Reflexão sobre a Organização da Atenção à Saúde



Reflexão sobre a Organização da Atenção à Saúde

Theny Mary Viana Fireman[1]

O eixo temático - Organização da Atenção à Saúde, demonstra a operacionalização da política inclusiva que mais deu certo no país: o SUS. Esse sistema conseguido através de muita luta, discussão e mobilização desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde e a consagração da saúde enquanto direito na Constituição Federal de 1988 – CF/88, que desenhou o país como um Estado Democrático de Direito e ampliou o conceito de saúde, ao concebê-la como resultado das condições de vida do povo e dever do Estado. Entretanto, esses direitos não foram colocados em prática na sua totalidade, apenas o SUS, foi aquele que “furou” barreiras e conseguiu, nesses 15 anos, fazer uma grande diferença, uma vez que antes da CF/88 só tinha garantido a assistência médica e hospitalar quem descontava para a Previdência Social, isto é, quem tinha a “carteirinha”, então, naquela época existiam dois tipos de brasileiros: os que tinham acesso aos serviços médico e hospitalar e aqueles que não tinham, eram os conhecidos como “indigentes”.

A CF/88 garantiu os direitos sociais, contudo, a hegemonia do neoliberalismo, na década de 90, fez o Estado afastar-se das suas obrigações constitucionais promovendo uma verdadeira desconstitucionalização dos direitos, os quais se apresentam no SUS como barreiras ao acesso as ações e serviços de saúde; ao implantar políticas focalistas sob a responsabilidade da sociedade civil organizada. Essa omissão leva-nos a enfrentar hoje grandes problemas tais como a fome, a miséria, o analfabetismo, a violência, o desemprego, etc., determinando assim, uma verdadeira exclusão social.

Partindo do conceito de Saúde, vista não mais como ausência de doença e sim como resultado de uma série de fatores que interferem na qualidade de vida do cidadão brasileiro, temos que pensar nos aspectos que estão diretamente ligados à área da saúde como também naqueles que dependem das demais áreas sociais e econômicas, lembrando sempre que é direito de todos e dever do Estado sendo universal, como diz um dos princípios do SUS. Por isso, é preciso superar os modelos de gestão burocrática e tradicional, centralizadoras, marcadas por discursos técnicos ou trocas de favores e relações de dependências, para avançar em direção a um modelo de gestão que assegure a participação paritária entre técnicos e usuários. O SUS tem uma concepção avançada de cidadania, de estrutura de Estado, quando divide as responsabilidades nas três esferas de governo, inclusive no financiamento e na gestão participativa, através dos Conselhos e Conferências.

É neste contexto que em 1998 há a descentralização dos serviços de saúde em 100% dos municípios alagoanos, passando Alagoas a ser o primeiro Estado da Federação que habilitou pela NOB/SUS/96 todos os seus municípios, além de ser também o primeiro Estado a se habilitar em Gestão Plena do Sistema Estadual. Esse fato fortaleceu o poder local, que mudando as práticas de assistência à saúde, “força” a necessidade da implantação e implementação do Programa de Saúde da Família - PSF, mesmo contando apenas com uma equipe mínima, composta por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde, para atender uma população de até mil famílias. Inicialmente esse Programa é implantado no Estado para alguns poucos municípios e naquele momento tinham-se algumas garantias imediatas: o município recebia recursos financeiros para aquisição do carro, para construir e equipar as unidades do PSF, além de arcar com o pagamento dos profissionais durante alguns meses. Essas garantias fizeram com que vários municípios se candidatassem a ter o Programa expandindo-o no Estado. Mesmo assim, o PSF, com todas as suas dificuldades e distorções, mostrou algumas mudanças. Mudanças essas que a população começa a sentir quando o município passa a contar no seu território, com vários profissionais de saúde, às vezes até morando no próprio município; quando o profissional a uma população adscrita; quando se atua na perspectiva da promoção, prevenção e controle das doenças; quando se identifica área de risco de cada localidade sendo a mesma, discutida com a comunidade e autoridade; e, influenciando até no número de internação hospitalar como veremos mais adiante.

Antes da habilitação dos municípios pela NOB-SUS/96, os serviços de saúde eram “financiados” pela lógica da doença, ou seja, o sistema atendia aos doentes e recebia pelo que produzia; essa prática reforçava a idéia do modelo de atenção baseado no médico e no hospital, por isso chamado modelo médico-hospitalocêntrico. Com a introdução do PSF buscou-se a ruptura desse modelo assistencial que predominava até então, e a partir desta estratégia, o PSF é a porta de entrada no sistema de saúde, ou seja, se a população adscrita na área de abrangência necessitar de atenção À SAÚDE, ELA ENCONTRA NO PSF e, caso necessite de uma atenção mais especializada será encaminhada pela própria equipe aos outros níveis de referência.

