UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO



UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

PROFESSOR: IVO DA COSTA DO ROSÁRIO

LINGUAGEM E PERSUASÃO[1]

Adilson Citelli

1. Informação sem persuasão?

É possível afirmar que o elemento persuasivo está colado ao discurso como a pele ao corpo. É muito difícil rastrearmos organizações discursivas que escapem à persuasão; talvez a arte, algumas manifestações literárias, jogos verbais, um ou outro texto marcado pelo elemento lúdico.

2. A tradição retórica

A referência ao espaço cultural e lingüístico do mundo clássico é necessária, visto que a preocupação com o domínio da expressão verbal em sua vertente oratória possuía enorme importância entre os gregos. E não poderia ser diferente, pois, praticando um certo conceito de democracia, e tendo de expor publicamente suas idéias, ao tribuno grego cabia manejar com habilidade as estratégias argumentativas com a finalidade de lograr a persuasão aos auditórios.

Não é, pois, estranho que a Grécia clássica tivesse levado a graus de sutileza a preocupação com a estruturação do discurso. As escolas criaram, inclusive, disciplinas que melhor ensinassem as artes para dominar a palavra: a eloqüência, a gramática e a retórica atestam algumas das evidências do conjunto de preocupações que marcaram a relação dos gregos com o discurso verbal.

Ademais, o problema não era apenas o de falar, mas fazê-lo de modo convincente e elegante, unindo arte e espírito, bem ao gosto da cultura clássica. A disciplina que cuidava especialmente de buscar tal harmonia era a retórica. Segundo Oswald Ducrot e Tzvetan Todorov: “O aparecimento da retórica como disciplina específica é o primeiro testemunho, na tradição ocidental, duma reflexão sobre a linguagem. Começa-se a estudar a linguagem não enquanto, ‘língua’, mas enquanto ‘discurso’”. Ou seja, cabe à retórica mostrar o modo de constituir as palavras visando convencer o receptor sobre determinada verdade.

A retórica foi, porém, ao longo dos séculos, transformando-se em sinônimo de recursos embelezadores do discurso, ganhando, inclusive, certo tom pejorativo. Um pouco dessa postura se deve a concepções sobre o entendimento e exercício da retórica, como as desenvolvidas no século XVIII e XIX, para as quais já não se tratava mais de uma questão de método compositivo, mas sim, de buscar o melhor enfeite, a palavra mais bela, a figura inusual, a expressão inusitada, à moda do ideário estético dos parnasianos.

Em nossos dias, os estudos retóricos passaram a receber novas abordagens, ganhando papel de relevância na análise do discurso, no estudo das figuras de linguagem, na reflexão sobre expedientes argumentativos, inclusive ampliando sua abrangência para âmbitos não necessariamente verbais: fala-se em retórica do filme, da publicidade, do vídeo, etc. Tal fato atesta o vigor de uma tradição que, se ajustando aos novos modos de produzir, circular e receber os processos comunicativos, dá contribuições importantes para se estudar os constituintes discursivos que marcam os diversos campos do conhecimento.

2.1. A retórica clássica

Pela própria natureza do estado grego, tornava-se imperativo para certas camadas sociais dominar as regras e normas da boa argumentação. O exercício do poder, via palavra, era ao mesmo tempo uma ciência e uma arte, pois estavam implicados o conhecimento das técnicas persuasivas e o modo de melhor dizê-las; explorar a amplitude convincente do discurso significava a possibilidade de formação dos consensos de mando. É compreensível que surgissem, nessas circunstâncias, as primeiras sistematizações e reflexões acerca dos problemas envolvidos com a linguagem verbal. Os pensadores gregos, de Sócrates a Platão, escreveram sobre o assunto, porém é com Aristóteles que a estrutura do discurso será dissecada revelando-se como funcionava em suas unidades compositivas voltadas a produzir persuasão.

Aristóteles (384-322 a.C.) trouxe à luz um livro que permanece até hoje como referência para quem deseja estudar questões vinculadas aos processos compositivos dos textos: Arte retórica. A obra pode ser considerada uma espécie de síntese das visões que se acumulavam em torno dos estudos retóricos, assim como um guia dos modos de se fazer o texto persuasivo, um corpo de normas e regras que visa saber o que é, como se faz e qual o significado dos procedimentos persuasivos. É preciso lembrar, porém, que Aristóteles não deseja confundir, como faziam muitos contemporâneos seus, retórica e persuasão.

A retórica tem, para Aristóteles, algo de ciência, ou seja, é um corpus com determinado objeto e um método verificativo dos passos seguidos para se produzir persuasão. Assim sendo, caberia à retórica não assumir urna atitude ética, dado que seu objetivo não é o de saber se algo é ou não verdadeiro, mas sim analítica - cabe a ela verificar quais os mecanismos utilizados para se fazer algo ganhar a dimensão de verdade. Do pensamento aristotélicos, podemos deduzir o seguinte:

1. a retórica não é a persuasão;

2. a retórica pode revelar como se faz a persuasão;

3. os discursos da medicina, da matemática, ou, da história, do judiciário, da família etc. são o lugar da persuasão;

4. a retórica é analítica (descobrir o que é próprio para persuadir);

5. a retórica é urna espécie de código dos códigos, está acima do compromisso estritamente persuasivo, pois abarca todas as formas discursivas.

Entende-se a razão de a retórica não se confundir com a ética, pois ela não entra no mérito daquilo que está sendo dito, mas, sim, no como aquilo que está sendo dito o é de modo eficiente. Eficácia implica, nesse caso, domínio de processo, de formas, instâncias, modos de argumentar.

Ao longo da Arte retórica, são reveladas as regras gerais a serem aplicadas nos discursos persuasivos. Para tanto, um dos mecanismos mais óbvios indicados por Aristóteles é o que fixa a estrutura do texto em quatro instâncias seqüenciais e integradas: o exórdio, a narração, as provas e a peroração.

1. Exórdio. É o começo do discurso. Pode ser uma indicação do assunto, um conselho, um elogio, uma censura, conforme o gênero do texto em causa. Para o nosso efeito consideremos o exórdio como a introdução. Essa fase é importante porque visa assegurar a fidelidade dos ouvintes. Notem como age o padre num sermão. Normalmente ele começa com: "Caríssimos irmãos, hoje iremos falar sobre a glória de Deus".

2. Narração. É propriamente o assunto, onde os fatos são arrolados, os eventos indicados. Segundo Aristóteles: "O que fica bem aqui não é nem a rapidez, nem a concisão, mas a justa medida. Ora, a justa medida consiste em dizer tudo quanto ilustra o assunto, ou prove que o fato se deu, que constituiu um dano ou, uma injustiça, numa palavra, que ele teve a importância que lhe atribuímos". É propriamente o andamento argumentativo. Continuando com o sermão do nosso padre fictício, teríamos: "Deus é senhor e misericordioso, por isso pode perdoar os pecadores que buscam a remissão de faltas e a correção dos erros. Senhor do céu e da terra só Ele, no alto de sua glória, pode nos salvar".

