O CASO DOS AMENDOINS - Kuehne



O CASO DOS AMENDOINS

Tudo o que é preciso saber antes de ampliar o seu negócio - ou de como há mais coisa entre você e o seu lucro do que pode imaginar a vã filosofia...

(Texto utilizado pela School of Business Administration da University of Western Ontario, Canadá)

Jonas Gudaidias, dono de uma pequena casa de lanches rápidos, decidiu colocar sobre o balcão do estabelecimento uma prateleira com alguns saquinhos de amendoins com a esperança de faturar um dinheiro extra. Comunicou a importante decisão ao seu homem de confiança, o contador, que de tão perspicaz e rápido em defender seus pontos de vista, sempre pareceu a Gudaidias um super-herói das finanças. Aqui, segue a conversa entre os dois:

S-HTF - Sr. Gudaidias, o senhor disse que colocou estes amendoins aqui no balcão porque alguns clientes estavam pedindo. Mas eu pergunto: será que o senhor sabe mesmo quanto os tais amendoins vão lhe custar?

Gudaidias - Do que você está falando? É claro que não vão custar grande coisa! Amendoim é artigo barato. Por isso, vão dar lucro, um belo lucro. Eu paguei uns R$ 250,00 por esta prateleira, assim os amendoins vão chamar mais atenção dos fregueses, mas esta despesa é praticamente nada. Depois, cada saquinho me custa R$ 0,50 e eu vou vender por R$ 1,00. Espero vender 50 por semana, para começar, e se tudo correr como eu imagino, em cinco semanas eu cubro os custos da prateleira. Depois disso, passo a ganhar R$ 0,50 quatro cruzados em cada saquinho de amendoim.

S-HFT - Lamento dizer, sr. Gudaidias, mas essa é uma abordagem antiquada, ultrapassada e absolutamente não-realista. Não é assim que se raciocina quando se quer decidir pela implantação de um negócio. Felizmente, os modernos procedimentos contábeis permitem traçar um quadro mais preciso da situação que, indiscutivelmente, revelará complexidades subjacentes, importantíssimas de se levar em conta antes de seguir em frente.

Gudaidias - O que?

S-HFT - Calma, calma, eu explico. O senhor não pode pensar nesses amendoins isoladamente. Eles devem ser integrados às suas operações comerciais. Isso significa que os amendoins precisam arcar com a sua parcela nos custos gerais do negócio. Eles não podem, de maneira alguma, ficar alheios à parte que lhes cabe nos gastos do aluguel, aquecimento, luz, depreciação dos equipamentos, decoração, salários das garçonetes, do cozinheiro...

Gudaidias - Do cozinheiro? Mas o que é que o cozinheiro tem a ver com os amendoins? Ele nem sabe que eu tenho os amendoins...

S-HTF - Veja bem, sr. Gudaidias, acompanhe o meu raciocínio. O seu cozinheiro está, como não poderia deixar de ser, na cozinha, e é a cozinha que prepara a comida. A comida atrai as pessoas para cá, e são as pessoas que perguntam se o senhor tem amendoins para vender. É por isso que o senhor deve fazer com que os amendoins paguem uma parte do ordenado do cozinheiro e também uma parte dos seus próprios ganhos. Nestas contas que eu fiz com cuidado, levando em consideração todos os custos da casa, fica bem claro: o negócio dos amendoins precisa arcar, anualmente, com R$ 127,87 das despesas gerais.

Gudaidias - Os amendoins? 127 reais por ano de despesas gerais? Os coitados dos amendoins?

S-HTF - Na ponta do lápis, é um pouco mais do que isto. Não se pode esquecer que o senhor também gasta dinheiro todas as semanas para lavar as prateleiras, para mandar varrer o chão e para repôr o sabonete do toalete. Com isso, os custos atingem R$ 131,31 ao ano.

Gudaidias - (pensativo) Mas quem me vendeu os amendoins me garantiu que eu ia ganhar um bom dinheiro com eles. É só colocar os saquinhos à vista do freguês e ir faturando cinqüenta centavinhos de lucro em cada um, ele me disse.

