A PUBLICIDADE EM SANTOS DE 1960 A 1980:



A PUBLICIDADE EM SANTOS DE 1960 A 1980:

PASSADO QUE SE FAZ PRESENTE

Autora: Profa. Dra. Cinara Augusto

Supervisora de Pesquisa da Cátedra Giusfredo Santini de Comunicação

Universidade Católica de Santos-UNISANTOS

GT História da Publicidade e Propaganda

INTRODUÇÃO

Existe uma lacuna no levantamento histórico de publicidade e propaganda nas realidades regionais que, no caso de Santos leva a uma indagação. Será que uma possível descrença na relevância da pesquisa histórica regional como resgate importante para complementar as análises da evolução profissional e para o avanço do conhecimento necessário ao reconhecimento e validação da atividade em nível nacional, levaria a uma postura tímida e até negligente das agências de propaganda locais com a preservação de sua própria história? O fato da não-valorização da preservação da memória da publicidade santista seria uma questão de “complexo de inferioridade” em relação à publicidade praticada em São Paulo?

A questão torna-se interessante devido à influência, em todos os aspectos da vida da cidade de Santos, exercida por São Paulo. Suficientemente próxima da capital do Estado para autorizar a idéia de uma influência significativa mas, ao mesmo tempo, por localizar-se no litoral paulista, com uma serra entre a Capital, Santos está suficientemente afastada para ter vida própria, com características praianas e veículos de comunicação fortes, com a supremacia do jornal A Tribuna como maior exemplo, o que provoca o fracasso das sucessivas tentativas de penetração no mercado santista de expressivos veículos de São Paulo.

O contrário acontece, por exemplo, nas cidades integrantes da Grande São Paulo, como Santo André, São Bernardo, São Caetano e outras, que formam o chamado ABC paulista. Nessas cidades, a ausência de veículos de comunicação locais expressivos era notória no período da pesquisa, dificultando o desenvolvimento da publicidade local, com predominância dos jornais e rádios de São Paulo.

Nesses mercados, a mídia impressa e eletrônica utilizada para anunciar era a mesma da cidade de São Paulo, o que tornava quase que proibitiva economicamente a veiculação de publicidade específica, obrigada a pagar o preço de tabela dos veículos de São Paulo com o objetivo de atingir o público da região, num desperdício de verba do anunciante local e com evidente dispersão do público, frustrando iniciativas de surgimento de veículos locais e de agências de propaganda porque, evidentemente, a alternativa era não veicular, ou seja, ficar sem propaganda. E, quando se anunciava, era através das agências de São Paulo ou de Santos.

Como conseqüência, houve a frustração de iniciativas de criação e manutenção de veículos locais, jornais e rádios, e de agências de propaganda duradouras. Só mais recentemente a mídia local passou a ser alternativa para a informação e para a comunicação publicitária da região, permitindo o fortalecimento, por exemplo, do jornal Diário do Grande ABC.

Outro ponto que merece atenção é o que pode representar as prováveis conseqüências sociais da ligação umbilical entre o jornal e a propaganda. No caso de A Tribuna, observável tanto na origem dos criadores das agências de propaganda com a maior longevidade no mercado quanto, inclusive, na abertura dos chamados balcões de anúncios em Santos e de suas sucursais nas outras cidades da Baixada Santista, como em Cubatão e São Vicente.

É fato notório que A Tribuna administrava espaços nos bairros de Santos para a captação de classificados, os balcões de anúncios, sob a responsabilidade amigos e pessoas de confiança ligadas ao jornal, especialmente funcionários e seus parentes, como Serrinha, filho do velho Serra do Departamento de Publicidade do jornal, e Gilberto Ruas, que sucedeu Juarez Bahia como gerente do Departamento de publicidade do jornal (GUANAIS, 28.09.2004).