3. Provas. É parte do discurso persuasivo a prova do que se diz. A credibilidade do argumento fica dependente da capacidade de comprovar as afirmativas. Essa fase do discurso é particularmente significativa no discurso judiciário, no qual as provas se tornam determinantes para a ordem do processo. Voltemo-nos ao nosso pastor em seu sermão sobre a glória de Deus: “Vejam o caso daquele pecador que após haver rezado com profunda crença e busca de absolvição dos seus pecados obteve a graça de ser trazido de volta para o bom caminho, conseguindo refazer a sua vida e de sua família”.

4. Peroração. É o epílogo, a conclusão. Pelo caráter finalístico, e em se tratando de um texto persuasivo, está aqui a última oportunidade para se assegurar a fidelidade do destinatário. A ela se referia Aristóteles: "A peroração compõe-se de quatro partes: a primeira consiste em dispô-lo [o ouvinte] mal para com o adversário; a segunda tem por fim amplificar ou atenuar o que se disse; a terceira, excitar as paixões no ouvinte; a quarta, proceder a uma recapitulação". Retornando o exemplo do sermão seria possível imaginar conclusão do tipo: "Existem formas de vencer o mal, o pecado, bastando para tanto crer na glória do Deus e agir segundo os mandamentos por Ele pregados".

2.2. Verdade e verossimilhança

Persuadir é, sobretudo, a busca de adesão a uma tese, perspectiva, entendimento, conceito, etc. evidenciado a partir de um ponto de vista que deseja convencer alguém ou um auditório sobre a validade do que se enuncia. Quem persuade leva o outro a aceitar determinada idéia, valor, preceito. É aquele irônico conselho que está embutido na própria etimologia da palavra: per + suadere = aconselhar. Essa exortação possui um conteúdo que deseja ser verdadeiro: alguém "aconselha" outra pessoa acerca da procedência daquilo que está sendo afirmado.

É possível que o persuasor não esteja trabalhando com uma verdade, mas apenas com verossimilhança. Isto é, algo que brinca de verdade; que se assemelha ao verdadeiro, processo garantido através de uma lógica que faz o símile (similar, parecido) confundir-se com o vero (verdadeiro, original).

Verossímil é, pois, aquilo que se constitui em verdade a partir de sua própria lógica. Persuadir não é apenas sinônimo de enganar, mas também o resultado de certa organização do discurso que o constitui como verdadeiro para o destinatário.

2.3. O vazio da retórica

Com o passar dos séculos, a retórica foi sendo alterada em suas funções. Daquela preocupação com as técnicas organizacionais do discurso e com a persuasão, o que se irá assistir, particularmente no final do século XIX, é a vinculação da retórica com a idéia de embelezamento do texto.

À retórica caber fornecer recursos visando produzir mecanismos de expressão que tornassem o texto mais bonito. As figuras de linguagem e os torneios de estilo ganharam faixa própria, encobrindo, muitas vezes, as insuficiências das idéias. Por isso, ainda hoje, persiste um pouco a visão negativa da retórica como sinônimo de enfeite do estilo e vazio das idéias. É fato que muitas organizações discursivas confirmam tal visão. Note-se, por exemplo, certas petições de advogados, ou ainda, aqueles célebres discursos de formatura, com os seus eternos “jovens de hoje que irão construir o país de amanhã”, “o sofrimento dos pais para ver o triunfo dos filhos”. As cerimônias de abertura dos bailes das debutantes não ficam muito atrás no desfile de clichês: "a beleza feito menina", "a formosura que ofusca as luzes do salão", "a rosa que desabrocha" etc.

2.4. Retórica moderna

Nos últimos anos ocorreu uma verdadeira renovação nos estudos retóricos. Os recentes trabalhos na área têm procurado tirar um pouco da poeira acumulada pelo tempo, afastando-se daquela preocupação de a tudo dar nomes, e buscando muito mais colocar questões como as provenientes da teoria das figuras, dos raciocínios expositivos e da argumentação.

2.5. Alguns raciocínios

A retórica clássica havia reconhecido a existência de uma série de raciocínios discursivos que entravam na construção dos mecanismos persuasivos do discurso. Guardadas as particularidades temporais, mas como exemplo de algo que se pode atuaizar, vamos arrolar alguns desses raciocínios, procurando conectá-los com situações próximas do nosso cotidiano.

1. O raciocínio apodítico (apodeiktkós) possuía o tom da verdade inquestionável. O que se pode verificar aqui é o mais completo dirigismo das idéias; a argumentação é realizada com tal grau de fechamento que não resta ao receptor qualquer dúvida quanto à verdade do emissor.

Exemplo 1: Zupavitin, a sopa que emagrece 1 quilo por dia.

Raciocínio implícito: Se você quer emagrecer, deve tomar Zupavitin.

O caráter imperativo do verbo torna indiscutível o enunciado. O receptor fica impedido de esboçar qualquer questionamento. É um raciocínio fechado em si mesmo que não dá margem a discussão.

Exemplo 2: O Corinthians é o melhor time do Brasil.

Raciocínio 2: Caso você queira torcer pelo melhor time do Brasil é preciso torcer pelo Corinthians.

2. Raciocínio dialético - busca quebrar a inflexibilidade do raciocínio apodítico. Agora, aponta-se para mais de uma conclusão possível. No entanto, o modo de formular as hipóteses acaba por indicar a conclusão mais aceitável. É um jogo de sutilezas que consiste em fazer parecer ao destinatário existir uma abertura no interior do discurso.

Exemplo 3: Você poderia comprar várias marcas de sabão em pó. Mas há uma que lava mais branco.

O verbo no condicional cria a idéia de que é possível conseguir múltiplos caminhos para a compra do sabão em pó. Há várias marcas à disposição, porém uma delas é destacada na conclusão. Ou seja, o enunciado já contém a verdade final desejada pelo emissor.

Exemplo 4: Em São Paulo existem vários e bons times de futebol, todos oferecem possibilidades de alegrias ao torcedor; entretanto, um deles, o Corinthians, possui a maior quantidade de títulos e tem a maior torcida do Estado (supondo-se que ambos os casos sejam verdadeiros), alcançando, ainda, a glória de haver sido campeão do IV Centenário da Cidade.

3. Raciocínio retórico: era, também, o nome de um procedimento para conduzir as idéias. Há certa semelhança entre o dialético e o retórico, apenas no último caso não se busca um convencimento racional, mas igualmente emotivo. O raciocínio retórico é capaz de atuar junto a mentes e corações, num eficiente mecanismo de envolvimento do receptor.

Exemplo 5: No Dia das Mães não se esqueça de passar na joalheria Gargantilha de Ouro. Afinal, quem mais do que a sua mãe para merecer um presente de valor?

Raciocínio implícito: Sendo a mãe um ser único, que se ama, “uma jóia rara”, nada melhor do que presenteá-la com outra raridade, o produto vendido pela empresa Gargantilha de Ouro.

Nesse caso, já não se quer apenas o assentimento lógico, deseja-se também trabalhar com os dados emocionais. Apela-se para a referência material - a jóia a ser presenteada - e para o afetivo - envolvendo a relação mãe-filho/a.

Exemplo 6. Torça pelo Corinthians e viva a emoção da maior torcida do Estado de São Paulo.

