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UNIVERSIDADE EST?CIO DE S? PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTESNO ESTADO DEMOCR?TICO CONSTITUCIONALMARIA CAROLINA CANCELLA DE AMORIMRIO DE JANEIRO2016MARIA CAROLINA CANCELLA DE AMORIMPROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTESNO ESTADO DEMOCR?TICO CONSTITUCIONALDisserta??o apresentada à Universidade Estácio de Sá, como parte das exigências do Programa de Pós-Gradua??o em Direito, área de concentra??o em Acesso à Justi?a e Efetividade do Processo, para a obten??o do título de Mestre. Prof. Dr. Guilherme Calmon Nogueira da Gama(Orientador) Rio de Janeiro 2016Agrade?o ao Professor Dr. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, orientador desta disserta??o, pela confian?a depositada, o acompanhamento e a aten??o a cada detalhe da pesquisa.Ao Professor Dr. Rafael Mario Iorio Filho, pelo incentivo nesta pesquisa e na participa??o em diversas atividades acadêmicas.? Professora Dra. Mariza Alves Braga, pela amizade e o incentivo.? Carolina Monteiro Gon?alves da Silva (in memoriam) RESUMOO sistema norte-americano, diante de sua complexidade e dos microssistemas jurídicos, baseia-se nos precedentes judiciais. Para se compreender esse sistema, é preciso conhecer a teoria do stare decisis, a fim de perceber que o precedente tem efeito vinculante obrigatório t?o somente no plano vertical. A perfeita distin??o entre ratio decidendi e obter dicta é essencial para se verificar o que de fato possui efeito vinculante. Mecanismos de revis?o dos precedentes (overruling) e de distin??o de casos para afastar sua incidência (distinguishing), além da aplica??o de modula??o temporal dos efeitos da decis?o, integram o sistema de precedentes. O Brasil n?o adotou o sistema de precedentes judiciais, mas apropriou-se do efeito vinculante obrigatório no plano vertical para fortalecer os mecanismos já existentes e criar outros, com a edi??o do Código de Processo Civil, atribuindo-lhes efeitos de provimentos judiciais vinculantes. Em raz?o disso, afirma-se que o país caminha para a ado??o de um sistema jurídico híbrido, pois a base do sistema do civil law está sofrendo forte influência do sistema do common law. Os provimentos judiciais vinculantes se coadunam com os anseios do Estado Democrático Constitucional, pois, se adequadamente aplicados, atuam no sentido de atender aos princípios de isonomia, seguran?a jurídica, celeridade e efetividade, contribuindo, portanto, para o real alcance do sentido de acesso à justi?a por meio de um processo justo. PALAVRAS-CHAVE: Precedentes. Sistemas jurídicos. Princípios constitucionais. Acesso à justi?a.ABSTRACTThe US system, in the face of its complexity and legal microsystems, is based on judicial precedents. For the purpose of understand this system, it is necessary to know the “stare decisis theory”, realizing that the precedent has mandatory binding effect so only in the vertical plane. The perfect distinction between the ratio decidendi and the obter dicta is essential to verify what actually has binding effect. Mechanisms of preceding review (overruling) and mechanisms of case distinction to move away its incidence (distinguishing), in addition to temporal modulation application of the effects of the decision, integrate the judicial system of precedents. Brazil did not adopt this system, but appropriated the mandatory precedential effect in the vertical plane, to strengthen the existing mechanisms and create other ones with the edition of the Code of Civil Procedure, assigning them binding legal effects of provisionses. For this very reason, it can be affirmed that the country moves towards the adoption of a hybrid legal system, because the civil law system base is suffering strong influence of the common law system. The binding legal provisionses are consistent with the wishes of the Democratic State of Law, because, if properly applied, they act to meet the principles of equality, legal certainty, celerity and effectiveness, fomenting the real extent of the sense of access to justice by means of a fair process.KEY WORDS: Precedents. Legal systems. Constitutional principles. Access to justice.SUM?RIOINTRODU??O.......................................................................................................11PRECEDENTES JUDICIAIS NO SISTEMA NORTE-AMERICANO......15– Considera??es iniciais sobre o modelo jurídico norte-americano....................15– Common law e aplica??o dos precedentes judiciais.........................................17 –Teoria dos precedentes e seu processo de decomposi??o: separa??o entre ratio decidendi e obter dicta........................................................................................22– Relev?ncia da identifica??o de causas iguais e distinguishing........................32– Sistema de revis?o do precedente: overruling..................................................37– Influência do sistema de precedentes judiciais norte-americano no Brasil......41 REALIDADE DO SISTEMA JUR?DICO BRASILEIRO E A NECESSIDADE DE CONTEN??O DE DEMANDAS DE MASSA...............................................................................................................452.1 – Evolu??o histórica e seus efeitos no processo..................................................452.2 – Judicializa??o como alternativa diante da ineficiência dos meios de composi??o de conflitos............................................................................................532.3 – Ado??o do sistema híbrido no ordenamento jurídico brasileiro.......................612.4 – Mecanismos utilizados na luta contra a massifica??o de processos.................67PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES NO SISTEMA JUR?DICO BRASILEIRO....................................................................................................72– Pedido de uniformiza??o de jurisprudência no Código de Processo Civil de 1973, nos Juizados Especiais Federais e nos Juizados Especiais da Fazenda Pública.................................................................................................................72– Súmulas vinculantes e persuasivas..................................................................76 Aspectos históricos................................................................................78Natureza jurídica...................................................................................81 Pressupostos..........................................................................................82Procedimento previsto no novo Código de Processo Civil...................82Papel das súmulas vinculantes no controle de constitucionalidade.......84Súmulas vinculantes e atendimento aos princípios do acesso à justi?a, da celeridade e da efetividade................................................................86Papel das súmulas persuasivas diante do novo Código de Processo Civil.......................................................................................................88– Repercuss?o geral no recurso extraordinário....................................................89 – Senten?a de improcedência liminar do pedido.................................................92 – Normas cogentes e aplica??o do prospective overruling.................................95– Dispensa do reexame necessário diante dos provimentos judiciais vinculantes.........................................................................................................100– Assun??o de competência...............................................................................102– Incidente de resolu??o de demandas repetitivas.............................................104– Recursos repetitivos no novo Código de Processo Civil................................1073.10 – Papel do Conselho Nacional de Justi?a nos provimentos judiciais vinculantes.........................................................................................................112PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES E SUA COMPATIBILIZA??O COM OS PRINC?PIOS CONSTITUCIONAIS.....116 4.1 – Princípio do acesso à justi?a.....................................................................1174.2 – Princípio da isonomia...............................................................................1224.3 – Princípio do contraditório e da ampla defesa...........................................124 4.4 – Princípio da independência dos magistrados............................................1284.5 – Princípio da seguran?a nas rela??es jurídicas: previsibilidade e prote??o da confian?a............................................................................................................1304.6 – Princípio da dura??o razoável do processo...............................................1324.7 – Provimentos judiciais vinculantes no Estado Democrático Constitucional....................................................................................................135CONCLUS?O..................................................................................................140INTRODU??OA presente disserta??o, na linha de pesquisa “Acesso à Justi?a e Efetividade do Processo”, tem como tema os “Provimentos Judiciais Vinculantes no Estado Democrático Constitucional”.Esta pesquisa busca responder a quatro quest?es básicas: a) se o Brasil adotou o sistema de precedentes e está caminhando para a ado??o de um sistema híbrido; b) quais s?o os provimentos judiciais vinculantes criados pelo novo Código de Processo Civil e os instrumentos já existentes que ganharam for?a vinculante; c) se os provimentos judiciais vinculantes foram criados para a conten??o de demandas de massa; e ainda, d) se eles se coadunam com o Estado Democrático Constitucional. Um dos objetivos deste trabalho é investigar se o Brasil adotou, ou n?o, o sistema de precedentes judiciais existente no common law, presente em alguns países, como, por exemplo, os Estados Unidos, ou se apropriou-se de uma característica fundamental dos precedentes: o efeito vinculante obrigatório vertical.Tal medida é decisiva para tentar conter o expressivo número de demandas judiciais que assola o Poder Judiciário, causando lentid?o na presta??o jurisdicional, em clara ofensa aos princípios da dura??o razoável do processo e da efetividade. Mecanismos processuais foram criados, enquanto outros, já existentes, ganharam for?a vinculante, em especial com a edi??o do novo Código de Processo Civil, em vigor desde mar?o do corrente ano, diploma que trouxe forte impacto para o sistema processual brasileiro. Trazer mecanismos pertinentes ao sistema common law, adaptando-os à realidade brasileira, em regra pautada no sistema civil law, exige uma análise mais contundente por parte da doutrina, a fim de verificar se o país n?o passou a adotar um sistema híbrido ou até mesmo se ainda é correto falar na existência de sistemas puros, em uma percep??o moderna segundo a qual ambos sofrem influências mútuas.A recente vigência de um novo Código de Processo Civil torna o momento profícuo à observa??o e ao estudo do alcance e dos objetivos dos novos mecanismos criados e também para a realiza??o, por meio da aplica??o de um método comparado, de análises críticas desses instrumentos com os existentes em outros países, em especial a quest?o dos precedentes, base do modelo norte-americano.Assim, também parte-se para uma análise comparativa, através do método histórico, com as previs?es do Código de Processo Civil anterior, de modo a avaliar se, de fato, houve mudan?as positivas. Resta evidenciado que ainda é muito cedo para fazer avalia??es completas sobre os impactos de tais mudan?as no sistema jurídico. O certo é que o novo diploma processual, além de estimular a ado??o de mecanismos de autocomposi??o e heterocomposi??o de conflitos, simplificou alguns procedimentos e, principalmente, atribuiu caráter vinculante às súmulas, aos enunciados dos tribunais e às teses jurídicas firmadas pelos tribunais superiores, entre outros, de modo a permitir que os juízes os apliquem desde logo, no primeiro grau de jurisdi??o, encerrando a contenda e, com isso, economizando tempo, custos e esfor?os tanto dos jurisdicionados quanto da própria máquina estatal. Essa quest?o, de início, pode causar estranheza e até mesmo certo receio, por parte da comunidade jurídica, que, a partir de agora, terá de se adaptar e conviver com um modelo segundo o qual express?es como distinguishing, overruling, anticipatory overruling e prospective overruling far?o parte do dia a dia forense, além de ter de compreender bem a aplica??o da teoria do stare decisis, com a exata distin??o entre ratio decidendi e obter dicta. Fato positivo é que muito mais será exigido dos advogados, os quais ter?o de demonstrar que a causa que defendem é diferente das demais a??es em curso, sob pena de obterem o mesmo resultado. Igualmente, muito mais será exigido dos magistrados quando da fundamenta??o das decis?es, visto que, de acordo com o novo Código de Processo Civil, n?o poder?o limitar-se a invocar precedentes ou enunciados de súmula sem indicar, de forma precisa, os fundamentos determinantes ou demonstrar que o caso em julgamento se ajusta àqueles fundamentos.O Brasil vivencia um Estado Democrático Constitucional preocupado em estabelecer e garantir uma série de direitos fundamentais na própria Constitui??o. Entre eles, está prevista uma série de princípios básicos que devem ser observados, a fim de se afirmar a existência de um processo justo: o princípio de acesso à justi?a, ou da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário; o da isonomia ou igualdade das partes; o princípio do contraditório e da ampla defesa; o princípio da dura??o razoável do processo; o da efetividade; o da publicidade; o princípio do juiz natural, n?o esquecendo a necessidade de se garantir a independência dos juízes; e o da imparcialidade nos julgamentos. Portanto, é imperioso que se proceda a uma meticulosa análise acerca dos provimentos judiciais vinculantes e de sua compatibiliza??o com os princípios processuais constitucionais, de modo a verificar se os anseios do Estado Democrático Constitucional est?o sendo correspondidos ou se corre-se o risco de feri-los em nome dos mesmos princípios usados como justificativa para a cria??o de um sistema célere porém nem sempre justo. Esta pesquisa, recorrendo ao método bibliográfico, foi dividida em quatro capítulos.O primeiro capítulo, intitulado “Precedentes judiciais no sistema jurídico norte-americano”, fará uma apresenta??o do modelo jurídico dos Estados Unidos, apontando as dificuldades, narradas pelos próprios doutrinadores norte-americanos, em sintetizar o modelo, o qual, na verdade, apresenta cinquenta microssistemas jurídicos distintos. A apresenta??o do sistema do common law, presente naquele país, e suas origens históricas também foram objeto dessa se??o. O primeiro capítulo, portanto, cuidará justamente da conceitua??o dos precedentes judiciais, sua aplica??o no sistema jurídico do common law, trazendo n?o só a teoria dos precedentes em si, como também seu respectivo processo de composi??o, com a separa??o entre ratio decidendi e obter dicta. Busca-se demonstrar que o sistema de precedentes n?o é estático, portanto n?o há que se falar em risco de engessamento do Direito. Muito pelo contrário, pois há cuidado com o contínuo sistema de revis?o dos precedentes, o que se chama de overruling, que pode ser realizado até mesmo antecipadamente (anticipatory overruling). A relev?ncia na identifica??o de causas iguais também será abordada, a fim de que os casos distintos n?o tenham o mesmo tratamento, o que se conhece como distinguishing. Por fim, nesse capítulo, haverá a preocupa??o em demonstrar a influência do sistema de precedentes em terras brasileiras.O segundo capítulo é intitulado “Realidade do sistema jurídico brasileiro e necessidade de conten??o de demandas de massa”, momento em que se apresenta um panorama da realidade do Brasil em termos de número de demandas, com a apresenta??o dos resultados da última pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justi?a. Por meio de uma abordagem histórica, procura-se entender os motivos para se chegar a essa realidade. A excessiva judicializa??o diante da ineficiência dos meios de composi??o de conflitos também será abordada, ao lado do incentivo que esses mecanismos receberam com o novo diploma processual civil. Discutem-se os modelos jurídicos existentes e a interferência recíproca que sofrem, enfatizando-se os efeitos no sistema jurídico brasileiro e se é correto afirmar que se está diante de um sistema híbrido. Por fim, ser?o apresentados os mecanismos empregados na luta contra a massifica??o dos processos. No terceiro capítulo, haverá abordagem dos provimentos judiciais vinculantes no Brasil, elencando-se cada um deles e apontando os que já existiam em nosso modelo antes da vigência do novo diploma processual, os que ganharam for?a vinculante após a vigência e os novos instrumentos, inspirados, em regra, no Direito Comparado. Ao se estabelecer a distin??o entre o sistema de precedentes e o sistema de provimentos judiciais vinculantes, torna-se fácil compreender o principal motivo pelo qual esses mecanismos foram criados ou por que lhes foram atribuídos tais efeitos, levando-se em conta a realidade judiciária brasileira, que busca a conten??o da massifica??o de processos n?o só pelo incentivo da desjudicializa??o dos conflitos.Por derradeiro, o quarto e último capítulo tratará do Estado Democrático Constitucional, em especial dos anseios para que se observem os direitos fundamentais e os princípios processuais constitucionalmente estabelecidos. O foco deste capítulo será verificar a compatibiliza??o dos provimentos judiciais vinculantes com os princípios constitucionais, apresentando argumentos favoráveis e desfavoráveis à sua utiliza??o no sistema jurídico brasileiro.CAP?TULO 1PRECEDENTES JUDICIAIS NO SISTEMA JUR?DICONORTE-AMERICANO1.1 – Considera??es iniciais sobre o modelo jurídico norte-americano Para que se possa compreender a teoria dos precedentes aplicada no sistema da common law e seu possível aproveitamento no ordenamento jurídico brasileiro, é necessário tecer algumas breves considera??es sobre o sistema norte-americano, ber?o do referido sistema.Resumir em poucas páginas a magnitude de um sistema composto por microssistemas jurídicos que demandariam um estudo individualizado representa atitude desafiadora, mas a inten??o, aqui, é apresentar o sistema e suas especificidades no sentido de se compreender como ocorrem a aplica??o dos precedentes, sua composi??o, a quest?o da for?a vinculante e as possíveis modifica??es nos respectivos entendimentos, tudo com vistas a uma adequada compatibiliza??o com os anseios da sociedade contempor?posto por cinquenta estados e um distrito federal, os Estados Unidos constituem uma República Constitucional Federal, o que permite o autogoverno de cada regi?o de forma aut?noma, atribuindo, a todas, capacidade legislativa e a possibilidade de criar seu próprio sistema jurídico. Estudar e compreender dessa forma o sistema jurídico americano é uma atitude bastante desafiadora, pois estamos lidando com cinquenta e um microssistemas aut?nomos. Esse fato é reconhecido pelo constitucionalista norte-americano Willian Burhman:To speak of the judicial system of the United States is misleading, because there are in reality 51 different judicial system in the country: the federal court system and the court system in each state. As to questions of the state law, each of the state systems resort is a separate closed system. In other words, each state system has its own court of last resort that has the last word on what state law is. Only in issues of federal law, arising originally either in federal or state court, can it be said that there is the semblance of a single national judicial system with one court, the United States Supreme Court, serving as the court of last resort.Basicamente, o sistema jurídico norte-americano é composto pelas Federal Courts e State Courts. Existe a possibilidade de cada estado criar cortes inferiores. As cortes federais, ou Federal Courts, s?o compostas, em regra e no topo da organiza??o judiciária, pela U.S. Supreme Court (a chamada Suprema Corte), na qual s?o julgados os casos de apela??o cujo fundamento fere a Constitui??o americana. Em seguida, têm-se as U.S. Courts of Appeals (as cortes de apela??o), que, por sua vez, s?o divididas em treze circuitos judiciais federais, dos quais onze dividem-se em bases territoriais. As denominadas Legislative Courts apreciam quest?es específicas. Assim, em matéria tributária federal, existem as tax courts; a revis?o das decis?es do departamento de veteranos de guerra é feita pela Court of Veterans Appeals; os danos decorrentes de a??es ou omiss?es dos agentes estatais s?o julgados pela Court of Federal Claims; as penalidades impostas pelas cortes marciais podem ser revistas nas Courts of the Armed Forces; as causas referentes à legisla??o alfandegária ou à legisla??o de importa??o s?o examinadas nas Courts of Internacional Trade; e, por fim, a matéria falimentar é apreciada pelas Banckruptcy Courts. Na primeira inst?ncia da esfera federal, est?o os U.S. District Courts, que s?o os juízes federais, também conhecidos como trial courts. Atualmente, o país está dividido em noventa e quatro distritos, havendo pelo menos um distrito federal em cada estado-membro. Na esfera federal, a Justi?a americana apresenta duas premissas básicas: a Diversity, que tem o objetivo de garantir àquelas Cortes a solu??o de Controversies entre dois ou mais estados da federa??o ou entre cidad?os de diferentes estados; e a Federal Question, a respeito das controvérsias surgidas no tocante à própria Constitui??o e às leis federais. O sistema das Cortes Estaduais, conhecidas como State Courts System, compreende State Supreme Court, Superior Courts, Special Courts e Trial courts para o julgamento dos casos de menor complexidade. Assim, nesse sistema, cada estado-membro é livre para estabelecer a organiza??o do poder judiciário local, diretriz diversa da adotada no Brasil, onde as respectivas competências da Justi?a Federal, da Justi?a Estadual e das chamadas Justi?as Especializadas (Eleitoral, Militar e Trabalhista) est?o delineadas na Constitui??o da República, restando aos estados-membros, segundo disp?e o artigo 24, XI, da CRFB, apenas a competência concorrente para legislar sobre os procedimentos de apoio ao processo, traduzidos como normas de organiza??o judiciária locais. A estrutura e a organiza??o judiciárias americanas, por sua vez, formam um emaranhado bastante complexo, a exigir um estudo oportunamente mais profundo, n?o se confundindo, de fato, com o sistema jurídico brasileiro, que centraliza na Uni?o a competência para legislar sobre o Poder Judiciário, permitindo pouquíssima interven??o por parte dos estados, o que, em certa medida, contraria a própria ideia de federalismo. O sistema americano se baseia no Direito anglo-sax?o e tem por pressuposto o fato de a lei ser criada pelos usos e costumes, nas decis?es proferidas pelos juízes ou pelo corpo de juízes em casos concretos, e n?o em atos normativos codificados pelo Poder Legislativo.1.2 – Common law e aplica??o dos precedentes judiciaisCom a ado??o do sistema common law, os Estados Unidos apresentam um modelo jurídico em que a principal fonte é o chamado “precedente judicial”. Dessa maneira, o Tribunal acaba por funcionar como um legislador, similar ao órg?o que a Constitui??o incumbiu de legislar. Nesse sentido, como nos orienta Luis Henrique Volpe Carmargo,no common law n?o existe uma regra escrita prevendo a necessidade de observ?ncia dos precedentes. Existe, sim, conforme célebre frase do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Oliver Wendell Holmes, “o peso da tradi??o de pelo menos 1.000 anos”, que justifica o respeito ao que já fora decidido no passado. ?, portanto, inerente à cultura do povo anglo-sax?o.No sistema common law, a decis?o judicial apresenta, basicamente, duas fun??es distintas e complementares: a primeira consiste em solucionar determinada controvérsia apresentada ao Tribunal, enquanto a segunda visa estabelecer um precedente que norteie outras futuras decis?es em casos semelhantes. Para se entender a implanta??o do sistema, é necessário, em primeiro lugar, conhecer um pouco da história norte-americana e das bases do Direito anglo-sax?o. Antes do século XVIII, n?o se aplicava adequadamente o Direito inglês nas col?nias, em face das discrep?ncias entre a situa??o econ?mica e social nas col?nias e aquela existente na Inglaterra. Além disso, faltavam juristas com o necessário preparo para exercerem as atividades jurisdicionais com maestria. Nesse contexto, as col?nias – muitas já um tanto desenvolvidas e autossuficientes – n?o mais compactuavam com a interven??o e a explora??o econ?mica inglesa. Assim, em 1775 teve início um intenso conflito bélico com a Inglaterra, registrando-se, pela primeira vez na história da expans?o territorial europeia, um ato revolucionário das col?nias em face do país colonizador. Nesse período – mais precisamente em 1774 –, reuniu-se o Primeiro Congresso Continental da Filadélfia, ocasi?o em que os representantes das col?nias exigiram a cessa??o da interferência do Parlamento inglês em matéria de impostos e quest?es afetas à política interna. Logo após, em 1775, realizou-se o Segundo Congresso Continental, oportunidade em que foi possível perceber a intensifica??o do movimento separatista. Assim, com forte apoio popular, a Guerra da Independência dos Estados Unidos, também conhecida como Guerra da Revolu??o Americana ou Revolu??o Americana, levou à Proclama??o da Independência, em 4 de julho de 1776. Anos depois, em 1787, na Filadélfia, as treze col?nias – HYPERLINK "" \o "Massachusetts" Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, HYPERLINK "" \o "Nova Hampshire" Nova Hampshire, Nova Jersey, Nova Iorque, Pensilv?nia, Delaware, Virgínia, Maryland, HYPERLINK "" \o "Carolina do Norte" Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia –, ao reconhecerem a import?ncia de se contar com um governo fortalecido, além de reafirmarem a independência dos respectivos estados, organizaram a Conven??o Constitucional da Filadélfia. Lembra-se, aqui, a li??o do professor americano Allan Farnsworth:[...] O texto definitivo da Constitui??o denota a influência dos princípios desenvolvidos no curso da História. As no??es de soberania do povo e de governo baseado em um contrato social encontram-se no pre?mbulo, nas disposi??es sobre a ratifica??o da Constitui??o pelas conven??es estaduais e na ideia da concess?o de poderes ao governo central. A teoria de que o governo federal tem poderes limitados se evidencia n?o só pela enumera??o desses poderes, incluindo a decreta??o de impostos, a declara??o de guerra, a regulamenta??o dos comércios interestadual e internacional e a conclus?o de tratados, mas também pela ressalva da competência dos estados em matéria legislativa. O conceito de separa??o dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário federais está formalmente implícito na Constitui??o, que esbo?a, ao longo de três capítulos, cada um desses três poderes magnos e, presumivelmente, distintos. Por fim, a convic??o de que os direitos constitucionais devem ser estabelecidos em um instrumento escrito emerge do próprio documento. A Constitui??o n?o continha garantias de direitos individuais. Contudo, já em 1789, o Congresso prontamente prop?s as dez primeiras emendas à Constitui??o, popularmente conhecidas como Declara??o de Direitos, em virtude do fato de várias delas se referirem aos direitos do indivíduo em face do governo federal. Essas emendas foram aprovadas em 1791.Dessa forma, embora as antigas col?nias se tenham submetido e aderido à Uni?o, mantiveram a independência política, administrativa e legislativa, na medida em cada uma tinha – como ainda tem – autonomia para criar e impor as normas jurídicas, respeitando t?o somente as restri??es indicadas na Constitui??o Federal. Ana Carolina Miguel Gouveia explica que a Constitui??o americana consagrou o princípio da triparti??o dos poderes, estabelecendo, com precis?o, as atribui??es dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Aos membros do Poder Judiciário, fez-se quest?o de garantir a independência, evitando-se, portanto, eventuais ingerências dos outros poderes. Por sua vez, as quest?es mais relevantes e sensíveis de interesse nacional foram reservadas ao Congresso Nacional, enquanto os estados têm competência residual para legislar.6 Nesse sentido, registra-se que, ao criar um sistema de federalismo puro, a Constitui??o trouxe a teoria Checks and Balances, ou seja, o sistema de freios e contrapesos, com a inten??o de autoconter os limites de cada poder. Segundo a li??o de Augusto Zimmermann,7(...) a separa??o de poderes e o Checks and Balances seriam perfeitamente compatíveis com o Estado democrático, limitando-se o poder, mas garantindo-se a plena liberdade política dos indivíduos e o direito das minorias. Possibilita, de igual forma, a forma??o do Estado de Direito, na medida em que ele previne o abuso governamental, submetendo-se governantes e governados ao rule of law, em que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sen?o em virtude de prévia determina??o o Federalismo instalado, logo surgiram vozes contrárias ao sistema adotado, e alguns descontentes recorreram a Montesquieu para atacar a doutrina e, com isso, enfraquecê-la. A célebre frase “? da natureza da República que seu território seja pequeno; se n?o for assim, ela dificilmente poderá subsistir”, desse filófoso, serviu de mote aos antifederalistas para questionar a separa??o dos poderes, ao argumento de que haveria risco de concentra??o e abuso de poder.8Propuseram, ent?o, como saída, a ado??o da doutrina pura ou absoluta de separa??o dos poderes, que, no fim das contas, privilegiava o Poder Legislativo, até mesmo por temer os poderes conferidos à Suprema Corte, os quais, até ent?o, eram considerados excessivos. Essa discuss?o perdurou até Joseph Story, no caso Martin v. Hunter’s Lessee (1816), consolidando o papel da Constitui??o e a fun??o dos estados ao admitir a possibilidade de a Suprema Corte rever decis?o de uma Corte Estadual. A América escolheu ser, sob muitos aspectos, uma na??o; e, em rela??o a todos eles, seu governo é completo, competente, supremo. Pode, para atingir esse efeito, controlar legitimamente todos os indivíduos ou governos dentro do território americano. A Constitui??o e as leis de um estado, se contrárias à Constitui??o e às leis dos Estados Unidos, s?o absolutamente nulas. Os estados s?o partes constituintes de um grande império – para alguns fins, soberanos; para outros, subordinados.9Assinala-se que as emendas à Constitui??o pautadas na necessidade de assegurar direitos e garantias fundamentais, conhecidas como Bill of Rights, entraram em vigor no dia 15 de dezembro de 1789, cumprindo o estabelecido no artigo 5o do texto original.Foi nesse contexto histórico, portanto, que o sistema jurídico norte-americano se consolidou, sendo hoje considerado um dos quatro modelos destacados como mais importantes no mundo, como destaca René David:10o sistema romano-germ?nico, que os autores do sistema da Common Law denominam Civil Law, no qual se encontra o Direito brasileiro; o sistema da Common Law, que, conforme será esclarecido mais além, n?o deve ser confundido com “sistema inglês” (porque se aplica a vários países, embora nascido na Inglaterra), nem com “brit?nico” (adjetivo relativo à Gr?-Bretanha, entidade política que inclui a Escócia, pertencente ao sistema da família romano-germ?nica), nem com anglo-sax?o (porque esse adjetivo designa o sistema dos direitos que regiam as tribos antes da conquista normanda da Inglaterra, portanto anterior à cria??o da Common Law naquele país);o sistema dos direitos socialistas, na atualidade, que compunham a denominada Europa do Leste, capitaneados pela URSS até a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento daquela; outras concep??es da ordem social e do direito, tais como direito mu?ulmano, indiano, direitos do Extremo Oriente, direito judaico, direitos da ?frica e de Madagascar, que, em determinados países, é a principal fonte das normas jurídicas nacionais (Ir?, Iraque) e, em outros, relevantes para determinados ramos do direito privado, e em particular, em matéria de família, sendo os demais campos ora da família romano-germ?nica (Israel e Líbano), ora da Common Law (?ndia, Paquist?o).Com a produ??o feita por um juiz – o chamado judge made law –, o commom law baseia-se essencialmente na figura dos precedentes judiciais. A doutrina norte-americana afirma que os precedentes s?o dotados de autoridade e que, exatamente por essa raz?o, devem, obrigatoriamente, ser observados. Verifica-se, aqui, que tal aconteceu sem que houvesse uma norma escrita impondo o efeito vinculante, o que, por si só, é algo bastante curioso – esse efeito se deu naturalmente, como um contínuo e ininterrupto acúmulo de saberes, experiências, costumes e conselhos a justificar uma boa decis?o. Resulta da constru??o de uma na??o, tornando-se um grande sistema jurídico, embora carregue algumas peculiaridades que se distinguem do common law puro do Direito inglês. Teresa Arruda Alvim, ao mencionar Lord Reid,11 faz alguns interessantes apontamentos que nos levam a refletir:Houve um tempo em que se acreditava ser quase indecente sugerir-se que juízes criavam o direito – eles só o declaram. Aqueles afeitos a contos de fadas parecem ter pensado que, em alguma caverna do Aladim, o common law estaria escondido em todo seu esplendor que desceria por sobre o juiz, por meio das mágicas palavras “abre-te sésamo”. Más decis?es seriam proferidas quando o juiz se atrapalhasse com a senha e a porta errada abrisse. Mas nós n?o acreditamos mais em contas de fadas. Conclui-se que os precedentes traduziam definitivamente a vontade da sociedade norte-americana, definida por seus costumes, os quais, consolidados, perpetravam-se por meio das decis?es judiciais. Resta saber se, hoje, o sistema continua desempenhando aquele papel inicial, pois observa-se forte influência do sistema romanístico nos Estados Unidos, com a recep??o do Direito legislado.Atualmente, vive-se um momento no Direito em que n?o mais é possível definir, com precis?o cirúrgica, o sistema jurídico ao qual o país se filia, mas t?o somente tra?ar elementos que baseiam o sistema em regra, n?o se desprezando a influência de outros sistemas jurídicos. Entende-se que tal quest?o é bastante salutar. Por que n?o aproveitar os mecanismos positivos e disponíveis em outros modelos para inseri-los, desde que respeitados os casuísmos e as peculiaridades do modelo preexistente? Tal fen?meno, já observado nos Estados Unidos, passa a ser estudado no Brasil, país que – acredita-se – passará a adotar um sistema jurídico híbrido, tema a ser oportunamente abordado. 