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[01.A]O Mar ? a Nossa TerraA constru??o sensível da linha de costaO oceano Atl?ntico é um espa?o amplo e complexo que determina grande parte das nossas vidas. Esta exposi??o parte do trabalho de arquitetos que, a partir das contradi??es presentes na constru??o da linha de costa, est?o a usar as ferramentas e o saber da sua disciplina para construir um novo entendimento da rela??o entre terra e mar. A costa é uma linha sensível, um território de negocia??o e interc?mbio. Habitar este espa?o exige uma capacidade de compreens?o integrada de fenómenos que ultrapassam as delimita??es estanques do que é a arquitetura, a constru??o e a paisagem. O mar é um lugar: em vez de considerar a água como limite ou espa?o de confronto, o mar pode e deve ser um parceiro na constru??o da terra.[01.C]O Mar como Lugar / The Sea as ToposDar nome aos lugares demonstra que o mar n?o é uma superfície neutra. Este mapa, resultado de um inquérito recente às atividades de pesca, identifica os topónimos do mar do Barlavento Algarvio. Aos fundos de pedra, lama ou areia, sobrep?e-se uma camada de designa??es que coincide com a variedade dos usos, a frequência das espécies, a intensidade das correntes e de outros fenómenos marítimos que caracterizam o mar como lugar.Linha Sensível / Sensitive LineO mar n?o é uma superfície incógnita, é um lugar carregado de energia e habitado por um número infindável de espécies e seres. Esta exposi??o é um manifesto pelo conhecimento do mar para pensar a constru??o em terra. A linha de costa n?o é uma barreira natural, é uma linha sensível onde se negoceia a partilha de din?micas essenciais para o nosso habitat. A costa é um espa?o amplo que vai das profundezas do oceano ao interior dos continentes, ou em sentido contrário, da nascente dos rios até muito além da foz. Construir em terra exige o conhecimento do mar e a compreens?o da sua dimens?o territorial e arquitetónica. Estes quinze recortes acompanham a deriva de sedimentos na costa portuguesa, da foz do Douro ao tombolo de Peniche, e mostram que estes lugares, aparentemente imutáveis, n?o só se transformam como s?o um território de continuidade.[02.1]Areia / SandApesar de todas as variantes, o encontro entre terra e mar pode ser definido por duas formas: rocha coesa ou areia. O ch?o do mar n?o é diferente do ch?o da terra, os maci?os geológicos s?o contínuos e n?o se op?em. Mas sobre a rocha preexistente também se depositam sedimentos em camadas sucessivas, cuja estratigrafia e paleontologia permitem reconstituir a história terrestre. Nas praias de areia, é a forma das ondas do mar que dá forma às suas areias. Os bancos de areia submersos e a plataforma continental modelam o movimento da água, dispersando a sua energia carregada desde as grandes depress?es barométricas do Atl?ntico Norte, quando é atirada contra a costa. Em Portugal, a obliquidade da ondula??o conduz à deriva litoral de sedimentos de norte para sul, o que mitiga a eros?o da costa a sul mas a aumenta a norte, gerindo também o impacto da energia do mar no encontro com a terra. A deriva das areias faz com que esta linha sensível seja um lugar de fluxos permanentes.[tabela texto]A fixa??o de dunas litorais resultou de estratégias implementadas com projetos e técnicas de constru??o muito definidas. Em fun??o da qualidade geológica do lugar e das correntes marítimas, fixaram-se areias em movimento com recurso a solu??es também naturais, como o uso de mato, moli?o da ria e sarga?o do mar para fertilizar o terreno, e a planta??o de pinhal para consolidar um sistema costeiro habitável.[tabela texto 02.3]Com a Revolu??o Industrial, no século xviii, a costa passou a ser um terreno de produ??o e a areia rica em sílica um recurso primário para a fabrica??o de vidro. Ao longo dos séculos, a planta??o de pinhais e outros artifícios fixaram uma frente terrestre produtiva, e forneceram madeira para a constru??o naval, lenha para fundir sílica e fazer vidro, e matéria-prima para a pasta de papel. A orla de areia que conhecemos é um espa?o projetado e construído.