2 LAVAGEM DE DINHEIRO - Universidade Salvador



1 INTRODUÇAO

O tema escolhido para a análise neste artigo científico é o crime da lavagem de dinheiro e seu bem jurídico tutelado, a ordem econômica.

A escolha deste tema adveio da realidade na qual é cada vez maior a incidência do delito da lavagem de dinheiro.

Então é bastante pertinente entender qual foi a real intenção do legislador ao criar o crime da lavagem de dinheiro e que bem jurídico foi arrolado por ele como tutelado pelo delito em questão.

A ordem econômica, disposta no artigo 170 da Constituição Federal de 1988, tratada muitas vezes como um dos grandes artigos deste diploma legal, vê-se colocada em risco mediante a crescente incidência do crime da lavagem de dinheiro, segundo parte da doutrina que entende ser aquele o bem jurídico tutelado por este delito.

Tratar-se-á da discussão doutrinária a qual uma parte identifica qual seria o bem jurídico tutelado pela lavagem de dinheiro, Lei 9.613/98, sendo a ordem econômica, porem existe inúmeros posicionamentos colocando como bem jurídico tutelado além da ordem econômica, outros bens como a Administração da Justiça ou os bens protegidos pelos crimes antecedentes à lavagem de dinheiro.

Nestes termos, far-se-á abaixo uma analise do que seja a lavagem de dinheiro, sua correlação com a ordem econômica, sua posição ou não de bem jurídico tutelado por aquele crime, a ligação entre as etapas e condutas típicas da lavagem de dinheiro com os aspectos e princípios da ordem econômica que supostamente seriam “arranhados” por aquelas.

2 LAVAGEM DE DINHEIRO

O crime de lavagem de dinheiro pode ser entendido como um crime recente, decorrente dos avanços do Capitalismo e da Globalização.

O homem, no sistema capitalista, convive com uma luta eterna e interna entre a necessidade e os recursos. A necessidade do homem e infinita, a depender da situação, política, economia, governo entre outros varia de forma muito grandiosa, sendo impossível alcançar, dentro de uma mesma sociedade a satisfação das necessidades de todas as pessoas. E os recursos são finitos, seja por causa da geografia, que não possibilita a exploração de determinadas atividades de econômicas, seja por causa da forma de governo, que decide investir em determinado ramo do mercado financeiro, seja por causa da lei, que impede determinadas condutas.

Com esta realidade fática, o homem buscou suprir a suas necessidades e resolver o problema da limitação de seus recursos através da aproximação entre os povos e na comercialização e troca de recursos, idéias e pensamentos, e é isso que se chama de Globalização.

Com a globalização e o capitalismo as economias e povos mundiais se tornaram dependentes economicamente e mais ligados política, econômica e sociologicamente.

Entretanto não foram apenas coisas favoráveis que acompanharam a globalização e o capitalismo das sociedades, mas também surgiram com eles aspectos negativos como, a facilidade de intercâmbio de idéias e condutas ilícitas, formas e tipos de cometimento de delitos.

Também com a globalização e o capitalismo houve a necessidade e a possibilidade do surgimento de condutas típicas para combater estas novas formas de cometer, crimes ou condutas não aceitas pela sociedade que ainda não eram tidas como crime na lei, que lesionem bens jurídicos tutelados pelo direito, o que foi o fato da criação da Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei n°. 9.613/98, que previu o crime de lavagem de dinheiro no Brasil, que visa combater a “mutação” do capital “sujo”, oriundo de atividade ilícita em dinheiro “limpo”, lícito, através de meios fraudulentos, utilizando-se para isto do sistema econômico-financeiro nacional.

A globalização e o capitalismo mudaram a forma de agir e pensar das pessoas, que agora preferiam investir seu dinheiro em um fundo de investimento bancário, abrir uma poupança, utilizar os meios magnéticos – cartão de crédito e débito - ao invés de deixá-lo guardado em casa, o que terminou por gerar um maior acesso da população aos Bancos.

As repartições bancárias também se desenvolveram de forma muito rápida, gerando inúmeras opções para os seus correntistas e buscando atender o aumento da demanda em suas variadas formas, o que acarretou uma falta de controle, pois como a demanda e a oferta estavam muito altas, os Bancos e o Estado não se preocuparam tanto com os aspectos legais e possíveis utilizações de tais meios para fins indevidos ou ilícitos.

Diante desta facilidade para realizar investimentos e transações bancárias, os Bancos, sem ter ciência, começaram a receber dinheiro proveniente do tráfico de drogas, lhes passado com o escopo de torná-lo “limpo”, e que devido à rotatividade de capitais, que é característica da atividade bancária, era recolocado na economia como se proviesse de alguma atividade comercial, empresarial lícita, fazendo assim que sua procedência ilícita fosse encoberta, pela aparência lícita que a transação bancária lhe provia.

1. CONCEITO

Iniciar-se-á do conceito doutrinário da lavagem de dinheiro, analisando estes para melhor entendimento do que seja o delito de lavagem de dinheiro.

Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, citando Nando Lefort, diz que o conceito de lavagem de dinheiro é, “el lavabo de dinero es la actividad encaminhada a darle el caráter de legítimos a los bienes produtos de la comisión de delitos, los cuales reportan ganâncias a sus autores” (2003, p.35).

Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, cita o autor, Fabián Caparros, dizendo qual o conceito atribuído por este, ao crime de lavagem de dinheiro:

processo tendente a obtener la aplicación en actividades económicas lícitas de una masa patrimonial derivada de cualquier género de condutas ilícitas, con independencia de cuál sea la forma que esa masa adopte, mediante la progresiva concesión a la misma de una aparencia de legalidad (PITOMBO, 2003, p.35).

No mesmo sentido, Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, cita Gómez Iniesta:

operación a través de la cual el dinero de origen siempre ilícito (procedente de delitos que revisten especial gravedad) es invertido, ocultado, substituido o transformado y restituido a los circuitos económicos-financeiros legales, incorporándo-se a cualquier tipo de negocio como si se hubiera ontenido de forma lícita(PITOMBO, 2003, p.35).