S-HTF - (com um certo ar de superioridade) Acontece que esse vendedor não é um teórico em Finanças, como eu. Não leva os detalhes em conta. Por exemplo, o senhor sabe quanto vale aquele canto no balcão onde está a prateleira dos amendoins?

Gudaidias - Que eu saiba, nada. Não me serve para nada; é só um pedaço de balcão sem utilidade.

S-HTF - Um enfoque moderno de custos não permite a existência de locais sem limites num negócio. O seu balcão tem cerca de seis metros quadrados, e fatura torno de R$ 150.000,00 por ano. Calculei com precisão o espaço ocupado pela prateleira dos amendoins e posso afirmar que ela lhe custa R$ 25.000,00 por ano. Como a prateleira está impedindo que o balcão seja usado, não há outra alternativa senão cobrar a ocupação do balcão.

Gudaidias - Isso por acaso quer dizer que eu vou ter de repassar mais esses R$ 25.000,00 para o preço dos amendoins?

S-HTF - Exatamente. O que elevaria a sua parcela de custos operacionais gerais com os amendoins para um total final e definitivo de R$ 156,13 por ano. Ora, como o senhor pretende vender 50 saquinhos de amendoins por semana, se efetuarmos a alocação dos custos, vamos constatar que estes saquinhos deverão ser vendidos por R$ 2,80 cada um, e não por R$ 1,00.

Gudaidias - O que?

S-HTF - Ah! Ainda estamos esquecendo uma coisa: a esse preço, deve ser acrescentado o custo da compra de R$ 0,50 por saquinho, o que perfaz um total de R$ 30,00 por semana. Deste modo, o senhor há de compreender que, vendendo amendoins a R$ 1,00, como era a sua intenção, estará incorrendo num prejuízo de R$ 29,00 em cada venda. Portanto, o amendoim terá que ser comercializado a R$ 31,00.

Gudaidias - Mas isso é uma loucura!

S-HTF - De jeito nenhum! Os números não mentem jamais, e eles provam que o seu negócio de amendoins não tem futuro.

Gudaidias - (com ar de quem descobriu o pulo do gato) E se eu vender muito, muito amendoim, digamos 1.000 saquinhos por semana em vez de 50?

S-HTF - (com toda paciência do mundo) Sr. Gudaidias, parece que o senhor não compreende o problema... Se o volume de vendas aumentar, os gastos operacionais também aumentarão. O senhor terá mais trabalho, isso lhe tomará mais tempo e, como haverá mais mercadoria em jogo, a depreciação será maior. O princípio básico da contabilidade é inequívoco nesse ponto: "Quanto maior a operação, maiores as despesas gerais a serem alocadas". Não, não, infelizmente aumentar o volume de vendas não vai ajudar neste caso. Análises modernas de custos são para isso mesmo, sr. Gudaidias. Para que não haja ilusões no mundo dos negócios.

Gudaidias - Tudo bem, tudo bem. Então o que é que eu faço?

S-HTF - (condescendente) Bem, o senhor poderia reduzir os custos operacionais. Para começar, mude-se para um prédio de aluguel mais barato. Depois, reduza os salários dos seus funcionários. Passe a lavar as janelas a cada 15 dias e mande varrer o chão só às quintas-feiras. Acabe com a mordomia do sabonete na pia do toalete. Diminua o valor do metro quadrado do seu balcão. Se com tudo isso o senhor reduzir suas despesas em 50%, a parcela que cabe aos amendoins cairá para R$ 78,56. Ai, os amendoins poderão ser vendidos a R$ 16,50 o saquinho para ter lucro.

Gudaidias - (pasmo) Você quer dizer que, mesmo depois de cortar os meus custos operacionais pela metade, eu ainda vou ter que cobrar R$ 16,50 por saquinho de amendoins? Ninguém é bobo de pagar este preço! Quem é que vai querer comprar os meus amendoins?

S-HTF - Esse são outros quinhentos, sr. Gudaidias. O fato é que a R$ 16,50 o senhor estaria vendendo amendoins a um preço baseado numa real e relevante estimativa dos custos já reduzidos.

