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Pós pandemia: explos?o das dívidas e as li??es da Argentina para a renegocia??oPor Ezequiel Greco LaplaneA pandemia do novo coronavírus irrompeu em um mundo que já apresentava desafios à adequa??o das estruturas de ativos e passivos dos agentes, sejam estes públicos ou privados. Embora sejam poucas as certezas sobre as consequências mais permanentes que a crise terá sobre os arranjos econ?micos e sociais, há consenso em que o processo aprofundará essa tendência, ao conjugar um acelerado aumento das já elevadas dívidas (públicas e privadas), com descomunal amplifica??o da incerteza sobre a din?mica das rendas. Assim, todos os setores institucionais (Governos Federal, Estadual e Municipal, empresas privadas e famílias) da maior parte dos países ter?o agravados, em alguma medida, o (des)equilíbrio patrimonial dos seus balan?os. Frente à necessidade de pensar em estratégias capazes de equalizar ativos e passivos de forma sustentável, é imprescindível planejar novos acordos mais equitativos entre credores e devedores. ? indispensável, também, evitar os erros de solu??es efêmeras anteriormente provadas, a fim de n?o repetir seu fracasso. Para tanto, a presente nota traz a recente experiência argentina de renegocia??o de sua dívida externa, que pode inspirar solu??es nesse sentido. Os fundamentos que norteiam a posi??o soberana do país s?o um importante antecedente e podem ser extrapolados para outros tipos de agentes e/ou dívidas, e, posteriormente, ser implementados segundo as especificidades de cada o intuito de qualificar o (potencial) descasamento patrimonial e ponderar a discuss?o, apresenta-se, em um primeiro momento, o estado de situa??o inicial e uma breve mensura??o dos esfor?os fiscais realizados no mundo, com foco na América Latina e no Brasil. Avaliada a (possível) evolu??o dos passivos, com ênfase no setor público, articulam-se, na sequência, as tendências e proje??es sobre a din?mica econ?mica no curto prazo. Por fim, s?o colocados os lineamentos que orientam a renegocia??o da dívida externa argentina frente a credores privados internacionais. A??es no combate à pandemia e a vertiginosa acumula??o de passivos O cenário global no início do ano, quando o novo coronavírus ainda n?o parecia ser uma amea?a às estruturas da vida moderna, caracterizava-se por uma conjuntura complexa que apontava para o agravamento de diversos desequilíbrios. Em linhas gerais, a economia global n?o apresentava o dinamismo de anos anteriores, e duas frentes alimentavam a preocupa??o e desconfian?a sobre a capacidade de reativa??o: a estagna??o do comércio mundial e o alarmante nível da dívida global, que superou os USD 255 trilh?es (322% do PIB global; ver gráfico 1) (IMF, 2020a). Sob um olhar regional, a América Latina é das áreas com maiores dificuldades. Em 2019 a regi?o encerrou o quinquênio de menor crescimento desde a década de 1950, com uma particular fragilidade macroecon?mica evidenciada no aprofundamento dos “déficits gêmeos” (i.e. fiscal e de conta corrente). Assim, a dívida pública bruta dos governos centrais alcan?ou, em diversos países, o umbral de risco sistêmico (e eventual default) considerado pelo FMI (45% do PIB). No tocante ao setor privado, este n?o se encontrava em posi??o mais confortável, uma vez que a dívida de famílias e empresas n?o financeiras beirava os máximos dos últimos 20 anos, enquanto mais da metade das empresas já enfrentavam uma redu??o da rentabilidade, e as famílias, o aumento do desemprego e a estagna??o dos salários (CEPAL, 2020; IMF, 2020b).Gráfico 1. Volume de endividamento segundo setor institucional(% do PIB global).Fonte: IIF. Elabora??o PrópriaO Brasil encerrou 2019 ainda atravessando a recupera??o mais lenta de uma das piores crises de sua história (2015/2016), sen?o a pior. O país n?o foge da tendência regional: tímido avan?o do PIB, e “déficits gêmeos” conjugados com o aumento da dívida do Governo Central. Por sua vez, a grave situa??o do endividamento de estados e municípios foi só parcialmente resolvida nos substitutivos que se seguiram ao PLP 149/2019, de modo que o estrangulamento financeiro persiste. Já o desempenho do setor privado – empresas e famílias – condicionado, em parte, pelo elevado desemprego (o mais alto da regi?o), pelas baixas taxas de investimento (público e privado) e pela incerteza sobre a demanda futura, n?o apresenta o dinamismo suficiente para comandar a reativa??o aut?noma da economia.Nesse anêmico contexto econ?mico global e local, a pandemia do coronavírus for?ou a paralisia das atividades produtivas e desestruturou os mecanismos de gera??o e capta??o de rendas. A crise sanitária, econ?mica e social teve uma enérgica e necessária – porém ainda insuficiente – resposta por parte dos governos. Para evitar o colapso dos sistemas econ?micos estes adotaram amplos programas de apoio baseado em políticas fiscais, monetárias e de prote??o social, n?o limitadas a medidas convencionais. A caducidade de velhos dogmas, principalmente no que diz respeito à capacidade de gastos dos governos centrais, foi imposta, mais uma vez, pela realidade. A nível mundial, o volume dos recursos considerados “acima” e “abaixo” da linha anunciados (até junho de 2020) para o combate à pandemia é estridente: USD 11 trilh?es. As medidas “acima da linha”, como gastos primários adicionais – por exemplo, em servi?os de saúde ou na rede de seguridade social –, subven??es, transferências diretas ou medidas tributárias promovidas por canais or?amentários, têm impacto no balan?o fiscal, nas necessidades de financiamento no curto prazo e na dívida pública. Os países avan?ados do G20 destinaram mais de 6,5% do PIB (USD 3,9 trilh?es) em gastos adicionais e renúncia de receitas, enquanto os emergentes desse grupo designaram, em média, 2,8% (USD 850 bilh?es) (FMI, 2020). As medidas apuradas “abaixo da linha” na metodologia do FMI envolvem tanto a cria??o de ativos – empréstimos ou inje??es de capital –, quanto compra de ativos e assun??o de dívidas. Essas opera??es podem ter baixo impacto no resultado fiscal, mas podem acarretar um aumento da dívida bruta, a depender da institucionalidade e forma de implementa??o. Os países avan?ados e os emergentes do G20 contabilizaram opera??es, em média, de 1,3% (USD 687 bilh?es) e 0,4% (USD 56,7 bilh?es) do PIB, respectivamente (op.cit.).Por último, os passivos contingentes como as garantias sobre empréstimos e linhas de crédito, totalizaram pacotes de suporte à liquidez de USD 3,1 trilh?es e USD 265,5 bilh?es (em média, 10,2% e 2,7% do PIB) para os conjuntos dos países de referência. Apesar de n?o terem custo fiscal ou impacto na dívida pública no curto prazo, eventuais falências ou calotes (ou perda de valor acionário) podem acionar as garantias assumidas pelo governo e afetar, em última instancia, seu balan?o. Em definitivo, espera-se que a dívida pública mundial aumente 18,7% p.p esse ano, para atingir a marca histórica de 101% do PIB global. Os países periféricos (ou “emergentes” de acordo com o FMI), por sua vez, com menor espa?o fiscal e acesso a divisas para enfrentar o aumento das importa??es, principalmente de materiais hospitalares, apoiaram-se em maior medida na assistência financeira das institui??es multilaterais e na coloca??o de dívida soberana nos mercados internacionais. Só o FMI realizou empréstimos de USD 83 bilh?es, dos quais mais da metade teve como destino países da América Latina, que se acrescentam às coloca??es soberanas de USD 24,3 bilh?es da regi?o no primeiro semestre (IMF; CEPAL.2020a).O esfor?o fiscal na América Latina, no come?o do mês de julho, foi estimado em uma média de 3,9% do PIB. O montante, calculado a partir dos anúncios sobre remanejamentos or?amentários e gastos extraordinários, isen??es tributárias e medidas de liquidez – capitaliza??o de bancos públicos e empréstimos ao setor privado –, deve aumentar nos próximos meses, ante o frágil cenário macroecon?mico e a constata??o de que vários países ainda enfrentam a “primeira onda” da pandemia. A mensura??o do impacto do aumento do gasto público no déficit fiscal e na dívida pública, agravado pela perda de arrecada??o transitória, produto da retra??o econ?mica, e mais permanente, produto de uma imaginada falência generalizada, ainda está longe de ser esclarecida (CEPAL, 2020d).No Brasil, de acordo com os dados do FMI, foram anunciadas medidas fiscais de quase 12% do PIB, sendo que 7,3% do