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J Bras Patol Med Lab ? v. 43 ? n. 5 ? p. 319-327 ? outubro 2007

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Candid?ase vulvovaginal: fatores predisponentes do hospedeiro e virul?ncia das leveduras

Primeira submiss?o em 10/08/06 ?ltima submiss?o em 26/06/07 Aceito para publica??o em 02/07/07 Publicado em 20/10/07

Vulvovaginal candidiasis: susceptibility factors of the host and virulence of the yeasts

Cassiana Aparecida ?lvares1; Terezinha Inez Estivalet Svidzinski2; M?rcia Edilaine Lopes Consolaro3

unitermos Candid?ase vulvovaginal Candida albicans Fatores predisponentes Fatores de virul?ncia

resumo

Introdu??o: Leveduras do g?nero Candida s?o pat?genos oportunistas freq?entemente isolados das superf?cies mucosas de indiv?duos normais, mas podem levar ao desenvolvimento de infec??es denominadas candid?ases, que variam desde les?es superficiais at? infec??es disseminadas. Objetivos: Ampliar os conhecimentos sobre candid?ase vulvovaginal (CVV: infec??o de vulva e vagina, causada por leveduras comensais que habitam a mucosa vaginal) e candid?ase vulvovaginal recorrente (CVVR: ocorr?ncia de quatro ou mais epis?dios de CVV no per?odo de 12 meses), bem como caracterizar e abordar o ponto de vista das influ?ncias do hospedeiro e dos fatores de virul?ncia dos agentes causais da infec??o, principalmente C. albicans, visando identificar a sua import?ncia nessa patologia. Tanto fatores predisponentes locais como sist?micos do hospedeiro podem contribuir para a invas?o por Candida sp. Sua intensa multiplica??o no canal vaginal ? favorecida por uma s?rie de fatores predisponentes abordados nesta revis?o. Tamb?m tem sido postulado que existem diferen?as na patogenicidade de isolados de Candida sp., n?o sendo o fungo apenas um participante passivo no processo infeccioso; com isso v?rios fatores de virul?ncia t?m sido propostos e s?o descritos. Discuss?o e conclus?es: Este artigo de revis?o bibliogr?fica buscou atualizar os profissionais da ?rea da sa?de em rela??o a CVV, CVVR, aspectos predisponentes do hospedeiro e virul?ncia dos agentes causais, que s?o pouco conhecidos. Assim, a atualiza??o e o conhecimento de conceitos b?sicos e cl?nicos relacionados com essa patologia s?o muito importantes para auxiliar o seu manejo pelos profissionais da ?rea.

abstract

Introduction: Vulvovaginal candidiasis (VVC) is a vulva and vagina infection caused by comensal yeasts that inhabit the vaginal mucosa and eventually become patogenic, depending on host conditions. Eighty percent to 90% of the infections are due to C. albicans, and 10% to 20% to other species called non-C. albicans (C. tropicalis, C. glabrata, C. krusei, C. parapsilosis, C. pseudotropicalis, C. lusitaniae). C. glabrata is the second agent in frequency in VVC and yeasts of other genus can also cause this infection, as Saccahromyces cerevisiae, Rhodutorula sp. and Trichosporon sp. Besides host inherent factors, it has been postulated that differences exist in the patogenicity of different isolates of Candida sp. The fungus is not a mere passive participant in the infectious process, and a series of virulence factors has been proposed, but little was investigated in VVC. The objective of this work is to enlarge knowledge on VVC and RVVC, as well as to discuss the influences of host and virulence factors, aiming to identify their importance in this pathology. These aspects are of great importance for professionals that act in the area of women's health.

key words Vulvovaginal candidiasis Candida albicans Susceptibility factors Virulence factors

1. Farmac?utica; p?s-graduanda do Curso de Especializa??o em An?lises Cl?nicas do Centro Universit?rio de Maring? (CESUMAR). 2. Professora-doutora de Micologia M?dica do Curso de Farm?cia, habilita??o em An?lises Cl?nicas na Universidade Estadual de Maring? (UEM). 3. Professora-doutora de Citologia Cl?nica do Curso de Farm?cia, habilita??o em An?lises Cl?nicas na UEM.

