A Teoria de Vygotsky - Federal University of Rio Grande do ...



A Teoria de Vygotsky

Paulo Ricardo da Silva Rosa Departamento de Física UFMS

e-mail: rosa@dfi.ufms.br A teoria de Vygotsky – Capítulo 5

Introdução

Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896 na cidade de Orsha, na Rússia, e morreu em Moscou em 1934, com apenas 38 anos. Formou-se em Direito, História e Filosofia nas Universidades de Moscou e A. L. Shanyavskii, respectivamente. Por esses dados biográficos podemos perceber de início o pano de fundo que influenciou decisivamente a sua formação e o seu trabalho: a revolução russa de 1917 e o período de solidificação que se sucede. Vygotsky é um marxista e tenta desenvolver uma Psicologia com estas características.

A esse respeito é necessário que se estabeleça de saída uma diferença fundamental entre o trabalho de Vygotsky e o trabalho de outros teóricos da formação de conceitos, como Piaget ou Ausubel: Vygotsky não deixou uma teoria acabada e pronta. Muito mais apontou caminhos a serem seguidos por outros pesquisadores, na forma de grandes linhas de

Figura 1 - Lev Vgotsky.

pesquisa a serem desenvolvidas, do que sistematizou um corpo de conhecimentos a respeito da mente humana.

Outro ponto que também diferencia Vygotsky de outros teóricos, Piaget principalmente, é a sua preocupação com as situações de aprendizagem em sala de aula, o que o aproxima em certo sentido de Ausubel.

A teoria de Vygotsky chega ao ocidente através de dois livros básicos: Pensamento e Linguagem e A Formação Social da Mente1 (respectivamente Vygotsky 1993 e Vygotsky 1991). O primeiro tem a sua tradução feita do russo para o inglês apenas em 1962 e o segundo em 1978. Ambos não são livros completos no sentido de que são compilações de trabalhos esparsos, muitas vezes redundantes.

Devido à doença de Vygotsky, que o levaria à morte com apenas 38 anos, o estilo nessas obras é bastante sintético e muitas vezes há apenas um delineamento de idéias. Dentro da própria União Soviética o trabalho de Vygotsky foi proibido por 20 anos. Daí para o Brasil se vão mais alguns anos e, portanto, somente na década de 90 Vygotsky aparece como um teórico da aprendizagem influente na cena educacional brasileira.

Qual a razão da importância crescente de Vygotsky no Brasil? Uma hipótese que podemos levantar é que Vygotsky fornece uma espécie de elo que faltava à teoria piagetiana, que havia sido o principal referencial ao longo da década de 80, com o meio social, vertente essa que, como já vimos, surge muito forte no cenário educacional brasileiro com a Pedagogia Crítica dos Conteúdos. Em Vygotsky o Homem é um ser social formado dentro de um ambiente cultural historicamente definido. Esse é o ponto fundamental da teoria de Vygotsky.

Vygotsky é um psicólogo experimental. Esta é a característica básica de seu trabalho. Todas as suas construções teóricas têm os experimentos como seu ponto de partida. Nos textos no entanto, muitas vezes, os experimentos são apenas apontados ou são de terceiros. Outra característica de Vygotsky é ser um construtivista em oposição aos comportamentalistas do início do século XX, embora já tenha sido apontado como neocomportamentalista.

Os trabalhos de Vygotsky se desdobram em várias direções. Aqui, no entanto, nos deteremos apenas naqueles aspectos que mais diretamente se ligam ao cotidiano da sala de aula de Ciências.

1 Nos referiremos a estes dois livros por PL e FSM, respectivamente, seguidos por um número que indicará a página onde se encontram as citações que se seguirão. Nas citações que faremos, os termos ressaltados em negrito correspondem a grifos do original.

As relações entre Pensamento e Linguagem

Um primeiro ponto abordado dentro dos trabalhos de Vygotsky foi a relação entre pensamento e linguagem. No momento histórico em que Vygotsky aborda esse ponto, a unicidade da consciência é vista pela Psicologia como um invariante. As formas como as funções psíquicas se relacionam entre si não mudam e, por conseqüência, podemos estudar cada um dos componentes da consciência de forma isolada. Esse é o primeiro ponto onde Vygotsky se insurge contra as teorias vigentes no seu tempo apontando para o fato de que as funções da mente não são invariantes e mudam. Logo, há que se ressaltar o caráter de interdependência das funções psíquicas.

Nos estudos anteriores ao trabalho de Vygotsky, a posição teórica de que falamos havia levado ao estudo da linguagem e do pensamento como processos independentes e não relacionados. Como conseqüência dessa postura teórica duas possibilidades se apresentavam quando do estudo do pensamento e da linguagem pelos psicólogos: a primeira leva à fusão desses dois processos, pela sua identificação, e pela segunda, os psicólogos eram levados a segregar os dois processos em compartimentos estanques e não relacionados. Para Vygotsky, a origem dos erros apontados acima está na metodologia utilizada nos trabalhos anteriores, com ênfase na dissociação em elementos componentes. Vygotsky vai de encontro a essa posição apontando que, sob o ponto de vista metodológico, o correto é a análise em unidades:

Com o termo unidade queremos nos referir a um produto de análise que, ao contrário dos elementos, conserva todas as propriedades básicas do todo, não podendo ser dividido sem que as perca. A chave para a compreensão das propriedades da água são as suas moléculas e seu comportamento, e não seus elementos químicos. A verdadeira unidade da análise biológica é a célula viva, que possui as propriedades básicas do organismo vivo (PL 4).

Mas qual seria a unidade básica do pensamento verbal? Esta unidade Vygotsky encontra no significado da palavra:

...Acreditamos poder encontrá-la [a unidade] no aspecto intrínseco da palavra, no significado da palavra.[...] é no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É no significado então, que podemos encontrar as respostas às nossas questões sobre a relação entre o pensamento e a fala (PL 4).

Logo, a metodologia apropriada para o estudo das relações entre pensamento e linguagem é a análise semântica. O significado serve como unidade para o estudo da fala, ferramenta de intercâmbio social, no papel de ferramenta mediadora, bem como para o estudo do pensamento generalizante, uma vez que cada palavra traz em si uma parte de generalização:

As formas mais elevadas da comunicação humana somente são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada (PL 5).

Uma primeira constatação de Vygotsky é que o pensamento e a linguagem, que para um adulto parecem entidades idênticas, são, na verdade, dois processos independentes, com curvas de desenvolvimento independentes, que convergem para uma mesma trajetória em um dado momento. A base a partir da qual Vygotsky parte para chegar a essa conclusão são estudos com primatas superiores, realizados por vários antropólogos. Vygotsky resume os resultados obtidos com macacos antropóides da seguinte forma (PL 36):

1. O pensamento e a fala têm raízes genéticas diferentes.

2. As duas funções se desenvolvem ao longo de trajetórias diferentes e independentes.

3. Não há qualquer relação clara e constante entre elas.

4. Os antropóides apresentam um intelecto um tanto parecido com o do homem, em certos aspectos (o uso embrionário de instrumentos), e uma linguagem bastante semelhante à do homem, em aspectos totalmente diferentes (o aspecto fonético da sua fala, sua função de descarga emocional, o início de uma função social).

5. A estreita correspondência entre o pensamento e a fala, característica do homem, não existe nos antropóides.

6. Na filogenia do pensamento e da fala, pode-se distinguir claramente uma fase pré-lingüística no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da fala.

As características dos macacos antropóides indicam que para eles a fala está ligada apenas a expressão de estados emocionais, faltando qualquer indício de ideação ou representação interna. Outra característica do pensamento desses animais é o fato de que a solução de um problema só é possível se todos os elementos que comporão a solução deste problema estiverem no campo visual.

Ao reproduzir o mesmo tipo de experimentos com crianças os resultados foram semelhantes. As duas funções da fala (social e de comunicação de estados emocionais) já podem ser observadas na criança no primeiro ano (fase afetiva - conativa). Por volta dos dois anos o pensamento e a fala unem-se, dando origem a uma nova forma de comportamento.

É interessante observar que, para a criança em seus primeiros estágios, a palavra não é um símbolo do objeto mas sim uma parte do mesmo. A palavra cadeira não representa ou substitui na mente da criança o objeto cadeira, mas é parte do mesmo. Somente mais tarde o caráter simbólico se desenvolve. Há primeiro uma apropriação externa, utilitária, do signo e só após o desenvolvimento da estrutura lógica associada. Isto é válido mesmo em idade escolar. Um resumo dos resultados é o que segue (PL 38):

1. No seu desenvolvimento ontogenético, o pensamento e a fala têm raízes diferentes.

2. Podemos, com certeza, estabelecer, no desenvolvimento da fala da criança, um estágio pré-intelectual; e no desenvolvimento de seu pensamento, um estágio pré-lingüístico.

3. A uma certa altura, essas linhas se encontram; conseqüentemente, o pensamento torna-se verbal e a fala racional.

Como indícios dessa junção entre pensamento e a fala em crianças podemos citar um aumento repentino da curiosidade ativa e uma ampliação aos saltos do vocabulário. Este é o ponto de partida da função simbólica que não acontece abruptamente, como alguns contemporâneos de Vygotsky acreditavam, mas é um processo gradual e longo.

Segundo Vygotsky o desenvolvimento da fala comporta quatro estágios:

1. Natural ou primitivo - este é o estágio característico da fala pré-intelectual.

2. Psicologia ingênua (correspondendo a uma Física ingênua) - esta é a fase da inteligência prática (relacionada à manipulação de objetos). Neste período temos a capacidade de manipular os termos: porque, quando, se, mas, etc. Porém, esse domínio é operacional, não havendo ainda uma apropriação das funções lógicas (causais, temporais, condicionais, etc.) ligadas a estes termos.

3. Operações externas - esta fase corresponde à fase egocêntrica piagetiana.

4. Crescimento interior - nesta fase há um deslocamento para dentro da fala, com o aparecimento, na sua etapa final, da fala interior. Esta tem uma função completamente diferente da fala externa: a sua função é uma função planificadora. Este é o ponto em que aparece o pensamento verbal. Este processo é um processo sócio histórico por excelência:

...A natureza do próprio desenvolvimento se transforma, do biológico para o sócio - histórico. O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo histórico - cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas formas naturais de pensamento e fala (PL 43).

