Macua.blogs.com



A imigra??o na ?frica do Sul englobou em grande parte o movimento de portugueses a partir de Mo?ambique e de Angola [entrevista a Pamila Gupta] Pamila Gupta é doutorada em antropologia pela Universidade de Columbia, EUA. O seu percurso académico incluiu, ao nível de mestrados e licenciaturas, os domínios da antropologia, história, rela??es internacionais e economia, sempre em universidades norte-americanas. Mudou-se para a ?frica do Sul e actualmente é professora no departamento de antropologia da Universidade de Witwatersrand, e investigadora de pós-doutoramento no Wiser, Wits Institute for Social and Economic Research, na mesma universidade. Tem feito pesquisa etnográfica sobre a descoloniza??o dos portugueses de Angola e Mo?ambique e consequente migra??o para a ?frica do Sul. Entre outros, tem como interesses de investiga??o as migra??es e o cosmopolitanismo, mais precisamente os diversos tipos de imigrantes portugueses na ?frica do Sul e a transforma??o das no??es de classe associadas aos portugueses, durante e após o apartheid. A entrevista foi realizada em Lisboa, no dia 27 de Julho de 2012. left0Observatório da Emigra??o (à frente OEm) - Talvez possa come?ar por nos dizer porque escolheu investigar a migra??o portuguesa, durante o seu percurso académico e profissional. Sabemos que n?o é o seu objecto de estudo específico, mas acabou por integrá-lo durante o seu trabalho de pesquisa.Pamila Gupta (à frente PG) - Fiz a minha pesquisa de doutoramento em Goa, sobre a história da exposi??o do corpo de S. Francisco Xavier, na universidade Columbia nos EUA. Depois mudei-me para Joanesburgo, ?frica do Sul, por raz?es pessoais, e comecei a dar aulas na Universidade de Witwatersrand e tive uma bolsa de pós-doutoramento. Quando eu comecei a pensar num projecto de pós-doutoramento, achei que seria interessante olhar para Mo?ambique porque foi uma colónia portuguesa e poderia ter também liga??es com Goa. Ao pesquisar a longa história de migra??o goesa para Mo?ambique, fui ao encontro dos portugueses de Mo?ambique e dos portugueses de Angola que foram para ?frica do Sul depois de 1974. O facto de estar a viver em Joanesburgo ajudou-me a perceber que há diferentes tipos de emigra??o portuguesa numa mesma cidade. Há indicadores que mostram a história da migra??o portuguesa em Joanesburgo, como por exemplo poder-se comer pastéis de Belém, e é possível ?conhecer os diferentes tipos de portugueses que lá vivem. Comecei ent?o a interessar-me pelos três tipos de emigrantes portugueses que se encontram em ?frica do Sul: os da Madeira (Portugal), os de Angola e os de Mo?ambique. Obviamente há uma história mais longa dos portugueses descendentes dos que iam com o Vasco da Gama para a ?ndia e que ficaram na costa africana, havendo comemora??es nesse sentido e locais assinalados ao longo da costa. Houve também comerciantes que vieram nos séculos XVII e XVIII para ?frica do Sul, que depois casaram com afrikaners*, esta é a parte histórica por detrás.O primeiro grande grupo de imigrantes portugueses foram os que que chegaram principalmente da Madeira, mas também alguns dos A?ores. Há uma pequena percentagem descendente de a?orianos, mas n?o sei quando chegaram inicialmente a ?frica do Sul e o seu número exacto. Os madeirenses come?aram a chegar cerca de 1850, mas eu foquei-me nos que se deslocaram a partir dos anos 1950. Nesta altura houve uma grande seca na Madeira e n?o havia água suficiente para a agricultura, o que levou os agricultores a emigrarem para a ?frica do Sul porque já havia a rede de contactos dos que tinham emigrado nos anos 1850. Foi uma emigra??o em grande escala, que chegava de barco, de madeirenses sem papéis para se legalizarem, mas que mesmo assim conseguiram ficar no país.OEm - Em que é que se empregaram os madeirenses na ?frica do Sul?PG - Os emigrantes da Madeira empregaram-se em lojas e em quintas, como trabalhadores agrícolas na horticultura e fruticultura. Muitos dos que estavam em quintas, ou que eram empregados em lojas, passaram a ter lojas e a vender vegetais e fruta daí originários. Isto aconteceu durante o apartheid em ?frica do Sul. Portanto, montaram as lojas em áreas marginais e vendiam os produtos