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Introdu??o

O g?nero Candida ? constitu?do de aproximadamente 200 diferentes esp?cies de leveduras, que vivem normalmente nos mais diversos nichos corporais, como orofaringe, cavidade bucal, dobras da pele, secre??es br?nquicas, vagina, urina e fezes. Entre as esp?cies que comp?em esse g?nero, a Candida albicans apresenta maior relev?ncia em fun??o de sua taxa de preval?ncia em condi??es de normalidade e de doen?a(34, 46, 52). Essa levedura est? amplamente distribu?da na natureza, ocupando diversos h?bitats, ao contr?rio de outras esp?cies do g?nero, de distribui??o limitada(66).

As leveduras do g?nero Candida, em particular a C. albicans, s?o pat?genos oportunistas freq?entemente isolados das superf?cies mucosas de indiv?duos normais(43). Est?o muito bem adaptadas ao corpo humano, por isso podem coloniz?-lo sem produzir sinais de doen?a em condi??es de normalidade fisiol?gica(24). Colonizam as mucosas de todos os seres humanos no decorrer ou pouco depois do nascimento, havendo sempre o risco de infec??o end?gena(3). O delicado balan?o entre o hospedeiro e esse fungo comensal pode-se transformar em uma rela??o parasit?ria, com o desenvolvimento de infec??es denominadas candid?ases(8). Essas infec??es f?ngicas variam desde les?es superficiais em pessoas sadias at? infec??es disseminadas em pacientes neutrop?nicos(13). Um aumento na incid?ncia de infec??es f?ngicas causadas por esp?cies de Candida tem sido observado em pacientes imunocomprometidos(22).

C. albicans ? um fungo dim?rfico, que se apresenta sob formas leveduriformes (blastocon?dios) no estado saprof?tico, estando associado ? coloniza??o assintom?tica; ou como formas filamentosas (pseudo-hifas e hifas verdadeiras), observadas em processos patog?nicos. Al?m disso, sob condi??es de crescimento sub?timas, nesse fungo pode ocorrer a forma??o de clamid?sporos (esporos arredondados que possuem uma espessa parede celular). Dessa forma, o fungo tem a capacidade de se adaptar a diferentes nichos biol?gicos, podendo ser considerado, a rigor, um organismo "pleom?rfico"(8, 36).

Clinicamente, a candid?ase pode ser cut?nea, mucosa, cutaneomucosa ou visceral. O microrganismo cresce melhor em superf?cies quentes e ?midas, causando freq?entemente vaginite, dermatite das fraldas e candid?ase oral. Essas infec??es s?o as manifesta??es usuais da doen?a e, embora normalmente n?o apresentem amea?a ? vida, representam um problema de consider?vel import?ncia socioecon?mica. Formas cutaneomucosas severas s?o menos comuns,

encaixando-se em duas grandes categorias: candid?ase cutaneomucosa cr?nica e candid?ase vaginal cr?nica. A primeira est? geralmente associada a enfraquecimento da resposta imune mediada por c?lulas, como o observado em portadores do v?rus da imunodefici?ncia humana (HIV) e indiv?duos com defeitos imunol?gicos heredit?rios ou iatrog?nicos. A segunda categoria ? desencadeada por fatores de risco, como gesta??o, uso de contraceptivos orais, antibioticoterapia, diabetes mellitus (DM), entre outros. A candid?ase disseminada intensa est? associada a neutropenia secund?ria a doen?a granulomatosa cr?nica, leucemia, terapia antineopl?sica ou imunossupress?o ap?s transplante. A Candida ? diretamente introduzida no sangue por acessos intravenosos, cateteres, di?lise peritoneal, cirurgia card?aca ou abuso de drogas intravenosas. Essas observa??es sugerem que tanto as c?lulas fagoc?ticas quanto a resposta imune mediada por c?lulas espec?ficas participam na defesa do hospedeiro contra o microrganismo(2, 13).

Antes da era dos antibi?ticos e cortic?ides, o n?mero de infec??es por fungos era bastante reduzido. Isso ? particularmente verdade para as infec??es por Candida, especialmente por C. albicans, que se apresentava como comensal, mas que, com as defesas comprometidas do indiv?duo, se instala, invade tecidos e provoca danos. Concomitantemente, tem sido observada uma sens?vel eleva??o na freq??ncia de candid?ase vulvovaginal (CVV) nos ?ltimos anos, o que torna esse diagn?stico cada vez mais comum em ginecologia(12, 68).

