Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2001



III - Autonomia do Direito Tributário

Há quem diga que o Direito Tributário é apenas um sub – ramo do Direito Financeiro, não sendo, portanto, autônomo.

O Direito Financeiro se divide em 4 ramos:

- Crédito público;

- Orçamento;

- Despesa; e

- Receita tributária

O Direito Tributário seria uma receita pública.

O critério para determinar se um ramo do Direito é autônomo é dividido em 3:

1) jurídico ou legal (se o ordenamento dá um tratamento especial à disciplina – art. 24, I, CRFB)

2) científico

3) didático

Critério Jurídico:

O art. 146 da CRFB diz que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.

Art. 163 da CRFB: a própria Constituição estabelece uma disciplina diferenciada no que tange à titulação de regras no Direito Financeiro e no Direito Tributário.

A existência de uma codificação própria, senão significa um critério absoluto, é um indicativo de autonomia. Nós temos um Código Tributário Nacional (e nem temos um Código Financeiro).

Critério Científico:

A autonomia de um ramo do Direito vai demonstrar a existência de institutos e princípios que lhe são próprios, peculiares desse ramo. Será que eles se apresentam no Direito Tributário? Existem princípios próprios do Direito Tributário, que lhe são peculiares? Sim, os princípios da anterioridade, da capacidade contributiva (se bem que este último não deixa de ser um reflexo da isonomia, que existe em todos os ramos do Direito). E de outro lado temos institutos típicos do Direito Tributário, como o lançamento, como a conversão em renda e tantos outros. Desse modo, sobre o aspecto científico, o Direito Tributário tem uma maneira diferente de ser aplicado a partir de princípios e institutos que lhe são próprios.

Aspecto Didático

Como saber, pelo aspecto didático, se um ramo é autônomo ou não? Temos que verificar se ele é estudado de forma específica, seja através dos currículos universitários, dos programas de concurso público, das obras que a doutrina apresenta. Hoje a doutrina tributária é muito mais rica que a doutrina de Direito Financeiro.

DIREITO TRIBUTÁRIO X DIREITO CIVIL

O Direito tributário se utiliza de vários conceitos do Direito Privado, como, pex, prescrição e decadência.

O próprio Código determina que se deve preservar esses conceitos, embora a lei tributária possa dar efeitos próprios a esses conceitos. De outro lado se tem muitos dos fatos geradores escolhidos pela CRFB e pelo legislador infra-constitucional como negócio jurídico tipificados no Direito Privado. Pex: ITBI[1] - o Direito Tributário não tem muita liberdade para determinar esse fato gerador, porque o Direito Civil já disciplina como se transmite a propriedade imobiliária. Então, se o constituinte escolheu esse negócio jurídico, já disciplinado no Direito Civil, não pode o legislador tributário modificar essa definição, pois, se assim o fizesse, estaria ampliando a competência que lhe foi definida pela CRFB. De outro lado, se tem fatos geradores que não são tipificados no Direito Civil. Pex: faturamento. Não há definição de faturamento no Direito Privado. Há nesse fato gerador, portanto, uma maior liberdade ao legislador tributário para alterar esse conceito.

Então, como é que o Direito Tributário vai se relacionar com o Direito Civil? É uma relação de subordinação? Não. É uma relação de interdisciplinariedade. Quando se diz que um ramo é autônomo, não significa que ele seja distante, não significa que ele não se comunique com outros ramos do Direito. Direito Tributário se relaciona intimamente com Direito Civil - por essas razões já apresentadas; com Direito Financeiro - de onde se originou; com o Direito Administrativo - a atividade de cobrança tributária é uma atividade administrativa; com Direito Constitucional - especialmente quando se verifica que o sistema tributário é todo previsto constitucionalmente, é preciso bem manejar o Direito Constitucional, fazer uma interpretação constitucional; com o Direito Penal – devido aos ilícitos tributários; como o Direito Processual Civil – pois nós não temos Direito Processual Tributário, o processo civil se aplica no Direito Tributário; com o Direito Comercial – para que nós compreendamos o alcance da responsabilidade do contribuinte, dos seus sócios; com o Direito Internacional – a medida em que hoje começamos a ter institutos tributários em nível internacional, começamos a ter tratados internacionais para limitar a dupla tributação, como os tratados de interação regional com o Rio Grande do Sul etc; com o Direito Previdenciário – o custeio da previdência se dá pelo regime tributário; com o Direito do Trabalho – onde nós temos as contribuições sindicais, pex, que têm natureza tributária. Não dá para querer que o Direito Tributário seja uma “ilha”, mas isso não significa que ele não seja autônomo. Ele é autônomo, mas se interrelaciona com todos esses ramos do Direito. Não se interpreta a lei tributária; você interpreta a LEI. A lei pode ser tributária, civil, penal, comercial... Não existe isso de “a lei penal”, “a lei comercial”, o que existe é a LEI, que vai reger vários aspectos do Direito.