Segundo Celso Sanchez Vilardi, o conceito de lavagem de dinheiro e:

Lavagem de dinheiro é um processo através do qual o criminoso busca introduzir um bem, direito ou valor provindo de um dos crimes antecedentes na atividade econômica legal, com aparência de lícito (reciclagem).Este processo, em regra, é formado por três etapas distintas: a da ocultação, em que o criminoso distancia o bem, direito ou valor da origem criminosa; a etapa da dissimulação, através da qual o objeto da lavagem assume a aparência de lícito, mediante algum tipo de fraude; e a etapa da reintegração: feita a dissimulação, o bem, direito ou valor reúne condições de ser reciclado, ou seja, reintegrado no sistema, como se lícito fosse.(VILARDI,2003,p.12-13).

No mesmo sentido, Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, cita Blanco Cordero:

el blanqueo de capitales es el’processo en virtude del cual los bienes de origen delictivo se integran en sistema económico legal con aparencia de haber sido obenidos de forma lícita(PITOMBO, 2003p.35-36).

Marco Antônio de Barros, citado por Antônio A. de Moraes Pitombo, conceitua o crime de lavagem de dinheiro:

operação financeira ou transação comercial que oculta ou dissimula a incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do País, de bens, direitos ou valores que, direta ou indiretamente, são resultado ou produto dos seguintes crimes (PITOMBO, 2003, p.36).

Diante dos conceitos aduzidos pelas doutrinas nacionais e internacionais, citadas anteriormente, foi elaborado um conceito de crime de lavagem de dinheiro, o qual seria o mais completo e adequado, sendo então, lavagem de dinheiro, crime praticado por sujeito agente ou terceiros participantes, que ocultam, dissimulam a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores, provenientes, que tenham conhecimento de sua fonte ilícita, direta ou indiretamente, de um crime precedente. Crimes estes que na legislação estão elencados no rol taxativo do art, 1° da lei 9.613/98, sendo a lavagem de dinheiro mecanismo utilizado para inserir tais bens, direitos ou valores, no sistema econômico-financeiro do País como se lícitos fossem, através de meios fraudulentos.(grifos nossos)

Muitos dos conceitos trazidos pela doutrina atual nacional e estrangeira sobre lavagem de dinheiro, se limitam a falar apenas sobre os meios em que podem ser ”lavados” o dinheiro, incidindo assim tal delito, e que a origem deste dinheiro deve ser ilícita. O conceito traz uma dúvida aos aplicadores do direito, sendo a incerteza de quando está iniciado o processo de execução do crime de lavagem de dinheiro?.

Existe uma dificuldade em diferenciar a ocultação ou dissimulação “inocente” (aquela feita sem conhecimento da origem ilícita do bem ou valor) daquela com vistas a atingir o escopo da lavagem de dinheiro.

Entretanto claro se faz a não incidência no crime de lavagem de dinheiro aquela pessoa que atua em quaisquer das fases do delito em questão, fase de ocultação, dissimulação e integração de bens, sem a intenção, dolo específico de “blanquear dinero”, pois a omissão legislativa sobre a possibilidade de existir o crime de lavagem de dinheiro culposo, deve ser interpretada de acordo com o artigo 18, inciso II do Código Penal brasileiro, o qual diz que não irá existir crime culposo se não houver expressa determinação legal anterior ao fato que se pretende punir.

Com a não existência do crime de lavagem culposo diminui a probabilidade de pessoas desinformadas, desatentas, imprudentes incidirem naquele crime, o que seria um grande problema para o Estado já que, estaria punindo provavelmente “inocentes” e privilegiando a audácia e esperteza de outros.

Então se viu que é razoavelmente fácil incidir no delito de lavagem de dinheiro, pois o requisito obrigatório da “simples” existência de crimes anteriores torna o delito de lavagem de dinheiro um crime grave de fácil incidência, um exemplo disso é a incidência de uma pessoa no crime de lavagem de capitais, somente por ter vendido seu imóvel a um terceiro, não declarado o valor total da venda do imóvel para burlar o imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de direitos a ele relativos – ITR, e o comprador utilizou-se da aquisição do bem para ocultar a origem ilícita do dinheiro.

Portanto é muito simples alguém que incidir neste crime grave que é o de lavagem de dinheiro sem saber, já que é necessário somente que se comprove a materialidade do crime antecedente para incidir o delito de lavagem de capitais.

O legislador ao criar a Lei de Lavagem de dinheiro, Lei n° 9.613/98, trouxe no seu art. 1°, “caput”, o conceito legal de lavagem de dinheiro, qual seja:

Artigo1° Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

Sendo que nos incisos deste mesmo diploma legal, é elencado o rol taxativo dos crimes antecedentes e trouxe nos parágrafos 1° e 2°, do artigo 1° da Lei 9.613/98, condutas que também incidem no delito de lavagem de dinheiro.

2. HISTÓRICO

O delito de lavagem de dinheiro começou a ser pensado mundialmente na Convenção de Viena de 1988 e no Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem de Dinheiro relacionado com o tráfico de drogas elaborado na CICAD-OEA de 1992.

Se há señalado que, em los últimos tiempos, el cuerpo normativo más importante a considerar, especialmente en lo concerniente a la creación de nuevas incriminaciones delictivas, es la Convención de las Naciones Unidas de Viena, contra el Tráfico Ilícito de Estuipefacientes y Substancias Sicotrópicas, aprobada en la Sexta Sesón Plenária de la Conferencia, el 19 de deciembre de 1988, y en vigor desde noviembre de 1990(CERVINI; OLIVEIRA; GOMES, 1998, p.132-133).

No mesmo sentido:

A Convenção de Viena de 1988 editada contra o tráfico de drogas impulsionou a criação dos primeiros diplomas legais sobre o delito de ´lavagem de dinheiro´, impulso este correspondente à chamada legislação de primeira geração por considerar exclusivamente como crime antecedente o tráfico de entorpecentes e afins. Gravitavam, assim, na órbita da receptação as condutas relativas a bens, direitos e valores originários de todos os demais ilícitos que não foram as espécies típicas ligadas ao narcotráfico. Essa orientação era compreensível, visto que os traficantes eram os navegadores pioneiros nessas marés da delinqüência transnacional e os frutos de suas conquistas não poderiam ser considerados como objeto da receptação convencional (MORAIS,2007,p.02).