Al?m de fatores inerentes ao hospedeiro, tem sido postulado que existem diferen?as na patogenicidade de isolados de Candida sp. O fungo n?o ? mero participante passivo no processo infeccioso; v?rios fatores de virul?ncia s?o propostos, mas pouco investigados em CVV. Existem algumas propriedades ligadas ?s c?lulas de C. albicans, comumente denominadas fatores de virul?ncia, que lhes conferem a capacidade de produzir doen?a. Esses atributos incluem ades?o a substratos inertes e biol?gicos, forma??o de tubo germinativo com conseq?ente desenvolvimento da forma filamentosa, variabilidade fenot?pica (switching), variabilidade genot?pica, produ??o de toxinas e enzimas extracelulares hidrol?ticas, variabilidade antig?nica, imunomodula??o dos mecanismos de defesa do hospedeiro e hidrofobicidade de superf?cie celular, que constituem os fatores mais importantes para o desencadeamento de infec??es(4, 24).

A CVV ? atualmente um relevante problema na sa?de da mulher, e profissionais atuantes nessa ?rea t?m a necessidade de conhecer aspectos atuais que est?o sendo abordados sobre a sua patogenia, que possui ainda muitos aspectos

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para serem esclarecidos. Assim, o objetivo deste trabalho foi realizar levantamento bibliogr?fico para ampliar os conhecimentos sobre CVV e CVVR (candid?ase vuvlvovaginal recorrente), bem como caracterizar e abordar o ponto de vista das influ?ncias do hospedeiro e dos fatores de virul?ncia dos agentes causais da CVV, principalmente C. albicans, visando identificar a sua import?ncia nessa patologia.

Candid?ase vulvovaginal

CVV ? um dist?rbio ocasionado pelo crescimento anormal de fungos do tipo leveduras na mucosa do trato genital feminino. Trata-se de uma infec??o de vulva e vagina, causada por leveduras comensais que habitam a mucosa vaginal bem como as mucosas digestiva e respirat?ria. Essas leveduras podem-se tornar patog?nicas quando o s?tio de coloniza??o do hospedeiro passa a ser favor?vel ao seu desenvolvimento(68). A CVV foi descrita pela primeira vez em 1949, por Wilkinson, que estabeleceu uma rela??o entre a exist?ncia de fungos na vagina e o aparecimento de vaginite. A partir desse momento, os conhecimentos foram evoluindo progressivamente.

A CVV ? causada por fungos leveduriformes; a maioria deles pertencentes ao g?nero Candida(68). Oitenta por cento a 90% dos casos s?o devidos a C. albicans; 10% a 20%, a outras esp?cies chamadas n?o-C. albicans (C. tropicalis, C. glabrata, C. krusei, C. parapsilosis, C. pseudotropicalis, C. lusitaniae). C. glabrata ? a segunda esp?cie em freq??ncia nas CVV(12, 13, 50, 58). Por?m, leveduras de outros g?neros tamb?m podem causar essa infec??o: Saccahromyces cerevisiae, Rhodutorula sp. e Trichosporon sp.(10, 14, 20).

Estudos mais recentes demonstram que em algumas popula??es a freq??ncia de isolamento de leveduras n?oC. albicans tem aumentado. No estudo de Ferraza et al.(20), C. albicans foi a levedura mais isolada nas duas popula??es analisadas, por?m em percentagens significativamente diferentes, uma do Paran? e outra de Santa Catarina. Em Santa Catarina representou 77,4% dos isolados; no Paran?, 50%. O mesmo j? havia sido descrito por um estudo italiano que demonstrou que a preval?ncia de CVV causada por leveduras n?o- C.albicans cresceu de 9,9% em 1988 para 17,23% em 1995(62). A raz?o desse aumento n?o est? ainda bem definida, sendo atribu?da por alguns ao uso inadequado de antimic?ticos(59). Rosa et al.(53) obtiveram uma freq??ncia de isolamento de 96% de C. albicans em material vaginal obtido em outra popula??o de Santa Catarina, demonstrando que o aumento na freq??ncia de leveduras n?o-C. albicans n?o parece ser uma tend?ncia geral.

Parecem existir tamb?m diferen?as no que se refere ao isolamento de leveduras conforme o quadro cl?nico. Para Ferraza et al.(20), em Santa Catarina C. albicans foi a mais prevalente nas duas condi??es cl?nicas, enquanto no Paran? o predom?nio foi mais evidente nos casos sintom?ticos (6/9) do que nos assintom?ticos (6/15). Dan et al.(14) e Consolaro et al.(10) associaram a presen?a de sintomas ao isolamento de C. albicans, e leveduras n?o-C. albicans ? sua aus?ncia. Outros autores tamb?m t?m associado esp?cies n?o-C. albicans ? aus?ncia de sintomas ou a vulvovaginites brandas(1, 3). Assim, apesar de C. albicans ser a levedura mais importante no trato genital feminino e o principal agente de CVV, estudos indicam que 20% a 25% das mulheres normalmente saud?veis e completamente assintom?ticas apresentam culturas de secre??o vaginal positivas para essa levedura, o que indica a import?ncia da coloniza??o vaginal pr?via para o desenvolvimento da infec??o(58). Para Mattos et al.(42), entre as pacientes colonizadas, pelo menos 50% apresentar?o CVV em algum momento da sua vida.

