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Comiss?o 4Tema: Trabalhador hipersuficienteProponente: Reginaldo Melhado*Defesa: Reginaldo MelhadoEnunciado:1. O empregado com diploma de nível superior e salário superior a duas vezes o limite de benefícios da Previdência Social via de regra encontra-se em situa??o mais frágil que os demais. 2. O parágrafo único do art. 444 da CLT é inconstitucional, por viola??o ao princípio de isonomia colocado nos arts. 5? e 7?, XXXII, da Carta, n?o se justificando a o afastamento do princípio da indisponibilidade dos seus direitos fundamentais. 3. O dispositivo legal viola também aa Conven??o 111 da OIT, pois importa discrimina??o em matéria de emprego e ocupa??o. 4. A autonomia privada do trabalhador pseudossuficiente n?o pode ab-rogar o sistema de prote??o ao trabalho, sendo incongruente, ilógica, imprestável e ineficaz a norma que manda aplicar a essa rela??o jurídica o art. 611-A da CLT.Fundamenta??o:1. A constitui??o traída e desfiguradaA fantasia do trabalhador hipersuficiente está entre as diversas rupturas engendradas na devasta??o conhecida como "reforma" trabalhista, que estabeleceu um novo padr?o — antidemocrático e contracivilizatório — de acumula??o do capital no Brasil. A brutal destrui??o de direitos enfeixada na Lei 13.467/2017 mostra a face mais perversa da domina??o do capital sobre o trabalho em terras tupiniquins: representa o retrocesso, a miséria intelectual, a cafonice produtiva e a virulência de um capitalismo que agora se apresenta t?o moderno quanto a Inglaterra vitoriana. Malgrado suas antinomias epistemológicas — inclusive do ponto de vista "jurídico" —, a "reforma" trabalhista apresenta coerência em certo sentido: articula-se no plano do direito individual e coletivo e no território do direito processual como um todo coerente destinado a instalar a barbárie. Nessa medida, cada um de seus instrumentos nefários cumpre um papel lógico, destinado a ampliar a explora??o do trabalho pela via tosca e caipira do incremento da mais-valia absoluta: o estrangulamento do capital variável pela via da redu??o dos salários e da amplia??o da jornada. A fetichiza??o da autonomia da vontade, inclusive no campo das rela??es individuais de trabalho, é também um de seus mecanismos, e é também objeto deste estudo.O conceito é introduzido no parágrafo único do art. 444 da CLT: para o portador de diploma de nível superior, com remunera??o igual ou superior ao dobro do teto de benefícios da Previdência Social, seria legítima a "livre estipula??o" contratual sobre jornada de trabalho (abrangendo banco de horas anual, intervalo intrajornada e sobreaviso até mesmo no trabalho insalubre), plano de cargos e salários, teletrabalho, trabalho intermitente, remunera??o (envolvendo prêmios e participa??o nos lucros ou resultados da empresa) e grau de insalubridade.Tal como a "reforma" trabalhista no seu conjunto, a norma introduzida pela Lei 13.467/2017 no parágrafo único do art. 444 é inconstitucional, antes de mais nada, por contrariar o princípio do n?o-retrocesso social, subjacente ao sistema constitucional brasileiro, de modo implícito, e colocado expressamente no caput do art. 7?: a lei – aqui tomada em seu sentido mais amplo – só será válida se trouxer o desiderato da melhoria da condi??o social de trabalhadoras e trabalhadores. Ao estabelecer no parágrafo único do art. 444 da CLT — e, ademais, em diversos outros dispositivos — a amplia??o o exercício da "autonomia da vontade" nas rela??es de trabalho, sob o mote da prevalência do negociado sobre o legislado, nas rela??es individuais e no plano coletivo, a Lei 13.467/2017 subverte a ordem constitucional por delito omissivo. Há na Constitui??o de 1988 um princípio fundante, primo-irm?o da dignidade humana e imagem invertida do próprio capitalismo: o direito à isonomia. Essa ideia geral de tratamento igualitário para iguais e de tratamento desigual para desiguais, na medida de suas desigualdades, é proposi??o antiga, e já foi atribuída a muita gente, desde a Marx até Rui Barbosa. Essa proposi??o apareceria mais tarde, na Declara??o Universal dos Direitos Humanos, de 1948, na qual a bandeira da isonomia é fincada com for?a: "todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos (...), sem distin??o de qualquer espécie".A isonomia é consagrada no art. 5? da Constitui??o da República. Aqui, cabe indagar: ao instituir