aos "pretos" (este é o termo que utilizam). Assim, sendo "brancos" (é também este o termo que utilizam) e vendendo aos pretos, estavam "entre" a popula??o e numa zona liminar, das margens, passando a ser brokers (intermediários). OEm - "Brokers" em que sentido?PG - Eram negociadores, eram "brancos" e venderem aos "pretos". Havia muitos afrikaners que n?o queriam ter esse tipo de trabalho, o que levou os portugueses a criarem um mercado, abrindo pequenas mercearias em comunidades que os outros "brancos" n?o iam e vendendo produtos que os "pretos" precisavam. Assim, os portugueses, com mais for?a de vontade e confortáveis a vender em áreas onde apenas viviam "pretos", fixaram-se em pequenas cidades, ao invés dos restantes "brancos" na ?frica do Sul. Eles poderiam n?o estar dispostos a viver lá, mas estavam dispostos a ter lá lojas. Por isso, passaram a ser conhecidos pela boa qualidade da fruta e dos vegetais que vendiam, o que continuou no período pós-apartheid, depois de 1994. Esta é uma parte da história que me interessa na minha pesquisa, mas ainda n?o fiz suficiente pesquisa sobre isto, embora esteja bastante motivada para contextualizar melhor.Que outros grupos de portugueses foram para a ?frica do Sul?PG - Um segundo grupo dos imigrantes portugueses a chegar a ?frica do Sul s?o os portugueses vindos de Angola, que estavam inseridos na estrutura colonial desse país. ? preciso referir que o chamado "mundo lusófono" estava sempre em circula??o, ou seja, entre as ex-colónias portuguesas havia grande circula??o de portugueses, como entre Angola e Mo?ambique. Portanto, é difícil dizer quem vinha de onde, e eu comecei a fazer histórias de vida dos portugueses vindos de Angola para ?frica do Sul, depois de 1975, ?para conhecer melhor os seus percursos. Alguns exemplos: o migrante nasceu em Angola; os pais nasceram em Angola; nasceram em Portugal e depois foram para Angola; nasceram em Portugal e foram para Mo?ambique e depois para Angola. Portanto, há vários padr?es, mas gostaria de salientar o argumento de que havia um grande movimento do mundo lusófono em ?frica.O que é interessante neste segundo grupo é que s?o maioritariamente uma elite, vinda de Angola para ?frica do Sul. Assim, se a maioria do primeiro grupo se torna trabalhadores agrícolas, os segundos s?o uma elite de passado colonial, vinda principalmente de Angola.OEm - Esta elite de portugueses em ?frica do Sul, vinda de Angola, era bastante qualificada? Estou a lembrar-me da entrevista da Cláudia Castelo que falou desse aspecto ao Observatório da Emigra??o.PG - Exactamente. Angola e Mo?ambique foram países que ao longo da história recebiam médicos de Portugal, porque precisavam de médicos especializados. Quando fiz histórias de vida de portugueses de Angola que foram para ?frica do Sul, tentei fazer de gera??es diferentes. Fiquei surpreendida com os que foram através da Namíbia, que na altura estava anexada a ?frica do Sul e, por isso, tiveram de passar por campos de refugiados. O que se torna aqui bastante interessante é que têm de aprender a ser "brancos", escrevi um artigo sobre este tema, ""Going for a Sunday drive": Angola decolonization, learning whiteness and the Portuguese Diaspora of South Africa", que podem consultar na bibliografia do website do Observatório.Se pensarmos em Angola, Namíbia, ?frica do Sul, e também Mo?ambique, que falarei mais à frente, percebemos que todos estes países estavam interligados através deste padr?o de migra??es. Há uma grande interliga??o lusófona dentro de ?frica do Sul devido à migra??o dos portugueses.OEm - Através das pessoas ligadas a Portugal e que falavam e falam português...PG - Sim. ? uma perspectiva diferente, se pensarmos que a migra??o portuguesa fornece um dos ?ngulos para analisarmos a história de ?frica do Sul, através da língua que liga diferentes tipos de portugueses neste país, e que ainda está pouco explorada. Quando se fala da migra??o na ?frica do Sul relaciona-se logo com a migra??o que foi directa para lá, mas eu acho que se tem de ver de uma forma circular, a partir dos países que formam a parte sul do continente africano e que est?o interligados historicamente, sendo que havia grande circula??o entre estes