Dez mandamentos para professores(*)

Dez mandamentos para professores(*)

George P?lya

Apresenta??o do autor por Elon Lages Lima

George P?lya (1887 + 98 = 1985) nasceu em Budapest, Hungria, foi professor em Zurich de 1914 a 1940 e depois em Stanford, Estados Unidos, onde se aposentou em 1953 mas continuou ativo at? praticamente sua morte, quase centen?rio. P?lya foi co-autor de um not?vel livro,escrito juntamente com seu compatriota Gabor Szeg?, intitulado "Aufgaben und Lehrs?tze aus der Analysis" (Berlim, 1924) depois traduzido para o ingl?s com o t?tulo "Problems and Theorems in Analysis" (Berlim, 1972). Neste texto, em dois alentados volumes, os autores mostram como o ensino da An?lise Matem?tica pode ser gradativamente desenvolvido, dos fundamentos at? algumas fronteiras do conhecimento, atrav?s de uma judiciosa sequ?ncia de exerc?cios e problemas, alguns dotados de suprema eleg?ncia.

P?lya escreveu outros livros e in?meros artigos originais, que lhe deram s?lida reputa??o em An?lise Cl?ssica, Combinat?ria e Probabilidades. Suas obras completas, em 4 volumes, foram publicadas em 1984 pela MIT Press. Nos ?ltimos quarenta anos de sua longa carreira, passou a interessar-se pelo ensino da Matem?tica, dedicando-se quase inteiramente ao estudo das quest?es referentes ? transmiss?o do conhecimento matem?tico. Aesserespeito escreveu muitos artigos e alguns livros extraordin?rios, como "How to Solve It" (traduzido para o portugu?s como "A Arte de Resolver Problemas"), "Mathematics and Plausible Reasoning" (Princeton Univ. Press, 1954) e "Mathematical Discovery" (2 vols., Wiley, 1962 e 1965).

O trabalho de P?lya sobre o ensino da Matem?tica ? maravilhoso simplesmente porque n?o prop?e truques, f?rmulas miraculosas, ou muito menos pom-

{*) Artigo publicado no "Journal of Educat?on", University of British Columbia, Vancouver and Victoria (3) 1959, p. 61-69, Reproduzido nos "Collected Papers" de George Polya, vol. IV, pp. 525-533, MIT Press 1984. Traduzido por Maria Celano Maia.

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posas teorias pseudo-psicol?gicas. O artigo que reproduzimos a seguir, de uma espontaneidade e de uma franqueza quase rudes, resume suas ideias de modo bastante claro.

Ap?s anos de experi?ncia como matem?tico de grande destaque e professor universalmente reconhecido por seus dotes de mestre, P?lya sintetiza suas conclus?es em dez mandamentos e uma regra muito simples para treinar professores que saibam seguir esses mandamentos.

Para ser um bom professor de Matem?tica, voc? tem que vibrar com a sua mat?ria, conhecer bem o que vai ensinar, ter um bom relacionamento com os alunos para entender os problemas deles e dar a esses alunos a oportunidade de (pelo menos algumas vezes) descobrir as coisas por si mesmos. Deve ainda entender que "know-how" ? mais importante do que informa??o. (P?lya lhe dir? no texto o que entende por "know-how".) E, para treinar professores a fim de que possam cumprir sua tarefa, o melhor a fazer ? praticar com eles a arte de resolver problemas. Estou certo de que a leitura do artigo que se segue e, mais ainda, a releitura seguidas vezes, a medita??o sobre o mesmo e a ado??o dos princ?pios nele expostos, muito contribuir?o para melhorar a qualidade das nossas aulas de Matem?tica.

Dez mandamentos para professores

Nos ?ltimos cinco per?odos letivos, todas as minhas aulas foram dirigidas a professores secund?rios que, ap?s alguns anos de pr?tica, voltaram ? Universidade para mais treinamento. Eles desejavam, segundo entendi, um curso que fosse de uso pr?tico imediato nas suas tarefas di?rias. Tentei planejar um tal curso no qual, inevitavelmente, eu teria de expressar repetidas vezes minhas opini?es sobre o dia-a-dia do professor. Meus coment?rios foram aos poucos assumindo uma forma condensada e finalmente fui levado a enunci?-los como dez regras, ou mandamentos.

