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Tráfico de drogas, depoimento exclusivo de policiais e grava??o das diligências (*)Fernando Vernice dos AnjosPromotor de Justi?a (MP/SP)Mestre e doutorando em Direito Penal (USP)Devido às terríveis rebeli?es em presídios ocorridas no início desse ano, a quest?o da superlota??o de presídios volta à tona. Infelizmente, a situa??o temerária dos presídios só ganha a grande mídia quando os seus horrores transbordam os muros da pris?o, como foi o caso do registro das execu??es horrendas ocorridas nesse ano.Pois bem, dentre às quest?es relacionadas à superlota??o prisional, uma ganhou bastante destaque atualmente, qual seja, a relacionada aos reflexos prisionais da criminaliza??o das drogas. Com efeito, hoje em dia o tráfico de drogas é responsável por 32,6% dos encarcerados brasileiros, havendo sólido entendimento de que os níveis de encarceramento no Brasil est?o demasiadamente elevados e que o aumento de presos por tráfico de drogas foi o principal fator de aumento da popula??o carcerária.Nesse contexto, ressurge a acalorada discuss?o entre modelos político criminais de drogas, contrapondo-se ao atual sistema proibicionista outros modelos, como o de redu??o de danos e mesmo o de ampla legaliza??o, seja do consumo, seja da venda. Dentre as críticas ao atual modelo proibicionista brasileiro chama a aten??o um ponto chave da persecu??o penal dos crimes de tráfico de drogas, relativo à imensa maioria de condena??es baseadas exclusivamente no depoimento dos policiais responsáveis pela pris?o do acusado. Quem critica o modelo atual, em síntese, alega que tal situa??o dificulta a ampla defesa, dá azo à discricionariedade exacerbada dos policiais em diferenciar um traficante de um usuário e dá margem a arbitrariedades. Por outro lado, quem defende o modelo atual aponta, basicamente, que é necessário confiar na palavra dos policiais, que s?o agentes públicos investidos em múnus importantíssimo, sendo certo que a esmagadora maioria dos policiais é honesta e que exigir a oitiva de pessoas alheias aos quadros policiais, em caso de tráfico, é utópico, já que os traficantes obviamente iriam retaliar eventual pessoa que os incriminasse.Diante de situa??o t?o antag?nica, há uma tendência natural a escolher um lado e defendê-lo de forma tenaz, mesmo estereotipando quem diverge, com rótulos grosseiros como “defensor de bandido” ou “reacionário”. Todavia, a situa??o, nos termos postos n?o tem como evoluir pelo simples motivo de que os dois lados tem raz?o! De fato, entender suficiente os depoimentos de policiais para condena??o em crimes de tráfico dá margem a abusos, mesmo que a maioria dos policiais seja honesta, e seria absurdo exigir o depoimento de pessoas alheias aos quadros policiais porque a imensa maioria dos traficantes n?o tem nenhum apre?o à vida humana, e fariam de tudo para desencorajar eventuais denunciantes de suas atividades ilícitas. Dessa feita, a n?o ser que alguém entenda razoável aceitar eventuais condena??es injustas como pre?o a pagar pela persecu??o criminal ou entenda razoável a total impunidade de condutas vedadas por lei, quaisquer das solu??es expostas (depoimento exclusivo de policiais é apto para condenar / s?o necessários testemunhos de pessoas alheias aos quadros policiais) s?o insatisfatórias.Nesse contexto, de maneira muito mais modesta, sem pensar em mudan?a do modelo político criminal de drogas (que admito, pode e deve ser discutido a fundo), surge uma solu??o singela à quest?o relacionada às condena??es baseadas, exclusivamente, em depoimentos de policiais; solu??o essa que é, incrivelmente, consensual para as pessoas dos mais diversos matizes ideológicos com quem conversei, sejam acadêmicos, sejam práticos, sejam promotores de Justi?a, defensores públicos, advogados ou juízes de Direito. Estou falando da grava??o das diligências policiais, por meio de c?meras de vídeo nas roupas, viaturas e nas campanas investigativas.A grava??o das diligências policiais é comprovadamente um meio de (1) qualificar a prova da conduta criminosa, (2) resguardar a conduta de bons policiais e (3) coibir a conduta de maus policiais.