A CVV ? um dos diagn?sticos mais freq?entes na pr?tica di?ria em ginecologia e sua incid?ncia tem aumentado drasticamente, tornando-a a segunda infec??o genital mais freq?ente nos Estados Unidos e no Brasil. A CVV representa 20% a 25% dos corrimentos vaginais de natureza infecciosa, precedida apenas pela vaginose bacteriana(12). Na Europa, ? a primeira causa de vulvovaginite(68). Cavalcante et al.(7) refor?am em seu estudo a necessidade de valorizar a doen?a como importante causa de comprometimento da sa?de da mulher. Estima-se que aproximadamente 75% das mulheres adultas apresentem pelo menos um epis?dio em sua vida, sendo que destas, 40% a 50% vivenciar?o novos surtos e 5% atingir?o o car?ter recorrente (CVVR)(39).

Essa infec??o caracteriza-se por prurido, ardor, dispareunia e pela elimina??o de um corrimento vaginal em grumos, semelhante ? nata de leite. Com freq??ncia, a vulva e a vagina encontram-se edemaciadas e hiperemiadas, algumas vezes acompanhadas de ardor ao urinar e sensa??o de queimadura(57). As les?es podem-se estender por per?neo, regi?o perianal e inguinal(1). O corrimento, que geralmente ? branco e espesso, ? inodoro e, quando depositado nas vestes a seco, tem aspecto farin?ceo. Em casos t?picos, nas paredes vaginais e no colo uterino aparecem pequenos pontos branco-amarelados. Os sintomas se intensificam no per?odo pr?-menstrual, quando a acidez vaginal aumenta(54).

A principal fonte de leveduras vaginais ? o trato gastrointestinal, atrav?s de um processo chamado transmiss?o end?gena. Elas s?o veiculadas para a vagina por

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auto-inocula??o, onde se adaptam e se desenvolvem. A transmiss?o sexual tamb?m ? aceita, o que torna a CVV uma doen?a sexualmente transmiss?vel (DST). Atrav?s da a??o de enzimas como proteases e hidrolases, as leveduras que chegam ? vagina penetram no seu epit?lio superficial, ali permanecendo albergadas e podendo causar dist?rbios imediatos ou constituir reservat?rio para reinfec??es posteriores(22).

Candid?ase vulvovaginal recorrente

Aproximadamente 5% das mulheres com CVV desenvolvem CVVR, definida usualmente como a ocorr?ncia de quatro ou mais epis?dios de CVV no per?odo de 12 meses(40, 47). Ao contr?rio das mulheres que t?m epis?dios espor?dicos de CVV, aquelas com a doen?a recorrente n?o se beneficiam de uma diminui??o na freq??ncia de epis?dios sintom?ticos com o passar da idade(40).

A patog?nese da CVVR entre mulheres que n?o t?m condi??es predisponentes aparentes, que s?o a grande maioria, est? sob investiga??o. Uma eleva??o na resist?ncia de esp?cies de Candida n?o tem sido observada na maioria dos casos, embora se analisarmos essas pacientes como um grupo, mulheres com recorr?ncia t?m uma preval?ncia discretamente mais elevada de C. glabrata, menos sens?vel ?s drogas imidaz?licas, comumente utilizadas no tratamento de CVV e CVVR(60).