[tabela texto][microscópios]Arrastados pelos rios e pela água, os sedimentos da eros?o da terra acumulam-se no mar. Levadas pelo vento do mar e das praias, as areias do deserto s?o leves e redondas, de dimens?o homogénea e com uma superfície fosca que resulta da eros?o no embate com outras areias. Ao contrário das areias do deserto, as primeiras areias a chegar ao mar s?o mais brilhantes e com dimens?es variadas. Por serem pesadas, acumulam-se nas zonas de espalho das praias e, por terem uma geometria irregular, s?o cobi?adas pela indústria da constru??o. As areias redondas que se encontram nas dunas n?o s?o eficazes para a constru??o, a falta de atrito n?o dá a mesma consistência e solidez às argamassas que produz.[microscópios — alternativa 2]O peso e a forma dos gr?os de areia s?o determinantes para estruturar as din?micas da deriva litoral. ? muito difícil repor areias em falta da deriva, uma vez que a sua reposi??o artificial nas praias é geralmente feita com areias de vento; estas areias, por serem leves, tendem a escorregar para o fundo do mar e a n?o se depositar na praia.[12] — 02.4Esta plataforma online de visualiza??o de dados meteorológicos oficiais representa em tempo real as din?micas do vento e as varia??es atmosféricas. Torna visíveis as diferen?as de press?o e a consequente for?a e din?mica dos ventos, cuja intensidade se revela na forma como a energia do mar se dissipa na costa.[02.5]Anticiclone dos A?ores / Azores HighO mar é um espa?o em fluxo constante, onde convergem fenómenos de escala planetária. As fases da Lua e o seu impacto nas marés s?o uma das express?es mais óbvias destas din?micas. No Atl?ntico Norte, há outros elementos cruciais que caracterizam estes fluxos, como o anticiclone dos A?ores e o transporte de sedimentos das bacias hidrográficas dos rios para o mar, com a consequente deriva costeira de sedimentos, assim como as correntes atl?nticas e outros fenómenos hidrográficos. Compreender o oceano exige compreender o comportamento deste anticiclone: os seus ventos determinam as rotas de navega??o, e a energia que gera modela o comportamento do mar. A costa da Península Ibérica molda-se no encontro entre a potência do anticiclone e a areia que escorre dos rios para o mar.[tabela texto] [upwelling]O upwelling, ou afloramento, é um fenómeno hidrodin?mico que resulta de uma combina??o complexa de fatores, como a rota??o do planeta, a posi??o relativa da linha de costa e a for?a do vento. O vento, ao atuar sobre as camadas superiores da água, desloca-as para o alto mar. Como consequência, as águas de superfície s?o substituídas por águas mais profundas e frias que afloram à superfície e trazem consigo nutrientes para alimentar a vida marinha. Onde há fenómenos de upwelling, como na costa portuguesa, há mais peixe de superfície (como sardinha) ou algas e vegeta??o (como sarga?o).[tabela texto] [deriva]A água dos rios transporta da terra para o mar os sedimentos gerados pela eros?o nas bacias hidrográficas. Ao chegarem à costa, estes sedimentos juntam-se à corrente de deriva litoral. Neste mapa, destacou-se a bacia sedimentar do Douro, a regi?o da Península Ibérica cujos sedimentos s?o transportados para o mar, alimentando os tro?os mais din?micos de uma célula sedimentar que se prolonga até à Nazaré, e uma célula menor daí até Peniche, espa?o a que correspondem os principais exemplos desta exposi??o. A deriva litoral, uma corrente gerada pela ondula??o oblíqua à linha de costa, movimenta os sedimentos e areias ao longo da costa e alimenta o equilíbrio instável entre terra e mar.[tabela texto — 11c — caravela-portuguesa]O aquecimento global tem express?o na temperatura da água do mar. Os efeitos desse fenómeno s?o tanto de ?mbito geológico (glaciares, e n?o só) como hidrodin?micos e biológicos. A presen?a cada vez mais frequente e em maior quantidade de caravelas-portuguesas e alforrecas em lugares do mar onde antes eram raras é um sinal revelador dessas transforma??es em curso.