Gudaidias - (afobado) Olhe aqui, eu tenho uma idéia melhor. Por que eu não jogo fora de uma vez todos esses malditos amendoins? Que tal se eu colocar todos eles no lixo?

S-HTF - O senhor pode se dar a esse luxo?

Gudaidias - Mas é claro. Eu só comprei 50 saquinhos, que me custaram uns trocados, apenas. Minha maior despesa foi com a prateleira, mas tudo bem, prefiro perder esse dinheiro e cair fora desse negócio maluco.

S-HTF - (balançando a cabeça) Aí é que o senhor se engana; as coisas não são assim tão simples. Afinal, o senhor já ingressou o ramo dos amendoins, e no instante em que se desfizer deles estará acrescentando R$ 156,31 - a parte deles, no seu negócio - às despesas gerais anuais da sua operação. Portanto, seja realista: será que o senhor pode mesmo encerrar as vendas dos amendoins?

Gudaidias - (arrasado) Eu não acredito! Na semana passada, eu era um próspero comerciante, tinha pela frente a perspectiva de um dinheiro a mais e agora estou aqui, metido em uma complicação daquelas só porque eu pensei que uns amendoins no balcão poderiam melhorar o meu caixa.

S-HTF - (erguendo a sobrancelha) Vamos, vamos, sr. Gudaidias, não é o fim do mundo. Ainda bem que nós temos essas análises modernas de custos. Sem elas, como poderíamos desfazer falsas ilusões como essa dos amendoins?

A ARCA DE NOÉ HOJE

Colaboração do leitor Jeronimo Guimarães

Como teria sido a historia se Noé fosse um de nós, nos dias de hoje?

Então, vejamos:

Depois do anúncio, como todos nós sabemos, Noé se sentia feliz e temeroso, afinal, a empreitada não era coisa simples.

Passado o tempo previsto para a construção da arca, Jesus vai até Noé e, perplexo, vê que ele não havia feito nada.

Celestialmente indignado e surpreso, questiona Noé da situação, ao que ele rompe em lágrimas, balbuciando:

- "Perdão, senhor. Não foi possível atender as suas ordens, ademais, fiz o que pude, e até hoje estou sofrendo as conseqüências. Perdão senhor..." - suplicou o pobre Noé.

Furibundo, mas celestialmente curioso, Jesus perguntou a Noé:

- "Mas o que se passa, homem?"