Para tornar claro o significado dos mandamentos deveria ter acrescentado exemplos ilustrativos mas, em vista da exiguidade de espa?o, isso ficou fora de cogita??o. Alguns pontos s?o ilustrados em meus livros (1) e (2), e outros ser?o discutidos noutro livro ao qual este artigo, ou seu conte?do sob outra forma, ser? incorporado.

Dez mandamentos para professores

1. Tenha interesse por sua mat?ria. 2. Conhe?a sua mat?ria.

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3. Procure ler o semblante dos seus alunos; procure enxergar suas expectativas e suas dificuldades; ponha-se no lugar deles.

4. Compreenda que a melhor maneira de aprender alguma coisa ? descobri-la voc? mesmo.

5. D? aos seus alunos n?o apenas informa??o, mas know-how, atitudes mentais, o h?bito de trabalho met?dico.

6. Fa?a-os aprender a dar palpites. 7. Fa?a-os aprender a demonstrar. 8. Busque, no problema que est? abordando, aspectos que possam ser ?teis

nos problemas que vir?o -- procure descobrir o modelo geral que est? por tr?s da presente situa??o concreta. 9. N?o desvende o segredo de uma vez -- deixe os alunos darem palpites antes -- deixe-os descobrir por si pr?prios, na medida do poss?vel. 10. Sugira; n?o os fa?a engolir ? for?a.

Coment?rios

Ao formular os mandamentos, ou regras, acima, tive em mente os participantes das minhas classes, professores secund?rios de Matem?tica. Entretanto, essas regras se aplicam a qualquer situa??o de ensino, a qualquer mat?ria ensinada em qualquer n?vel. Todavia, o professor de Matem?tica tem mais e melhores oportunidades de aplicar algumas delas do que o professor de outras mat?rias.

Vamos agora considerar as dez regras, uma por uma, prestando aten??o especial ? tarefa do professor de Matem?tica.

Tenha interesse por sua mat?ria. Conhe?a a sua mat?ria.

1. ? muito dif?cil prever com seguran?a o sucesso ou fracasso de um m?todo de ensino. Mas h? uma exce??o: voc? aborrecer? a audi?ncia com sua mat?ria se esta-mat?ria o aborrece.

Isto deve ser suficiente para tornar evidente o primeiro e principal dos mandamentos do professor: Tenha interesse por sua mat?ria.

2. Se um assunto n?o interessa ao professor, ele n?o ser? capaz de ensin?lo aceitavelmente. Interesse ? sine qua non, uma condi??o indispensavelmente necess?ria, mas, em si mesma, n?o ? uma condi??o suficiente. Nenhuma quantidade de interesse, ou de m?todos de ensino, permitir? que voc? explique claramente um ponto a seus alunos se voc? pr?prio n?o entender mais claramente ainda esse ponto.

O argumento acima deve ser bastante para tornar claro o segundo mandamento para professores: Conhe?a a sua mat?ria.

3. Mesmo com algum conhecimento e interesse, voc? pode ser um profes-

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sor ruim ou bem med?ocre. O caso n?o ? muito comum, admito, mas tampouco ? raro: muitos de n?s conheceram professores que sabiam suas mat?rias mas n?o eram capazes de estabelecer contacto com os seus alunos.

Procure ler o semblante dos seus alunos. ...ponha-se no lugar deles.

Para que o ensinar, por parte de um, resulte no aprender, por parte de outro, deve haver uma esp?cie de contacto ou conex?o entre professor e aluno: o professor deve ser capaz de perceber a posi??o do aluno; ele deve ser capaz de assumir a causa do aluno. Da? o pr?ximo mandamento: Procure ler o semblante dos seus alunos; procure enxergar suas expectativas e suas dificuldades; ponha-se no lugar deles.

4. As tr?s regras anteriores cont?m a ess?ncia do bom ensino; elas formam, juntas, uma esp?cie de condi??o necess?ria e suficiente. Se voc? tem interesse e conhecimento, e ? capaz de perceber o ponto de vista do aluno, voc? j? ? um bom professor ou logo se tornar? um; s? precisa de experi?ncia.