[03.1]Rocha / RockEm zonas rochosas, o encontro entre a terra e o mar é abrupto, e as enseadas naturais d?o forma a portos que convidam à navega??o. A resistência mec?nica da rocha domestica as rela??es funcionais entre terra e mar, e fixa condi??es para aportar.Por outro lado, a oscila??o das marés gera nas costas rochosas zonas húmidas e ecossistemas sensíveis, no espa?o entre a baixa-mar e a preia-mar. S?o rochas habitadas com uma grande biodiversidade, que por sua vez atrai mariscadores, que produzem culturas específicas, cuja riqueza se pode identificar na toponímia.Ao contrário da areia, menos fértil e incapaz de garantir seguran?a para barcos de maior calado, a rocha tem maior resistência e, sobretudo desde a Revolu??o Industrial, protegem-se portos com rochas trazidas de terra para o mar, ou com pedra artificial de bet?o armado. A forma dos tetrápodes ampliou a escala e eficiência de molhes e constru??es que artificializam as din?micas hidrográfica e sedimentar, e reconfiguram os sistemas ecológicos da costa.[tabela fotografias 13a/b/c/d]Apesar das condi??es extremas, a zona húmida entre marés — também chamada intertidal — é o território de um ecossistema rico onde habitam molúsculos, bivalves e uma quantidade de mariscos apetecíveis. Em Buarcos, a Sexta-Feira Santa é dia de ir ao mexilh?o no Penedo, lugar que compreende as rochas perpendiculares à costa e as extens?es de areia entre elas. Os nomes confirmam a apropria??o cultural das rochas e destes lugares sensíveis.[mesa — adolpho][19a/19b/19c]O inventário de portos realizado por Adolpho Loureiro no início do século xx caracterizou as formas e os sistemas construtivos utilizados na artificializa??o do litoral. Estas ilustra??es do porto de Lisboa mostram as várias maneiras de construir cais de acostagem, terraplenos e muros de suporte para tornar funcionais os pontos de contacto entre terra e barcos de grande calado. Aos vários desenhos est?o associadas diferen?as significativas na urbanidade dos portos representados.[reprodu??es — Stephens]A ?concha? de S?o Martinho do Porto, ou Salir, é um exemplo muito peculiar de um porto de abrigo natural. A rocha configura um espa?o protegido do mar capaz de garantir a seguran?a de embarca??es da for?a das ondas e da rebenta??o. A reprodu??o destas ilustra??es do final do século xviii mostra a necessidade de refor?ar canais de irriga??o para garantir o caudal dos rios, de modo a evitar o assoreamento da enseada e preservar a funcionalidade do espa?o protegido pela rocha.[texto tetrápodespilha]Os tetrápodes s?o rochas artificiais construídas em agregados de cimento e areia. Com o bloqueio da deriva de sedimentos no curso dos rios em terra, falta areia na costa e ampliam-se os fenómenos de eros?o costeira. Os molhes e pont?es que se têm vindo a construir sucessivamente desde o século xx procuram mitigar essa eros?o, absorvendo a energia das ondas e transferindo a posi??o dos movimentos hidrodin?micos. A areia retida nas barragens dos rios é reposta no mar sob a forma de rochas artificiais, com geometrias complexas capazes de se posicionarem entre si consoante o seu peso, gerando grandes massas resistentes. A nova areia do mar, comprimida em tetrápodes, perde a sua capacidade din?mica e agrega-se em escalas imobilizadoras, contrariando a for?a das ondas e das correntes.[texto tetrápodes painel]A conce??o geométrica destas rochas artificiais é pensada em fun??o da eficiência da forma. Muito pesadas, estas rochas artificiais s?o desenhadas para se encaixarem e bloquearem entre si. A energia das ondas dissipa-se nos vazios dos interstícios nas formas das pe?as, a superfície porosa que geram evita o embate da água diretamente contra uma parede dura. O objetivo destes pont?es em tetrápodes é absorver a energia do mar e a for?a das ondas. Nem sempre conseguem. A sua conce??o é imaginada em confronto e n?o em sintonia com o mar e, com a sua progressiva obsolescência, torna-se evidente o colossal consumo energético da sua fabrica??o, bem como a acumula??o de cimento e areia em formas estanques e estáticas.