PIB têm impacto direto no déficit primário. Segundo estimativas realizadas pelo Grupo de Economia do Setor Público (GESP – IE/UFRJ), as Medidas Provisórias por meio das quais se autoriza a amplia??o de créditos extraordinários, entre fevereiro e início de junho, autorizaram créditos de R$ 403,8 bilh?es. Desse montante, R$ 364,8 bilh?es s?o despesas primarias e R$ 39 bilh?es despesas financeiras, enquanto R$ 231,5 bilh?es s?o recursos novos. Entretanto, até a data do estudo (12/06/2020) só 38,79% do total tinham sido pagos (R$ 156,7 bilh?es). Cabe mencionar que o até aqui apresentado corresponde à esfera fiscal com impacto no setor público, nos diferentes níveis. Parte significativa das medidas elencadas, a depender de diversas particularidades – institucionalidade, implementa??o, fonte de financiamento, etc. – afetam ou afetar?o os passivos do setor público, especificamente na forma de um aumento da dívida bruta pública. Por último, embora n?o especificado, o setor privado – empresas e famílias –, seja pela contrata??o de linhas de crédito, pela emiss?o de dívidas privadas nos mercados domésticos ou internacionais, seja pelos atrasos nos pagamentos, também incrementam consideravelmente seus passivos.Os esfor?os realizados no combate à pandemia s?o significativos. N?o obstante, as consequências da retra??o s?o profundas e as perspectivas de reativa??o da economia, pelo menos no curto prazo, s?o preocupantes, como apresentado a seguir.A din?mica econ?mica e o devaneio da valoriza??o dos ativos A implementa??o de estratégias orientadas a preservar o circuito de renda e a liquidez dos mercados n?o pode evitar, dada a natureza da crise, a paralisia ou ruptura, em algum grau, da atividade produtiva e dos mecanismos de gera??o de valor, portanto, a contra??o da(s) economia(s). As necessárias medidas de isolamento social combinaram a redu??o da demanda agregada e a restri??o parcial da oferta, com consequências no nível de atividade doméstica e global, agravadas pela volatilidade das finan?as mundiais. Os dados disponíveis do primeiro semestre e as proje??es para o curto e médio prazo, preveem uma recupera??o paulatina e penosa, o que reveste de maior incerteza os fluxos de receita e valoriza??o de ativos dos agentes.Segundo o relatório do FMI (2020) percebe-se uma queda sincronizada em todas as regi?es, mais acentuada do esperado, da atividade econ?mica. ? diferen?a de crises anteriores, nas quais o consumo privado foi relativamente menos afetado que o investimento privado, as duas variáveis agora caem de forma abrupta. A partir dessa constata??o, junto com a retra??o do comércio global, a expectativa de uma queda maior dos pre?os das commodities, o esperado aumento dos déficits fiscais, a reduzida infla??o nos países periféricos – que beira a defla??o nos países centrais –, e uma exacerbada incerteza geral, a institui??o estima uma contra??o de 4,9% do PIB mundial. As economias avan?adas seriam as mais afetadas se retraindo, em média, 8%, e os mercados considerados “emergentes e em desenvolvimento” 3%. Entretanto, n?o s?o descartadas novas revis?es, dada a fragilidade da conjuntura.A proje??o elaborada pela OCDE é mais pessimista. No cenário mais favorável, no qual n?o aconteceria uma nova “onda” de contágios que force a reimplanta??o das medidas de isolamento, a queda do produto global em 2020 será de, aproximadamente, 6%. Caso essas medidas sejam novamente adotadas, a expectativa é de uma retra??o de 7,6%. No primeiro caso, o produto retornaria a seus valores pré-crise em algum momento entre o terceiro e o quarto trimestre de 2021, no segundo, n?o antes de meados de 2022. Cabe destacar que a reativa??o econ?mica dificilmente teria como principal fator a demanda privada, pelo menos no curto prazo, dada a redu??o da massa salarial global. De acordo com a Organiza??o Internacional do Trabalho, ao comparar os volumes do segundo trimestre de 2020 com o último trimestre de 2019, há uma redu??o de horas trabalhadas equivalente à perda de 400 milh?es de empregos de tempo integral. Em meados de junho, 93% dos trabalhadores do mundo se encontram em países em que ainda vigoram medidas de restri??o e/ou fechamento do local de trabalho, dos quais 32% correspondem