1.3 – Teoria dos precedentes e o respectivo processo de decomposi??o: separa??o entre ratio decidendi e obter dictaA fim de se compreender a decomposi??o do precedente, é preciso, em primeiro lugar, estudar a teoria correspondente, de modo a entender as partes integrantes, a natureza jurídica e os respectivos efeitos. Tal estudo se faz necessário porque, com o advento do novo Código de Processo Civil, o sistema jurídico brasileiro evidencia um momento crucial de mudan?a, raz?o pela qual é preciso determinar se o ordenamento jurídico brasileiro agasalhou a teoria dos precedentes.12 Assim, examina-se o conceito de “precedente judicial” pela ótica anglo-sax?nica: uma decis?o proferida nas inst?ncias superiores que vincula as inst?ncias inferiores e a própria Corte que a o assinala Ana Carolina de Sá Dantas,13 o precedente desempenha importante papel em duas situa??es distintas do sistema common law: quando se trata de criar uma nova norma e quando se busca interpretá-la corretamente. Dessa forma, os juízes têm um papel extremamente relevante, pois s?o os detentores de tal responsabilidade social qualificada,14 já que, no momento de proferir a decis?o, devem levar em conta sua aplica??o em todos os casos subsequentes. Sobre a fun??o do precedente nos países de common law, José Jesus Cazetta Júnior consigna:15Em todos os países do common law, tal como ocorre entre nós, a fun??o dos órg?os jurisdicionais de primeira inst?ncia é aplicar normas e resolver controvérsias. Mas nos Estados Unidos e na Inglaterra a teoria jurídica admite que os Tribunais dotados de uma competência recursal cumpram ordinariamente duas fun??es distintas: a) julgam e, se isso for necessário, b) criam normas gerais e dotadas de abstra??o, i.e., passíveis de sucessivas aplica??es a todos, sempre que se repitam hipóteses similares às dos fatos principais da causa.? preciso analisar a possibilidade de comparar os precedentes com experiências, exemplos ou costumes, a fim de que se possa compreender, com mais facilidade, sua real dimens?o. Nesse tópico, é essencial a li??o do jurista Luis Guilherme Marinoni,16 que aponta a impossibilidade de se confundir o precedente pura e simplesmente com uma experiência, pois o primeiro é um dado aut?nomo, valorado, ainda que em torno dele n?o existam experiências ou raciocínios aproveitáveis. Tampouco pode-se confundi-lo com exemplo. Para Marinoni, os dois conceitos n?o se misturam. Isso porque o valor do precedente n?o guarda rela??o com seu conteúdo. O simples fato de o precedente poder ser revogado, sem que importe seu conteúdo, desconecta seu valor do impacto que provoca nos jurisdicionados. Para Schauer,17 inclusive, a prática de seguir precedentes implica tomá-lo por seu próprio status – sua fonte, e n?o seu conteúdo – de precedente como uma raz?o para decidir a quest?o posta da mesma forma como decidida no passado. Quanto a identificar o precedente como um costume, igualmente isso n?o soa adequado. Compartilhando o entendimento de Neil Duxbury, n?o se considera possível confundi-los. Entre as raz?es, encontram-se a probabilidade de apresentarem conteúdos opostos e a desnecessidade do reconhecimento judicial anterior do costume, ao contrário do precedente, como analisado por Luis Marinoni.18 Talvez a melhor evidência dessa diferen?a esteja no fato de o costume ser anterior à cria??o da teoria dos precedentes, algo que o próprio Duxbury destaca: “Finally, perhaps the most decisive evidence that precedent and custom are diferentes forms of legal authority is the common law itself, for the common law existed as a form of customary law long before the was a doctrine of precedent”.19Assim, n?o se podem olvidar a import?ncia dos costumes e o fato de serem considerados pelas Cortes contempor?neas. ? clara a hipótese de o precedente acabar por firmar um costume local. Portanto, é preciso analisar os precedentes levando em considera??o o alcance de seus efeitos para o futuro, pois o magistrado deve ter consciência plena de que sua decis?o, ao se tornar um precedente, atingirá casos futuros, servindo como modelo regente. Nesse passo, conclui-se que todo precedente judicial é uma decis?o judicial, mas indaga-se: Será que todas as decis?es configuram um precedente? Quem nos dá essa resposta é o acadêmico Evaristo Arag?o Santos,20 ao apontar que n?o parece razoável entender a quest?o nessa linha. Desse modo, as decis?es proferidas em um juízo de primeira inst?ncia n?o vinculam os demais juízos; isso vale apenas para o caso das decis?es proferidas em inst?ncias superiores. Ressalta-se que, em regra, no sistema jurídico norte-americano, os precedentes têm efeito vinculante, porém isso n?o vale para as decis?es proferidas no primeiro grau de jurisdi??o. ? relevante, neste estudo, examinar a teoria do stare decisis. Para Freddie Diddier,21 o sistema da common law é informado pela teoria do stare decisis, segundo a qual o precedente judicial – rectius: sua ratio decidendi –, sobretudo aquele emanado da Corte Superior, é dotado de eficácia vinculante n?o s?o para a própria Corte, mas também para os juízos que lhe s?o hierarquicamente inferiores. Desse modo, é preciso estudar o stare decisis em dois planos distintos e importantes: horizontal e vertical. No plano horizontal, reside o efeito vinculante para os casos futuros que ser?o apreciados na mesma Corte que exarou o precedente. No plano vertical, por sua vez, reside a aplica??o do efeito vinculante nas decis?es proferidas pelas inst?ncias inferiores, que est?o, portanto, subordinadas, do ponto de vista hierárquico, às Cortes superiores. Assim, verifica-se, no plano vertical, a vincula??o das cortes inferiores sempre que situadas na mesma jurisdi??o.22 Evan Carminker23 destaca:The duty to obey hierarchical precedent tracks the path of review followed by a particular case as it moves up the three federal judicial triers: A court must follow the precedents established by the court(s) directly above it. District courts must follow both Supreme Court decisions and those issued by whichever court of appeals has revisory jurisdiction over its decisions, and courts of appeals must heed Supreme Court decisions. However, a court can ignore precedents established by other courts so long as they lack revisory jurisdiction over it. Thus, a circuit court of appeals is not bound by decisions of coordinate circuit courts of appeals, and a district court judge may ignore the decisions of ‘foreign’ courts os appeals as well as other district court judges, even within the same o já se destacou quando da análise da estrutura e da organiza??o judiciárias americanas, uma Corte Estadual deve obedecer, portanto, aos precedentes de sua respectiva Corte de Apela??o Estadual e também da Suprema Corte, n?o se vinculando, contudo, a decis?es proferidas por outras Cortes Estaduais. Isso permite visualizar e consagrar a ideia dos microssistemas jurídicos que comp?em cada estado. Sobre essa teoria, indaga-se ainda se todos os precedentes teriam efeitos vinculantes. A resposta é negativa. Existem precedentes com efeito vinculante obrigatório e outros que servem apenas para persuadir o magistrado no momento da decis?o.24Roland Seroussi25 esclarece que existem os building precedents, com plena autoridade, envolvendo o pleno respeito de um tribunal às suas próprias decis?es, o respeito às decis?es das jurisdi??es superiores pelos tribunais inferiores da mesma al?ada, o respeito pelos juízes do estado e, em matéria de Direito federal, às decis?es judiciárias que emanam da esfera federal. Os persuasive precedentes só têm autoridade reduzida, secundária, situando-se mais no plano da moral: um tribunal pode n?o seguir uma decis?o tomada por um juízo que lhe é inferior ou o tribunal de um estado tem o direito de n?o seguir a decis?o tomada por um tribunal de categoria equivalente que pertence a outro estado. Michele Taruffo, por sua vez, explica que n?o convém afirmar que, no common law, o procedente é vinculante, traduzindo uma verdadeira obriga??o do juiz de acompanhá-lo. Aduz que, no sistema inglês, no qual o precedente é dotado de maior eficácia, os magistrados acabam por utilizar numerosas e prodigiosas técnicas de argumenta??o, incluindo overruling e distinguishing, de modo a n?o seguirem o precedente. Destaca ainda que, nesse sistema, o “precedente possui uma for?a considerável, de forma que o juiz, a princípio, o siga – como de fato acontece –, mas esta for?a é reversível”.26 Permite-se, ent?o, que o juiz n?o siga o precedente quando julgar oportuna uma solu??o mais justa e adequada ao caso.No mesmo sentido, Taruffo explica que, para que se possa entender o precedente, é preciso conhecer sua dire??o. Dessa maneira, é possível apontar a rela??o entre o órg?o que proferiu a decis?o tida como precedente e o juiz que, mais tarde, irá apreciar outro caso sucessivo. ? por esse motivo que apresenta a quest?o da vincula??o ligada aos planos vertical e horizontal, apontando que, no primeiro caso, ocorre a aplica??o típica do precedente, “pois sua for?a”, conforme assinalado por Taruffo, “se baseia na autoridade e também na competência do órg?o que proferiu a decis?o, vinculando os demais que se encontram a ele subordinados”. Já no plano horizontal, com órg?os jurisdicionais sem qualquer diferen?a de autoridade, verifica-se plenamente a quest?o persuasiva do precedente.27Taruffo também traz o que denomina “autoprecedente”, ou seja, precedentes emanados da mesma Corte que julgará o caso sucessivo, acreditando que os juízes devem segui-lo, a fim de que casos iguais sejam tratados da mesma forma. Assim, uma mesma Corte que emanasse opini?es distintas a cada dia teria pouca autoridade e geraria profunda inseguran?a na comunidade, além de ofensa ao princípio da isonomia.28Em suma, o precedente só tem efeito vinculante obrigatório se estiver no plano horizontal – decis?o proferida pela própria Corte – ou no plano vertical quando a decis?o é proferida por Corte superior. Dessa maneira, os precedentes n?o obrigatórios, chamados de persuasivos, servem de guia, de boa orienta??o para os tribunais. A análise histórica do sistema de precedentes nos revela que, na atualidade, essa é a situa??o mais comum nas Cortes. José Rogério Cruz e Tucci,29 ao estudar a história dos sistemas jurídicos, ensina que o uso de precedentes, persuasivos ou obrigatórios, com for?a vinculante está presente e é cíclico: Por paradoxal que possa parecer, vem assinalado que, sob o prisma da história do direito moderno, os sistemas de direito codificado também conheceram, além da for?a natural dos precedentes persuasivos, precedentes com eficácia vinculante, sendo certo que dentre eles sobressaía a jurisprudência de cortes superiores (precedentes verticais), como, e.g., os arrêts de réglement do Parlamento francês, os julgamentos das “causas maiores” da Rota Romana, da Itália pré-unitária, o regime de assentos da Casa de Suplica??o em Portugal, o prejulgado trabalhista no Brasil e, ainda hoje, o controle exercido pelo Tribunal Constitucional espanhol sobre as decis?es que contrariam precedentes judiciais, e a inusitada regra constante do artigo 1? do Código Suí?o, que outorga ao juiz, diante da lacuna da lei, o poder de criar a regra aplicável ao caso concreto (...). Se olharmos ainda mais para o passado, iremos verificar que o uso do precedente, acentuado na casuística, constituiu um método cuja característica fundamental independe da época, do sistema jurídico ou da natureza da fun??o exercida pelas pessoas que o empregam.Cumpre destacar que a teoria do precedente n?o tem o cond?o de engessar as decis?es judiciais, muito menos de cercear a plena atividade jurisdicional dos juízes de primeira inst?ncia, mas sim de assegurar a previsibilidade e a seguran?a jurídica a todos os jurisdicionados.Para Shauer,30 a característica da previsibilidade merece bastante destaque, pois, quando um julgador tem de decidir um caso da mesma forma que já o fez em casos anteriores similares, permite-se que as partes prevejam o futuro com facilidade e previs?o, e isso, inclusive, permitirá que tenham a tranquilidade suficiente para enfrentar o desconhecido. Essa busca pela unidade no sistema jurídico é perseguida por outros ordenamentos, como no Brasil, por exemplo. John P. Dawson31 explica que, no sistema jurídico norte-americano, essa busca tem como base a teoria do stare decisis, que significa que uma Corte n?o pode julgar um caso obedecendo à tendência do momento, sem, em primeiro lugar, agir de forma coerente com as decis?es judiciais que antecederam aquele caso. Assim, pois, uma decis?o do passado, cujas raz?es tenham sido expostas, deve ser aplicada em casos similares e futuros, em que caibam as mesmas raz?es, e somente novas e persuasivas raz?es poder?o ditar uma decis?o que n?o seja similar às antecedentes. Parece que esse é um meio de evitar arbitrariedades – um dos principais objetivos de todo sistema jurídico. ? importante destacar que alguns autores, como, por exemplo, Robert Summers,32 apesar de reconhecerem como regra a eficácia vinculante do precedente, indicam a existência de precedentes formalmente vinculantes e n?o formalmente vinculantes mas que têm for?a; n?o formalmente vinculantes sem for?a; e meramente ilustrativos ou dotados de outros valores.33Por outro lado, alguns autores norte-americanos enxergam os precedentes de maneira totalmente dissociada da teoria do stare decisis. ? o caso de Simpson,34 que aponta que qualquer tentativa de identifica??o completa entre common law e stare decisis é insatisfatória, in verbis:To a historian at least any identification between the common law system and the doctrine of precedent, any attempt explain the nature of the common law in terms of stare decisis, is bound to seen unsatisfactory, for the elaboration of rules and principles governing the use of precedents and their status as authorities is reatively modern, and the idea that there could be binding precedent more recent still. The common law had been in existence for centuries before anybody was very excited about these matters, and yet it functioned as any system of law without such props as the concept of the ratio decidendi, and functioned well enough.A teoria do stare decisis é a regra no sistema de precedentes judiciais, com as exce??es devidamente apresentadas. Em outros sistemas jurídicos, como no Brasil, reproduz-se a mesma linha. No Brasil, há as súmulas persuasivas e as súmulas vinculantes.Os enunciados da súmula da jurisprudência predominante com eficácia vinculante s?o conceituados como: proposi??es aprovadas ou revisadas, de ofício ou por iniciativa de legitimado ativo para a??o direta de inconstitucionalidade, por dois ter?os dos membros do Supremo Tribunal Federal, quanto a interpreta??o, validade e eficácia de normas determinadas, em rela??o aos demais órg?os do Poder Judiciário e Administra??o Pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, sob pena do uso de reclama??o.35 De acordo com o Supremo Tribunal Federal,36 as súmulas, em geral, podem ser assim definidas:Palavra originária do latim SUMMULA, que significa sumário, restrito, resumo. ? uma síntese de todos os casos parecidos, decididos da mesma maneira, colocada por meio de uma proposi??o direta e clara. A súmula n?o possui caráter cogente, servindo apenas de orienta??o para futuras decis?es.Súmulas persuasivas s?o aquelas que t?o somente influenciam as decis?es judiciais, servindo como uma orienta??o, sem efeito obrigatório. Na prática, porém, os juízes têm adotado as orienta??es sumuladas pelos tribunais, com a finalidade, inclusive, de evitar a procrastina??o do feito. Registra-se que a forma??o jurídica em todas as universidades dos Estados Unidos é voltada para o estudo de casos concretos e para a análise dos precedentes, de modo a buscar fundamentos que respondam às quest?es apresentadas. Quem recorda a cultura jurídica americana e o sistema de precedentes é Charles Cole,37 assinalando que lá a cultura requer que os alunos sejam ensinados a analisar casos concretos para determinar os fatos relevantes, quest?es que a Corte precisa decidir e os fundamentos que se mostram apropriados a responder às quest?es jurídicas. Assim, o método de ensino de casos é um aspecto necessário do precedente vinculante. Tal abordagem real?a a raz?o ou o fundamento da decis?o da Corte, requerendo que a quest?o jurídica ou as quest?es de um caso jurídico sejam articuladas no contexto em análise. Após a apresenta??o da teoria dos precedentes, com a análise do conceito e as exce??es à teoria do stare decisis, passa-se a analisar a decomposi??o do precedente judicial no common law: ratio decidendi e obter dicta. Pautado pela express?o stare decisis et non quieta movere, o sistema de precedentes judiciais é feito pelos magistrados e, portanto, a cada caso submetido a julgamento, deve-se pesquisar se já existe um pronunciamento judicial anterior sobre o mesmo tema. Assim, se constatada essa existência, parte-se para a realiza??o de um processo de decomposi??o.38Essa decomposi??o, segundo as palavras de Camargo,39 tem por objetivo separar a essência da tese jurídica ou a raz?o de decidir (ratio decidendi, no Direito inglês, ou holding, no Direito norte-americano) das considera??es periféricas (obter dicta), pois é apenas o núcleo determinante do precedente que vincula (binding precedent) o julgamento dos casos posteriores.Desse modo, ao se aplicar um precedente, é preciso haver um cuidado muito especial por parte dos magistrados no momento dessa separa??o, até mesmo para verificar a ocorrência de semelhan?as entre o caso em julgamento e a decis?o anterior proferida pela Corte. Michele Taruffo esclarece bem o tema:40A doutrina do precedente faz distin??o entre ratio decidendi, que é a regra de direito que é colocada como fundamento jurídico da decis?o sobre os fatos específicos do caso, e obter dictum, ou seja, todas as aquelas afirma??es e argumenta??es que est?o contidas na motiva??o da senten?a, mas que, por serem úteis para a compreens?o da decis?o e de seus motivos, n?o s?o parte integrante do fundamento jurídico da decis?o.Firmada a necessidade de se decompor o precedente, é imperioso entender como extrair a ratio decidendi da decis?o. Para tanto, trazem-se autores que apontam algumas teorias.A primeira delas é a chamada Teoria de Wambaugh, ou simplesmente Teoria da Invers?o. Segundo essa teoria, para identificar a ratio decidendi de um caso, deve-se atentar para a suposi??o do que seja a ratio e inseri-la no contexto do próprio julgamento. Logo após, deve-se inserir uma palavra que procure inverter seu sentido. Nesse caso, se a decis?o da Corte for a mesma com a palavra modificada, conclui-se que a proposi??o inicial n?o era a ratio decidendi do caso. O segundo método exige o conhecimento dos fatos materiais tratados pelo tribunal, os quais, segundo parte da doutrina americana, s?o essenciais para que se possa decidir um caso e aplicá-lo a casos futuros.41H. K. Lucke42 sintetiza a existência de três métodos para tratar a decomposi??o do precedente: A essência da vincula??o de uma decis?o judicial é tradicionalmente somada na frase ratio decidendi (raz?o para decis?o). Muitos pensamentos e esfor?os foram despendidos para analisar e definir esse conceito e encontrar um método confiável para descobrir como a ratio decidendi de um caso é apurada de maneira mais adequada. Parece haver três ideias principais: a assim chamada teoria clássica, a vis?o generalizada, da qual Julius Stone foi um proeminente defensor na Austrália, que considera toda a no??o de que um único caso poderia conter apenas uma ratio decidendi como uma ilus?o completa, e a teoria dos fatos materiais, desenvolvida por Goodhart. Com tantas teorias e métodos buscando auxiliar o magistrado nessa tarefa, n?o causa surpresa a posi??o de Teresa Arruda Wambier,43 ao apontar que a intepreta??o do precedente para que se extraia a holding ou a ratio decidendi é tarefa t?o – ou até mesmo mais – complexa que a interpreta??o da lei. Em suma, é possível sintetizar a tarefa de decomposi??o do precedente em quatro etapas: 1) examinar atentamente o caso concreto; 2) verificar a semelhan?a entre eles; 3) identificar a ratio decidendi, diferenciando-a da obter dicta; 4) decidir pela aplica??o do precedente ao caso concreto.44Percebe-se, aqui, a imensa responsabilidade dos magistrados que atuam no sistema jurídico da common law com base nos precedentes judiciais.1.4 – Relev?ncia da identifica??o de causas iguais e distinguishQuando da análise do modelo jurídico common law, foi possível perceber que se baseia nos precedentes judiciais, seguindo, portanto, uma decis?o anteriormente produzida em caso semelhante, desde que observadas as considera??es acerca dos efeitos vinculantes. Será vinculante se disser respeito a uma decis?o proferida pelo próprio Tribunal (plano horizontal) ou por uma Corte hierarquicamente superior (plano vertical). Já se assinalou-se a imensa responsabilidade do magistrado em virtude de saber que sua decis?o pode tornar-se um precedente, atingindo, portanto, casos futuros. Ao mesmo tempo, percebeu-se a difícil tarefa de distinguir entre ratio decidendi e obter dicta, bem como as várias teorias acerca da matéria. O objetivo maior da teoria do stare decisis é alcan?ar previsibilidade e seguran?a jurídica, atribuindo, com isso, tratamento ison?mico aos jurisdicionados. No entanto, em algumas situa??es, ao analisar um caso concreto, o juiz percebe que n?o está diante de nenhum caso semelhante ou mesmo parecido, dando-se conta de peculiaridades que afastam a incidência do precedente. Situa??es desse tipo configuram o que se chama de distinguish, termo definido por Rodolfo Mancuso45 de forma muito simples: uma prática dos tribunais para fundamentar a n?o aplica??o do precedente a determinado caso.? fato que o juiz deve ter o cuidado de analisar detidamente o caso concreto em julgamento para verificar se há necessidade de fazer incidir os precedentes. Neil Duxbury46 ensina que o distinguish nada mais é do que aquilo que os juízes fazem quando estabelecem a distin??o entre um caso e outro. Por óbvio, entende-se que, para aplicar a ratio decidendi, é preciso comparar o caso inicial com aquele sob julgamento, a fim de reunir as circunst?ncias fáticas. Como bem recorda Marinoni,47 isso caracteriza uma diferencia??o dos casos que assume a forma da técnica jurídica voltada à aplica??o dos precedentes, o chamado distinguish. Marinoni acrescenta, com bastante propriedade, que o distinguish exige, como antecedente lógico, que se identifique a ratio decidendi do precedente. Portanto, antes de aplicá-lo, é preciso extrair a ratio decidendi e a obter dicta, ressaltando que apenas a primeira forma o precedente. Allan Farnsworth48 elucida a matéria:O distinguihing é ferramenta útil nas m?os do juiz. Sen?o, vejamos: se uma corte, ao analisar um precedente (visando à sua potencial aplica??o em um novo caso), concluir que é interessante aplicar, ao caso em análise, o princípio jurídico desenvolvido na decis?o anterior, interpretará o precedente (seu holding) da maneira o mais geral possível, tratando as diferen?as factuais entre os dois casos como irrelevantes. Porém, se ao juiz n?o parecer coerente a aplica??o de uma regra imposta por um precedente, ele tenderá a analisar o novo caso tratando como relevantes as diferen?as entre este e o precedente, restringindo ao máximo a aplica??o do último, ainda que a inten??o da Corte que o proferiu tenha sido de ampla aplica??o.O fato é que, após a realiza??o do distinguishing, a n?o ado??o do precedente ao caso concreto n?o o torna, por si só, obsoleto ou inaplicável a outros casos. Pelo contrário, apenas estabelece que, naquele caso concreto em julgamento, n?o há compatibilidade necessária que justifique sua ado??o. Mais uma vez, Duxbury49 lembra que a n?o ado??o do precedente n?o o torna bad law, mas t?o somente inapplicable law. No entanto, cumpre observar que, quando isso ocorre, o magistrado deve estar atento, uma vez que é possível que essa decis?o n?o esteja mais sendo aceita pela comunidade jurídica. Dessa forma, o excesso de distin??es pode representar sinal de enfraquecimento de sua autoridade.50 Resta saber se o distinguishing permite a altera??o do precedente. Segundo o professor Marinoni,51 isso é possível e, citando Duxbury,52 defende que essa possibilidade está presente quando uma corte deixa de lado um precedente para, em raz?o da presen?a de um número maior de fatos materiais, editar uma regra particular. Ao exigir outros fatos materiais nos casos em julgamento, a nova ratio decidendi é aplicável a um número reduzido de casos. Desse modo, o distinguished acaba por permitir a altera??o do precedente, ou melhor, a mudan?a da ratio decidendi do precedente.53Uma situa??o muito comum no momento do julgamento é o surgimento de novas situa??es, com muitas peculiaridades, n?o abordadas nos precedentes. No entanto, apesar dessas diferen?as, nada impede que o resultado seja o mesmo do precedente, o que, em parte, explica o interesse dos processualistas no estudo do alcance dos precedentes. Para abordar esse tema, nada mais apropriado que extrair a pondera??o dos fundamentos ou as raz?es do precedente, denominados substantive reasons, e analisar o que justifica o sistema de precedentes vinculantes e obrigatórios. Assim, na presen?a de elementos de distin??o que afastem a incidência, no caso concreto, da aplica??o do precedente, o juiz deverá buscar uma nova solu??o. Ana Carolina de Sá Dantas54 apresenta alguns interessantes exemplos de aplica??o concreta do distinguish na Suprema Corte Americana. Um deles é o caso “Rasul versus Bush”, decidido em 2004. Na oportunidade, a mencionada Corte afastou a aplica??o do precedente oriundo do caso Eisentrager, julgado em 1950, permitindo, com isso, que os prisioneiros (dois australianos e doze kuwaitianos) tivessem seus habeas corpus julgados por uma corte norte-americana. No julgado, a Suprema Corte, considerou distin??es significativas do caso Eisentrager o fato de os prisioneiros n?o serem nacionais de países em guerra com os Estados Unidos, de n?o terem acesso a nenhum tribunal, de inexistirem acusa??o formal e condena??o, e de estarem presos em um local (Base Naval de Guantánamo) onde os Estados Unidos mantêm o controle e a presta??o de atividade jurisdicional. Assim, o distinguishing contribui, de maneira significativa, para que se compreenda que o sistema de precedentes n?o é estático nem cria dificuldade para altera??es ou até mesmo para uma correta adapta??o às necessidades e aos valores da sociedade contempor?nea; ao contrário, permite a constante revis?o dos precedentes e, uma vez observadas as distin??es, a busca por uma nova decis?o, um novo direito. Isso é motivo de instiga??o para a classe jurídica, sobretudo para os advogados, que devem mostrar à Corte as peculiaridades do caso concreto sub judice, a fim de afastar a incidência do precedente, o que torna o common law um dos mais din?micos sistemas jurídicos do mundo. Marinoni faz referência às palavras de Benjamin Cardozo, que, com propriedade, discorre acerca do papel do julgador diante da complexidade desse sistema:Em meus primeiros anos como juiz, a minha perturba??o de espírito foi muito grande ao perceber que n?o havia portos seguros no oceano em que me lan?ara. Eu queria a certeza. Fiquei deprimido e desanimado quando descobri que essa busca era v?. Estava tentando alcan?ar a terra, a terra firme das normas fixas e estabelecidas, o paraíso de uma justi?a que se revelasse mais clara e dominante que seu pálidos e tênues reflexos em minha mente e consciência vacilantes. Descobri, com os viajantes em Paracelso, de Browing, que o verdadeiro paraíso sempre esteve mais além. Com o passar os anos e à medida que refletia mais e mais sobre a natureza do processo judicial, eu me reconciliei com a incerteza, porque cresci para vê-la como inevitável. Cresci para ver que o processo em sua mais alta extens?o n?o é descoberta, mas cria??o, que as dúvidas e apreens?es, as esperan?as e os temores fazem parte do trabalho do intelecto, das dores da morte e do nascimento, em que princípios que serviram a uma época se v?o e novos princípios nascem.55Assim, ao analisar o precedente judicial e concluir pela aplica??o do distinguishing, é extremamente relevante trazer à baila quatro instrumentos utilizados no sistema norte-americano: a técnica de sinaliza??o, a transformation, o overriding e a técnica de elabora??o de distin??es inconsistentes (the drawing of inconsistent distinctions). Na primeira delas, a também chamada technique of signaling, a Corte rejeita a aplica??o do precedente ao caso concreto, mas n?o o revoga de pronto, deixando para fazê-lo apenas em momento posterior. Nessa hipótese, há o temor de se revogar o precedente de uma só vez, levando, com isso, a uma inseguran?a jurídica. Aqui, é preciso ressaltar a grande import?ncia dos advogados para o sistema de precedentes judiciais, pois esses profissionais devem, a partir das demandas que se encontram sob sua responsabilidade, sinalizar para a Corte a manifesta perda da for?a e, consequentemente, da autoridade dos precedentes. Engana-se quem pensa que o stare decisis é um sistema t?o rígido que n?o permite mudan?as à luz do desenvolvimento da própria sociedade; pelo contrário, o Tribunal revisa e reavalia os precedentes ao efetuar o distinguishing e o overruling (o qual será abordado na sequência). A segunda técnica é a chamada transformation. Trata-se de um mecanismo através do qual a Corte n?o realiza exatamente o distinguishing nem o overruling, que é a revoga??o do precedente, apenas reconfigurando-o, o que implica uma verdadeira transforma??o para que possa ser aplicado ao caso concreto. A terceira técnica é conhecida como overriding. N?o se confunde com a transformation nem com o overruling, pois n?o há qualquer sinal que aponte para uma altera??o do precedente, tampouco que envolva uma revoga??o. O overriding pode ser conceituado como um instrumento que restringe a aplica??o do precedente, podendo-se afirmar a ocorrência de uma revoga??o parcial.56Para melhor compreender o overriding, é necessário imaginar-se diante de outra situa??o fática e que, portanto, exija a ado??o de outro juízo, de acordo com o entendimento da Corte naquele caso concreto. Isso ocorre quando se percebe que o caso anterior teria outro resultado na hipótese de ser julgado naquele momento. Embora n?o revogue por completo o precedente – n?o se confundindo, portanto, com o overruling –, é imperioso afirmar que se trata de uma prévia, um anúncio de que a Corte tende, muito em breve, a revogá-lo definitivamente.A quarta e última técnica é conhecida como elabora??o de distin??es inconsistentes. Segundo a li??o de Eisenberg,57 trata-se de outro processo através do qual as Cortes cuidam de revogar os entendimentos estabelecidos, sob a alega??o de distin??es inconsistentes com o precedente vigente, em virtude de uma nova configura??o social. Existem semelhan?as com as técnicas do overruling e da transformation, pois envolve a revoga??o de um entendimento estabelecido que falhou em atender aos anseios da comunidade. Como diferen?a, apresenta o fato de a revoga??o ser parcial. Mais uma vez, essa técnica deixa claro à comunidade jurídica que o precedente está perdendo sua for?a e que, em breve, será totalmente revogado. 1.5 – Sistema de revis?o do precedente: overrulingO sistema de precedentes judiciais visa garantir a previsibilidade e a seguran?a nas rela??es jurídicas. Dessa forma, o overruling n?o é t?o usual, embora se mostre necessário, na medida em que a evolu??o da sociedade traz novas demandas a exigir novos entendimentos e novos direitos. Uma das conceitua??es possíveis para overruling é a revoga??o total do precedente. Na atualidade, é impensável um sistema de precedentes que n?o admita a aplica??o do overruling, sob a alega??o de risco à seguran?a jurídica, pois uma das exigências da sociedade contempor?nea é a cren?a em que os tribunais estar?o atentos às transforma??es sociais, adequando suas decis?es às novas configura??es. ? claro que o sistema visa garantir a seguran?a nas rela??es jurídicas, até mesmo porque tal circunst?ncia n?o se distancia do princípio da dignidade da pessoa humana. Por outro lado, para preservá-lo, também se torna imperioso permitir o acompanhamento das decis?es, para que os tribunais, de forma responsável e sensível, consigam proceder às altera??es necessárias. Nesse contexto, Ingo Wolfgang Sarlet assinala que as no??es de seguran?a jurídica est?o intrinsecamente ligadas à dignidade da pessoa humana.Considerando que também a seguran?a jurídica coincide com uma das mais profundas aspira??es do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das rela??es jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elabora??o de projetos de vida, bem como sua realiza??o , desde logo é perceptível o quanto da ideia de seguran?a jurídica encontra-se umbilicalmente vinculada à própria no??o de dignidade da pessoa humana (...) a dignidade n?o restará suficientemente respeitada e protegida em todo lugar onde as pessoas estejam sendo atingida por um tal nível de instabilidade jurídica que n?o estejam mais em condi??es de, com um mínimo de seguran?a e tranquilidade, confiar nas institui??es sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posi??es jurídicas.58A estabilidade integra uma dimens?o objetiva da seguran?a jurídica, enquanto, para muitos, a previsibilidade traduz a confiabilidade do cidad?o em seus próprios direitos. A continuidade, por sua vez, mostra-se necessária para o próprio conceito de Estado de Direito, de modo que seja capaz de se impor como ordem jurídica.59 Para José Canotilho, entre outros estudiosos, é impossível separar as no??es de seguran?a jurídica e de confiabilidade,a ponto de alguns autores considerarem o princípio da prote??o de confian?a como um subprincípio ou como uma dimens?o específica da seguran?a jurídica. Em geral, considera-se que a seguran?a jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, seguran?a de orienta??o e realiza??o do direito –, enquanto a prote??o da confian?a se prende mais com as componentes subjetivas da seguran?a, designadamente a calculabilidade e previsibilidade de indivíduos em rela??o aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos.60Para Melvin Eisenberg,61 um precedente está em condi??es de ser revogado quando deixa de corresponder aos padr?es de congruência social e de consistência sistêmica, e também quando os valores que sustentam a estabilidade – basicamente, isonomia, confian?a justificada e veda??o da surpresa injusta – fundamentam mais sua revoga??o do que sua preserva??o. Segundo esse autor, quando o precedente passa a negar proposi??es morais, políticas e de experiência, deixa de atender aos padr?es de congruência social. Sobre o tema, Marinoni afirma quea corte deve utilizar proposi??es morais ancoradas na aspira??es da sociedade como um todo, assim como empregar proposi??es de conteúdo político que reflitam uma situa??o como boa para a generalidade da sociedade. Estas proposi??es, dentro de uma adequada metodologia, devem poder ser vistas como substancialmente fundadas na comunidade, derivar de normas morais ou políticas que têm esta base ou aparecer como se tivessem tal fundamento. Do mesmo modo, as proposi??es de experiência, assim como as de moralidade e política, devem ter ancoragem social. Porém, ao contrário das duas últimas, n?o necessitam ter base na generalidade da comunidade. ? que as proposi??es de experiência podem dizer respeito a assuntos técnicos, de interesse e de conhecimento de poucos, devendo, assim, encontrar fundamento em outro lugar, como em pareceres ou opini?es de especialistas.62Patrícia Perrone Campos Mello63 apresenta algumas situa??es em que a consequência é a final revoga??o do precedente: quando desponta uma contradi??o, quando se torna ultrapassado, nas hipóteses em que é colhido pela obsolescência, em virtude de muta??es judiciais, e quando se encontra equivocado. Nessas hipóteses, portanto, o precedente é revogado – como uma exce??o – pelo mecanismo do overruling, que se apresenta de quatro formas distintas. A primeira é o que se chama de retrospective overruling, que, como explica Teresa Arruda Wambier,64 opera efeitos retroativos e n?o permite que a decis?o anterior, que foi substituída, seja invocada como paradigma para casos pretéritos que ainda aguardam julgamento. A segunda é a propective overrulling, ou seja, a técnica segundo a qual o precedente é revogado com eficácia ex nunc. Dessa forma, n?o retroage, aplicando-se apenas aos casos subsequentes, o que significa que a ratio decidendi que foi substituída continuará a ter eficácia quanto aos fatos anteriormente ocorridos. A terceira é a anticipatory overruling, instituto tido como arrojado para o sistema de precedentes judiciais nos tribunais americanos. Trata-se de uma revoga??o preventiva do precedente pelas Cortes inferiores, sob a alega??o de que n?o mais se estaria diante de uma good law, como, inclusive, já reconhecido pelo próprio Tribunal ad quem. ? preciso que, no Tribunal Superior haja uma sinaliza??o, uma altera??o no precedente, abrindo-se, ent?o, espa?o para que as inst?ncias inferiores afastem sua incidêo se percebe, as teses apresentadas servem para refor?ar a ideia de que o sistema de precedentes pode e deve ser alterado, buscando sempre adequar-se às necessidades da comunidade. Em suma, conclui-se, como explica Lênio Streck,65 que o precedente judicial n?o se confunde com o stare decisis e que, pela tradi??o do sistema da common law, e n?o por for?a de norma constitucional ou até mesmo de lei ordinária, tem efeito vinculante que se irradia por todo o ordenamento jurídico. ? o que se chama de holding. Para que esse efeito opere com precis?o, é necessário que se esteja diante de uma circunst?ncia similar. Dessa forma, para que se aplique corretamente o precedente, de acordo com sua gênese, é prudente decomp?