[texto boa onda/má onda]A deriva litoral alimenta um banco de areia, ou duna hidráulica, que permite à onda rebentar antes da linha de costa e perder progressivamente for?a e energia. A constru??o de obstáculos artificiais, como pont?es de prote??o e barreiras de tetrápodes, interrompe a deriva litoral e tende a fazer desaparecer o banco de areia. Assim, quando deixa de ser constrangida pela duna submersa, a rebenta??o aproxima-se da costa e a energia libertada agrava o impacto erosivo.[sala 4]Cidade / CityA rela??o entre a Figueira da Foz e o mar transformou-se. A cidade balnear, que se desenvolveu na frente de mar, viu crescer diante de si um areal colossal, consequência do prolongamento do molhe de prote??o à navega??o na barra do Mondego. O fluxo de areia da deriva litoral foi bloqueado pela rocha artificial do molhe, criando uma praia deserta que modificou a cidade e a afastou do mar.Um grupo de cidad?os usou a arquitetura para reconsiderar a prática corrente da constru??o de infraestruturas pesadas. A solu??o técnica que encontraram — o bypass — permite construir uma alternativa que integra as din?micas da água e dos sedimentos ao longo da costa. Aqui apresentam-se duas propostas que sintetizam a posi??o da arquitetura nesta exposi??o: a oportunidade de pensar a linha de costa n?o como espa?o de oposi??o entre as din?micas marítimas e terrestres, mas como território sensível que exige a constitui??o de equilíbrios. A reposi??o da linha de costa na Figueira da Foz n?o só recupera a rela??o entre a cidade e o mar, como nos interroga sobre o papel da arquitetura na sociedade contempor?nea.[X]O SOS Cabedelo é um grupo de cidad?os que se mobilizou em 2009 perante o início da obra da extens?o do molhe de prote??o à barra do Mondego. Para contestar a solu??o técnica das autoridades, apresentou uma série de estratégias de arquitetura para reconfigurar a rela??o da cidade com o mar: ilumina??o noturna das ondas para a prática do surf, um teleférico para aproximar a praia do Cabedelo à cidade e um bypass, solu??o capaz de reinstaurar a deriva litoral de sedimentos e reestabelecer uma rela??o direta entre a cidade e o mar.[24]A proposta ?Mar de Areia? prop?e fundear no areal uma série de embarca??es que, enquanto esperam que o mar as recupere, servem de equipamentos de apoio à praia. ? imagem das casas de fato, que aproveitavam embarca??es obsoletas para a constru??o de abrigos e apoios à pesca, ou evocando os cascos arruinados no desastre ecológico do mar de Aral, a proposta equipa o ?mar de areia? da Figueira da Foz com barcos que aguardam pacientemente o regresso da água para poderem seguir viagem.[26]A instala??o de um bypass de transporte de areia na foz do Tweed River, na Austrália, demonstra a eficiência do equipamento. Concebido para conciliar a navegabilidade da barra com a prática do surf e a prote??o da cidade da eros?o, este bypass bomba a areia do lado sul da barra, conduzindo-a em condutas sob o rio para as descarregar no lado norte da praia. Daí, a areia é transportada pelas ondas para alimentar a deriva nas praias da Gold Coast.[27]A proposta ?Cidade Praia? prevê a instala??o de um bypass que, à semelhan?a da foz do Tweed River, permite reestabelecer a deriva litoral e reinstaurar a rela??o direta entre a Figueira da Foz e a praia, devolvendo o mar à cidade. Ao dissolver a reten??o das areias e reestabelecer a deriva, é possível alimentar naturalmente a duna hidráulica, assegurando melhor prote??o à eros?o costeira sem com isso perigar a navega??o na barra do Mondego.[30]A cultura contempor?nea é capaz de reconhecer no mar e nos oceanos uma fonte fundamental de vida para o planeta e para o quotidiano. A arquitetura, que constrói o espa?o em que habitamos, tem de se reinventar e compreender as din?micas entre mar e terra para conceber um futuro viável e qualificado.