a fechamentos mandatórios para todos os setores considerados n?o essenciais. O elevado número de restri??es, junto com o tempo necessário para adotar medidas de flexibiliza??o com seguran?a, fazem prever, entre outras coisas, uma oferta restrita e uma persistente demanda agregada deprimida, que já se observa com for?a no consumo de bens duráveis.No que tange à América Latina e o Caribe, a CEPAL (2020d) identifica cinco canais externos de transmiss?o da crise econ?mica, de grande impacto e com consequências que se alastrar?o no tempo: a menor atividade econ?mica dos sócios comerciais que reduz as exporta??es de bens, que representam 20% do PIB regional; a pronunciada queda nos pre?os dos bens primários que representam 4,5% do PIB regional; a interrup??o das cadeias de valor primeiro com a conten??o dos fornecedores da China, posteriormente da Europa, e atualmente dos Estados Unidos, que afeta principalmente o México e o Brasil; a menor demanda de turismo, que representa, em alguns países, 40% do PIB; e a avers?o ao risco e “flight to quality”, embora parcialmente revertida.A partir desses canais de transmiss?o externos e o cenário de restri??o das atividades produtivas interna, a institui??o projeta uma queda do PIB regional de 9,1%. Ao catalogar a intensidade dos efeitos da crise por setor de atividade, sobressai que aqueles mais atingidos respondem por 24,6% do PIB regional e 34,2% do emprego formal; os setores afetados de forma significativa por 61,3% do PIB e 47,6% do emprego formal; e os menos prejudicados por 14,1% do PIB e 18,2% do emprego (CEPAL, 2020c). Vale mencionar que 92% da indústria com maior conteúdo tecnológico está sofrendo a crise de forma grave (39,4%) ou significativa (52,6%). Esses setores, intensivos em inova??o e conhecimento, s?o fundamentais no processo de diversifica??o e cria??o de valor, necessário para aumentos de produtividade que permitam construir um desenvolvimento de qualidade. Portanto, espera-se que a crise aprofunde uma mudan?a regressiva na indústria, ampliando as dificuldades estruturais existentes (CEPAL, 2020d).A perda de receita agravada pela incerteza sobre a demanda futura e, em alguns casos, pelas persistentes dificuldades de acesso ao crédito, coloca um grande número de empresas em risco, principalmente as micro, pequenas e médias. Os setores de “comércio”, “atividades comunitárias, sociais e servi?os pessoais”, e “hotéis e restaurantes”, concentram a maior parte das empresas amea?adas de fecharem as portas que, em proje??es conservadoras, somam 2,7 milh?es de estabelecimentos na América Latina. Espera-se que no universo de empresas privadas n?o financeiras, cuja estrutura de custos n?o reage t?o rapidamente quanto a queda da demanda, a prolonga??o da crise e a impossibilidade de reconvers?o das atividades (total ou parcial) condiciona sua sobrevivência à acumula??o de dívidas e compromissos e/ou perda de reservas previamente acumuladas. A situa??o social resultante é alarmante. O aumento da taxa de desemprego na regi?o em 2020 será, aproximadamente, de 5,4% p.p (18 milh?es de pessoas), alcan?ando os 13,4% (41 milh?es de pessoas). N?o é trivial mencionar que o desemprego afeta com maior contundência a for?a de trabalho feminina, que estruturalmente já apresenta uma taxa de desemprego mais elevada. A pobreza e extrema pobreza, por sua vez, incrementar-se-ia em 45 milh?es e 28,5 milh?es de pessoas, respectivamente. Embora diversos programas de conten??o atender?o parte dessas vulnerabilidades, o desarranjo e até a dissolu??o de mercados e as rela??es econ?micas subjacentes, e sua reconfigura??o em padr?es mais excludentes e desiguais, apresenta grandes desafios para uma retomada inclusiva. No caso especifico do Brasil, as proje??es sobre o crescimento divergem significativamente entre as institui??es multilaterais e as domésticas. As institui??es multilaterais relevadas aqui (FMI, OCDE e CEPAL) projetam uma queda de aproximadamente 9,1%, enquanto as expectativas do Ministério da Economia e do mercado, condensadas no relatório Focus, s?o de -4,7% e -5,7%, respectivamente. Além das conjecturas, os dados oficiais do primeiro trimestre registram uma contra??o de 1,5% do PIB em rela??o ao trimestre