- "Ah, senhor, jamais imaginei que encontraria as dificuldades pelas quais passei e ainda estou passando. Desde o dia em que fui escolhido para construir a arca, minha vida é um inferno, com o perdão da palavra! Tudo começou quando iniciei os procedimentos para a construção da arca. A primeira dificuldade foi com o Instituto de Florestas pois, como iria necessitar de muita madeira, tive que apresentar petições, projetos, esquemas, planos e um mar de formulários com os respectivos carimbos, assinaturas e vistos. A Prefeitura exigiu que a arca tivesse um projeto de sistema de prevenção e combate ao fogo, treinamento de pessoas para uso do sistema, que deveria ser do tipo automático e manual. O Ministério do Trabalho exigiu que toda a minha tripulação fosse devidamente registrada, passasse por exame médico, tivesse CPF, PIS, FGTS e recolhesse INSS, além de manter cartão de ponto, livro de inspeção do trabalho e outras tantas coisas. Bem, até aqui somente burocracia, coisa simples, trivial. Aí os meus vizinhos registraram queixas nos órgãos de Meio Ambiente, Controle Sanitário, Secretaria da Saúde e até na Polícia; fui preso e passei por situações inusitadas após dizer ao oficial da Polícia que estava construindo uma arca, pois iriam chover 40 dias e 40 noites e o Senhor queria promover uma limpeza na Terra. Acabei preso, amarrado em uma camisa de força, e se não fosse a minha família contratar, a peso de ouro, uma junta psiquiátrica, eu ainda estaria no Manicômio Municipal. Bem, ainda tenho que ir lá duas vezes por semana para participar das sessões de terapia. Ainda tive que pagar uma enorme multa por desenvolver atividade industrial em área residencial. Na semana seguinte, apareceram os fiscais da Receita Federal, Estadual e Municipal, exigindo o contrato social, o CGC, as inscrições nas Controladorias Fiscais, os livros-caixa... Ah, senhor, isto foi um desastre, a parte mais difícil. Tive que apresentar os meus rendimentos e a minha declaração do Imposto de Renda dos últimos 20 anos, e ainda não consegui pagar as multas, mas estou inscrito na dívida ativa, aguardando o pedido de parcelamento. A esta altura, os jornais noticiavam o meu trabalho. Pensei que isso fosse bom, que poderia até surgir uma ajuda-extra; ledo engano, meu senhor. O que apareceu foi um bando de fanáticos e lunáticos que acampavam na minha porta. Não posso nem mais sair às ruas sem ser abordado, agarrado, apedrejado e louvado ao mesmo tempo. Minha família me abandonou e os vizinhos me acionaram na Justiça pedindo indenização pelos estragos causados na suas propriedades. A Defesa Civil me indiciou como incitador de calamidades e estado de pânico ao anunciar o dilúvio. Fui preso novamente, internado e estou respondendo a diversos processos. Quase fui executado por um bando de fundamentalistas ao anunciar que apenas cumpria as suas ordens. Mesmo assim, dei continuidade à construção da arca. Aí apareceram os sindicatos, os órgãos de classe, enfim, um bando de instituições, todas bem intencionadas, cada qual defendendo seus representados. Foi um horror! Bem, senhor, até aqui venci as dificuldades uma a uma; algumas ainda aguardam respostas, mas aí vieram os golpes fatais. Ao perceber que a construção da arca ia se concluindo, resolvi partir para recolher os animais. A coisa ficou feia. Apareceu a Associação Protetora dos Animais, as Secretarias Federais, Estaduais e Municipais de Recursos Naturais e Vida Selvagem, quase fui crucificado, perdão, quase fui fuzilado, tive que entregar 25 quilos de papel com planos que iam desde o projeto das instalações, dos alojamentos, do sistema de refrigeração, do sistema de aquecimento, do sistema de tratamento dos dejetos, do sistema de tratamento de água, dos depósitos de alimentos, do horário das refeições, da garantia da qualidade de vida, enfim, não escapava nenhum detalhe, até que foi solicitado um Estudo de Impacto Ambiental no Local de Desembarque das espécies. Foi o caos! Novamente fui preso, acusado de sacrílego ao dizer que cumpria ordens do senhor. A junta psiquiátrica que me acompanhava foi declarada incompetente e está sob investigação do seu órgão de classe; há muitas suspeitas sobra eles. Por fim, me solicitaram um mapa detalhado da área a ser inundada e o destino das águas para aprovação da arca, foi quando tive a infeliz idéia de mostrar-lhes o globo terrestre, quase me matam; novamente fui preso. No mês passado, tive que comparecer novamente a Justiça, pois um dos fanáticos que estava acampado aqui na minha porta se desentendeu com o seu mentor espiritual e me pediu os seus direitos. Eu estava tão ocupado com a construção da arca e com o preenchimento de formulários, que disse a ele que ele tinha o direito de ser feliz, e aí tive que pagar décimo terceiro salário, férias, FGTS, INSS, PIS, adicional de insalubridade e adicional noturno, tudo isto retroativo ao início da construção da arca, pois o lunático disse que também trabalhava para o senhor. Quando tudo se ajeitava, veio a Policia Federal e a Agência Anti-Drogas e confiscou a arca sob suspeita de que ela ocultava drogas em seu interior. Lamento, senhor, eu falhei."

Neste momento, o céu fica de um azul intenso, Noé cai de joelhos e agradece ao senhor, dizendo:

- "Oh, senhor! Vejo que não vai mais destruir a Terra!"

- "Não!", respondeu uma voz entre as nuvens. "Os governos se encarregaram disto..."

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