-lo, como anteriormente explicado, de modo que seja possível verificar o que constitui a fundamenta??o da decis?o e o que representa apenas um dictum, ou seja, uma mera observa??o. No sistema do commom law, ao contrário do que, algumas vezes, se imagina, o juiz n?o pode negar-se a cumprir a lei, encontrando-se vinculado ao sistema de precedentes. Assim, para afastar sua incidência, deverá fundamentar muito bem sua decis?o no caso concreto, recorrendo ao distinguish ou até mesmo ao overruling como forma de manter os precedentes alinhados à realidade social.66 1.6 – A influência do sistema de precedentes judiciais norte-americano no BrasilUma das quest?es mais tormentosas no Direito Processual Civil brasileiro, sobretudo com o advento do novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/15), é saber se o sistema jurídico brasileiro adotou a teoria dos precedentes. Essa, na verdade, n?o é uma discuss?o t?o recente, pois remonta à cria??o das súmulas vinculantes, regulamentadas pela Lei n. 11.417/06. Defende-se que o Brasil n?o adotou a teoria dos precedentes judiciais no novo Código de Processo Civil, tampouco por meio das súmulas vinculantes. Tal posicionamento escora-se na própria defini??o e no entendimento do precedente judicial, além do contexto de sua forma??o no sistema jurídico do commom law. Michele Tarufo assinala:67Observe-se que há muito tempo se fala de precedente também em muitos ordenamentos de civil law e n?o só nos ordenamentos tradicionalmente fundados sobre o precedente, como os de common law. Essa extens?o do fen?meno do precedente pode, no entanto, provocar mal-entendidos, além da perda de precis?o do conceito de precedente, dado que nem sempre se entende corretamente que coisa isto é. Em especial nem sempre se presta aten??o ao fato de que, em linha de princípio, o precedente se funda sobre a analogia do que o juiz vê entre os fatos do caso que ele deve decidir e os fatos do caso já decidido, porque somente com essa condi??o é que se pode aplicar a regra pela qual a mesma ratio decidendi deve ser aplicada para casos idênticos ou ao menos similares.Parece que o Brasil tentou apenas buscar nos precedentes seu efeito vinculante, a holding, que tanto lhe interessava para conter o número excessivo de demandas judiciais. Atravessamos um período em que é impossível negar a existência de uma jurisdi??o de massa, com múltiplos processos semelhantes, nos quais o Judiciário n?o dá conta de p?r, isoladamente, um ponto final. Isso só seria possível por meio da aplica??o de uma única decis?o, buscando-se justificar uma medida nesse sentido pelos benefícios contidos nos princípios da isonomia, da seguran?a nas rela??es jurídicas e da previsibilidade. Afirmar-se que, em nosso país, adota-se o sistema de precedentes traduz, com profundo respeito às opini?es contrárias, total desconhecimento de seu real significado, que parte de um caso concreto para a aplica??o em eventuais casos futuros, desde que esteja presente a semelhan?a. Como ensina Castanheira,68 o precedente é uma concreta decis?o jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu – trata-se também aqui de uma estrita decis?o jurisdicional – que se toma (ou se imp?e) como padr?o normativo casuístico em decis?es análogas ou para casos de aplica??o concretamente analógica.No Brasil, tem-se um sentido completamente diferente: diante de muitos casos semelhantes e já existentes, busca-se uma única decis?o judicial com for?a vinculante para os que já existem e também para todos os casos futuros. Assim, evidente está a inten??o de se buscar apenas a for?a vinculante dos precedentes. Um dos melhores exemplos disso s?o as súmulas, os verdadeiros enunciados genéricos,69 que trazem em si uma vincula??o geral e abstrata para os casos futuros e que ganharam for?a com o advento do novo Código de Processo Civil. Essa situa??o leva-nos a refletir se o magistrado brasileiro pode afastar-se da lei privilegiando outras fontes do Direito. Pelo fen?meno da integra??o diante da ausência de lei (fonte formal) que regule o caso concreto, o juiz pode fazer uso de outras fontes, denominadas materiais, como, por exemplo, os princípios gerais do direito, os costumes e a própria jurisprudência. Lênio Streck70 responde à indaga??o apontando hipóteses específicas em que o magistrado poderia desvincular-se do texto legal quando a lei ou o ato normativo forem inconstitucionais, caso em que deixará de aplicá-los. Estará, assim, exercendo o controle difuso de constitucionalidade ou declarando-a inconstitucional, através do exercício do controle concentrado de constitucionalidade, quando legitimado.Outra hipótese é a aplica??o dos critérios de resolu??o de antinomias71 quando se interpreta conforme a Constitui??o, sendo necessária uma adi??o de sentido ao artigo de lei para que esteja em plena conson?ncia com o texto constitucional. Segundo Streck, cabe ainda destacar outras três hipóteses: quando o magistrado aplicar nulidade sem redu??o de texto, permanecendo, dessa forma, a literalidade do dispositivo; quando houver declara??o de inconstitucionalidade com redu??o de texto; e quando uma regra contrariar um princípio. Nesse contexto, ao mesmo tempo que n?o podemos permitir que os magistrados deixem de observar as leis, até mesmo por conta do princípio da legalidade, insculpido no artigo 5?, II, da CRFB,72 o sistema jurídico brasileiro tem incentivado a utiliza??o de outras fontes pelos julgadores. No novo Código de Processo Civil, por exemplo, nada mais do que trinta artigos apontam para a necessidade de se observarem as súmulas persuasivas, os enunciados dos tribunais locais e as teses jurídicas firmadas por meio do incidente de resolu??o de demandas repetitivas, entre outras circunst?ncias que ser?o analisadas no terceiro capítulo deste estudo. Em verdade, tem-se um sistema no qual a aplica??o exclusiva da lei já n?o mais se coaduna com a realidade. O juiz, portanto, deve estar atento aos demais mecanismos, até ent?o considerados fontes formais, para buscar a solu??o ao conflito apresentado. Registre-se que todos esses mecanismos – tanto o que já existiam, como as súmulas, quanto as novas orienta??es, como a tese jurídica firmada no incidente de resolu??o de demandas repetitivas – n?o podem ser considerados precedentes judiciais, mas, sim, provimentos judiciais vinculantes, pois buscaram a for?a vinculante do precedente para justificar a aplica??o em todos os casos concretos similares, com vistas a conter a expans?o do número de demandas judiciais. Emprega-se o termo “for?a vinculante” do precedente porque, como ensina Michele Taruffo, n?o há eficácia formalmente vinculante na Inglaterra tampouco nos Estados Unidos. Reproduz-se, a seguir, sua li??o:(...) é necessário considerar que o problema da eficácia do precedente é muito mais complexo do que comumente se pensa. O precedente n?o tem eficácia formalmente vinculante nem na Inglaterra nem nos Estados Unidos. Com maior raz?o – e independentemente da eventualidade de se considerar a jurisprudência fonte de direito – exclui-se que o precedente tenha eficácia vinculante nos sistemas de civil law. Ent?o, qualquer tentativa de atribuir semelhante eficácia ao precedente é destituída de fundamento: poder-se-á falar somente de for?a do precedente entendendo-se que essa pode ser maior ou menor conforme o caso, de modo que haverá um precedente forte quando esse estiver em condi??es de determinar efetivamente a decis?o de casos sucessivos, e um precedente fraco, quando os juízes posteriores tenderem a n?o reconhecer a ele um grau relevante de influência sobre suas decis?es.73 Para Taruffo,74 essa for?a é um conceito gradual e, com isso, dois fatores ganhariam import?ncia no cenário jurídico: 1) o posto do magistrado que proferiu a decis?o; 2) a qualidade e a autoridade da própria decis?o. Nesse sentido, mesmo sem adotar a teoria dos precedentes, busca-se sua for?a vinculante para justificar diversos instrumentos jurídicos, em especial aqueles contidos no Novo Código de Processo Civil.CAP?TULO 2REALIDADE DO SISTEMA JUR?DICO BRASILEIRO E A NECESSIDADE DE CONTEN??O DE DEMANDAS DE MASSA2.1. Evolu??o histórica e seus efeitos no processoPara que se possa compreender adequadamente o motivo pelo qual hoje buscam-se mecanismos para combater as demandas de massa que assolam o sistema judiciário brasileiro, é necessário verificar, na evolu??o histórica do Direito Processual Civil, os motivos para tamanha explos?o de contendas, focando sua análise, sobretudo, na promulga??o da Constitui??o Federal de 1988, que consagrou o Estado Democrático Constitucional, contemplando importantes princípios constitucionais, dentre os quais, o acesso à justi?a. O Direito Processual Civil é um ramo da ciência jurídica que cuida de regular o exercício da atividade jurisdicional. Integra o grupo do Direito Público, uma vez que a própria atividade jurisdicional é exercida pelo Estado, com exclusividade, por meio do Poder Judiciário.75 Mantém ampla rela??o com outros ramos do Direito, em especial com o Direito Constitucional, levando-se em conta que este tra?a regras e princípios que devem ser observados em todos os processos, como, por exemplo, acesso à justi?a, isonomia ou igualdade das partes, devido processo legal,76 contraditório e ampla defesa, publicidade, celeridade, fundamenta??o das decis?es judiciais, veda??o do uso de provas ilícitas, garantia de assistência jurídica gratuita a quem dela necessitar, entre outros. N?o se pode olvidar da rela??o indissociável com o processo penal e o processo do trabalho, bem como com o Direito Privado, o qual, com frequência, ao cuidar de determinado instituto, imp?e exigências a serem observadas nos processos judiciais que versem sobre aquela matéria.77Basicamente, o Direito Processual Civil tem como objetivo instrumentalizar a regra de direito material, operacionalizando-a, além de contribuir para a preserva??o da ordem jurídica, com a inequívoca prote??o dos direitos estabelecidos no regramento jurídico constitucional, apresentando, como fontes formais primordiais, a Constitui??o, os tratados internacionais, as leis complementares e ordinárias, e as normas de organiza??o judiciária, além de resolu??es e regimentos internos dos respectivos tribunais. Como fontes materiais, citam-se analogia, costumes, princípios gerais de direito e, com um olhar mais aprofundado, também a jurisprudência, a qual, nos países de common law, é tida como fonte formal, além das conven??es processuais, que foram inseridas a partir da edi??o do novo Código de Processo Civil, mais precisamente em seu artigo 190.Quanto ao aspecto histórico, é preciso indicar, ainda que brevemente, as origens desse ramo do Direito, as quais remontam ao Processo Civil romano, que teve influência direta do processo grego, sobretudo no que diz respeito à livre aprecia??o das provas.78 Sérgio Bermudes79 sintetiza adequadamente a evolu??o histórica do processo romano em três momentos distintos:Período primitivo: Também denominado legis actiones, com início na funda??o de Roma até 149 a.C. Com um procedimento bastante solene, em que predominava a oralidade, as partes estavam restritas ao manuseio de cinco a??es da lei, em dois momentos: no primeiro o juiz fixava o objeto da lide e, no segundo, os cidad?os atuavam como árbitros, sentenciando após a colheita das provas. Esse procedimento caracterizou-se pela ausência de advogados.Período formulário: Caracterizado pela aboli??o da legis actiones, atribuindo aos magistrados a possibilidade de criar mecanismos voltados à solu??o de qualquer litígio. Continuava a presen?a marcante do árbitro nos julgamentos, mas já se fazia presente a atua??o de advogados.Período da cognitio extraordinária: Marcado por profunda transforma??o. Compreendido entre o ano 200 d.C. dc e 565 d.C. dc, a atividade jurisdicional passou a pertencer ao Estado, que assumiu essa fun??o ao deixar de lado a figura dos árbitros privados. Considerado o ber?o do processo moderno. Após a queda do Império Romano e a ascens?o dos povos germ?nicos, observou-se um sério comprometimento na evolu??o do processo europeu, pois as no??es dos germ?nicos sobre o processo eram muito incipientes. Assim, cada grupo era regido por um instrumento próprio, de acordo com seus rígidos costumes.Seguiu-se um momento de prolifera??o das quest?es religiosas atreladas ao processo, “com a ado??o de práticas conhecidas como “juízos de Deus”, “ordálias” ou duelos judiciais, em que se acreditava que a divindade participava dos julgamentos e revelava sua vontade por meio de métodos cabalísticos”.80 Assim, havia intensa restri??o ao uso de provas, verificando-se um procedimento acusatório marcado pela rigidez excessiva até meados da Idade Média. A igreja católica, como nos recorda Humberto Theodoro,81 paralelamente ao processo germ?nico, procurava preservar e desenvolver no processo can?nico algumas características do Direito Romano.Da fus?o entre o Direito Can?nico, o Direito Romano e o Direito Germ?nico, nasceu o Direito comum e, com ele, também o processo comum, que perdurou do século XI ao século XVI, influenciando, até os dias de hoje, a legisla??o processual ocidental. O processo comum caracterizava-se pela solenidade e a lentid?o. Aperfei?oado e novamente inspirado no modelo romano, transforma-se no processo moderno, que ainda sofria alguma influência do Direito Germ?nico, mas trazia inova??es como o processo sumário, benquisto no Direito Can?nico. Nesse momento, houve a aboli??o das ordálias ou dos juízos divinos, mas alguns mecanismos, como o uso de tortura para a obten??o de confiss?es e o sistema tarifado legal de provas, continuaram a existir – o primeiro, até o século XIX, e o segundo, até o século XVII. Com a Revolu??o Francesa, eliminou-se o sistema tarifado e foi introduzido o sistema do livre convencimento. Em seguida, no século XX, deu-se início à fase científica do processo civil, marcada pelo afastamento do sistema tarifado, pela outorga de poderes aos juízes para apreciar as provas produzidas no processo, bem como pela busca de celeridade processual, imprimindo-se a ideia do processo como instrumento de pacifica??o social. Segundo Humberto Theodoro Junior, a evolu??o histórica do processo civil nos últimos três séculos ocorreu da seguinte forma:O século XIX, influenciado pelo Liberalismo, deixava o processo dominado pelas partes, seja quanto a seu andamento, seja quanto à própria instru??o probatória. Com a predomin?ncia do privatismo, pouco restava aos magistrados.O século XX, por sua vez, foi marcado pela publiciza??o do processo civil, tendo como escopo primordial a pacifica??o dos conflitos. Dessa forma, o Estado assumiu a dire??o do processo e, ao mesmo tempo, consagrou-se a autonomia do Direito Processual. Agora, no século XXI reafirma-se, diante do neoconstitucionalismo, o caráter publicista do processo. Na importante li??o de Humberto Theodoro:82O neoconstitucionalismo do Estado Democrático de Direito manteve a natureza publicística do processo. Seu caráter instrumental, porém, passou a ser visto dentro de outro prisma: em vez de isolar-se o direito processual, o mais importante passou a ser a sua interveicula??o com o direito material, já que teria sempre de lembrar que a fun??o do processo n?o era outra sen?o a de dar efetividade à tutela dos direitos subjetivos substancialmente lesados ou amea?ados (CRFB, artigo 5?, XXXV). Acima de tudo, imp?s-se a constitucionaliza??o do processo, mediante inser??o dos seus princípios básicos no rol dos direitos e garantias individuais. Procede-se, com isso, à evolu??o da garantia do devido processo legal para o processo justo. Realizou-se, por fim, a democratiza??o do processo: o juiz continua titular do poder de definir a solu??o do litígio, mas n?o poderá fazê-lo isolada e autoritariamente. As partes, numa nova concep??o do contraditório, ter?o o direito de influir efetivamente no iter de forma??o do provimento judicial. O contraditório deixa de ser um dialógico entre as partes para sujeitar também o juiz. Trata-se da inser??o do processo judicial no plano da democracia participativa, em que os atos de poder n?o ficam restritos à delibera??o de representantes da soberania popular, mas podem legitimar-se, também, pela participa??o direta dos cidad?os em sua conforma??o. O processo, no atual Estado Democrático de Direito, realiza seu mister pacificador pelo regime cooperativo, em que as partes, tanto quanto o juiz, participam efetivamente da forma??o do ato de autoridade destinado a compor o conflito jurídico levado à aprecia??o do Poder Judiciário. No que diz respeito à evolu??o histórica do Direito Processual Civil no Brasil, deve-se come?ar no período do descobrimento, momento, segundo Humberto Dalla,83 no qual se dava grande import?ncia a espécies de municípios, que funcionavam como núcleos administrativos, em que o exercício da jurisdi??o era feito por juízes ordinários ou da terra. Aos donatários das capitanias hereditárias, dava-se o poder de tratar das quest?es judiciais, e o Ouvidor-Geral era tido como a autoridade máxima.As Ordena??es Afonsinas estavam em vigor e, com base no que se tratou anteriormente, eram inspiradas no Direito Can?nico, cuidando, prioritariamente, da Administra??o Pública. Em seguida, vieram as Ordena??es Manuelinas, as quais, por sua vez, trouxeram poucas mudan?as em rela??o à primeira e tinham por objetivo primordial garantir o fortalecimento dos interesses da realeza. Em 1603, houve a promulga??o das Ordena??es Filipinas, que permaneceram em vigor mesmo com a Proclama??o da Independência. Até ent?o, era considerada arrojada, sendo tratada no terceiro dos cinco livros do Direito Processual Civil.84 Em 7 de setembro de 1822, veio a Independência. Ent?o, foi necessário estabelecer normas que compusessem o ordenamento jurídico brasileiro, o que veio a acontecer em 1824, com a introdu??o dos princípios fundamentais e da aboli??o das penas cruéis e da tortura.85Humberto Dalla recorda que um decreto de 20 de outubro de 1823 determinou a permanência das Ordena??es Filipinas e de outras normas jurídicas portuguesas, que só seriam revogadas caso se mostrassem contrárias à soberania brasileira. Com a promulga??o do Código de Processo Criminal, instalou-se mais uma novidade com a previs?o sobre a administra??o da jurisdi??o civil, que ainda era regulada pelas Ordena??es Filipinas. Após algumas modifica??es no próprio Código de Processo Criminal e a publica??o do Código Comercial, surgiu o que foi considerado o primeiro regramento processual civil brasileiro (Regulamento n? 737), que cuidava essencialmente do funcionamento dos tribunais e das causas que envolviam quest?es comerciais. Em 1876, foi publicada a Consolida??o das Leis do Processo Civil, também denominada Consolida??o Ribas. Com a Proclama??o da República, o Regulamento n. 737 passou a tratar das causas cíveis, aplicando ainda as Ordena??es. Somente com o advento da Constitui??o de 1891, o cenário mudou, com a possibilidade de os Estados regulamentarem a matéria processual, o que antes era reservado à Uni?o. Posteriormente, em 1916, com a promulga??o do Código Civil Brasileiro, foram trazidas, além das normas de direito material, algumas regras afetas ao direito processual. Em seguida, tem-se o Código Judiciário de 1919 e, com a Carta de 1934, ocorre a unifica??o de matéria processual, devolvendo-se à Uni?o a competência exclusiva para legislar sobre matéria processual – competência que perdura até os dias de hoje, diante do disposto no artigo 22, I, da CRFB/88. Essa unifica??o serviu para estabelecer uma linha mestra diante das inúmeras leis que proliferavam nos estados, os quais, até ent?o, podiam editá-las. O Código de Processo Civil de 1939, composto por 1.052 artigos, foi inspirado no modelo europeu e apontou algumas inova??es, como os princípios da oralidade, dispositivo e do juiz ativo, além de imprimir mais celeridade à tramita??o dos processos.86Até que em 1973, com a promulga??o do Código de Processo Civil, inaugura-se a fase instrumental do Direito Processual Civil, em que, efetivamente, entende-se o processo como um instrumento de acesso à justi?a. Reconhecido pela doutrina como um grande avan?o no campo processual, esse diploma processual passou a sofrer altera??es pontuais, sobretudo a partir da década de 1990, culminando com a cria??o de uma comiss?o composta por diversos processualistas que elaboraram o Projeto de Lei n. 166/2010, apresentado ao Senado Federal.Assim, após uma consulta pública que culminou com algumas altera??es e a publica??o de consecutivas vers?es, o texto final foi encaminho ao Senado em fevereiro de 2015 e, em mar?o do mesmo ano, mais precisamente no dia 16, foi publicada a Lei n. 13.105/15 (Código de Processo Civil de 2015), que entrou em vigor após um ano de vacatio legis, trazendo, basicamente, a vontade e a necessidade de se imprimirem celeridade e efetividade aos processos em curso, com o perfeito atendimento aos princípios constitucionais e a redu??o de recursos, com destaque para os provimentos judiciais vinculantes e o estímulo ao bom uso dos mecanismos de concilia??o. Com o advento da Constitui??o da República Federativa do Brasil de 1988 e a redemocratiza??o – firmado o Estado Democrático Constitucional –, bem como com a consequente preocupa??o em se estabelecerem as garantias individuais (que, anteriormente, ocupavam segundo plano, por conta do período ditatorial que o Brasil viveu, entre 1? de abril de 1964 e 15 de mar?o de 1985) no renascimento da abertura política, houve uma explos?o de demandas judiciais. Surge, dessa forma, o fen?meno da judicializa??o das rela??es sociais e políticas.O Estado Democrático Constitucional, símbolo da Constitui??o de 1988, como recorda Hermes Zaneti Junior,é a jun??o do Direito Constitucional e da democracia, ou seja, um Estado de Direito no qual os direitos fundamentais individuais e coletivos exercem papel contramajoritário e no qual a lei e os atos dos poderes públicos est?o submetidos à Constitui??o. Nessa ordem de raciocínio, cabe aprofundar e retomar duas importantes consequências da inter-rela??o entre as tradi??es do common law e do civil law: o controle dúplice de constitucionalidade e a unicidade da jurisdi??o. Com a redemocratiza??o e o Estado Democrático constitucional, percebeu-se que o expressivo aumento do número de demandas foi corroborado por um importante estatuto, promulgando-se, logo em seguida, em 11 de setembro de 1990, a Lei n. 8.078 (Código de Defesa do Consumidor), que, segundo Marcelo Pereira,87foi de fundamental import?ncia para a defesa de direitos transindividuais, pois trouxe vários mecanismos que passaram a ser utilizados nas demais a??es coletivas, como as no??es de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, previstas no artigo 81. Verifica-se que o Código de Defesa do Consumidor se destaca na área processual por definir regras de competência para as a??es de consumo, o que está disposto no artigo 93 desse diploma legal, por trazer regramento diferenciado ao ?nus da prova e por tratar de legitima??o para estas a??es. Posteriormente, a Lei n. 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis, garantindo acesso gratuito, salvo quando da interposi??o de recurso às turmas recursais, permitiu o acesso à justi?a sem a presen?a de advogados para se dirimirem conflitos que envolvam até vinte salários mínimos. A pesquisa “Justi?a em Números 2015”, elaborada pelo Conselho Nacional de Justi?a, tomando como ano-base 2014, constitui a principal fonte de divulga??o dos dados estatísticos da justi?a brasileira. ? época, essa pesquisa apontou a existência de cerca de 99,7 milh?es de processos em curso no Brasil, o que corresponde a pelo menos um processo para cada dois brasileiros, levando-se em conta que, segundo o IBGE, o Brasil tem 201 milh?es de habitantes. A título de compara??o, na Austrália esse número cai para um processo a cada 6,4 mil habitantes. Essa pesquisa também revelou a existência de 15 mil cartórios judiciais, divididos entre varas especializadas, juizados especiais, zonas eleitorais e auditorias militares, distribuídos por 5.570 municípios. Mais da metade – exatamente 63% das unidades judiciárias – pertence à justi?a estadual, 20% correspondem à justi?a eleitoral, 10% à justi?a do trabalho e aproximadamente 7% à justi?a federal. Os processos em primeiro grau de jurisdi??o correspondem a 86% de novos casos, 95% de processos pendentes, 87% de processos baixados e 84% das senten?as.88O ministro Luis Felipe Salom?o, do STJ,89 ao cuidar do tema, afirma que o fen?meno da judicializa??o das rela??es políticas e sociais decorre do maior acesso à justi?a, que n?o se confunde com acesso ao Poder Judiciário. Esse acesso tem a ver com a garantia de um processo justo, célere, que possibilita ao jurisdicionado usar a máquinajudiciária para resolver seus conflitos com mais rapidez e seguran?a. Salom?o lembra ainda que, no Brasil, 25 anos após a promulga??o da Constitui??o de 1988, o número de casos novos se havia multiplicado oitenta vezes. Só em 1988, foram 350 mil novas a??es em todos os segmentos do Judiciário. Assim, nesse cenário, n?o resta alternativa sen?o buscar, nos provimentos judiciais vinculantes e no estímulo a formas de composi??o de conflitos, a redu??o desse número de processos. 2.2 Judicializa??o como alternativa diante da ineficiência dos meios de composi??o de conflitosA fim de que se possa avaliar se o excesso de demandas também decorre da ineficiência dos meios de composi??o de conflitos, é necessário, em um primeiro momento, um aprofundamento nos conceitos de acesso à justi?a e também nos principais instrumentos alternativos de solu??o de conflitos. Ao final, parte-se para a análise da atual situa??o do ordenamento jurídico brasileiro. Inicialmente, consigna-se que o princípio estabelecido no artigo 5?, XXXV, da CRFB/88,90 conhecido como acesso à justi?a, ou inafastabilidade de controle do Poder Judiciário, n?o se limita à possibilidade de acessar o Poder Judiciário. Como nos explica Humberto Dalla,91o acesso ao Judiciário decorre do movimento renovatório do direito (acesso à justi?a) e implica propiciar ao cidad?o amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, desde a propositura da a??o até a tutela definitiva de seu conflito. O acesso à justi?a decorre do exercício da fun??o jurisdicional como monopólio estatal. Em verdade, o significado do princípio da inafastabilidade da jurisdi??o compreende n?o só a ideia da garantia do direito de a??o, mas o efetivo acesso à justi?a e, por via de consequência, da amplitude dessa acessibilidade, adequa??o e tempestividade da tutela jurídica, traduzindo-se em garantia das garantias constitucionais.Nesse mesmo sentido, diversos doutrinadores entendem a efetividade como um valor fundamental na busca pela tutela dos direitos.92 Todavia, é preciso reconhecer que, como afirma Mauro Cappelletti,93 a jurisdi??o n?o seria o meio mais adequado para resolver certos conflitos, raz?o pela qual é preciso buscar outros mecanismos. Os conflitos podem ser solucionados pelo Poder Judiciário por meio do exercício da atividade jurisdicional, e também de outros mecanismos, por vezes denominados “meios alternativos de acesso à justi?a”. Humberto Dalla94 classifica as vias alternativas em puras e híbridas.As vias alternativas puras s?o aquelas em que a composi??o do conflito n?o tem qualquer interven??o do Estado, como ocorre na arbitragem, na media??o e na negocia??o. Os mecanismos híbridos, por sua vez, s?o aqueles que apontam a interferência do Poder Judiciário, ainda que para fins de homologa??o. Nessa categoria, est?o a concilia??o no curso de um processo judicial, a transa??o penal, a remiss?o do Estatuto da Crian?a e do Adolescente e o termo de ajustamento que pode ser celebrado nos termos da a??o civil pública, principal mecanismo de tutela dos direitos difusos e coletivos previsto na Lei n. 7.347/85. A negocia??o se caracteriza pela ausência de uma terceira pessoa, deixando, dessa forma, que as próprias partes, sozinhas, busquem uma solu??o para o conflito em quest?o. Dessa forma, é possível economizar as agruras envolvidas em um processo judicial, incluindo as despesas com custas e o tempo despendido. Na Escola de Direito de Harvard, como nos recorda Humberto Dalla,95 tem-se ensinado uma técnica conhecida como principled negotiation, ou negocia??o por princípios, que se baseia, principalmente, em estabelecer a diferen?a entre interesse e posi??o, pois, com frequência, as pessoas est?o mais preocupadas em acertar valores do que em manifestar exatamente o que pretendem com a negocia??o. Assim, ao se buscar o êxito em uma negocia??o, é preciso ter em mente três quest?es:1) A percep??o, procurando colocar-se no lugar do outro, sem partir do pressuposto de que o outro sempre tem a inten??o de prejudicá-lo. Nesse momento, n?o se deve culpar a outra parte, cuidando para que todos participem da elabora??o do possível acordo. Além disso, pedir e dar conselhos e crédito à outra parte também s?o atitudes que configuram importantes passos para o êxito da negocia??o; 2) ? preciso conter a emo??o e os gestos; 3) Nesse momento, é primordial ouvir e mostrar-se claro em suas exposi??es.A Escola ressalta que as partes devem saber exatamente os limites da negocia??o (best alternative to a negotiated agrément). Assim, caso a negocia??o n?o ocorra da maneira esperada, é preciso buscar outro mecanismo de solu??o para a solu??o dos conflitos. Na media??o, por sua vez, muito comum no direito norte-americano, tem-se a figura dessa terceira pessoa imparcial, que atuará junto aos envolvidos na busca pela solu??o do conflito. N?o tem autoridade decisória, mas atua como um interventor, muito presente nas causas em que as partes est?o emocionalmente envolvidas. Para que a media??o ocorra, é necessário haver um conflito envolvendo as partes e que estejam divergindo quanto a uma solu??o, além da existência de um terceiro. Maria de Nazareth Serpa96 define a media??o como umprocesso onde e através do qual uma terceira pessoa age no sentido de encorajar e facilitar a resolu??o de uma disputa sem prescrever qual a solu??o. Um de seus aspectos-chave é que incorpora o uso de um terceiro que n?o tem nenhum interesse pessoal no mérito da quest?es. Sem essa interven??o neutra, as partes s?o incapazes de engajar uma discuss?o proveitosa. O terceiro interventor serve, em parte, de árbitro para assegurar que o processo prossiga efetivamente, sem degenerar em barganhas posicionais ou advocacia associada.Os doutrinadores concordam que, na media??o, o que se faz, em verdade, é tentar a aproxima??o entre as pessoas, n?o só em busca da solu??o do conflito, mas também do diálogo entre os envolvidos. Essa circunst?ncia é necessária quando, em virtude das circunst?ncias, as partes precisam manter o diálogo, como, por exemplo, nas rela??es de família. Um ex-casal com filho(s) em comum precisa manter contato e dialogar em fun??o dos direitos e dos deveres de criar o menor da forma mais adequada, respeitando seu direito a uma vida familiar saudável. A fim de alcan?ar a solu??o, é preciso atender a alguns requisitos básicos: o primeiro deles é o rights-based, em que as próprias partes delimitam, de forma objetiva, a solu??o a ser alcan?ada, e esses dados s?o tomados como ponto de partida para a negocia??o. O segundo é o interest-based, que ocorre quando as partes buscam a solu??o mediante seus interesses e necessidades, sem se preocupar com as disposi??es legais e jurisprudenciais.97A media??o pode ser extrajudicial ou judicial. No segundo caso, também é conhecida como media??o