A formação dos conceitos

O problema da formação de conceitos é um dos problemas centrais da Psicologia e um dos mais importantes para o ensino de Ciências. Vygotsky foi uma das pessoas que mais influenciaram o desenvolvimento desse tema ao longo do século XX. Mas o que é um conceito? Poderíamos dizer que um conceito é uma abstração que trás em si os elementos essenciais de um conjunto de objetos concretos ou abstratos. Normalmente essa abstração é representada, na nossa cultura verbal, por uma palavra. Assim, por exemplo, a palavra carro denota um conjunto de objetos concretos que possuem certas características comuns: são usados para o transporte de pessoas, têm rodas, possuem faróis, etc. Deve-se observar que a palavra carro não é o conceito, mas sim o seu signo.

Ao tempo de Vygotsky duas abordagens do problema eram utilizadas. A primeira usava a técnica de estudar a formação de conceitos solicitando aos sujeitos que dessem a sua definição. O problema dessa técnica é que ao solicitar a definição dos conceitos o pesquisador tinha acesso somente ao produto acabado, perdendo desse modo todo processo de construção de conceitos.

A segunda metodologia utilizada consistia em estudar o processo de abstração por parte dos sujeitos pesquisados ao lidar com conjuntos de objetos ou situações. Nesse caso, perdia-se o valor da definição verbal dos objetos. Em ambos os casos ocorre uma perda de informação em relação ao processo complexo da formação dos conceitos pelas crianças.

Insatisfeito com estas metodologias, Vygotsky propõe o estudo experimental do processo de formação de conceitos que utiliza a seguinte metodologia: são apresentados à criança um conjunto de objetos de formas e cores diferentes. São 22 blocos de madeira de cores diferentes (cinco), formas diferentes (seis), alturas e larguras diferentes2. Na face voltada para baixo de cada objeto está uma palavra, que, de fato, não existe na língua padrão, com o nome daquele objeto. A Tabela 1 mostra o significado de cada uma das palavras utilizadas por Vygotsky no estudo do processo de formação de conceitos.

O objetivo é verificar se a criança é capaz de descobrir o conceito representado pela palavra: a atenção está toda nas condições funcionais da formação de conceitos. A partir desse tipo de estudo, realizado com 300 sujeitos ao todo, Vygotsky elabora uma taxionomia dos processos de formação de conceitos.

Tabela 1 - Significado das palavras no estudo de formação de conceitos.

|Palavra |Significado |

|lag |blocos altos e largos |

|bik |blocos baixos e largos |

|mur |blocos altos e estreitos |

|cev |blocos baixos e estreitos |

A principal conclusão desse trabalho é que a formação de conceitos é um processo que, de fato, só começa a ocorrer na adolescência. O que existe até esta fase são formas de classificação dos objetos que evolui desde uma fase inicial caracterizada por agrupamentos desorganizados até uma fase anterior à fase de formação de conceitos, caracterizada por pseudo conceitos. Vamos analisar cada um desses estágios a seguir.

Fase I - Amontoado ou agregação desorganizada

Nesta fase inicial o agrupamento de objetos é feito sem qualquer fundamento. A palavra denota um conglomerado sincrético3 e vago de objetos isolados.

Esta fase comporta três sub - fases:

I.1- Fase onde os agrupamentos são construídos pelo processo de tentativa e erro. Os grupos são criados ao acaso.

I.2- Fase onde a organização é feita por contigüidade temporal ou espacial ou pela inserção dos objetos em uma relação mais complexa. A característica desse período é o fato de que os agrupamentos são formados pela presença dos objetos no campo visual da criança no momento da formação do agrupamento.

I.3- Fase onde os agrupamentos são feitos com base nos agrupamentos formados nas duas subfases anteriores. Os objetos são agrupados por já terem sido agrupados de alguma forma em um momento anterior. Embora mais elaborada, essa fase ainda forma amontoados sincréticos.

Fase II - Pensamento por complexos

Neste período os objetos são agrupados devido às relações que de fato existem entre estes objetos. Agora os objetos são agrupados em famílias com a palavra denotando um nome de família muito mais que um objeto individualmente. Em um complexo as relações entre os componentes são concretas e fatuais e não abstrações de caráter lógico (características de conceitos). Este é o ponto de diferença entre um complexo e um conceito.

Em um complexo, as ligações entre seus componentes são concretas e fatuais, e não abstratas e lógicas, da mesma forma que não classificamos uma pessoa como membro da família Petrov por causa de qualquer relação lógica entre ela e os outros portadores do mesmo nome. A questão nos é resolvida pelos fatos.

As ligações fatuais subjacentes aos complexos são descobertas por meio da experiência direta. [...]Uma vez que um complexo não é formado no plano do pensamento lógico abstrato, as ligações que o criam, assim como as que ele ajuda a criar, carecem de unidade lógica; podem ser de muitos tipos diferentes. Qualquer conexão fatualmente presente pode levar à inclusão de determinado elemento em um complexo. É esta a diferença principal entre um complexo e um conceito. Enquanto um conceito agrupa os objetos de acordo com um atributo, as ligações que unem os elementos de um complexo ao todo, e entre si, podem ser tão diversas quanto os contatos e as relações que de fato existem entre os elementos (PL 53).

Vygotsky diferencia cinco tipos de complexos:

II. 1 - Complexo Associativo - neste caso a associação pode ser feita com base em qualquer tipo de relação percebida pela criança entre o objeto específico e outros objetos presentes.

3 sincretismo

s. m. 1. Filos. Sistema que combinava os princípios de diversos sistemas. 2. Amálgama de concepções heterogêneas. 3. Sociol. Fusão de dois ou mais elementos culturais antagônicos num só elemento, continuando porém perceptíveis alguns sinais de suas origens diversas. (Dicionário Michaelis Eletrônico, 1996).

No exemplo mostrado na Figura 2 a associação é feita pelo fato de todos os objetos terem cantos em 900 e serem formados por linhas retas.

Figura 2 Exemplo de complexo associativo.

II. 2 - Complexo de Coleções - os elementos são agrupados por alguma característica que os torna diferentes (cor, forma, etc.). É uma associação por contraste e não por semelhança.

II. 3 - Complexo em Cadeia - aqui a topologia das ligações entre os objetos é tipo cadeia, com cada objeto sendo incorporado ao complexo por alguma característica comum a algum outro objeto já pertencente ao complexo mas que não precisa, necessariamente, ser uma característica comum aos outros objetos já incorporados. As ligações são do tipo um a um, como elos em uma cadeia. Não há uma hierarquia dos atributos que definem quem pertence ao complexo. Veja a Figura 3. Esta associação é tipo cadeia. O primeiro elo tem a forma retangular e cor cinza, o segundo forma retangular mas de cor branca e o terceiro é uma elipse de cor branca. A ligação do primeiro elo com o segundo é pela forma enquanto que do segundo com o terceiro é pela cor.

Figura 3 Elementos de um complexo em cadeia.

II. 4 - Complexos Difusos - neste caso uma semelhança muito remota pode ser suficiente para a inserção do objeto no complexo.

II. 5 - Pseudoconceitos - os pseudoconceitos formam a ponte entre o pensamento por complexos e os conceitos verdadeiros. Embora semelhantes aos conceitos são psicologicamente diferentes daqueles. O agrupamento, neste caso, é feito pela semelhança concreta visível e não por qualquer propriedade abstrata. Na idade pré-escolar e escolar os pseudo conceitos dominam sobre as outras formas de complexos.

Os pseudoconceitos predominam sobre todos os outros complexos no pensamento da criança em idade pré-escolar, pela simples razão de que na vida real os complexos que correspondem ao significado das palavras não são desenvolvidos espontaneamente pela criança: as linhas ao longo das quais um complexo se desenvolve são predeterminadas pelo significado que uma determinada palavra já possui na linguagem dos adultos (PL 58).

[...] não fosse o predomínio dos pseudoconceitos, os complexos da criança seguiriam uma trajetória diferente daquela dos conceitos dos adultos, o que tornaria impossível a comunicação verbal entre ambos.

O pseudoconceito serve de elo de ligação entre o pensamento por complexos e o pensamento por conceitos. É dual por natureza: um complexo já carrega a semente que fará germinar um conceito. Desse modo a comunicação verbal com os adultos torna-se um poderoso fator no desenvolvimento de conceitos infantis.

Vemos, portanto, que para Vygotsky o desenvolvimento dos pseudoconceitos não é livre mas direcionado pelos adultos, que fornecem o significado acabado das palavras. Caso não existissem os pseudoconceitos o pensamento por complexos se desenvolveria, em direção a formação dos conceitos, de forma completamente diferente e autônoma em cada indivíduo. Isto, obviamente, impediria toda vida social devido à impossibilidade de comunicação entre os seres humanos: como comunicar se não há traços de significado comuns?

Fase III - Pensamento Conceitual

Nesta fase temos o aparecimento de duas características que diferenciarão o pensamento por conceitos do pensamento por complexos: as capacidades de síntese e análise que não estão presentes no pensamento por complexos.

Enquanto que no pensamento por complexos há uma super abundância de conexões, no pensamento conceitual ocorre um enxugamento dessas ligações. Da mesma maneira que nas fases anteriores, esta fase se subdivide em subfases, em número de três:

III. 1 - Agrupamento por grau máximo de semelhança.

III. 2 - Agrupamento com base em um único atributo (conceitos potenciais).

III. 3 - Conceitos verdadeiros.

Há uma diferença entre possuir um conceito e poder defini-lo verbalmente. Como em outras funções superiores, há, primeiro, uma apropriação operacional do conceito para depois haver a possibilidade de defini-lo de forma verbal. O adolescente primeiro usa o conceito para depois tomar consciência dele. A capacidade de aplicar o conceito a uma situação totalmente nova somente aparece ao final da adolescência.