E com a TEORIA GERAL DO DIREITO? Teoria Geral é fundamental para todos os ramos.

IV - Fontes do Direito Tributário

Fonte é de onde emana o Direito. Temos o Direito se originando de:

A) FONTE PRIMÁRIA:

A fonte primária é a lei, em sentido amplo, é a lei material, ato administrativo normativo.

B) FONTES SECUNDÁRIAS:

b.1) costumes;

b.2) princípios gerais do direito; e

b.3) jurisprudência.

A Alemanha inclui aí a doutrina também como fonte do direito. Mas no Brasil os autores não costumam incluir a doutrina como fonte.

B.1) Costumes

São as práticas e memoriais. Como se manifestaria o costume no Direito Tributário? Um sujeito fala que tem o costume de não pagar tributo, então não precisaria mesmo. Não é isso. O costume, no Direito Tributário, se revela pelas práticas reiteradamente observadas pela Administração. O costume é do agente público e tem previsão no CTN no art. 100, III. O costume não tem muito espaço no Direito Tributário, salvo por previsão legal. Isso tem 2 razões:

1º) a legislação tributária é exaustiva, prevê tudo, são milhões de leis, decretos, portarias, ordens de serviço, instruções normativas etc. E como as fontes secundárias só se aplicam na inexistência da fonte primária, não se tem como abrir muito espaço para o costume.

2º) uma parcela considerável do Direito Tributário - a mais importante – é submetida ao princípio da reserva de lei, que é a instituição e majoração de tributos. Não se cria tributo por costume, assim como também não se pode deixar de pagar o tributo por costume.

Apesar de pouquíssimo utilizado, o costume é tido como fonte. O Professor Ricardo Lodi diz que trabalha com Direito Tributário desde que era estagiário e nunca viu alguém utilizar o costume para amparar uma situação jurídica. Mas, pex, hipoteticamente, o contribuinte de Varre e Sai[2] quer impugnar o seu lançamento. Digamos que este município tenha os seus tributos e uma legislação processual tributária muito incipiente. E o contribuinte não tem indicação na legislação se a impugnação precisa ser protocolizada na sede da sede da Secretaria de Fazenda ou na agência da Secretaria de Fazenda de seu bairro. Há dúvida, a legislação não esclarece quanto a isso. Ele vai na agência do seu bairro e diz que quer impugnar o lançamento de seu IPTU e pergunta se é ali mesmo o local certo. O funcionário diz que é e ele pergunta como é que este funcionário sabe disso , já que ele procurou em todos os regulamentos e não achou nada. O funcionário permanece afirmando que seria ali mesmo o local certo. O contribuinte fica desconfiado, mas dá entrada na sua impugnação. Para sua surpresa, 10 dias depois sai uma portaria do Secretário de Fazenda dizendo que todas as impugnações deverão ser protocolizadas na sede da Secretaria e não nas agências de bairro. O contribuinte pensa que como deu entrada antes dessa portaria, então pode ficar tranqüilo. Para sua surpresa maior ainda, a sua impugnação não foi conhecida porque ele deu entrada no local errado. Pergunta-se: Será que aquela prática reiteradamente observada pela Administração não vai gerar direito? Sim, vai gerar, desde que não exista uma norma escrita dizendo o contrário que, neste caso só veio existir depois. O direito dele se baseia, tem como fonte o costume, nas práticas reiteradamente observadas.