Raciocínio implícito: O Corinthians não é apenas um time de futebol, mas uma paixão a ser compartilhada.

3. Signo e persuasão

3.1. A troca dos nomes

Por que mudar o nome dos fenômenos sem alterar a essência do que se designa? Que jogo retórico está por trás do eufemismo?

A resposta nos remete a uma das vertentes do discurso persuasivo que é a de provocar reações emocionais no receptor: o enunciador/emissor apela para recursos afetivos visando a melhor conquistar adesão do seu público. Ou seja, ao se deslocar de uma expressão "contaminada" (capitalismo, por exemplo) para a "neutra" (livre-empresa), assegura-se uma recontextualização do signo que passa agora a produzir novas idéias, que não são mais associados aos incômodos históricos sugeridos pelo capitalismo. O termo "livre" (empresa, concorrência) tem conotação positiva, pois assegura, aparentemente, a possibilidade de todos montarem os seus negócios, concorrerem.

Uma simples consulta aos jornais diários mostrará como muitos termos vêm sendo criados, quase sempre, para minimizar fenômenos socialmente difíceis de serem tratados: reengenharia, racionalização das empresas, flexibilização das leis trabalhistas, adaptação aos mercados globalizados podem estar querendo dizer, simplesmente, aumento de desemprego, cortes na folha de pagamento, retirada de direitos sociais, aprofundamento nas distâncias entre países ricos e pobres etc. Como se vê, a linguagem não é ingênua, e os recentes modos de dizer podem estar escondendo novas formas de organizar a sociedade.

3.2. O discurso dominante

É importante considerar o discurso persuasivo não apenas como realização de um indivíduo solitário, como se fosse algo criado e posto em circulação por urna única pessoa. Certamente quando um deputado se manifesta na tribuna da Câmara, atrás dele estão posições do partido ao qual pertence, a expressão de interesses de eleitores e grupos de pressão que representa, a convicção nascida de envolvimentos ideológicos etc. O mesmo se pode dizer do padre, do pastor, do aiatolá, do rabino, cada um deles explicando a Bíblia, o Alcorão, a Torá, segundo a tradição dos discursos religiosos nos quais estão imersos, pondera valores que ensejam, dando continuidade a referências propostas pelos grandes textos que iluminam as religiões professadas. O deputado ou os religiosos, ao se manifestarem, é como se tivessem, também, sendo falados por discursos precedentes. E isso ocorre com todos nós, que - com maior ou menor grau de consciência - ativamos um complexo jogo dialógico de onde podem irromper temas, (pré-)conceitos, valores, conhecimentos, lugares-comuns. Tal processo decorre do caráter social que a linguagem possui e que permite circular, através dela, os fluxos comunicativos que integram diferentes tipos de vozes e lugares onde os discursos são produzidos (venham de grandes instituições, dos campos profissionais, do cotidiano ou das tribos urbanas).

Em síntese, os discursos persuasivos, conquanto manifestados através de um enunciador, seja ele individual ou coletivo (considere-se uma campanha publicitária ou um editorial jornalístico em que não apác, aparece assinatura de ninguém e, portanto, não sabemos exatamente quem produziu), devem ser vistos como resultantes de conjuntos maiores, a que chamaremos formações discursivas.

São as grandes formações discursivas que dão alguma unidade aos discursos das instituições, entendidas, aqui, como o judiciário, a igreja, o exército, a escola, a medicina etc. Compreende-se porque existem recorrências nas falas dos advogados, dos religiosos, dos militares, dos professores, dos médicos. Tal recorrência resulta do fato de os sujeitos tenderem a atualizar em seus discursos, textos ou pronunciamentos, as formações discursivas com as/nas quais convivem. Engenheiros não fazem plantas de edifícios usando linguagem jurídica, assim como advogados não se atrevem a apresentar ao juiz uma petição sob forma de diagramas, cálculos matemáticos, desenhos de salas, quartos, edículas. As formações discursivas, de certo modo, regulam as retóricas profissionais, incluindo os jargões delas, e com isto permitem identificar campos de atividades que são do engenheiro ou do advogado.

Certamente existem cruzamentos, hibridizações, resultantes dos vários diálogos permitidos pela linguagem, o que dá certa plasticidade às formações discursivas. Para o que nos interessa no momento é importante fixar a idéia de que, ao falarmos, somos também falados por grandes unidades de linguagem, que carregam consigo temas, problemas, valores, conceitos. Deste modo, "nossas opiniões" podem não ser tão "nossas" como imaginamos. A "nossa opinião" quase sempre resulta dos cruzamentos antes referidos, muitos deles pouco percebidos, outros nem sequer identificados, mas presentes neste enorme fluxo representado pelas formações discursivas e seus múltiplos envolvimentos.

A tentativa de produzir dominância discursiva faz parte das lutas pela construção de hegemonias de poder que se afirmam na sociedade. Vejamos os exemplos abaixo, extraídos da revista Isto é (outubro/2003):

“Não há comprovação científica de que os transgênicos causem mal à saúde ou ao meio ambiente”.

“Não há estudos científicos que atestem que os transgênicos sejam inofensivos à saúde ou ao meio ambiente”.

Os enunciados – tanto dos que são contra como os a favor do plantio e consumo dos transgênicos – revelam que a grande fonte discursiva para a elaboração dos possíveis argumentos advém da palavra ciência. Vale dizer, existe um grande discurso, aparentemente dotado de verdade interna, portanto construído em torno de certa monossemia (mono = um; semia = sentido), fechado, que permitirá "provar" a validade do argumento; em nossos exemplos a constatação segundo a qual os transgênicos podem ou não fazer mal à saúde e ao meio ambiente. Colocamos, a propósito, dois enunciados distintos, ambos afirmando suas razões completamente díspares a partir de uma mesma fonte de validação: os estudos científicos. Vale dizer, aparentemente contra a ciência não há o que discutir, malgrado possa ser ela utilizada para um ou outro lado, o que não deixa de ser, ao mesmo tempo, irônico e paradoxal. Por esta via, não é difícil reconhecer a presença de uma estrutura dominante do discurso, reconhecido socialmente, com força, pois, para fornecer razões e provas visando a elaboração dos discursos persuasivos.

Para observar a presença desse fenômeno é só atentar para os jornais, as revistas, os telejornais, as campanhas publicitárias e reconhecer como agem os partidos políticos, as autoridades do judiciário, do executivo, aqueles que, de alguma maneira, representam interesses de corporações, instituições, empresas, associações etc. Estamos, nesse aspecto, vivendo, cotidianamente, num grande cenário onde se desenvolvem, pela via da persuasão, lutas pela hegemonia e pela busca de formas discursivas dominantes.

3.3. O discurso autorizado

O discurso burguês sofreu transformações ao longo do tempo. As idéias anunciadas eram capazes de normatizar valores e ensinar. Dizia-se acerca do certo e do errado, do que era justo ou injusto, normal e anormal. Existia, portanto, o desejo de se guiar e ensinar. Existia, portanto, o desejo de se guiar e ensinar. Certas instituições como Pátria, Família, Escola, serviam de referência básica às pessoas. O professor, o pai, o governante, eram figuras legitimadoras de situações.