incidental. Ocorre quando, no curso do processo, as partes resolvem, a qualquer momento, buscar uma solu??o para o conflito. Para que a media??o alcance êxito, é necessário que as partes concordem com sua ado??o e, em seguida, elejam uma mediador, pessoa na qual depositem sua confian?a, verificando nele a efetiva possibilidade de contribuir para a pacifica??o do conflito. Devem, ent?o, oficializar o procedimento, elaborando o termos da media??o, etapa que, no Direito norte-americano, é conhecida como agreement to mediate. Nesse momento, o mediador deve ouvir as partes separadamente e em conjunto. A essa sess?o, dá-se o nome de caucus. Destaca-se que a media??o deve primar pela confidencialidade e que, durante todo o processo, o mediador deve estar bastante atento às quest?es trazidas pelas partes, buscando sempre a melhor forma de solucionar o conflito. Celebrado o acordo na media??o extrajudicial, desde que cumpridos alguns requisitos, considera-se que há um título executivo extrajudicial, na forma do artigo 784, IV, do Código de Processo Civil, o qual, portanto, em caso de descumprimento, pode ser levado à execu??o, mediante a??o aut?noma, perante o Judiciário. A media??o no Brasil foi regulamentada recentemente, através da Lei n. 13.140, de 23 de junho de 2015, a qual prevê que o instrumento deve atender aos princípios de imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé.Além dos princípios, a lei regulamenta a figura do mediador, cuida da media??o judicial e extrajudicial, do processo de media??o e ainda permite sua realiza??o por pessoas jurídicas de Direito Público. Dessa forma, portanto, Uni?o, estados, o Distrito Federal e os municípios podem criar c?maras de preven??o e resolu??o administrativa de conflitos, no ?mbito dos respectivos órg?os da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:?dirimir conflitos entre órg?os e entidades da administra??o pública;? avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolu??o de conflitos, por meio de composi??o, nas hipóteses de controvérsias entre particulares e pessoa jurídica de Direito Público e promover, quando couber, a celebra??o de termo de ajustamento de conduta. A lei ainda garante que as controvérsias jurídicas que envolvam a Administra??o Pública federal direta, suas autarquias e funda??es poder?o ser objeto de transa??o por ades?o, com fundamento em: autoriza??o do advogado-geral da Uni?o (com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou dos tribunais superiores); ou parecer do advogado-geral da Uni?o, aprovado pelo presidente da República.?Sem dúvida, esse foi um grande avan?o na legisla??o, pois se permitiu, abertamente, o uso da media??o no caso de pessoas jurídicas de Direito Público. O próprio Código de Processo Civil de 2015 cuidou de tratar da media??o, autorizando o autor, desde a peti??o inicial, a indicar se pretende ou n?o a realiza??o da audiência de media??o, conforme prevê o artigo 319, VII. Nas a??es de família, inclusive, o diploma prevê a realiza??o de quantas audiências de concilia??o e media??o quantas forem necessárias para viabilizar a solu??o consensual do conflito. Na hipótese de n?o se realizar acordo, a demanda seguirá o procedimento comum. Acredita-se que a inten??o do legislador em promover a obrigatoriedade da composi??o do conflito nas a??es de família é válida, embora questionável. Isso porque a media??o se baseia, essencialmente, na autonomia, o que parece que, aqui, n?o está sendo observado.? preciso registrar que a hipótese citada n?o é a primeira vez que o legislador brasileiro prevê tal obrigatoriedade, pois, em passado recente, havia disposi??o acerca das comiss?es de concilia??o prévias da justi?a do trabalho, as quais vieram a ser declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal justamente em raz?o dessa obrigatoriedade, uma vez que for?ava o jurisdicionado a procurar a comiss?o e tentar a concilia??o, para, só ent?o, ajuizar a reclama??o constitucional, o que a corte entendeu por ofensa ao princípio do acesso à justi?a. A terceira via alternativa mais comum nessa busca pela solu??o dos conflitos é a concilia??o. Humberto Dalla98 explica que, de acordo com esse mecanismo, a postura do intermediador deve ser mais ativa, n?o apenas facilitando o entendimento das partes envolvidas, como também apresentando uma solu??o para o impasse. A concilia??o está muito presente no cotidiano do jurisdicionado, em especial nos juizados especiais, já que o procedimento sumaríssimo prevê sua realiza??o após a cita??o do réu e, caso n?o se chegue a um acordo, será convolada em audiência de instru??o e julgamento. O novo Código de Processo Civil também estabelece que o autor indique na inicial se pretende a realiza??o da audiência de concilia??o. Da mesma forma que a media??o, acredita-se que se trata de um instrumento bastante efetivo para a composi??o dos conflitos, embora seja necessário capacitar os conciliadores para que, na audiência, sua atua??o n?o se resuma a perguntar às partes se existe a possibilidade de acordo, mas, na contram?o dessa atividade, desempenhar papel mais contundente ao estimular as partes envolvidas a p?r fim ao litígio apresentado.Por fim, o quarto mecanismo alternativo é a arbitragem, em que as partes, maiores e capazes, encaminham, voluntariamente, um litígio de natureza patrimonial ao árbitro, escolhido entre as partes, o qual, ent?o, vai decidir o conflito. A arbitragem n?o é uma atividade jurisdicional, pois é um monopólio estatal, sendo feita por particulares. Para José Cretella Júnior,99 a arbitragem éO sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos próprios e com for?a executória reconhecida pelo direito comum, mas a este substraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decis?o proferida.A senten?a do árbitro é considerada pelo Código de Processo Civil no artigo 515, VII, título executivo judicial. Portanto, em caso de eventual descumprimento, as partes podem ingressar em juízo com a??o de execu??o a fim de que o juiz tome as medidas necessárias para compelir a parte a cumprir aquela determina??o. Ressalte-se que, nesse caso, mesmo estando diante de um título executivo judicial, n?o se fala em cumprimento de senten?a, mas em a??o aut?noma, pois, para que houvesse cumprimento, haveria necessidade de uma fase ou etapa do processo de conhecimento – e, no caso concreto, n?o houve processo de conhecimento. Ao se estudar a história da arbitragem, verifica-se que está prevista desdeo tempo do Império, quando era, inclusive, obrigatória. Com o passar dos anos e a evolu??o histórica do Direito Processual, já abordada em tópico anterior, tanto o Código Civil de 1916 quanto o Código de Processo Civil de 1973 mantiveram a cláusula de arbitragem, porém sem caráter obrigatório. Posteriormente, a Lei de Arbitragem veio tratar, de maneira específica, desse instituto. Assinala-se que o Superior Tribunal de Justi?a, inclusive, determinou sua aplica??o às cláusulas firmadas anteriormente a essa lei.100Quando a Lei n. 9.307/97 (recentemente modificada pela Lei n. 13.129/15) foi promulgada, surgiram discuss?es acerca de sua constitucionalidade justamente por causa dos princípios da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário e do acesso à justi?a, previstos na Carta Magna. Assim, os que defendiam a inconstitucionalidade alegavam a impossibilidade de alguém ser processado e julgado sen?o por um juiz, a subtra??o do juiz natural e a viola??o aos princípios do devido processo legal e do acesso às vias recursais. Essa tese, que inclusive já era minoritária, foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal.101 Após algum questionamento, entendeu-se que n?o há qualquer afronta constitucional, tendo em vista que a arbitragem é um mecanismo alternativo e voluntário, a que se recorre em quest?es específicas, raz?o pela qual a parte estaria abrindo m?o de litigar no ?mbito do Poder Judiciário por vontade própria. ? interessante examinar essas discuss?es que envolvem a natureza jurídica da arbitragem – enquanto alguns defendem um forte caráter privatista envolvido, outros apostam no caráter público, O mais adequado, contudo, seria apontar um caráter sui generis, como bem define Joel Dias Figueira Junior,102 pois acaba por agrupar as duas características, uma vez que nasce da vontade das partes e tem por objetivo a pacifica??o social, algo idêntico ao que ocorre com a atividade jurisdicional estatal. De toda sorte, com o advento do novo Código de Processo Civil, a doutrina tem recha?ado a primeira corrente – privatista.103 O fato é que, sem dúvida, a arbitragem é um mecanismo eficaz, conhecido e usado internacionalmente, sobretudo nos litígios que envolvem quest?es empresariais. Assim, o novo Código de Processo Civil acaba por reconhecer o importante papel desempenhado pela arbitragem como forma de pacifica??o de conflitos. Após essas considera??es gerais formuladas sobre os mecanismos alternativos de acesso à justi?a, é chegado o momento de enfrentar as dificuldades com sua utiliza??o, o que contribui para que a sociedade ainda veja o Poder Judiciário como única e exclusiva fonte para solucionar seus anseios.Um dos primeiros obstáculos que demandam supera??o é a desinforma??o sobre esses mecanismos. Boa parte da popula??o n?o conhece esses instrumentos, os quais podem ser utilizados, inclusive, na esfera extrajudicial, o que contribui para a diminui??o de custos e de tempo. O segundo é a falta de confian?a na interven??o de um terceiro, seja para contribuir na solu??o do litígio, como no caso dos mediadores e conciliadores, seja para decidir, como o árbitro.Acredita-se que a sociedade em geral deposita confian?a apenas nas m?os do magistrado. Com uma intensa campanha de divulga??o desses mecanismos e, em especial, dos resultados positivos, acredita-se que a utiliza??o desses instrumentos só tenderá a crescer. Assim, em breve, será possível chegar a uma efetiva diminui??o do número de demandas.2.3 – Ado??o do sistema híbrido no ordenamento jurídico brasileiroInicialmente, é imperioso afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro, no tocante ao Direito Processual Civil, está passando por profundas mudan?as na tentativa de conter o expressivo número de demandas judiciais em um sistema que se encontra à beira de um colapso se n?o for adotada nenhuma providência urgente. Nesse cenário, buscou-se, no modelo dos precedentes judiciais, usados no common law, em especial na for?a vinculante, uma solu??o para imprimir celeridade. Essa é a raz?o para que se defenda que foi adotado um regime de precedentes vinculantes no Brasil com o advento do novo Código de Processo Civil. Daniel Mitidiero,104 inclusive, discorre acerca da necessidade de reconstru??o do Poder Judiciário, ressaltando que o novo diploma processual civil, em seu artigo 926,105 prescreve a necessidade de se viabilizar a prola??o de uma decis?o justa e efetiva, de forma célere e efetiva, além de cuidar da promo??o da unidade do direito por meio de uma ordem jurídica segura, livre e igualitária. Nesse passo, diante de tantas mudan?as, seria correto afirmar que o Brasil ainda adota o sistema da civil law? E essas influências que acabamos de ressaltar, elas também n?o deveriam ser levadas em conta?Na busca por essas respostas, depara-se com o importante estudo de Michelle Taruffo106 sobre o tema. Taruffo ensina que, por muitos anos, fomos informados de diferen?as clássicas entre os dois sistemas, como, por exemplo, que o common law seria um modelo essencialmente oral, enquanto o civil law seria norteado pela escrita. O doutrinador conclui que essa premissa n?o é verdadeira, pois o processo de common law tem muitos atos escritos, e essa tendência vem aumentando recentemente. Acrescenta que, no civil law, a oralidade tem sido oportunizada e, por vezes, até mesmo priorizada. Dessa maneira n?o procedem essas afirma??es categóricas. Outro ponto que merece considera??o é que, tradicionalmente, associava-se o commom law a um modelo inquisitorial, ou non adversary. No entanto, hoje essa circunst?ncia n?o mais está t?o presente; pelo contrário, verifica-se a figura ativa do magistrado com plenos poderes, inclusive para gerir o procedimento. No civil law, segundo Taruffo, excetuando-se as quest?es históricas no campo do Processo Penal, n?o há espa?o para o modelo inquisitorial – muito pelo contrário, há espa?o significativo para que o contraditório se desenvolva, por for?a da obrigatoriedade dos princípios constitucionais. Taruffo107 ensina que, atualmente, esses modelos tradicionais vêm sofrendo transforma??o constante:Talvez tenham se dado conta do fato de que já passou o tempo de rígidas contraposi??es dogmáticas e de contrastes de princípios, e que já passou o tempo de insistir sobre aquelas contraposi??es e contrastes, porque outros problemas bem diferentes apareceram no campo da justi?a civil, e muitos legisladores assumiram orienta??es reformadoras mais pragmáticas e menos ideologicamente orientadas. Em qualquer caso, se n?o pretende a qualquer custo deixar a realidade de fora da ciência jurídica, importa levar em considera??o as várias e importantes transforma??es que ocorreram e que ainda est?o ocorrendo – em muitos ordenamentos processuais de common law e de civil law. E é levando em considera??o os resultados dessas transforma??es, de fato, que será possível construir novos modelos úteis para análise comparadas dos sistemas processuais.Entre as mudan?as destacadas pelo autor no sistema dos Estados Unidos, país que adota o common law, está o fato de que, a partir da década de 1970, o juiz deixou de ser praticamente um “árbitro” passivo, tornando-se um managerial judge, com atitudes mais contundentes na organiza??o e gest?o dos processos.Tradicionalmente, via-se no common law uma audiência dialogal, marcada pela existência de provas centradas nas testemunhas, porém, desde o início do século XXI, esse panorama também está mudando. Hoje, permite-se e até mesmo se estimula que as partes tenham uma fase preparatória ao debate, com o conhecimento das provas pelas partes contrárias ou até mesmo de uma terceira pessoa. A terceira altera??o diz a respeito à presen?a do júri nas causas cíveis. Na Inglaterra, esse modelo já desapareceu. Nos Estados Unidos, contudo, ainda é utilizado, até mesmo porque o trial jury encontra-se previsto na sétima emenda à Constitui??o, presente, inclusive, nos casos que envolvem ressarcimento e punitive damages. A necessidade de transforma??o atingiu também o sistema civil law. Sempre se acreditou em um modelo único de civil law, homogêneo, o qual, entretanto, nunca existiu de forma efetiva. Ao contrário, esse modelo sempre se caracterizou por uma pluralidade de fontes, entre códigos e estatutos. Apesar das considera??es desenvolvidas, é óbvio que existem diferen?as entre esses dois sistemas, porém, como mais uma vez recorda Taruffo,108 o que se pretende sugerir é que n?o s?o aceitáveis os termos tradicionais nos quais as ditin??es entre os dois grupos de ordenamento foram formuladas, admitindo-se que os dois modelos nunca tiveram qualquer capacidade descritiva. A realidade normativa – e mais ainda, a efetiva experiência – desses sistemas surge, desde logo, profundamente alterada e parece destinada a profundas transforma??es posteriores. Enquanto desaparece a aparente clareza dos dois modelos e das respectivas distin??es, o panorama dos ordenamentos processuais atuais muda profundamente também por conta do aparecimento e da crescente import?ncia de suas tendências, que n?o podem mais ser reconduzidas à estática classifica??o de cada sistema processual, como de “common law” e de “civil law” ou misto. Assumem também grande relev?ncia os ordenamentos que, no passado, eram deixados à margem (ou de fora) do panorama tomado em considera??o, mas que por ora, e mais ainda em um futuro próximo, n?o podem mais ser desprezados.Pensamentos que visavam representar as características fundamentais e estruturantes de cada modelo, em separado, est?o definitivamente superados. Para o autor, atualmente há que se falar em três modelos processuais: a) modelos estruturais, que se apoiam basicamente em estruturas de procedimento; b) modelos funcionais, que buscam na efetividade o meio de se realizar justi?a; e c) modelos supranacionais, que podem manter características dos dois modelos tradicionais, mas que se diferenciam pelo fato de fazer referência a dimens?es que v?o além dos limites nacionais.109 Na compara??o entre os sistemas, lembramos Mirjan Damaska,110 pesquisador da Universidade de Yale, em fun??o de suas pertinentes observa??es. Assim, para ele, na civil law, a jurisdi??o tem sido estruturada para a aplica??o do direito objetivo, adotando, portanto, um modelo centralizador, pautado na hierarquia, e que por muito tempo considerou os juízes como “bocas da lei”, limitando-os a declarar o que está na lei, em completa subordina??o. Por outro lado, no common law, a preocupa??o primordial é a solu??o dos conflitos, por conta do profundo enraizamento na vida da comunidade e, com isso, a preocupa??o com a manuten??o da coes?o entre os membros.111 Leonardo Greco leciona: Enquanto a justi?a da civil law tem sido a justi?a do rei, do soberano, do Estado, a justi?a do common law é a justi?a paritária, da comunidade. Daí resultam algumas características típicas da civil law que influenciam toda a nossa teoria geral do processo, na medida em que a sua edifica??o se deu quase inteiramente pela doutrina dos países que adotam o sistema de direito escrito. Cabe observar, desde logo, que a crise decorrente da crescente perda da credibilidade ou confian?a da sociedade na justi?a e nos seus juízes, o que poderíamos também chamar de crise de legitimidade do poder jurisdicional, decorrente da eleva??o de consciência jurídica da popula??o e do seu grau de exigência em rela??o ao desempenho do Judiciário, está levando a que a doutrina e os ordenamentos jurídicos dos países da civil law voltem os olhos para os da common law, procurando lá encontrar solu??es para problemas comuns por meio de institutos que n?o existem ou que s?o poucos desenvolvidos na civil law. O mesmo acontece, por sua vez, nos países da common law, que, para solucionar problemas n?o resolvidos através de suas técnicas, vêm também, em alguns casos, buscar solu??es no nosso sistema (grifos nossos). O civil law se caracteriza, basicamente, por ser um modelo hierárquico, originário da tradi??o romano-germ?nico, exercida por juízes técnicos que se tornam vitalícios após ingresso por concurso público (em alguns países, inclusive no Brasil). Nesse sistema, há certa tendência de especializa??o entre os magistrados. Suas decis?es s?o pautadas pela legalidade, com farta disposi??o de recursos para as inst?ncias superiores, prevalência de provas escritas e a preocupa??o de documentar tudo, de modo que o tribunal possa ter idênticas condi??es para o exercício da cogni??o. O sistema probatório, por si só, é considerado formalista e os peritos s?o considerados auxiliares da justi?a. Aqui, a defesa do interesse público é quase exclusiva do Estado, por intermédio de seus agentes. Também há pouca possibilidade de atos de disposi??o das partes, com algumas exce??es e novidades pautadas pelo novo Código de Processo Civil, como, por exemplo, os negócios processuais e a calendariza??o, previstos nos arts. 190 e 191 do CPC, respectivamente.112 Por outro lado, no sistema do common law, a escolha dos juízes sofre forte influência política, n?o existem tantas especializa??es e, ao invés de se optar por recursos para inst?ncias superiores, é comum pedir revis?o ao próprio juiz prolator da decis?o. No que diz respeito ao sistema probatório, é mais comum a ado??o de provas orais, fugindo-se do tom formalista e solene característico do outro sistema. Aqui, os peritos s?o considerados testemunhas das partes e, no que tange à prote??o do interesse público, existe amplo espa?o para que a comunidade possa tomar a iniciativa. Sem dúvida, a disposi??o das partes é mais ampla na common law.113 Destaca-se que ambos os sistemas – common law e civil law – têm objetivos em comum: respeitar a igualdade e a previsibilidade.O primeiro, em que os casos s?o tidos como fontes de direito, continuou a se desenvolver e n?o é mais o mesmo do início, como leciona Teresa Arruda Alvim.114 Esse sistema n?o se iniciou com a existência de uma premissa ou regra que estabelecesse que os precedentes seriam vinculantes. Essa circunst?ncia ocorreu naturalmente, a tal ponto que se desenvolveu confian?a no sistema de precedentes, sendo “concebida a teoria declaratória, já que os juízes declaravam um direito que “já existia” (sob a forma de costume), embora fosse às suas decis?es que se davam (e se d?o) o valor e o status de ser direito”.115O segundo sistema, civil law, foi concebido de maneira distinta, mas, já na Idade Média, havia a no??o de repeti??o das decis?es, de modo a legitimar essa prática junto à sociedade, garantindo, portanto, a estabilidade dos processos.116Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que um dos momentos históricos mais marcantes para o civil law teve lugar em Bolonha, no século XI, em raz?o da revis?o dos textos romanos, de modo a transformá-los em “um todo coerente”, com o objetivo de imprimir ao documento coerência e seguran?a, formando, assim, um conjunto de textos, analisado e interpretado de maneira complexa, de diversos modos – gramatical, retórico e dialético. A autora recorda que os romanos já contavam com um “direito jurisprudencial” e que por isso foi mais fácil imprimir aos textos uma forma mais próxima à sistemática. O segundo momento histórico mais importante ocorreu no final do século XVIII, com a Revolu??o Francesa, quando se passou a entender que a lei traduzia perfeitamente a vontade do povo, o que explica o entendimento de que a lei escrita abrangeria todas as necessidades e alcan?aria todas as circunst?ncias concretas. O desejo da previsibilidade já despontava naquele momento. Na sociedade contempor?nea, no sistema do civil law, compreende-se claramente que a lei, sozinha, n?o é capaz de alcan?ar todas as situa??es concretas submetidas ao Poder Judiciário.117 Atualmente, buscar outras fontes, inclusive a jurisprudência e a doutrina, é essencial para o juiz. Nesse sentido, Teresa Arruda ensina:a riqueza do mundo real, somada ao fen?meno consistente em que, cada vez mais, camadas que antes eram marginalizadas passaram a integrar a sociedade institucionalizada, tudo somado ao acesso à justi?a fez nascer a possibilidade de que casos complexos (hard cases) fossem submetidos, cada vez mais frequentemente, à aprecia??o do Judiciário. Observa-se que, em ambos os sistemas, procurou-se buscar a previsibilidade,118 conquistando espa?o na luta contra o excesso de demandas judiciais, já que a incerteza compromete, de maneira severa, o sistema. A seu modo, com as diferen?as apontadas, ambos procuram atender aos anseios dos jurisdicionados quanto à composi??o de conflitos de forma célere e justa. Em suma, atualmente deve-se pensa n?o em um modelo ideal, mas um modelo justo que atenda aos anseios da comunidade jurídica do país em quest?o. No caso do Brasil, está-se diante de um número excessivo de demandas, raz?o pela qual estimula-se a ado??o de mecanismos alternativos, como já exposto, buscando-se a for?a vinculante dos precedentes119 para adotar uma sistema em que os provimentos judiciais vinculantes ganhem for?a, com o intuito de alcan?ar seguran?a e isonomia nas rela??es jurídicas. Evaristo Arag?o Santos120 traz uma reflex?o muito interessante ao afirmar que o uso de precedentes precisa ser pensado a partir da realidade brasileira: Refiro-me, especialmente, à (quase irresistível) tenta??o de simplesmente transpormos para nossa realidade uma teoria de direito estrangeiro. Tenta??o certamente potencializada quando nos vemos diante de tema t?o emblemático no ambiente dos ordenamentos estrangeiros da tradi??o do common law. N?o acredito que devamos simplesmente “importar” uma teoria do precedente formulada para a realidade do common law, adaptando para o nosso contexto aquilo que lá representariam seus institutos fundamentais. Afirmo isso, aliás, por acreditar n?o existir nem mesmo o que propriamente “importar”. N?o porque as concep??es estrangeiras sejam em si inadequadas. Pelo contrário. Digo isso porque, n?o obstante a amplitude e a sofistica??o do debate que há séculos se desenvolve lá fora a respeito do tema, ainda assim n?o se pode dizer existir uma concep??o anglo-americana clara, sistemática e definida, em todos os seus aspectos, a respeito do precedente judicial. Acredita-se que, com o advento do Código de Processo Civil brasileiro, passou-se a adotar um sistema híbrido no Brasil, com características dos dois mais conhecidos sistemas.2.4 – Mecanismos utilizados na luta contra a massifica??o dos processosComo o objetivo, aqui, é analisar os mecanismos empregados no combate à massifica??o dos processos, inicialmente é preciso analisar o que levou à atual explos?o de processos. Para essa análise, traz-se o estudo realizado por Rodolfo Camargo Mancuso,121 em especial quando aborda a crise numérica dos processos judiciais e suas concausas. Deve-se observar, ab initio, que já há algum tempo o Judiciário vem sendo demandado para solucionar quest?es que constituem claramente objeto da Administra??o Pública.122O Judiciário é demandado diante da ineficiência do poder público em promover e atender às suas atribui??es. ? possível elencar diversos exemplos concretos em que a sociedade prop?e demandas simplesmente para ter atendido um direito básico, que constitui em dever do Estado cumprir. ? o caso das demandas que envolvem saúde, diversas a??es cotidianas com pedidos de tutela de urgência, solicitando interna??o em hospitais públicos – tudo isso poderia ser evitado se o Poder Público desempenhasse seu papel de maneira eficaz. Outro exemplo recente, no Rio de Janeiro, s?o as demandas judiciais para a abertura de vagas em creches municipais, uma vez que a Lei de Diretrizes e Bases da Educa??o (n. 9.394/96) prevê que, a partir dos 4 anos de idade, as crian?as devem frequentar creches. Evidentemente, essa medida tem grande alcance social, ao possibilitar que as m?es (figura que, em regra, cuida diretamente da prole) retornem ao trabalho, fomentando, dessa forma, a economia. Como o Poder Público n?o cria vagas suficientes para atender a essa demanda, a sociedade tem de recorrer ao Poder Judiciário.Rodolfo Camargo Mancuso123 menciona que n?o se está lidando com essa sobrecarga de maneira correta, focando a quest?o t?o somente em seu efeito e deixando de lado o enfrentamento das causas. Por conta de insistir no vezo de lidar com o efeito – a sobrecarga de processos – deixando in albis os fatores que lhe est?o na base, enfeixados no demandismo judiciário excessivo, n?o é de se estranhar que a crise judiciária brasileira venha recrudescendo, como, numa analogia, sucederia com estado clínico do paciente cujo médico insistisse em baixar a febre, deixando de investigar a causa da moléstia. A partir de um tal contexto, compreende-se o agravamento do quadro judiciário nacional, ainda insuflado por diversos fatores, tal a crescente contenciosidade social (a explos?o da litigiosidade, prognosticada por Mauro Cappelletti no último quartel do século passado), a massifica??o dos conflitos (os mass tort cases da experiência norte-americana), a parca e insatisfatória divulga??o quanto às outras formas de resolu??o de conflitos, e seu corolário: a judicializa??o do cotidiano. Acredita-se que, por muito tempo, a preocupa??o foi garantir o acesso à justi?a, como um verdadeiro acesso ao Poder Judiciário, sem vislumbrar os efeitos dessa busca incessante. Neste momento, assegurado o acesso, a preocupa??o se volta a garantir celeridade e efetividade, pois do que adianta promover uma demanda se a solu??o do litígio perdurar por anos a fio? Nesse sentido, Carreira Alvim124 afirma:(...) o problema do acesso à justi?a n?o é uma quest?o de “entrada”, pois, pela porta gigantesca desse templo chamado Justi?a, entra quem quer, seja através de advogado pago, seja de advogado mantido pelo Poder Público, seja de advogado escolhido pela própria parte, sob os auspícios da assistência judiciária, n?o havendo, sob esse prisma, nenhum dificuldade de acesso. O problema é de “saída”, pois todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável, e os que saem fazem-no pelas “portas de emergência”, representadas pelas tutelas antecipatórias, pois a grande maioria fica lá dentro, para conseguir sair com vida.Expostos, basicamente, os motivos pelos quais se está diante de um excessivo número de demandas, passa-se à análise dos mecanismos adequados para conter essa explos?o, em especial aqueles delineados no novo Código de Processo Civil. Acredita-se que o atual diploma estimulou a solu??o dos conflitos por meio da concilia??o e da media??o, conferindo a esses instrumentos lugar de destaque. A arbitragem também mereceu um olhar mais atento, com a permiss?o, inclusive, de que atuem pessoas jurídicas de Direito Público. O segundo ponto foi a manuten??o, com os devidos acréscimos e modifica??es, do artigo 285-A do Código de Processo Civil de 1973, transmudado no artigo 332 – a chamada senten?a de improcedência liminar do pedido. O claro objetivo é conter, logo no início, uma demanda que restaria infrutífera ao alcan?ar os tribunais superiores, permitindo, assim, que uma única decis?o do Poder Judiciário ponha fim ao litígio, sem sequer precisar completar a rela??o jurídica angular com a cita??o do demandado. O terceiro ponto restou t?o somente na tentativa, pois o projeto inicial criou a possibilidade, prevista no artigo 333 do novo CPC, de convers?o de uma a??o individual em coletiva, o que acabou por n?o vigorar na vers?o final, em raz?o de veto da presidência da República. O processo coletivo, ao cuidar dos chamados direitos transindividuais, merece olhar mais atento no ordenamento jurídico pátrio. Atualmente, o conceito desses direitos – difusos, coletivos e individuais homogêneos – encontra abrigo no Código de Defesa do Consumidor, e o principal instrumento para a tutela está previsto basicamente na a??o civil pública, prevista na Lei 7.347/85. ? evidente que existem outros mecanismos, e o tema está pulverizado em legisla??es esparsas, mas essa n?o é a situa??o ideal. Existe, inclusive, um projeto paralisado no Congresso Nacional – o do Código Brasileiro de Processos Coletivos. Acredita-se que a possibilidade de ajuizamento de demandas coletivas auxilia, de forma significativa, na conten??o de tantas outras demandas individuais que nasceriam caso a primeira n?o fosse proposta. O processo coletivo tem sua origem no sistema da common law, como leciona Teori Zavascki:125 Aponta-se a experiência inglesa, no sistema da common law, como origem dos instrumentos do processo coletivo e, mais especificamente, da tutela coletiva de direitos. Desde o século XVII, os tribunais de equidade (Courts of Chancery) admitiam, no direito inglês, o bill of peace, um modelo de demanda que rompia com o princípio segundo o qual todos os sujeitos interessados devem, necessariamente, participar do processo, com o que passou a permitir, já ent?o, que representantes de determinados grupos de indivíduos atuassem, em nome próprio, demandando por interesses dos representados ou, também, sendo demandados, por conta dos mesmos interesses Assim nasceu, segundo a maioria dos doutrinadores, a a??o de classe (class action). Embora se registrem, na jurisprudência da época, casos ilustrativos da sua utiliza??o, esse modelo procedimental enfrentava dificuldades de ordem teórica e prática, relacionadas sobretudo com a ausência de defini??o de seus contornos. Foi modesta a aplica??o e a evolu??o do instituto até o final do século XIX. Em 1873, o advento do Court of Judicature Act deu-lhe uma defini??o mais clara, mas, ainda assim, sua utiliza??o permaneceu contida, inclusive em virtude das interpreta??es restritivas impostas pela jurisprudência. Para Zavascki, foi o Brasil que revolucionou o domínio do processo coletivo, ao protagonizar, de forma mais marcante que os demais países de civil law, os instrumentos de tutela desses direitos, pois, já na década de 1970, introduziu a a??o popular, seguida da a??o civil pública e, mais tarde, do Código de Defesa do Consumidor. A própria Constitui??o Federal de 1988 procurou tutelar uma série de direitos de forma transindividual, como meio ambiente, patrim?nio cultural, proibi??o da improbidade administrativa e prote??o ao consumidor, todos previstos nos artigos 225, 226, 37, parágrafo 4?, e artigo 5?, XXXII, respectivamente. Também cuidou de enquadrar as a??es de controle de constitucionalidade entre os instrumentos de tutela coletiva de direitos.Percebe-se, como já assinalado, que houve certo receio em rela??o ao artigo 333 do novo Código de Processo Civil, que trazia um mecanismo inovador. O dispositivo previa que, em casos de relev?ncia social e dificuldade para forma??o de litisconsórcio, qualquer legitimado da a??o civil pública – cujo elenco se encontra no artigo 5? da Lei n. 7.347/85 – poderia requerer a convers?o da demanda individual em demanda coletiva. Além da estranheza ao próprio sistema do processo coletivo, a doutrina se manifestava veementemente por seu afastamento. A esse respeito, Rodolfo Kronemberg Hartmann126 assinala:O artigo em quest?o, como se observa, era completamente subversivo ao sistema de tutelas coletivas e desnecessário parra a ordem jurídica, já sendo bastante criticado no meio jurídico. Com efeito, uma característica inerente ao processo coletivo é, justamente, a possibilidade do opt out, ou seja, de o titular do direito de fei??o coletiva optar pela via individual em detrimento de aguardar a solu??o do processo coletivo (artigo 104 da Lei n. 8.078/90). Só que esse dispositivo retirava essa possibilidade ao determinar que a via individual seria tolhida quando o processo fosse convertido em coletivo. Além disso, também se poderia objetar que, se os requerentes dessa convers?o têm legitimidade para propor a??o civil pública, ent?o os mesmos deveriam adotar esta providência e n?o intervir em um processo individual, tencionando transformá-lo em coletivo. De toda sorte, mesmo diante dessa veda??o, o Brasil disp?e de mecanismos próprios que contribuem para a prote??o da tutela coletiva, reduzindo, assim, o número de demandas. Por fim, os provimentos judiciais vinculantes constituem o quarto e último mecanismo para combater o número excessivo de demandas no Brasil. Delineados no Código de Processo Civil em diversos dispositivos, os quais ser?o comentados, em mais detalhes, no capítulo seguinte, têm por objetivo garantir a previsibilidade e a isonomia, assegurando, assim, o atendimento ao princípio da seguran?a jurídica, na medida em que permitem a aplica??o da mesma decis?o a casos idênticos e poupam tempo e esfor?os das partes diante da aplica??o imediata do entendimento dos tribunais superiores e do próprio tribunal local, em virtude de direito local, já no primeiro grau de jurisdi??o, evitando-se, assim, a procrastina??o do feito.CAP?TULO 3 PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTES NO SISTEMA JUR?DICO BRASILEIROAcredita-se, como já destacado, que o ordenamento jurídico brasileiro n?o adotou os precedentes judiciais, mas um sistema de provimentos judiciais vinculantes, buscando, na fonte dos precedentes, apenas sua for?a vinculante. Esses provimentos judiciais vinculantes, concebidos com o objetivo de conter as demandas de massa, tiveram início com: os pedidos de uniformiza??o de jurisprudência no Código de Processo Civil de 1973; o pedido de uniformiza??o de jurisprudência nos juizados especiais federais em 2001, através da Lei n. 12.259 e, posteriormente, da Lei n. 12.153/09; os juizados especiais fazendários; e as súmulas vinculantes previstas no artigo 103-A da Constitui??o Federal, as quais, em seguida, foram regulamentadas pela Lei n. 11.417/06. Outros instrumentos também surgiram: a repercuss?o geral no recurso extraordinário, a súmula impeditiva de recursos e, mais recentemente, a improcedência liminar do pedido, os recursos repetitivos e a tese jurídica firmada em incidente de resolu??o de demandas repetitivas. 