B.2) Princípios Gerais do Direito

Sendo os princípios normas secundárias, serão eles menos importantes que as leis? Os princípios não são mais importantes? Eles não são constitucionais, supra-constitucionais? Na verdade, é claro que os princípios são mais importantes do que as leis. O Professor Paulo ---?---- diz que a violação de um princípio é muito mais grave do que a violação de uma lei para a saúde do ordenamento jurídico. O princípio geral do direito, como a justiça, a eqüidade, a segurança jurídica, a liberdade, a igualdade, é fonte secundária do direito porque os princípios não foram feitos para resolver conflitos no caso concreto. São normas abstratas, amplas. Dentro das categorias jurídicas, o princípio ocupa condição intermediária entre os valões e as regras.

Valor

Princípio norma

Regra

Essa classificação, que hoje é mais aceita e foi dada pelo jurista norte-americano Ronald Whatson . Alguns autores vão dar uma classificação diferente, como Ricardo Lobo Torres, que fala em valor, princípio ( norma. Mas pela primeira classificação, a norma engloba, tanto o princípio, quanto a regra, dando uma maior efetividade ao princípio, como norma cogente.

O valor, para Direito Tributário, segundo Miguel Reale, é indefinível. Apesar do grande Reale não ter conseguido defini-lo, podemos ter uma noção. Valor são aquelas virtudes que fundamentam todo o ordenamento jurídico. É mais fácil enumerá-las do que defini-las. É a justiça, a segurança jurídica, liberdade. Valor é uma coisa, princípio é outra. Os valores não estão necessariamente positivados no texto constitucional ou em qualquer outro lugar. Mas eles fundamentam o ordenamento, lhe conferem legitimidade. Os valores alicerçam o ordenamento, como um todo. Mas são muito amplos, abstratos demais. Eu posso revogar um dispositivo dizendo que o tributo não era justo? Esse critério de o que é justo e o que não é, é muito subjetivo, é muito abstrato. O legislador não pode dizer que a lei só vai ser justa quando respeitar a segurança jurídica do contribuinte. É preciso saber quanto é que eu vou pagar. Então a regra vai dizer que eu tenho que pagar R$53,15 de IPTU, que eu não posso falar no telefone celular dirigindo, que eu não posso avançar o sinal vermelho, que eu não posso matar, que eu tenho obrigação de sustentar os parentes que não podem fazê-lo, que eu tenho que indenizar o ato ilícito por mim praticado, que eu tenho que seguir determinados regramentos quando fizer um contrato de locação. As regras são mais estritas no seu âmbito, no seu campo de atuação e mais concretas, se destinando a resolver os conflitos de interesse. A regra via delimitar o valor, que por sua vez, será o seu fundamento. Entre o valor e a regra, existe o princípio. O princípio é a ligação entre o valor e a regra, está, no ponto de vista da abstração e da amplitude, em uma posição intermediária entre o valor e a regra. Ele é menos abstrato que o valor e procura dar uma maior amplitude, uma maior efetividade ao valor e tem uma aplicação mais ampla do que a regra. Na verdade, a função do princípio é coordenar todas as regras de um determinado sistema jurídico. Pex, princípio tributário ( vai reger as regras tributárias. Caso concreto: valor da justiça: no Direito Tributário o valor da justiça se realiza por qual princípio? Princípio da capacidade contributiva. Em que medida o princípio da capacidade contributiva vai ser efetivado? Nas leis de amplitude, que vão prever fato gerador, base de cálculo, alíquota, quem é o contribuinte. Uma coisa é certa: as regras tem que estar de acordo com os princípios e estes com a lei.

Nesse sentido, eu só vou utilizar o princípio para resolver o caso concreto na ausência de lei, na ausência de regra. O princípio não foi feito para isso, o princípio foi feito para coordenar as regras e não para resolver um conflito de interesses. Mas, na ausência de regra, o juiz deve partir para o princípio. Não que eles não sejam menos importantes, mas eles não são suscetíveis, não são destinados a essa finalidade. Até a forma como eles coexistem é diferente das regras. O jurista norte-americano Ronald Whatson dizia o seguinte: a regra tem uma aplicação do tudo ou nada: ou eu aplico essa lei ou eu não aplico; se existem duas leis antinômicas, em tese aplicadas ao mesmo caso concreto, eu tenho que afastar uma para aplicar a outra. Qual são os mecanismos, os critérios que eu vou utilizar para a resolução das antinomias jurídica, dos conflitos entre regras? São 3:

