Office of the United Nations High Commissioner for Human ...



Relatora Especial das Nações Unidas

para a Independência dos Juízes e Advogados

Visita a Moçambique

Conclusões e observações preliminares

Maputo, 10 de Dezembro de 2010

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Visitei Moçambique na função de Relatora Especial das Nações Unidas para a Independência dos Juízes e Advogados de 6 a 10 de Dezembro de 2010, a convite do Governo. Esta visita foi a continuação da visita anteriormente realizada de 26 de Agosto a 4 de Setembro de 2010, que foi suspensa a 1 de Setembro.

Hoje, 10 de dezembro, é o dia internacional dos direitos humanos. Para mim, é muito significativo concluir a visita a Moçambique neste dia, porque o meu mandato tem como cerne a protecção eficaz dos direitos humanos para todos. É de recordar que a administração eficiente da justiça deve assegurar a independência, imparcialidade, integridade, igualdade e transparência sejam um pré-requisito para se garantir o usufruto dos direitos humanos.

Toda a minha visita foi facilitada pelo Escritório do Coordenador Residente das Nações Unidas, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Programa Mundial da Alimentação (PMA). Gostaria de aproveitar esta oportunidade para expressar a minha gratidão às Nações Unidas pelo apoio disponibilizado antes e durante a minha missão.

O objectivo da minha visita foi avaliar a situação da independência dos juízes, procuradores e advogados, a organização e o funcionamento da profissão de advogado, a eficácia e independência dos órgãos encarregues da gestão do judiciário, a disciplina dos juízes e o nível de acesso da população ao sistema de justiça. Também teve como objectivo examinar a observância das garantias do julgamento justo no país, a política e o quadro legal que regulam o judiciário, a independência dos advogados, juízes, procuradores e juristas.

Reuni-me com uma série ampla de intervenientes, incluindo funcionários do Governo dos Ministérios da Justiça, Finanças, Interior e Negócios Estrangeiros e Cooperação, bem como com os responsáveis pela formação jurídica, ajuda e assistência legal, o sistema prisional, de contabilidade e fiscalização e da administração da justiça. Também me reuni com representantes das agências das Nações Unidas, da comunidade doadora, A Ordem dos Advogados de Moçambique, juízes de carreira e eleitos, advogados, procuradores, magistrados, técnicos jurídicos, parlamentares, representantes da sociedade civil, investigadores académicos para obter a visão mais completa e equilibrada da situação do judiciário no país. Além disso, visitei a Cadeia de Máxima Segurança e o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica – IPAJ.

Gostaria de expressar o meu profundo apreço e gratidão ao Governo de Moçambique por me ter oferecido a oportunidade de examinar a situação do judiciário. Também gostaria de expressar o meu profundo apreço a todas as partes interessadas e interlocutores pela sua disponibilidade, informação e conhecimento oferecidos. Espero que possamos continuar a manter um diálogo e cooperação pró-activos nas questões relacionadas com meu mandato e gostaria neste momento de compartilhar convosco algumas das minhas conclusões e recomendações preliminares.

Começo por destacar a importância da continuação da minha missão suspendida em setembro que provou ser crucial para que possa ter o quadro completo do funcionamento do sistema de justiça em Moçambique. Isso permitir-me-á oferecer conclusões e recomendações ao Governo e outras partes interessadas no meu próximo relatório para apoiar Moçambique na consolidação do Estado de Direito e reforço da independência, imparcialidade e eficácia do judiciário.

A independência do judiciário

Congratulo-me com o lugar de destaque que a Constituição de Moçambique dá à independência do judiciário, o que é reconhecido como um princípio fundamental a ser respeitado em emendas constitucionais (Artigo 292 (1) (i)). Também me congratulo com o reconhecimento do princípio da separação de poderes (Artigo 134) e da supremacia do Estado de Direito (Artigo 212 et ss), que são pré-requisitos para uma administração da justiça que garante a independência, imparcialidade, integridade, igualdades, transparência e protecção dos direitos humanos (Artigo 3).

A independência e reforço do judiciário também estão incluídos no quadro político abrangente para o sector da justiça, que inclui documentos fundamentais para o país tais como, a Agenda 2025, o Plano Quinquenal do Governo, o Plano para a Redução da Pobreza Extrema e o Plano Económico e Social.

Apesar deste quadro legal e político encorajador, esforços devem ser redobrados para criar condições que permitam o judiciário do país funcionar de forma sólida e independente. Neste contexto, desejo recordar os Princípios Básicos da Independência do Judiciário e insistir na necessidade da imparcialidade e transparência das decisões judiciais, que devem basear-se sempre em factos e estar de acordo com a lei, sem influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou interferências directas ou indirectas indevidas.

Durante a minha visita, observei que, embora a independência do poder judicial esteja consagrada na Constituição, na prática permanecem muitos obstáculos para que exista um poder judicial verdadeiramente imparcial. Por exemplo, existem indicações que a filiação ao partido no poder, no poder desde 1975, é de facto um pré-requisito para o acesso à administração pública, incluindo a carreira jurídica, bem como para o avanço na carreira jurídica e segurança no trabalho. A situação acima mencionada e a falta de um sistema eficaz de pesos e contrapesos para atenuar esta situação impedem o desenvolvimento de um poder judicial independente.