Por outro lado, o jornal selecionava entre os seus melhores jornalistas aqueles que seriam responsáveis pelas sucursais de A Tribuna nas cidades vizinhas. O critério indispensável, além da excelência jornalística para cobrir os acontecimentos locais, seria a capacidade individual do profissional de jornalismo de transitar na publicidade, levando à frente, concomitantemente, a propaganda dessas cidades para o jornal. Caso, por exemplo, de Carlos Monforte em Cubatão, Darcy Estepanichi em Guarujá, Ivo Romanovoa em São Vicente, e, mais recentemente, Márcio Calves, atual editor responsável de A Tribuna (RUAS, 12.08.2004).

Assim, talvez os populares anúncios classificados, em primeiro lugar, e a propaganda dos segmentos comércio, imobiliário e serviços que a eles se juntou com maior desenvolvimento a partir dos anos de 1960, tenham garantido não só a própria sobrevivência do jornal na comunidade santista ao longo dos anos, conseqüência da credibilidade conquistada na comunidade, demonstrando respaldo popular, como também o respeito dos censores, a despeito das turbulências políticas que, seguramente deve ter enfrentado, como jornal efetivamente ‘da cidade’ (e de uma cidade vista como de esquerda) como, do mesmo modo, enfrentaram os jornais que valorizavam a sua independência editorial, no período da ditadura militar. É importante destacar que Juarez Bahia, jornalista do Diário de Santos (do grupo Diários Associados) e depois de A Tribuna, onde foi cassado em 1964, quando era Secretário de Redação. Depois voltou, já como Chefe da Publicidade de A Tribuna, onde ficou até 1967. Nesse período, Bahia foi responsável pela padronização visual de A Tribuna, fazendo uma transformação na tipologia e no tratamento gráfico dos anúncios.

A propaganda, então, pode ter contribuído para sustentar a credibilidade e a liberdade de imprensa em Santos, fenomeno que ocorreu em outras partes do mundo, em épocas distintas, com a pulverização do controle dos jornais por grandes anunciantes com interesses diversos e a decisiva contribuição dos populares anúncios classificados, cada um com a devida importância para a sustentação econômica do veículo de comunicação preferido em Santos e região.

Assim, o objeto desta pesquisa é registrar a participação pioneira dos profissionais de publicidade e das primeiras agências de propaganda de Santos no desenvolvimento da publicidade e do mercado profissional, por sua permanência e longevidade, considerando os padrões existentes em São Paulo e a contribuição da publicidade para o desenvolvimento econômico regional nos segmentos mais representativos da atividade econômica na cidade, notadamente comércio, imobiliário e serviços.

É, portanto, com possibilidades de uma investigação instigante, no contexto de participação na primeira iniciativa de pesquisa histórica de expressão nacional em nível regional que se insere este projeto de pesquisa, que tem como objetivo o levantamento da história da comunicação publicitária em Santos-SP de 1960 a 1980, identificando profissionais e agências pioneiras na realidade regional santista responsáveis pela manutenção e possível evolução do mercado profissional, respondendo então ao desafio da participação na tarefa de contribuir para resgatar e preservar a história da publicidade e propaganda em Santos através do levantamento inicial de fatos relevantes para a memória da profissão.

Uma vez estabelecido de 1960 a 1980 o período a ser investigado neste projeto, e ressaltando-se que a televisão só começou a se estabelecer em Santos e na Baixada Santista a partir dos anos de 1990, impõe-se a prioridade à mídia impressa no projeto, por ser a mídia predominante no período, mesmo considerando as coincidências provenientes da existência de veiculação publicitária em rádio.

MARCOS DO PASSADO

A comunidade santista é, certamente, valiosa para a pesquisa, considerando a existência de seu jornal centenário e rádios com importância histórica no cenário brasileiro e, especificamente, a incomum existência de agências de propaganda com mais de 40 anos de atuação ininterrupta no mercado e, ainda, em especial a existência da Faculdade de Comunicação (FACOS) da UNISANTOS, reconhecida pelo MEC em 1974.

Desde as suas origens na Escola de Jornalismo Jackson de Figueiredo, com reconhecimento datado de 1957 como curso integrante da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da instituição que formou inúmeros jornalistas e professores da nova faculdade , a FACOS é parte essencial da história da comunicação em Santos, atuando há mais de 30 anos como formadora das principais lideranças profissionais e da maioria dos profissionais de jornalismo e de publicidade e propaganda em atividade em Santos e região, conseqüência direta da reconhecida qualidade de ensino e do fato de ser a primeira faculdade de comunicação da região da Baixada Santista.