países, através dos portugueses de Angola e de Mo?ambique que foram para a ?frica do Sul.OEm - Faz muito sentido o seu argumento da movimento dos migrantes portugueses entre Angola, Mo?ambique e ?frica do Sul. Em rela??o ao terceiro grupo de portugueses que foi a partir de Mo?ambique, aconteceu na mesma altura que os de Angola, em 1975?PG - Sim, embora os de Mo?ambique tenham chegado sensivelmente mais cedo à ?frica do Sul porque a descoloniza??o lá teve lugar cerca de seis meses antes. Esta é uma imigra??o em maior número do que os que vieram de Angola. Há também aqui um outro dado analítico, eu estava interessada em desenvolver a ideia de uma etnografia de descoloniza??o.OEm - Pode explicar o que entende por etnografia da descoloniza??o?PG - Penso que é interessante pensar na descoloniza??o portuguesa como uma forma de produ??o de diáspora. Mais precisamente, quando houve a descoloniza??o das colónias portuguesas em ?frica, as pessoas tiveram de fazer escolhas sobre para onde ir. Alguns portugueses (ou descendentes) voltaram para Portugal, mas outros n?o, n?o tinham autoriza??o ou n?o tinham raz?es para voltar. Portanto, ao ter de fazer escolhas sobre para onde ir, se estavam em ?frica pensaram: e porque n?o ir para a ?frica do Sul? Assim, a ideia da etnografia da descoloniza??o envolve o segundo e o terceiro grupo, os portugueses vindo de Angola e Mo?ambique, aquando da sua descoloniza??o. Ambos vieram depois de 1975 e ambos tiveram de fazer escolhas sobre para onde ir. Concretamente em rela??o aos de Angola, a maioria foi para Portugal, alguns para o Brasil e outros para a ?frica do Sul. Em rela??o aos de Mo?ambique, a maioria foi também para Portugal e os restantes para ?frica do Sul. Porém, para além destas escolhas, houve portugueses de Angola e de Mo?ambique que vieram para Portugal e, como a experiência n?o correu muito bem, foram discriminados como "retornados", decidiram ir para a ?frica do Sul e fixar-se lá. Fiz histórias de vida de vários portugueses que apresentaram este mesmo padr?o.OEm - O que é que explica que alguns portugueses de Angola e Mo?ambique, terem escolhido ir viver para a ?frica do Sul, já depois de terem vindo para Portugal?PG - Porque continuariam a estar em ?frica, n?o poderiam voltar para Angola porque havia guerra civil, e o mesmo se passava em Mo?ambique. A guerra civil destes dois países foi um período em que os portugueses n?o sabiam o que fazer. Eles sabiam que havia portugueses na ?frica do Sul, que já estavam aí estabelecidos há vários anos. Mas o motivo principal era irem para um país de ?frica, por se considerarem africanos num certo sentido. Assim, a ?frica do Sul tornou-se uma outra possibilidade para se poder emigrar. A ideia de "retornados" na altura era bastante forte e isso for?ou a migra??o dos chamados "retornados" que chegaram a Portugal e se quiseram ir embora. As pessoas estavam em comunica??o umas com as outras, e, por isso, ouviam a experiência de uma família que tinha tido bastantes dificuldades em Portugal e pensavam: eu n?o vou para lá. Todavia, também há aqui uma quest?o de classe. As pessoas que puderam voltar ou ir para Portugal, pertenciam geralmente à elite e eram mais qualificadas que os portugueses, que n?o lhes deram muito espa?o na sociedade. Ao n?o terem muito espa?o na sociedade portuguesa, vários escolheram ir para a ?frica do Sul. ? necessário mais investiga??o sobre este tópico, mas é algo que sobressai das histórias de vida que recolhi. Por exemplo, uma das mulheres que entrevistei pertencia à elite e foi-lhe dado bilhete de primeira classe para sair de Angola e ir para Portugal, o que se enquadra com outros testemunhos. Por outro lado, uma outra mulher disse que gostaria de ter vindo para Portugal, n?o tinha dinheiro para o bilhete e teve de ir de carro para um outro país próximo com a sua família, tal como outras pessoas me disseram. Logo, houve os retornados, mas também muitos outros portugueses pelo meio que tomaram decis?es diferentes aquando da descoloniza??o.OEm - A história oral revela-se portanto um método bastante importante para conhecer a migra??o dos portugueses das ex-colónias...PG - Sim. Eu queria conhecer melhor essa realidade e percebi que os documentos