Além disso, de acordo com a Constituição de Moçambique, o Conselho Superior da Magistratura Judicial – CSMJ tem competência para administrar e realizar a supervisão e inspecção, contudo, tem tido dificuldade em realizar estas tarefas de forma eficaz e independente, dada a ausência de leis internas para regerem o seu funcionamento desde 1992, deixando assim o controlo eficaz nas mãos do seu Presidente, que também é Presidente do Tribunal Supremo.

Portanto, incentivo o Governo de Moçambique a redobrar esforços para garantir justiça para todos através de um poder judicial e comunidade internacional independentes, incluindo as Nações Unidas e outros grandes doadores para aumentar os seus esforços a fim de acompanhar Moçambique neste processo importante. Também encorajo a comunidade internacional a ajudar o Governo de Moçambique no reforço da boa governação e justiça.

O acesso à justiça, técnicos jurídicos e outros funcionários judiciais

Congratulo-me com o reconhecimento constitucional do direito de todas as pessoas, sob a jurisdição de Moçambique, a terem acesso aos tribunais. Este reconhecimento sublinha as garantias relacionadas com o devido processo legal, ou seja, a presunção de inocência, o direito de defesa e de ser assistido por advogado, o direito ao aviso prévio e detalhado dos encargos, o direito de recorrer da sentença perante um tribunal superior e a proibição da dupla penalização. Isso também ajuda a reforçar a protecção do direito à liberdade e à segurança pessoal (Artigo 59), o direito à tutela jurisdicional efectiva (Artigos 59 e 70) e o direito à igualdade perante os tribunais (Artigo 70).

Elogio particularmente o trabalho importante realizado pelo Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), como órgão Estatal encarregue de garantir assistência jurídica e serviços àqueles que não podem ter acesso à justiça por motivos económicos. Encorajo o IPAJ a reflectir sobre possíveis casos de ética, disciplina e responsabilidade a que os seus técnicos e assistentes jurídicos estão sujeitos.

Gostaria de insistir no papel essencial do IPAJ na prestação de assistência e serviços jurídicos em Moçambique, e de incentivar o Governo com o apoio da comunidade internacional, a prestar todo o apoio necessário para que ele possa alcançar uma representação efectiva em todo o território e obter a autonomia administrativa e financeira necessária ao desempenho de suas funções com mais eficiência.

Isto é de particular importância uma vez que Moçambique enfrenta actualmente um défice importante de advogados de prática privada, cujo número parece ser inferior a 70 em todo o território. Isso mostra que a profissão de advogado precisa ser reforçada. Neste sentido, convido a comunidade internacional e regional a explorar formas de cooperação com a Ordem de Advogados de Moçambique para que ela possa executar o seu plano estratégico (2009-2014) e continuar a realizar as suas funções fundamentais.

Administração da justiça

A criação de "palácios da justiça" ilustra as medidas tomadas para garantir uma melhor coordenação entre os diferentes agentes de justiça, nomeadamente, os tribunais, os procuradores, o IPAJ, e a Polícia de Investigação Criminal (PIC), para dar celeridade aos processos judiciais e tornar a justiça mais próxima das pessoas. Eu recomendo a expansão desses centros de justiça para todo o país, com funcionários qualificados, devidamente equipados para realizar suas funções com eficácia.

Recomendo também a criação e operacionalização das Comissões da Legalidade e Justiça que constituem um importante esforço de coordenação entre as diversas instituições envolvidas na administração da justiça. Reuni-me com funcionários dessas comissões em Nampula e Beira, onde fui informada sobre o seu impacto positivo em termos de coordenação e cooperação entre instituições do sector da justiça.

Apesar destes passos positivos, permanecem muitos desafios institucionais para a administração eficaz da justiça. Há vários anos que o Tribunal Supremo, descrito por diversos círculos como "cemitério dos processos", funciona parcialmente sem o número mínimo de juízes exigido por lei. Faço um apelo ao Governo para tomar todas as medidas necessárias para nomear juízes conselheiros para o Tribunal Supremo, a fim de que possam começar a julgar os recursos, que apresentam com grande atraso. Gostaria também de instar o Governo de Moçambique a criar todas as condições para que os Tribunais Superiores de Recurso sejam postos em funcionamento na maior brevidade possível e os seus juízes (desembargadores) comecem a exercer as suas funções com eficiência e imparcialidade, como medida para resolver o congestionamento grave de recursos no sistema judicial.

O sistema prisional e garantias de um julgamento justo

Durante a minha visita, ouvi as preocupações expressas pelos diversos interlocutores sobre casos que envolvem a falta de respeito pela presunção de inocência, a necessidade de garantir assistência jurídica e o direito a um advogado, a detenção prolongada e, de facto, por tempo indeterminado, os julgamentos morosos, o uso excessivo da prisão preventiva e a aplicação inadequada do princípio da igualdade perante a lei.