Entre os egressos da Faculdade de Comunicação da UNISANTOS desde as origens, destacam-se nomes de expressão nacional e internacional em jornalismo e em publicidade e propaganda, como Rubens Ewald Filho, Arakém Alcântara, Adelto Gonçalves, Carlos Monforte, Roberto Luna, Juarez Bahia, uma das figuras da maior importância na história do jornalismo brasileiro. É dele, por exemplo, o livro Jornal - História e Técnica, editado e distribuído pelo Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1965. (BRUM, 1994, p. 109)

Como jornalista com uma visão ampla da comunicação e professor do curso de Jornalismo de Santos, Juarez Bahia foi responsável pela criação, nos anos 60, de uma das mais tradicionais e respeitadas agências de propaganda de Santos, a JB Publicidade, que leva as suas iniciais e permanece atuando no mercado santista liderada por seu irmão, o publicitário Raimundo Bahia, formado na FACOS. Da criação do curso de Publicidade e Propaganda dessa que é uma das mais antigas escolas de comunicação do país, participou Marco Antonio Batan, professor do curso de Publicidade e Propaganda há mais de 30 anos e à frente da Clã de Publicidade, fundada em 1964, outra das pioneiras agências de propaganda de Santos e das primeiras no Brasil a se preocupar com a participação nos órgãos de classe nacionais.

Do mesmo modo, é fundamental considerar a hegemonia do jornal A Tribuna de Santos como decisiva para destacar as condições especiais que recomendam este projeto. O jornal A Tribuna, considerado popularmente como a cara e a voz da cidade, e a Rádio A Tribuna AM mantém uma íntima ligação com as pioneiras agências de propaganda santistas. Por exemplo: do balcão de anúncios do próprio jornal, onde continuou trabalhando até 1945 saiu Hugo Paiva (Hugo Paiva Publicidade, fundada em 1942); da equipe do jornalismo de A Tribuna saiu Juarez Bahia (JB Publicidade, fundada em 1960); da Rádio Tribuna AM saiu o jornalista José Cássio Miller, o C da Clã de Publicidade, fundada em 1964).

Com a morte de seu titular, em 2001, a agência Hugo Paiva, que pela grande parte de seu trabalho se caracterizava como agência de captação de anúncios classificados, foi considerada extinta, após funcionar por quase 60 anos. Mas já há algum tempo a agência não estava mais em funcionamento, tendo o seu fundador voltado à antiga profissão de corretor de anúncios de A Tribuna. Na ocasião de seu falecimento, o diretor-administrativo de A Tribuna Roberto Antonio da Costa afirmou que Hugo Paiva foi “um parceiro muito importante na trajetória de A Tribuna” (A TRIBUNA, 2001, Geral).

A Hugo Paiva teve pequena atuação fora dos anúncios classificados, mas alguns clientes como APE (Poupança) fizeram com que mantivesse um departamento de Arte e Redação, onde trabalharam, por exemplo, J.C.Lobo e Gilberto Amaral (Clã), garantindo um início de carreira para diversos outros profissionais que, por sua vez, fundaram novas agências, importantes na atualidade. Caso da Pronome, de Milton Batista (ex-Hugo Paiva).

Outras agências pioneiras tinham uma preocupação e um envolvimento muito grandes com o ensino e o desenvolvimento da profissão. É o caso da JB de Juarez Bahia e da Clã, a última posicionada desde o seu início como agência de comunicação publicitária, dispensando os classificados e ostentando orgulhosamente no registro da Associação Brasileira de Agências de Propaganda (ABAP) o número 26. Estas continuam no presente, atuando com destaque há mais de 40 anos, e também geraram novas agências e até produtoras. Como a Pitico Fotografias, apelido que Mário Campos ‘Pitico’, por ser miúdo de corpo, ganhou logo que iniciou na Clã, em 1973.