Conquanto o discurso burguês não tenha perdido as particularidades acima, ganhou nova cara: “Tornou-se discurso neutro da cientificidade e do conhecimento”, conforme assevera Marilena Chauí.

Se for neutro, ninguém o produz; se científico, ninguém o questiona. Quem fala é o Ministério da Fazenda, através do seu corpo técnico; a Sociedade Médica, através de seus doutos membros; a grande corporação multinacional através de seus executivos. Autorizado pelas instituições, o discurso se impõe aos homens determinando-lhes uma série de condutas pessoais.

A palavra, o discurso e o poder se contemplam de modo narcisista; cabe-nos tentar jogar uma pedra na plácida lâmina de água.

3.4. Desdobramentos do discurso persuasivo

Em suas variações, os discursos persuasivos podem formar, reformar ou conformar pontos de vista e perspectivas colocadas em movimento por emissores/enunciadores. Observe-se que tais planos não se apresentam, necessariamente, separados; trata-se, antes, de uma divisão didática para melhor aclaramento do problema.

1. Formar. Sob determinadas circunstâncias é preciso formar novos comportamentos, hábitos, pontos de vista, atitudes, seja para algum projeto de âmbito nacional, com implicações políticas importantes, seja para ativar preocupações de menor alcance, limitadas a grupos de pessoas.

Exemplo:

A informatização promoveu mudanças profundas no sistema bancário. Os caixas eletrônicos, os cartões de crédito, levaram os bancos e empresas financeiras a investir pesadamente em publicidade, mostrando desde como utilizar os novos serviços até as vantagens deles sobre a estrutura anterior. As campanhas de publicidade, neste caso, sabiam que se tratava de formar novos comportamentos nos clientes dos bancos - ir a um caixa eletrônico, usar cartão etc. - daí as características evidenciadas no material de convencimento produzido pelas agências.

2. Reformar. Muitas vezes, os hábitos, pontos de vista, atitudes, comportamentos, já existem - não sendo preciso formá-los. Trata-se, portanto, apenas de mudar a direção deles.

Exemplo:

Campanhas de aparelhos de barbear com duas giletes. Certamente não se trata de apresentar aparelhos de gilete e dizer que servem para fazer a barba, pois as pessoas já conhecem o produto, utilizando-o há anos. A situação não implica formar hábitos novos, mas reformá-los, mostrando as vantagens das lâminas duplas.

3. Conformar. O discurso persuasivo pode não estar, prioritariamente, ocupado em formar, tampouco reformar comportamentos, atitudes, pontos de vista, tratando-se, apenas, de reiterar algo já existente, sabido, mantendo o receptor fiel a produtos, serviços, marcas, idéias, conceitos etc.

Exemplo:

Marcas que estão no Top of Mind - as mais lembradas dos consumidores - tratam de reiterar sua presença cm camas permanentes, entre outros objetivos para continuar contando com a fidelidade dos seus consumidores. Omo, Coca-cola, Doriana, Hellmann’s, não precisam dizer, para os seus clientes fidelizados, que são produtos melhores, de qualidade indiscutível, mais confiáveis etc.

Claro está que, no jogo das campanhas, malgrado o objetivo de conformar, existe também o de formar comportamentos (por exemplo, aqueles que estão entrando agora no mercado e nunca usaram sabão em pó, tomaram refrigerante, untaram seus pães de margarina ou maionese); ou reformar (muitos consumidores compram Minerva, Pepsi Cola, Becel, Arisco etc.).

4. Tipos de discursos

Eni Orlandi apresenta três grandes modos organizativos do discurso: o polêmico, o lúdico e o autoritário. Antes de passar à verificação de cada um deles, convém lembrar que não estamos diante de categorias autônomas, mas de dominância. Ou seja, não são formas puras e sim híbridas, existindo, porém, a preponderância de uma sobre a outra: o polêmico pode conter o lúdico, ou o autoritário o polêmico etc. Ocorre que um dos níveis será dominante, sendo mais visível, portanto, caracterizador.

4.1. O discurso lúdico

Consideramos que esta seria a forma mais aberta do discurso. Residiria aqui um menor grau de persuasão, tendendo em alguns casos, ao quase desaparecimento do imperativo e da verdade única e acabada.

O discurso lúdico compreenderia boa parte da produção artística, por exemplo, a música, a poesia. A própria descoberta da linguagem pela criança tem muito desse caráter de jogo com as palavras: há prazer e encantamento com os mistérios dos sons, com a arbitrária relação entre certas sílabas ou palavras e objetos e situações.

4.2. O discurso polêmico

Cria um novo centramento na relação entre os interlocutores, aumentando o grau de persuasão. Agora, os conceitos enunciados são dirigidos como num embate/debate. Há luta onde uma voz tentará se impor a outra. Nesse caso, o grau de polissemia tende a baixar, dado existir o desejo do eu em dominar o referente. O discurso polêmico possui certo grau de instigação, visto apresentar argumentos que podem ser contestados. Digamos que o enunciador opera a uma abertura sob controle.

O discurso polêmico pode ser encontrado em situações muito variadas: defesa de tese, avaliações sobre problemas nacionais, encaminhamento de posições políticas etc.

As discussões sobre o andamento das reformas previdenciária e tributária, os debates sobre clonagem humana, os problemas envolvendo a luta entre israelenses e palestinos, têm permitido acumular vasto material polêmico posto em circulação pela imprensa.

Para realizar-se, o discurso polêmico precisa elaborar argumentos a ser reconhecidos e que consigam afirmar a posição de quem enuncia.

4.3. O discurso autoritário

Essa formação discursiva registra forte marca persuasiva. Conquanto no discurso polêmico também haja persuasão, é aqui se instalam todas as condições para o exercício da dominação pela palavra. É um discurso exclusivista, pouco afeito a aceitar mediações ou ponderações. Nele, irrompe a voz da “autoridade” sobre o assunto, aquele que irá ditar verdades como num ritual entre a glória e a catequese. O discurso autoritário lembra um circunlóquio: como se alguém falasse para um auditório composto por ele mesmo. É nessa forma discursiva que o poder mais escancara suas formas de dominação. Enquanto o discurso lúdico e o polêmico tendem a um maior ou menor grau de polissemia, o autoritário fixa-se num jogo parafrásico, ou seja, repete uma fala já sacramentada pela instituição: o mundo do diálogo perde a guerra para o mundo do monólogo.

O discurso autoritário pode ser encontrado, de forma mais ou menos mascarada, na família: o pai que manda, a despeito de usar, muitas vezes, a máscara/disfarce escondida sob o nome de conselho; na igreja: o padre ou o pastor que ameaçam os pecadores com o fogo do inferno - para que os pecadores não conheçam a ira do Senhor é preciso retomar ao rebanho convertendo-se, seguindo os ensinamentos da igreja etc.; no quartel: a retórica carregada de chamados patrióticos e recomendações visando preservar o principio da hierarquia; na comunicação de massa: o apelo publicitário que tem por objetivo racionalizar vendas e tornar imperativa a necessidade de se consumir determinado produto, bem ou serviço etc.