anterior, e o índice IBC-Br (elaborado pelo Banco Central e considerado como uma “proxy” do PIB), aumentou em maio menos que o esperado: 1,31%. Embora pare?a alentador o resultado positivo, a série dessazonalizada do trimestre até esse mês caiu 11,43% em rela??o aos três meses anteriores, e 6,08% no ano na série observada.Antes de continuar com os dados macroecon?micos projetados, alguns aspectos setorizados relevantes, com dados já disponíveis, s?o uteis para dimensionar as tendências e os desafios. A pesquisa Pulso Empresa do IBGE traz informa??es t?o interessantes quanto preocupantes sobre a situa??o das empresas privadas n?o financeiras. Segundo a pesquisa, até a primeira quinzena de junho mais de 716 mil empresas (17,6% do total) fecharam definitivamente, e outras 610 mil (15%) encerraram suas atividades temporariamente. Das empresas que fecharam 99,8% eram micro ou pequenas, correspondendo em sua maioria a áreas de comercio varejista (28,2%) e servi?os profissionais (19%). Ainda mais, das empresas em funcionamento 64,2% declararam uma diminui??o das vendas dos produtos ou servi?os comercializados, ao passo que 51,3% adiaram pagamentos de impostos e apenas 14,8% obtiveram uma linha de crédito emergencial.Embora o dado sobre o crédito pare?a pouco expressivo, refere-se só ao crédito para pagamento de folha de salários. O crédito ampliado ao setor n?o financeiro, que inclui, entre outros, títulos de dívida em geral, empréstimos e financiamentos, alcan?ou em maio os R$ 10,9 trilh?es (150,1% do PIB), dos quais R$ 6,3 trilh?es (86,7% do PIB) correspondem a empresas e famílias. No que diz respeito ao saldo das opera??es de crédito do Sistema Financeiro Nacional, houve um aumento de 1,8% do PIB nos primeiros cinco meses do ano, para atingir quase R$ 3,6 trilh?es em maio (49,7% do PIB), gra?as ao marcado aumento do saldo relativo às pessoas jurídicas e uma virtual estagna??o do saldo de pessoas físicas. O crédito livre para pessoas jurídicas foi mais din?mico que o crédito direcionado, aumentando, respectivamente, 12,3% e 2,3% entre mar?o e maio, embora em ambos o capital de giro de curto prazo tenha sido o mais demandado (+102,8% e +11,6%). O crédito livre para pessoas físicas, apesar de ter diminuído marginalmente em diversas modalidades, ainda representa a maior parcela em rela??o ao PIB (15,2%) que se acrescenta aos 12,8% do PIB do crédito direcionado. Cabe dizer que o indicador do custo do crédito (ICC), estimulado pela política monetária expansiva, tem diminuído proporcionalmente mais que o custo de capta??o das institui??es financeiras, reduzindo o spread. Entretanto, o custo do crédito ainda é muito elevado (portanto o spread), particularmente os de recursos livres para famílias e empresas, que alcan?am 40% e 14,6% ao ano, respectivamente. Uma taxa de juros baixa pode prevenir a din?mica explosiva em caso de rolagem das dívidas, mas n?o evita a acumula??o dos compromissos. N?o obstante, longe disso, observa-se um elevado custo real do crédito que, em um contexto de perda de renda e receitas dos agentes, acelera a deteriora??o dos balan?os.A frágil situa??o das empresas tem um correlato no mercado de trabalho. Segundo destaca a PNAD Contínua, a taxa de desemprego, atenuada pelo recuo da for?a de trabalho, colocou-se em 12,9% em maio (caindo para 12,5% em julho), com o esperado impacto na massa de rendimentos efetivos, que diminuiu 7,5% em termos reais. Destaca-se também que a popula??o ocupada diminuiu 7,5% no trimestre terminado em maio em rela??o ao mesmo trimestre do ano anterior, sendo a contra??o mais acentuada entre os trabalhadores informais (-15,3%). As a??es do governo para o enfrentamento da pandemia e a recess?o econ?mica afetam as necessidades de financiamento do setor público que chegará em 2020, segundo o Instituto Fiscal Independente (IFI) a 17,6% do PIB. Já nos primeiros cinco meses do ano o aumento real de 20,8% nas despesas totais, junto com uma perda real de receita líquida de 15,9%, levou o déficit fiscal primário do governo central a 3% do PIB, e a 4,1% no acumulado nos últimos doze meses até maio. De acordo com as proje??es do IFI, o déficit fiscal primário do governo central alcan?ará o recorde histórico de 12,7% do