A forte ligação com o ensino manifestava-se em todas as oportunidades, no discurso e na prática. Durante o almoço para entrega do Galo de Ouro da Philips do Brasil, prêmio de âmbito internacional que destacava a contribuição para o crescimento, não das vendas, mas do mercado, atribuído à Clã pelo conjunto da comunicação desenvolvida no ano para o cliente Domus, destaca-se na matéria do jornal sobre a agência a preocupação didática de seu redator, Gilberto Amaral, explicando os fatores básicos para a execução da publicidade, passo a passo, provavelmente introduzindo os termos técnicos que vivenciara como redator publicitário em São Paulo.

Santista, Amaral voltou à cidade em 1963 e encontrou muita coisa por fazer no campo da publicidade, achando que “a praça estava atrasada quanto ao profissionalismo publicitário”, o que abria oportunidade de abertura de uma agência com nova proposta de atuação. Da pequena equipe montada então, participava somente gente com experiência ampla e formação específica na área: José Cássio Miller (contato), Lourdes Britto (administração), José Carlos Lobo (Chefe de Arte), Marco Antonio Batan (assistente de Arte), Rosa Helena de Oliveira (mídia) e o próprio Gilberto Amaral (redator planificador). Pelo depoimento de Amaral, fica evidente o predomínio da Redação sobre os outros setores da nova agência. (CIDADE DE SANTOS, 30.11.1969)

A JB é responsável por um legado histórico da maior importância para o ensino-aprendizagem que vai da ligação direta, pela docência, até a contribuição fundamental de Juarez Bahia para a sistematização do conhecimento através de suas obras. A Clã, provavelmente, é a única agência brasileira com dois doutores em Publicidade e Propaganda (USP) em seus quadros profissionais, professores da Faculdade de Comunicação UNISANTOS atuantes na graduação e no pós-graduação: Batan, há mais de 30 anos e Cinara Augusto, há mais de 20 anos. Entre seus alunos, destacam-se hoje profissionais na maioria das agências e departamentos de marketing e publicidade de Santos. Esta pesquisadora, há 27 anos na Clã, passando de estagiária (FACOS) à diretora de criação, é possivelmente a única mulher no Brasil com tão longa carreira na mesma agência, em demonstração inequívoca que a Clã dava condições efetivas de desenvolvimento profissional e, no caso, de engajamento na docência superior em publicidade e propaganda e na carreira acadêmica paralela.

A publicidade na visão dos profissionais e as pioneiras agências de propaganda em Santos na abertura, manutenção e profissionalização do mercado: as características dos profissionais, do trabalho desenvolvido e das agências de propaganda no período de 1960-1980 compõem, então, a temática que, pela amplitude, não se esgota neste levantamento inicial.

O CONTEXTO HISTÓRICO E SUAS IMPLICAÇÕES

Buscou-se, dentro do contexto regional a ser investigado, reunir dados preliminares para delimitar a abrangência da pesquisa em Santos e os procedimentos para coleta de dados sabendo-se, através de notícias no jornal e contatos pessoais, que diversos profissionais pioneiros na área já haviam falecido ou enfrentavam sérios problemas de saúde.

Assim, com um sentido de urgência para conseguir depoimentos de pessoas que fizeram a história da moderna comunicação publicitária em Santos desde o seu início, foi definida prioritariamente a coleta de informações por depoimentos e entrevistas gravadas em áudio como fonte direta de dados, esperando, por esse meio, na perspectiva histórica, compreender a presença da comunicação publicitária no período, considerando que as possibilidades de registro histórico (documentos, notícias, arquivos de entidades, agências e veículos de comunicação) são limitadas, conforme referências iniciais.

Visto que no Brasil o marco da publicidade moderna situa-se entre os anos de 1950 e os anos de 1960, período que coincide com a introdução dos produtos de massa no país e o início da televisão, os veículos locais de comunicação ganham relevância na questão da publicidade, já que a própria técnica de comunicação comercial, pressupõe-se, deveria estar sendo mais solicitada, gerando a oportunidade de atuação mais adequada ao momento e, conseqüentemente, o desenvolvimento do mercado profissional.