[05.1]Alto / High? areia e rocha, que definem determinadas qualidades e ambientes da costa, correspondem modos e princípios de uso e urbaniza??o. A arquitetura das costas rochosas responde às exigências e aos hábitos da navega??o do alto — com as cidades recolhidas a montante da foz dos rios —, por oposi??o às costas de areia, onde a navega??o e a acostagem s?o mais imprevisíveis e perigosas. Por isso, à rocha podemos equivaler a navega??o de alto-mar, que nos revela o intenso tráfego marítimo associado à indústria e aos fenómenos de globaliza??o contempor?nea. O mar é a grande infraestrutura de circula??o logística à escala planetária: o movimento dos navios de carga gera verdadeiras autoestradas atl?nticas, com escala equivalente à dimens?o da indústria em terra.[57]A indústria da pasta de papel é exemplo da escala de produ??o em terra que ecoa a dimens?o dos oceanos. A produ??o e os espa?os que lhes est?o associados têm uma dimens?o de propor??es fenomenais, apoiada por sistemas construtivos de tecnologia sofisticada. A escala do consumo de água doce e matérias-primas tem impacto no ordenamento e no desenho do território muito além da orla costeira. A conectividade da indústria aos portos de mar e à navega??o do alto é estratégica para o escoamento de mercadorias.[sala 5 — interior][05.2] [lateral]Desde o século xv que a Terra Nova, uma ilha no norte do continente americano, foi conhecida pela abund?ncia de bacalhau, peixe fácil de ser preservado sem perder propriedades nutritivas. A costa da Terra Nova é rochosa e recortada por inúmeras enseadas, protegidas da agita??o atl?ntica. A sua coloniza??o para a pesca do bacalhau originou um povoamento disperso pelas baías, em pequenos núcleos sem liga??o a redes de infraestruturas terrestres. Até há pouco tempo, o mar era o único caminho de circula??o e movimento entre estes povoados. A pesca do bacalhau era uma pesca de proximidade, sendo o peixe processado em estruturas na costa. Com o crescimento exponencial das pescas no período após a Segunda Guerra Mundial, e com frotas estrangeiras a pescar nos bancos da Terra Nova, os stocks de bacalhau caíram abaixo dos limites de sobrevivência, até a pesca ser interditada em 1992.[05.6] [lateral]Durante a Grande Guerra (1914–1918), com a desestabiliza??o nos mercados e nas pescas internacionais, Portugal viu uma possibilidade de equilibrar a sua balan?a económica e suprir as constantes importa??es de bacalhau. Come?ou ent?o a desenvolver uma frota de pesca longínqua, em que o barco permanecia vários meses nos bancos da Terra Nova, a pesca diária era salgada no por?o e seca no regresso a Portugal, no fim do ver?o. A pesca longínqua teve um impulso significativo durante o Estado Novo, em grande parte preservando as características tradicionais da pesca à linha e permitindo construir a imagem do pescador intrépido, trabalhador abnegado capaz de resistir às mais árduas condi??es. Entretanto, outros países passaram a pescar bacalhau com arrast?es e barcos frigoríficos, trocando o hábito alimentar do bacalhau salgado e seco pelo peixe congelado.[05.4]A constru??o leve em madeira, afastada das redes de infraestruturas terrestres e assente em funda??es ligeiras, permite reutilizar constru??es, como é o caso da casa apresentada neste filme, reposicionada no ?mbito de uma reorganiza??o económica e administrativa da Terra Nova nos anos de 1950. Na costa da Terra Nova, o mar é a infraestrutura e o ligante entre as partes de um território rochoso.