1º) hierarquia- por exemplo: se há antinomia entre a Constituição e a lei, eu aplicarei a Constituição e a lei está revogada. Quando uma lei superior não é compatível com a lei inferior, a lei superior revoga a inferior, embora alguns digam o contrário. Alguns autores dizem que a lei inferior é como ficasse suspensa. Mas isso não é no Brasil. Aqui o STF há mais de cem anos já definiu que o fenômeno é de revogação. Se uma norma de hierarquia superior for revogada, a norma de hierarquia inferior não volta a vigorar. Represtinação no Direito Brasileiro só se for expressa, ou seja, só se a lei revogadora da lei superior determinar o restabelecimento da vigência da lei inferior revogada.

2º) especialidade – eu aplico a norma especial em detrimento à norma geral. Se eu tenho uma norma de Direito Tributário, aplicável ao Direito Tributário, específica, que se insira naquele caso, eu não tenho que buscar em nenhum outro ponto do Direito algo para aquela matéria. Mas no começo nós falamos que tinha que se interpretar os conceito, aplicando a norma tributária só aos efeitos, então como fica? Isso é desde que a norma tributária não defina o conceito. Se e norma tributária definir o conceito, eu aplico a norma especial em detrimento à norma geral, a não ser que a norma geral seja de hierarquia superior.

3º) cronologia - a lei posterior revoga a lei anterior, se for da mesma hierarquia e se não houver relação de especialidade entre elas.

Então o conflito de regras se resolve desta forma. E o conflito de princípios? Embora eu possa utilizar esses mecanismos também nos princípios, nem sempre é suficiente. A própria Constituição, pex, pode estabelecer, pode garantir dois princípios antinômicos, que vão ser de mesma hierarquia, não vão ter relação de especialidade um com o outro (um trata de uma coisa, outro de outra) e vigorem no mesmo dia. Aí eu vou ponderar esses princípios. Analisando o caso concreto, vou verificar o peso de cada princípio nos termos que aquele caso admite. Com o Professor Daniel Sarmento vamos ver isso melhor, pois ele é autoridade no assunto, inclusive com tese de mestrado nesse sentido: “A ponderação de princípios na CRFB/88” [3]. Pex, você tem princípio que garante a liberdade de impressa e outro que garante a intimidade ( haverá conflito de interesses, pois a imprensa quer divulgar tudo da vida das pessoas famosas e estas têm o direito de preservar sua intimidade. Não que umas pessoas possuam maior direito à intimidade que outras. Devemos pensar no seguinte: uma coisa é o que o Presidente Clinton faz no Salão Oval da Casa Branca. Outra é o que fazemos em nossas casas. Não é que nós temos maior direito de intimidade que ele, mas, nessa relação de liberdade de imprensa e intimidade, há um interesse maior da opinião pública em saber o faz o Chefe de Governo dentro do Palácio do Governo. A ponderação pode ser diferente de acordo com o caso concreto. Não há como apleuristicamente eu definir qual o valor que será utilizado.

Diante do exposto, podemos entender por quê os princípios gerais do direito, embora mais importantes que as regras, entram como fontes secundárias. Aqui a fonte vai resolver o caso concreto.

B.3) Jurisprudência

Jurisprudência é formada pelas decisões reiteradas dos Tribunais em determinado sentido que servirão para instruir o comportamento do contribuinte, da Fazenda, dos agentes econômicos. Enquanto não tivermos súmula vinculante, a jurisprudência vai ser fonte secundária do Direito. No dia em que a aplicação do precedente for obrigatória, vai ser uma fonte primária. Mas hoje ainda é fonte secundária do Direito. A jurisprudência serve como orientação ao magistrado, não como uma obrigatoriedade.

V - Conceito de Tributo e suas Espécies [4]

O que é tributo?