“Em seu livro Jornal - História e Técnica, Juarez Bahia caracteriza nossas primeiras agências ao escrever: “Antes de 1913 não havia no Brasil organização especializada em distribuir anúncios para os jornais.” Seria essa, quase que certamente, a função principal daqueles pequenos escritórios brasileiros.” (RAMOS, 1985, p. 29). Acrescente-se a esse fato a reconhecidamente estreita convivência dos jornais com os anúncios classificados em todo o Brasil para situar a origem dos profissionais que criaram as primeiras agências brasileiras, caracterizadas pela associação de jornalistas e gráficos, muitas vezes de dentro dos próprios jornais onde anunciavam.

Antes de 1960, a publicidade regional era ainda incipiente no Brasil. Entre os anos de 1930 a 1940 existiam meia dúzia de agências em São Paulo: “a Eclética tinha muito de representação de jornais, a Edanée era mais “uma livraria que aceitava publicidade” como registra Ricardo Ramos (1985, p. 41).

Localmente, os pequenos anúncios classificados eram predominantes, sob a responsabilidade de corretores de anúncios ou representante dos veículos, profissionais saídos do jornalismo, como em São Paulo. Note-se que o desenvolvimento técnico e a industrialização só começaram depois dos anos de 1930, com as revoluções no Brasil e os anos da II Guerra Mundial afetando a evolução da publicidade. A primeira Escola de Propaganda no Brasil só surgiria em São Paulo em 1951, em nível técnico.

“Segundo Júlio Cosi, nos começos de A Eclética, “os jornais eram quase os mesmos de hoje, mas tremendamente pobres em publicidade”. São declarações de 1953, três anos antes de João Castaldi publicar artigo sobre o mesmo assunto (revista Propaganda), lembrando “um desconhecimento completo quanto aos modernos métodos de vendas e às possibilidades da publicidade”, que não era somente dos jornais mas também da indústria.” (RAMOS, 1985, p. 29)

Os anos de 1960, assim, são aceitos como início da publicidade moderna no Brasil, com a ênfase na criatividade valorizando os profissionais de criação e, por extensão, a linguagem publicitária, sinalizando para uma realidade regional fora do principal mercado publicitário brasileiro, antes desse marco, como precariamente desenvolvida e limitada a ocupar espaço comercial nos jornais e rádios com mensagens racionais, informativas, com pouca ou nenhuma utilização de recursos de linguagem e produção característicos da linguagem publicitária emocional em prática em São Paulo, já com influência das agências americanas, como texto persuasivo e um conceito ou idéia de comunicação integrando a mensagem., mudando forma e conteúdo dos anúncios. RAMOS, 1985, p. 77)

Os levantamentos históricos disponíveis, entretanto, privilegiam o mercado profissional da publicidade em São Paulo e dados nacionais. Assim, não existe um estudo sobre a atividade em Santos, apesar da evidente contribuição da publicidade santista para a manutenção de um jornal regional/local forte e representativo no mercado editorial brasileiro como A Tribuna, o que evidencia uma publicidade também forte e digna de registro. Mas a inexistência de registros específicos seria indicação suficiente da insegurança ou falta de confiança para o desempenho profissional? Os depoimentos e registros na imprensa até o momento indicam o contrário: profissionais seguros e orgulhosos de seu trabalho.

A origem calcada nos jornais e seus profissionais da qual existem registros em São Paulo, repete-se em Santos, tendo referências como as agências Hugo Paiva, JB Publicidade, Clã de Publicidade, sinalizando para a possibilidade de uma evolução do mercado profissional no decorrer dos anos, ainda que provavelmente mais lenta, devido à menor possibilidade de se fazer comunicação de indústria, praticamente inexistente em Santos, sendo essa uma atividade aceleradora da publicidade profissional, o que coloca a cidade em desvantagem mas não diminui a competência profissional, ainda que afete os recursos financeiros disponíveis.

Até aos anos de 1980, já com duas décadas de atividade profissional favorecendo a consolidação do mercado e a experiência das agências, será possível formar um quadro bastante aproximado da atuação e das condições do exercício profissional, permitindo compreender melhor a atividade profissional desde os pioneiros profissionais e suas agências, e as condições de evolução da publicidade no mercado santista.