3.1 – Pedido de uniformiza??o de jurisprudência no CPC/1973, nos juizados especiais federais e nos juizados especiais da Fazenda Pública O pedido de uniformiza??o de jurisprudência foi um dos primeiros sinalizadores reais da necessidade de se criarem instrumentos de conten??o de demandas judicias de massa. Além disso, tem por finalidade impedir que a mesma regra de direito seja interpretada de forma diversa por órg?os do mesmo tribunal.127 Assim reconhecia José Carlos Barbosa Moreira:128(...) a existência, no aparelho estatal, de uma pluralidade de órg?os judicantes que podem ter (e com frequência têm) de enfrentar iguais quest?es de direito e, portanto, de enunciar teses jurídicas em idêntica matéria. Nasce daí a possibilidade de que, num mesmo instante histórico – sem varia??o das condi??es culturais, políticas, sociais, econ?micas, que possam justificar a discrep?ncia –, a mesma regra de direito seja diferentemente entendida, e as espécies semelhantes se apliquem a teses jurídicas divergentes ou até mesmo opostas, muito ao contrário, pela evolu??o homogênea da jurisprudência dos Tribunais – e n?o raro se semeiam, entre o membros da comunidade, o descrédito e o cepticismo quanto à efetividade da garantia constitucional. Nesses limites e somente neles, é que se p?e o problema da uniformiza??o da jurisprudência N?o se trata, nem seria concebível que se tratasse, de impor aos órg?os judicantes uma camisa de for?a, que lhes tolhesse o movimento em dire??o a novas maneiras de entender as regras jurídicas, sempre que a anteriormente adotada já n?o corresponda às necessidades cambiantes do convívio social. Trata-se, pura e simplesmente, de evitar, na medida do possível, que a sorte dos litigantes e, afinal, a própria unidade do sistema jurídico vigente fiquem na dependência exclusiva da distribui??o do feito ou do recurso. O Código de Processo Civil de 1973 tratava desse tema em seu artigo 476,129 ao apontar que a uniformiza??o de jurisprudência era um incidente processual que tinha por objetivo unificar a jurisprudência entre tribunais distintos. Como n?o tinha natureza jurídica recursal, n?o se concedia às partes o direito à sua admiss?o, mas t?o somente a possibilidade, conforme explicava o parágrafo único do supramencionado dispositivo, de requerer que o julgamento obedecesse à decis?o da uniformiza??o. O pressuposto básico para o pedido de uniformiza??o era a divergência jurisprudencial. O órg?o fracionário solicitava o pronunciamento do tribunal, por intermédio do Pleno ou do ?rg?o Especial. O tribunal, por sua vez, respeitando os critérios de conveniência e oportunidade e diante da real existência de divergência jurisprudencial, passava a discutir a tese sobre a qual pendia o dissídio jurisprudencial. O voto de cada participante deveria estar devidamente fundamentado, cumprindo-se, ainda, a exigência de intima??o para manifesta??o obrigatória do Ministério Público. Dando por encerrado o julgamento do incidente de uniformiza??o de jurisprudência, o órg?o judicial suscitante deveria retomar o julgamento do processo e, em consequência, adotar o entendimento firmado pelo tribunal.O artigo 479 do Código de Processo Civil de 1973 apontava que o julgamento, tomado pelos votos da maioria absoluta dos membros integrantes do tribunal, seria objeto de súmula e constituiria precedente na uniformiza??o de jurisprudência. Além disso, o Regimento local trataria de dispor acerca da respectiva publica??o no órg?o oficial. ? importante assinalar que o dispositivo atribuía for?a vinculante às decis?es no incidente de uniformiza??o de jurisprudência, fato repetido com o pedido de uniformiza??o criado nos juizados especiais federais, em 2001.Na atualidade, o artigo 14 da Lei n. 10.259/09 permite a formula??o de pedido de uniformiza??o de jurisprudência para as turmas de uniformiza??o ou até mesmo para o próprio Superior Tribunal de Justi?a, na hipótese em que as decis?es divergirem do microssistema. A lei prevê que, se houver divergência entre turmas recursais da mesma regi?o, o pedido deverá ser apreciado pela reuni?o dessas turmas, sob a presidência do juiz coordenador. No entanto, em se tratando de turmas de diferentes regi?es ou que se encontrem em desalinho com a posi??o do Superior Tribunal de Justi?a, o pedido de uniformiza??o será julgado por uma Turma Nacional de Uniformiza??o, presidida pelo ministro corregedor-geral da Justi?a Federal e composta por dez juízes federais efetivos. Esse assunto é tratado na Resolu??o n. 345, de 2 de junho de 2015 (que revogou a Resolu??o n. 22, de 4 de setembro de 2008).Assim, a atual resolu??o estabelece que a Turma Nacional de Uniformiza??o é competente para processar e julgar o pedido de uniformiza??o de interpreta??o de lei federal, quanto a quest?es de direito material, quando fundadas em: divergência entre decis?es de Turmas Recursais de diferentes regi?es; decis?o de Turma Recursal proferida contrariamente a súmulas ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justi?a ou da Turma Nacional de Uniformiza??o; decis?o proferida pela Turma Regional de Uniformiza??o contrariamente à súmula ou à jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justi?a ou da Turma Nacional de Uniformiza??o.Ademais, a resolu??o prevê que, antes mesmo da distribui??o do pedido de uniformiza??o, o presidente da Turma Nacional pode negar-lhe seguimento se for manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justi?a e do Supremo Tribunal Federal. Poderá ainda determinar o retorno dos autos à origem, com vistas à adequa??o necessária, ou dar provimento ao pedido de uniformiza??o quando o acórd?o estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformiza??o, do Superior Tribunal de Justi?a ou do Supremo Tribunal Federal.Por derradeiro, a aludida resolu??o prevê que é possível a devolu??o às turmas de origem para sobrestamento dos feitos que versarem sobre tema que estiver pendente de aprecia??o na Turma Nacional de Uniformiza??o, no Supremo Tribunal Federal, em regime de repercuss?o geral ou no Superior Tribunal de Justi?a, em incidente de uniformiza??o ou recurso repetitivo, de modo a promover a posterior confirma??o do acórd?o recorrido ou sua adapta??o à decis?o que vier a ser proferida nos recursos indicados. Esse mesmo texto legal ainda disciplina a hipótese de existirem dois ou mais pedidos de uniformiza??o com idêntica quest?o de direito, estabelecendo, nesse caso, a escolha de dois ou mais pedidos representativos da controvérsia, restando os demais sobrestados até o julgamento do caso-piloto. Nesse sentido, o pedido de uniformiza??o de jurisprudência, como o próprio nome já indica, foi criado para uniformizar as decis?es, configurando, inequivocamente, for?a vinculante aos casos semelhantes e futuros, bem como aos já existentes eventualmente sobrestados. Esse mesmo instituto previsto na Lei dos Juizados Especiais Federais foi reproduzido na Lei n. 12.153, que, em 2009, criou o Juizado Especial da Fazenda Pública, consagrando-o em seu artigo 28. O Provimento n. 7 do Conselho Nacional de Justi?a, igualmente, cuidou de estabelecer regras para a uniformiza??o da jurisprudência junto aos tribunais de justi?a por ocasi?o da publica??o da Lei n. 12.153/09. Mais recentemente, em 2012, também tem-se a Lei n. 12.665, que cuidou de regular a estrutura das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, revogando alguns dispositivos da Lei n. 10.259/09. Valter Shuenquener Araújo130 assinala que “a resposta uniforme do Poder Judiciário é algo t?o revelador que a jurisprudência tem, inclusive, quando uma demanda é de massa, afastado o rigor da técnica processual para manter uma decis?o uniforme em todos os processos”. E acrescenta: Em um dos repetidos precedentes envolvendo o reajuste dos servidores públicos federais em 28,86%, típica demanda de massa já pacificada pela jurisprudência, o título cognitivo que transitara em julgado, no caso específico apreciado pelo STJ em sede de recurso especial, estava, no momento da execu??o, em desconformidade com o que a jurisprudência vinha entendendo sobre o tema. O provimento judicial havia assegurado um reajuste de 28,86% enquanto a jurisprudência brasileira apenas garante o direito ao reajuste no mesmo percentual, mas com a dedu??o dos percentuais de reajustes já pagos ao servidor. Diante deste cenário, o STJ optou por afastar o rigor processual e, dando provimento ao recurso da Fazenda Pública, determinou, em prol da necessidade de uniformiza??o de jurisprudência, a compensa??o, na fase de execu??o, dos aumentos recebidos pelos servidores. Afastou-se do título judicial o que estava em disson?ncia com a mansa jurisprudência sobre o tema. N?o há dúvida quanto à natureza jurídica da uniformiza??o de jurisprudência outrora trazida no artigo 476 do Código de Processo Civil de 1973. Tratava-se de incidente processual, afastando-se de pronto a natureza recursal, visto que a própria parte n?o tinha direito à sua submiss?o.131 Nos juizados especiais federais e nos juizados especiais fazendários, por sua vez, o instrumento prevê essa possibilidade, raz?o pela qual a doutrina mais avalizada defende tratar-se de recurso.132 De toda sorte, o instrumento em quest?o tem como cond?o uniformizar o entendimento, a fim de evitar decis?es conflitantes e atender à previsibilidade, à isonomia e à seguran?a nas rela??es jurídicas.3.2 – Súmulas vinculantes e persuasivas no modelo jurídico brasileiro No modelo brasileiro, existem as súmulas persuasivas e as súmulas vinculantes.As súmulas vinculantes s?o aquelas dotadas de for?a obrigatória, vinculando tanto o Poder Judiciário quanto o próprio Poder Executivo, e est?o previstas no artigo 103 da Constitui??o da República Federativa do Brasil, bem como na Lei n. 11.417/06. S?o proposi??es aprovadas ou revisadas, de ofício ou por iniciativa de legitimado ativo para a??o direta de inconstitucionalidade, por dois ter?os dos membros do Supremo Tribunal Federal, quanto a interpreta??o, validade e eficácia de normas determinadas, em rela??o aos demais órg?os do Poder Judiciário e à Administra??o Pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, sob pena do uso de reclama??o.133As súmulas persuasivas, por sua vez, s?o aquelas que t?o somente influenciam as decis?es judiciais, servindo como uma orienta??o, sem efeito obrigatório. Na prática, porém, os juízes têm adotado as orienta??es sumuladas pelos tribunais, inclusive com a finalidade de evitar a procrastina??o do feito. Inicialmente, examina-se a primeira modalidade – as súmulas vinculantes –, abordando aspectos como seu conceito, sua natureza jurídica e as opini?es favoráveis e contrárias a esse instrumento. Alguns autores134 até mesmo a apontam como um dos temas mais emblemáticos da reforma constitucional, considerando-a verdadeiro desafio para o ordenamento jurídico brasileiro.A súmula vinculante que ora se conhece foi precedida de outros mecanismos recentes que alteraram a legisla??o e que, segundo Candido Rangel Dinamarco,135 contribuíram, de forma significativa, para a valoriza??o dos precedentes judiciais e para a amplia??o dos poderes judicantes do relator, revelando forte tendência do processo civil contempor?neo. ? notório que o Poder Judiciário está abarrotado de processos. Segundo os últimos dados contidos em relatório apresentado em 2013, pelo Conselho Nacional de Justi?a, existem aproximadamente 92,2 milh?es de a??es em tramita??o, o que, em uma conta rápida, nos aproximaria de um processo para cada três brasileiros. De fato, nos últimos quatro anos, houve aumento de 10% no número de processos, registrando-se, contudo, pequena queda de 10% na taxa de congestionamento, que corresponde ao número de processos tramitando ainda sem baixa na distribui??o. E, foi justamente nesse cenário que a súmula vinculante ganhou aplausos, sendo reconhecida como uma forma segura e eficaz de deter o processo ainda na primeira inst?ncia, ao argumento de que de nada adiantaria seu prosseguimento se, ao chegar ao Supremo Tribunal, a decis?o fosse modificada para se adequar-se ao entendimento do tribunal. Hoje, algumas situa??es recorrentes, em especial na década de 1990, n?o encontrariam mais respaldo. Tomemos, por exemplo, o caso da possibilidade de pris?o do depositário infiel com base no Decreto-lei n. 911/69, que, em seu artigo 4o, permitia a convers?o da busca e apreens?o em depósito e, consequentemente, a pris?o civil do depositário infiel segundo o posicionamento à época do Supremo Tribunal Federal. Isso nos apontava uma circunst?ncia bastante curiosa. No primeiro grau de jurisdi??o, os juízes negavam a pris?o, ao argumento de afronta ao Pacto S?o José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, indicando também raz?es afetas à quest?o de direitos humanos, tomando como base, em regra, os escritos da professora Flávia Piovesan.136No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justi?a acompanhava as decis?es dos juízes de primeira inst?ncia, o que se repetia, em geral, no Superior Tribunal de Justi?a. Essa situa??o só viria a ser alterada alguns anos depois, quando despontasse no Supremo Tribunal Federal, que considerava constitucional a pris?o civil do depositário infiel, da mesma forma que a pris?o civil do devedor de alimentos. Tal posicionamento foi reformulado em 2008, através de decis?o publicada no Informativo n. 449 e, posteriormente, também com a edi??o da Súmula Vinculante n. 25, que reconheceu a inconstitucionalidade da pris?o, encerrando discuss?es que perduraram por muitos anos. Se casos concretos desse tipo acontecessem hoje, seriam decididos logo na primeira inst?ncia, que, for?osamente, aplicaria a posi??o do Supremo. Justamente neste ponto, têm início e se intensificam os debates acerca da constitucionalidade ou n?o da súmula vinculante. Deve-se priorizar essa alternativa, na tentativa de conter o avan?o das demandas judiciais? Ou simplesmente deve-se pensar no atingimento dos princípios fundantes do Direito Processual Civil, com a finalidade de assegurar um processo justo? 3.2.1 – Aspectos históricos Para bem compreender um instituto, é imperioso analisar os aspectos históricos que o envolvem, pois somente dessa forma é possível enxergá-lo de maneira crítica.Humberto Dalla137 descreve, em sua obra recente, a origem da súmula vinculante, remontando-a ao Direito português e permitindo, dessa forma, a compreens?o do histórico do precedente judicial. No século XII, em Portugal, existiam as chamadas fa?anhas, senten?as que tinham for?a obrigatória de observ?ncia nos casos futuros que apresentassem tra?os semelhantes. Naquele país, existia a Casa de Suplica??o de Lisboa. De acordo com as Ordena??es Manuelinas, as decis?es dessa Casa, que se chamavam assentos, passaram a ter for?a vinculante e configurariam prestimoso auxílio à interpreta??o das normas. Tal previs?o perdurou por mais de trezentos anos, sendo extinta a for?a obrigatória somente em 1822, quando a Casa de Suplica??o passou a exercer fun??o eminentemente legislativa. ? importante compreender que, à época, o sistema encontrava-se influenciado por ideais afetos ao liberalismo e ao princípio da separa??o dos poderes.Alguns anos depois, mais precisamente em 1832, foi criado o Supremo Tribunal de Justi?a, por conta da grande reforma judiciária que Portugal atravessava, encarregando-se de uniformizar o entendimento dos tribunais. Em 1926, mesmo suprimido o termo “assentos”, em raz?o de um decreto, determinou-se que as decis?es proferidas em conflitos de jurisprudência teriam eficácia vinculante. Mais uma vez, observa-se um refor?o na ideia de buscar a uniformiza??o do entendimento, visto, desde aquele momento, como um importante instrumento a evitar o cometimento de graves injusti?as, na hipótese de decis?es conflitantes em casos idênticos. Atualmente, o sistema jurídico português mantém a uniformiza??o de jurisprudência.No Brasil, as decis?es proferidas no Rio de Janeiro e na Bahia, como leciona o jurista Humberto Dalla, deveriam seguir os assentos da Casa de Suplica??o de Lisboa, em virtude da “Lei da Boa Raz?o”, datada de 1769. A Corte Portuguesa chegou ao Brasil em 1808 e, nesse mesmo ano, foi criada uma casa de suplica??o para, da mesma maneira que em Portugal, pudesse decidir com efeitos vinculantes. No entanto, a Independência do Brasil e a cria??o do Supremo Tribunal de Justi?a, durante o Brasil Império, n?o foram suficientes para uniformizar a jurisprudência, uma vez que o mencionado tribunal foi criado para exercer praticamente a fun??o de cassar as decis?es proferidas pelos Tribunais de Rela??o das Províncias, as quais se viam eivadas de ilegalidade.Somente em 1876 o Supremo Tribunal de Justi?a foi autorizado a realizar os assentos com for?a vinculante. Tal situa??o seria alterada com a promulga??o da primeira Constitui??o da República em 1891, que vetou a cria??o e a aplica??o dos assentos anteriores, ao argumento de incompatibilidade com o atual sistema. Alguns juristas tentaram criar uma figura jurídica que alcan?asse os mesmos efeitos dos assentos. Isso ocorreu com o Código de 1973, que, embora tenha consagrado a uniformiza??o da jurisprudência, em virtude da enxurrada de críticas, acabou por perder o caráter vinculante, servindo apenas como orienta??o. Cumpre também ressaltar o papel da avocatória, inserida pela Emenda Constitucional n. 07/77, e da representa??o interpretativa. A avocatória permitia ao Supremo Tribunal avocar qualquer processo, desde que por iniciativa do procurador-geral da República, e apresentava natureza jurídica eminentemente de a??o constitucional. A representa??o interpretativa, por sua vez, permitia ao Supremo decidir, em competência originária, a interpreta??o de lei federal, estadual e até mesmo municipal. Essa decis?o tinha efeito obrigatório em todos os demais órg?os do Poder Judiciário, exceto em rela??o ao próprio Supremo, o qual também podia alterar seu entendimento. Cabe ainda destacar os chamados prejulgados, que foram criados com a clara inten??o de uniformizar a jurisprudência, coibindo a divergência entre turmas e c?maras de um mesmo tribunal. O Instituto de Revista estava previsto no Código de 1939, e sua fun??o era uniformizar a jurisprudência do tribunal, sobretudo quando houvesse divergência entre mais de um grupo de turmas ou c?maras. O chamado recurso de revista foi posteriormente abolido do sistema processual civil, permanecendo, contudo, no ?mbito do direito trabalhista. Ao longo da década de 1960, com o objetivo de desafogar o Poder Judiciário, foram criadas as chamadas súmulas de jurisprudência predominantes – técnica mantida até os dias de hoje e prevista no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Precisamente os anos de 1962 e 2003 foram marcados pela edi??o de um número expressivo de súmulas. Esses enunciados das súmulas, de entendimento dominante, n?o têm caráter vinculante, servindo apenas de orienta??o para o julgamento de casos semelhantes. Permite-se, inclusive, de acordo com o Regimento Interno da Corte Suprema, que o ministro proponha a revis?o da súmula, podendo proceder ao sobrestamento do processo. O efeito obrigatório surgiu apenas com as súmulas vinculantes, criadas com a Emenda Constitucional n. 45/2001 e posteriormente regulamentadas pela Lei n. 11.417/2006.3.2.2 Natureza jurídicaExiste alguma divergência sobre a natureza jurídica das súmulas vinculantes. Guilherme Pe?a de Moraes,138 inclusive, chama a aten??o para tal discuss?o doutrinária.Lenio Luis Streck139 defende a natureza legislativa desse instituto, justamente por permitir a edi??o de normas gerais e abstratas, enquanto, para Jorge Miranda140 e Luis Carlos Alcoforado,141 elas devem ser revestidas de cárater jurisdicional, pois demandariam a provoca??o e o julgamento de diversos casos anteriores. Importante ainda frisar o entendimento de Mauro Cappelletti142 sobre o tema, ao defender que, em verdade, está-se diante de um instituto misto, intermediário, entre o que é possível extrair de abstrato dos atos legislativos e a concretude dos atos jurisdicionais, uma vez que:os juízes est?o constrangidos a ser criadores do Direito. Efetivamente, eles s?o chamados a interpretar e, por isso, inevitavelmente, a esclarecer, integrar, plasmar e transformar e, n?o raro, a criar ex novo o Direito. Isso n?o significa que eles sejam legisladores. Existe realmente diferen?a entre os processos legislativo e jurisdicional.Acredita-se que, de fato, se trata de um instrumento de caráter jurisdicional, até mesmo em virtude dos mecanismos previstos e utilizados em lei, como o manejo da reclama??o, que pode, inclusive, cassar uma decis?o judicial.3.2.3 PressupostosApontam-se, como pressupostos para a edi??o das súmulas vinculantes, a existência de um número expressivo de casos judicializados sobre o mesmo tema e a controvérsia entre os órg?os jurisdicionais entre si e também em rela??o aos órg?os administrativos acerca de matéria constitucional, o que pode levar a uma grave inseguran?a jurídica. Com a edi??o das súmulas, torna-se possível sedimentar o tema, fazendo com que a jurisdi??o seja previsível. ? exatamente dessa forma que ensina Guilheme Pe?a de Moraes:143A eficácia vinculante dos enunciados da súmula de jurisprudência predominante é submetida a quatro pressupostos materiais. A relevante multiplica??o de processos sobre quest?o idêntica expressa que a súmula vinculante é traduzida como instrumento de uniformiza??o de jurisprudência , sem embargo da remodela??o das categorias de processo civil individual para a efetividade da tutela dos conflitos de massa. As reiteradas decis?es sobre matéria constitucional exprimem que o objeto da súmula vinculante gira em torno da interpreta??o de determinada norma federal, estadual ou municipal, contraposta em face de regra ou princípio constitucional , de forma a definir os limites de eficácia e dispor sobre a validade da norma interpretada. 3.2.4 – Procedimento previsto no novo Código de Processo Civil O artigo 103-A da Constitui??o Federal prevê o instituto da súmula vinculante. Posteriormente, essa previs?o foi regulamentada pela Lei n. 11.417/06, que disciplina os aspectos relativos a edi??o, revis?o e cancelamento das súmulas pela Supremo Tribunal Federal. O próprio texto constitucional relaciona, minuciosamente, o que pode ser objeto dessa súmula. Quanto à legitima??o, deve-se atentar para o rol indicado no artigo 3?, o qual, inclusive, julga-se passível de altera??o por lei ordinária. Ressalte-se que, embora as partes n?o estejam indicadas como legitimadas, infere-se n?o haver óbice quanto à possibilidade de solicitarem ao Supremo a edi??o de uma súmula caso o processo já esteja tramitando na Corte. Os próprios ministros também podem, de ofício, solicitar tanto a edi??o quanto a revis?o e o próprio cancelamento.No que diz respeito ao tempo, a lei prevê que a súmula terá efeito imediato, n?o tendo, por conseguinte, efeito ex tunc, raz?o pela qual n?o pode vincular decis?es proferidas anteriormente. ? importante registrar a possibilidade de se aplicar, em prol da seguran?a jurídica, a chamada modulariza??o dos efeitos temporais. Permite-se além da restri??o quanto aos efeitos temporais, uma restri??o de ordem subjetiva, ou seja, quanto àqueles que ser?o atingidos pelos efeitos da súmula. Assim, é possível dizer, por exemplo, que a súmula terá efeito vinculante somente quanto aos habitantes de determinado município, sempre com o intuito de preservar a seguran?a nas rela??es jurídicas e o interesse público. Tanto o Poder Judiciário quanto a Administra??o Pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal ficam vinculados, o que, contudo, n?o alcan?a o Poder Legislativo, no exercício de fun??o normativa. Dessa forma, nada impede que o Legislativo venha a editar lei em sentido exatamente oposto ao da súmula, de acordo com a previs?o do artigo 103, § 2? , da Constitui??o da República Federativa do Brasil.O quinto artigo da supramencionada lei relata a possibilidade de o Supremo, de ofício ou por meio de provoca??o, revisar e cancelar a súmula. Conclui-se, portanto, que as matérias que s?o tratadas nas súmulas n?o precisam ser necessariamente matérias constitucionais em sentido estrito, mas podem abranger a lei, permitindo sua interpreta??o. A Constitui??o da República estabelece a possibilidade de reclama??o ao Supremo Tribunal Federal na hipótese de a súmula vinculante n?o ser respeitada. Tal previs?o se repete no artigo 7? da referida lei e acaba por atingir outros casos, como, por exemplo, as hipóteses em que sua aplica??o é indevida ou até mesmo quando existe uma interpreta??o err?nea do real sentido da súmula. A reclama??o, portanto, é um instituto de competência originária do Supremo Tribunal Federal e, uma vez acolhida no mérito, acaba por cassar a decis?o judicial impugnada, demonstrando, assim, a clara fun??o de corre??o. No entanto, quanto à natureza jurídica da reclama??o, observa-se alguma controvérsia. O tema é abordado por Teresa Arruda Wambier, in verbis:144Discute-se intensamente no plano doutrinário sobre qual seria a natureza jurídica da reclama??o. Parece-nos que a natureza desta medida é jurisdicional, e n?o administrativa ou correcional. Trata-se de expediente de que se podem valer as partes para provocar altera??o de decis?o judicial: logo sua natureza n?o pode ser meramente correcional. Ademais, a decis?o, na reclama??o, fica acobertada pela coisa julgada, sendo, portanto, rescindível.Leonardo Lins Morato145 defende que se trata de uma a??o, e n?o de um recurso, até porque pode ser utilizada contra simples ato administrativo. Cumpre assinalar que o parágrafo 1? do artigo 7? da lei 9868/96 prevê que apenas será cabível a reclama??o após o esgotamento de todos os recursos na esfera administrativa. Tal circunst?ncia lembra a previs?o imposta pelo Superior Tribunal de Justi?a ao tratar do habeas data, ressaltando sua impossibilidade caso n?o haja recusa de informa??es por parte da autoridade administrativa. A reclama??o n?o comporta instru??o propriamente dita, mas t?o somente prova documental, a qual deve ser anexada à inicial, permitindo ao reclamado a manifesta??o no prazo de dez dias. Na reclama??o, cabem agravo regimental, oponível à decis?o do relator, e embargos de declara??o. A decis?o final, de mérito, é rescindível, desde que estejam presentes os requisitos do artigo 966 do Diploma Processual Civil. Uma vez acolhida pela Corte Suprema a reclama??o fundada em viola??o de enunciado da súmula, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órg?o competente, com vistas ao julgamento do recurso, que deverá adequar-se às decis?es administrativas já proferidas em casos semelhantes, sob pena de responsabiliza??o pessoal em todas as esferas – cível, administrativa e penal. 3.2.5 – Papel das súmulas vinculantes no controle de constitucionalidade? importante entender o papel das súmulas vinculantes no controle de constitucionalidade. Para tanto, inicialmente examina-se no que consiste o controle de constitucionalidade. Marcelo Neves146 o define como:juízo de adequa??o da norma infraconstitucional (objeto) à norma constitucional (par?metro), por meio da verifica??o da rela??o imediata de conformidade vertical entre aquela e esta, com o fim de impor a san??o de invalidade à norma que seja revestida de incompatibilidade material e/ou formal com a Constitui??o.Nesse controle, o Brasil adota um sistema híbrido, que comporta o controle político, realizado por órg?os como a Comiss?o de Constitui??o e Justi?a, e o controle judicial, sob a responsabilidade do Poder Judiciário. Em regra, o controle político é definido como uma espécie de controle preventivo, cumprindo, todavia, ressaltar a hipótese admitida pela doutrina e pela jurisprudência quanto ao controle preventivo judicial, no qual se admite a propositura de mandado de seguran?a pelo Parlamento, com vistas a n?o se submeter à vota??o um projeto de lei flagrantemente inconstitucional. O chamado controle judicial, por sua vez, é notoriamente repressivo, pois, com a norma em vigência, pretende-se expurgá-la do ordenamento. Fala-se, ent?o, em controle concentrado e controle difuso. O controle concentrado se realiza por via de a??o direta, tendo, como objeto principal, a verifica??o da (in)constitucionalidade da norma, enquanto o controle difuso se operacionaliza pela via da exce??o, permitindo que até mesmo os juízes de primeiro grau verifiquem, incidentalmente, a inconstitucionalidade da norma com o efeito inter partes.? preciso refletir se as súmulas vinculantes constituem uma forma de exercício do controle de constitucionalidade.Assim, entende-se que, embora n?o obede?am fielmente às características do processo objetivo, presentes nas a??es diretas de inconstitucionalidade e na a??o declaratória de constitucionalidade, usadas como forma de controle concentrado, elas s?o, sim, mecanismos de exercício de controle de constitucionalidade porque, em primeiro lugar, é possível editar uma súmula com base nas normas gerais, de forma abstrata, e, em seguida, em decorrência de seu caráter obrigatório, vinculante, ainda que a outros órg?os jurisdicionais e à administra??o pública. O fato é que a súmula se tornou um importante mecanismo de controle de constitucionalidade, pois, diante do número significativo de processos e da divergência acerca da constitucionalidade ou n?o de determinado dispositivo legal, nada impede que o Supremo, provocado, ou até mesmo de ofício, julgue por bem editar uma súmula acerca de sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. ? o que ocorre, por exemplo, com a Súmula Vinculante n. 12, que, ao tratar da cobran?a de taxa de matrícula nas universidades públicas, considera-a inconstitucional, em face do artigo 206, IV, da Constitui??o da República.1473.2.6 – Súmulas vinculantes e atendimento aos princípios do acesso à justi?a, da celeridade e da efetividadeA súmula vinculante, nas palavras de Teresa Arruda Wambier,148é um dos temas mais controvertidos da reforma constitucional do Poder Judiciário. Da mesma forma que temas como a legaliza??o do aborto, da eutanásia e o debate sobre a pena de morte, por exemplo, a súmula vinculante é assunto polêmico, especialmente em raz?o de sua carga ideológico-valorativa.Indaga-se, ainda, se a súmula afrontaria uma série de princípios e garantias constitucionais. Para abordar esse tema, traz-se a li??o de Erik Navarro Wolkart,149 que reúne uma série de argumentos desfavoráveis alinhados pela doutrina. Um desses argumentos é sua incompatibilidade com o princípio da separa??o de poderes, ao argumento de que traria conflitos de atribui??o entre os Poderes Judiciário e Legislativo. Outro é o estancamento da evolu??o da jurisprudência e, em consequência, do Direito, ao causar um verdadeiro engessamento da atividade jurisdicional, uma vez que o juiz estaria limitado ao teor dos enunciados, o que também acarretaria restri??o à liberdade de decidir do magistrado, com grave ofensa ao princípio do livre convencimento.Ademais, haveria ofensa ao princípio da fundamenta??o das decis?es judiciais, insculpido no artigo 93, X da CRFB,150 em virtude da substitui??o da devida e correta fundamenta??o pelo teor da súmula. Os princípios do contraditório e da ampla defesa também restariam ofendidos em nome do alcance da celeridade processual. Nem sempre todos os casos est?o diretamente abarcados pela súmula, e a parte perderia a oportunidade de rever a decis?o por um órg?o colegiado, em virtude da imediata aplica??o, ainda em primeiro grau, do teor da súmula. Em contrapartida, posi??es favoráveis às súmulas vinculantes sustentam que n?o há incompatibilidade com a cláusula da separa??o de poderes, pois, como defende C?ndido Rangel Dinamarco,151ao emiti-las, o Supremo Tribunal Federal n?o institui preceitos inteiramente novos, equiparando-se ao legislador, o que lhe toca fazer é, partindo de uma lei existente e pondo-a em confronto com a Constitui??o Federal, decidir se ela é válida ou inválida, eficaz ou ineficaz, ou que ela deve se interpretada de determinado modo, e n?o diferentemente.Alguns autores apontam que n?o há que se falar em qualquer tipo de engessamento da jurisprudência, até porque se permite a realiza??o do que o direito norte-americano chama de overruling, definindo-se-o como uma técnica em que o precedente é modificado, sendo substituído por outro que venha a se adequar melhor à realidade social. A própria lei da súmula vinculante autoriza a revis?o e o cancelamento das súmulas. Destaque-se que os argumentos mais benéficos e favoráveis às súmulas vinculantes consistem na maior previsibilidade da decis?o, atendendo à seguran?a jurídica e, em última análise, à dura??o razoável do processo.3.2.7 – Papel das súmulas persuasivas diante do novo Código de Processo Civil No ordenamento jurídico brasileiro, segundo a doutrina, as súmulas persuasivas s?o aquelas que têm por objetivo influenciar outras decis?es e,152 ao contrário das súmulas vinculantes, s?o desprovidas de eficácia obrigatória. Entende-se, contudo, que, diante das previs?es contidas no novo Código de Processo Civil, estabelecidas sobretudo nos artigos 332, I e IV, 927, IV e V, e 932, V, a,153 é preciso repensar a posi??o dessas súmulas.A nova lei, que, claramente, criou diversos mecanismos de conten??o de demandas de massa, também redimensionou a natureza das súmulas persuasivas. Segundo Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior,154 atualmente o Direito brasileiro “se volta a solucionar com maior seguran?a jurídica, coerência, celeridade e isonomia as demandas de massa, as causas repetitivas, ou melhor, as causas cuja relev?ncia ultrapassa os interesses subjetivos das partes”.Dessa forma, assume-se a posi??o de que, com o novo Diploma Processual Civil, até mesmo as súmulas persuasivas receberam caráter obrigatório, ao se afastar o caráter de norma programática de dispositivos que determinam até mesmo a observ?ncia dos enunciados dos tribunais locais. Calmon de Passos155 já se posicionava no sentido de sempre conferir eficácia vinculante à jurisprudência dos tribunais superiores:Coisa bem diversa ocorre, a meu ver, quando se trata de decis?o tomada pelo Tribunal Superior em sua plenitude e com vistas à fixa??o de um entendimento que balize seus próprios julgamentos. O Tribunal imp?e diretrizes para seus julgamentos e necessariamente as coloca também para os julgadores de inst?ncias inferiores. Aqui a for?a vinculante desta decis?o é essencial e indescartável, sob pena de retirar-se dos Tribunais Superiores justamente a fun??o que os justifica. Pouco importa o nome de que se revistam – súmulas, súmulas vinculantes, jurisprudência predominante ou o que for obrigam. O artigo 332, I, do CPC156 permite que o magistrado, sem a cita??o do réu, julgue improcedente liminarmente pedido que contrariar enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justi?a. O Enunciado n. 43 do Enfam, por sua vez,157 permite a aplica??o dessa regra ao sistema dos juizados especiais e expande a interpreta??o do inciso IV do artigo 332 do Código de Processo Civilao possibilitar a abrangência aos enunciados e súmulas de seus órg?os colegiados competentes. O Enunciado n. 146 do FPPC158 ainda aduz que os juízes, no momento da aplica??o da improcedência liminar do pedido, devem observar o disposto no artigo 927, IV, ou seja, os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional, bem como os enunciados das súmulas do STJ em matéria infraconstitucional. Assinale-se que esses dispositivos n?o s?o considerados normas meramente programáticas, ou seja, normas em que o legislador, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a lhes tra?ar os princípios para serem cumpridos pelos órg?os (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos).159Assim, outra n?o pode ser a conclus?o sen?o que as súmulas persuasivas foram redimensionadas pelo novo Código de Processo Civil, diploma que optou por uniformizar e negar a aplica??o da característica persuasiva das súmulas em prol de um processo que promova a celeridade processual. 