4.4. Adequando o esquema

Pelo que propõe Courdesses, a análise dos discursos deve ser considerada em função de quatro elementos: distância, modalização, tensão, transparência. Vejamos:

1. Distância (atitude do sujeito falante face ao seu enunciado). O sujeito falante é exclusivo. O enunciado está marcado por uma espécie de "desaparecimento" dos referentes. A voz do enunciador é mais forte do que os próprios elementos enunciados.

2. Modalização (o modo como o sujeito constrój o enunciado). O texto autoritário possui traços muito peculiares: o uso do imperativo, o caráter parafrástico etc.

3. Tensão (relação que se estabelece entre o emissor/enunciador e o receptor/destinatário). O primeiro procura impor-se à fala do segundo; não abre espaço para a existência de respostas. É um eu impositivo, é a voz de quem comanda.

4. Transparência (maior ou menor grau de transparência, ou opacidade, do enunciado). Os discursos autoritários tendem a apresentar maior grau de transparência, visto desejarem ser compreendidos pelo receptor de forma rápida e direta. A mensagem é mais claramente afirmada. Por isso, o signo tem seu grau de polissemia diminuído. A metáfora não convive muito bem com a violência do convencimento autoritário.

5. Textos persuasivos

5.1. No discurso publicitário

O texto publicitário pode realizar-se buscando maior originalidade, quebrando certas normas preestabelecidas, causando impacto no receptor através de mecanismos de “estranhamento”, situações “incômodas”, que levam, muitas vezes, à indagação ou à pura indignação. Há, também, movimentos comuns, banalidades que consistem em colocar atletas para vender vitamina, simulacros de dentistas para falar de pasta dental, modelos com pouca roupa e cheias de calor para divulgar marcas de cerveja. Considere-se, porém, que em qualquer dos casos acima os componentes persuasivos da mensagem publicitária se fazem presentes.

O texto publicitário resulta da conjunção de múltiplos fatores. Alguns estão ancorados nas ordenações sociais, culturais, econômicas e psicológicas dos grupos humanos para os quais as peças estão voltadas. Outros dizem respeito a componentes estéticos e de uso do enorme conjunto de efeitos retóricos necessários para se alcançar o convencimento e aos quais não faltam as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os raciocínios.

5.1.1. Sistematizando procedimentos

Brown insiste no fato de a propaganda, ou a publicidade, usarem alguns recursos básicos a fim de obter a adesão dos receptores.

a. O uso dos estereótipos. São esquemas, fórmulas, símiles, jargões já consagrados que marcam a linguagem e circulam nos textos propagandísticos e nos publicitários. Por exemplo, um sujeito bem vestido, limpo, de boa aparência, remete a uma certa idéia de honestidade, modelo a ser seguido. Ele tende a “convencer pela aparência”. Daí o estereótipo do pobre, do rico. Fórmulas lingüísticas aparecem comumente nos discursos: o "o dever do filho é obedecer aos pais", "a família que reza unida permanece unida", "sem ordem não haverá progresso" etc. A grande característica do estereótipo é dificultar questionamentos acerca do que está sendo enunciado, visto ser algo de domínio público, uma "verdade" consagrada.

b. A substituição de nomes. Mudam-se termos com o intuito de influenciar positiva ou negativamente certas situações. Os comunistas viram os vermelhos; o goleiro no campo de futebolo, o frangueiro; a lâmina de barbear, gilete; a palha de aço, Bombril. Os eufemismos se prestam muito bem como exemplificação deste caso.

c. Criação de inimigos. O discurso persuasivo costuma criar inimigos mais ou menos imagináveis. O sabão em pó se justifica contra algo: a sujeira. O político que deseja substituir outro alega ineficácia (combater tal inimigo implicará mudança de administrador); o déficit público de um país pode ser culpa do funcionário público; a falta de emprego decorre da rigidez das leis trabalhistas, as aventuras guerreiras norte-americanas estão justificadas pela existência do terrorismo.

d. Apelo à autoridade. É o chamamento a enunciados (ou pessoas) que validem o que está sendo afirmado. As citações, em livros e teses, de especialistas no assunto que está sendo tratado - muitas vezes em. notas de rodapé; os economistas que informam nos telejornais acerca do andamento das bolsas e do dólar; os médicos que fazem recomendações em revistas de larga circulação sobre como ter melhor qualidade de vida; os padres e pastores que se apresentam na televisão mostrando os passos a serem seguidos para se alcançar o reino dos céus; a modelo com corpo esguio que mostra o novo tipo de sopa que permitirá o emagrecimento rápido. Tudo isto toma "mais real" a mensagem e garante a procedência acerca do que está sendo dito.

e. Afirmação e repetição. São dois importantes esquemas usados pelo discurso persuasivo. No primeiro caso, a certeza, o imperativo: a dúvida e a vacilação são inimigas da persuasão. No segundo caso, repetir significa a possibilidade de aceitação pela constância reiterativa. Goebbels, o teórico da propaganda nazista, apregoava que urna mentira repetida muitas vezes era mais eficaz do que a verdade dita uma única vez.

5.2. No discurso religioso

Uma das formações discursivas onde se reconhece a presença da persuasão é a religiosa: nesse caso, o paroxismo autoritário eleva-se: o eu enunciador não pode ser questionado, visto ou analisado; é ao mesmo tempo o tudo e o nada. A voz de Deus plasmará as demais vozes, inclusive a daquele que fala em seu nome: o agente religioso (pastor, padre, rabino etc). Estamos diante de um discurso de autoria sabida, porém não determinada, visto que a fala do agente se constrói como verdade não sua, mas do outro, aquele que, por ser considerado determinação de todas as coisas, engloba as falas do rebanho.

Nesse sentido, o discurso religioso realiza tarefa sui generis enquanto mecanismo de comunicação, pois, se os demais discursos autoritários-persuasivos podem vir a revelar a voz do sujeito falante, nele resta apenas a noção de dogma. Não deixa de ser uma situação curiosa estar diante da mais visível forma de persuasão e do mais invisível eu persuasivo. Deus não fala, dado ser uma realidade imaterial; quem fala em seu nome não é dono do discurso: o agente é apenas veículo, porta-voz, no máximo “interpretador” da palavra do Senhor.

Há uma série de mecanismos que acentuam a persuasão no discurso religioso:

• uso do modo imperativo, o que revela a idéia de coisa pronta, acabada;

• a função emotiva (afinal, eu devo acreditar, ter fé. O problema da salvação está comigo, o Senhor é o exemplo a ser seguido);

• o uso de metáforas que acentuam o ciframento do discurso religioso;

• uso intenso de parábolas e da paráfrase;

• uso de estereótipos e chavões (“Oh, Senhor!”, “todo-poderoso”, “nosso Senhor”, etc.)

5.3. No discurso do livro didático

Entre a enorme variedade de textos persuasivos, um interessa muito de perto, quer por haver perseguido nossa formação escolar, quer pelas implicações ideológicas que possui: apresentam-se eles nos livros didáticos.