PIB (R$ 877,8 bilh?es), dos quais 8,7% correspondem às medidas adotadas no combate à crise, e o restante ao já previsto no or?amento. Por sua vez, o resultado dos municípios n?o é menos preocupante, já registrando um rombo de R$ 30 bilh?es até julho.As necessidades de financiamento da Uni?o ser?o atendidas por meio do endividamento. Assim, a dívida bruta do governo geral (DBGG) se elevará cerca de 20 p.p, passando de 75,8% para 96,1% do PIB em 2020. Cabe destacar que até maio desse ano, 93,3% da DBGG correspondia à dívida interna – 67,5% dívida mobiliaria, 22,1% Opera??es Compromissadas e 3,7% dívida bancária – e os restantes 6,7% à dívida externa, portanto n?o era muito grande a exposi??o a varia??es cambiais. De fato, a desvaloriza??o provocada pela saída de capitais privados internacionais nos primeiros meses do ano diminuiu marginalmente a dívida liquida, por conta aumento do valor do elevado volume de reservas internacionais. Por último, apesar do elevado montante da dívida, dado o seu perfil – majoritariamente interna, em reais, prazo médio de 3,78 ano, Selic em mínimo histórico, etc – n?o é eminentemente preocupante. Entretanto, as crescentes necessidades de financiamento e a deteriora??o paulatina desse perfil podem encontrar limites, mais políticos e ideológicos do que econ?micos, combinados com outras fragilidades, como o amplo grau de abertura financeira.Os dados e proje??es apresentados até aqui n?o esgotam a análise dos impactos da pandemia e os desdobramentos na din?mica econ?mica. O intuito de trazer tais indicadores é oferecer elementos para dimensionar uma constata??o inescapável: o descasamento entre ativos e passivos dos agentes, sejam públicos, sejam privados. A dramática necessidade de assumir novos compromissos financeiros adquire express?o concreta no volume de dívidas (internas e externas, públicas e privadas) que atinge máximos históricos. O pico anterior de acumula??o de passivos (dívidas) se deu como resultado da segunda grande guerra, mas que teve, por outro lado, no marco político, econ?mico e social, a implementa??o de novos pilares que permitiram a chamada “era dourada do capitalismo”. Hoje as condi??es para a retomada da atividade, restitui??o de receitas e valoriza??o dos ativos é muito diferente. Porém, assim como antes, a necessidade de novos acordos e medidas ousadas é impostergável. ? nesse sentido que os acertos e os erros na experiência argentina em renegocia??o de dívidas pode inspirar caminhos, pelo menos em um aspecto específico: a rela??o entre credores e devedores para lograr um balan?o sustentável. A experiência argentina em renegociar dívidas externas: velhos problemas, novas solu??es.“N?o há devedores irresponsáveis, sem credores irresponsáveis” e “só queremos conseguir um acordo que possamos cumprir”, s?o duas declara??es – a primeira do ministro da fazenda, Martín Guzman, e a segunda do presidente da república, Alberto Fernandez – que embutem n?o só uma mudan?a na abordagem política, ancorada em uma perspectiva socialmente responsável, mas também o acúmulo de experiência nas renegocia??es das dívidas externas de, no mínimo, os últimos 30 anos. Retomar os principais eixos que norteiam o atual processo implica come?ar resgatando os avan?os introduzidos, em mar?o de 1989, pelo ent?o secretário do Tesouro norte-americano, Nicholas F. Brady. O denominado Plano Brady, diferentemente do malsucedido Plano Baker e das iniciativas anteriores – cujos programas redundavam em demandas incompatíveis com as necessidades e possibilidades financeiras dos países devedores – colocava a “revolucionária” ideia de que o problema nas crises das dívidas n?o era apenas de iliquidez, mas tinha raízes na insolvência. Portanto, a securitiza??o dos títulos com uma redu??o significativa do principal, garantidas pelas agências multilaterais, e com diversos mecanismos e cronogramas de pagamento, passou a ser aceito pelos principais credores. No marco da iniciativa Brady, entre abril de 1992 e o início de 1993, a Argentina acordou a reestrutura??o de sua dívida externa com a maioria dos bancos credores. Foram reprogramados tanto os servi?os da dívida atrasados como parte do principal, por meio da emiss?o de novos títulos de