3.3 – Repercuss?o geral no recurso extraordinário Com o objetivo de contribuir para a otimiza??o da atividade jurisdicional do Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional n. 45/01 estabeleceu mais um requisito de admissibilidade recursal, através da cria??o da repercuss?o geral, prevista no artigo 102, §3?, da CRFB. No entanto, o que parece uma novidade já existia, ainda que sob diferentes aspectos, como ensina Luiz Guilherme Marinoni, com a chamada argui??o de relev?ncia da quest?o firmada para conhecimento em sede extraordinária, prevista no artigo 119, III, a e d, c/c §1? da Constitui??o de 1967.160Assinale-se, porém, que agora há uma característica absolutamente distinta: a argui??o de relev?ncia foi construída para que o recurso extraordinário, outrora incabível, fosse apreciado pelo Supremo, tratando-se de um instrumento, portanto, eminentemente inclusivo. Assim, verifica-se o contrário da inten??o embutida na exigência desse requisito de admissibilidade recursal específico para o recurso extraordinário, que tem o cond?o de excluir a possibilidade de aprecia??o pela Corte Suprema. André Tunc161 registra que cabe às Cortes superiores a outorga de poder para selecionar os casos que ser?o apreciados. Assinala ainda que tal tema aparece, com relativa frequência, como uma preocupa??o política. A repercuss?o geral foi definida e detalhada somente com a Lei n. 11.418/06, que acrescentou os artigos 543-A e 543- B ao Código de Processo Civil de 1973. Atualmente, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/15), o tema está disciplinado no artigo 1.035. Assim, pela nova lei, o Supremo Tribunal Federal n?o conhecerá o recurso extraordinário quando a quest?o constitucional envolvida n?o tiver repercuss?o geral. Além disso, tal decis?o é irrecorrível.Da mesma forma que o Código anterior, a atual disciplina preocupa-se em delinear a repercuss?o geral como representando quest?es relevantes sob os aspectos econ?mico, político, social ou jurídico que ultrapassem os limites subjetivos do processo. Desse modo, trata-se de um conceito jurídico indeterminado que deve suplantar o interesse individual e versar sobre quest?es de interesse da sociedade. O próprio artigo 1.035 do CPC/15 foi alterado ainda em vacatio pela Lei n. 13.256/16, que suprimiu o inciso II do parágrafo 3?. Nesse contexto, a repercuss?o geral será reconhecida sempre que o acórd?o contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal u que tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, nos termos do artigo 97 da CRFB. Outro ponto relevante no novo diploma processual foi o reconhecimento da import?ncia do amicus curiae. Inserido incialmente no contexto da interven??o de terceiros, aqui está previsto no parágrafo 4? do supramencionado artigo 1.035 CPC.. Até ent?o, sua atua??o remontava apenas às a??es constitucionais. Instituto comum ao sistema daocommom law, como defende Teresa Arruda,162 o amicus curiae nasce da necessidade de o Direito Processual Civil acompanhar a ótica dos valores evidentemente encampados pela Constitui??o Federal, os quais, presume-se, s?o os valores da na??o brasileira. Trata-se, portanto, de um autêntico colaborador, auxiliando o magistrado no esclarecimento de quest?es afetas ao processo para que, de algum modo, o Poder Judiciário leve em considera??o, no aspecto interpretativo, os valores adotados pela sociedade (representada pelas institui??es).163A nova lei permite que, uma vez reconhecida a repercuss?o geral, o ministro-relator determine a suspens?o da tramita??o de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a quest?o no ?mbito do território nacional. Claramente, a ideia do legislador, aqui, foi assegurar a isonomia, com os jurisdicionados que se encontram em circunst?ncias idênticas recebendo o mesmo tratamento jurídico. Importante assinalar que, como nos recorda Tereza Arruda Alvim,164 mais uma vez as a??es podem estar em primeiro ou segundo graus e se tratar de execu??o, excetuando-se as execu??es de títulos judiciais transitadas em julgado. O que importa, de fato, é prevenir decis?es divergentes da decis?o do Supremo Tribunal Federal. O § 8 do artigo 1.035 do CPC estabelece que, ao ser negada a repercuss?o geral, o presidente, ou o vice-presidente, do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados que versem sobre matéria idêntica. Essa norma serve para racionalizar o sistema, uma vez que outra n?o poderia ser a solu??o, pois, negada a repercuss?o geral, n?o est?o preenchidos os requisitos de admissibilidade do próprio recurso extraordinário. Estabelece-se o prazo de um ano para o julgamento dos processos que têm a repercuss?o geral reconhecida e que, portanto, ter?o preferência sobre os demais. Trata-se de prazo impróprio. Observe-se que, em rela??o ao assunto, a Lei n. 13.256, de 4 de fevereiro de 2016, revogou o § 10?, o qual, notoriamente, trazia consequência negativa para as partes ao determinar que, esgotado esse prazo, os processos seguiriam o curso normal, pois estaria cessada a suspens?o. Mais uma vez, observa-se que um dos objetivos da repercuss?o geral foi atendido, ou seja, imprimir efetividade à presta??o jurisdicional, assegurando melhor atividade judicante; no entanto, alguns autores entendem que isso acabou por afastar o jurisdicionado da jurisdi??o constitucional, que encontrava, no recurso extraordinário, seu mais expressivo meio de acesso.165 3.4 – Senten?a de improcedência liminar do pedido O novo Código de Processo Civil prevê, no artigo 332, a possibilidade de o magistrado julgar improcedente o pedido do autor, independentemente de cita??o do réu, se presentes as hipóteses descritas em seus incisos, como: existência de súmula do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justi?a; acórd?o proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justi?a no julgamento de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidentes de resolu??o de demandas repetitivas ou de assun??o de competência; e enunciado de súmula do Tribunal de Justi?a sobre direito local.A senten?a de improcedência liminar também é admissível quando se está diante de prescri??o ou decadência. Em verdade, esse dispositivo veio substituir a previs?o do artigo 285-A do Código de Processo Civil de 1973, o qual, por sua vez, foi incluído por for?a da Lei n. 11.276/2009 e era bastante controvertido.O referido dispositivo do CPC/73 tinha por objetivo conter o número excessivo de demandas, de modo que muitos juízes aplicavam-no por considerarem que eram causas fadadas ao insucesso, poupando, dessa forma, o próprio réu do ?nus de contratar um advogado e de pagar, desnecessariamente, pelos servi?os cartorários, o que só geraria despesas e perda de tempo.166 ? primeira vista, parece que o artigo 285-A do CPC/73 andou bem no atendimento aos princípios da celeridade, da efetividade e da economia processual, embora, examinado sob outro aspecto, apresentasse grave risco de ofensa ao princípio do contraditório – tanto que a Ordem dos Advogados do Brasil prop?s uma a??o direta de inconstitucionalidade,167 a qual, contudo, até a presente data, n?o foi julgada em definitivo e, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, perdeu o objeto. No entanto, é imperioso analisar esse dispositivo do Código de Processo Civil de 1973 à luz do princípio do contraditório que, ao que parece, n?o foi devidamente contemplado. Esse princípio, que garante às partes o acesso a todo o iter procedimental,168 n?o era contemplado, pois ocorria prola??o da senten?a de improcedência do pedido autoral sem sequer haver a cita??o do réu.O fato é que muitos processualistas defendiam esse instituto – que, inclusive, foi aplicado em sede de juizados especiais. Os tribunais superiores exigiam que o tema em quest?o já tivesse, ao menos, sido tratado pelas inst?ncias superiores, por meio de verbetes sumulares ou de casos semelhantes já apreciados, com o fito de salvaguardar um julgamento ison?mico.169Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, contudo, esse instituto foi substituído pela senten?a de improcedência liminar do pedido, prevista no artigo 332. Logo, de início, é possível verificar a blindagem que o dispositivo recebeu, evitando discuss?es sobre eventuais ofensas ao princípio do contraditório, pois o primeiro enunciado do Fonajef foi exatamente nesse sentido, ao afirmar que o julgamento de mérito de plano ou prima facie n?o viola o princípio do contraditório e deve ser empregado nas hipóteses em que há reiteradas decis?es de improcedência pelo juízo sobre determinada matéria. Os autores que defendem sua utiliza??o, entre eles Rodolfo Hartmann,170 explicam que, na verdade, se trata de uma providência a ser adotada pelo magistrado com o objetivo de melhorar o gerenciamento do tempo do processo, alcan?ando, dessa forma, uma solu??o mais célere do mérito quando há nítida evidência de que o processo estaria fadado ao insucesso. Hartman afirma:Trata-se de uma tutela de evidência prestada em caráter definitivo, pois, como a própria nomenclatura sugere, há evidências da falta do direito alegado. Obviamente, o inverso n?o seria possível, ou seja, uma senten?a liminar de procedência, posto que no processo ainda n?o consta o demandado, nem mesmo lhe foi oportunizada qualquer chance de defesa. Assim, tal dispositivo somente deve ser aplicado nos casos de improcedência, pois tudo continuará como antes.Em suma, somente é cabível a aplica??o da improcedência liminar de mérito quando n?o houver necessidade de dila??o probatória e estiverem presentes as hipóteses elencadas no artigo 332 do CPC/15. O novo Código aponta outro caso que permite a improcedência liminar. ? o caso da senten?a proferida em sede de embargos à execu??o, nos termos no artigo 918, II, que possibilita ao magistrado rejeitar liminarmente os embargos nas hipóteses de indeferimento da peti??o inicial e de improcedência liminar do pedido.Cabe tecer algumas considera??es sobre a senten?a de improcedência liminar do pedido quando o juiz reconhece a prescri??o e a decadência.O Diploma Processual Civil de 2015 estabelece que a prescri??o e a decadência só podem ser reconhecidas pelo magistrado após oportunizar a oitiva das partes, em conformidade com a previs?o do artigo 487, parágrafo único, abrindo, contudo, exce??o justamente para o caso da senten?a de improcedência liminar, ao permitir seu reconhecimento independentemente de as partes se manifestarem.Observa-se, por fim, que o instrumento procurou aclarar o dispositivo anterior, apontando, com precis?o, para as hipóteses que podem levar o juiz a concluir de pronto pela improcedência liminar do pedido autoral. 3.5 – Normas cogentes e aplica??o do prospective overruling A adequada interpreta??o dos arts. 927 e 932, IV, do novo diploma processual civil merece cuidadoso exame.O artigo 927 do CPC/2015 prevê que os juízes e os tribunais devem observar: as decis?es do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórd?os em incidente de assun??o de competência ou de resolu??o de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justi?a em matéria infraconstitucional; e a orienta??o do plenário ou do órg?o especial a que estiverem vinculados. O artigo 932, IV, do mesmo Código, por sua vez, prevê que incumbe ao desembargador relator negar provimento a recurso que for contrário a: súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justi?a ou do próprio tribunal; acórd?o proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justi?a em julgamento de recursos repetitivos e no entendimento firmado em incidente de resolu??o de demandas repetitivas ou de assun??o de competência. Também imp?e ao relator, após facultada a apresenta??o de contrarraz?es, em conson?ncia com o inciso V, dar provimento ao recurso se a decis?o recorrida for contrária à súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justi?a ou do próprio tribunal; ao acórd?o proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justi?a em julgamento de recursos repetitivos e no entendimento firmado em incidente de resolu??o de demandas repetitivas ou de assun??o de competência. Parece, sem dúvida, tratar-se de normas cogentes, ou seja, de observ?ncia obrigatória; do contrário, n?o faria sentido que o legislador as tivesse incluído no texto. A quest?o já foi abordada por alguns autores, que concluíram nesse mesmo sentido. Em primeiro lugar, é preciso analisar o artigo 927 do Código de Processo Civil. Rodolfo Hartmann171 aduz queo dispositivo, inédito, imp?e que os magistrados observem em seus julgamentos os precedentes ali mencionados. N?o chega ao requinte de estabelecer que tais decis?es mencionadas nos seus incisos s?o vinculativas, mas é o que se conclui diante de uma análise sistemática do novo Código de Processo Civil, mormente pela causa de pedir, que pode gerar o uso da via da reclama??o, quando este dispositivo estiver sendo descumprido. Tanto se pode afirmar que se trata de norma cogente que o próprio dispositivo indica, em seus incisos, como o magistrado ou o tribunal devem proceder se pretenderem afastar sua incidência com a altera??o da tese jurídica. ? o overruling assentado no diploma brasileiro, mais precisamente no § 2? do artigo 927. Na sequência, o § 3? do mesmo diploma permite que, na hipótese de altera??o da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos – leia-se, no incidente de resolu??o de demandas repetitivas ou nos recursos especiais e extraordinários repetitivos –, pode haver modula??o temporal dos efeitos da altera??o no interesse social e no da seguran?a jurídica. ? o que se chama de prospective overruling, que, para a doutrina norte- americana, significa a mudan?a de um precedente por meio de decis?o expressa, no sentido de que ele n?o mais deve ser a regra aplicável (controlling law).172 Para a doutrina brasileira, essa possibilidade de posterga??o da produ??o dos efeitos da decis?o é conhecida como “modula??o temporal”, que pode ser definida como uma técnica processual que permite que o Tribunal limite, temporalmente, os efeitos das decis?es, fundamentando tal decis?o no princípio da seguran?a jurídica e no interesse público excepcional.173 O certo é que a modula??o temporal dos efeitos da decis?o é conhecida no meio jurídico, sobretudo no caso de decis?es do Supremo Tribunal Federal, inclusive com permiss?o expressa do artigo 27 da Lei n. 9.868/99,174 diante do risco de grave dano à seguran?a jurídica ou do risco de abalo ao interesse nacional.O Supremo Tribunal Federal já recorreu a essa técnica em diversas situa??es,175 aplicando-a até mesmo quando se vê diante de mera interpreta??o do texto constitucional e no controle difuso de constitucionalidade, mormente quando profere decis?o nos recursos oriundos de outros tribunais em que se questiona a constitucionalidade de leis.176Existem diversos argumentos favoráveis à aplica??o da técnica de modula??o dos efeitos, ou prospective overruling, como narra o professor Humberto Dalla.177 Entre eles, o fato de remediar interpreta??o jurisprudencial eventualmente considerada obsoleta, levando em conta que as decis?es judiciais devem refletir os valores da sociedade moderna, raz?o pela qual imperiosa se faz sua revis?o. Registre-se que o Direito é uma ciência social e, como tal, deve acompanhar a evolu??o da própria sociedade. Humberto Dalla também sustenta que a atribui??o desse efeito prospectivo acaba por resguardar a confian?a dos jurisdicionados no sistema de precedentes e que, em alguns casos, a atribui??o de efeito retroativo traria surpresa aos cidad?os, vulnerando, dessa forma, sua confian?a no sistema. Dessa forma, a aplica??o é importante para proteger a seguran?a nas rela??es jurídicas e resguardar a confian?a dos jurisdicionados. Por outro lado, a técnica n?o está isenta de críticas, inclusive, como ressalta esse mesmo autor, o fato de que uma decis?o judicial com eficácia meramente prospectiva seria apenas um obter dictum, o que acabaria por desestimular o jurisdicionado a apresentar novas teses que solicitassem a revis?o, haja vista que n?o se beneficiaria delas, gerando, assim, acomoda??o.178 A fim de solucionar a primeira crítica, deveria ser aplicado o partial prospective overruling, ou seja, o precedente seria aplicado ao caso concreto em julgamento e, em seguida, aos casos futuros.A segunda crítica reside no fato de a fun??o jurisdicional estar precipuamente dirigida à produ??o de decis?es retroativas. Entende-se que as decis?es dos órg?os jurisdicionais dizem respeito a quest?es que, efetivamente, já ocorreram e que, portanto, a aplica??o desses efeitos prospectivos viria a contrariar a própria fun??o jurisdicional, aproximando-a de uma fun??o eminentemente legislativa. Também na tentativa de afastar a mencionada crítica, sustenta-se que a Corte Constitucional tem, como fun??o, preservar a integridade do sistema normativo constitucional, e n?o apenas apreciar os casos concretos submetidos à sua análise.179 Também merece crítica o que se reconhece como full retroactive application,180 que, na prática, acaba por permitir que um precedente alcance senten?as transitadas em julgado, tornando, dessa forma, absolutamente vulnerável a seguran?a jurídica e a própria atividade jurisdicional. Através de algumas decis?es do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento jurídico brasileiro já está familiarizado com a aplica??o da modula??o temporal. Traz-se, por exemplo, à lume o julgamento da a??o direta de inconstitucionalidade n. 2.240,181 que reconheceu a inconstitucionalidade da Lei n. 7.619, embora tenha mantido sua vigência por 24 meses. Outro caso é o Conflito de Competência n. 7.204-1,182 em que a Corte Constitucional passou a entender que é a Justi?a do Trabalho o órg?o competente para examinar as a??es de indeniza??o por danos materiais e morais decorrentes de acidentes de trabalho, mas afirmou que esse entendimento só seria aplicado a partir da Emenda Constitucional n. 45 , conhecida como Reforma do Poder Judiciário. Acrescentou que os processos que estivessem em curso na Justi?a Estadual, até ent?o competente, continuariam tramitando normalmente, desde que tivessem sido prolatadas senten?as de mérito. Os demais seriam encaminhados à Justi?a do Trabalho, com o perfeito aproveitamento dos atos processuais já praticados. Ressaltando o caráter impositivo da norma e a for?a vinculante dos precedentes, o artigo 932, em seus incisos IV e V, do novo Código de Processo Civil, imp?e ao desembargador que negue provimento ao recurso nas hipóteses elencadas (IV) e que, decorrido o prazo para apresenta??o de contrarraz?es, dê provimento a recurso cuja decis?o a ser revista mostre-se contrária aos provimentos vinculantes estabelecidos no inciso V.Alguns autores têm-se manifestado favoravelmente à inser??o desse dispositivo, afimando tratar-se de um mecanismo que vai ao encontro das novas tendências do Código de Processo Civil de 2015, o qual, notoriamente, contribuiu para a uniformiza??o e a estabiliza??o da jurisprudência.183 Deve-se ressaltar, contudo, que ele n?o cuida apenas das súmulas vinculantes, mas também daquelas que conhecemos como persuasivas, o que, para alguns, implica que os tribunais tenham mais responsabilidade ao consolidar seu entendimento. Por outro lado, isso acabaria por criar, nos tribunais, o receio de alterar bruscamente os entendimentos já consolidados e sumulados,184 o que se acredita ser um dos riscos inerentes ao sistema. Digno de nota, porém, é o fato de que esse mesmo modelo permite o overruling, anteriormente examinado, de modo que esse entendimento possa ser revisto sempre que n?o mais atender às expectativas da sociedade moderna. Conclui-se que o referido dispositivo p?s fim a um debate que permeava a jurisprudência: se era permitido que o relator, monocraticamente, conhecesse e desse provimento ao recurso, sem que antes se intimasse o recorrido. Com o advento da nova disciplina, deve fazer-se presente o contraditório prévio, pois está claramente estabelecido que a decis?o monocrática só poderá ocorrer após facultada a apresenta??o de contrarraz?es.3.6 – Dispensa do reexame necessário diante dos provimentos judiciais vinculantesO artigo 496 do novo diploma processual civil aponta, com inova??es, o princípio do duplo grau de jurisdi??o obrigatório, também chamado de reexame necessário ou remessa ex officio. Esse dispositivo diverge do anterior ao estabelecer patamares em rela??o aos valores de incidência quando da condena??o da Uni?o, estados, municípios e respectivas autarquias e funda??es autárquicas, além da n?o incidência diante dos provimentos vinculantes. Esse princípio foi concebido como uma forma de preservar a Fazenda Pública, submetendo-se ao crivo do reexame, por inst?ncia superior, as senten?as de mérito, podendo o Tribunal reexaminá-las integralmente, modificando-as total ou parcialmente. Esse exame compreende todas as parcelas da condena??o, inclusive de honorários advocatícios.185 Salienta-se que persiste a dúvida se, nesse reexame, a situa??o da Fazenda Pública poderia ser agravada em segunda inst?ncia. Para a maioria dos autores, isso n?o seria possível, pois se está diante de um instrumento protetivo, que busca evitar desgastes ao erário, com vistas a atender ao interesse público. Esse mesmo entendimento é esposado pela Súmula 45 do Superior Tribunal de Justi?a.186 Ocorre que Nelson Nery Junior187 admite essa possibilidade e leciona:Assim, é licito ao Tribunal, no reexame obrigatório, modificar total ou parcialmente a senten?a reexaminada, da forma como entender adequada, podendo piorar a situa??o da Fazenda Pública sem incidir na proibi??o da reformatio in pejus, que atua somente nos recursos, e n?o na remessa necessária, que, como já visto, n?o é um recurso. O equívoco do STJ 45 está em interpretar a remessa necessária como sendo objeto de efeito devolutivo, o que só ocorre nos recursos, como consequência do princípio dispositivo, que n?o é o caso do instituto aqui examinado, regido pelo princípio oposto: o inquisitório. Parece que esse agravamento só seria possível nas hipóteses de recurso voluntário da parte e na aplica??o de quest?es como juros, corre??o monetária, custas, honorários e presta??es vincendas em obriga??es de trato continuado. O dispositivo em comento determina, em resumo, que as senten?as que condenam a Fazenda Púbica a pagar quantias superiores aos valores estabelecidos no artigo 496, § 3?, sejam submetidas a reexame pelo Tribunal. Ocorre que o novo Código se preocupou em afastar a incidência do reexame necessário se a decis?o proferida pelo magistrado estiver em conson?ncia com os provimentos vinculantes elencados no § 4? do artigo 496, como, por exemplo, súmulas de Tribunais Superiores, acórd?os proferidos pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justi?a em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidentes de resolu??o de demandas repetitivas ou de assun??o de competência, bem como na última hipótese, que compreende entendimento coincidente com orienta??o vinculante firmada no ?mbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifesta??o, parecer ou súmula administrativa. Chama a aten??o justamente esse último inciso, o IV do § 4? do artigo 496, pois parece, à primeira vista, que, se o juiz sentenciar considerando aplicável um entendimento administrativo com for?a vinculante na Administra??o Pública, já afastaria a incidência do reexame necessário. A doutrina ainda n?o se manifestou sobre esse dispositivo, mas as discuss?es envolvendo o que se chama de “coisa julgada administrativa” s?o antigas. Para Helly Lopes Meireles,188a denominada coisa julgada administrativa, que, na verdade, é apenas uma preclus?o de efeitos internos, n?o tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicional da Administra??o n?o deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a for?a conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário.Nesse mesmo sentido, Celso Bandeira de Melo:189 Algumas vezes, com a express?o, muito criticada, ‘coisa julgada administrativa’ pretende-se referir a situa??o sucessiva a algum ato administrativo em decorrência do qual? Administra??o fica impedida n?o só de retratar-se dele na esfera administrativa, mas também de questioná-lo judicialmente. Vale dizer: a chamada ‘coisa julgada administrativa’ implica, para ela, a definitividade dos efeitos de uma decis?o que haja tomadoDessa forma, convém assinalar que, diante das hipóteses elencadas nos §§ 3? e 4? do artigo 496, afasta-se a incidência do reexame necessário e, no tocante ao inciso IV, é imperioso entender que, se o magistrado mantiver na senten?a entendimento administrativo com for?a vinculante na própria Administra??o, n?o há que se falar em remessa ex officio. 3.7 – Assun??o de competênciaO novo Código de Processo Civil disciplina, em seu artigo 947, a assun??o de competência, prevendo que, quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante quest?o de direito, com grande repercuss?o social, sem a repeti??o de múltiplos recursos, é possível criar um incidente, encaminhando-o para o órg?o colegiado do referido tribunal, de acordo com previs?o do Regimento Interno. Nesse passo, o acórd?o desse julgamento vinculará todos os juízes e órg?o fracionários, exceto se houver revis?o de tese (overruled).Em verdade, esse dispositivo n?o é novidade, pois o artigo 555, § 1?, do Código de Processo Civil de 1973 já trazia previs?o semelhante, com o claro objetivo de uniformizar o entendimento do Tribunal. No entanto, isso só era permitido quando do julgamento de recursos, como apela??o e agravo. Muitos doutrinadores defendiam que esse instrumento deveria ser estendido para alcan?ar os processos de competência originária dos tribunais, inclusive José Carlos Barbosa Moreira190 e Candido Rangel Dinamarco.191Na li??o de Rodolfo Hartmann,192 a finalidade desse incidente é prevenir eventuais discrep?ncias nas decis?es proferidas entre turmas e c?maras de um mesmo tribunal. Desse modo, na presen?a dos requisitos elencados no caput do artigo 947, o próprio relator, de ofício ou a requerimento das partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública podem dar início a esse incidente, o qual, uma vez aceito, será encaminhado ao órg?o colegiado que tiver atribui??o para apreciá-lo, em conson?ncia com o Regimento Interno vigente. Destaca-se, contudo, que, com a exigência de que se trate de uma quest?o de direito de relev?ncia social, o instrumento recai em dificuldade, pois, em verdade, está-se a lidar com um conceito jurídico indeterminado. Alguns autores tentam definir o que é uma “quest?o de direito relevante”. Segundo a li??o de Luciano Viveiros de Castro:193 Por relevante quest?o de direito, compreende-se a situa??o que envolva teses jurídicas com potencial de gerar o fen?meno da multiplica??o de futuros recursos repetitivos, e, por tal raz?o, tornam oportuna e proveitosa a diligente manifesta??o do Tribunal sobre o assunto objeto de controvérsia. Nesse mesmo sentido, Candido Rangel Dinamarco:194 O vocábulo “quest?o” é empregado no texto da lei em seu puro significado carneluttiano, a designar toda dúvida surgida no espírito do juiz ou levada a ele pelas partes. Tem-se dúvidas quanto aos fatos, ou quest?es de fato, e dúvidas quanto à interpreta??o da lei ou à dimens?o desta e sua pertinência ao caso, ou quest?es de direito. Como é arquinotório, Carnelutti conceituou quest?es como “pontos duvidosos de fato ou de direito”. Essa mesma discuss?o já teve lugar quando se tratou da repercuss?o geral, e parece que o sistema jurídico já evoluiu o suficiente para concluir o que de fato merece aten??o especial, por se refletir, diretamente, em uma parcela significativa da sociedade. Verifica-se, por último, mais um esfor?o do diploma processual, na tentativa de conter o número de demandas judiciais.3.8 – Incidente de resolu??o de demandas repetitivasPrevisto no novo Código de Processo Civil em seus artigos 976 a 987, o incidente, que n?o tem natureza jurídica recursal, pode ser instaurado sempre que se estiver diante de processos que versem sobre idênticas quest?es de direito e que, portanto, possam gerar conflitos ensejadores de grave inseguran?a nas rela??es jurídicas e no que tange à isonomia.O pedido de instaura??o do incidente será dirigido ao presidente do tribunal pelo juiz ou relator, por meio de ofício, ou pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por meio de uma simples peti??o.A desistência ou o abandono do incidente n?o impedem seu exame de mérito, tampouco haverá cobran?a de custas. Caberá ao Regimento Interno do respectivo tribunal regular os detalhes quanto a aspectos procedimentais. O julgamento do incidente caberá ao órg?o indicado pelo Regimento Interno entre aqueles responsáveis pela uniformiza??o de jurisprudência do tribunal. A esse colegiado, incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica, haverá atribui??o de julgamento do recurso, remessa necessária ou causa de competência originária do local que deu origem ao incidente.Est?o previstas amplas divulga??o e publicidade, por meio de registro eletr?nico no Conselho Nacional de Justi?a. A quest?o do prazo para o julgamento do incidente foi prevista em até um ano, com prioridade sobre os demais feitos, à exce??o daqueles que contemplam réu preso e habeas corpus. Ao admitir o incidente, o relator cuidará de suspender os processos individuais ou coletivos que tramitam no estado ou na regi?o, conforme for o caso, e ainda poderá requisitar informa??es aos órg?os em cujo juízo tramitam processos em que se discute o objeto do incidente. Esses órg?os devem atender à requisi??o no prazo de 15 (quinze) dias, intimando-se o Ministério Público para, se quiser, manifestar-se em igual prazo. O artigo 981 prevê a ordem do julgamento do incidente, indicando que o relator fará a exposi??o do respectivo objeto e que podem sustentar suas raz?es, sucessivamente: autor e réu do processo originário, e o Ministério Público, pelo prazo de trinta minutos. Além disso, os demais interessados também podem fazê-lo, pelo prazo de trinta minutos, divididos entre todos, exigindo-se, contudo, a respectiva inscri??o, com a antecedência de dois dias. A tese jurídica, julgado o incidente, será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica quest?o de direito e que tramitem na área de jurisdi??o do respectivo tribunal, inclusive aqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo estado ou regi?o. A tese ainda é admitida em eventuais casos futuros que versem idêntica quest?o de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revis?o, na forma do artigo 983 do projeto. Essa hipótese de revis?o é aquela que permite o reexame da tese jurídica, sendo realizada pelo próprio Tribunal. A n?o observ?ncia da tese adotada no incidente enseja a possibilidade de interposi??o de reclama??o, que pode ser proposta perante qualquer tribunal, competindo seu julgamento ao órg?o jurisdicional cuja competência se busca preservar ou autoridade que se pretenda garantir. Acrescente-se que, do julgamento do mérito do incidente, caberá recurso extraordinário ou especial, obedecendo-se às respectivas hipóteses de cabimento. Inspirado no modelo adotado na Alemanha (Musterverfahren),195 o incidente já foi abordado em diversos enunciados. Há pelo menos nove enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis que cuidam do incidente de resolu??o de demandas repetitivas. Uma das preocupa??es imediatas consistiu em esclarecer que, para a instaura??o desse incidente, n?o há necessidade de existirem outros processos sobre a mesma quest?o unicamente de direito, mas apenas o risco de quebra da isonomia e da ofensa à seguran?a nas rela??es jurídicas.196A lei n?o prevê quais matérias podem ser objeto do incidente. Nesse mesmo diapas?o, tem-se o Enunciado 88.197 Nada impede, porém, que, em determinado momento, haja mais de um incidente proposto no mesmo tribunal sobre a mesma quest?o. Refletindo sobre a quest?o, tem-se mais um enunciado que aponta para a solu??o: a necessidade de apensá-los e processá-los em conjunto. Também aqueles que forem oferecidos posteriormente à decis?o de admiss?o devem ser apensados e sobrestados, devendo, contudo, o órg?o julgador levar em considera??o seus fundamentos.198 Caso a controvérsia aconte?a em juízos de segundo grau distintos, nada impedirá a propositura de mais de um incidente versando sobre idêntica matéria. O Fórum Permanente de Processualistas Civis também disciplinou, por meio de outros enunciados, que caberá ao órg?o colegiado, indicado no respectivo Regimento Interno, o juízo de admissibilidade do incidente de resolu??o de demandas repetitivas, ficando vedada a decis?o monocrática.199 Com rela??o à suspens?o de recursos, o Fórum Permanente de Processualistas Civis esclarece que decorre da admiss?o do Incidente de Resolu??o de Demandas Repetitivas, n?o guardando, portanto, rela??o com a tutela de urgência. Nada impede que a parte ofere?a recurso especial ou extraordinário, dependendo do caso concreto envolvido na decis?o. Da mesma forma, há preocupa??o com a incidência do incidente de resolu??o de demandas repetitivas nos juizados especiais, permitida com a elucida??o em um dos enunciados do Enafam, como o que permite que seja suscitada nos processos em curso nos juizados especiais.200 Registre-se que, admitido o incidente, os processos que apresentem o mesmo objeto e estejam tramitando nos juizados especiais também devem ser suspensos, consignando-se que, se os objetivos consistem na consolida??o do entendimento e na uniformiza??o da jurisprudência, outro n?o poderia ser o entendimento; do contrário, correr-se-ia o risco de uma decis?o em incidente de resolu??o de demandas repetitivas n?o ser aplicada em sede de juizado.A aten??o à entrada em vigor do novo Código, indubitavelmente, deve voltar-se para esse instrumento, até ent?o inexistente no Brasil. Assim, será necessário acompanhar o tratamento a ele conferido nos tribunais, a come?ar pela reformula??o de seus respectivos regimentos internos, com vistas à sua inclus?o e à observ?ncia do sistema, que deve ser criado para expor, de forma clara e eficaz, as teses jurídicas firmadas, visando à ampla utiliza??o pela comunidade jurídica. 