no parágrafo único do art. 444 da CLT a prevalência da negocia??o individual e a flexibiliza??o do princípio da indisponibilidade dos direitos assegurados ao trabalhador, por ser o empregado portador de título superior, com remunera??o algo mais elevada que média, estaria a lei apenas dispensando cuidados distintos a pessoas ontologicamente desiguais? O título de escolariza??o formal e o salário justificam essa desiguala??o? Está-se desigualando desiguais na medida de suas desigualdades?A sujei??o do trabalho ao capital n?o é decorrência de um contrato e tampouco fen?meno sobrenatural. N?o resulta de um déficit intelectual. N?o é algo próprio da natureza humana e nem uma deficiência de classe. Ela resulta de fatores diversos, que se combinam, com alguns exsurgindo com maior ou menor import?ncia de acordo com circunst?ncias históricas ou conjunturais e específicas de rela??es de trabalho coletivas e individuais.Um fator estrutural, porém, é intrínseco ao modo de produ??o capitalista: superpopula??o relativa (flutuante, latente ou intermitente), condi??o essencial para evitar a autodestrui??o do sistema (Marx). O exército proletário de reserva, que aparece como válvula reguladora do sistema, só tem feito crescer com o avan?o tecnológico e científico, e é fator decisivo nessa rela??o de poder entre capital e trabalho. O crescente desemprego estrutural enfraquece sindicatos e fragiliza trabalhadores, sejam eles "estudados" ou n?o. A automa??o do trabalho manual e intelectual e a desindustrializa??o tendem a gerar (1) precariedade decorrente do excesso de oferta de m?o de obra, (2) crescimento da popula??o das favelas, (3) um ensino superior como alternativa de suprimento do mercado com trabalhadores qualificados (SRNICEK; WILLIAMS, 2016).No Brasil, o temor ao desemprego pode e via de regra tende a ser mais intenso entre os trabalhadores com maior forma??o técnica e salários mais altos. Além disso, conquanto o valor do seguro-desemprego possa ser aceitável para um humilde operário, ele é inexpressivo e insuficiente para os altos empregados. O trabalhador que percebe salários superiores ao teto de benefícios da Previdência Social (R$ 11 mil ou mais) perceberá o valor máximo do seguro-desemprego, fixado em R$ 1.643,72 em 2017. Para ele, a queda de rendimentos é brutal. O fantasma do desemprego, portanto, afetará muito mais os trabalhadores de alta renda, tanto pela tendência de baixa demanda desse tipo de m?o de obra no mercado, como pela limita??o do valor do seguro-desemprego. Como se vê, n?o há raz?o materialmente justificável para diferenciar o trabalhador com base em sua forma??o educativa formal ou sua remunera??o: o parágrafo único do art. 444 da CLT, pois ele n?o está desigualando desiguais. Está dando tratamento injustificadamente distinto para trabalhadores que se encontram no mesmo estado geral de sujei??o. ? possível até mesmo afirmar o contrário: a manifesta??o de vontade desses trabalhadores melhor remunerados — com ou sem curso superior no currículo — é ainda mais frágil e precária. Há viola??o princípio da isonomia colocado no art. 5? e no art. 7?, XXXII, da Carta Magna.2. A conven??o obliteradaAprovada no parlamento por decreto legislativo e, portanto, incorporada ao sistema normativo brasileiro, a Conven??o 111 da OIT estabelece marcos gerais para impedir a discrimina??o em matéria de emprego e ocupa??o. Seu art. 2? imp?e a ado??o de política nacional para promover "a igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profiss?o, com objetivo de eliminar toda discrimina??o nessa matéria".O trabalhador com forma??o técnica ou intelectual superior n?o pode ser discriminado por essa circunst?ncia mesma. Há conduta discriminatória, nos termos do art. 1? da Conven??o, pois ocorre a "distin??o" dos trabalhadores de um regime de tutela jurídica que acarreta "destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profiss?o".? verdade que o mesmo art. 1? ressalva que "distin??es, exclus?es ou preferências fundadas em qualifica??es exigidas para um determinado emprego n?o s?o consideradas como discrimina??o". Parece bastante claro, sem embargo, que esse dispositivo se refere à hipótese de se exigir titula??o ou qualifica??o específica, como requisito técnico para o exercício de determinadas profiss?es. ? o que se passa, por exemplo, com a advocacia, cujo exercício pressup?e o título de bacharel em direito