Experi?ncia ? necess?rio, experi?ncia pr?tica, para p?-lo a par das intera??es entre professor e alunos na sala de aula, e para familiariz?-lo, t?o intimamente e pessoalmente quanto poss?vel, com o processo de aquisi??o de novas informa??es e habilidades -- um processo que tem muitos e v?rios aspectos: aprendizagem, descoberta, inven??o e compreens?o... Os psic?logos fizeram trabalhos experimentais muito importantes e emitiram algumas opini?es te?ricas interessantes sobre o processo de aprendizagem. Tais experi?ncias e opini?es podem servir como uma base estimulante para uni professor excepcionalmente receptivo, mas elas ainda n?o amadureceram suficientemente (e n?o amadurecer?o por um bom tempo, temo eu) para ser de uso imediatamente pr?tico naquelas fases da instru??o que nos concernem aqui. Em seu trabalho di?rio, o professor deve basear-se, primeiro e antes de tudo, na sua pr?pria experi?ncia e no seu pr?prio julgamento.

Baseando-me em meio s?culo de experi?ncia em pesquisa e ensino, e de reflex?o muito cuidadosa, apresento aqui, para considera??o do leitor, alguns pontos sobre o processo de aprendizagem, os quais eu considero como os mais importantes para uso em sala de aula.

J? se disse repetidas vezes que a aprendizagem ativa ? prefer?vel ? aprendizagem passiva, meramente receptiva. Quanto mais ativa, melhor ? a aprendizagem: Compreenda que a melhor maneira de aprender alguma coisa ? descobrila voc? mesmo.

De fato, numa situa??o ideal, o professor seria somente uma esp?cie de parteira espiritual; ele daria oportunidade aos alunos de descobrirem por si mesmos as coisas a serem aprendidas. Este ideal ? dificilmente alcan?ado na pr?tica, sobretudo por falta de tempo. Contudo, mesmo um ideal inating?vel pode

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guiar-nos indicando a dire??o correta -- ningu?m ainda atingiu a Estrela Polar, mas muitas pessoas encontraram o rumo certo guiando-se por ela.

5. O conhecimento consiste em parte de informa??o e em parte de knowhow. Know-how ? destreza; ? a habilidade em lidar com informa??es, us?-las para um dado prop?sito; know-how pode ser descrito como um apanhado de atitudes mentais apropriadas, know-how ? em ?ltima an?lise a habilidade para trabalhar metodicamente.

Em Matem?tica, know-how ? a habilidade para resolver problemas, construir demonstra??es, e examinar criticamente solu??es e demonstra??es. E, em Matem?tica, know-how ? muito mais importante do que a mera posse de informa??es.

Portanto, o mandamento seguinte ? de especial import?ncia para o professor de Matem?tica: D? aos seus alunos n?o apenas informa??es, mas knowhow, atitudes mentais, o h?bito de trabalho met?dico.

J? que know-how ? mais importante em Matem?tica do que informa??o, a maneira como voc? ensina pode ser mais importante nas aulas de Matem?tica do que aquilo que voc? ensina.

Fa?a-os aprender a dar palpites. Fa?a-os aprender a demonstrar.

6. Primeiro conjecture, depois prove -- assim procede a descoberta na maioria dos casos. Voc? deveria saber disto (pela sua pr?pria experi?ncia, se poss?vel) e deveria saber, tamb?m, que o professor de Matem?tica tem excelentes oportunidades de mostrar o papel da conjectura no processo de descoberta e assim imprimir em seus alunos uma atitude mental fundamentalmente importante. Este ?ltimo ponto n?o ? t?o amplamente conhecido como deveria ser e, infelizmente, o espa?o aqui dispon?vel ? insuficiente para discuti-lo em detalhes (2). Ainda assim, desejo que voc? insista com seus alunos a respeito. Fa?aos aprender a dar palpites.

Alunos ignorantes e descuidados provavelmente v?o dar palpites rudimentares. Os palpites que n?s queremos estimular, naturalmente; n?o s?o os rudimentares, mas os educados, os razo?veis. Palpites razo?veis baseiam-se no uso judicioso de evid?ncia indutiva da analogia, e englobam em ?ltima an?lise todos os procedimentos do racioc?nio plaus?vel que desempenham um papel no m?todo cient?fico (2).

7. "A Matem?tica ? uma boa escola de racioc?nio plaus?vel". Esta afirmativa resume a opini?o subjacente ? regra anterior; ela soa incomum e ? de origem muito recente; na realidade, o autor do presente artigo reivindica seu cr?dito.

"A Matem?tica ? uma boa escola para o racioc?nio demonstrativo". Esta afirmativa soa bem familiar -- algumas formas dela s?o provavelmente quase t?o velhas quanto a pr?pria Matem?tica. De fato, muito mais ? verdade; Mate-

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