Já se gastou milhões de páginas para definir o que é tributo, mas, no Direito Tributário Brasileiro, nós temos uma definição legal do que é tributo. Essa definição legal está no art. 3º CTN:

“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor se possa exprimir, que não configure sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Vamos ter 6 elementos para examinar:

1) “PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA” :

Prestação é o objeto de uma relação obrigacional. Já sabemos que na relação tributária nós teremos um credor, um devedor e um objeto dessa obrigação, que é o de dar dinheiro, pagar tributo. Não é relação de direito real, não é relação personalíssima, é uma relação obrigacional. Há um autor, especialmente, que não aceita essa relação de obrigação tributária, que é o Professor Aurélio Seixas Filho. Ele diz que não existe aí obrigação, pois esta é só do Direito Privado e sim é existe dever jurídico tributário. Ele participa de algumas bancas, como da PGM, mas é realmente uma visão só dele. “Pecuniária” – pecúnia é dinheiro.

2) COMPULSORIEDADE:

O segundo elemento, que é o mais importante, é uma prestação pecuniária “compulsória”. O que é essa compulsoriedade? Se revela pela inexistência de relevância ou irrelevância da vontade do contribuinte. A vontade vontade do contribuinte é inteiramente irrelevante para o cumprimento da obrigação tributária. Nesse sentido, é compulsória. Inclusive o critério que se utiliza para diferenciar a taxa do preço público é justamente esse: a compulsoriedade. Na taxa eu não tenho outra opção para satisfazer a minha necessidade. No preço público, eu posso não aderir ao regime legal, posso satisfazer as minhas necessidades por outros meios. No preço eu tenho todas as características, mas não a compulsoriedade. Mas alguém pode dizer: “Ah, mas se eu não pagar a água, a luz ele cortam”. Mas se eu não pagar o ônibus, eu não entro dentro dele, se eu não pagar o cinema, eu não entro dentro do cinema. Isso não significa que eu não possa satisfazer a minha necessidade por outra forma. Eu não posso dizer que não quero mais pagar taxa de incêndio, pois tenho uma brigada de incêndio muito boa no meu condomínio. Eu posso não querer mais receber a luz da minha casa e querer cortar a luz. Não é relevante do ponto de vista fático e/ ou econômico se é inviável ou não, o que importa aqui é se o ordenamento jurídico me dá essa possibilidade. Ex: em um condomínio na Ilha do Governador faltou água durante um dia. O síndico comprou 3 carros-pipas e, depois, verificou que saía mais barato do que receber a água da CEDAE. Ele fez uma reunião de condomínio, onde ficou decidido que eles não continuariam com a CEDAE e passariam a comprar água dos carros-pipas e assim foi feita uma economia de recursos. Isso mostra que não é compulsório. Se fosse tributo, não seria possível fazer isso.

3) “EM MOEDA OU EM VALOR QUE NELA SE POSSA EXPRIMIR”:

Já vimos que é uma prestação pecuniária, que será paga em dinheiro e isso será feito em moeda corrente, não é em título da dívida pública, não é em imóvel, não é em barra de ouro etc e sim em dinheiro. “Ou em valor que nele se possa exprimir” – aí nós estaríamos nos contradizendo? Não. Em princípio eu pago em dinheiro. Se a lei em dinheiro, poderá ser pago de outra forma que não em dinheiro. O nome desse instituto jurídico é dação em pagamento: eu efetivo a obrigação por outra coisa que não a originalmente pedida. Quando eu pago o tributo sem ser em dinheiro, eu aplico o instituto da dação em pagamento. Existe dação em pagamento em Direito Tributário?[5] A LC 104/01 introduziu um inciso no art. 156 do CTN, que prevê as modalidades de extinção do crédito e esse inciso incluiu dação em pagamento em bem imóveis. A dúvida antes era se a dação existia ou não e hoje se existe a dação em imóveis ou não. O Professor Ricardo Lodi entende que a dação sempre existiu a partir da cláusula “em moeda ou em valor que nela se possa exprimir” . Mas é preciso, adote você uma posição ou outra, que a lei autorize a dação em pagamento, dizendo com o que eu posso pagar, até quando eu posso utilizar esse benefício. A regra é que o tributo seja pago em dinheiro. Mas se temos um caso em que o governo deve alguma coisa a alguém e, por isso, este tenha um título. Pagar tributo com título pode ser ou uma compensação ou uma dação em pagamento. No Direito Tributário a compensação não é alternativa. Também precisa de lei. Pex, o governo me deve 28,96% de algo e eu devo todo mês IR. Eu não posso parar de pagar o IR. A compensação só irá ocorrer quando o título estiver vencido, pois tem que ser líquido e certo. Se o título não estiver vencido, não há o que se compensar. Ou se for de outra Fazenda que não a credora, não há reciprocidade entre credor e devedor. Aí teria a dação em pagamento, que também precisa ser autorizada por lei. Então, de uma forma ou de outra, só por lei específica.