Segundo Vygotsky:

Nossa investigação mostrou que um conceito se forma não pela interação das associações, mas mediante uma operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma combinação específica. Essa operação é dirigida pelo uso das palavras como o meio para centrar ativamente a atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-los por meio de um signo.

Os processos que levam à formação dos conceitos evoluem ao longo de duas linhas principais. A primeira é a formação dos complexos: a criança agrupa diversos objetos “um nome de família” comum; esse processo passa por vários estágios. A segunda linha de desenvolvimento é a formação de “conceitos potenciais”, baseados no isolamento de certos atributos comuns. Em ambos os casos, o emprego da palavra é parte integrante dos processos de desenvolvimento, e a palavra conserva a sua função diretiva na formação dos conceitos verdadeiros, aos quais esses processos conduzem.

A formação de conceitos espontâneos versus a formação de conceitos científicos

A análise feita na seção anterior tem por base o laboratório onde os conceitos são formados, de certo modo, de maneira artificial. Mas o que acontece na prática, no dia a dia? Para responder a esta pergunta Vygotsky acha importante fazer uma distinção entre o que ele chama de conceitos espontâneos e conceitos científicos.

Nível de abstração superior

Nível concreto

Direção de crescimento dos conceitos cotidianos

direção de crescimento dos conceitos científicos

Figura 4 Esquema da direção de crescimento dos conceitos científicos e cotidianos dentro da teoria de Vygotsky.

Os primeiros, conceitos espontâneos, são aqueles conceitos que são formados a partir da interação do sujeito com o mundo físico do dia a dia enquanto que os segundos, conceitos científicos, normalmente são enunciados no ambiente formal do ensino, não tendo, portanto, a mesma gênese dos conceitos cotidianos. Vygotsky discorda dos trabalhos de Piaget que, nessa fase, não fazia qualquer distinção entre os dois tipos de conceitos4.

O processo de desenvolvimento dos dois tipos de conceitos é completamente diferente também. Os conceitos cotidianos são usados pelo sujeito e após são generalizados. Já os conceitos científicos já nascem como generalizações (abstrações) da realidade. Com estas origens diferentes o desenvolvimento dos dois tipos de conceitos também se dá de forma diversa: enquanto os conceitos cotidianos têm um desenvolvimento vertical em direção à um nível de abstração superior (para cima) os conceitos científicos têm um desenvolvimento em direção à base, instâncias concretas do conceito. A Figura 4 mostra, esquematicamente, este desenvolvimento dos conceitos.

Os conceitos científicos pressupõem, desde o início, um certo grau de generalização e de sistematização tendo necessidade, desde o início, de um processo de mediação por outros conceitos.

A zona de desenvolvimento proximal: aprendizagem versus desenvolvimento

Vygotsky se preocupou muito com a questão, clássica na Psicologia: qual a influência da aprendizagem no desenvolvimento mental da criança? Ao tempo em que Vygotsky realizou seus estudos três escolas disputavam a preferência dos psicólogos.

A primeira dessas escolas considerava que a aprendizagem deve seguir o desenvolvimento dos alunos. O papel do professor seria o de identificar adequadamente o estágio de desenvolvimento do aprendiz e programar a aprendizagem de acordo com este estágio. Para esta escola o desenvolvimento é um processo de maturação natural e a aprendizagem nada pode fazer para acelerar este processo. Os trabalhos de Piaget se enquadrariam dentro desta categoria5.

4 Observe-se no entanto, que o Piaget que Vygotsky conhece é o Piaget jovem, dos primeiros trabalhos.

5 Sempre é bom lembrar que Piaget não tinha a escola como sua preocupação. A teoria de Vygotsky – Capítulo 5.

Um segundo grupo de psicólogos considerava como sinônimos aprendizagem e desenvolvimento, identificando mesmo um com o outro. Dentro desta escola podemos enquadrar os comportamentalistas.

Uma terceira escola tentava juntar as duas posições antagônicas, por achar que não eram tão antagônicas assim. A Gestalt se enquadra nessa terceira posição teórica.

Vygotsky não concorda com nenhuma das três posições e argumenta que:

1. O desenvolvimento das bases psicológicas para o aprendizado de matérias básicas não precede esse aprendizado, mas se desenvolve numa interação contínua com as suas contribuições.

2. O aprendizado precede o desenvolvimento em muitas áreas.

3. O aprendizado de uma matéria influencia o desenvolvimento das funções superiores para além dos limites da matéria específica.

Como vimos na seção anterior, os dois tipos de conceitos identificados por Vygotsky crescem em direções opostas. No entanto, os dois processos não são independentes, pelo contrário, são altamente relacionados. É preciso que o desenvolvimento de um conceito cotidiano tenha atingido determinado nível para que o conceito científico correlato possa ser absorvido pela criança.

Vygotsky chama a atenção para o fato de que as relações entre conceitos são relações de generalidade, com o nível de generalização atual sendo construído sobre o nível de generalização precedente. Assim, o conceito científico exige a existência de um sistema de generalização enquanto que o conceito cotidiano prescinde desse sistema.

Outro ponto para o qual Vygotsky chama a atenção6 é a existência de uma história que precede cada situação de aprendizagem. O aluno ao entrar na escola já possui uma aritmética ou uma geometria não sendo portanto uma tábula rasa sobre a qual o professor e o ensino deixarão a sua marca.

A partir dessa diferenciação entre conceitos espontâneos e conceitos científicos vemos que a aprendizagem possui uma natureza diferente quando acontece dentro da escola em relação à situação externa à escola. Essa diferença para Vygotsky não pode ser explicada somente pelo caráter sistemático da aprendizagem conceitual científica.

Para sair desse impasse, Vygotsky desenvolve dois conceitos chave (ver a Figura 5). Ao primeiro chama de Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) e ao segundo Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

A Zona de Desenvolvimento Real compreende aquelas funções psíquicas já dominadas pelo sujeito. É esta região que é explorada pelos testes. Nela estão aquelas habilidades já dominadas pelo sujeito. Para os adeptos da teoria pela qual o desenvolvimento precede a aprendizagem é o lugar onde o professor e o sistema de ensino devem trabalhar.

A Zona de Desenvolvimento Proximal, por outro lado, indica aquele conjunto de habilidades onde o sujeito pode ter sucesso se assistido por uma adulto ou alguém mais experiente. É nessa região que estão as habilidades ainda em desenvolvimento pelo sujeito. Se pegarmos duas crianças que apresentem a mesma ZDR ambos poderão ter graus diferentes de sucesso na solução de problemas assistidos. As habilidades nas quais as crianças apresentam sucesso na solução de problemas assistidos serão aquelas onde o sujeito poderá ter sucesso sozinho depois de algum tempo, se o desenvolvimento seguir o seu curso normal. Deste modo, para Vygotsky, a região onde a escola deve trabalhar é a da ZDP de modo a alavancar o processo de desenvolvimento dessas funções.

6 Vemos aqui um prenúncio das modernas pesquisas em Concepções Espontâneas.

Zona de Desenvolvimento Real Zona de Desenvolvimento Proximal

Figura 5 Esquema das Zonas de Desenvolvimento Real e Zona de Desenvolvimento Proximal na teoria de Vygotsky.

Relacionado a isto temos o papel da imitação. Para Vygotsky a imitação7 não deve ser vista como uma simples reprodução mecânica pela criança de atividades dos adultos mas sim como um momento onde a criança está exercitando as habilidades da sua ZDP.

Para Vygotsky:

Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar uma zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança (FSM 101).

O papel da escola e das disciplinas científicas

De tudo que foi dito até agora qual seria o papel da escola e das disciplinas científicas?

Como vimos na seção anterior, o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal caracteriza esta região como um espaço onde os conceitos e funções psíquicas estão ainda em fase de desenvolvimento enquanto que a Zona de Desenvolvimento Real é caracterizada por ser uma região onde os conceitos e funções já se encontram acabados, prontos. Portanto, se a escola trabalhar dentro desta região, em nada estará contribuindo para o desenvolvimento da criança.

O locus onde o professor e a escola devem trabalhar é na Zona de Desenvolvimento Proximal, representada na Figura 5 pela área em cinza, enquanto a Zona de Desenvolvimento Real é representada pela área em branco. Ao trabalhar as funções que estão ainda se desenvolvendo o professor pode propiciar ao aluno um desenvolvimento mais rápido e completo.

Como também vimos anteriormente a gênese dos conceitos científicos se dá de forma completamente diferente dos conceitos espontâneos; os conceitos científicos nascem já abstratos precisando do papel mediador de outros conceitos para a sua formação. O espaço por excelência para essa ação pedagógica é a escola. Além disso, como bem apontado por Vygotsky, o desenvolvimento das funções superiores em uma determinada área afeta áreas correlatas onde as mesmas habilidades são utilizadas.

7 Observe-se que a imitação também tem um papel chave na teoria de Piaget.

Conclusão

Neste capítulo analisamos a teoria de Vygotsky. Da mesma forma que a teoria de Piaget a teoria de Vygotsky é possui mais um caráter epistemológico que de aprendizagem propriamente. No entanto, a exemplo de Ausubel, Vygotsky se preocupa com a sala de aula. O principal componente inovador da teoria de Vygotsky é a incorporação de fatores sociais na formação de conceitos. Em Vygotsky os conceitos vão sendo formados individualmente por cada sujeito até atingirem o estágio de pseudoconceitos. Nesta fase é a mediação da cultura que permite uma convergência dos pseudoconceitos em direção a conceitos compartilhados por um certo agrupamento humano. Sem este papel mediador os pseudoconceitos evoluiriam em direções arbitrárias, não permitindo a vida social.

Outro conceito importante da teoria de Vygotsky é o de Zona de Desenvolvimento Proximal. Essa é definida como uma zona cognitiva onde os estudantes são ainda capazes de trabalhar (solucionar problemas) se assistidos, mas ainda não são capazes de fazê-lo sozinhos. Para vygotsky o professor deve trabalhar na Zona de Desenvolvimento Proximal, de modo a fazer avançar a fronteira da Zona de Desenvolvimento Real, definida como aquela zona cognitiva onde o aluno pode trabalhar só. Como fazer isto? O professor deve apresentar problemas que contenham elementos dentro da Zona de Desenvolvimento Real mas que contenham também elementos da zona cognitiva que se encontra em fase de desenvolvimento, a Zona de Desenvolvimento Proximal. O trabalho em grupo e cooperativo entre os estudantes mais avançados (ou o próprio professor) fará com que os alunos avancem, transformando assim a Zona de Desenvolvimento Proximal em Zona de Desenvolvimento Real.