3. 9 – Recursos repetitivos no Novo Código de Processo Civil Os recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justi?a surgiram com a Lei n. 11.672/2008, que acrescentou a alínea “c” ao art. 543 do diploma processual civil de 1973.201 Também encontravam previs?o na Resolu??o n. 08 do respectivo Tribunal Superior. Tal medida foi adotada no sentido de permitir a aplica??o da mesma tese jurídica nas situa??es jurídicas idênticas, contribuindo, visivelmente, para a previsibilidade das decis?es e, portanto, para a seguran?a nas rela??es jurídicas – pelo menos esse deve ser o entendimento mais adequado para a multiplica??o de processos. Um recurso é eleito como representativo e, com isso, todos os outros recursos em tr?mite nos Tribunais Regionais Federais e nos Tribunais de Justi?a que versem sobre aquela quest?o restar?o suspensos, aguardando decis?o da Corte Superior, a qual, ent?o, será aplicada a todos. A princípio, n?o merece prosperar ad eternum um recurso se estiver diante de uma quest?o já pacificada. Apesar de n?o determinar efeito vinculante, como ocorre nas súmulas do Supremo Tribunal Federal, essa lei tem funcionado de forma muito eficaz e contribuído significativamente para a redu??o do número de processos. Salientam-se, neste ponto, alguns aspectos procedimentais que envolvem essa lei. Em primeiro lugar, destacamos a quest?o do tribunal de origem, que, ao verificar a existência da controvérsia, deve escolher um recurso e encaminhá-lo ao Superior Tribunal de Justi?a. No entanto, qual critério deve nortear essa escolha? O Tribunal de Justi?a do Rio de Janeiro passou a tratar a matéria na Resolu??o n. 03/2009, porém n?o apontou, por exemplo, se os demais litigantes ter?o acesso ao processo escolhido como par?metro.Quando a escolha é feita pelo próprio Superior Tribunal de Justi?a, a quest?o se torna ainda mais emblemática, pois determina-se a suspens?o dos processos quando, na controvérsia, já existe jurisprudência dominante, sem haver, efetivamente, uma sele??o dentre os recursos oferecidos. Acrescente-se que a lei n?o faz men??o à possibilidade de recurso diante da decis?o que determina a suspens?o dos processos, o que gera críticas quanto a seu conteúdo.202Ressalte-se ainda a presen?a possível, ainda que incomum, do amicus curiae, anteriormente prevista no § 4? do art. 543-C do CPC/73, o qual, por sua vez, também tornou obrigatória a presen?a do Ministério Público.A própria lei deixou a cargo dos tribunais de segunda inst?ncia, no ?mbito de sua competência, e do próprio Superior Tribunal de Justi?a a possibilidade de estabelecer, mediante resolu??o, os procedimentos relativos ao processo e ao julgamento do recurso especial nos casos que envolvem recursos repetitivos.Recentemente, com o advento da Lei n. 13.015, de 21 de julho de 2014, que entrou em vigor em setembro de 2015, repetiu-se praticamente a sistemática dos recursos repetitivos agora na Justi?a do Trabalho com o previsto no artigo 896-C da Consolida??o das leis do Trabalho. Registre-se a previs?o que imp?e, sob pena de n?o conhecimento do recurso de revista, a necessidade de se indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orienta??o jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho que conflite com a decis?o regional, exigindo mais aten??o por parte dos operadores do direito para sua correta indica??o. Apesar de as orienta??es jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho n?o terem for?a vinculante explícita, servem como par?metro para as decis?es em primeira inst?ncia, em prol dos princípios da economia processual e da razoável dura??o do processo repetindo a lógica presente nos recursos repetitivos junto ao Superior Tribunal de Justi?a.Mais uma vez, busca-se refor?ar a ideia presente na moderna sistemática processual quanto à necessária diminui??o do número de demandas, com a cria??o de diversos instrumentos. Nesse sentido, os recursos repetitivos foram mantidos no Novo Código de Processo Civil. Após a Emenda Constitucional n. 45, foi promulgado o “Pacto de Estado por um Judiciário mais Rápido e Republicano”, tendo, entre suas prioridades, a redu??o do número de processos nos tribunais superiores. Nesse sentido, posteriormente foi delineada, como já assinalado, a ideia dos recursos repetitivos como mecanismos que contribuiriam para a redu??o do número de processos, sobretudo nesses tribunais. Assim, conforme previs?o contida nos artigos. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil vigente, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica quest?o de direito, haverá afeta??o para julgamento, de acordo com as disposi??es contidas no próprio código, observando-se o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justi?a. Permite-se, ent?o, que sejam escolhidos, pelo presidente ou vice-presidente do tribunal local ou do Tribunal Regional Federal, e também pelo próprio relator, como bem aponta o parágrafo 5? do artigo 1.036, dois ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais ser?o encaminhados aos respectivos tribunais para análise, decretando-se a suspens?o de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem na regi?o ou no estado. Nesse sentido, Talamini203 nos recorda: Trata-se daquilo que Barbosa Moreira, referindo-se às normas aplicáveis ao Supremo Tribunal Federal, apropriadamente chamou de julgamento do recurso “por amostragem”, express?o agora aplicável também ao Superior Tribunal de Justi?a. Quando a mesma quest?o de direito for reiterada em uma grande quantidade de recursos, seleciona-se um deles, ou um pequeno conjunto, que retrate adequadamente a controvérsia. Este recurso “amostra”, ou o conjunto deles, será decidido primeiramente pelo STJ – e o que decidir quanto a ele (decis?o-quadro), em regra, poderá ser aplicado aos demais, que até ent?o permanecer?o sobrestados. Note-se que n?o é necessário que os vários recursos sejam todos no mesmo sentido e contra decis?es que tenham adotado uma mesma e única orienta??o. O fundamental é que todos versem sobre a mesma quest?o. Podem existir recursos em sentidos opostos, contra decis?es antag?nicas entre si, mas todos versando sobre idêntica quest?o de direito. Todos dever?o ser reunidos no mesmo procedimento de julgamento por amostragem.Em primeiro lugar, cumpre destacar que inexistem critérios de ordem objetiva para a escolha dos recursos que servir?o de paradigma e ser?o efetivamente analisados pelos tribunais superiores. Acredita-se que o correto seria a imposi??o, por parte do legislador, de algum balizador para a elei??o desses recursos.Em seguida, destacam-se o papel do relator e a percep??o, que o legislador teceu a minúcias, sobre suas atribui??es, conforme destaca o artigo seguinte. Finalmente, uma quest?o muito importante é a possibilidade do distinguish pela parte prejudicada, caso entenda que seu caso n?o é semelhante aos demais. Assim, portanto, o processo n?o poderia restar sobrestado, sendo, assim, solicitado o prosseguimento do feito. Da decis?o que resolver esse requerimento, caberá agravo de instrumento se o processo estiver em primeiro grau, ou agravo interno, se for decis?o de relator em órg?o colegiado.204Após a manifesta??o do Ministério Público, tem-se aqui oportunidade para a manifesta??o de pessoas, órg?os ou entidades que expressem seu interesse na controvérsia. ? a figura do amicus curiae. Salienta-se que o Superior Tribunal de Justi?a205 continua entendendo que o pedido de interven??o, nessa qualidade, deve ser realizado antes do início do julgamento pelo órg?o colegiado.Humberto Dalla Bernardina de Pinho206 assinala que, após a fase de manifesta??o do Ministério Público e demais interessados, o recurso será incluído em pauta, com preferência sobre os demais, exceto habeas corpus e processos que envolvam réu preso, e que o conteúdo do acórd?o deverá abranger a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida. Trata-se também de uma oportunidade para a realiza??o do overruling, provocando, dessa forma. a inst?ncia superior para que leve em considera??o a superveniência de circunst?ncias que, necessariamente, conduzam à altera??o de entendimento firmado no recurso-paradigma, como, por exemplo, mudan?as no contexto fático, de natureza ideológica ou até mesmo inova??es tecnológicas que venham a repercutir diretamente no caso.207 Quanto à possibilidade de se realizar o overruling, trazemos a posi??o de Fredie Didier Junior:208 A demonstra??o de que há um distinguish ou um overruling deve ser feita perante tribunal superior, e n?o perante o tribunal local. Parece mais adequado que se admita uma reclama??o constitucional ao tribunal superior para que determine ao tribunal local que n?o mantenha o recurso sobrestado, por n?o versar sobre o mesmo assunto do recurso escolhido para julgamento por amostragem ou por n?o se aplicar mais o precedente, em raz?o de um novo contexto fático ou normativoO próprio Superior Tribunal de Justi?a, por ocasi?o do julgamento de uma quest?o de ordem em agravo de instrumento, reconheceu os riscos da imutabilidade das decis?es, caso as portas dos tribunais superiores n?o estivessem abertas para eventual rediscuss?o. Felizmente, esses posicionamentos refor?am a ideia de que os recursos repetitivos concebidos como medida de conten??o da avalanche de recursos junto aos tribunais superiores n?o encerram a possibilidade da distin??o e das modifica??es necessárias decorrentes da evolu??o da sociedade e do próprio Direito.3.10 – Papel do Conselho Nacional de Justi?a (CNJ) nos provimentos judiciais vinculantesA Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2001, também conhecida como Reforma do Poder Judiciário, criou o Conselho Nacional de Justi?a – institui??o pública que visa aperfei?oar o sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência no ?mbito administrativo e processual, contribuindo, dessa forma, para uma presta??o jurisdicional eficaz e efetiva, atendendo à moralidade em benefício da sociedade brasileira.209O CNJ atua diretamente nas quest?es que envolvem a cria??o de políticas judiciárias, atendimento e servi?o aos cidad?os. Também tem atua??o direta na gest?o judiciária e na elabora??o de relatórios semestrais, a fim de garantir que os tribunais atuem de forma eficaz, célebre e dentro dos padr?es da moralidade. Sua esfera de atua??o inclui, ainda, processos administrativos disciplinares. Além disso, o CNJ desenvolve programas nas mais diversas áreas, abrangendo meio ambiente, direitos humanos e tecnologia.Recentemente, o Conselho Nacional de Justi?a realizou extensa pesquisa intitulada “A for?a normativa do direito judicial: uma análise da aplica??o prática do precedente no direito brasileiro e de seus desafios para a legitima??o da autoridade do Poder Judiciário”. A pesquisa, que reúne dados coletivos entre os meses de novembro de 2013 e fevereiro de 2014, portanto sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, teve por objetivo revelar a compreens?o que o Poder Judiciário tem sobre o direito jurisprudencial e o precedente judicial.Procurou-se, especificamente, compreender os motivos pelos quais os juízes se desviam da aplica??o dos precedentes, principalmente por meio do distinguishing, a maneira como s?o utilizados os mecanismos que garantem essa aplica??o, as dificuldades que têm representado para a correta individualiza??o do Direito e para a contribui??o da racionalidade, a coerência do sistema jurídico e, por fim, a contribui??o dos mecanismos previstos no ent?o projeto do Código de Processo Civil, hoje Lei n. 13.105/15, para a aplica??o dos precedentes nos tribunais brasileiros.210Em suma, a pesquisa mostra que, à época em que foi desenvolvida, o Poder Judiciário era severamente criticado pela aplica??o um tanto quanto simplista das súmulas no momento do julgamento. No entanto, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, tal quest?o se mostra superada, uma vez que o artigo 499 da Lei n. 13.105/15 exige que o magistrado fundamente adequadamente sua decis?o, seja pela aplica??o dos precedentes, seja por seu afastamento, com a correta aplica??o da técnica do distinguishing, sob pena de nulidade.Outro ponto levantado foi a obrigatoriedade de se preencherem os requisitos para a promulga??o das súmulas vinculantes, como, por exemplo, a necessidade de existirem reiteradas decis?es, pois, com frequência, a falta de observ?ncia aproxima a súmula de critérios de conveniência e oportunidade, o que, de certa forma, torna-a perigosamente próxima de um discurso legislativo.211 Consiste em preocupa??o real a elabora??o de súmulas fundadas em conceitos indeterminados, valorativos e interpretativos que “v?o além da regra judicial fundamentada na jurisprudência”. Revelou-se ainda a preocupa??o com alguns dispositivos do Código de Processo Civil de 1973, como o § 1? do artigo 518,212 que permitia que o recurso de apela??o n?o fosse recebido pelo magistrado na hipótese de a decis?o estar alinhada às súmulas dos tribunais superiores.O novo Código de Processo Civil acabou por ampliar esses poderes, ao retirar o juízo de admissibilidade na apela??o do juiz de primeiro grau, o qual, conforme prevê a nova reda??o, deverá t?o somente encaminhar o recurso ao tribunal, após o prazo das contrarraz?es recursais. O tribunal, por sua vez, por intermédio do desembargador-relator, negará provimento ao recurso, conforme previsto no artigo 932, IV, ou lhe dará provimento se estiverem presentes as condi??es elencadas no inciso seguinte. Tomando por base essa pesquisa, é possível perceber que a preocupa??o dos jurisdicionados seguirá, exigindo-se, dessa forma, mais cuidado dos tribunais quando de sua aplica??o.Relatou-se um problema quanto às reclama??es constitucionais dirigidas ao Supremo Tribunal Federal, por for?a das disposi??es alinhadas no artigo 102, I, alínea “L”, da CRFB,213 entendendo-se que os próprios ministros encontram dificuldade em concordar sobre quais elementos de suas próprias decis?es vinculariam os futuros casos. A pesquisa em comento ressaltou que tal dificuldade se dá porque se adota o modelo de decis?o conhecido como seriatim, ou seja, aqueles que se caracteriza pela multiplicidade de votos, mesmo quando há conson?ncia entre as partes sobre a decis?o a ser tomada.A pesquisa demonstrou ainda que a ratio decidendi encontrava-se na fundamenta??o das decis?es, e n?o no dispositivo, sugerindo que o ideal seria que os ministros adotassem a regra, após a leitura de seus votos, de indicar os pontos de consenso ou as regras que serviriam como par?metro para as futuras decis?es.214 Por derradeiro, também apontou a falta de responsividade e a ausência de plena motiva??o como problemas relevantes tanto no momento da cria??o do precedente quanto na hora de sua aplica??o pelos tribunais.Espera-se que o novo Código de Processo Civil resolva a quest?o que diz respeito à detalhada fundamenta??o das decis?es judiciais, prevista no art. 489, §1?, em especial nos incisos IV e V, os quais exigem que, para que a decis?o seja tida como fundamentada, n?o se limite a indicar os precedentes ou enunciados de súmulas, identificando também seus fundamentos e demonstrando que o caso se ajusta à hipótese em apre?o (ou se a decis?o deixar de seguir os provimentos vinculantes, que demonstre adequadamente o distinguish ou indique sua supera??o overruling).CAP?TULO 4PROVIMENTOS JUDICIAIS VINCULANTESE SUA COMPATIBILIZA??O COM OS PRINC?PIOS CONSTITUCIONAISOs princípios215 têm, em regra, quatro fun??es básicas previamente definidas: inspira??o para o legislador, contribui??o interpretativa, suprimento de lacunas e sistematiza??o do ordenamento, contribuindo para lhe conferir sentido harm?nico.216O papel dos princípios é fundamental no Estado Democrático Constitucional e imprescindível para garantir a existência fecunda do processualismo constitucional contempor?neo, burilado a partir da observ?ncia dos princípios processuais constitucionais, como isonomia, acesso à justi?a, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, juiz natural, motiva??o das decis?es judiciais, entre outros. Nesse sentido, leciona Candido Rangel Dinamarco:217 A Constitui??o formula princípios, oferece garantias e imp?e exigências em rela??o ao sistema processual com um único objetivo final, que se pode qualificar como uma garantia-síntese e é o acesso à justi?a, mediante a concess?o em “tempo razoável”, de uma decis?o de mérito justa e efetiva. Mediante este conjunto de disposi??es, a Constitui??o Federal quer afei?oar o processo a si mesma, de modo que ele reflita, em menor escala, o que, em escala maior, está na base do próprio Estado de Direito (legalidade, devido processo legal, participa??o em contraditório). Ela quer um processo pluralista, de acesso universal, participativo, ison?mico, liberal, transparente, conduzido com impessoalidade por agentes previamente definitivos e observ?ncia das regras, sem excessos etc. – porque assim ela mesma exige que seja o próprio Estado e assim é o modelo político da democracia.O novo Código de Processo Civil preocupou-se em reproduzir, logo na parte geral, os princípios constitucionais, refor?ando a ideia de que todos os envolvidos nas demandas judiciais devem observá-los, na medida de suas respectivas atua??es. Após abordar os provimentos judiciais vinculantes como súmulas vinculantes ou n?o, os enunciados dos Tribunais, as teses jurídicas firmadas em incidentes de resolu??o de demandas repetitivas, em assun??o de competência e em recursos repetitivos, é imperioso analisar se eles se compatibilizam ou n?o com os princípios constitucionais. Para tanto, faz-se necessário entender, em primeiro lugar, o significado de cada um, além da extens?o e das regras de interpreta??o de aplicabilidade, para, só ent?o, partir para o exame, relacionando-os com o sistema de provimentos judiciais vinculantes.Entre os princípios existentes, foram escolhidos o acesso à justi?a, ou inafastabilidade do controle do Poder Judiciário, a isonomia, ou igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa, a independência dos magistrados e a dura??o razoável do processo. Passa-se à análise dos provimentos judiciais vinculantes e de sua compatibiliza??o com os princípios constitucionais vigentes.4.1 – Princípio de acesso à justi?a e atendimento à celeridade e efetividade do processo Inicialmente, examina-se o princípio de acesso à justi?a ou da inafastabilidade de controle do Poder Judiciário, previsto no artigo 5?, XXXV, da CRFB.218O princípio em quest?o garante que as partes tenham acesso ao Poder Judiciário e imp?e, por outro lado, que o Estado exer?a sua atividade jurisdicional. Para que, efetivamente, se possa dizer que o princípio de acesso à justi?a foi atendido, torna-se imperioso verificar a coexistência de outros fatores: celeridade e efetividade na presta??o jurisdicional. Como se pode afirmar que o acesso à justi?a está garantido se o deslinde da quest?o imposta somente ocorre por meio de uma senten?a prolatada dez anos depois do ajuizamento? Resta evidente que tal circunst?ncia n?o mais se coaduna com o que se espera do Poder Judiciário, o qual deve, sim, atender satisfatoriamente a entrega da presta??o jurisdicional de forma célere e efetiva.? preciso, pois, ressaltar a import?ncia do trabalho do Conselho Nacional de Justi?a ao estabelecer e exigir o cumprimento de metas, de modo que os processos n?o perdurem por tanto tempo. Nesse mesmo sentido, a li??o de Humberto Dalla Bernardina de Pinho.219N?o se trata, portanto, de mera garantia de acesso ao juízo (direito à a??o), mas de própria tutela (prote??o) jurisdicional (adequada, tempestiva e, principalmente, efetiva) a quem tiver raz?o. Ou seja, significa o próprio acesso à justi?a. Frise-se, no entanto, que esse direito à presta??o jurisdicional n?o é incondicional e genérico, sujeitando-se a condi??es da legisla??o processual e do direito substantivo. O princípio do acesso à justi?a, portanto, merece cuidadosa leitura na atualidade, pois n?o há como confundi-lo com a simples possibilidade de ingressar com demandas no Judiciário, mas de alcan?ar uma resposta rápida e efetiva. Cabe ressaltar que o atual sistema, como já abordado no segundo capítulo, acaba por alimentar o que se conhece por demandismo, afastando a incidência efetiva de utiliza??o dos meios de autocomposi??o e heterocomposi??o de conflitos. Ada Pellegrini Grinover220 destaca: O elevado grau de litigiosidade, próprio da sociedade moderna, e os esfor?os rumo à universalidade da jurisdi??o (um número cada vez maior de pessoas e uma tipologia cada vez mais ampla de causas que acedem ao Judiciário) constituem elementos que acarretam a excessiva sobrecarga de juízes e tribunais. E a solu??o n?o consiste exclusivamente no aumento de magistrados, pois, quanto mais fácil for o acesso à justi?a, quanto mais ampla a universalidade da jurisdi??o, maior será o número de processos, formando uma verdadeira bola de neve.Assim, o novo diploma processual civil preocupou-se em refor?ar o princípio constitucional ao tratar das normas gerais precisamente no artigo 3?.221 No entanto, de nada adianta refor?ar a existência do princípio do acesso à justi?a enquanto n?o for possível incutir no jurisdicionado a no??o de uso com responsabilidade. Deve-se, sim, usar o aparato judicial no ?mbito civil, diante de uma les?o ou amea?a a direito, mas depois de tentar solucionar o litígio por meio de outros mecanismos.A busca pela solu??o do conflito através de acordo entre as partes é possível e foi estimulada com o novo Código de Processo Civil. Esse mesmo diploma cuidou até mesmo de permitir, especificamente no artigo 190,222 o que se conhece por negócios processuais, ou seja, em se tratando de processos que admitam autocomposi??o, permite-se que as partes plenamente capazes estipulem mudan?as no procedimento a fim de ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre seu ?nus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Insta salientar que a própria lei imp?e limites a essas conven??es. Caberá ao magistrado (inclusive de ofício) recusar a aplica??o do convencionado pelas partes se estiver diante de nulidade, de inser??o de cláusula abusiva em contrato de ades?o ou até mesmo em casos nos quais uma das partes esteja em evidente circunst?ncia de vulnerabilidade.Aqui, abrem-se parênteses para destacar que a nova lei permitiu, diante de mera interpreta??o literal, a inser??o de cláusula de conven??o processual nos contratos de ades?o. Assim, acredita-se que, muito em breve, t?o logo as grandes empresas fa?am uso dessa cláusula em seus contratos, os futuros litígios decorrentes desses contratos se transformar?o em incontáveis processos judiciais. Tal iniciativa é excelente, mas questiona-se, de início, a pouca aplica??o: se no Brasil as partes n?o conseguem reunir-se para discutir o direito material em quest?o, quanto mais fazê-lo em quest?es afetas ao procedimento. Por outro lado, acredita-se que esse cenário mudará t?o logo os envolvidos descubram que, ao recorrerem a esse dispositivo, poder?o alcan?ar resultados com mais rapidez. Talvez esse seja o grande chamariz para a aplica??o dos negócios processuais e também da chamada calendariza??o prevista no artigo seguinte, de número 191,223 do CPC, que exige a presen?a do juiz para que, junto com as partes, o calendário possa ser fixado. Mauro Cappelletti afirma que é preciso reconhecer os três obstáculos essenciais que o princípio do acesso à justi?a enfrenta na atualidade: obstáculo econ?mico, geográfico e burocrático.224O primeiro – obstáculo econ?mico – direciona-se aos custos da justi?a, que abrangem honorários advocatícios, honorários de peritos e demais custas e taxas judiciárias. A parcela da popula??o brasileira economicamente hipossuficiente disp?e da garantia da assistência judiciária gratuita, por meio da Defensoria Pública, que, contudo, conta com inúmeras dificuldades para atender adequadamente a uma parcela da sociedade que só faz aumentar a cada ano em todo o Brasil. O segundo obstáculo diz respeito às barreiras geográficas, levando-se em conta que o Brasil é um país de dimens?es continentais, raz?o pela qual boa parte da popula??o acaba fisicamente distante das capitais. Assim, ainda que existiam comarcas do interior, n?o há um número suficiente para atender a todos.O terceiro e último obstáculo é a burocratiza??o do sistema. Leonardo Greco225 aponta que o desemparelhamento da máquina judiciária, a má remunera??o, a falta de forma??o técnico-profissional dos serventuários e a inadequa??o da estrutura judiciária para enfrentar o excessivo número de demandas s?o os principais motivos que corroboram para tornar “vantajosa a posi??o do devedor, a litig?ncia de má-fé, a inadimplência, a prática de atos procrastinatórios, especialmente pelas pessoas jurídicas de Direito Público, a produ??o de provas inúteis e a contesta??o de direitos incontestáveis, sobrecarregando a justi?a e dificultando e retardando o acesso do cidad?o ao pleno gozo individual de seus direitos”.226Assim, nesse cenário, os provimentos judiciais vinculantes desempenham papel significativo, pois corroboram, a princípio, o fiel cumprimento do princípio do acesso à justi?a. A ideia é que auxiliem a diminui??o de custos, tempo e esfor?os das partes com demandas intermináveis e desnecessárias quando, de antem?o, logo na primeira inst?ncia, o jurisdicionado pode alcan?ar uma resposta do Poder Judiciário, em conson?ncia com o entendimento das Cortes hierarquicamente superiores, evitando-se, dessa forma, recursos inúteis. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni227 defende que a ado??o desse sistema auxilia na redu??o de despesas, de tempo e também de todos os transtornos que, notoriamente, s?o comuns em litígios. Dessa forma, pouparíamos à parte que tem um direito respaldado em um precedente das Cortes Superiores a interposi??o de um recurso para ter, de forma objetiva, seu direito tutelado. Marinoni também defende que obrigar a parte a litigar desnecessariamente viola o direito fundamental à tutela jurisdicional e também o da razoável dura??o do processo.228 Isso sem contar que o uso de provimentos judiciais vinculantes funciona como um verdadeiro desestímulo à litig?ncia. N?o se pode confundir acesso à justi?a com o desenfreado estímulo à litig?ncia. A esse respeito, Marinoni assinala quen?o há dúvida que a preocupa??o com a quest?o do acesso à justi?a n?o deve levar ao estímulo à litig?ncia. Descabe confundir acesso à justi?a com facilidade de litigar. A propositura de uma a??o tem profundas implica??es de ordem pessoal e econ?mica, devendo constituir uma op??o feita a partir de um processo de reflex?o em que sejam considerados, de modo racional, os prós e os contras que podem advir da instaura??o do processo judicial.O sistema de provimentos judiciais vinculantes acaba por dissuadir a parte a propor demandas quando, de antem?o, ela conhece a posi??o do tribunal sobre o tema e, portanto, reconhece como infrutífera qualquer tentativa de alcan?ar um resultado diverso que lhe possa ser favorável.229 Marinoni230 consigna que uma situa??o desse tipo acaba por gerar uma verdadeira “loteria”, ou seja, o Poder Judiciário acabaria sendo visto como uma casa lotérica, na qual a parte tentaria a sorte, o êxito na demanda. No entanto, isso implica elevados gastos para a máquina estatal, que, diante da ausência de uma solu??o jurisdicional para a quest?o, vê-se diante de inúmeras demandas que questionam o mesmo pedido, o que, consequentemente, torna a justi?a lenta e “destituída de conferir adequada aten??o aos conflitos”.Além disso, pode-se afirmar que esse sistema favorece o estabelecimento de acordos entre as partes, uma vez que elas conhecem a posi??o a ser tomada pelo tribunal, o que, portanto, as ajuda a flexibilizar e tratar com bastante racionalidade uma proposta de acordo. Essa possibilidade reduz, de forma significativa, o número de demandas, contribuindo para a racionaliza??o do Poder Judiciário. 4.2 – Princípio da isonomia Insculpido no caput do artigo 5? da CRFB, o princípio da isonomia,231 também denominado igualdade das partes, pretende “restabelecer o equilíbrio entre as partes e possibilitar a sua livre e efetiva participa??o no processo, como corolário do devido processo legal”.232 Além dessa previs?o constitucional, o princípio também encontra assento no Código de Processo Civil de 2015, precisamente no artigo 7?. Uma leitura mais cuidadosa do alcance desse princípio permite afirmar que é preciso garantir às partes, no curso da instru??o processual, paridade de armas, permitindo-se, inclusive, que o magistrado adote medidas e providências específicas para assegurar o respectivo atendimento. Para Leonardo Greco,233as partes devem ser tratadas com igualdade, de tal modo que desfrutem concretamente das mesmas oportunidades de sucesso final, em face das circunst?ncias da causa. Para assegurar a efetiva paridade de armas, o juiz deve suprir, em caráter assistencial, as deficiências defensivas de uma parte que a coloquem em posi??o de inferioridade em rela??o à outra, para que ambas concretamente se apresentem nas mesmas condi??es de acesso à tutela jurisdicional dos seus interesses. Essa equaliza??o é particularmente importante quando entre as partes exista rela??o fática de subordina??o ou dependência, como nas rela??es de família, de trabalho, de consumo.Objetivamente, deve-se ponderar se os provimentos judiciais vinculantes est?o em conson?ncia com o que se espera desse princípio. Hélio Ricardo Diniz Krebs234 defende que esse sistema presta deferência ao princípio da igualdade, até mesmo porque foi criado originariamente e tem como pressuposto básico a express?o treat likes cases alike.Defendendo que a universalidade está estreitamente ligada ao princípio da igualdade e justificando que, dessa forma, o sistema está em perfeita conson?ncia com seus objetivos, tem-se José Rogério Cruz e Tucci,235 que assinala tratar-se de “uma exigência natural de que casos substancialmente iguais sejam tratados de modo semelhante. ? ele, com efeito, o componente axiológico que sempre revestiu a ideia de justi?a como qualidade formal”.N?o se pode olvidar que os provimentos judiciais vinculantes contribuem de forma significativa para a despersonaliza??o das demandas, uma vez que casos iguais ter?o o mesmo desfecho. Isso ajuda até mesmo na aceita??o das decis?es, pois, se uma parte tem um desfecho diferente de outra em situa??o jurídica idêntica, fica com a clara sensa??o de injusti?a e desconfian?a. A ado??o desse sistema, portanto, minimiza tal efeito.236 4.3 – Princípio do contraditório e da ampla defesa O artigo 5?, LV, da CRFB237 cuida dos princípios do contraditório238 e da ampla defesa. Conforme ensina Humberto Dalla Bernardina de Pinho, esse princípio “imp?e que seja observado verdadeiro diálogo, com participa??o das partes, que é a garantia n?o apenas de ter ciência de todos os atos processuais, mas de ser ouvido, possibilitando a influência na decis?o”.O contraditório e a ampla defesa constituem, em conjunto com o princípio da isonomia, a garantia de equilíbrio entre as partes.239 Insta salientar que o novo Código de Processo Civil cuida do contraditório no artigo 9?, ao indicar que o juiz n?o deverá proferir decis?o contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida, o que, na verdade, se trata da relev?ncia do contraditório participativo, da mesma forma que a imposi??o delineada no artigo seguinte, que aduz que o juiz n?o pode decidir, em grau algum de jurisdi??o, com base em fundamento a respeito do qual n?o se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Expressiva, portanto, foi a preocupa??o do novo diploma em assegurar o contraditório participativo.240Neste ponto, cabe uma manifesta??o acerca do termo adotado pela doutrina atual, sobretudo diante do novo Código de Processo Civil, o outrora mencionado “contraditório participativo”. O emprego dessa terminologia, contudo, suscita questionamentos. Candido Rangel Dinamarco o afirma como inadequado e redundante, pois, se o próprio contraditório é tido como participa??o, jamais seria possível conceber um contraditório que n?o fosse participativo.241Mesmo assim, o próprio diploma legal aponta exce??es, as quais permitem ao magistrado tomar decis?es sem antes submetê-las ao contraditório, como é o caso das tutelas de urgência e de algumas hipóteses de tutela de evidência. ? o que se chama de contraditório diferido, que acaba por resultar em uma pondera??o de interesses entre o próprio acesso à justi?a e os princípios do contraditório e da ampla defesa. Da li??o de Leonardo Greco242 sobre o princípio do contraditório, destaca-se a seguinte passagem:Ninguém pode ser atingido por uma decis?o judicial na sua esfera de interesses sem ter tido ampla possibilidade de influir eficazmente na sua forma??o. O contraditório é consequência do princípio político da participa??o democrática e pressup?e: a) audiência bilateral: adequada e tempestiva notifica??o do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais através de comunica??es preferencialmente reais, bem como ampla possibilidade de impugnar e contrariar os atos dos demais sujeitos, de modo que nenhuma quest?o seja decidida sem essa prévia audiência das partes; b) direito de apresentar alega??es, propor e produzir provas, participar da produ??o das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de ofício pelo juiz e exigir a ado??o de todas as providências que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunst?ncias da causa e as imposi??es do direito material; c) congruidade dos prazos: os prazos para a prática dos atos processuais, apesar da brevidade, devem ser suficientes, de acordo com as circunst?ncias do caso concreto, para a prática de cada ato da parte com efetivo proveito para a sua defesa; d) o contraditório eficaz é sempre prévio, anterior a qualquer decis?o, devendo a sua posterga??o ser excepcional e fundamentada na convic??o firme da existência do direito do requerente e na cuidadosa pondera??o dos interesses em jogo e dos riscos da antecipa??o ou da posterga??o da decis?o; e) o contraditório participativo pressup?e que todos os contra interessados tenham o direito de intervir no processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e que preservem o direito de discutir os efeitos da senten?a que tenha sido produzida sem a sua plena participa??o.? relevante discutir se os provimentos judiciais vinculantes – sobretudo aquelas situa??es que permitem ao magistrado julgar improcedente o pedido do autor, independentemente da cita??o do réu, o que ocorre na senten?a de improcedência liminar do pedido, apontada no artigo 332 do Código de Processo Civil –243 ofendem ou n?o os princípios do contraditório e da ampla defesa. Essa discuss?o já fora travada quando da vigência do Código de Processo Civil de 1973, em rela??o ao artigo 285-A,244 que permitia que o juiz julgasse improcedente o pedido autoral caso se estivesse diante de uma quest?o de direito e de um número expressivo de a??es que já tivessem sido julgadas improcedentes naquele juízo, evitando-se, assim, a procrastina??o do feito nos casos em que já se conhecia a posi??o dos tribunais superiores sobre o tema. Apesar do espanto inicial, dada a ausência de cita??o do réu, o dispositivo foi bem aceito pela doutrina e aplicado nas cortes, pois entendeu-se sua contribui??o no que tange ao atendimento aos princípios do contraditório e ampla defesa. Uma crítica reiterada à época foi o fato de inexistir um mecanismo que permitisse que o réu tomasse conhecimento de que um dia fora judicialmente demandado, ainda que n?o tivesse motivos para se preocupar com isso, considerando-se a improcedência do pedido autoral. Na prática, o réu só tomaria conhecimento da existência da demanda se o autor apelasse da senten?a de improcedência, pois, dessa maneira, o réu seria citado para apresentar as contrarraz?es na apela??o. Essa considera??o foi sanada com o novo Código de Processo Civil ao estabelecer a previs?o do artigo 332, que, como já mencionado, retrata a senten?a de improcedência liminar do pedido, uma vez que o parágrafo 2? determina que o réu será intimado do tr?nsito em julgado da demanda.Conclui-se, portanto, que a senten?a de improcedência liminar do pedido prevista no novo Código de Processo Civil n?o ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, levando-se em conta a inexistência de prejuízos para a parte ré e por se tratar de um mecanismo que visa assegurar celeridade e efetividade na presta??o jurisdicional. Outro ponto que merece destaque no confronto com os princípios constitucionais diz respeito às súmulas vinculantes. Como outrora reportado, trata-se de provimentos judiciais vinculantes que obrigam n?o só o Poder Judiciário, mas também a Administra??o Pública, a adotar a orienta??o imposta pelo Supremo Tribunal Federal.Erick Navarro245 enumera sistematicamente os argumentos contrários às súmulas vinculantes, como a incompatibilidade com o princípio que estabelece a separa??o de poderes, o estancamento da evolu??o da jurisprudência e, consequentemente, do direito, a restri??o à liberdade de decidir, a indevida substitui??o da fundamenta??o das decis?es judiciais pela mera referência à sumula vinculante, o fracasso da ado??o por outras democracias constitucionais, a viola??o ao princípio democrático e, por, fim aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Este último ponto merece destaque porque a doutrina considera que esses princípios n?o podem ser desrespeitados ao argumento de celeridade processual.246 Por outro lado, é tido como a principal proposta com vistas à otimiza??o do tempo no processo, representando, portanto, importante instrumento para o atingimento do objetivo constitucional da razoável dura??o do processo. 