[05.8]Bacalhau / CodfishOs ecossistemas marinhos dependem da natureza dos fundos dos mares, da sua geologia, da din?mica das correntes, dos fluxos hidrográficos e de tantos outros fatores. Por isso, havia bacalhau na Terra Nova (até ser dizimado pela pesca intensiva entre os anos de 1950 e 1970) capaz de atrair frotas de pesca de toda a Europa. A constru??o de portos e a navega??o do alto-mar faz com que o território do Atl?ntico aproxime, mais do que afaste, as din?micas e práticas entre os vários continentes. Esta exposi??o apresenta a hipótese de as características ecológicas específicas do mar gerarem fenómenos de urbaniza??o diferenciados. A pesca longínqua do bacalhau gera uma arquitetura diferente da pesca de proximidade, assim como a pesca da sardinha gera uma arquitetura diferente da pesca do bacalhau.[39c]+[39d]Uma parte significativa da pesca portuguesa na Terra Nova era feita à linha, em pequenos botes, os dóris, que partiam diariamente do barco-m?e, o lugre. Individualmente, os pescadores afastavam-se cerca de duas milhas para encontrar o lugar onde lan?avam linhas com mais de cem anzóis. Ao fim de horas, com o bote preferencialmente cheio (eram pagos à percentagem da safra), regressavam ao lugre para descarregar o pescado e se dedicar à amanha e ao tratamento.[39e]Os bancos da Terra Nova s?o muito férteis gra?as à extens?o da plataforma continental, uma superfície extensa com relativamente pouca profundidade e muito alimento para determinadas espécies de peixe. O bacalhau é favorecido pelo encontro entre as correntes quentes que sobem de sul para norte e as correntes frias que descem do Labrador. A temperatura da água e a rela??o entre os fundos de rocha e o mar profundo criaram o habitat ideal para o bacalhau.[39f]Ao contrário da Terra Nova, a costa portuguesa tem uma extens?o relativamente pequena de plataforma continental, o que diminui a superfície mais apetecível para a pesca costeira. Por outro lado, o upwelling favorece a alimenta??o e o desenvolvimento de peixes de superfície, como a sardinha.[39a]Após a Segunda Guerra Mundial, vários países reclamaram a soberania do mar na regi?o das suas plataformas continentais, onde o mar n?o é profundo tendo em vista o acesso aos seus recursos naturais. Em 1958, sob a égide das Na??es Unidas, assinaram-se tratados que definiram estratégias para assegurar um ?direito do mar?. Em 1982 estabeleceu-se finalmente o conceito jurídico de plataforma continental (que n?o coincide com o conceito geológico) e de zona económica exclusiva (ZEE); mas apenas em 1994 foi ratificada a Conven??o das Na??es Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS). Tradicionalmente, a soberania marítima ia até três milhas da costa e, com o direito do mar, passou a doze milhas; as ZEE s?o aplicadas até ao limite de 200 milhas. Esta defini??o nem sempre foi clara ou pacífica, como demonstraram as ?guerras do bacalhau? entre a Isl?ndia e o Reino Unido (a primeira entre 1958 e 1961, a segunda entre 1972 e 1973), que levaram ao estabelecimento de uma ZEE islandesa a 50 milhas. Está em curso uma avalia??o, pela Comiss?o dos Limites da Plataforma Continental das Na??es Unidas, dos limites jurídicos de 85 países; contudo, essa extens?o n?o se aplica ao direito sobre a coluna de água, mas apenas à soberania sobre o solo e o subsolo marinhos onde se encontram a maioria dos recursos naturais.[sala 6]Varar/ ShoreNo vocabulário da pesca, varar significa p?r o barco a seco (amarrar à vara) ou, pelo contrário, deitar o barco à água. Varar também significa trespassar: na arte-xávega, é o que se faz em barcos com forma de meia-lua, os quais enfrentam a onda saindo diretamente do areal. O mesmo se passa com o surf, que partilha o mesmo conhecimento do mar. Ao contrário dos portos protegidos por rocha, nas praias de areia o acesso ao mar é direto, o que intensifica um movimento de interc?mbio contínuo.A fixa??o de aglomerados de pescadores na costa de areia do arco sedimentar do Douro, de Espinho à Tocha, correspondeu também a uma forma específica de constru??o, os palheiros. Construídos em madeira, diretamente sobre a duna, os palheiros aproximaram a forma do barco à forma das casas. O upwelling gera condi??es ideais para a sardinha se desenvolver, e a pesca p?e em marcha uma din?mica económica que se transforma progressivamente em urbaniza??o.