Conclusão

Neste capítulo analisamos a teoria de Vygotsky. Da mesma forma que a teoria de Piaget a teoria de Vygotsky é possui mais um caráter epistemológico que de aprendizagem propriamente. No entanto, a exemplo de Ausubel, Vygotsky se preocupa com a sala de aula. O principal componente inovador da teoria de Vygotsky é a incorporação de fatores sociais na formação de conceitos. Em Vygotsky os conceitos vão sendo formados individualmente por cada sujeito até atingirem o estágio de pseudoconceitos. Nesta fase é a mediação da cultura que permite uma convergência dos pseudoconceitos em direção a conceitos compartilhados por um certo agrupamento humano. Sem este papel mediador os pseudoconceitos evoluiriam em direções arbitrárias, não permitindo a vida social.

Outro conceito importante da teoria de Vygotsky é o de Zona de Desenvolvimento Proximal. Essa é definida como uma zona cognitiva onde os estudantes são ainda capazes de trabalhar (solucionar problemas) se assistidos, mas ainda não são capazes de fazê-lo sozinhos. Para vygotsky o professor deve trabalhar na Zona de Desenvolvimento Proximal, de modo a fazer avançar a fronteira da Zona de Desenvolvimento Real, definida como aquela zona cognitiva onde o aluno pode trabalhar só. Como fazer isto? O professor deve apresentar problemas que contenham elementos dentro da Zona de Desenvolvimento Real mas que contenham também elementos da zona cognitiva que se encontra em fase de desenvolvimento, a Zona de Desenvolvimento Proximal. O trabalho em grupo e cooperativo entre os estudantes mais avançados (ou o próprio professor) fará com que os alunos avancem, transformando assim a Zona de Desenvolvimento Proximal em Zona de Desenvolvimento Real.

Andragogia

Revista de Clínica Cirúrgica da Paraíba

Nº 6, Ano 4, (Julho de 1999)

ANDRAGOGIA :

A APRENDIZAGEM NOS ADULTOS

Prof. Roberto de Albuquerque Cavalcanti *

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Introdução

Crianças são seres indefesos, dependentes. Precisam ser alimentados, protegidos, vestidos, banhados, auxiliados nos primeiros passos, Durante anos se acostumam a esta dependência, considerando-a como um componente normal do ambiente que as rodeia. Na idade escolar, continuam aceitando esta dependência, a autoridade do professor e a orientação deles como inquestionáveis.

 A adolescência vai mudando este status quo. Tudo começa a ser questionado, acentuam-se as rebeldias e, na escola, a infalibilidade e autoridade do professor não são mais tão absolutas assim. Alunos querem saber por que devem aprender geografia, história ou ciências.

 A idade adulta trás a independência. O indivíduo acumula experiências de vida, aprende com os próprios erros, apercebe-se daquilo que não sabe e o quanto este desconhecimento faz-lhe falta. Escolhe uma namorada ou esposa, escolhe uma profissão e analisa criticamente cada informação que recebe, classificando-a como útil ou inútil.

 Esta evolução, tão gritante quando descrita nestes termos, infelizmente é ignorada pelos sistemas tradicionais de ensino. Nossas escolas, nossas universidades tentam ainda ensinar a adultos com as mesmas técnicas didáticas usadas nos colégios primários ou secundários. A mesma pedagogia é usada em crianças e adultos, embora a própria origem da palavra se refira à educação e ensino das crianças (do grego paidós = criança).

 

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APERCEBENDO-SE DA DIFERENÇA

 Linderman, E.C, em 1926, pesquisando as melhores formas de educar adultos para a "American Association for Adult Education" percebeu algumas impropriedades nos métodos utilizados e escreveu:

"Nosso sistema acadêmico se desenvolveu numa ordem inversa: assuntos e professores são os pontos de partida, e os alunos são secundários. ... O aluno é solicitado a se ajustar a um currículo pré-estabelecido. ... Grande parte do aprendizado consiste na transferência passiva para o estudante da experiência e conhecimento de outrem ".

Mais adiante oferece soluções quando afirma que

"nós aprendemos aquilo que nós fazemos. A experiência é o livro-texto vivo do adulto aprendiz".

Lança assim as bases para o aprendizado centrado no estudante, e do aprendizado tipo "aprender fazendo". Infelizmente sua percepção ficou esquecida durante muito tempo.

 A partir de 1970 , Malcom Knowles trouxe a tona as idéias plantadas por Linderman. Publicou várias obras, entre elas "The Adult Learner - A Neglected Species" (1973), introduzindo e definindo o termo Andragogia - A Arte e Ciência de Orientar Adultos a Aprender. Daí em diante, muitos educadores passaram a se dedicar ao tema, surgindo ampla literatura sobre o assunto.

 

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ANDRAGOGIA - A ARTE E CIÊNCIA DE ORIENTAR ADULTOS A APRENDER.

 

Kelvin Miller afirma que estudantes adultos retém apenas 10% do que ouvem, após 72 horas. Entretanto serão capazes de lembrar de 85% do que ouvem, vêm e fazem, após o mesmo prazo. Ele observou ainda que as informações mais lembradas são aquelas recebidas nos primeiros 15 minutos de uma aula ou palestra.

 Para melhorar estes números, faz-se necessário conhecer as peculiaridades da aprendizagem no adulto e adaptar ou criar métodos didáticos para serem usados nesta população específica.

Segundo Knowles, à medida que as pessoas amadurecem, sofrem transformações:

 

|Passam de pessoas dependentes para indivíduos independentes, autodirecionados.  |

|• Acumulam experiências de vida que vão ser fundamento e substrato de seu aprendizado futuro.  |

|• Seus interesses pelo aprendizado se direcionam para o desenvolvimento das habilidades que utiliza no seu papel social, na sua profissão.  |

|• Passam a esperar uma imediata aplicação prática do que aprendem, reduzindo seu interesse por conhecimentos a serem úteis num futuro |

|distante.  |

|• Preferem aprender para resolver problemas e desafios, mais que aprender simplesmente um assunto.  |

|• Passam a apresentar motivações internas (como desejar uma promoção, sentir-se realizado por ser capaz de uma ação recem-aprendida, etc), |

|mais intensas que motivações externas como notas em provas, por exemplo. |

 

Partindo destes princípios assumidos por Knowles, inúmeras pesquisas foram realizadas sobre o assunto. Em 1980, Brundage e MacKeracher estudaram exaustivamente a aprendizagem em adultos e identificaram trinta e seis princípios de aprendizagem, bem como as estratégias para planejar e facilitar o ensino. Wilson e Burket (1989) revisaram vários trabalhos sobre teorias de ensino e identificaram inúmeros conceitos que dão suporte aos princípios da Andragogia. Também Robinson (1992), em pesquisa por ele realizada entre estudantes secundários, comprovou vários dos princípios da Andragogia, principalmente o uso da experiências de vida e a motivação intrínseca em muitos estudantes.

Comparando o aprendizado de crianças (pedagogia) e de adultos (andragogia), se destacam as seguintes diferenças:

 

|Características da Aprendizagem |Pedagogia |Andragogia |

|Relação Professor/Aluno |Professor é o centro das ações, decide o que |A aprendizagem adquire uma característica mais|

| |ensinar, como ensinar e avalia a aprendizagem |centrada no aluno, na independência e na |

| | |auto-gestão da aprendizagem. |

|Razões da Aprendizagem |Crianças (ou adultos) devem aprender o que a |Pessoas aprendem o que realmente precisam |

| |sociedade espera que saibam (seguindo um |saber (aprendizagem para a aplicação prática |

| |curriculo padronizado) |na vida diária). |

|Experiência do Aluno |O ensino é didático, padronizado e a |A experiência é rica fonte de aprendizagem, |

| |experiência do aluno tem pouco valor |através da discussão e da solução de problemas|

| | |em grupo. |

|Orientação da Aprendizagem |Aprendizagem por assunto ou matéria |Aprendizagem baseada em problemas, exigindo |

| | |ampla gama de conhecimentos para se chegar a |

| | |solução  |

 

Alguns autores já extrapolam estes princípios para a administração de recursos humanos. A capacidade de autogestão do próprio aprendizado, de auto-avaliação, de motivação intrínseca podem ser usados como bases para um programa onde empregados assumam o comando de seu próprio desenvolvimento profissional, com enormes vantagens para as empresas. Uma gestão baseada em modelos andragógicos poderá substituir o controle burocrático e hierárquico, aumentando o compromentimento, a auto-estima, a responsabilidade e capacidade de grupos de funcionários resolverem seus problemas no trabalho.

Aliás, os atuais métodos administrativos de controle de qualidade total já prevêem e utilizam estas características dos adultos. No CQT, os funcionários são estimulados a reuniões periódicas onde serão discutidos os problemas nos setores e processos sob sua responsabilidade, buscadas suas causas, pesquisadas as possíveis soluções, que serão implementadas e reavaliadas posteriormente. Está aí implícita a atividade de aprendizagem, onde pessoas vão trocar idéias, buscar em suas experiências e outras fontes a construção de um novo conhecimento e a solução de problemas. O setor empresarial, sem dúvida mais ágil que o de ensino, conseguiu difundir muito mais rapidamente vários dos conceitos da andragogia, mesmo sem este rótulo estabelecido pelo mundo pedagógico.

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OS UNIVERSITÁRIOS

Os estudantes universitários não são exatamente adultos, mas estão próximos desta fase de suas vidas. O ensino clássico pode resultar, para muitos deles, num retardamento da maturidade, já que exige dos alunos uma total dependência dos professores e curriculos estabelecidos. As iniciativas não encontram apoio, nem são estimuladas. A instituição e o professor decidem o que, quando e como os alunos devem aprender cada assunto ou habilidade. E estudantes deverão se adaptar a estas regras fixas.