É importante ressaltar que estudos anteriores sobre a história do rádio no Brasil registram o período entre 1935 e 1955 como uma etapa que reflete a perda de espaço do rádio frente à televisão. Em Santos, entretanto, o rádio como alternativa ou complementação interessante para a comunicação publicitária impressa continuou ainda dentro do período a ser examinado, de 1960 a 1980, com os profissionais de rádio atuando inclusive em agências de propaganda, devido à entrada tardia da televisão na realidade regional da Baixada Santista, por questões políticas.

Como subtema importante por apresentar profissionais de propaganda vindos de suas fileiras e veiculação de mídia complementar ao jornal, deve ser considerado que as rádios santistas ainda tinham, no período da pesquisa, uma ligação tradicional afetiva com a comunidade vinda de um passado de grande mobilização popular em torno das novelas de rádio e dos programas de auditório, e da longevidade de suas figuras mais conhecidas e seus dirigentes. A Rádio Clube de Santos, por exemplo, fundada em 1924, teve em Hermenegildo da Rocha Brito o mais antigo dirigente radiofônico no Brasil, permanecendo ininterruptamente à frente da rádio por 65 anos, até seu falecimento, em 1993. Durante décadas, Rosinha Mastrângelo emocionou a comunidade santista com o Radioteatro na PRB-4 Rádio Clube de Santos e Um romance para você na PRG-5 Rádio Atlântica de Santos (TAVARES, 1997, V-VII).

Considere-se que Santos foi a última cidade brasileira a readquirir a sua autonomia política, tendo restabelecido o direito de eleger seu prefeito e vereadores somente nos anos 80. Muitas cidades com menor importância estratégica ou econômica pelo interior do Brasil receberam concessão federal para implantar emissoras regionais já na década de 1970, o que era negado a Santos, apesar da cidade abrigar o maior porto da América Latina.

Desse modo, a não ser por uma breve incursão logo cassada na TV devida à possibilidade de incluir comerciais regionais em um link criado em São Paulo, retransmitindo a TV Globo para a Baixada Santista, o que então viabilizava os investimentos publicitários, somente no início da década de 1990 a cidade obteve concessão do governo federal para implantar a TV comercial. Anteriormente havia sido implantada a TV Educativa Litoral, retransmissora da TVE-Rio, com pouco significativa penetração no mercado. Isto veio reforçar a ligação com o meio impresso, favorecendo a especialização profissional.

O grupo empresarial A Tribuna, por contar com a experiência em jornal e rádios (AM E FM) obteve os direitos de retransmissão da TV Globo, a principal do país em qualidade de programação e preferência popular, dando a oportunidade de desenvolvimento de programas jornalísticos locais e da publicidade na TV. Embora esses acontecimentos tenham reforçado a afinidade de A Tribuna com o mercado publicitário e a comunidade santista em geral, a fase da TV está fora do período proposto para a pesquisa.

Diante do contexto em que se insere a atividade publicitária em Santos, da sua íntima ligação com o jornal A Tribuna desde as origens e dada a proximidade com a melhor publicidade brasileira, praticada em São Paulo, o levantamento proposto evidencia pistas de que o fato de A Tribuna ser um veículo hegemônico em Santos, cidade principal de uma região metropolitana, favoreceu o desenvolvimento da profissionalização da publicidade santista. Do mesmo modo, pode-se inferir que a curta distância entre São Paulo e Santos facilitou a transferência de tecnologia sem alterar a cultura local. Por outro lado, é possível que o ensino sistemático tenha permitido aos publicitários locais direta ou indiretamente o avanço na compreensão das possibilidades e técnicas da publicidade moderna, favorecendo a longevidade das principais agências locais dos anos sessenta em diante.

Somente o avanço das investigações por um período suficiente para a coleta de depoimentos e entrevistas das lideranças publicitárias representativa do período, somado à descoberta de documentos em entidades de documentação histórica e de participação profissional, e dados colhidos no Departamento de Pesquisa do Jornal A Tribuna para checagem de referências de memória e mais informações publicadas, poderão fornecer maiores subsídios para o resgate da memória da publicidade santista, com as características e peculiaridades profissionais, e limitações e similaridades de atuação profissional no contexto brasileiro.