Esse tipo de obra traz, com certa freqüência, textos marcados por duas variáveis fundamentais: a estereotipia e a idealização. Vale dizer, a padronização dos comportamentos, da ética, dos pressupostos culturais, da visão acerca da família, do papel do Estado, para ficarmos em alguns dos assuntos presentes nos livros didáticos, em especial aqueles dedicados às séries iniciais do ensino fundamental.

Tais obras costumam ser organizadas em torno de temas como religião, riqueza, pobreza, amizade, felicidade etc. É um procedimento voltado ao ensino das primeiras letras: alfabetização, leitura; particularmente, pretende formar os “bons leitores”, despertar a criança para "os valores mais caros à sociedade", o respeito às leis, às tradições, enfim, àquele corpo de preceitos ditados como expressivos e determinantes para a vida futura do educando.

O problema com tal modalização de linguagem é que ficamos diante de obras que pouco ou nada têm a ver com a realidade da maioria das crianças, refletindo quase sempre padrões de vida de uma certa classe média que vive nos grandes centros urbanos. Verifica-se que os textos didáticos, conquanto nascidos para a "neutra" função de alfabetizar, de servir como fonte de leitura, trazem consigo variáveis ideológicas, de configuração de valores culturais, sociais, históricos, cm consonância com os mais tradicionais mecanismos da persuasão.

Nos últimos anos muitas críticas vêm sendo dirigidas aos livros didáticos, com reflexões que apontam o tratamento equivocado, displicente ou mesmo preconceituoso envolvendo desde conceitos e temas até formas de tratamento de minorias, variáveis culturais, modos de vida. Em decorrência dessas manifestações, das crescentes exigências por parte dos usos envolvendo materiais didáticos e ou didatizados, os padrões de produção dos livros didáticos estão conhecendo algumas alterações. Busca-se um ajuste às novas demandas sociais e históricas a uma adequação a padrões editoriais resultantes de mudanças vividas pelo próprio setor que produz livros didáticos. Cabe acompanhar esse processo para saber até onde determinadas operações formais e de ajuste temporal mudarão substancialmente o que foi mostrado nesta análise, alcançando a ordem do livro didático.

5.3. No discurso literário

O discurso literário - que se define a priori por uma natureza plurissignificativa, dado que o signo polissêmico e conotativo serve como importante constituinte da linguagem simbólica - pode terminar como um exercício que, forçando a monossemia, conduz o leitor pelo estreito caminho do convencimento de pressupostos que estão, a priori, em certas crenças do autor. Uma das maneiras de a linguagem persuasiva aportar no texto literário é pela diminuição do grau de ambigüidade expresso pelo signo.

O grau de ambigüidade, de polissemia, torna um romance como Grande sertão - veredas, ao mesmo tempo extremamente rico de sugestões ao leitor e um verdadeiro laboratório de experimentos sobre a construção das narrativas.

5.4. No discurso jornalístico

A variável persuasiva da linguagem apresenta-se, também, no discurso jornalístico impresso ou eletrônico posto em circulação pelo rádio, internet, televisão, revista ou jornal. O discurso jornalístico é, portanto, plural em suas formas de produção e circulação, conseqüentemente pode ser apreendido de diferentes maneiras. Ler não é o mesmo que ver ou ouvir: uma coisa é gerar notícias para a televisão, veículo de forte apelo imagético; outra elaborar texto que, centrado no recurso da palavra, necessita informar determinado fato ao leitor.

Ademais, com as mudanças tecnológicas e sociais do mundo contemporâneo, o discurso jornalístico sofreu forte diversificação e passou a ser exercitado de maneira segmentada, atendendo a públicos distintos, com interesses diversificados e que podem dizer respeito aos interessados no mercado financeiro, no campo da informática, da educação, da medicina. Daí publicações dirigidas diretamente para mulheres, homossexuais, negros, professores, turistas etc. Em grau menor, essa segmentação é verificada no interior dos jornais, revistas ou telejornais: seções como esportes, política, economia - ou os editoriais possuem particularidades que acentuam ou distendem procedimentos persuasivos. Enquanto as pequenas notas sobre cidade ou polícia possuem dominância informativa, o editorial, ou o artigo crítico/analítico feito por um colunista, tem maior preocupação opinativa. Vale dizer, se o plano de convencimento diminui em uma nota curta, referindo-se à venda de um jogador de futebol ou dando os números do orçamento da União, aumentará quando um comentarista/colunista estiver defendendo posição acerca dos rumos do esporte, dos caminhos da economia, ou dos erros e acertos do Ministro do Planejamento.

Verifica-se que o problema da persuasão e do convencimento nos discursos jornalísticos precisa ser tratado com cautela, a fim de evitar-se generalizações que pouco ou nada ajudam a entendê-los. Deve-se ter o mesmo cuidado frente a termos como objetividade, exatidão, precisão, efeitos de modo genérico ao discurso jornalístico. Certamente nem tudo o que sai no telejornal aconteceu do modo como foi apresentado, tratando-se, em muitos momentos, de relatos e estratégias editoriais que elaboram o conceito de veracidade dando-o como verdade. Do mesmo modo existem ocorrências que, conquanto importantes, nunca aparecem nos jornais, revistas ou televisões – logo, aparentemente inexistem.

Pensemos, agora, nos programas radiofônicos ou televisivos que tomam conta do país todos os dias, cuja matéria essencial é a violência, o crime, o inusitado. Furtemo-nos a citar nomes de apresentadores e emissoras ou canais de televisão. Afinal, mudam-se os veículos, os horários de apresentação, formatos dos programas, os apresentadores, mas o estilo metralhadora giratória a clamar por sangue e ódio permanece, podendo ser encontrado nas grandes capitais, em mídias de alcance nacional ou nos municípios menores espalhados pelo país.

Os apresentadores de rádio e televisão dos chamados programas policiais costumam investir-se da condição de justiceiros solitários em luta contra o mal. No afã de resgatar a moral e os bons costumes estes novos cruzados desfilam casos escabrosos, destacam cenas de "realismo", disparam, olhando firmes para a câmera, ou gritando nos microfones das estações de rádio, termos como vagabundos, malandros, assassinos. Ao fim da gritaria e das ameaças gostam de condenar, muitas vezes por conta própria - antes mesmo que a justiça haja se manifestado -, os verdadeiros ou pretensos criminosos, ladrões, violentadores, transgressores da ordem e da lei. Motolink, helicópteros, repórteres esbaforidos cm diligência junto com a polícia são alguns dos recursos acionados pela produção dos programas para aumentar a sensação de verdade e permitir, pela exploração emocional, o convencimento dos ouvintes ou espectadores acerca da necessidade de "jogar pesado contra o crime". Daí, em vários casos, a defesa da pena de morte, do direito de as pessoas portarem arma de fogo, da inevitabilidade de se criar milícias particulares etc. Claro que todos esses temas são tratados fora de circunstâncias argumentativas, polêmicas, senão em chave autoritária, populista, apelativa.

Observam-se, nesses programas sensacionalistas, as seguintes características:

1. Caráter unidirecional da linguagem. Enunciadores afirmam suas idiossincrasias, (pré-)conceitos e valores em uma única direção, como se estivessem interpretando as demandas dos destinatários.