Alguns alunos sem dúvida conseguem manter seus planos e ideais, suas metas e trajetórias, reagindo contra estas imposições e buscando seus próprios caminhos. Geralmente serão penalizados por baixos conceitos e notas, já que não seguem as regras da instituição.

Os demais se verão forçados a deixar adormecer suas iniciativas, algumas vezes marcando de forma profunda suas personalidades. Muitos permanecerão dependentes, terão dificuldades para se adaptar às condições diferentes encontradas fora das Universidades, terão sua auto-estima ferida pela percepção tardia das deficiências de seus treinamentos e poderão inclusive estar despreparados para buscar a solução para elas.

Para evitar este lado negativo do ensino universitário, é necessário que sejam introduzidos conceitos andragógicos nos currículos e abordagens didáticas dos cursos superiores. Por estar a maioria dos Universitários na fase de transição acima mencionada, não pode haver um abandono definitivo dos métodos clássicos. Eles precisarão ainda de que lhes seja dito o que aprender e lhes seja indicado o melhor caminho a ser seguido. Mas devem ser estimulados a trabalhar em grupos, a desenvolver idéias próprias, a desenvolver um método pessoal para estudar, a aprender como utilizar de modo crítico e eficiente os meios de informação disponíveis para seu aprendizado.

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 APLICAÇÃO DA TEORIA ANDRAGÓGICA NA APRENDIZAGEM DE ADULTOS.

Migrar do ensino clássico para os novos enfoques andragógicos é, no mínimo, trabalhoso (ninguém disse que era fácil..!).O corpo docente envolvido nesta migração precisa ser bem preparado, inclusive através de programas andragógicos (afinal, são adultos em aprendizagem!).Burley (1985) enfatizou o uso de métodos andragógicos para o treinamento de educadores de adultos.

O professor precisa se transformar num tutor eficiente de atividades de grupos, devendo demonstrar a importância prática do assunto a ser estudado, teve transmitir o entusiasmo pelo aprendizado, a sensação de que aquele conhecimento fará diferença na vida dos alunos; ele deve transmitir força e esperança, a sensação de que aquela atividade está mudando a vida de todos e não simplesmente preenchendo espaços em seus cérebros.

As características de aprendizagem dos adultos devem ser exploradas através de abordagens e métodos apropriados, produzindo uma maior eficiência das atividades educativas.

 Tirando proveito da Experiência Acumulada pelos Alunos.

Os adultos têm experiências de vida mais numerosas e mais diversificadas que as criança. Isto significa que, quando formam grupos, estes são mais heterogêneos em conhecimentos, necessidades, interesses e objetivos. Por outro lado, uma rica fonte de consulta estará presente no somatório das experiências dos participantes. Esta fonte poderá ser explorada através de métodos experienciais (que exijam o uso das experiências dos participantes), como discussões de grupo, exercícios de simulação, aprendizagem baseada em problemas e discussões de casos. Estas atividades permitem o compartilhamento dos conhecimentos já existentes para alguns, além de reforçar a auto-estima do grupo. Uma certa tendência à acomodação, com fechamento da pente do grupo para novas idéias deverá ser quebrada pelo professor, propondo discussões e problemas que produzam conflitos intelectuais, a serem debatidos com mais ardor.

 Propondo Problemas, Novos Conhecimentos e Situações sincronizadas com a Vida Real.

Os adultos vivem a realidade do dia-a-dia. Portanto, estão sempre propensos a aprender algo que contribua para suas atividades profissionais ou para resolver problemas reais. O mesmo é verdade quando novas habilidades, valores e atitudes estiverem conectadas com situações da vida real. Os métodos de discussão de grupo, aprendizagem baseada em problemas ou em casos reais novamente terão utilidade, sendo esta mais uma justificativa para sua eficiente utilização. Muitas vezes será necessária uma avaliação prévia sobre as necessidades do grupo para que os problemas ou casos propostos estejam bem sintonizados com o grupo.

 

Justificando a necessidade e utilidade de cada conhecimento

Adultos se sentem motivados a aprender quando entendem as vantagens e benefícios de um aprendizado, bem como as conseqüências negativas de seu desconhecimento. Métodos que permitam ao aluno perceber suas próprias deficiências, ou a diferença entre o status atual de seu conhecimento e o ponto ideal de conhecimento ou habilidade que ser-lhe-á exigido, sem dúvida serão úteis para produzir esta motivação. Aqui cabem as técnicas de revisão a dois, revisão pessoal, auto-avaliação e detalhamento acadêmico do assunto. O próprio professor também poderá explicitar a necessidade da aquisição daquele conhecimento.

 Envolvendo Alunos no Planejamento e na Responsabilidade pelo Aprendizado

Adultos sentem a necessidade de serem vistos como independentes e se ressentem quando obrigados a acceder ao desejo ou às ordens de outrem. Por outro lado, devido a toda uma cultura de ensino onde o professor é o centro do processo de ensino-aprendizagem, muitos ainda precisam de um professor para lhes dizer o que fazer. Alguns adultos preferem participar do planejamento e execução das atividades educaicionais. O professor precisa se valer destas tendências para conseguir mais participação e envolvimento dos estudantes. Isto pode ser conseguido através de uma avaliação das necessidades do grupo, cujos resultados serão enfaticamente utilizados no planejamento das atividades. A independência, a responsabilidade serão estimulados pelo uso das simulações, apresentações de casos, aprendizagem baseada em problemas, bem como nos processos de avaliação de grupo e autoavaliação.

 Estimulando e utilizando a Motivação Interna para o Aprendizado.

Estímulos externos são classicamente utilizados para motivar o aprendizado, como notas nos exames, premiações, perspecitivas de promoções ou melhores empregos. Entretanto as motivações mais fortes nos adultos são internas, relacionadas com a satisfação pelo trabalho realizado, melhora da qualidade de vida, elevação da auto-estima. Um programa educacional, portanto, terá maiores chances de bons resultados se estiver voltado para estas motivações pessoais e for capaz de realmente atender aos anseios íntimos dos estudantes.

 Facilitando o Acesso, os Meios, o Tempo e a Oportunidade

Algumas limitações são impostas a alguns grupos de adultos, o que impedem que venham a aprender ou aderir a programas de aprendizagem. O tempo disponível, o acesso a bibliotecas, a serviços, a laboratórios, a Internet são alguns destes fatores limitantes. A disponibilização destes fatores aos estudantes sem dúvida .contribui de modo significativo para o resultado final de todo o processo.

Outros Aspectos da Aprendizagem de Adultos

Adultos não gostam de ficar embaraçados frente a outras pessoas. Assim, adotarão uma postura reservada nas atividades de grupo até se sentirem seguras de que não serão ridicularizadas. Pessoas tímidas levarão mais tempo para se sentirem à vontade e não gostam de falar em discussões de grupo. Elas podem ser incentivadas a escrever suas opiniões e posteriormente mudarem de grupos, caso se sintam melhor em outras companhias.

O ensino andragógico deve começar pela arrumação da sala de aulas, com cadeiras arrumadas de modo a facilitar discussões em pequenos grupos. Nunca deverão estar dispostas em fileiras.

Antes de cada aula, o professor deverá escrever uma pergunta provocativa no quadro, de modo a despertar o interesse pelo assunto antes mesmo do inicio da atividade.

O professor afeito ao ensino de adultos raramente responderá alguma pergunta. Ele a devolverá à classe, perguntando "Quem pode iniciar uma resposta?" ("Quem sabe a resposta?" e' uma pergunta intimidante e não deverá ser utilizada).

O Professor nunca deverá dizer que a resposta de um adulto está errada. Cada resposta sempre terá alguma ponta de verdade que deve ser trabalhada. O professor deverá se desculpar pela pergunta pouco clara e refazê-la de modo a aproveitar a parte correta da resposta anterior. Fará então novas perguntas a outros estudantes, de modo a correlacionar as respostas até obter a informação completa.

 Vimos acima que adultos, após 72 horas, lembram muito mais do que ouviram, viram e fizeram (85%) do que daquilo que simplesmente ouviram (10%). O "Teste de 3 minutos" é um excelente recurso para fixar o conhecimento. Os alunos são slicitados a escrever,no espaço de 3 minutos, o máximo que puderem sobre o assunto que discutido. Isto reforça o aprendizado criando uma percepção visual sobre o assunto.

Adultos podem se concentrar numa explanação teórica durante 07 minutos. Depois disso, a atenção se dispersa. Este período deverá ser usados pelo Professor para estabelecer os objetivos e a relevância do assunto a ser discutido, enfatizar o valor deste conhecimento e dizer o quanto sente-se motivado a discutí-lo. Vencidos os 07 minutos, é tempo de iniciar uma discussão ou outra atividade, de modo a diversificar o método e conseguir de volta a atenção. Estas alternâncias podem tomar até 30% do tempo de uma aula teórica, porém permitem quadruplicar o volume de informações assimiladas pelos estudantes.

 

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CONCLUSÃO

Nos Cursos Universitários, geralmente recebemos adolescentes como calouros e liberamos adultos como bacharelandos. Estamos portanto trabalhando no terreno limítrofe entre a pedagogia e andragogia. Não podemos abandonar os métodos clássicos, de curriculos parcialmente estabelecidos e professores que orientem e guiem seus alunos, nem podemos, por outro lado, tolher o amadurecimento de nossos estudantes através da imposição de um curriculo rígido, que não valorize suas iniciativas, suas individualidades, seus ritmos particulares de aprendizado. Precisamos encontrar um meio termo, onde as características positivas da Pedagogia sejam preservadas e as inovações eficientes da Andragogia sejam introduzidas para melhorar o resultado do Processo Educacional.

Precisamos estimular o autodidatismo, a capacidade de autoavaliação e autocrítica, as habilidades profissionais, a capacidade de trabalhar em equipes. Precisamos enfatizar a responsabilidade pessoal pelo próprio aprendizado e a necessidade e capacitação para a aprendizagem continuada ao longo da vida. Precisamos estimular a responsabilidade social, formando profissionais competentes, com auto-estima, seguros de suas habilidades profissionais e comprometidos com a sociedade à qual deverão servir. Sem dúvida, a Andragogia será uma ótima ferramenta para nos ajudar a atingir estes objetivos.