nos arquivos n?o tinham vários dados etnográficos em que eu estava interessada, sendo muito mais enriquecedor obtê-los a partir das pessoas que tinham vivido o processo e que est?o vivas. Como sou antropóloga com forma??o também em história, estava bastante interessada em como as pessoas narravam as experiências, para além dos factos em si. Eu pretendia retratar etnograficamente a descoloniza??o. Quando me refiro a etnografia, estou a falar dos testemunhos orais, dos métodos da antropologia como a observa??o participante e a recolha de histórias de vida.OEm - Portanto, através dos testemunhos dos intervenientes, p?de aceder às suas próprias vers?es da descoloniza??o e da posterior migra??o para ?frica do Sul, retratando narrativas pouco exploradas.PG - Sim. Para mim foi fascinante conhecer estes padr?es migratórios. Eu vim a Lisboa para uma conferência, em 2008, com o tema, Narrating the Portuguese Diaspora, e creio que fui uma das duas únicas pessoas que fizeram uma apresenta??o sobre ?frica. Todos os outros investigadores focaram o Canadá, os EUA ou a Europa. Foi estimulante porque a minha comunica??o levou a que outros conferencistas falassem das experiências dos seus próprios familiares e das suas rela??es com ?frica. A migra??o dos portugueses em ?frica engloba-se numa migra??o lusófona mais abrangente e teve um papel maior do que pensamos, porque alguns dos portugueses que viveram em Mo?ambique e vieram para Portugal tiveram familiares seus que emigraram para o Canadá ou Europa, e cresceram com as memórias de alguém falar de ?frica, sem estar documentado como parte da história do padr?o de migra??o portuguesa.Penso que também é importante caracterizar as diferentes categorias de portugueses e isso é bastante complexo.OEm - Pode explorar um pouco mais as diferentes categorias em torno dos portugueses?PG - Quando falamos da diáspora portuguesa estamos a referir-nos especificamente aos portugueses "brancos"? E quando discutimos a história do hibridismo, como é que se pode classificar quem é "branco" e quem n?o é "branco" e que é "misto"? Quem é em parte "africano" e em parte "português"? Quem é em parte "indiano" e em parte "goês" e em parte "português"? Muitas das decis?es foram baseadas em padr?es de casamentos. Por exemplo, um português considerado "branco" casado com uma angolana "mista", em princípio, decidiu ir para a ?frica do Sul, em vez de ir para Portugal. Assim, é necessário também problematizar a categoria de "português" porque é uma categoria complicada neste contexto. As estatísticas pretendiam mostrar que os portugueses eram os "portugueses brancos", mas n?o é claro que eles tenham nascido como "portugueses brancos". Muitas das experiências que me foram contadas, mencionavam a "cor ligeiramente escura" dos portugueses que tiveram alguma "mistura" entre os antepassados, que vieram para a ?frica do Sul e n?o eram suficientemente "brancos", adoptando estratégias para serem vistos como "brancos". Na minha pesquisa sobre a migra??o goesa para Mo?ambique, do que era a ?ndia Portuguesa para a ?frica Oriental Portuguesa, os goeses eram considerados como "portugueses" pelos africanos em termos de estatuto, e a quest?o é: eles hoje podem (ou n?o) ser englobados como parte da diáspora portuguesa? Ainda n?o tenho conclus?es porque é uma área que precisa de mais investiga??o. O mesmo acontece com a migra??o dos mo?ambicanos "pretos" para ?frica do Sul que na altura eram "portugueses". De alguma forma, a diáspora portuguesa é um conceito confuso e complexo no que respeita às implica??es de ra?a.OEm - Havia alguma designa??o para os portugueses mais "escuros"?PG - No artigo que escrevi sobre esta ideia de se tornarem "brancos", refiro o exemplo de um português de Angola que me confessou que teve de esconder o seu tio no porta-bagagem do carro porque sabiam que os sul-africanos "brancos", como os afrikaners, que eram polícias, n?o o iriam deixar entrar na ?frica do Sul, devido à sua cor de pele mais "escura". Há várias histórias interessantes de como as pessoas adoptaram diferentes estratégias para sobreviver. E os afrikaners n?o gostavam que eles fossem católicos, eles eram protestantes e preferiam imigrantes protestantes. Foi