Mas já é possível estabelecer pontos fundamentais para compreender a existência de agências de propaganda por mais de 40 anos em atuação na realidade regional santista, num mercado profissional que mantém a característica geral de permanência curta no mercado, acentuada nos dias de hoje pelas fusões internacionais das empresas produtoras de bens e serviços que são responsáveis, em parte, pelo desaparecimento de inúmeras agências de propaganda brasileiras.

A existência do jornal A Tribuna como mídia predominante marcou a atuação profissional santista, criando o diferencial que definiu como característica da publicidade regional o domínio da comunicação publicitária no meio impresso, permitindo às agências utilizarem profissionais com o domínio do texto na linguagem de comunicação, jornalistas ou redatores publicitários. E, além disso, a convivência entre os profissionais de jornalismo e os de publicidade parecia ser menos conflituosa do que na atualidade, com os profissionais sentindo estarem todos no mesmo barco. Havia convivência mais próxima e confraternização amiga entre os profissionais em diversas ocasiões, até em encontros fora da Cidade: “Então, o Hugo Paiva ia, ele era convidado, ele era jornalista praticamente, né, fazia serviço de, junto com jornalista, precisava de jornalismo, é como se fosse” (HERRERA, 25.10.2004). Durante muitos anos, também, jornalistas e publicitários tiveram direito a usufruir igualmente das vantagens e benefícios do Grêmio A Tribuna, em relação direta com o jornal. A Tribuna noticiava ainda a integração dos profissionais de comunicação, quando do lançamento dos fundamentos do Clube de Imprensa Júnior, no Rio de Janeiro: “... em Santos, são integrantes do Clube de Imprensa Júnior os Srs.: Roberto Santini, gerente de “A Tribuna”; Carlos Henrique Klein, subsecretário; José Saulo Ramos, comentarista; Emília Ferreira, cronista; Accindino Souza Andrade, “Dino”, desenhista; Hugo Ferreira Paiva, publicista; Adriano Neiva (De Vaney), repórter; e Evaristo Pereira de Carvalho, fotógrafo” (A TRIBUNA, 03.01.1960, p. 14).

Destaque-se que ‘Dino”, funcionário público como engenheiro de formação, era responsável por uma agência urbana de captação de classificados para A Tribuna, sendo um dos fundadores da Cinex na década de sessenta (hoje Sinex Publicidade) e foi, junto com J.C.Lobo, um dos chargistas mais famosos de A Tribuna. E ainda, Carlos Henrique Klein era jornalista e relações públicas de A Tribuna.

Mesmo quando o profissional de arte publicitária trazia como bagagem a ilustração, caso de chargistas como J.C. Lobo, a ênfase continua com o texto. O domínio do texto parece ser um ponto fundamental para a longevidade de uma agência no mercado, ainda que a evolução tecnológica privilegie hoje as imagens, pressupondo-se ainda que o conhecimento do texto facilite o domínio da imagem, estática ou em movimento.

A proximidade com o mercado profissional de São Paulo indica a possibilidade de uma influência significativa, favorecendo a transferência de tecnologia necessária à evolução de técnicas e conceitos de atuação, preservando-se a cultura local. E a implantação do ensino sistemático em nível superior, com profissionais experientes na área como professores ou técnicos dos laboratórios acadêmicos (como Pitico, formado em fotografia na prática profissional e, depois, na Escola Panamericana de Artes de São Paulo), muitas vezes oriundos da Capital, o que era comum na Faculdade de Comunicação de Santos, amplia historicamente a possibilidade de troca e avanço de conhecimentos, atualização e desenvolvimento profissional que ocorreram no mercado publicitário de Santos.