e a inscri??o nos quadros da OAB, ou com a medicina, cuja prática é autorizada pelo Estado depois de forma??o técnica específica.O art. 1? da Conven??o 111 deixa claro, no seu item 3, que a diferencia??o vedada diz respeito também às "condi??es de emprego", o que remete ao conjunto de normas imperativas reguladoras das respectivas condi??es de trabalho. Desigualar trabalhadores em raz?o de sua forma??o escolar ou de sua remunera??o é violar princípio de isonomia insculpido no citado diploma internacional. Como a Conven??o 111 é norma de caráter supralegal, na medida em que trata de direitos fundamentais, ela prevalece sobre o parágrafo único do art. 444 da CLT, que institui uma desigualdade inviável.3. incongruência, ilogicidade e ineficácia "novo" art. 444 da CLTO caput do art. 444 da CLT, cuja reda??o n?o foi tocada pela "reforma" trabalhista, estabelece que "as rela??es contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipula??o das partes interessadas em tudo quanto n?o contravenha às disposi??es de prote??o ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decis?es das autoridades competentes."O parágrafo único desse art. 444 (criado com a Lei 13.467/2017) remete o trabalhador autossuficiente ao "negociado sobre o legislado", declarando que a essa "livre estipula??o" se aplica "às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolida??o, com a mesma eficácia legal e preponder?ncia sobre os instrumentos coletivos". Que diabos poderá significar esse estranho circunlóquio normativo? Qual a extens?o e o conteúdo sem?ntico da express?o "mesma eficácia legal e preponder?ncia sobre os instrumentos coletivos"? O art. 611-A declara que as normas coletivas prevalecem sobre a lei, em determinadas matérias. Entretanto, o parágrafo único do art. 444 declara que as cláusulas contratuais do trabalhador hipersuficiente têm igual "eficácia legal". Ora: quaisquer contratos, conven??es ou acordos coletivos de trabalho s?o dotados de eficácia legal, desde que atendidos determinados requisitos. Vale dizer: enquanto o art. 611-A pretendeu instituir o negociado da cena do direito coletivo prevalecente sobre o legislado de um punhado de matérias, o parágrafo único do art. 444 limitou-se a declarar que as normas pactuadas pelo presumido hipersuficiente têm "mesma eficácia legal e preponder?ncia sobre os instrumentos coletivos". A primeira conclus?o necessária: essas cláusulas contratuais n?o têm e nem poderiam ter preponder?ncia sobre a lei. Preponderariam sobre os instrumentos coletivos, apenas. Assim, diante de eventual conflito entre as normas contratuais e as disposi??es firmadas pelo sindicato, teriam maior valor jurídico as primeiras e n?o estas (o que também é outro rematado absurdo, de nulidade absoluta, como se verá mais ao diante), mas tanto umas como outras teriam sua validade dependendo da lei. A segunda conclus?o dessa difícil exegética é também bastante simples: a locu??o "mesma eficácia legal" poderia parecer que n?o significa nada além de um truísmo desengon?ado. N?o é bem assim: o problema é mais sério. Afirmar que cláusulas normativas do contrato individual de trabalho celebrado pelo imaginado trabalhador hipersuficiente s?o eficazes tal como cláusulas de conven??es e acordos coletivos n?o é outra coisa sen?o um rematado absurdo. O contrato obriga as partes, n?o beneficiando nem prejudicando terceiros. As normas coletivas, exatamente por serem coletivas, têm eficácia também e precipuamente quanto a pessoas diversas dos contratantes. A eficácia jurídica, nesse sentido, jamais poderá ser a mesma.Por outro lado, se os arquitetos da "reforma" trabalhista pretenderam apenas declarar que a eficácia jurídica do contrato do empregado considerado autossuficiente é equivalente à de conven??es e acordo coletivo de trabalho, no sentido de que ela seria, digamos, t?o forte e t?o qualificada quanto elas, ent?o também aqui se constata outra bobagem. A eficácia é o efeito enquanto conteúdo obrigacional. Ela dependerá apenas da validade e da vigência e, nesse sentido, n?o há eficácia igual, maior ou menor.Ademais, como demonstrado, a remiss?o ao art. 611-A da CLT é incongruente e ilógica, sendo a declara??o contida no parágrafo único do art. 444 da CLT imprestável e ineficaz no seu todo, a despeito de ser ela considerada constitucional ou n?o. ................
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