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Roberto de Albuquerque Cavalcanti é:

Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina da UFPB, em 1973 

Aprovado pelo ECFMG em 1973. 

Professor Adjunto IV do Departamento de Cirurgia do CCS - UFPB 

Vice-Chefe do Departamento de Cirurgia do CCS - UFPB 

Membro da Comissão de Reforma Curricular da Coordenação do Curso de Medicina - CCS - UFPB.

Acessos desde 28/06/99 =

Teoria das inteligências múltiplas

|SOBRE A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS, DE GARDNER |[pi|[pi|[pi|

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|Arquivado em:  Psicologia |

|Escrito por psicopr    |

|Sex, 15 de Abril de 2005 17:37 |

|SOBRE A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS, DE GARDNER |

|Leandro Kruszielski |

|Trabalho apresentado à disciplina de Psicologia da Aprendizagem, |

|da Universidade Federal do Paraná (1999) |

| |

|Existem teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada área do conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em geral e, |

|consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. A teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (pesquise livros e preços de |

|edições brasileiras) parece estar enquadrada nos dois casos. |

|Existem teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada área do conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em geral e, |

|consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. A teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner parece estar enquadrada nos dois|

|casos. |

| |

|Este fato acarreta vantagens e desvantagens. A grande vantagem, neste caso, é a mudança de pensamento de pessoas que normalmente não tem acesso|

|ou interesse em artigos científicos. A desvantagem encontra-se no fato de que, ao tornar-se uma teoria "popular", correria riscos de ser |

|tratada superficialmente permitindo que os eventuais erros fossem expostos sem uma análise mais crítica. |

| |

|Pensando desta maneira, o presente trabalho pretende apresentar de forma sucinta a teoria das Inteligências Múltiplas e realizar uma breve |

|análise crítica da teoria, enfocando principalmente o aspecto neuropsicológico inserido nela. Por esta razão, durante a exposição da teoria em |

|si, embora mantendo fidelidade ao conteúdo original, serão utilizados outros autores para fundamentar as inteligências em seu aspecto cerebral.|

|Fundamentando-se assim, poderá acontecer uma crítica mais consistente por estar enfocada em determinado aspecto, que anteriormente foi |

|destacado na apresentação da teoria. |

|  |

|2. A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS |

|Em 1900 o psicólogo francês Alfred Binet foi solicitado para que desenvolvesse uma medida de predição do sucesso escolar de crianças das |

|primeiras séries. Desta forma surgiu o primeiro teste de inteligência. Tal teste tinha por finalidade geral diferenciar crianças retardadas e |

|crianças normais nos mais diferentes graus. Após a I Guerra Mundial, onde o teste de Q.I. (Quociente Intelectual) foi utilizado para medir a |

|inteligência dos soldados, tornou-se muito popular sua aplicação. |

| |

|Com a popularização do teste, propagou-se a idéia de inteligência nele inserida. A inteligência seria única, estagnada, passível de ser medida |

|quantitativamente. Segundo GARDNER (1995, p. 21), autor da teoria das Inteligências Múltiplas que veremos a seguir, segundo esta visão |

|tradicional: "a inteligência é (...) a capacidade de responder a itens em testes de inteligência". Os testes psicométricos consideram que |

|existe uma inteligência geral, nos quais os seres humanos diferem uns dos outros, que é denominada g. Este g pode ser medido através da análise|

|estatística dos resultados dos testes. É importante acrescentar que tal maneira de encarar a inteligência ainda hoje está presente no senso |

|comum e mesmo em muitas parcelas do meio científico. |

| |

|Porém podemos observar que durante todo o século XX, vários psicólogos e cientistas de outras áreas do conhecimento fizeram fortes críticas aos|

|testes de Q.I. Vygotsky, por exemplo, apontou o erro no que diz respeito aos testes de inteligência abordarem as zonas de desenvolvimento |

|proximal de modo errado. Piaget trabalhava com tais testes, mas a sua atenção era voltada para as linhas de raciocínio das crianças, não para |

|as respostas dadas. Estudando as respostas erradas e os raciocínios que conduziam a elas, Piaget construiu parte de sua teoria. Ao criticarem o|

|modo como era medido a inteligência, o próprio conceito de inteligência contido em tais testes era também criticado. |

|Entretanto uma proposta mais revolucionária surgiu recentemente através de Howard Gardner, psicólogo e professor norte americano. GARDNER |

|(1995, p.14) entende por inteligência "a capacidade para resolver problemas ou elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes |

|culturais ou comunitários". A novidade dentro da teoria de Gardner é considerar a inteligência como possuindo várias facetas. Tais facetas, que|

|na verdade são talentos, capacidades e habilidades mentais; são chamadas de inteligências na teoria das Inteligências Múltiplas, como o próprio|

|nome explicita. |

|Antes de discorrer a respeito da teoria e das diversas inteligências vale lembrar de um curioso incidente que aconteceu em nosso país antes de |

|Copa do Mundo de 1958. O Brasil possuía seu primeiro psicólogo esportivo, João Carvalhaes, que atendia a seleção brasileira de futebol. O |

|psicólogo resolveu aplicar em todos os jogadores testes de QI. Garrincha, que estava no apogeu de sua carreira, após responder os testes ficou |

|sabendo que seu quociente intelectual era irrisório, sendo classificado como débil mental. Por este motivo quase foi impedido de participar da |

|Copa. (MODERNELL, 1992, p. 56) |

| |

|Ninguém duvida do talento que possuía este atleta quando se encontrava no meio de um gramado com a bola nos pés. Todavia, o teste psicométrico |

|de inteligência indicava Garricha como uma pessoa sem grandes chances de ser bem sucedido em sua vida, o que não correspondeu à realidade. Fica|

|claro que os testes de QI predizem apenas como vai ser o desempenho escolar e não o sucesso profissional depois de concluída a instrução |

|formal. |

| |

|É dentro desta perspectiva que Gardner apresenta a teoria das Inteligências Múltiplas (IM). Os testes de QI medem apenas as capacidades lógica |

|e lingüística, capacidades que normalmente são as únicas exigidas e avaliadas pelas escolas e, sem dúvida, as capacidades mais valorizadas em |

|nossa sociedade. Gardner pretende considerar também as outras capacidades, as outras "inteligências" menos lembradas, para analisá-las em sua |

|teoria. |

| |

|Para selecionar quais as inteligências que seriam trabalhadas em sua teoria foram utilizadas diversas fontes: as informações disponíveis sobre |

|o desenvolvimento normal e o desenvolvimento do indivíduo talentoso; estudos sobre populações prodígios, idiotas sábios, crianças autistas, |

|crianças com dificuldade de aprendizagem; dados sobre a evolução da cognição; considerações culturais comparadas sobre a cognição; estudos |

|psicométricos; estudos de treinamento psicológico e principalmente análise da perda das capacidades cognitivas nas condições de lesão cerebral.|

|Foram consideradas inteligências genuínas apenas as inteligências candidatas que satisfaziam todos ou, pelo menos, a maioria dos critérios |

|acima. Além disso cada inteligência deveria ter uma operação nuclear ou um conjunto de operações identificáveis e deveria também ser capaz de |

|ser codificada em um sistema de símbolos. (GARDNER, 1995, p. 21-22) |

| |

|Deste modo, foram selecionadas sete inteligências em particular: lógico-matemática, lingüística, musical, corporal-cinestésica, espacial, |

|interpessoal e intrapessoal. Cada uma delas será analisada separadamente. |

| |

|2.1 INTELIGÊNCIA LÓGICO-MATEMÁTICA |

| |

|Como o próprio nome indica, a inteligência lógico-matemática é a capacidade lógica e matemática, assim como a capacidade de raciocínio |

|científico ou indutivo, embora processos de pensamento dedutivo também estejam envolvidos. Esta inteligência envolve a capacidade de reconhecer|

|padrões, de trabalhar com símbolos abstratos (como números e formas geométricas) assim como discernir relacionamentos ou então ver conexões |

|entre peças separadas ou distintas. Relaciona-se, também, à capacidade de manejar habilmente longas cadeias de raciocínio, elaborar perguntas |

|que ninguém fez, conceber problemas e levá-los a diante. Juntamente com a linguagem, é a principal base para os testes de QI. O desenvolvimento|

|de tal inteligência foi o grande objeto de estudo de Jean Piaget. |

| |

|Tal inteligência possui uma natureza não-verbal, de modo que a solução de um problema pode ser construída antes de ser articulada. Alguns |

|idiotas sábios realizam grandes façanhas de cálculo sem sequer saberem comunicarem-se ou até mesmo realizar simples operações de adição ou |

|subtração. Como dois gêmeos relatados por SACKS (1997, p.217) que apenas vêem a resposta do problema: "Uma data é mencionada e, quase |

|instantaneamente, eles informam em que dia da semana ela cairá. (...) Eles também podem dizer a data da Páscoa durante o mesmo período de 80 |

|mil anos." Enquanto tais gêmeos são tragicamente deficientes em diversas áreas, conseguiram realizar um algoritmo para a data da Páscoa que até|

|mesmo o grande matemático Gauss teve uma enorme dificuldade para descobrir. Possuem uma inteligência lógico-matemática extremamente |

|desenvolvida. |

| |

|A região do córtex responsável pelo cálculo matemático em si e, provavelmente, pela inteligência lógico-matemática situa-se na região |

|têmporo-paríeto-ocipital do hemisfério esquerdo. (LURIA, 1981, p. 25) |

|Está presente nos cientistas, programadores de computadores, contadores, advogados, banqueiros e matemáticos. |

| |

|2.2 INTELIGÊNCIA LINGÜÍSTICA |

| |

|A inteligência lingüística é manifestada no uso da linguagem (seja ela escrita, falada ou através de outro meio), no significado das palavras; |

|pela capacidade de seguir regras gramaticais e usar a linguagem para convencer, estimular, transmitir informações ou simplesmente agradar. |