muito complicado porque queriam que os imigrantes portugueses de Angola estudassem a Bíblia, tal como os protestantes; queriam que eles aprendessem inglês, e os imigrantes portugueses n?o falavam inglês; queriam integrá-los na cultura "branca" de ?frica do Sul.OEm - Que tipos de trabalho os portugueses de Angola passaram a ter na ?frica do Sul?PG - Alguns empregaram-se na indústria mineira, como gerentes, por exemplo. Um deles queria falar com um tio de Mo?ambique que falava português e trabalhava nas minas e o patr?o dele n?o gostava que falasse com o tio em português, para além de ele usar as casas-de-banho dos trabalhadores e o patr?o queria que ele usasse a casa-de-banho dos "brancos". Uma outra mulher, por exemplo, com bastante poder económico e da elite, tinha 14 anos quando imigrou e o pai já tinha comprado propriedades na ?frica do Sul a prever a descoloniza??o; foi uma família que se deu bastante bem na ?frica do Sul por ter um grande poder económico. Em termos gerais, n?o se tornaram donos de lojas - como os portugueses da Madeira - normalmente foram para empregos mais qualificados, embora tivessem levado algum tempo a consegui-los. Alguns passaram por bastantes dificuldades económicas até conseguirem bons empregos. Eles eram considerados refugiados na ?frica do Sul, por isso foram bastante ajudados pela igreja católica formada principalmente por portugueses de Portugal, vindos da Madeira, que se identificaram com os portugueses de Angola por serem também portugueses.. Estou a fazer ainda mais pesquisa sobre este tema. Tiveram de fazer uso das suas liga??es portuguesas, de modo a obterem os papéis para ficarem no país.OEm - E o terceiro grupo, os portugueses vindos de Mo?ambique?PG - Para os portugueses vindos de Mo?ambique era muito mais rápido chegar a ?frica do Sul do que para os vindos de Angola, por ser muito mais perto, bastava-lhes atravessar a fronteira. ? interessante que foram muito menos fiscalizados a entrar na ?frica do Sul do que os de Angola. Eles n?o tiveram de passar pela Namíbia e pelos campos de refugiados, puderam ir directamente. Por este motivo, foi também mais fácil para eles entrarem de forma ilegal na ?frica do Sul, porque essa fronteira n?o estava t?o refor?ada com militares e polícia como estava a da Namíbia, que estava anexada à ?frica do Sul e precisava de ser monitorizada com militares nas fronteiras. A Namíbia era uma colónia alem? e quando o deixou de ser, no final da Primeira Guerra Mundial, passou a ser administrada pela ?frica do Sul, até ter a sua independência em 1990 (antes do fim do apartheid).Em termos de classe, os portugueses de Mo?ambique eram normalmente da classe média, por compara??o com os portugueses de Angola. O padr?o dos portugueses de Mo?ambique é, por isso, diferente, cuja maioria é da classe média e apenas alguns da elite. Alguns passaram a ter servi?os para servir os outros portugueses, por exemplo, peixarias, floristas, lojas com produtos importados de Portugal. Há muitas mais liga??es históricas entre a ?frica do Sul e Mo?ambique do que entre a ?frica do Sul e Angola, e, por isso, é muito mais fácil aos portugueses de Mo?ambique integrarem-se na ?frica do Sul, porque já têm muito mais conhecimento sobre o país. Falam inglês mais facilmente e est?o menos isolados.OEm - E, portanto, depois da descoloniza??o passa a haver portugueses da Madeira, de Angola e de Mo?ambique na ?frica do Sul, como disse no início...PG - Sim. Passa também a haver discrimina??o entre os próprios portugueses. Por exemplo, os da Madeira n?o gostam muito dos de Angola e os de Angola também n?o gostam muito dos da Madeira, entre eles há tens?es de classe e bastantes diferen?as. Por isso, várias pessoas que entrevistei de Angola chamam "fish and chips" aos da Madeira.OEm - Nesse contexto, qual a conota??o de "fish and chips"?PG - Significa que ao chamarem-lhes "peixe e batatas fritas" est?o a fazer um comentário depreciativo por só comerem peixe e batatas fritas sem qualquer requinte; ao usarem esta express?o est?o a colocá-los simbolicamente numa categoria baixa. A título de exemplo, uma das mulheres que entrevistei de Angola lembra-se de a m?e n?o convidar os portugueses da Madeira para jantar porque