No crime de lavagem de dinheiro, uma das modalidades preferidas de ocultação e dissimulação dos valores ilícitos era a de depósito bancário, o que levou as instituições financeiras, conforme Raul Cervini (2003, p.146-148), que se adequar a possibilidade de serem quebrados os sigilos bancários de seus correntistas para o fim de saber se estavam transacionando quantias de correntes de ilícitos, tentando lavar este dinheiro, incidindo assim no crime de lavagem de dinheiro.

Entretanto esta ingerência do Estado na esfera da intimidade das pessoas não é autoritária e indevida, pois é feita em benefício da coletividade já que o bem tutelado no crime de lavagem de dinheiro, ao nosso ver, é o sistema econômico-financeiro nacional e não o bem jurídico tutelado pelo crime antecedente nem a Administração Pública, como pensam outros autores que tratam do assunto.

Após este passo inicial dado pela Convenção de Viena de 1988, no tocante ao tratamento do crime de lavagem de dinheiro, conforme diz Neydja Maria Dias de Morais (2007, p.3) outras constituições mundiais, como por exemplo a da Alemanha, Espanha, Portugal, Brasil, Bélgica, França, Itália, México, Suíça e Estados Unidos, se sucederam no tratamento do crime de lavagem de dinheiro, dando cada uma delas um rol de crimes antecedentes que achava adequado, delitos estes classificados em de primeira, segunda e terceira geração.

Importante ressaltar ainda que o Brasil é um dos signatários da Convenção de Viena de 1988, o que demonstra sua posição de comprometimento no combate ao crime de lavagem de dinheiro.

Porem é recente o tratamento dado pela legislação brasileira ao crime de lavagem de dinheiro, e adveio também, assim como no resto do mundo, da necessidade de maior identificação das movimentações bancárias e financeiras, o que gerou uma evolução no tratamento do assunto e conseqüentemente leis que tratassem especificamente sobre o crime de lavagem de dinheiro.

Diante disso as primeiras regulamentações sobre o tema fora feitas pelo Banco Central do Brasil.

Em 1992 o Banco Central do Brasil editou Resolução n. 1946, com vistas a identificar pessoas que realizassem pagamentos ou recebimentos em espécie, em moeda nacional ou estrangeira, nos valores superiores ou iguais mencionados por este dispositivo legal.

Em 1996, também o Banco Central do Brasil, editou Circular nº. 2677, a qual regulava as movimentações de ingresso ou saída de recursos do país feitas em favor ou por instituições financeiras estrangeiras e a obrigatoriedade da identificação rígida das pessoas da transação e da origem do dinheiro quando a movimentação era feita em valores iguais ou superiores a dez mil reais.

Este início de combate à lavagem de dinheiro adveio de que “Em 1994, graças à estabilidade monetária, trazida pelo Plano Real afirma-se que ocorreu aumento de interesse por lavar dinheiro no território brasileiro.”(PITOMBO,2003,p.53), e:

O Brasil, cercado por países produtores de droga, tornou-se um lugar propício à lavagem de dinheiro, em virtude de possuir sistema financeiro bem desenvolvido, porém carente em controle quanto a identidade dos usuários e à veracidade de operações. (PITOMBO,2003,p.53).

No mesmo sentido,diz o autor Willian Terra:

Especificamente no caso brasileiro, nos últimos anos, tornou-se pública a insuficiência estrutural dos poderes públicos e do sistema legislativo para o combate do crime organizado.Notícias sobre grandes casos de corrupção pública, movimentações ilícitas de capitais, utilização indevida de verbas públicas e fundos de campanhas políticas tornaram-se freqüentes.(TERRA, 1998, p.315).

Diante desse quadro surgiu a Lei 9.613/98, de 1 de março de 1998, buscando a punição específica da conduta de “lavagem de dinheiro” e inaugurando todo um sistema de controle de operações financeiras e de fiscalização da movimentação de capitais.(TERRA, 1998, p.315).

Conforme Antônio Sergio Pitombo (2003), foi elaborado anteprojeto em 05.07.1996, pelo Ministério da Justiça, sob a coordenação do Ministro Nelson Jobim, com participação de Francisco Assis Toledo, Miguel Reale Junior, Vicente Graco Filho e René Dotti. Houve ainda, segundo o referido autor acima citado, a elaboração, posteriormente, do Projeto de Lei 2.688/1997, o qual elencava o rol dos delitos antecedentes em seu artigo primeiro, este de forma mais numerosa que o elencado no anteprojeto acima citado.

Após esta breve evolução no tratamento do crime de lavagem de dinheiro, ocorrida no Brasil, foi editada e publicada em 1998 a Lei n°. 9.613, a qual tratava especificamente dos aspectos materiais e processuais do delito de lavagem de dinheiro.

Entretanto, a lei 9.613/98 após a sua publicação e dentro da sua vigência, sofreu mudanças em seu artigo, primeiro, o qual elenca o rol dos crimes antecedentes. A Lei 10.467/2002, mudou a redação do inciso VII do art, 1°, da Lei 9.613/98, para: “praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts.337-B, 337-C e 337-D do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940- Código Penal)”.

A Lei 10.701/2003, adicionou ainda o financiamento ao terrorismo ao rol dos delitos antecedente ao crime de lavagem de dinheiro, ficando o art. 1°, II, da Lei 9.613/98, com a redação: “de terrorismo e seu financiamento”.

Ainda com a Lei 10.701/2003, tentou-se mudar a redação do inciso VII deste diploma legal colocando o tráfico de órgãos humanos ou pessoas como delito prévio ao crime de lavagem de dinheiro, porem foi vetada esta mudança, segundo Antônio Sergio Pitombo (2003) “O veto, portanto, fundou-se no evidente erro de numeração do texto aprovado”.

Recentemente, o Senado Nacional cogita a possibilidade de uma nova mudança na Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei n°. 9.613/98, através da SF PLS  00209 / 2003 de 28/05/2003, de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares, que busca com isso, dar nova redação aos dispositivos da Lei 9.613/98 e tentar tornar mais eficiente a persecução penal do crime de lavagem de dinheiro.

3. BEM JURÍDICO

Existem quatro teorias que tratam sobre qual é o bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de dinheiro.