4.4 – Princípio da independência dos magistradosCorolário do princípio da separa??o dos poderes, assegurado no artigo 2? da Constitui??o Federal,247 o princípio da independência dos magistrados obriga todas as institui??es a promoverem e acatarem as decis?es judiciais. Nesse diapas?o, Lúcia Cavalleiro de M. Wehling de Toledo:248A independência do Juiz, sendo, como é, corolário direto da independência do próprio Poder Judiciário, e consequência histórica natural do monopólio estatal da jurisdi??o, deve ser analisada n?o de forma desvinculada da finalidade democrática da institui??o judiciária, mas sim como parte indissociável de um conjunto maior, contido no próprio formato contempor?neo do Estado democrático de direito: as garantias do cidad?o jurisdicionado, dentre as quais est?o a seguran?a jurídica, o devido processo legal e, em outra medida, também o direito à?equal protection of the laws.Exige-se que os magistrados no exercício da fun??o jurisdicional, com perfeita independência, sem sofrer qualquer tipo de amea?a, influência ou aliciamento, julguem com imparcialidade, baseando-se na lei, de acordo com o princípio da legalidade, como fonte formal do direito, além das demais fontes materiais, como forma de garantir a igualdade das partes. Assegura-se, ainda, às partes julgamento por juízes independentes e imparciais,249 e também que sejam julgados por tribunais previamente estabelecidos, em conformidade com a lei, vedando-se a cria??o de tribunais de exce??o. No que tange à imparcialidade, é relevante trazer a li??o de Candido Rangel Dinamarco:250A Constitui??o n?o dedica palavras à garantia da imparcialidade do juiz , mas contém uma série de dispositivos destinados a assegurar que todas as causas posta em juízo – cíveis, trabalhistas, criminais – sejam conduzidas e processadas por juízes imparciais. Seria absolutamente ilegítimo e repugnante o Estado chamar a si a atribui??o de solucionar conflitos, exercendo o poder sobre as partes, mas permitir que seu agentes o fizessem movidos por sentimentos ou interesses próprios, sem o indispensável compromisso com a lei e os valores que ela consubstancia – especialmente com o valor do justo. Os agentes estatais têm o dever de agir com impessoalidade, sem levar em conta esses sentimentos ou interesses e, portanto, com abstra??o de sua própria pessoa e de seus próprios interesses. O juiz, ao conduzir o processo e julgar a causa, é naquele momento o próprio Estado, que ele consubstancia nessa atividade.Os magistrados têm o dever de garantir, por sua vez, que as partes sejam julgadas por tribunais competentes para o exame da matéria em quest?o e que se obede?am a todas as normas e procedimentos estabelecidos para a instru??o, em conformidade com o que preceitua o princípio do devido processo legal. Indaga-se, portanto, se o uso de provimentos judiciais vinculantes n?o retiraria do magistrado o livre convencimento no momento do julgamento, uma vez que se veria obrigado a aplicar o entendimento do Tribunal, o que acabaria por afetar sua independência.Acredita-se n?o haver qualquer óbice, considerando que o próprio magistrado, se entender que, no caso concreto, n?o se deve aplicar a tese jurídica firmada, súmula ou até mesmo o enunciado, pode afastar sua aplica??o, demonstrando, de forma absolutamente fundamentada, a n?o aplicabilidade no caso posto em julgamento. Tal medida é permitida e está disposta no artigo 489251 do Código de Processo Civil. Denise Maria Rodriguez Moraes252 defende que o respeito aos precedentes judiciais é necessário como uma forma de racionaliza??o do discurso jurídico, posicionamento que encontra concord?ncia em Robert Alexy,253 ao afirmar os precedentes como regra imprescindível na argumenta??o jurídica, até mesmo por for?a do princípio da universalidade. Nessa mesma esteira de pensamento, tem-se Chaim Perelman:254 A regra da justi?a requer a aplica??o de um tratamento idêntico a seres ou a situa??es que s?o integrados numa mesma categoria. A racionalidade desta regra e a validade que lhe reconhecem se reportam ao princípio da inércia, do qual resulta, notadamente, a import?ncia conferida ao precedente.4.5 – Princípio da seguran?a nas rela??es jurídicas: previsibilidade e prote??o da confian?a Implicitamente consagrado na Constitui??o Federal, o princípio da seguran?a nas rela??es jurídicas é essencial como forma de garantir a paz e a estabilidade, tendo como principal objetivo proteger e preservar as justas expectativas das pessoas.255 Trata-se, em verdade, de um elemento essencial ao Estado Democrático constitucional, firmado na Constitui??o Federal de 1988, de onde derivam quest?es como “a retroatividade das leis, a validez dos atos administrativos, a autossujei??o da administra??o pública aos requisitos da publicidade e à coisa julgada”.256 Nesse sentido, pode-se afirmar que, de forma intrínseca, os valores da estabilidade e da proporcionalidade est?o presentes quando se trata de seguran?a nas rela??es jurídicas. Portanto, a estabilidade auxilia n?o só na atividade jurisdicional do magistrado, como na de todos os envolvidos neste cenário. ? mais seguro e reconfortante para os advogados atuarem em um tribunal estável, o que muito contribuirá para a tranquilidade da comunidade jurídica. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni leciona:O maior responsável pela orienta??o jurídica é o advogado. Em todas as democracias cabe à classe dos advogados a pesada e grave responsabilidade de orientar os cidad?os acerca dos seus direitos. ? espantoso perceber, entretanto, que os advogados brasileiros n?o têm como orientar seus clientes acerca dos direitos. N?o lhes é possível orientá-los acerca do que devem esperar ao tomarem determinada postura diante de uma situa??o jurídica ou de um conflito, exatamente por nada poderem dizer, com algum grau de confian?a, sobre as posi??es do Judiciário. Viver em um contexto jurídico em que as decis?es acerca de determinada quest?o est?o sempre em constante mudan?a causa profunda inquieta??o na comunidade. Isso n?o quer dizer que se defenda um engessamento das decis?es judiciais. Longe disso. Defende-se um sistema estável, sim, mas que esteja pronto a efetuar adequa??es e transforma??es que se fazem necessárias, por for?a da evolu??o da própria sociedade. Para contemplar essa necessidade é que deve recorrer ao overruling e ao anticipatory overruling. Corroborando tal posi??o, tem-se Teresa Arruda Alvim Wambier:257Ao que parece, todavia, o princípio da legalidade e o da isonomia, verdadeiros pilares da civiliza??o moderna, levam a que se considerem adequadas solu??es que tendam a evitar que ocorram essas discrep?ncias . Sempre nos pareceu desejável, para os fins de se gerar dose mais elevada de previsibilidade, que certo texto de lei comporte um só entendimento, que se considere correto.N?o só a estabilidade e a proporcionalidade, mas também a previsibilidade, s?o lembradas como importantes componentes dos provimentos judiciais vinculantes. Assim, aspira-se, de fato, que a lei comporte um único entendimento dos tribunais, evitando-se, portanto, decis?es conflitantes que resultem em prejuízos aos envolvidos, além, claro, de sérios riscos de dano ao princípio da igualdade. Acredita-se que os tribunais, justamente por resolverem casos concretos que lhes s?o submetidos, s?o mais bem-orientados por precedentes, com o objetivo de garantir uniformidade nas decis?es, o que contribui, de forma significativa, para a seguran?a nas rela??es jurídicas.2584.6 – Princípio da dura??o razoável do processoUm dos importantes princípios consignados no texto constitucional é o princípio da dura??o razoável do processo, disposto no artigo 5o, LXXVIII, da CRFB. Como já assinalado, para que se possa afirmar a existência do princípio do acesso à justi?a, faz-se necessária a observ?ncia da celeridade e da efetividade nas demandas judiciais. Com frequência, a lentid?o na entrega da presta??o jurisdicional é causada pelo excesso de demandas, além de outras causas, como “a inser??o de uma realidade social com novas demandas, frutos dos tempos modernos e com novas quest?es que demandam litígios”. Estes últimos s?o denominados os “novos direitos”.259A inser??o do princípio da dura??o razoável do processo, ou da tutela tempestiva no texto constitucional, deu-se com a Emenda Constitucional n. 45, conhecida como Reforma do Poder Judiciário, e se mostrou fundamental para combater a morosidade na entrega da atividade atividade judicial, bem como atender aos anseios do “Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”,260 que foi celebrado entre os chefes dos três poderes. Esse pacto celebrou diversos compromissos, dentre os quais a implementa??o da reforma constitucional do Poder Judiciário, a reforma do sistema processual e os procedimentos, a Defensoria Pública e o acesso à justi?a, os Juizados Especiais e Justi?a itinerante, a execu??o fiscal, os precatórios, as graves viola??es a direitos humanos, a informatiza??o, a produ??o de dados e os indicadores estatísticos, a coerência entre a atua??o administrativa e as orienta??es já pacificadas, além do incentivo à aplica??o das penas alternativas.261 A preocupa??o com a dura??o razoável do processo também existe nos países de tradi??o do common law. ? o caso dos Estados Unidos, país que cuidou de evidenciar, na sexta emenda,262 a preocupa??o com as quest?es que envolvem a tempestividade nos processos, em especial o processo penal. Também na Europa, a preocupa??o se repete. A Itália, por exemplo, desde 1957, como assinala Humberto Dalla,263 submete-se à Conven??o Europeia, e diante da previs?o da dura??o razoável do processo, algumas vezes acabou condenada pela morosidade na Justi?a. Um projeto de lei capitaneado por um senador italiano previu a repara??o de danos nos casos de excessiva lentid?o no tr?mite processual. A simples entrega, portanto, da presta??o jurisdicional de forma tardia geraria o dever de indenizar. No Brasil, o Conselho Nacional de Justi?a tem desempenhado importante papel ao estabelecer metas, exigir cumprimento de prazos e aplicar puni??es caso os Tribunais descumpram a determina??o.A conscientiza??o da relev?ncia do tempo nos processos judicias já era lembrada por Francesco Carnelutti:264 “? imenso e, em grande parte, desconhecido o valor que o tempo tem no processo. N?o seria imprudente compará-lo a um inimigo contra qual o juiz deve lutar sem tréguas”.Algumas características do princípio da dura??o razoável do processo também s?o apontadas por Humberto Dalla.265 Dentre elas, destacam-se: universalidade, limitabilidade, cumulatividade, irrenunciabilidade e harmoniza??o com o conceito de efetividade.O novo Código de Processo Civil destacou esse princípio no artigo 4?, garantindo às partes n?o somente a rápida solu??o do litígio, como também a solu??o integral do mérito, ou seja, a atividade satisfativa.Resta entender o papel dos provimentos judiciais vinculantes no atendimento ao princípio da dura??o razoável do processo. Entende-se que os mecanismos elencados no atual Código de Processo Civil se coadunam com esse princípio, considerando-se a import?ncia do tempo ali trazida tanto para o jurisdicionado como para a própria máquina estatal e todos os envolvidos direta e indiretamente no processo, ao admitir a aplica??o de uma solu??o desde o início, com julgamento de mérito, em virtude da aplica??o da decis?o que reproduz o teor de uma súmula vinculante ou n?o, um enunciado dos Tribunais ou uma tese jurídica firmada em incidente de resolu??o de demandas repetitivas ou assun??o de competência nos termos do artigo 332 do diploma processual civil. Outro ponto importante se dá com a previs?o, para o desembargador-relator, de negar provimento a um recurso quando a decis?o estiver em conformidade com os provimentos judiciais vinculantes, nos termos do artigo 932 do Código de Processo Civil, evitando, assim, um recurso que perduraria por longo tempo n?o só no Tribunal local ou regional, nos casos de competência da justi?a federal, mas também nos Tribunais Superiores.Felizmente, a dura??o razoável do processo tem sido uma das grandes preocupa??es dos processualistas modernos, de modo que todos os esfor?os nas mudan?as legislativas têm por objetivo primordial seu acolhimento, ao lado da efetividade, para o perfeito atendimento ao princípio do acesso à justi?a ou da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário.Sintetizando essas coloca??es, segue a posi??o de Candido Rangel Dinamarco:266Um dos grandes desafios enfrentados pelos estudiosos e pelos operadores do processo tem sido, ao longo de muitas décadas, o da busca por meios capazes de neutralizar os efeitos perversos do tempo sobre os direitos, mediante a oferta da de meios aptos a proporcionar a tempestividade da tutela jurisdicional – ou seja, acelerar o curso dos processos em sua caminhada rumo à oferta dessa tutela. Essa preocupa??o é tanto maior e mais grave quando se sabe que as longas demoras dos processos vêm constituindo o pior dos males de toda a ordem processual, n?o só neste país, mas também naqueles de legisla??o judiciária mais aprimoradas. O decurso do tempo é muitas vezes causador do perecimento de direitos ou de insuportáveis angústias pela espera de uma tutela jurisdicional, nascendo daí a imagem do tempo-inimigo, da qual se vale a doutrina há mais de meio século para ilustrar esses desgastes. 4.7 – Provimentos judiciais vinculantes no Estado Democrático ConstitucionalO Estado Democrático Constitucional é um modelo consolidador dos direitos fundamentais ao assegurar a supremacia das normas constitucionais na sociedade contempor?nea, enfatizando as conquistas liberais, sociais e decorrentes da solidariedade e da comunidade, além da efetiva participa??o da sociedade na tomada de decis?es políticas. Nesse sentido, busca-se assegurar os direitos fundamentais nas três dimens?es existentes.Seu principal objetivo é efetivar a prevalência dos direitos fundamentais individuais, sociais e coletivos. Os direitos fundamentais de primeira dimens?o, considerados individuais ou negativos, s?o aqueles relacionados diretamente às pessoas, como o direito à vida, à igualdade formal, à liberdade e à manifesta??o de pensamento e cren?a. Os direitos fundamentais de segunda dimens?o, por sua vez, referem-se aos direitos sociais, como o direito à saúde, à moradia, à educa??o, à seguran?a, ao lazer e à previdência, bem como os direitos relacionados aos trabalhadores. Em se tratando de direitos fundamentais de terceira dimens?o, incluem-se os direitos difusos e coletivos e ainda há discuss?o sobre a consolida??o de uma quarta categoria de direitos fundamentais, que, para alguns autores, diz respeito ao direito de participa??o democrática, enquanto outros defendem tratar-se de direitos relacionados à engenharia genética. Para Hermes Zanetti Junior,267 o Estado Democrático Constitucional pode ser definido como “a jun??o do direito constitucional e da democracia, ou seja, um Estado de Direito no qual os direitos fundamentais individuais e coletivos exercem o papel contramajoritário e no qual a lei e os atos dos poderes públicos est?o submetidos à Constitui??o”. ? nesse contexto, de observ?ncia do Estado Democrático Constitucional no Brasil, firmado na Constitui??o de 1988, que se pretende discutir o papel dos provimentos judiciais vinculantes e sua compatibiliza??o com os direitos e garantias fundamentais, sobretudo no que diz respeito à igualdade jurídica. Os provimentos judiciais vinculantes, previstos no novo Código de Processo Civil, como outrora asseverado, n?o se confundem com os precedentes judiciais presentes no sistema norte-americano, mas s?o neles inspirados, na medida em que possuem efeito vinculante obrigatório no plano vertical. Acredita-se que essa é uma tentativa do sistema jurídico brasileiro de tentar conter o número expressivo de demandas judiciais que abarrotam o Poder Judiciário e, igualmente, garantir uniformidade no entendimento dos tribunais, de modo que os juízes de primeiro grau as apliquem desde logo, evitando-se, assim, a procrastina??o do feito por longos anos, quando, desde o início, já se conhece o posicionamento dos tribunais superiores sobre a quest?o em exame. Essa é a posi??o de Dierle Nunes:268Vivemos no Brasil hoje uma clara tentativa de valoriza??o dos precedentes como ferramenta para a resolu??o de casos, principalmente no que tange aos casos repetitivos (de atacado), nos quais se viabiliza um pretens?o isomórfica que leva à multiplica??o de a??es “idênticas”. Tal fen?meno se dá pela cren?a que as velhas ferramentas e c?nones relativos ao uso de normas já n?o dariam mais conta da nova realidade, conduzindo vários países do civil law (alegado) a buscar no common law solu??es antigas (por lá) para esse novos problemas. Contundo, nem sempre a transposi??o respeita nossa realidade (que é diferente) ou, noutras hipóteses, n?o leva em considera??o a experiência daqueles países de origem ao se buscar ler novos institutos (para nós) a partir de vícios que já trazemos.Considerando que se vive em um Estado Democrático Constitucional, marcado pela observ?ncia de princípios e garantias fundamentais, algo já explorado na Constitui??o Federal de 1988, é preciso verificar se os provimentos judiciais vinculantes indicados e anteriormente abordados convivem perfeitamente com um verdadeiro sistema processual constitucional democrático.269Parte-se da premessa de que o juiz, nos dias de hoje, tem-se afastado por completo da ideia de um julgador como reprodutor da lei nos casos submetidos a julgamento. Para discutir essa quest?o, faz-se necessário trazer à baila a li??o de Luiz Guilherme Marinoni,270 o qual, em sua recente obra, examina se, na atualidade, ainda é possível pensar que o magistrado está apenas vinculado à lei.Para Marinoni, isso revela “um profundo desconhecimento do significado de direito no Estado contempor?neo”.271 Defende ele que houve uma evolu??o da teoria da interpreta??o, sobretudo mediante o contundente impacto do constitucionalismo contra o puro legalismo, visto até mesmo como autoritário, que acabou por “culminar na dissocia??o entre texto legal e norma jurídica (resultado interpretativo), bem como na incorpora??o de valores morais contidos nas normas de direitos fundamentais ao raciocínio decisório ou interpretativo”.272? necessário compreender que n?o se defende um afastamento da lei – é claro – quando da interpreta??o e do julgamento do caso submetido à fun??o jurisdicional do Estado, até mesmo porque isso seria impossível, haja vista a inteligência do princípio da legalidade. Pretende-se, t?o somente, ponderar que é preciso observar outras fontes, dentre elas os precedentes, para que casos idênticos tenham o mesmo tratamento, n?o se quedando à sorte ou ao azar de serem apreciados por magistrados com posicionamentos díspares diante das situa??es apresentadas. Trata-se de uma premissa básica, como já visto, a da igualdade. Ademais, o respeito ao posicionamento das Cortes Superiores contribui sobremaneira, ao poupar tempo, gastos e esfor?os dos jurisdicionados.Nesse passo, deve-se recha?ar a alega??o de empoderamento pelas Cortes, pois, como recorda Marinoni,273 além das partes litigantes, toda a sociedade tem interesse em controlar o exercício desse poder, uma vez que “têm concreto interesse todos aqueles que podem ser potencialmente atingidos pela solu??o instituída no precedente. Resultado disso é a técnica que abre oportunidade para a interven??o do amicus curiae no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justi?a”.274Dessa forma, as súmulas, sejam elas vinculantes ou persuasivas – embora estas últimas tenham perdido o sentido nesse sistema, pois acabam vinculando as decis?es judiciais –, e as teses jurídicas firmadas nos recursos repetitivos s?o provimentos judiciais vinculantes emanados pelas Cortes Superiores em perfeita conson?ncia com o que se espera no processualismo constitucional democrático.Outras s?o as justificativas encontradas para o uso dos provimentos judiciais vinculantes, como fortalecimento da unidade e da previsibilidade, maior alcance e promo??o da igualdade jurídica, decis?es judiciais mais justas e céleres, contribuindo, dessa forma, para que se atinja a efetividade e evitando-se custos e esfor?os desnecessários por parte dos litigantes. N?o bastasse tudo isso, a ado??o dos provimentos judiciais vinculantes ainda contribui para a evolu??o e o desenvolvimento do próprio Direito.Destaca-se que os provimentos judiciais vinculantes também contribuem para o melhor gerenciamento dos processos judiciais, atuando como um “filtro da judicialidade excessiva e elemento aceleratório do tr?mite processual”.275Além disso, é possível afirmar que a ado??o dos provimentos estimula a desjudicializa??o dos conflitos, estimulando a realiza??o de acordos, pois, justamente por for?a da previsibilidade, as partes n?o se aventuram em “longas e árduas” demandas judiciais. Importa ressalta a necessidade de forma??o contínua dos operadores do Direito em um sistema baseado em provimentos judiciais vinculantes. Muito mais será exigido dos advogados ao postularem, pois eles ter?o de conhecer profundamente n?o só a lei, mas também as súmulas, os enunciados, as teses jurídicas firmadas em incidente de resolu??o de demandas repetitivas, a assun??o de competência e julgamento de recursos repetitivos, entre outros provimentos, a fim de tentarem afastar junto sua incidência se conseguirem comprovar que o caso em quest?o n?o é idêntico aos demais e por isso n?o merece o mesmo tratamento, utilizando a técnica do distinguishing. Do contrário, se n?o houver um esfor?o nesse sentido e se o juiz assim entender, corre-se o risco de adotar um provimento judicial vinculante aplicável a outros casos. Também dos magistrados, exige-se esfor?o contínuo, na medida em que devem estar atentos aos provimentos judiciais vinculantes, aplicando-os nos termos do novo diploma processual civil. Igualmente é preciso que atentem para o fato de os provimentos n?o serem medidas estáticas; muito pelo contrário, s?o medidas que devem traduzir a realidade da sociedade atual, atendendo a seus anseios, raz?o pela qual o juiz deve sinalizar a necessidade de se aplicarem as técnicas comuns aos sistemas de precedentes, como o overruling e o anticipatory overruling. Acostumar-se com a possibilidade de aplica??o da modula??o temporal dos efeitos de suas decis?es conhecido como prospective overruling. Conhecer e distinguir a ratio decidendi do obter dicta e principalmente cuidar de fundamentar as decis?es respeitando exatamente os ditames do artigo 489 do Código de Processo Civil s?o exercícios diários que fazem parte do renovado perfil do magistrado brasileiro na contemporaneidade.CONCLUS?OO sistema norte-americano, muito complexo e composto por muitos microssistemas jurídicos, em que cada Estado-membro tem a capacidade para legislar e organizar o funcionamento e a estrutura do Poder Judiciário local, embora submetido à Constitui??o americana e às decis?es vinculantes da Suprema Corte, baseia-se no sistema de precedentes judiciais.Conhecer a teoria do stare decisis, que informa o sistema do commom law, é fundamental para que se compreendam o conceito e a aplicabilidade dos precedentes judiciais. A partir do julgamento de um caso concreto, todos os casos posteriores que sejam idênticos adotar?o o mesmo entendimento, com vincula??o obrigatória t?o somente no plano vertical. No plano horizontal, os precedentes têm efeito persuasivo, portanto n?o vinculativo, para o magistrado, embora sejam frequentemente aplicados, pois integram a cultura jurídica do país.Para melhor compreens?o dos precedentes judiciais, é necessário estudar sua decomposi??o, com o objetivo de separar as raz?es de decidir (ratio decidendi) das considera??es n?o essenciais (obter dicta), levando-se em conta que apenas o núcleo determinante do precedente vincula o julgamento dos casos superiores.Uma das justificativas para a ado??o de um sistema de precedentes judiciais é o atendimento ao princípio da isonomia, com aplica??o dos conceitos de igualdade jurídica. Desse modo, faz-se necessário identificar os casos idênticos e, com isso, aplicar os precedentes judiciais em conson?ncia com os auspícios da previsibilidade e da seguran?a jurídica. Caso contrário, deve-se fazer o distinguishing, fundamentando-se, portanto, a n?o aplica??o do precedente judicial ao caso concreto.Há que se destacar a existência de um sistema de revis?o dos precedentes chamado de overruling, que se mostra necessário quando se considera que a evolu??o da sociedade traz novas demandas a exigir novos entendimentos e novos direitos. Garante-se, com isso, a seguran?a nas rela??es jurídicas, mas, ao mesmo tempo, n?o se afasta do princípio da dignidade da pessoa humana quando os Tribunais, de forma prudente e sensível, fazem o acompanhamento e a revis?o das decis?es. A revis?o pode, inclusive, ser feita de forma antecipada (anticipatory overruling), uma revoga??o preventiva, permitindo-se que as inst?ncias inferiores afastem a incidência dos precedentes, desde que n?o mais se coadunem com a realidade social contempor?nea e os anseios da sociedade e já exista uma sinaliza??o dos Tribunais Superiores apontando para a altera??o do precedente. Ao estudar a gênese dos precedentes, as raz?es para sua cria??o e sua inser??o no sistema jurídico do common law norte-americano, percebe-se que o Brasil n?o adotou a teoria dos precedentes judiciais. No entanto, apropriou-se de uma característica fundamental dos precedentes: o efeito vinculante no plano vertical. O Brasil já havia criado um mecanismo com eficácia vinculante no plano vertical, atingindo n?o só a esfera judicial, mas também a administrativa: a súmula vinculante. De início, gerou controvérsias e, hoje, é bem aceita no ordenamento jurídico, desempenhando papel relevante até mesmo no exercício do controle de constitucionalidade. A eficácia vinculante no plano vertical é essencial quando se está em busca de um meio de obstar o excesso de demandas judiciais na origem, no primeiro grau de jurisdi??o, e ao mesmo tempo resolver os inúmeros casos idênticos que já avan?aram e hoje est?o suspensos, aguardando posi??o dos Tribunais Superiores.O Brasil sofre com um número excessivo de demandas judiciais, como demonstrado pela recente pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justi?a, devendo-se buscar na história alguns elementos para que se possa compreender como o país alcan?ou tais números. Defende-se que a ineficiência dos meios adequados de composi??o de conflitos contribuiu para a excessiva judicializa??o e espera-se que esse cenário se transforme, sobretudo, com a vigência do novo diploma processual civil, que incentivou o uso dos mecanismos de autocomposi??o e de heterocomposi??o de conflitos. Mostrou-se oportuno que este estudo se voltasse para o novo Código de Processo Civil, em vigor desde mar?o do corrente ano, para que fosse possível compreender que o sistema jurídico brasileiro, inspirado no efeito vinculante no plano vertical dos precedentes, elencou provimentos judiciais vinculantes, ou seja, instrumentos com observ?ncia obrigatória por parte dos magistrados. Esse é o caso das súmulas.A súmula vinculante já tem esse efeito, desde a sua cria??o, mas defende-se que, com o advento do novo diploma processual, as súmulas até ent?o chamadas de persuasivas também ganharam esse efeito. Dessa forma, n?o há mais que se falar em súmulas persuasivas no Brasil, pois, segundo o artigo 332, I do CPC, o juiz deve julgar liminarmente improcedente o pedido autoral nas causas que dispensem a fase instrutória – o que chamamos de senten?a de improcedência liminar do pedido. Observa-se que os próprios enunciados dos Tribunais de Justi?a sobre direito local também ganharam esse status, por for?a do disposto no artigo 332, IV, do CPC. Nesse mesmo sentido, a li??o dos artigos 927, IV, e 932, IV, e 932,V, todos do CPC. Dentre os provimentos judiciais vinculantes estabelecidos, incluem-se as teses jurídicas firmadas em incidentes de resolu??o de demandas repetitivas, assun??o de competência e julgamento de recursos repetitivos. Deve-se atentar para o fato de as disposi??es previstas nos artigos 927 e 932 do CPC se tratarem de normas cogentes e cuidarem ainda da possibilidade de aplica??o da modula??o temporal dos efeitos das decis?es, o que se conhece por prospective overruling. Outro importante ponto foi o afastamento da incidência da revis?o obrigatória, ou princípio do duplo grau de jurisdi??o obrigatório, nos casos de existência de provimento judicial vinculante, nos termos do artigo 496, §4?, do CPC. Conclui-se que o Código de Processo Civil atual, ao estabelecer os provimentos judiciais vinculantes, seja com a cria??o de novos institutos, seja com a releitura dos já existentes, inspirou-se no efeito obrigatório no plano vertical dos precedentes, sem, contudo, adotar essa isso, é imperioso concluir que se caminha para uma sistema jurídico híbrido e, justamente por conta dessas fortes influências do sistema do common law, n?o se pode mais dizer, de forma taxativa, que o Brasil adota o sistema do civil law. Aliás, estagnar os sistemas jurídicos n?o é mais um bom entendimento para a doutrina processual, uma vez que os sistemas sofrem influências mútuas.Por fim, considerando que o país vivencia um Estado Democrático Constitucional, preocupado em atender aos direitos e às garantias fundamentais previstos na Constitui??o, conclui-se que o sistema de provimentos judiciais vinculantes, se for cuidadosa e adequadamente empregado, com o objetivo de atender à igualdade jurídica das partes, à seguran?a jurídica e à previsibilidade, constitui um relevante meio para conter o excessivo número de demandas judiciais e, principalmente, contribui para o atendimento aos princípios da celeridade e efetividade do processo, em conson?ncia com o acesso à justi?a, visando garantir um processo justo.REFER?NCIASALCOFORADO, Luis Carlos. Súmula vinculante. S?o Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.ALEXY, Robert. Teoria da argumenta??o jurídica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.ALMEIDA, Marcelo Pereira. 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