O Governo está consciente destas e outras dificuldades no sistema prisional e adoptou uma nova abordagem integrada para melhorar as condições nos centros de detenção, incluindo a concessão de acesso à justiça. Isso exigirá a presença permanente de no mínimo de uma equipa do IPAJ por centro. As autoridades devem trabalhar para garantir que todas as consultas entre os advogados ou funcionários do IPAJ e os detidos sejam confidenciais. À luz disto e para garantir a aplicação deste direito constitucional (Artigo 63.4), as instalações de detenção devem identificar locais onde essas consultas possam ter lugar. Depois da minha visita à Prisão de Máxima Segurança de Maputo e das minhas consultas a uma ampla variedade de intervenientes, tornou-se claro que, a fim de agilizar processos e evitar situações de detenção ilegal, devem ser alocados recursos para facilitar o transporte de presos de e para os tribunais.

Capacitação de juízes, advogados e procuradores

Louvo o trabalho realizado pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária localizado na Província Maputo que oferece cursos gerais e especializados para profissionais do direito. Incentivo o Centro e seus parceiros a estudarem a possibilidade de expandir ainda mais seus esforços ao nível provincial. Fiquei preocupada ao saber das limitações actuais para o funcionamento do Centro, incluindo a escassez evidente de candidatos qualificados para participarem nos cursos que oferece.

Género e justiça

Congratulo-me com a criação de Gabinetes de Violência contra a Mulher e a Criança e incentivo o Governo a continuar a expandir a cobertura nos distritos e equipar esses gabinetes com os recursos técnicos e humanos, incluindo, apoio psicológico e social às vítimas.

O papel do sistema judiciário em assegurar a protecção dos direitos das mulheres deve ser reforçado. Uma série de partes interessadas chamou-me a atenção para a necessidade de divulgar referidas leis e os mecanismos disponíveis para a protecção da mulher, tais como os relacionados com tribunais especializados e as medidas contra a violência doméstica e outros tipos de violência baseada no género.

Percebi que há uma escassez de dados sobre a actual representação da mulher na profissão de juristas e a sua participação nos esforços de formação e capacitação no sector da justiça. Isso inclui escolas de direito e de outras instituições, que ainda estão para integrar uma abordagem de gênero.

Também tive informações que indicam que a legislação nacional que institui quotas de gênero, ou a realização de reformas de paridade dentro do Judiciário, não estão previstas no futuro próximo. No entanto, tive a informação segundo a qual, a paridade de gênero é efectivamente aplicada como regra geral para a selecção e nomeação dos juízes. Saúdo, também, o facto da paridade de género ser um factor tido em consideração no processo de nomeação dos juízes dos tribunais comunitários no distrito de Meconta.

Cooperação Internacional

Estou animada com diversas iniciativas que mostram que Moçambique tem potencial para evoluir para um reforço do sector da justiça e encorajar a comunidade internacional, incluindo as Nações Unidas e outros doadores importantes, a aumentarem os seus esforços para acompanhar Moçambique neste importante processo. Convido a comunidade de doadores a realizar uma avaliação conjunta profunda das necessidades de gestão de informações, incluindo uma possível informatização e plano de modernização para o sector da justiça.

O papel da imprensa

Antes de concluir as minhas observações e recomendações preliminares, eu gostaria de ressaltar a importância da imprensa no fortalecimento do Estado de Direito e do sector da justiça de Moçambique. Gostaria de salientar que a informação imparcial e crítica sobre o sector da justiça contribui para aumentar a consciencialização sobre a importância que um sistema judicial independente e eficaz tem para o gozo dos direitos humanos por todos em Moçambique. De acordo com o acima mencionado, convido a imprensa a contribuir para os esforços de sensibilização sobre a importância do sector da justiça e do direito de todos a terem acesso à justiça sem discriminação social, filiação política, sexo, língua, nacionalidade ou localização territorial em Moçambique.

Eu reitero a minha disponibilidade para continuar a encetar um diálogo construtivo com o Governo de Moçambique, incluindo, se for solicitado, a prestação de serviços de consultoria e assistência técnica.

FIM

A Sra. Knaul assumiu funções como Relatora Especial sobre a Independência dos Juízes e Advogados em 1 de agosto de 2009. Nessa qualidade, ela age independentemente de qualquer Governo ou organização. A Sra. Knaul tem uma longa experiência como juiza no Brasil e é especialista em justiça criminal e a administração dos sistemas judiciais.

Saiba mais sobre o mandato e o trabalho da Relatora Especial sobre a Independência dos Juízes e Advogados:

Página Web doOHCHR– Mozambique:



Para mais informação e solicitações da Imprensa, por favor contactar Gustavo Mahaque, PNUD- Moçambique (Tel: + 258 21 481 435, telemóvil: +258 82 48 35 680, email gustavo.mahoque@one. e/ou Mireya Maritza Peña Guzmán, OHCHR, telemóvils: + 258 82 02 86 350 (Maputo) e +41 79 752 04 86 (Genebra), e-mail: mpena@)

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