A primeira teoria que diz que o crime de lavagem de dinheiro tutela o bem do delito antecedente é criticada porque se assim fosse estaríamos admitindo que o delito antecedente não seria capaz de tutelar o seu objeto de forma autônoma necessitando de uma outra legislação criminal, que seria a Lei 9.613/98, para tutelar o seu objeto de forma completa.

Esta primeira teoria é defendida por Silvia Bagacigalupo e Miguel Bajo, estes citados por Marcia Monassi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim, dizendo que:

Finalidade da norma de lavagem de dinheiro é a mesma da receptação: impedir o delito originário que está se ocultando, que lesiona, portanto, o bem jurídico deste delito. Se com a lavagem, oculta-se um delito fiscal, o objeto de proteção tanto de um quanto do outro delito será o erário público.(MOUGENOT; MOUGENOT, 2005, p.28).

Criticando esta teoria Antônio Sergio A. De Moraes Pitombo diz que:

Referido entendimento não parece ser o correto, porque almeja criar um supertipo cuja função seria atuar nas hipóteses de ineficácia de outro tipo penal, o que implicaria a própria negação da idéia de tipo. Cada situação, socialmente valiosa merece a tutela do respectivo tipo individualizador da conduta proibida.(PITOMBO,2003, p. 74).

Não se mostram idênticos os bens jurídicos, porque o agente, na lavagem de dinheiro, não contribui com a manutenção do ataque ao bem jurídico já lesionado ou posto em perigo pelo autor do delito antecedente.(PITOMBO, 2003, p. 74)

A segunda teoria é a que entende que o bem tutelado pelo delito de Lavagem de Dinheiro é a Administração da Justiça, porque através deste delito riquezas são geradas, são colocadas na sociedade como lícitas dificultando assim o conhecimento da autoria e materialidade do crime antecedente tentando e esta ocultação, dissimulação e integração de bens buscaria também evitar sua punição. Sendo assim, o crime de lavagem de dinheiro serviria para travar estes bens ilícitos e punir o delito prévio

Seguem este raciocínio os doutrinadores Paolo Bernasconi, Pilar Gómez Pavon, citados por Marcia Monassi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim (2005, p.28).

Critica-se esta teoria devido ao fato de já existirem medidas assecuratórias no Código de Processo Penal brasileiro capazes de cumprir esta função que teria o crime de lavagem de dinheiro, como por exemplo, o seqüestro de imóveis.

Sobre a teoria que diz que o bem jurídico tutelado na lavagem de dinheiro é a Administração da Justiça, Antonio A. De Moraes Pitombo, citando José de Faria Costa,diz que:

Defendemos que a incriminalização das condutas penalmente relevantes se fundamenta em uma ordem de razões que se não deve confundir com as razões “fracas” que eventualmente advenham de motivos laterais de mera eficácia de um sistema. Criar-se um tipo legal para, desse jeito, melhor ou mais facilmente desenvolver, legalmente, uma qualquer actividade persecutória é atitude político-legislativa pouco clara que, para além disso, pode ter efeitos perversos.(PITOMBO, 2003, p. 77).

Existe ainda uma terceira corrente sobre qual é o bem tutelado pela lavagem de dinheiro, nesta é dito que o bem tutelado é a Administração da Justiça e a Ordem Econômico-Financeira, dizendo que o crime de lavagem de dinheiro é um delito pluriofensivo, que pode aceitar dois bens como tutelados, sendo que um desses bens e tutelado em principal, a ordem econômica-financeira, enquanto o outro bem, a administração da justiça, é tutelado de forma subsidiária, a esta teoria se filiam os autores Marcia Monassi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim (2005, p.30).

A quarta teoria diz que a ordem econômica, artigo 170 da Constituição Federal, é o bem jurídico tutelado pela lavagem de dinheiro, sendo esta a mais plausível de se entender e a qual nos filiamos, porque neste delito são utilizados os meios legais postos pelo ordenamento para a utilização pela população de forma legal para se “lavar” dinheiro alem de ferir vários princípios do direito constitucional econômico, como por exemplo, da livre iniciativa, concorrência leal e propriedade privada.

Eros Roberto Grau (2004, p.179-180) diz que a ordem econômica trazida pela Constituição Federal de 1988 é composta por princípios os quais organizam e dão as diretrizes das condutas econômicas, quais sejam, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, a livre associação profissional ou sindical, a propriedade e a sua função social, a livre concorrência.

O crime de lavagem de dinheiro lesa alguns destes princípios como por exemplo a ordem econômica quando na fase integrativa dos bens ilícitos no sistema econômico-financeiro, estes são colocados em negócios lícitos que são explorados por outras pessoas da sociedade dentro dos moldes legais, e o bem ilícito colocado no mercado compete de forma desleal com os já existentes legalmente no mercado terminando por colocá-los em grande desvantagem podendo acarretar até a quebra dos negócios jurídicos lícitos existentes no mercado econômico-financeiro.

O princípio da livre iniciativa é lesado pelo crime de lavagem de dinheiro pois este se utiliza da liberdade dada pelo ordenamento jurídico às pessoas para utilizarem o sistema econômico-financeiro para torna-lo meio de conversão de bens ou valores ilícitos em lícitos.

A propriedade privada e sua função social como princípios reguladores da ordem econômico-financeira são desrespeitados pelo crime de lavagem de dinheiro devido ao fato dos bens ou valores ilícitos movimentarem a economia, sendo mais um fator de inflação ou especulação no caso dos imóveis, e não visam em nada estes bens atingir a função social que é necessário à qualquer propriedade, visando apenas tornar o bem ou valor com a faceta de lícito.

Marco Antônio de Barros (1998 p. 4-5) diz que a lei de lavagem de dinheiro tem como grande escopo garantir a segurança do sistema econômico-financeiro e suas operações transações e outras formas de movimentar a economia.

Ainda nestes termos, para William Terra de Oliveira (1998), citado por Ana Karina Viviani em artigo publicado na Internet em 2004, a ordem socioeconômica seria:

o bem protegido, sendo que o mesmo frisa, ainda, que se procura alcançar a proteção de interesses metapessoais ou interindividuais, evitando, por conseguinte, a erosão do sistema democrático com o comprometimento do destino econômico de toda a sociedade.