2. Modalização. São textos construídos através de traços estilísticos muito próprios: existe o domínio da hipérbole e a profusão de qualificativos. Em especial, no rádio e na televisão, os adjetivos e advérbios se alinham numa sucessão espantosa, o que indica a necessidade de esvaziar o fundamental, destacando os elementos secundários: a notícia, muitas vezes, é pequena, mas seu comentário e teatralização pode ser longo.

3. Transparência. A informação é facilmente descodificável, ainda que se possa jogar com algumas ambigüidades do signo, visando a extrair conotações maliciosas.

4. Distância. A voz do enunciador tende a ser mais forte do o próprio enunciado. O estardalhaço dos apresentadores de rádio e televisão e os exageros de tais programas sobrelevam-se, muitas vezes, à própria informação.

5. Jogo com o elemento emocional. O destinatário é como que "dominado" pelo impacto das "denúncias" e "acusações" movidas pelos noticiários.

6. Trabalho com o inusitado. Esse é um dos mais importantes aspectos a serem trabalhados por veículos sensacionalistas. O comum e corriqueiro não interessam, é preciso que haja algo diferente, algum ângulo não explorado, alguma situação que provoque impacto e estranhamento.

5.5. No discurso político

O discurso político é uma das variabilidades discursivas em que a persuasão possui forte presença. Podemos dizer que, no limite, a maioria dos discursos traz consigo o elemento político, visto tratar-se de uma marca que regula, fortemente, as relações de linguagem - e da própria vida social - no que ela apresenta de jogos de poder, estratégias de controle, instâncias de domínio ou libertação etc. Desse modo, o exercício do mando ou da luta por interesses nas relações entre o chefe e seu subordinado, o professor e o aluno, o pai e o filho já conteriam o traço político da linguagem que assinalamos. O discurso político, entendido por esse prisma, encontra-se espalhado por diferentes instâncias que marcam as relações sociais, estando presente em territórios dos quais pouco suspeitamos, não sendo, privativo dos partidos, vereadores, deputados, ministros de estado, governadores, presidente da república.

Vejamos as características do discurso político, digamos, oficial, proferido por "profissionais" que pode englobar o poder legislativo, o executivo, os partidos e seus representantes. Nesse caso, o discurso político elabora três grandes movimentos estratégicos: divulgação, adesão, justificativas/explicação.

a. Divulgação. Instituições políticas, partidos, mandatários, candidatos, costumam apresentar-se ao público dizendo o que são, de onde vieram, o que pretendem. E, de diferentes, formas, reatualizam o discurso de divulgaçáo: quer sendo governo quer sendo oposiçáo. Para tanto, se municiam de palavras de ordem, símbolos, bandeiras, broches; sobrevoam tucanos, reluzem estrelas, tremulam foices e martelos. Nestes tempos de normalidade democrática, às siglas partidárias e seus representantes ficam reservados horários na televisão e no rádio, sendo possível apresentar ideários, propósitos e objetivos. Tudo isso poderá ser capitalizado em momento posterior com a ampliação nos quadros de militantes, na propaganda em atividades comunitárias etc.

2. Adesão. O propósito de divulgar tem por alvo garantir que a opinião pública, em setores os mais amplos possíveis, adira às mensagens enunciadas. Nesse caso, além de manter adeptos, trata-se de ampliar bases de apoio, movimento para o qual é importante construir dispositivos de convencimento e persuasão que garantam novas fidelidades. A conseqüência mais evidente dessa busca de adesão pode ser reconhecida no aumento dos militantes dos partidos, ou nos que votam em determinado candidato, e mesmo na ampliação dos chamados simpatizantes - pessoas que não são filiadas, mas demonstram simpatias pela sigla ou por determinados candidatos.

3. Justificativas/explicações. Se a divulgação pode gerar adesões, a manutenção ou continuidade delas dependerá da capacidade de o partido/candidato/instituição explicar e justificar suas ações. É preciso, portanto, dirigir-se com alguma constância ao público para dizer o que está sendo feito, por que determinadas iniciativas foram ou não tomadas. Entre justificativas e explicações evoluem tanto os discursos de aliados como os contradiscursos de adversários. De certo modo, eles se retroalimentam, pois se o prefeito X justifica os gastos com uma obra Y, é possível que o oponente Z mostre a improcedência da iniciativa, assim como o custo vultoso nela envolvido. Entende-se a razão de ministros, governadores e presidentes da república ocuparem horário nobre na televisão para explicar os motivos de haverem agido de uma ou outra maneira.

Essas grandes estruturas, na prática, muitas vezes se misturam e se integram, incorporando várias das estratégias utilizadas em outros textos persuasivos. Agregaremos, a seguir, novas referências que podem ajudar na análise dos textos políticos:

a. Atribuição de propriedades. O discurso político se atribui condições de irredutibilidade. Isto é, sejam de candidatos, mandatários ou partidos, as falas que apresentam possuem propriedades únicas; ninguém pode fazer pelos outros (a comunidade, o povo, o país, o mundo) o que o enunciador diz que fez ou fará. Trocando em miúdos, João da Silva, pretendente a prefeito de Propinópolis do Sul, certamente constituirá discurso de campanha dotado de qualidade única para indicar caminhos e alternativas capazes de resolver os problemas de corrupção da cidade que pretende dirigir. Nesse sentido, o discurso dele irá se armar de argumentos que fundam o princípio da propriedade irredutível. O presidente Bush e todo o seu staff - quando da invasão do Iraque pelos americanos em 2003, afirmava que sua missão era a de "libertar" o povo do Iraque. Ou seja, o discurso proferido pelo presidente dos EUA se atribuía propriedade única: somente ele poderia garantir prosperidade e democracia aos iraquianos.

b. Caráter do enunciador. Trabalhemos, aqui, com a palavra grega ethos, que, entre outros significados, designa os costumes, referências morais, afetivas, comportamentais e intelectuais de um povo (ou mesmo de uma pessoa). Pensemos, em seguida, na tensão entre os termos ethos e antiethos. Isso ajuda a entender um dos componentes estruturais do discurso político. De um lado, pretende-se desenhar o caráter positivo de quem fala - seja um indivíduo, uma instituição, um partido, uma representação - e, de outro, desqualificar adversários. No interior desse arranjo, a situação e a oposição podem se revezar afirmando o ethos ou o antiethos. A situação arrola seus atributos positivos, como competência, seriedade, visão de futuro, preocupação com o social - o que significa, em última instância, mostrar que não existe motivo para levar a oposição ao poder. A oposição, por seu turno, expressão momentânea do antiethos, para sair dessa incômoda situação necessita afirmar o seu próprio ethos, avocando para si termos como capacidade administrativa, honestidade, espírito de diálogo, vocação democrática - equivale dizer: precisa apresentar razões que a qualifiquem para o desejado exercício do poder. Nesse sentido, ambas as forças buscam configurar discursos reveladores do caráter positivo do enunciador. Na campanha presidencial de 2002, a equipe de propaganda de Lula tensionou de maneira rnuito competente o jogo ethos/antiethos. Ao candidato do PT foi associado o ethos da mudança, da esperança, do perfil moral inatacável. O adversário José Serra acabou sendo colocado na condição de antiethos, identificado diretamente com Fernando Henrique Cardoso, que estava bastante desgastado após oito anos de governo.