longo prazo, amortiza??o de juros semestral e taxa fixa crescente. Entretanto, se por um lado essa estrutura permitiu uma nova integra??o nas finan?as globais, por outro lado o programa estava atrelado a condicionalidades econ?micas e políticas que desconsideravam as fragilidades de uma inser??o marginal nos ciclos econ?micos globais, associada aos programas de abertura e liberaliza??o financeira. Domesticamente, a supress?o da soberania monetária com o Plano de Conversibilidade e a incapacidade de adotar políticas anticíclicas, e externamente, a revers?o do ciclo internacional de liquidez e a press?o dos credores internacionais por políticas de ajuste, contribuíram decisivamente para o default em 2001.A solu??o final da moratória dos títulos públicos, no processo mais complexo e comentado da história das reestrutura??es soberanas, que incluiu 150 títulos denominados em seis moedas e emitidos em oito jurisdi??es legais diferentes, demorou, ao todo, 15 anos. Nas negocia??es iniciadas em 2003, o problema da insolvência estava posto. Com isso, as discuss?es gravitaram em torno de um segundo eixo: o planejamento de um horizonte que combinasse a sustentabilidade dos pagamentos dos compromissos e o crescimento econ?mico. N?o obstante, as exigências do FMI, dos países do G-7 e dos bancos credores acabariam impondo uma lógica já conhecida: “ajustar e pagar”. Em outras palavras, a renegocia??o estava sujeita a um programa macroecon?mico que garantisse, via consolida??o fiscal, os recursos para o pagamento da dívida que os credores projetaram receber, atingindo assim a prezada sustentabilidade da rela??o “dívida externa/PIB” pela redu??o do numerador. De fato, os títulos negociados foram atrelados ao crescimento do Produto, que disparou pagamentos adicionais entre 2005 e 2012 em mais de USD 10 bilh?es. Rapidamente, se percebem dois problemas nessa estratégia: o crescimento do PIB n?o necessariamente gera divisas; e as condicionalidades dos títulos drenaram recursos adicionais e dificultaram a consolida??o de um projeto de desenvolvimento. Adicionalmente, além das quest?es econ?micas, um aspecto jurídico foi “cedido” pelo país. Ante o vácuo normativo na regula??o das reestrutura??es soberanas, os credores internacionais impuseram a condicionalidade de que a legisla??o sob a qual foram emitidos os novos títulos fosse a jurisdi??o internacional, principalmente americana. Esse intrincado marco jurídico tem um marcado viés em favor dos credores em caso de litígios, que foi o que algum tempo depois aconteceu e deixou a Argentina fora dos mercados internacionais por vários anos. Entretanto, inicialmente, uma vez aceitas as condi??es, as negocia??es foram bem-sucedidas na medida em que permitiram, junto com as favoráveis condi??es externas, um processo de redu??o da dívida externa pública, bruta e líquida. A resolu??o definitiva do litígio com os “fundos abutres”, em 2016, abriria a porta para um novo ciclo de endividamento que acabaria, por motivos que n?o cabe avaliar aqui, em um “default virtual” três anos depois. Na hora de abrir as novas negocia??es, o problema da iliquidez e insolvência já era inquestionável para devedores e credores, sendo antecipada, em algum grau, pelos mercados. Como antes, a sustentabilidade no cronograma de pagamentos dos juros e do principal também era aceita, mas agora a disputa se travava em uma nova perspectiva.A posi??o da Argentina, respaldada por atores decisivos no ?mbito internacional, como o FMI, os principais países europeus, e apoiada pela omiss?o dos Estados Unidos e, no ?mbito interno, por um amplo conjunto de empresários, políticos e a sociedade civil em geral, busca pautar a invers?o da lógica anterior: primeiro estabelecer um horizonte de crescimento para, posteriormente, definir a estrutura dos passivos externos. Na perspectiva do país, o valor presente da dívida n?o é necessariamente mais importante que a distribui??o dos pagamentos ao longo do tempo, uma vez que tanto o volume dos compromissos quanto a recupera??o consistente da economia s?o essenciais para a sustentabilidade da dívida. Em outras palavras, a partir de uma proje??o sobre as principais variáveis macroecon?micas, sem negligenciar a perspectiva de