|Ainda é responsável por todas as complexas possibilidades lingüísticas, entre elas, a poesia, as metáforas, o raciocínio abstrato e o |

|pensamento simbólico. |

| |

|São duas as principais áreas corticais responsáveis pela linguagem. A área de Wernicke (lobo temporal do hemisfério esquerdo) é responsável |

|pelo entendimento da linguagem e a organização das palavras. A área de Broca (giro pós-central do hemisfério esquerdo) cuida da articulação da |

|fala, da produção da linguagem expressiva. Ainda contribuem para a linguagem a região têmporo-ocipto-parietal responsável pela organização |

|gramatical e o hemisfério direito para criar o ritmo, entonação e fluxo da fala. (SPRINGER; DEUTSCH, 1993. p. 184-186). |

| |

|Nos poetas, teatrólogos, escritores, novelistas, oradores e comediantes podemos encontrar a inteligência lingüística bem desenvolvida. |

| |

|2.3 INTELIGÊNCIA MUSICAL |

| |

|Esta inteligência baseia-se no reconhecimento de padrões tonais (incluindo sons do ambiente) e numa sensibilidade para ritmos e batidas. Inclui|

|também capacidades para o manuseio avançado de instrumentos musicais. |

| |

|Não podemos separar para a inteligência musical determinadas áreas corticais como fizemos para a inteligência lingüística. Mas sabemos que o |

|hemisfério direito, principalmente o lobo temporal, é o encarregado da audição e da criação musical. Uma lesão maciça neste hemisfério pode |

|levar a uma amusia: o lesionado não consegue perceber combinações rítmicas ou até mesmo entonações de voz. (LURIA, 1981, p. 112) |

|É destaque dos músicos, cantores, compositores e maestros. |

| |

|2.4 INTELIGÊNCIA CORPORAL-CINESTÉSICA |

| |

|A inteligência corporal-cinestésica está relacionada com o movimento físico e com o conhecimento do corpo. É a habilidade de usar o corpo para |

|expressar uma emoção (dança e linguagem corporal) ou praticar um esporte, por exemplo. Garrincha, reprovado no teste de QI, provavelmente |

|apresentaria um ótimo desempenho nesta inteligência se esta fosse submetida a um teste psicométrico. |

| |

|"O controle do movimento corporal está, evidentemente, localizado no córtex motor, com cada hemisfério dominante ou controlador dos movimentos |

|corporais no lado contra-lateral." (GARDNER, 1995, p. 23) Porém é possível acrescentar outras áreas corticais também importantes para a |

|realização do movimento que Gardner deixa de lado. Uma delas é o giro pós-central, onde está localizado o Homúnculo de Penfield sensitivo. É |

|uma representação somatotópica: cada ponto sensitivo do corpo tem uma representação nesta parte do córtex. Por exemplo, a mão, que possui |

|muitos receptores sensitivos, possui uma representação grande no córtex enquanto que o pé, com menos receptores, possui uma área menor. |

|(MACHADO, 1981, p. 219) Deste modo, esta área cortical tem como função sentir, perceber o corpo para que o movimento possa ser harmônico. Outra|

|área importante é o córtex pré-motor, que integra os impulsos motores no tempo, permitindo a criação de movimentos habilidosos, suaves e finos.|

|(LÚRIA, 1981, p. 154) |

| |

|A inteligência corporal-cinestésica pode ser melhor observada em atores, atletas, mímicos, artistas circenses e dançarinos profissionais. |

| |

|2.5 INTELIGÊNCIA ESPACIAL |

| |

|A inteligência espacial é a capacidade de formar modelos mentais (imagens) e operar com tais imagens. A imagem não é necessariamente visual, |

|pode ser construída uma imagem tátil, por exemplo, que é o que geralmente faz uma pessoa cega ao tatear objetos. Esta inteligência lida com |

|atividades como as artes visuais, a navegação, a criação de mapas e a arquitetura. |

| |

|Enquanto o hemisfério esquerdo do cérebro tornou-se mais lingüístico durante a evolução, o hemisfério direito especializou-se no processamento |

|espacial. A principal área cortical que controle toda esta questão espacial é a região têmporo-paríeto-ocipital. Uma lesão em tal área impede |

|que o lesionado consiga interpretar os ponteiros de um relógio, encontrar sua posição em um mapa ou então orientar-se dentro de espaços |

|fechados. Fica claro o quanto esta a região têmporo-ocipto-parietal é importante para uma inteligência espacial. (LURIA, 1981, p.24) |

| |

|Engenheiros, escultores, cirurgiões plásticos, artistas gráficos e arquitetos dependem desta inteligência para atuarem com êxito. |

| |

|2.6 INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL |

| |

|Esta inteligência opera, primeiramente, baseada no relacionamento interpessoal e na comunicação. Envolve a habilidade de trabalhar |

|cooperativamente com outros num grupo e a habilidade de comunicação verbal e não-verbal. Constrói a capacidade de perceber, por exemplo, |

|alterações de humor, temperamento, motivações e intenções de outras pessoas. Em sua forma mais avançada a pessoa consegue ler, mesmo que os |

|outros tentem esconder, os desejos e intenções, podendo ter empatia por suas sensações, medos e crenças. |

| |

|"Todos os indícios na pesquisa do cérebro sugerem que os lobos frontais desempenham uma papel importante no conhecimento interpessoal. Um dano |

|nessa área pode provocar profundas mudanças de personalidade, ao mesmo tempo em que não altera outras formas de resolução de problemas - a |

|pessoa geralmente ‘não é a mesma' depois de um dano desses." (GARDNER, 1995, p.27) |

| |

|A inteligência interpessoal é desenvolvida nos professores, terapeutas, políticos e líderes religiosos. |

| |

|2.7 INTELIGÊNCIA INTRAPESSOAL |

| |

|Esta outra inteligência pessoal está relacionada aos estados interiores do ser, à auto-reflexão, à metacognição (reflexão sobre o refletir) e à|

|sensibilidade perante as realidades espirituais. Podemos dizer que é a capacidade de formar um conceito verídico sobre si mesmo pois envolve o |

|conhecimento dos aspectos internos de cada um, como o conhecimento dos sentimentos, a intensidade das respostas emocionais, a auto-reflexão e |

|um senso de intuição avançado. |

|"Assim como na inteligência interpessoal, os lobos frontais desempenham um papel central na mudança de personalidade. Um dano na área inferior |

|dos lobos frontais provavelmente produzirá irritabilidade ou euforia, ao passo que um dano nas regiões mais altas provavelmente produzirá |

|indiferença, desatenção, lentidão e apatia - um tipo de personalidade depressiva". (GARDNER, 1995, p. 28) |

| |

|Um bom desempenho da inteligência intrapessoal pode ser encontrada em filósofos, conselheiros espirituais, psicólogos e pesquisadores de |

|padrões de cognição. |

| |

|Estas são as sete inteligências "clássicas" apresentadas no livro "Estruturas da Mente" de Gardner. O autor, posteriormente passou a considerar|

|também outras inteligências conforme podemos observar em diversos artigos na internet. Uma delas é a inteligência naturalística, que é a |

|capacidade do ser humano relacionar-se com a natureza. Outra inteligência "recente" é a pictórica ou pictográfica. Trata-se da habilidade para |

|desenhar. Existe ainda a "inteligência" existencial que, na verdade, é considerada como uma meia inteligência por preencher apenas quatro dos |

|oito requisitos avaliados para assegurar a existência da inteligência. Ela é responsável pela necessidade do homem fazer perguntas sobre si |

|mesmo, sua origem e seu fim. |

| |

|Uma das características das IM é a independência em grau significativo entre essas múltiplas faculdades humanas. Para explicar esta |

|independência Gardner apoia-se no fato de que, em caso de lesão cerebral, determinadas capacidades são perdidas enquanto outras permanecem |

|intactas. Desta forma, segundo o autor, as inteligências não interferem umas nas outras. (GARDNER, 1995, p. 29-30) |

| |

|Contudo as inteligências agem de forma integrada. Um alto nível de capacidade na inteligência corporal-cinestésica apenas, por exemplo, não |

|asseguraria a ninguém um sucesso como jogador de futebol. Seria necessário também um bom desenvolvimento da inteligência espacial para realizar|

|bons passes e chutes a gol e também inteligência interpessoal desenvolvida para um bom relacionamento com os companheiros, os adversário e a |

|imprensa. Estas três inteligências agindo de forma integrada provavelmente possibilitariam uma maior chance de sucesso no esporte. Todavia não |

|seria necessário, neste caso, um bom desempenho da inteligência lógico-matemática, por exemplo, com bem demonstrou Garrincha. |

| |

|Como era de se esperar, as inteligências possuem um desenvolvimento natural. Este inicia no início da vida com a capacidade de padronizar. Isto|

|equivaleria a diferenciar tons na inteligência musical ou apreciar arranjos tridimensionais na inteligência espacial. O passo seguinte é a |

|manifestação das inteligências em sistemas simbólicos: a linguagem nas frases, a música nas canções, a corporal-cinestésica na dança e assim |

|por diante. A medida em que o desenvolvimento avança e surge um ambiente formal de educação, as inteligências passam a ser representadas em |

|sistemas notacionais. São exemplos a matemática, a notação musical, os mapas e plantas e assim por diante. Finalmente o desenvolvimento atinge |

|seu auge na expressão inteligente nas atividades profissionais e de passatempo na adolescência e adultez. As inteligências pessoais parecem não|

|seguir este curso, surgindo muito mais gradualmente. (GARDNER, 1995, p. 31-32) |

| |

|3. CRÍTICA À TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS |

| |

|3.1 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E NEUROPSICOLOGIA |

| |

|Uma das fontes para a escolha das inteligências propostas acima foi o estudo de como tais capacidades falham sob condições de lesão cerebral. |

|Isto pressupõe que cada inteligência possui uma localização cerebral, mais especificamente cortical. Assim sendo, uma lesão que incapacitaria |

|determinada inteligência, deixaria as demais intactas. A tabela abaixo apresenta um resumo da representação cortical de todas as inteligências |