c. O possível como regra. Pela força da convicção com que se enuncia o discurso político, todo óbice pode ser circundado. Impedimentos para realizar determinadas ações são vistos mais como decorrência da incompetência de operacionalizá-las. Seja em virtude de uma certa cultura política que aceita a promessa como motivo eleitoral seja pelo medo de confessar impossibilidades seja pelo pressuposto segundo o qual o pacto de verdade com os cidadãos não rende votos, o fato é que saídas - algumas quase milagrosas - existem para todos os males que nos assolam. E isso em curto espaço de tempo, visto ser praticamente impossível a um candidato dizer que não conseguirá resolver questões de segurança, desemprego, crescimento industrial, ou que necessitará, digamos, de 20 anos para sanar tais problemas.

d. O possível que se fez impossível. Conquanto tudo possa ser resolvido no discurso, em determinados momentos é necessário explicar a impossibilidade de cumprir o prometido.Desse modo, razões e provas são buscadas para reformular os argumentos originais. É verdade que não haveria problemas para prender todos os bandidos, diminuir drasticamente o desemprego, resolver o precário serviço de transporte nas grandes cidades, mas uma conjuntura internacional difícil, tendo em vista a crise no setor de petróleo, a quebra na bolsa de Moscou, o aumento no valor do dólar, uma guerra não programada, além de maremotos, terremotos e outros fenômenos naturais não vistos comprometeram o exercício da regra do possível. Ao curso persuasivo caberá, então, encontrar os motivos para explicar por que o impossível superpôs-se ao possível.

e. O tom apelativo. Junto com os argumentos marcados pela racionalidade, os apelos emocionais podem acompanhar o discurso político. Frases, expressões com carga afetiva, são avocadas para criar uma espécie de cumplicidade entre enunciadores e destinatários. Tornou-se conhecido o apelo do presidente Fernando Collor de Mello “não me deixem só” quando o seu impeachment havia se tornado inevitável.

f. Os pré-constituídos. São fórmulas de linguagem retomadas e incorporadas à ordem do discurso político e que cumprem a função de rápida aproximação com o público. "É preciso combater a miséria"; "0 analfabetismo deve ser erradicado"; "Somos o país da desigualdade social"; "É necessário distribuir melhor a renda nacional". Tais enunciados, verdadeiros todos eles, são utilizados por partidos de A a Z. Mesmo aqueles que sempre estiveram no poder e cuja prática demonstra acomodação a padrões tradicionais de mandonismo e falta de empenho em políticas sociais repetem os enunciados por reconhecê-los como de fácil circulação na sociedade.

g. A palavra como espetáculo. Sob certas circunstâncias, a palavra entra no discurso político como força de espetáculo. O encanto retórico com frases, expressões, termos, pode ou superpor-se ao compromisso entre o dizer e o fazer ou se constituir em jargões, figuras (metáforas, metonímias, hipérboles, paradoxos) com capacidade para emocionar, comover, aproximar, impressionar, sensibilizar. O presidente Lula, homem de origem popular, recolheu, criou ou refez expressões que tiveram forte repercussão na sociedade. A rigor, algumas delas cumpriram, basicamente, função de espetáculo. "Vamos iniciar o espetáculo de crescimento" (retomada da atividade econômica); "Quem tem pressa come cru" (o governo será cauteloso para não errar em suas políticas); "Ir ao dentista ás vezes é inevitável" (medidas amargas precisam ser tomadas).

h. Viés ideológico. Em tese, os discursos políticos trazem as marcas ideológicas de onde se originam. Visões de mundo, universo de valores, concepções sobre maneiras de organizar a sociedade dariam as referências sobre as quais seria possível reconhecer filiações ideológicas dos agentes políticos. Identificar posições como sendo de esquerda, de direita ou de centro, representava, até pouco tempo, exercício mais tranqüilo de verificação dos ajustes entre signo/discurso e ideologia. Hoje, tornou-se complicado operar com passagens tão rápidas entre discursos e perfilhar ideológico.

Como se pode verificar ao longo deste tópico, e através de alguns indicadores de análise - certamente existem muito outros -, o discurso político carrega consigo fortes marcas da modalidade persuasiva e de convencimento.

5.6. Fugir da persuasão

É possível a existência de um discurso não-persuasivo? Todos os discursos visam a persuadir acerca de alguma coisa?

1. É bom lembrar que persuadir não é sinônimo imediato de coerção ou mentira. Pode ser apenas a representação do desejo de se prescrever a adoção de alguns comportamentos, cujos resultados finais apresentem saldos socialmente positivos. Por exemplo, uma campanha de vacinação infantil. Nesse caso, conquanto exista através da propaganda institucional urna preocupação persuasiva, os objetivos últimos encaminham para a formação de atitudes que poderão resultar em melhoria nas condições de saúde das crianças. Claro que nos referimos a uma situação extrema e não muito representativa dos fins propostos por grande parte dos discursos persuasivos. Há autores que costumam, inclusive, falar em persuasão negativa e positiva.

2. Para existir persuasão é necessário que certas condições se façam presentes: a mais óbvia é a da livre circulação de idéias. Em uma ditadura, em um regime que censura, fica um pouco estranho falar em persuasão, visto que inexistem idéias em choque. Não há pluralidade de mensagens e, portanto, é possível que o discurso nem chegue à sua fase persuasiva permanecendo nos mais baixos extratos civilizatórios: a violência física, a tortura, o controle total sobre os meios de comunicação, "o porrete e o chicote em lugar das palavras". O discurso do tirano é único; daí, se está recoberto de mentiras ou engodos, ninguém sabe, ninguém ouviu, ninguém viu.

3. É possível imaginar, contudo, que em certas áreas do conhecimento possa imperar uma natureza discursiva menos persuasiva, até mesmo lúdica, aberta. É o caso dos textos artísticos que, pela sua vocação plurissignificativa, pela ambigüidade que promovem, por romperem com normas preestabelecidas, tendem a uma expressão mais livre, menos preocupada com o convencimento, com o fechamento da mensagem. O plano da representação simbólica, que está presente em todo grande texto artístico, possibilita o rompimento com as conclusões fechadas, com o signo unidirecional: o convite para a aventura da descoberta não respeita as normas consagradas. A arte moderna, ou de vanguarda, possui muito dessa natureza antipersuasiva.

Referências bibliográficas:

CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo, Ática, 2005.

BROWN, J. A. C. Técnicas de Persuasão. Rio de Janeiro, Zahar, 1971.

CAUDESSES, Blum et Thorez en mai 1936; analyses d’énoncés. Langue Française, 9.

CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia; o discurso competente e outras falas. São Paulo, Moderna, 1981.

ORLANDI, Eni. A linguagem e seu funcionamento. São Paulo, Brasiliense, 1983.

VOILQUIN, Jean & CAPELLE, Jean. Introdução. In: Aristóteles. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro, Ouro, s.d. p. 21-2.

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[1] Fichamento do texto original.

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