Chega-se então à conclusão que o delito de lavagem de dinheiro tem como bem jurídico tutelado a ordem econômica, disposta no artigo 170 da Constituição Federal, devido ao fato de que ao se lavar dinheiro estaria sendo lesado vários princípios que compõem a ordem econômica, como por exemplo, o princípio da livre iniciativa, da vedação a concorrência desleal, da propriedade privada.

Portanto o crime de lavagem de dinheiro é um crime que devido ao fato de tutelar a ordem econômica faz parte do Direito Penal Econômico.

4. ETAPAS

O crime de lavagem de dinheiro possui como etapas a ocultação, dissimulação e integração, geralmente utilizadas nesta ordem.

2.4.1 Fase de ocultação de bens ou valores

Na ocultação o agente busca esconder a face ilícita do bem, valor ou patrimônio gerada pelo crime antecedente.Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, diz que “na ocultação, busca-se escamotear a origem ilícita, com a separação física entre o agente e o produto do crime anterior”(2003,p.36).

Celso Sanchez Vilardi, (2004, p.17), que também tem o entendimento de que é na fase de ocultação do crime de lavagem de dinheiro que se busca distanciar o bem, direito ou valor da fonte criminosa para depois disto integrá-lo no sistema econômico-financeiro.

Sobre a fase da ocultação, André Luis Callegari diz que:

esta é a fase em que os delinqüentes procuram desembaraçar-se materialmente das importantes somas em dinheiro que foram geradas pelas suas atividades ilícitas. O montante arrecadado normalmente é transladado a uma zona rural ou local distinto daquele em que se arrecadou. Em continuação, coloca-se este dinheiro em estabelecimentos financeiros tradicionais ou em estabelecimentos não tradicionais (casas de câmbio, cassinos e etc) ou, ainda, em outros tipos de negócios de condições variadas (hotéis, restaurantes, bares, etc) (CALLEGARI, 2005, p.185-186).

Ainda sobre a fase de ocultação, André Luis Callegari, (2005, p.186), diz que esta fase serve para que além de ocultar o valor, bem ou patrimônio decorrente de ilícito prévio, porém com a cautela de não ocultar a identidade dos seus titulares, pois sendo a ocultação em pequenas quantias a identificação do titular da quantia não geraria nenhuma suspeita dos órgãos fiscalizadores da procedência destes bens.

São exemplos de ações com o fim de ocultar os bens, uma grande quantidade de depósitos de dinheiro em quantia as médias ou pequenas em contas correntes ou poupanças em diversos Bancos.

2.4.2 Fase de dissimulação de bens ou valores

Na dissimulação o agente criminoso atua de forma a realizar negócios jurídicos, transações comerciais, dentre outras modalidades de ações com vistas a terminar de encobrir a origem criminosa dos bens, valores ou direitos.Segundo Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo (2004, p.37) na dissimulação “realiza-se série de negócios ou operações financeiras, uns seguidos dos outros, para disfarçar de vez a origem criminosa”.

Celso Sanchez Villardi (2004), diz que na dissimulação se procura dar aos bens aparência de legalidade, o que lhe permite ser integrado ao sistema financeiro, só podendo ser a dissimulação através de meios fraudulentos.

André Luis Callegari (2005), denomina a fase de dissimulação de etapa de “máscaramento” dos bens, dizendo que o propósito desta fase é desligar os bens da sua origem através de complicadas e variadas transações financeiras, sendo estas de varias formas, misturadas e sobrepostas umas às outras.

O autor supracitado conclui que:

nesta fase é preciso fazer desaparecer o vínculo existente entre o criminoso e o bem procedente de sua atuação, razão pela qual é usual o recurso à superposição e combinação de complicadas operações financeiras que tratam de dificultar o seguimento do que se conhece como “pegada ou rastro do dinheiro” (CALLEGARI, 2005, p.187).

Pode servir de exemplo de ação dissimulatória de bens ou valores a criação de empresas de fachada ou a venda ou exportação de ativos.

3. Fase de integração de bens ou valores

Na ultima fase, a etapa da integração dos bens, valores ou direitos provenientes de crimes prévios, o autor do delito de lavagem de dinheiro tenta utilizar-se dos bens como se lícitos fossem, dadas as aparências de legalidade que se converteram os bens depois de passados pelas fases de ocultação e dissimulação.

Antonio Sérgio, A. de Moraes Pitombo, citando Rodolfo Maia Tigre (2003, p.37), diz que a fase da integração é realizada através da integração dos valores “no sistema produtivo, por intermédio da criação, aquisição e/ou investimento em negócios lícitos ou pela simples compra de bens”.

André Luis Callegari, (2005, p.188), afirma que chegando na fase de integração é muito difícil rastrear a origem dos bens se já não foi feito este trabalho, pois nesta fase os bens, valores ou patrimônios por terem aparência de lícitos, obtidos através de operações financeiras legais, não são percebidos como advindos de crimes antecedentes, portanto bens ilícitos.

Serve como exemplo de ação integrativa de bens ou valores a compra de uma concessionária de automóveis, de uma imobiliária ou a criação de um lava-jato ou estacionamento de carros.

4. PREVISÃO NO DIREITO INTERNACIONAL

Como foi dito anteriormente, o crime de lavagem de dinheiro é tratado em diversas legislações mundiais. Isto decorre da necessidade que os países tem de regularizar e fiscalizar o capital que gira em torno da sua economia.

Dentro deste panorama mundial de tratamento do delito de lavagem de dinheiro, segundo Raúl Cervini (1998), alguns países preferem legislar sobre este assunto em seu Código Penal, como por exemplo a França, Itália, Suíça dentre outros, enquanto outros países dispõem sobre o tema em leis especiais, como Brasil (Lei 9.613/98), Argentina (Ley sobre Estupefacientes n. 23.737/89), Equador (Ley sobre Substancias Estupefacientes y Sicotrópicas de 1990), Chile (Ley n. 19.366/95) e também tem uma outra parte a qual apenas o México se filia, através do seu Código Fiscal da Federação,o qual trata sobre o crime de lavagem de dinheiro em um Código Especial.

Para melhor entendimento e uma maior visão e didática dividimos a abordagem sobre o crime de lavagem de dinheiro e seu tratamento dado nos mais diversos países e em diferenciados continentes.

1. Tratamento do crime de lavagem de dinheiro nos países europeus.

Faremos agora uma breve abordagem sobre o tratamento dado por alguns países europeus ao delito de lavagem de dinheiro.