[06.1]A xávega é uma rede de cerco eficaz na pesca à sardinha. A pesca da arte-xávega consiste em largar uma rede no mar que é puxada até à praia (até há poucos anos, com a ajuda de tra??o animal), o que exige um fundo de areia sem obstáculos rochosos que a possam danificar. Habitualmente, o barco deixa uma ponta da corda da rede em terra, faz-se à onda e lan?a a rede, regressando à costa com a segunda ponta. Quando puxada, a rede fecha-se e traz o peixe no saco.[06.3]Desde o século xix que a comercializa??o de sardinha em salmoura incentivou a fixa??o de aglomerados ao longo da costa de areia, construídos em madeira sobre a duna. Os palheiros formaram uma urbaniza??o sem porto, ao longo da costa, gra?as à possibilidade de o barco varar a rebenta??o e relacionar diretamente a terra com o mar. Esta forma urbana é diferente da gerada pela pesca longínqua do bacalhau, que exigia portos para barcos de alto-mar. Os dois peixes, que habitam diferentes ecossistemas, geraram formas de urbaniza??o distintas. A variedade da arquitetura no litoral n?o resultou apenas das din?micas socioeconómicas e culturais da vida em terra, mas da natureza e dos meios de explora??o dos recursos naturais do mar.[06.4]Em 1931, o californiano Tom Blake concebeu uma prancha de constru??o ligeira que revolucionou a prática do surf. Logo em 1942, uma vers?o dessa prancha foi divulgada na revista Trabalhos Manuais, quando o surf come?ava ?a ser praticado, ainda que em pequena escala, nas praias da Ericeira e da Figueira da Foz?. Tal como a pesca, a prática do surf convida-nos a inverter o olhar, e a compreender a terra e a sua arquitetura em contínuo com o mar.[07]Legisla??o / LegislationA forma do mar já foi reconhecida por lei no quadro legislativo Portuguêsportuguês. O Programa da Orla Costeira de Ovar-Marinha Grande (POC-OMG) de 2017 identifica ?locais com características físicas únicas que permitem a ocorrência de ondas de grande qualidade, consistência e singularidade?. ? uma reda??o legal que associa a forma do mar e da onda, valorizada pelas práticas culturais, ao seu contexto geofísico. Em 2014, um grupo de trabalho composto por especialistas, e que acolheu contributos de cidad?os interessados, identificara as características específicas e a singularidade da forma de três ondas em Portugal — no cabo Mondego, na Nazaré e em Peniche (a mais longa, a mais alta e a mais tubular), no ?mbito da defini??o de estratégias de prote??o da costa, nomeadamente na reposi??o do ciclo sedimentar. Essa orienta??o estava em linha com o Plano Nacional Estratégico do Turismo, que também reconhece o surf e a forma das ondas do mar como ?fatores de competitividade? e características singulares do território. A inscri??o das três ondas num instrumento legal de funda??o da prática da arquitetura e da constru??o é sinal do progressivo reconhecimento do mar, da sua forma e das suas din?micas na organiza??o da cultura construtiva contempor?nea, e da import?ncia do contributo de cidad?os para a discuss?o pública dos instrumentos legais.[08][em tabela]A onda da Nazaré resulta de uma conjuga??o de fatores, desde a energia gerada pelo anticiclone dos A?ores até ao desfiladeiro submarino conhecido como canh?o da Nazaré. Este apresenta uma profundidade que chega a atingir 5 mil metros, e a sua hidrodin?mica comprime a massa de água em movimento na costa. Tal como outras ondas desta costa arenosa s?o definidas pela duna hidráulica, é a forma do fundo, que n?o se vê, que define a forma da onda — e é a rebenta??o que caracteriza a forma sensível da linha de costa. Nesta montagem, a descida da onda da Nazaré, em 2018, pelo surfista Sebastian Steudtner é acompanhada pela entrada no mar dos pescadores da xávega do Furadouro, em 1966, no filme Mudar de Vida, de Paulo Rocha. S?o duas formas próximas de varar a rebenta??o e de construir modos de continuidade entre terra e mar. ................
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