Dentre os princípios do SUS, a universalidade mostra-se ainda fragilizada no tocante ao atendimento a todos, quando considera apenas o acesso às consultas médicas; mas, como já dissemos anteriormente, o SUS é, por princípio, inclusivo, uma vez que, segundo dados da pesquisa do IBGE (1992 a 1999) mostra que 98% da população brasileira fazia uso do SUS. E como se percebe isso? Isso se deve ao fato de, por exemplo, quando uma pessoa recebe na sua casa a visita de um agente de endemia a procura de focos do mosquito transmissor da dengue, essa pessoa está usando o SUS; quando uma pessoa vai ao supermercado ou ao açougue fazer suas compras, essa pessoa está usando o SUS, uma vez que a vigilância sanitária trabalhou verificando antes se aqueles produtos estavam em condições de serem comercializados; quando acontece algum acidente os acidentados são enviados à Unidade de Emergência, essas pessoas estão usando o SUS; quando uma pessoa leva seu filho ou seu idoso para tomar as vacinas, elas estão usando o SUS; quando alguém necessita de um medicamento de alto custo, esse alguém está usando o SUS; então, como podemos verificar, o SUS financia desde as ações mais simples como vacina, até as ações mais complexas como os transplantes; e todas essas ações fazem parte da universalidade enquanto princípio.

Sempre que o SUS aparece nas manchetes da imprensa, geralmente é com uma imagem negativa e, na maioria das vezes a justificativa é dificuldade de recursos financeiros, não estamos tirando parte da verdade, mas estamos querendo ressaltar os avanços já ocorridos, como por exemplo, na diminuição da internação hospitalar, conforme gráfico apresentado, onde se percebe que a partir de 1998, época das habilitações dos municípios, o número de internação vem caindo paulatinamente no país, e em Alagoas, verifica-se a diminuição das internações hospitalares a partir de 1999. Tal fato pode estar relacionado à ampliação dos serviços de atenção básica à saúde e conseqüente acesso da população aos mesmos.

Internação Hospitalar da Rede – SUS no Brasil

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FONTE:DATASUS/2000

Internação Hospitalar em Alagoas

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FONTE:DATASUS/2000

Então, concluindo, pode-se verificar que há resolutividade no PSF na atenção básica, tanto que devido a tal fato, a população consegue ter acesso a serviços imediatos e, portanto, as internações hospitalares ocorrem quando não é possível resolver no serviço ambulatorial. Ressalta-se também a necessidade de ampliar serviços já que não é suficiente tratar apenas na atenção básica; precisa-se garantir as referências nos níveis de média e alta complexidade. E ao diminuir as internações hospitalares, os recursos financeiros não gastos com as AIH’s deveriam ser aplicados nos serviços do município em ações de promoção à saúde e prevenção da doença.

E, finalmente, se o SUS é inclusivo por natureza, devera ser equânime por princípio e por necessidade para enfrentar as desigualdades sanitárias existentes no país.

Finalizando:

Se você conseguiu ler esse material e chegou até aqui; está de parabéns, pois agora você já compreende todo processo de saúde, por isso, mais do que nunca, você é muito importante no fortalecimento do SUS que atenda a todos, para que pessoas como eu e como você, não precise fazer um plano privado de saúde; pois tem muita gente querendo boicotar e inviabilizar o SUS. Nós precisamos estar firmes nos movimentos sociais para “forçar” o governo a assumir seu papel em garantir nossos direitos.

O desafio é grande! É preciso que a gente entenda e cobre dos governos para que a Lei seja cumprida. Sabemos que este é apenas o começo de uma grande caminhada e com certeza, você é mais um aliado nesta luta para fortalecer o SUS que é meu, é seu é nosso.

Informações Adicionais:

Ministério da Saúde - Esplanada dos Ministérios – Bloco G – 3º Andar

Brasília – Distrito Federal

Fones – (061) 315 – 2130; 315- 2133 e 223-4449 (FAX)

Para saber informações pela Internet: ú.br

Para saber pela Internet o valor que seu município recebe: stn..br

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[1] Psicóloga – CRP/15/0888, Assistente Social Sanitarista

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