adotar uma política social ativa, realizar uma transforma??o produtiva orientada a moderar a restri??o externa e atingir o equilíbrio fiscal, previu-se o fluxo de divisas do país e o crescimento econ?mico. Esse panorama é o que determina o esfor?o que o país pode realizar e os compromissos que pode cumprir. Assim, é colocando o foco no denominador da rela??o “dívida externa/PIB” que a negocia??o está sendo encaminhada. A proposta argentina para a sustentabilidade da dívida está baseada em uma redu??o dos juros – compatível com a taxa de crescimento esperada – e do principal, em um prazo de carência que permita recompor as finan?as públicas sem castigar o crescimento, e em um programa macroecon?mico que n?o puna a demanda interna, atrelando os pagamentos à recupera??o econ?mica e ao resultado positivo comercial, provedor das divisas necessárias.Por último, vale ressaltar a mudan?a no perfil dos credores internacionais. Enquanto em 2003 estes eram majoritariamente bancos internacionais, além das institui??es multilaterais, hoje o perfil se caracteriza pela presen?a de grandes fundos de investimento, como os conhecidos Fidelity e BlackRock, entre outros. Estes investidores n?o têm vínculo nem maior compromisso com o país, mas apenas com a valoriza??o financeira dos seus investimentos, também financeiros, e utilizam estratégias de negocia??o muito agressivas. Com poder de impugnar todo o processo de reestrutura??o, tentam impor suas condi??es em detrimento do projeto soberano de desenvolvimento do país. Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de uma negocia??o que afirme as incipientes mudan?as em matéria regulatória reconhecidas pelas institui??es internacionais – principalmente pela International Capital Market Association e pelo FMI – fomentando uma rela??o entre credores e devedores mais equilibrada e com condi??es econ?micas que n?o sufoquem os esfor?os da retomada nem penhorem o futuro crescimento.A modo de considera??o final, a experiência argentina em renegocia??o de dívidas externas frente a credores internacionais oferece li??es que podem ser fácil e rapidamente interpretadas, e eventualmente adotadas, em casos semelhantes – que n?o s?o poucos. Para países altamente endividados em moedas centrais (e.g. Uruguai, Equador, Honduras, Nicarágua, Turquia, a maior parte dos países africanos, entre outros), um arcabou?o regulatório internacional que paute as condi??es que recaem sobre os títulos soberanos em mercados globais, tanto na emiss?o quanto em litígios, é necessária para evitar, pelo menos potencialmente, a imposi??o de condicionalidades draconianas em detrimento dos devedores. Entretanto, o fundamento que orienta o posicionamento atual da Argentina pode ser extrapolado e inspirar caminhos a outros agentes. N?o obstante, entende-se que há uma rela??o assimétrica de poder na determina??o dos termos das negocia??es entre credores e devedores, particularmente nas rela??es privadas. A despeito disso, é necessário estabelecer uma pauta mais equitativa entre credores e devedores, sejam estes internos ou externos, públicos ou privados, pois todos ser?o beneficiados como resultado de acordos mais equ?nimes. Uma rela??o mais equilibrada busca criar espa?o – utilizando para isso, as ferramentas adequadas em cada caso – para adotar estratégias que permitam preservar e/ou recompor as fontes de rendas e receitas. Dessa forma, seria mais viável poder honrar os compromissos e evitar calotes, sem negligenciar os próprios objetivos institucionais, de forma sustentável. Caso contrário, na atual conjuntura, a exacerba??o da desigual polariza??o entre ganhadores e perdedores, pode criar problemas de difícil solu??o jogando o mundo em um longo período de depress?o.Referências bibliográficasBANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Relatório Focus. Disponível em: . Estatísticas Monetárias e de Crédito. JunhoCECON (2020) A Coronacrise: natureza, impactos e medidas de enfrentamento no Brasil e no mundo. Nota de Conjuntura Nro 9, Maio._______ (2020) O impacto econ?mico da pandemia do Covid-19 e a contra??o do PIB no primeiro trimestre de 2020: n?o é culpa da política de saúde pública. 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