“Eu considero a publicidade de Santos igualzinho como se fosse a Capital, São Paulo, Rio de Janeiro e até mais avançado ainda, porque a turma aqui é muito experiente” diz José Dias Herrera, jornalista, repórter fotográfico do Diário de Santos e de A Tribuna desde o início de sua carreira, em 1937. Ele é o principal fotógrafo da Era Pelé, tendo acompanhado o Santos Futebol Clube nas excursões nacionais e internacionais no período. Até hoje, seu acervo é disputado pelos veículos de comunicação em todo o mundo. ‘Seu’ Zezinho, como é conhecido, fez (e continua fazendo) fotos publicitárias para as pioneiras agências de Santos, tendo convivido com as principais lideranças profissionais no período e creditando a esse trabalho publicitário o seu sucesso financeiro. Mas faz absoluta questão de declarar que trabalha, até hoje, porque gosta do que faz. (HERRERA, 25.10.2004)

AS ILAÇÕES POSSÍVEIS

As interfaces do meio publicitário santista com o centenário jornal A Tribuna são pistas seguras de que os profissionais e as pioneiras agências de publicidade locais tinham condições básicas de desenvolvimento profissional. As referências colhidas apontam para um trabalho profissional que evoluía, favorecendo a continuidade das agências.

Para tanto, contribuiu decisivamente a nítida preocupação com a busca do conhecimento especializado, nos moldes das modernas práticas da comunicação publicitária, valorizando o ensino superior na área da comunicação. A ligação dos profissionais à frente de agências de propaganda pioneiras com a Faculdade de Comunicação de Santos facilitou o interesse pelos estudos de funcionários e permitiu a contratação constante de jovens egressos de seus cursos.

A permanência no mercado santista de agências publicitárias com mais de 40 anos de atividades ininterruptas parece ter componentes que extrapolam os dados mensuráveis mas que se impõe nos contatos pessoais, durante as entrevistas: é claramente perceptível o amor pela profissão e a convicção de acerto nos serviços prestados, este último apoiado, certamente, na satisfação dos profissionais com o próprio trabalho e na manutenção, muitas vezes por longos anos, de seus clientes. E, ainda, uma convivência agradável, mesmo diante da concorrência. Tudo isso contribui para invalidar a hipótese da existência de um sentimento de inferioridade das práticas profissionais em relação a São Paulo como motivo para a negligência com os registros históricos. Antes, significa que agências e profissionais pioneiros que se mantém atuantes nos dias de hoje, continuam simplesmente vivenciando a atualidade do presente a cada novo dia.

ENTREVISTAS REALIZADAS

J.C.Lobo (Agência Hugo Paiva e um dos fundadores da Clã de Publicidade, em 1964, atualmente free lancer em arte publicitária), 21.06.2004.

Gilberto Ruas (Gerente do Departamento de Publicidade de A Tribuna, de 1967 a 1987), 12.08.2004.

Milton Batista (Iniciante na agência Hugo Paiva, nos anos oitenta, hoje é diretor de criação da Pronome), 21.09.2004.

Raimundo Bahia (Profissional desde a década de sessenta, hoje é diretor administrativo da JB Publicidade), 22.09.2004.

Jairo Guanais (Publicitário desde 1974, hoje é Chefe do Departamento de Publicidade de A Tribuna), 28.09.2004.

Vitor Hugo da Costa Letiere (Contato do Departamento de Publicidade de A Tribuna, de 1965 a 1985, hoje aposentado), 20.10.2004.

José Dias Herreira (Fotógrafo de jornalismo e publicidade há 67 anos), 25.10.2004.

Carlos Augusto Caldeira, (Contato do jornal Cidade de Santos desde 1967, falecido em janeiro de 2005.), 08.12.2004.

Berco Snider (Estagiário da JB Publicidade na década de setenta, hoje diretor de criação da EXTRAPONTOCOM), 14.12.2004.

Mário Campos ‘Pitico’ (Assistente de estúdio e fotógrafo da Clã de Publicidade de 1973 a 1984, hoje proprietário da Pitico Fotografias), 00.01.2005.

Teresa Pousada Fuente (Contato da Hugo Paiva em 1973/74, a seguir tornou-se a única mulher na equipe e principal contato do Departamento de Publicidade de A Tribuna, é considerada um mito como corretora de anúncios. Com 32 anos de profissão, hoje oficialmente aposentada, continua trabalhando como free lancer), 22.01.2005.

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