1. Legislação alemã sobre o crime de lavagem de dinheiro

Na Alemanha, o delito de lavagem de dinheiro é previsto no Código Penal, o qual foi introduzido neste diploma legal através da “Ley contra el Tráfico Ilícito de Estupefacientes y otras Modalidades de la Criminalidad Organizada de 15 de Julio de 1992”(CERVINI, 1998, p.191), sendo que houveram modificações posteriores no tratamento daquela conduta típica, ficando que “El nuevo delito de lavabo aparece por consiguinte em el parágrafo 261 de la ley del 92”(CERVINI 1998, p.192).

Terminando que na Alemanha o crime de lavagem de dinheiro, tem pena de 05 (cinco) anos a até 10 (dez) anos de reclusão, a depender da circunstância que cometeu o crime ou pena pecuniária e, se reveste na conduta típica de:

ocultar o encubrir, impedir o dificutar el descubrimiento o la investigación de la procedência de um bien o su detención o consifcación, siempre que dicho bien proceda de la comision de um delito relativo al tráfico de drogas o de um delito cometido por um miembro de uma associación criminal.(CERVINI, 1998, p.192).

2. Legislação francesa sobre o crime de lavagem de dinheiro

Na França, do antigo Imperador Napoleão Bonaparte, o crime de lavagem de dinheiro é tratado nos arts. 222 a 238 do Código Penal do ano de 1994 e,

A tenor de lo dispuesto em este artículo, há de imponerse uma pena privativa de liberdad de 10 años y uma multa de um millón de francos, a quien por cualquier médio fraudulento facilite o intente facilitar la justificación falsa de origen de lãs ganancias o bienes que pertenezcan al autor de alguno de los delitos relacionados com lãs sustâncias estupefacientes.Idéntica pena habrá de imponerse a quien participe em cualquier opercación destinada a transferir, ocultar o convertir el producto de dichas actividades.(CERVINI, 1998, P.193).

Segundo Raúl Cervini (1998), há uma distinção, dada pelo legislador Francês, ás penas aplicadas ao crime de lavagem de dinheiro, a depender do crime antecedente, caso o crime prévio seja ligado ao narcotráfico, a pena “in abstrato” será maior e a pena pecuniária menor, entretanto, se o crime primário não estiver ligado ao tráfico de drogas, a pena “in abstrato” será “sensiblemente inferior” (1998, p.194).

3. Legislação italiana sobre o crime de lavagem de dinheiro

O tratamento dado ao crime de lavagem de dinheiro pela legislação italiana, conforme Raul Cervini (1998), foi um dos primeiros diplomas legais dados crime mundialmente, sendo que atualmente o crime de lavagem de dinheiro, naquele país está disposto no art 648 do Código Penal Italiano, o qual sofreu inúmeras modificações ao longo do tempo.

O Decreto Lei 625/79 modificou o tratamento dado a lavagem de dinheiro e criou a obrigação do registro e devida manutenção de arquivos que contenham as transações bancárias realizadas pelas entidades financeiras com montante maior que 20 (vinte) milhões de libras. A lei 55/90, a qual confirmou a posição da Itália como subscrevente da Convenção de Viena acrescentando no rol de delitos antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro o tráfico de drogas e substâncias análogas.

O legislador italiano ainda traz a novidade de punir tanto aquele que pratica a lavagem de dinheiro quanto aquele que é receptador dos bens provenientes da lavagem de dinheiro,

la regulación penal italiana concerniente al lavado de capitales es que este precepto se ubica junto a la receptación y que se castigue no sólo el hecho de convertir y transferir los bienes ilícitamente obtenidos, sino también el empleo de losmismos en una actividad economica o financeira.El hecho de que también se castigue esta conducta nos hace pensar que se está sancionando penalmente la tercera de las fases aludidas a la hora de describir el processo de legitimación de capitales(CERVINI, 1998, p. 195).

4. Legislação suíça sobre o crime de lavagem de dinheiro

Importante saber ainda, que o país da Suíça, berço de grandes bancos mundiais e que é um dos primeiros Estados soberanos estrangeiros que passam pela mente das pessoas quando se fala do assunto lavagem de dinheiro, como sendo este país um paraíso fiscal, onde as leis não combatem este tipo de crime.

Pensamento este extremamente deturpado, como demonstra Raúl Cervini (1998), porque é visto na legislação suíça uma preocupação no combate ao crime de lavagem de dinheiro adotando para isso medidas penais como:

a) Art 305 bis: El que haya cometido un acto idóneo para dificultar la identificación del origen, el descubrimiento o la confiscación de valores partimoniales de los cuales él sabia o debía presumir que provenián de delito(CERVINI, 1998,p.196).

b) Art 305 ter: El que profesionalmente haya aceptado, cobservado, ayudado a colocaro a transferir valores patrimonialies de un tercero y que haya omitido verificar conforme a la vigilâbcia requerida por las circusntâncias, la identidad del titular del derecho econômico(CERVINI, 1998,p.196).

Como se observa a legislação suíça no tocante a lavagem de dinheiro adotou a terceira geração de pensadores sobre o rol de delitos antecedentes, e sendo assim, entende haver o delito de lavagem de dinheiro quando o bem adveio de qualquer atividade ilícita anterior.

2.5.2 Tratamento do crime de lavagem de dinheiro nos países americanos.

Passemos agora a uma pequena explanação sobre as disposições legais sobre o delito de lavagem de capitais em alguns países do continente americano. Em capítulo posterior trataremos em minúcias o regime legal do delito de lavagem de dinheiro no Brasil.

Nos países do continente americano, devemos observar o tratamento dado ao crime de lavagem de dinheiro pelas nações da Argentina, Colômbia, Equador, Estados Unidos e México.

1. Legislação argentina sobre o crime de lavagem de dinheiro

Na Argentina quem trata dos crimes de lavagem de dinheiro, segundo Raúl Cervini (1998) é o Código Penal que, após as modificações feitas pelas leis n° 23.737/89 (lei de tóxicos argentina),leis n°10.903, 20.655, 24.061/91 e 24.112/92, trouxe o delito de lavagem de dinheiro em seu artigo 25, qual seja:

Artículo 25°. Será reprimido con prisión de dos a diez años y multa de seismil a quinientos australes, el que sin haber tomado parte ni cooperado en laejecución delos hechos previstos en esta ley, interviniere en la inversión, venta, pignoración, transferência o cesion de las ganancias, cosas o bienes provenientes de aquellos, o del beneficio económico obtenido del delito siempre que hubiese conocido ese origen o lo hubiera sospechado.