E essas apólices da dívida pública antigas, de 1902 a 1940, quando a moeda era os contos de réis? Os Tribunais não estão aceitando os títulos como pagamento financeiro, porque eles estão prescritos.

4) “QUE NÃO CONSTITUA SANÇÃO DE ATO ILÍCITO”

Esse elemento 4º elemento, “sanção de ato ilícito” vai diferenciar o tributo de qual outra exação? A multa é uma prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou valor que em nela se possa exprimir, cobrada mediante atividade administrativa, mas se traduz em sanção de ato ilícito. Isso significa que o tributo não tem caráter sancionatório. Eu pago tributo não porque eu pratiquei ato ilícito e sim porque eu revelo capacidade contributiva. O tributo não pode ter caráter de sanção, sob pena de deixar de ser tributo para ser multa. Uma vez, uma prefeitura de um município estava cobrando IPTU mais alto de quem construísse fora do plano diretor. E o STF disse que tudo bem, é constitucional, só que tira o IPTU, pois isso é multa. O nomen iuris não importa. O que importa é a natureza jurídica.

Há exceções no tocante ao tributo não poder constituir sanção de ato ilícito? Há quem diga que sim. No caso de IPTU progressivos no tempo e no ITR progressivo, para as propriedades imobiliárias que não cumpram a sua função social, ou seja, por latifúndio improdutivo, no art. 153,§4º CRFB e no IPTU progressivo no tempo para imóvel não edificado (terreno baldio), que agora foi regulamentado pelo Estatuto da Cidade - art. 182, §4º, II da CRFB. Mas isso não é uma sanção? Ou é extrafiscalidade? É extrafiscalidade. Extrafiscalidade é quando o legislador busca outros objetivos que não a arrecadação, busca intervir na realidade social, econômica, do meio-ambiente. Existem sempre uma dificuldade neste ponto, é uma zona cinzenta, pois é difícil determinar quando o governo está pretendendo estimular o ato e quando está punindo. Pex: tributo verde, que é o tributo ecológico.[6] Se você pega uma motossera e sai desmatando você é punido. Mas na sociedade industrial, toda indústria polui o ambiente. Há um grau de poluição tolerável pela sociedade, mas que deve ser desestimulado, porque o empresário deve tomar iniciativa no sentido de minorar a poluição que produz. Então, há um grau de poluição tolerável, mas que é desestimulável, então podemos usar tributo verde. Há outro grau, este intolerável, que é punido através da multa, da detenção, da reclusão, o que for. Não se deve confundir extrafiscalidade com sanção de ato ilícito. Se você pratica um ato que é ilícito, você vai ser punido. Se você pratica um ato que, embora ilícito, é desestimulado pelo poder público, você pode ter uma tributação extrafiscal. Pex: fumar maconha o Estado proíbe e fumar cigarro o Estado desestimula através de uma tributação pesada IPI. [7]

Voltemos ao IPTU e ao ITR progressivos. Hoje a função social da propriedade não é mais uma limitação ao direito de propriedade, como outrora. É o próprio fundamento constitucional da propriedade. Professor Gustavo Tepedino chega a dizer que a propriedade que não cumpre sua função social não merece guarita do texto constitucional. Será que é assim mesmo? Eu posso invadir o terreno baldio? O ordenamento não permite isso. Na verdade, uma propriedade, por prestar sua função social, dá ao proprietário o direito de ser proprietário. A questão é de peso na condenação. Uma propriedade que não cumpre a sua função social traz um peso muito pequeno se contraposta a um outro direito mais importante: o Estado vai desapropriar, os sem-teto, sem-terra que vão lá e invadem para buscar usucapião. A questão não é de ato ilícito. A questão é extrafiscal: o Estado está desestimulando, através de uma tributação pesada, a manutenção da propriedade improdutiva, a manutenção do terreno não edificado. Não é que seja ilícito. Até que ninguém invada, não há nenhuma limitação ao direito de propriedade. Se ninguém invadir, se a prefeitura não resolver desapropriar, está tudo certo. Esse IPTU que eu estou pagando a mais não é uma sanção de ato ilícito e sim é para me desestimular a manter aquele terreno na especulação imobiliária. Então, na verdade, não há exceção, continua valendo a regra, pois tributação não é sanção de ato ilícito.