(1) Quanto à qualifica??o da prova, é certo que a capta??o da imagem faz com que seja possível analisar, com calma, a conduta que o policial entendeu configurar tráfico de drogas. De fato, muitas vezes em breves instantes o policial capta a situa??o e a interpreta, entendendo que está diante de uma situa??o de trafic?ncia. No entanto, esse juízo de valor n?o está infenso a situa??es que turbam a cogni??o, como cansa?o, ou mesmo a meta-regras que podem vir a interferir em tal juízo (Por exemplo, o local é conhecido como ponto de venda, logo, “é claro” que aquela pessoa parada é o olheiro, ou fulano tem envolvimento pretérito com o tráfico, logo “é claro” que está traficando dessa vez). Ao gravar o que viu o policial, é possível submeter a situa??o que justificou o entendimento pela trafic?ncia ao contraditório, em situa??o muito mais propícia a reduzir injusti?as.(2) Quanto ao resguardo da conduta de bons policiais, é certo que se tornou estratégia corriqueira dos acusados alegar que foram submetidos a todo o tipo de arbitrariedade, como flagrantes forjados ou violências. Muitas vezes, policiais com atua??o ilibada s?o afrontados por vers?es estapafúrdias de acusados que, no af? de se livrarem da justi?a, acabam atacando a honra de laboriosos policiais, imputando-lhes pechas das mais infames e execráveis que existem, como a de ser corrupto ou torturador. No entanto, se a conduta é gravada, inibem-se acusa??es levianas contra os policiais, que poder?o contrapor às acusa??es os registros filmados das pris?es.(3) Finalmente, em que pese n?o resolver o problema, diminui a oportunidade de abusos quando a atividade está sendo gravada pelos policiais que participam da ocorrência. Para tanto, é necessário que as grava??es sejam ininterruptas, guardadas por período de tempo significativo, de acesso público e com apontamento de dia e horário, sem possibilidade dos policiais apagarem as imagens ou desligarem as c?meras e com puni??es caso elas sejam cobertas. ? intuitivo que, ao ter sua conduta gravada, o policial fique menos propenso a falsear provas, fazer “vista grossa” a alguma conduta ou, de qualquer forma, abusar de sua autoridade. Ademais, considerando que as grava??es devem ter horário em que foram captadas, torna-se possível verificar, com base no horário do registro da ocorrência no Distrito Policial, se o preso foi imediatamente conduzido à autoridade policial ou se ficou, ilegalmente e certamente para fins escusos, “sob custódia” dos policiais responsáveis por sua pris?o.Em suma, sem prejuízo de outras discuss?es, entendo que todos os operadores do Direito de boa vontade devem unir esfor?os, conclamando os seus órg?os representativos para que a grava??o das atividades policiais se torne regra na persecu??o penal. Destaco que tal medida já é comum em países como os Estados Unidos e Reino Unido, tendo come?ado, de maneira tímida, em alguns lugares do Brasil, sempre com resultados positivos.Noto, aliás, se for verdade a existência de abusos conforme se alardeia, é até mesmo possível que diminua o encarceramento por tráfico com a ado??o das grava??es, o que compensaria o custo de implementa??o com a diminui??o do custo dos presos, em que pese n?o seja esse o objetivo.Por outro lado e pelas mesmas raz?es, a grava??o da atua??o policial pode ser útil na persecu??o de outros crimes, qualificando qualquer prova policial e extrapolando a sua import?ncia para toda a atua??o investigativa criminal. Por exemplo, é possível gravar o reconhecimento policial do autor de crime patrimonial, para que se verifiquem as exatas circunst?ncias em que foi feito, o que interfere em seu poder de persuas?o em juízo. Em casos de embriaguez ao volante, é possível documentar o estado etílico do condutor no momento da abordagem. Em crimes de posse, é possível gravar eventual encontro de objeto ilícito na revista pessoal. Enfim, as vantagens s?o muitas e sobejam, de forma indubitável, o custo de implementa??o.De todo modo, é extreme de dúvidas que, com a grava??o, o sistema criminal ficaria mais justo e transparente, o que me parece ser um objetivo digno de ser almejado pelos seus operadores e pela sociedade.Referências (acesso em 28/02/2017): (com amplas referências)(*) publicado, originalmente na Revista Consultor Jurídico, 04 de mar?o de 2017, 7h30 (), com o título “C?meras em viaturas aumentariam transparência e reduziriam pris?es por tráfico”. ................
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