Fatores predisponentes do hospedeiro

A express?o da rela??o parasita/hospedeiro depende do balan?o entre a virul?ncia do microrganismo e as defesas do hospedeiro. Como conseq??ncia, o tempo de incuba??o dificilmente pode ser precisado. Tanto fatores locais como sist?micos podem contribuir para a invas?o tecidual por C. albicans e por leveduras n?o-C. albicans. Sua intensa multiplica??o no canal vaginal ? favorecida por uma s?rie de fatores predisponentes. Do ponto de vista do hospedeiro, a coloniza??o pr?via por levedura e a posterior diminui??o da capacidade de resposta imunol?gica observada em doen?as imunossupressoras, DM, gestantes e usu?rias cr?nicas de cortic?ides parecem favorecer a infec??o. Ainda parecem contribuir o uso de antibi?ticos, estrogenoterapia, pequenos traumas como o ato sexual, h?bito de usar roupas muito justas ou de fibras sint?ticas, al?m da dieta alimentar muito ?cida(19, 44). A utiliza??o de antibi?ticos pode incrementar tanto a coloniza??o quanto

a infec??o por Candida. Embora diferentes estudos n?o tenham sido conclusivos nesse sentido, antibi?ticos podem suprimir a flora vaginal lactobacilar, que ? o principal mecanismo defensivo vaginal contra os fungos(68).

Na pr?tica, a infec??o vaginal por C. albicans geralmente ? associada a situa??es de debilidade do hospedeiro ou aquelas em que o teor de glicog?nio do meio vaginal est? elevado e a conseq?ente queda do pH local propicia o desenvolvimento da infec??o. Qualquer altera??o dos n?veis de glicose, especialmente em situa??es de hiperglicemia, e qualquer estado em que se produz eleva??o do glicog?nio vaginal podem desencadear CVV(27). O excesso de glicog?nio aumenta o substrato nutritivo dos fungos, promovendo incremento na sua capacidade de ades?o(35, 48). Altos n?veis de produ??o de horm?nios femininos, especialmente a progesterona, aumentam a disponibilidade de glicog?nio no ambiente vaginal, o qual serve como excelente fonte de carbono para o crescimento e a germina??o das leveduras(57). Raramente isola-se Candida na pr?-menarca, fato que, associado ? baixa preval?ncia CVV na menopausa, enfatiza a depend?ncia hormonal da infec??o(21). Como muitas mulheres s?o portadoras assintom?ticas de Candida em pequenas quantidades, nesse estado a levedura ? considerada comensal, e as altera??es no ambiente vaginal do hospedeiro s?o necess?rias para que ela induza aos seus efeitos patol?gicos e a paciente desenvolva CVV(58).

A microbiota vaginal normal ? rica em lactobacilos produtores de per?xido (bacilos de D?derlein), os quais formam ?cido l?tico a partir do glicog?nio, presente principalmente no citoplasma das c?lulas escamosas do tipo intermedi?rias do epit?lio vaginal, cuja produ??o ? estimulada pelos horm?nios sexuais femininos. Esse mecanismo propicia acidez adequada do ambiente vaginal (pH em torno de 4,5), dificultando a prolifera??o da maioria dos pat?genos. As leveduras s?o uma exce??o, uma vez que proliferam em ambiente ?cido(1). A flora vaginal composta por lactobacilos constitui uma barreira defensiva importante ? CVV, sendo que os lactobacilos atuam em tr?s diferentes n?veis. Em primeiro lugar, competem com os fungos pelos nutrientes. Em segundo, realizam um processo de co-agrega??o, podendo com isso, al?m de competir com os fungos, bloquear os receptores epiteliais para eles, inibindo a ades?o dos mesmos ao epit?lio vaginal. Esse mecanismo de defesa ? o mais importante. Em terceiro lugar, s?o capazes de produzir subst?ncias (bacteriocinas) capazes de inibir a germina??o de mic?lios. Isso talvez explique porque tratamentos com antibi?ticos podem desencadear CVV em decorr?ncia da deple??o da flora vaginal(68).

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C. albicans possui alta capacidade de se adaptar e crescer em extens?o em situa??es de pH extremo. Assim, em pH neutro, tanto no fluxo sang??neo como nos tecidos, o microrganismo expressa um gene (PHR1) cuja fun??o est? associada ? s?ntese de parede e cuja express?o ? ?tima em pH pr?ximo ao neutro. Uma vez que no canal vaginal a express?o de PHR1 ? inibida, este ? transformado em um segundo gene, tamb?m regulado por pH, que produz fun??o similar, mas em pH ?cido (em torno de 2 a 4). Considerando tais fatos, essa levedura ? um exemplo de adapta??o em estados fisiol?gicos extremos, podendo estar presente em diversos s?tios do hospedeiro(4).

Fatores predisponentes do hospedeiro j? bem conhecidos, incluindo DM, imunossupress?o, gravidez e terapias hormonais explicam apenas parcialmente a CVVR. O uso de antibi?ticos de amplo espectro, contraceptivo oral, dieta, higiene pessoal e pr?ticas sexuais t?m sido estudados como fatores de risco para recorr?ncia(47). A fun??o de comportamentos espec?ficos como risco para CVVR n?o ? clara, mas algumas investiga??es implicam sexo oral e aumento na freq??ncia de intercurso sexual(51).

