéria é tratada com verticalidade.OBS: A imagem original pertence à Associa??o Desportiva para Deficientes ([)].br) Miss?o do MPBA: Defender a sociedade e o regime democrático para garantia da cidadania plena. ................
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