n?o os queria em sua casa, apenas se queria relacionar com os de Angola e ser associada apenas a este grupo. Os portugueses de Angola também consideravam os de Mo?ambique como um grupo abaixo do seu e os de Mo?ambique olhavam os de Angola igualmente como um grupo considerado inferior ao seu.OEm - E como é que os portugueses de Mo?ambique representavam os portugueses da Madeira?PG - Havia o mesmo tipo de tens?o que entre os portugueses de Angola e os da Madeira, havia uma tens?o de classe e n?o se davam muito entre si, os de Mo?ambique consideravam também os da Madeira como um grupo abaixo do seu.OEm - Pode-se dizer que havia uma comunidade portuguesa?PG - N?o. Apesar de partilharem uma liga??o a Portugal, tratavam-se de três grupos complexos devido aos diferentes níveis de qualifica??o escolar e de classe, entre outras diferen?as. Foi aqui que a igreja católica desempenhou um papel importante em rela??o aos portugueses que moravam dispersos uns dos outros, em aldeias ou cidades pequenas, distantes umas das outras, como resultado da estrutura de apartheid que n?o queria grupos organizados concentrados. A inten??o do apartheid era os brancos poderem ser assimilados, daí estarem distribuídos por todo o território.OEm - E em rela??o ao contexto mais recente?PG - Os portugueses na ?frica do Sul eram associados aos portugueses da Madeira e estereotipados como os "brancos pobres" pelos afrikaners "brancos", eram considerados uma classe trabalhadora, chamados de "fish and chips", digamos que estavam no estrato mais baixo dos "brancos". Os portugueses de Angola eram conhecidos como os "sea caferers", como "mar e café", significando que vieram através do mar, de Angola, e a sua cor era negra como a do café, por terem algum sangue africano, um modo de referirem que eram mais escuros que os outros portugueses. Durante o apartheid, mais concretamente nos anos 1980, s?o também chamados de "poras", que é simultaneamente uma palavra afrikaner para pessoas portuguesas e um palavr?o, portanto tem um duplo sentido, é ofensivo, é como chamar algo a alguém, tendo implícito um outro significado depreciativo. Agora já n?o s?o representados como "poras".No pós-apartheid há alguma no??o de comunidade portuguesa e de algum orgulho nisso, com os três diferentes grupos a frequentarem as mesmas igrejas, os mesmos clubes de desporto e restaurantes.Na ?frica do Sul há cerca de 5.000 pessoas que s?o identificadas com nacionalidade portuguesa, de acordo com os censos de 2001, mas algumas pessoas afirmam que existem cerca de 800.000 portugueses...OEm - ? difícil saber o número exacto porque as estatísticas excluem os portugueses que tenham dupla nacionalidade; e a maioria tem, como está anotado no website do OEm, na página relativa à ?frica do Sul...PG - Sim. Em rela??o aos portugueses que vivem em Joanesburgo, s?o bastante activos no sentido de terem associa??es como clubes de futebol e associa??es da igreja. Há um bairro nos subúrbios de Joanesburgo que é conhecido pela popula??o portuguesa, em particular, uma peixaria famosa, uma outra loja com produtos portugueses, uma pastelaria chamada Belém com pastéis de Belém. Têm também um jornal dos portugueses, O Século. As pessoas v?o a restaurantes portugueses que s?o conhecidos pelo camar?o e pelo bacalhau. ? uma forma de identificar os portugueses na ?frica do Sul, através da comida e do futebol.OEm - Muito obrigada por toda a informa??o que partilhou. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?PG - Sim. Há um outro tema que ando a pesquisar e, embora precise de aprofundar mais, gostaria de discutir a ideia de Joanesburgo como uma cidade pós-colonial portuguesa (para além de ter outras identidades da cidade). Joanesburgo pode ser considerada uma cidade pós-apartheid, mas penso que também como uma cidade pós-colonial portuguesa, porque houve imigra??o com origem em Mo?ambique, uma ex-colónia portuguesa, de pessoas que agora trabalham em servi?os para outros portugueses "brancos". Há, por isso, uma rela??o interessante entre os colonizadores/colonizados que existia em Mo?ambique e que foi reproduzida de uma forma complexa na ?frica do Sul em termos de classe e de estatuto, porque já n?o é mais uma rela??o entre