|consoante vimos ao analisar cada inteligência em particular. |

| |

| |

| |

|Tabela 1 - Localização cortical das inteligências múltiplas propostas por Gardner. |

|Inteligência |

|Área cortical responsável |

| |

|Lógico-matemática |

|região têmporo-paríeto-ocipital |

| |

|Lingüística |

|área de Wernicke, área de Broca, |

|região têmporo-paríeto-ocipital (hemisfério esquerdo) |

| |

|Musical |

|Lobo temporal (hemisfério direito) |

| |

|Corporal-cinestésica |

|Giro pós-central, córtex pré-motor |

| |

|Espacial |

|região têmporo-paríeto-ocipital |

| |

|Interpessoal |

|lobos frontais |

| |

|Intrapessoal |

|lobos frontais |

| |

| |

|Podemos perceber através da tabela que diversas inteligências são regidas pela mesma área do córtex cerebral. A região têmporo-paríeto-ocipital|

|é responsável ao mesmo tempo pelas inteligências lógico-matemática, lingüística e espacial. As inteligências pessoais também são comandadas por|

|uma única área: os lobos frontais. |

| |

|Isto invalida a independência das inteligências que Gardner propõe. Imaginemos uma lesão na região têmporo-paríeto-ocipital. Ela acabaria por |

|afetar três inteligências ao mesmo tempo e não apenas uma. |

| |

|Além disso, neste caso, os desenvolvimentos das inteligências lógico-matemática, lingüística e espacial não aconteceriam separadamente, mas |

|seriam dependentes entre si. LURIA (1981, p. 24-25) desenvolve uma explicação destas áreas como sendo integradoras e essencialmente espaciais. |

|Assim, tanto a matemática quanto a gramática seriam trabalhadas pelo cérebro de uma forma espacial. Uma deficiência espacial tornaria incapazes|

|tarefas de relacionar "espacialmente" os números entre si e construir uma frase trabalhando as relações "espaciais" entre as palavras. |

|Não se trata das inteligências lógico-matemática e lingüística serem englobadas pela inteligência espacial, mas da aceitação de uma dependência|

|e de uma relação íntima entre determinadas inteligências. |

| |

|O mesmo ocorre com as inteligências pessoais. É possível perceber que em várias características tais capacidades equivalem-se. Afinal, uma |

|mesma área cerebral é responsável pelas duas. Todo psicoterapeuta conhece e chega mesmo a ser lugar-comum o fato de que só podemos conhecer bem|

|o outro se conhecermos bem a nós mesmos primeiro. Sendo assim uma inteligência interpessoal desenvolvida necessita de uma inteligência |

|intrapessoal também bem trabalhada, o que sugere não existir uma independência entre as inteligências. |

| |

|3.2 AS NOVAS INTELIGÊNCIAS |

| |

|"Uma lista de 700 inteligências seria proibitiva para o teórico e inútil para o praticante. Consequentemente, a teoria das IM tenta articular |

|apenas um número manejável de inteligências que parecem constituir tipos naturais". (GARDNER, 1995, p.45) Esta foi a resposta dada pelo autor |

|da teoria das inteligências múltiplas quando perguntado o que impediria a construção de novas inteligências: elas poderiam deixar de ser 7 e |

|tornarem-se 700! |

| |

|Porém surge a impressão de que o próprio autor está caminhando contra o que afirmou ao apresentar as "novas" inteligências naturalística, |

|pictórica e existencial. Tendo em vista as inúmeras capacidade humanas, por que a escolha arbitrária de algumas delas em detrimento de outras? |

|Se o objetivo era tornar as inteligências manejáveis estando elas em número limitado de modo que o uso prático da teoria possuísse maior |

|eficácia, a adoção de novas inteligências somente dificultaria este processo. |

| |

|Se Gardner apresenta novas inteligências, nada impede que outras inteligências sejam descobertas - ou criadas - por outros autores. Isto é |

|preocupante pois não parece ser tarefa muito árdua a criação de uma nova inteligência. Para demonstrar esta afirmação, apresento neste trabalho|

|um esboço de uma nova inteligência: a inteligência palato-olfativa. |

| |

|Podemos considerar tal inteligência como a capacidade de sentir o gosto e o cheiro das substâncias e identificá-las com precisão. Em nossa |

|sociedade esta inteligência seria valorizada nos cozinheiros, enólogos e provadores nas empresas como cervejarias e torrefação e moagem de |

|café. A fim de evidenciar a veracidade desta inteligência, seguirei os critérios para a escolha de um inteligência conforme foram descritos |

|anteriormente. |

| |

|Um dos critérios é a existência de estudos sobre populações excepcionais, incluindo prodígios. Nada melhor para a provar a existência de tais |

|estudos do que o relato realizado por Oliver Sacks a respeito de um estudante de medicina que, por usar determinadas drogas (cocaína, |

|cloridrato de fenociclidina [PCP] e anfetaminas), passou algumas semanas de sua vida com o olfato e o paladar extremamente aguçados. "Ele |

|descobriu que podia distinguir todos os seus amigos - e pacientes - pelo cheiro. (...) Ele era capaz de cheirar as emoções - medo, alegria, |

|sexualidade - como um cachorro. Podia reconhecer cada rua, cada loja pelo cheiro - era capaz de se deslocar por Nova York , infalivelmente, |

|guiado pelo cheiro." (SACKS, 1997, p.176) |

| |

|Outro critério é a informação sobre o colapso da inteligência em condição de lesão cerebral. A área responsável pelo olfato possui uma pequena |

|representação cortical na parte anterior do uncus e do giro parahipocampal. Nos casos de epilepsia focal nesta área, o epilético queixa-se de |

|cheiros, normalmente desagradáveis, que não existem. (MACHADO, 1981, p. 220) Uma lesão nesta área leva a uma anomia, ou sejam incapacidade de |

|sentir odores. |

| |

|Para aceitar tal inteligência é preciso considerar também os dados sobre sua evolução. Sobre tal assunto, "Freud escreveu em várias ocasiões |

|que o sentido do olfato no homem era uma ‘perda', reprimido no crescimento e na civilização quando o homem assumiu a postura ereta e reprimiu a|

|sexualidade primitiva, pré-genital." (SACKS, 1997, p. 177) Nas obras de Freud tal idéia é encontrada principalmente nas cartas número 55 e 75. |

|A adoção da postura ereta deixava o nariz mais longe do chão e fornecia um maior campo para a visão e para a audição. De fato, a representação |

|do olfato e da gustação passaram a ocupar um lugar pronunciadamente menor no córtex por serem eclipsados pela representação central dos |

|sistemas exteroceptivos superiores, principalmente a visão e a audição. (LURIA, 1981, p. 49) |

| |

|Ainda devemos considerar o aspecto cultural da inteligência palato-olfativa, que para ser considerada como tal, precisa ser universal. Deste |

|modo temos a culinária, presente em todas as culturas e em todas às épocas. Cada povo possui uma culinária própria onde cheiros e sabores são |

|apreciados ou depreciados e a capacidade da preparação de alimentos crus, fritos ou cozidos é valorizada. |

| |

|Da mesma maneira todos os outros critérios para a aceitação de uma inteligência - como o conhecimento do desenvolvimento desta inteligência, os|

|estudos psicométricos e os estudos de treinamentos psicológicos - também podem ser encontrados e explicitados da forma como realizada acima. |

| |

|E, trabalhando de igual modo, poderiam ser criadas tantas inteligências quanto o número de capacidades humanas existentes. |

| |

|4. CONCLUSÃO |

| |

|A teoria das Inteligências Múltiplas tem enorme importância ao conseguir derrubar a idéia de uma inteligência única, fechada. A muito a ciência|

|estava impregnada com tal idéia e já era tempo de fazermos uso de uma noção de inteligência mais dinâmica. |

|Embora ninguém possa discordar das afirmações acima, também esta teoria tens seus erros. Talvez o grande erro seja, tendo em vista as inúmeras |

|capacidades humanas valorizadas em nossa sociedade, escolher algumas ignorando, com efeito, as outras não mencionadas. Por outro lado |

|considerar todas as inteligências seria impossível e inadequado. |

| |

|Por isso Gardner escolheu um número limitado de determinadas inteligências e acreditou em uma independência entre elas. Tal comportamento foi |

|exemplo típico do pensamento pragmatista americano. Deste modo as inteligências escolhidas poderiam ser trabalhadas de modo mais eficaz. |

| |

|Porém poderíamos considerar também as inúmeras capacidades existentes em cada ser humano e, sem pretensão de desejar um desenvolvimento total, |

|procurar desenvolver a inteligência em que cada pessoa em particular é mais apta, que não necessariamente precisa estar incluída nas dez |

|inteligências descritas na teoria das IM. Desta forma, o educador - ou qualquer outro profissional que trabalharia com a inteligência- |

|precisaria conhecer melhor cada indivíduo para perceber nele a capacidade que se sobressai. Os resultados provavelmente seriam melhores pois, |

|conforme vimos, a independência pura entre as inteligências não existe e desenvolvendo melhor uma capacidade, outras também seriam afetadas. |

| |

|Mas este seria um passo mais adiantado. Levando-se em conta a atual situação dos profissionais que, de qualquer forma, trabalham com o |

|aprendizado, a simples adoção da teoria das IM já é mais do que satisfatório. |

| |

|REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS |

| |

|GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática 1. ed. Porto Alegre : |

|Artes Médicas, 1995 |

|LURIA , Aleksandr Romanovich. Fundamentos de Neuropsicologia. 1. ed. São Paulo: |

|Editora da Universidade de São Paulo, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1981. |

|MACHADO, Angelo. Neuroanatomia Funcional. 1. ed. São Paulo : Atheneu, 1981. |

|MODERNELL, Renato; GERALDES, Elen. O Enigma da Inteligência. Globo Ciência, Rio |

|de Janeiro, v.2, n. 15, p.56-63, out. 1992 |

|SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. 1. ed. São Paulo : |

|Companhia das Letras, 1997 |

|SPRINGER, Sally P.; DEUTSCH, Georg. Cérebro Esquerdo, Cérebro Direito. 1. ed. São |

|Paulo : Summus, 1993 |

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