Con la misma pena será reprimido elque comprare, guardare, ocultare o receptare dichas ganancias,cosas,bienes o beneficios conociendo su origen o habiéndolo sospechado

A los fines de la aplicación de este artículo no importaráque el hecho originante de las ganancias,cosas, bienes o beneficios se haya producido en el territorio extranjero(CERVINI, 1998, p.198).

A Argentina, segundo Raúl Cervini (1998), no artigo 39 do seu Código Penal estabelece que os valores obtidos com a venda dos bens apreendidos na luta contra a lavagem de dinheiro,serão utilizados na luta contra o tráfico de drogas e ao consumo de drogas ou substâncias análogas.Este aspecto da lei Argentina e cabível de aplausos pois tenta acabar com o maior gerador de bens a serem lavados que o tráfico de drogas e ainda busca cuidar da parcela da população que foi “vítima” dos efeitos devastadores das drogas no ser humano.

2. Legislação colombiana sobre o crime de lavagem de dinheiro

Na Colômbia, país mundialmente conhecido pelo tráfico e produção de drogas, a legislação penal, segundo Raúl Cervini (1998), buscou combater a lavagem de dinheiro perseguindo os lucros obtidos ilicitamente, impedindo que os bens havidos em sucessão se tornem automaticamente lícitos independente da sua origem duvidosa, dando caráter de seqüela ao caráter ilícito aos bens independentemente de seu novo titular estar ou não de boa-fé, podendo retirar o bem da sua esfera patrimonial.

O crime de lavagem de dinheiro está previsto de forma autônoma, segundo Raúl Cervini (1998), no Código Penal Colombiano, nos artigos. 247A, 247B, 247C e 247D.

Tem como rol de delitos antecedentes os crimes de extorsão, enriquecimento ilícito, extorsão mediante seqüestro, rebelião, tráfico de drogas ou substâncias análogas. Segundo Raúl Cervini (1998), as leis de combate ao tráfico de drogas e conseqüentemente ao crime de lavagem de dinheiro, na Colômbia, ainda carecem de uma aplicação maior e mais severa para evitar tais delitos.

3. Legislação norte americana sobre o crime de lavagem de dinheiro

O tratamento dado ao crime de lavagem de dinheiro na legislação norte americana está, segundo Raúl Cervini (1998), na compilação denominada de “Estatutos Penales del Código Federal de los Estados Unidos sobre Lavado de Dinero y normas conexas y complementarias con el tema”.

Marcia Monasi Mougenot Bonfim e Edilson Mougenot Bonfim (2005, p.24) dizem que o delito de lavagem de dinheiro, está previsto especificamente no “Laundering of monetary instruments” e no “Engaging in monetary transactions in property derived from specified unlawful activity”.

4. Legislação mexicana sobre o crime de lavagem de dinheiro

De forma não convencional o México dispôs a conduta delitiva do crime de lavagem de dinheiro, como diz Raúl Cervini (1998), no seu Código Fiscal da Federação, artigo 115 bis, e por isto ele não é considerado um ilícito penal e sim um ilícito fiscal cuja persecução deve se dar através da Secretaria da Fazenda e Crédito Público e pela Procuradoria Fiscal da Federação.

Entretanto, mesmo não sendo um ilícito penal, a conduta ilícita de lavagem de dinheiro possui pena de 03 (três) a 09 (nove) anos de prisão,como se sanção penal fosse, seguindo os critérios da legislação brasileira.

2.5.2.5 Legislação paraguaia, peruana e venezuelana sobre o crime de lavagem de dinheiro

O Paraguai prevê o delito de lavagem de dinheiro, segundo Raúl Cervini (1998) no artigo. 3° da Lei1.015/97, a qual “Previene e Reprime los Actos Ilícitos Destinados a la Legitimación de Dinero o Bienes”.

O Perú prevê o crime de lavagem de dinheiro, segundo Raúl Cervini (1998), nos artigos 296A e 296B do seu Código Penal, porem cabe ressaltar que este tratamento e tipificação da conduta de “lavar” o dinheiro é recente neste país, começando a sua previsão em 1991.

Na Venezuela o crime de lavagem de dinheiro e previsto na “Ley Orgánica Sobre Sustâncias Estupefacientes y Sicotrópicas” (CERVINI, 1998, p.237), mais precisamente em seu artigo 37, sendo complementado pelos artigos 34 e 35 do mesmo diploma legal.

5. PREVISÃO NO DIREITO INTERNO

No direito brasileiro, a lei responsável pelo tratamento jurídico penal do crime de lavagem de dinheiro é a Lei 9.613/98 que foi publicada em 03 de Março de 1998.

Antes deste regramento legal, o crime de lavagem de dinheiro era previsto apenas implicitamente, ainda não como crime, mas como forma de lavagem de capitais provenientes de atividades criminosas, como por exemplo, o tráfico de drogas, na Resolução n°1946 e na Circular n°2677 do Banco Central como visto no Sub-Tópico 2.2, do Capítulo 2 desta Monografia.

Importante relembrar que a Lei 9.613/98 não está atualmente com seu texto originário pois, esta já foi reformada ou modificada outras vezes como por exemplo pela lei n°10.7683/03 e 10.701/03, sendo que estas mudanças não serão as ultimas pois sendo este crime de enorme incidência e é grande a evolução nas formas de execução, devido ao Capitalismo exacerbado e da Globalização em que vivemos, se faz necessário sempre uma atualização ou adequação da lei à realidade econômica que vive a sociedade brasileira.

Outro mecanismo criado pelo sistema jurídico-legislativo brasileiro foi o Conselho de Controle de Atividades Financeira – COAF.

órgão que tem por finalidade”disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas”(artigo 14, caput, da Lei 9.613/98), fiscalizando, pois, as atividades financeiras que podem dar ensejo à lavagem de dinheiro(Mougenot,Marcia, Mougenot, Edilson, 205, p.24-25).