Também não posso confundir com a chamada Teoria do Non Olet ou Princípio do Non Olet. “Non olet” significa não cheira. A história do “non olet” vem de Roma antiga, quando o imperador , para combater o déficit que assolava o Império, resolveu tributar os mictórios públicos e os galinheiros. O filho do imperador disse que isso era repugnante, ao que o imperador respondeu que o dinheiro não tem cheiro. Isso significa, modernamente, a possibilidade de tributar atividades praticadas em circunstâncias ilícitas. Traficante de drogas tem que pagar IR, ICMS. Cafetão tem que pagar ISS. O que se está tributando aí não é o ato ilícito e sim a renda, a circulação de mercadorias, a prestação de serviços. Se esse ato foi praticado em circunstâncias ilícitas, pouco importa. Não se pode tributar o correto e não tributar o errado, senão estaria estimulando a ilicitude. Al Capone foi para cadeia porque não pagou IR. A renda dele veio de contrabando de uísque (naquela época, de Lei Seca, vender uísque era ilícito). Ele não foi preso devido ao contrabando, que é crime e sim porque não declarou e não pagou IR, pouco importando de onde vinha a sua renda para o Fisco. Tem que se diferenciar, para não confundir, duas coisas: - fato gerador é composto de dois elementos: a descrição hipotética da lei, que eu vou chamar de hipótese de incidência; - fato oponível na vida do contribuinte, fato concreto, que eu vou chamar de fato impunível. Quando o fato impunível se subsome na hipótese de incidência ocorre o fato gerador. Quando o fato se encaixa na norma, ocorre o fato gerador. Mas, a ilicitude não pode estar descrita na hipótese de incidência, sob pena de virar uma multa. Eu não posso criar imposto sobre o tráfico de drogas, eu não posso criar imposto sobre a receptação, mas se eu auferi renda, se eu circulei mercadorias, se eu prestei serviços de forma ilícita, se a ilicitude for o acessório a informar aquele fato impunível descrito na lei que não prevê ilicitude, eu posso tributar, ou seja, o ato ilícito não pode estar na hipótese, mas pode informar o fato a punir. Por isso que eu posso tributar o traficante. Recentemente, o STF fez uso do princípio do non olet. Um traficante e disse o seguinte: “tudo bem, eu vou preso, mas eu não vou pagar um centavo a Receita Federal”. O STF determinou que ele fosse preso e que pagasse, devido ao princípio do non olet, pois ele auferiu renda. Alguns podem pensar que é imoral o Estado ao mesmo tempo punir e se beneficiar, por outro lado, da ilicitude. Não é imoral. O Direito Tributário se preocupa com a manifestação de riquezas e não com a forma jurídica que essa riqueza possui. Imoral seria se tributar quem agiu certo e não tributar quem agiu errado. Da mesma forma que o Estado não pode tributar mais pelo ato ilícito, ele não pode tributar menos pelo ato ilícito. Ele tem que ignorar a ilicitude do ato e tributar a manifestação de riqueza. É esse o conteúdo dessa cláusula: a ilicitude é totalmente irrelevante, ela não contribui nem prejudica a tributação.

5) “INSTITUÍDA EM LEI”:

Significa que o tributo deve ser criado por lei, em respeito ao princípio da legalidade. Se tiver todos os outros 5 elementos e não for instituída por lei não será tributo, não irá existir? Não. Seria uma tentativa inconstitucional de se criar tributo, o tributo seria inconstitucional. Que lei é essa? É lei em sentido formal ou é lei em sentido material? É lei em sentido formal, emanada do Poder Legislativo. É lei complementar ou é lei ordinária? Geralmente, é por lei ordinária. Só vai ser por lei complementar em 3 casos:

❖ empréstimos compulsórios;

❖ grandes fortunas; e

❖ tributos residuais, da competência residual da União (impostos e contribuições da seguridade social)

Só nesses 3 casos é necessária a instituição do tributo por lei complementar.