Acredita-se que a CVVR esteja relacionada com uma depress?o nos processos imunes da mucosa normal, o que permitiria certa "toler?ncia" da mucosa ao microrganismo. Pelo fato de ser encontrada alta incid?ncia de CVVR em mulheres com imunidade celular (IC) prejudicada, como pacientes sob terapia com corticoster?ides, transplantados ou pacientes portadores do v?rus HIV, t?m-se postulado que defici?ncias na IC espec?fica contra Candida desempenhem papel importante na susceptibilidade ? CVV prim?ria e particularmente ? CVVR. Por outro lado, o papel da imunidade humoral na prote??o contra infec??es f?ngicas mucosas e sist?micas permanece controverso. A maioria dos pacientes com infec??es mucosas por C. albicans tem n?veis normais ou elevados de anticorpos anti-Candida no soro e secre??es mucosas(22). Apesar disso, evid?ncias recentes demonstram que anticorpos com especificidades definidas mostram diferentes graus de prote??o(29, 41). Carvalho et al.(6) demonstraram resposta acentuada de IgA, IgG1 e IgG4 anti-C. albicans no lavado vaginal de mulheres sintom?ticas com cultura positiva, sugerindo importante papel desses anticorpos na resposta imune local estimulada pela presen?a do fungo. O mecanismo exato pelo qual esses anticorpos protegem contra infec??es por Candida ? desconhecido, mas parece incluir inibi??o da ades?o ou forma??o do tubo germinativo, opsoniza??o, neutraliza??o de enzimas relacionadas com a virul?ncia e atividade fungicida direta(43).

Fatores de virul?ncia de leveduras

A patogenicidade ou virul?ncia de um microrganismo ? definida como sua capacidade de determinar doen?a, que ? mediada por m?ltiplos fatores. Apesar de certos aspectos da virul?ncia serem determinados geneticamente, eles s?o expressos pelos microrganismos apenas quando existem condi??es ambientais favor?veis, tais como teor nutricional, atmosfera de oxig?nio e temperatura. Essas condi??es s?o espec?ficas para cada microrganismo e para cada isolado de determinado agente. Podem variar de hospedeiro para hospedeiro e mesmo entre os diferentes tecidos de um mesmo hospedeiro(24). Os principais fatores de virul?ncia de leveduras s?o descritos a seguir.

Ader?ncia

Nem sempre todas as etapas de virul?ncia s?o cumpridas por um microrganismo, sendo requisito b?sico para o estabelecimento de uma infec??o que o pat?geno entre em contato com a camada que recobre a superf?cie epitelial da mucosa do hospedeiro. A ader?ncia permanente entre o microrganismo invasor e o tecido do hospedeiro requer o estabelecimento de liga??es espec?ficas entre estruturas complementares existentes na superf?cie do pat?geno e da c?lula epitelial(24).

O evento inicial na patog?nese de doen?as infecciosas ? a ades?o microbiana aos tecidos hospedeiros. Alguns microrganismos n?o-invasivos permanecem aderidos ? superf?cie hospedeira, enquanto outros utilizam essa ades?o como a primeira etapa para a invas?o tecidual. A ades?o de pat?genos ? superf?cie de c?lulas eucari?ticas ? mediada por macromol?culas denominadas adesinas (estruturas da superf?cie do microrganismo que interagem com receptores espec?ficos nas c?lulas eucari?ticas). Um microrganismo pode expressar uma ou mais adesinas, e essa express?o ? regulada por fatores ambientais ou do hospedeiro(23).

Existem evid?ncias de que C. albicans pode produzir mais de uma estrutura adesiva, sendo que a uma manoprote?na est? primariamente atribu?da a fun??o adesiva nas rea??es de ades?o(17). Nos ?ltimos anos foi reconhecida a import?ncia da compreens?o do processo de ades?o microbiana, particularmente no n?vel bacteriano, havendo necessidade de estudos mais aprofundados sobre leveduras, em particular as isoladas de secre??o vaginal(31).

Devido ? import?ncia da ader?ncia, alguns estudos in vivo e in vitro t?m sido desenvolvidos para quantificar e caracterizar a ader?ncia de C. albicans a superf?cies celulares e inanimadas(31, 56). A liga??o de C. albicans a superf?cies

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