O COAF funciona como um órgão administrativo de inteligência atua de forma repressiva administrativamente, impondo penas de caráter administrativo antes das sanções penais, se possível, e preventivamente, de forma a tentar evitar a proliferação de condutas atinentes à lavagem de dinheiro tentando combater o seu nascimento antes que o estrago no bem tutelado pelo crime de lavagem de capitais, o sistema econômico-financeiro, seja grande.

O COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras esta disposto nos artigos 14 a 17 da Lei 9.613/98.

Importante lembrar que a Justiça Federal, observando a necessidade de um tratamento especial ao combate ao crime de lavagem de dinheiro, vem criando Varas Especializadas no combate a este delito, a cidade de Salvador, por exemplo, possui a 02ª Vara Federal.

Como foi dito anteriormente, a Legislação brasileira adotou os critérios determinadores da 2ª geração, os quais elenca um rol taxativo de delitos antecedentes ao de lavagem de dinheiro.

Em uma análise dos delitos prévios dispostos no artigo 1° da Lei 9.613/98, infere-se que a lei não reproduz o pensamento da 2ª geração, na qual o rol de delitos antecedentes composto de apenas crimes escolhidos pelo legislador, e sim o pensamento da 3ª geração, a qual diz que os crimes antecedentes podem ser qualquer crime, isso por causa da fixação das organizações criminosas como crime antecedente ao de lavagem de dinheiro.

Mais adiante tratar-se-á especificamente sobre os crimes antecedentes e suas provas para poder incidir o crime de lavagem de dinheiro e, adentraremos mais profundamente neste liame conturbado das organizações criminosas como crime primário ao de lavagem de capitais.

A Lei 9.613/98 ainda trouxe em seu bojo o rito procedimental a ser adotado nos crimes de lavagem de dinheiro, como se observa dos artigos 2° a 6° daquele diploma legal.

Entretanto, temos que deixar claro que o artigo 2° da Lei de lavagem de dinheiro, em seu inciso I, diz que os crimes punidos com reclusão devem seguir o procedimento comum, e se olharmos a pena “in abstrato” fixada no art. 1 da mesma lei, veremos que o crime de lavagem de dinheiro e apenado com reclusão.

Seguimos então o pensamento de Márcia Monassi Mougenot Bonfim e Edílson Mougenot Bonfim, que citando Rodolfo Maia Tigre (2005), dizem que, como o crime de lavagem de dinheiro é apenado com reclusão, e sendo assim, com fundamento no artigo. 2°, I, da Lei 9.613/98, o rito a ser seguido é o rito comum dos artigos 394 e seguintes do Código de Processo Penal, este dispositivo da Lei de Lavagem de Dinheiro que trata do rito procedimental do delito de lavagem de capitais é completamente dispensável.

O que achamos que seria mais certo, que o legislador não previu, era existir a conexão entre os processos de lavagem de dinheiro, sendo o juiz competente para o crime antecedente o mesmo para o delito de lavagem de dinheiro.

Uma vez existente a conexão entre os processos seria muito mais fácil o esclarecimento sobre o crime de lavagem de dinheiro e menos provável a condenação de uma pessoa inocente pelo crime de lavagem de capitais.

CONCLUSAO

O Crime de lavagem de dinheiro, disposto na Lei 9.613/98, é um crime atual que vem incidindo bastante devido ao contexto atual da globalização e do capitalismo os quais tornaram muito mais fácil o acesso aos Bancos, as hipóteses de transação bancárias se multiplicaram, os tipos de negócios econômicos também evoluíram.

Esta evolução desenfreada da concepção econômica da sociedade, a qual não mede esforços para cada vez mais criar situações econômicas que lhes sejam favoráveis, favorece a incidência da lavagem de capitais pois na maioria das vezes estas novas situações econômicas não são protegidas contra a audácia e esperteza criminosa de algumas pessoas.

O delito da lavagem de dinheiro por ser um crime que tutela o bem jurídico da ordem econômica é classificado como um delito do Direito Penal Econômico.

Pelo crime de lavagem de dinheiro lesar a ordem econômica disposta no artigo 170 da Constituição Federal podemos dizer que o seu sujeito passivo é a coletividade pois é ela que irá sentir os impactos da injeção de bens ilícitos no mercado econômico-financeiro.

A lavagem de capitais vai de encontro a rodem econômica, como por exemplo, os seus princípios da ordem econômica da propriedade privada, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da função social da propriedade.

Sabe-se da dificuldade de se constituir atualmente uma empresa e do grande custo que se tem na busca pelo mercado e no pagamento dos tributos devidos.

O crime de lavagem de dinheiro, por não colocar seus bens seguindo a normalidade e a ética que rege o mercado financeiro, já que não está se importando muitas vezes em valores de negociação de bens e sim com a implementação de valores no mercado, como é o caso dos imóveis comprados a preços fora da realidade somente para injetar o valor ilícito na economia, e esta e outras formas de lavar dinheiro coloca todo o restante do sistema econômico-financeiro em questão, pois foge-se as regras de mercado, quebrando, levando à falência negócios lícitos que já existiam anteriormente.

Um outro aspecto da ordem econômica quebrado com o crime da lavagem de capitais é a valorização do trabalho humano, devido ao fato de os negócios financeiros utilizados para se “lavar” o dinheiro ilícito terminam por muitas vezes a desvalorizar determinadas categorias de trabalhadores que passam a ser sempre vistos com reservas.

Portanto a lavagem de dinheiro é um delito que tem uma dupla ofensividade pois alem de ofender os cofres públicos atenta também contra toda a sociedade que está naturalmente participando ativamente do mercado financeiro durante as mais simples atividades da vida cotidiana como estacionar um carro em um estacionamento privado enquanto vai ao banco ou, por exemplo, quando de vai alugar um apartamento para ali estabelecer a residência sua e de sua família.

A lavagem de dinheiro deve ser entendida como não um “simples” crime, ou como mais um delito do direito penal, mas sim um delito que deve ser combatido a todo custo, pois o potencial lesivo dele é grande e seus efeitos são sentidos por toda a coletividade já que ele ataca um bem jurídico, a ordem econômica, constitucionalmente prevista no artigo 170, a qual todos são colaboradores e participantes da colheita dos seus frutos irradiados por inúmeros aspectos da vida cotidiana.

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