Medida provisória pode instituir tributo? Alguns entendem que sim. O STF entende assim também [8]. O STF admite a instituição de tributo por medida provisória porque esta tem força de lei e, se pode por lei, pode por MP. Se for instituir empréstimo compulsório não pode.

6) “COBRADA MEDIANTE ATIVIDADE ADMINISTRATIVA PLENAMENTE VINCULADA”

Esse último elemento tem duas partes. Na primeira diz que a cobrança tributária é necessariamente administrativa, ou seja, o sujeito ativo do tributo é o Estado, pessoa jurídica de Direito Público. Pessoa jurídica de Direito Privado não pode ser sujeito ativo de tributo. Já a segunda parte fala em atividade administrativa plenamente vinculada. É plenamente vinculada à lei. Isso significa que não há juízo de conveniência e oportunidade, não há discricionariedade na imposição tributária, na atividade de lançamento. Isso não quer dizer que não há discricionariedade em Direito Tributário, pois há. Pex: quando um fiscal for decidir se vai fiscalizar a empresa A ou B , ele vai decidir isso por um critério de conveniência e oportunidade. Não são todas as empresas que são fiscalizadas, é uma amostragem. Mas na definição de tributo, do “quando”, do “quem”, do “como”, há atividade plenamente vinculada. Não há possibilidade de se dispensar ou impor pagamento de tributo sem lei. Nem o Presidente nem o Governador nem o Prefeito podem dispensar o pagamento do tributo. Isenção, só por lei; remissão, só por lei; anistia, só por lei; qualquer dispensa de pagamento de tributo, só por lei. E essa lei é específica, como diz o art. 150, §6º da CRFB.

Desse modo, aquilo que reunir os 6 elementos, independente da denominação que tenha, tributo será. Posso chamar de adicional, de sobretarifa, do que for: se tiver os 6 elementos, tributo será. O Professor diz que quando fala em sobretarifa não está se referindo a esse racionamento que está acontecendo. Para ele, o racionamento é sanção de ato ilícito. Mas gastar luz é ato ilícito? Não. É ato ilícito não cumprir o racionamento. Mas ele ressalta que não considera legítima essa idéia de racionamento, porque o critério de discriminação não foi razoável. Pex: quem gasta muito, teria que ser cortado e quem não gasta muito, não teria que ser cortado. Ele acha que obrigar todos a cortarem 20% é injusto, porque uns podem até cortar 20%, mas outros, que quase não gastavam, sem esses 20% vai ficar uma situação difícil. Já tivemos outras sobretarifas que foram consideradas tributos, como a que existia no telefone, a FMT. A FMT se revertia para o Fundo Nacional de Telecomunicações e depois foi declarado imposto inconstitucional. Assim, não importa a nomenclatura que tenha: se reunir os 6 elementos, é tributo.

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[1] Imposto de transmissão de bens imóveis.

[2] Varre e Sai, por ser um município muito pequeno, dificilmente tem tributo. Aliás, 80% dos municípios brasileiros não tem tributos, não cobram tributos, vivendo exclusivamente de fundo de participação, são parasitas federativos.

[3] RECOMENDA-SE A LEITURA DESTE LIVRO

[4] esse tema é importantíssimo. Agora é que vamos tratar do Direito Tributário para valer

[5] já caiu na PGE esta pergunta uma vez, antes da LC 104/01, que altera vários dispositivos do CTN.

[6] Há inclusive uma monografia do Professor José Marcos Domingues de Oliveira, intitulada “Tributação e Meio-Ambiente”, onde se contempla a extrafiscalidade, principalmente a extrafiscalidade ecológica

[7] Algumas pessoas dizem que o Estado é conivente com isso, porque arrecada muito com IPI. Mas a arrecadação é destinada ao SUS, para cuidar do pulmão dessas pessoas, das campanhas publicitárias anti-tabagistas.

[8] Nós iremos comentar melhor o assunto quando tratarmos do Poder de Tributar.

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