colonizadores e colonizados, mas uma rela??o de trabalho entre patr?es portugueses "brancos" que empregam mo?ambicanos para trabalharem para eles. ? uma espécie de neo-colonialismo porque eles precisam de pessoas que falem português para trabalharem com eles nos restaurantes, nas lojas, e por isso empregam mo?ambicanos que falem português e que foram também para a ?frica do Sul, depois da descoloniza??o e da consequente guerra civil. Para além desta din?mica, há os portugueses de Angola e da Madeira. Conheci na ?frica do Sul um português cuja família tinha emigrado da Madeira, e levou-me um dia a dar um passeio pela zona a que chamamos "Joanesburgo português", passámos o dia a falar apenas português, apenas conheci pessoas que falavam português (embora também falassem inglês), fui a um club onde se juntam e a um restaurante português...OEm - ? uma espécie de "Little Portugal" dentro de Joanesburgo.PG - Sim. Fomos também comer pastéis de nata num café, fomos a um espectáculo de dan?a tradicional portuguesa, o folclore. Há também um festival anual chamado "LusitoLand", em que durante alguns dias há celebra??es relacionadas com a cultura portuguesa. Os portugueses s?o um grupo muito enérgico. Agora têm muito mais contacto com os sul-africanos, há casamentos entre os portugueses e os sul-africanos, mas continuam a ver-se como um grupo de origem imigrante. Para analisar os portugueses na ?frica do Sul é necessário perceber que têm uma história com várias perspectivas: depois do apartheid os diferentes grupos de portugueses tornaram-se mais próximos, bastante enérgicos a tornarem mais visível a cultura portuguesa em ?frica do Sul, por um lado; mas, por outro lado, est?o mais afastados porque convivem muito mais com os outros portugueses dos países de onde vieram, como Angola, Mo?ambique ou a regi?o da Madeira, o que transmite tens?es entre os grupos. Por exemplo, os portugueses da Madeira come?aram a ir visitar os familiares na ilha, enviam também mais remessas, ou seja, fortaleceram os la?os. O Joe Berardo é um dos casos mais visíveis publicamente, que permite analisar o reatar de rela??es entre a ?frica do Sul e a Madeira e, em termos mais gerais, com Portugal. Agora os diferentes grupos de portugueses est?o todos a mudar os la?os com o país de onde vieram, fortalecendo-os, est?o também a tentar obter nacionalidade portuguesa devido às facilidades da Uni?o Europeia. A realidade dos diferentes grupos de portugueses na ?frica do Sul é muito complexa.OEm - Mas considera que os três grupos de portugueses est?o integrados na ?frica do Sul, ou funcionam mais em grupos isolados?PG - No pós-apartheid os portugueses passaram a estar mais integrados na sociedade como um grupo e as diferen?as entre eles tornaram-se mais ténues devido ao papel da igreja católica, das associa??es portuguesas, dos clubes de desporto, ou seja, dos centros para promover a cultura portuguesa, assim como através do Dia de Cam?es, dos pastéis de nata, do futebol e da religi?o. Falam português, têm missa em português, e penso que as diferen?as entre os portugueses de Mo?ambique, de Angola e da Madeira em ?frica do Sul tornaram-se mais ligeiras.OEm - Para terminar, pode falar de como o facto de ter passado a viver na ?frica do Sul influenciou a sua investiga??o?PG - Da minha experiência pessoal, mudar-me como académica dos EUA para a ?frica do Sul abriu-me novas pistas de investiga??o, tanto analíticas como classificatórias, levou-me a reflectir sobre Goa de uma perspectiva diferente e sobre as suas liga??es com Mo?ambique, assim como sobre o enquadramento dos portugueses em ?frica. Penso que que isso n?o aconteceria se eu continuasse a investigar a partir dos EUA. Nunca teria acesso à perspectiva dos próprios migrantes, como tive aqui. Portanto, a localiza??o de onde se vive e se trabalha muda bastante a perspectiva e o tipo de perguntas que se colocam ao investigador.?* Afrikaners é a designa??o de quem descende de holandeses e de outros europeus que se estabeleceram na ?frica do Sul, nos séculos XVII e XVIII. ? devido a eles que existe o afrikaans, uma das línguas oficiais do país2012-11-16 In ................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download