O MERCOSUL E O SÉCULO XXI
O MERCOSUL E O SÉCULO XXI
É um prazer e uma honra voltar hoje à Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito
Federal. Desejaria de início cumprimentar os organizadores deste Seminário e agradecer-lhes
vivamente pela oportunidade que me proporcionam de falar sobre o futuro do Mercosul, que é
tema de alto interesse nacional e regional. Espero que minhas palavras sejam de utilidade como
uma introdução geral ao ciclo de palestras que hoje se inicia e se estenderá por toda esta semana.
O século XXI está às nossas portas. Nos próximos anos, nos concentraremos com intensidade
crescente na reflexão sobre as tarefas políticas, jurídicas e econômicas que nos cabem em nossa
sub-região, em especial com relação ao Mercosul. Começamos uma caminhada, um processo de
aproximações sucessivas, embora certamente tenhamos em nosso espírito os marcos fundamentais
que, de comum acordo, fixamos com os nossos parceiros, os demais Estados Partes do Mercosul e
os que a ele se estão associando.
I - NOVA PÁGINA NA HISTÓRIA
Importância do Mercosul. O Mercosul abre uma página fundamental na história recente de nossa
região, mas uma página em construção, não terminada, que conhecerá uma evolução crucial nos
próximos anos. Seu impacto ultrapassa amplamente o plano comercial, embora este seja a
essência do processo de integração. Muito já alcançamos, mas muito deveremos ainda realizar. A
consolidação do Mercosul já provocou uma sensível mudança de mentalidades no País e na
região.
Sabemos que o Brasil tem variados e fortes interesses no desdobramento do Mercosul. Primeiro,
porque se abrem janelas de expansão comercial, tanto do ponto de vista das exportações quanto
das importações, o que contribui para a melhor implementação da vigente política de abertura de
mercado.
Segundo, porque, ao promover um significativo aumento do intercâmbio comercial, crescem as
razões para a ampliação e o aperfeiçoamento da infra-estrutura nacional e regional, a qual sempre
padeceu de deficiências que, por seu turno, entorpeciam o desenvolvimento das relações regionais.
Terceiro, porque a participação no Mercosul se constitui em fator de modernização econômica e
social do País, nos mais variados aspectos, pois induz transformações no sistema produtivo, com
o aumento da produtividade e da eficiência, e na sociedade, ao realçar a necessidade e a urgência
da adoção de medidas de correção das presentes desigualdades.
Quarto, porque, ao funcionar como âncora política sul-americana, o Mercosul contribui para
reforçar a estabilidade regional e sugere ainda a modernização do papel do Brasil em seu entorno
imediato.
Finalmente, porque estabelece para a sub-região uma plataforma de negociação de sua inserção
internacional mais ampla. Tem, pois, o Mercosul claro impacto político e econômico.
Visão do futuro e o papel da SAE. Não poderíamos pensar o Mercosul sem ao mesmo tempo
cogitarmos do Brasil e de sua interface com a sub-região e o mundo. A Secretaria de Assuntos
Estratégicos trabalha ativamente nessas dimensões, sempre sob a ótica do longo prazo e das
questões multidisciplinares.
A inserção externa do Brasil, inclusive no Mercosul, só se verificará de forma ordenada e
consciente se produzirmos uma visão ampla e compartilhada do que somos e do que desejamos
nas próximas décadas. Ou seja, o que somos como sociedade, como experiência humana, histórica
e cultural, e o que desejamos alcançar, como País, para nós mesmos e para as gerações futuras, em
benefício próprio, de nossos parceiros regionais e, em última análise, da humanidade como um
todo.
Seguindo orientação do Presidente da República, a Secretaria realiza, neste momento, uma
reflexão sobre o que o Brasil no século XXI. Por intermédio, principalmente, de uma série de
"workshops" temáticos, a SAE começou a interrogar-se sobre possíveis cenários alternativos com
horizonte no ano 2020, que servirão de base para um posterior debate, o qual contará, mais
adiante, com ampla participação dos meios políticos e acadêmicos.
Tais cenários balizarão as estratégias que oportunamente comporão um projeto nacional de
desenvolvimento de longo prazo. Essa tarefa é particularmente relevante nesta época de
mudanças. O sentido de nosso esforço é o da inovação - não a idéia de repetir projetos e
programas fora de época, mas buscar linhas de ação que estejam à altura de nossas necessidades e
aspirações, tendo presente um quadro internacional de regionalização e globalização.
Regionalização, nesta fase, equivale a integração regional. Agora, que a situação mudou
radicalmente, percebemos que no Brasil inexistia um verdadeiro ânimo de integracionista. O País
não mais se considera uma "ilha", embora tenha larguíssima tradição nesse sentido. No debate
político ainda se identifica uma antinomia entre um enfoque cosmopolita ou universal, e - dado o
tamanho do País e a variedade dos interesses internos - a expressão de uma tendência natural a
olhar mais para dentro do que para fora. Tal antinomia, porém, já está obsoleta.
O Brasil, apesar de suas conhecidas limitações, deve preparar-se para ter presença e perfil político
e econômico mais salientes. Parece importante nos conscientizarmos dessa tendência: não se trata,
contudo, de idealizar uma posição de potência ou ressuscitar teses antiquadas de "Brasil Grande",
mas do fato de que a leitura fria de dados variados, desde população até território e produto,
assim como muitos outros, revela uma nova dinâmica brasileira e nos situa de forma específica em
nossa região e no mundo.
Nos mais variados campos, aprofunda-se o nosso estilo de relacionamento com os vizinhos:
começamos a reconhecer os encargos que, de certa forma, são nossos. Por exemplo, o
Centro-Oeste brasileiro (segundo conclusões de uma Comissão Interministerial sobre Corredores
Bioceânicos, coordenada pela SAE), até há pouco tido como região remota, agora - diante de
investimentos em curso ou por se iniciarem - tem o claro potencial de, juntamente com a Bolívia,
servir como fulcro da distribuição dos transportes dentro da América do Sul e em direção ao
mundo. Seremos crescentemente obrigados a trabalhar com categorias inovadoras como essa.
No plano interno, uma das maiores preocupações governamentais é criar oportunidades
equilibradas de participação e integração sócio-econômica entre as diferentes regiões do país.
Deseja-se fazer, por exemplo, com que os estímulos ao desenvolvimento proporcionados pelo
Mercosul cheguem com naturalidade também ao Brasil Central, ao Norte e ao Nordeste, e evitar,
por conseguinte, que se acentuem os históricos desequilíbrios interregionais. O Mercosul, em
consonância com as características sul-americanas, estimula um processo de integração
principalmente ao longo do eixo São Paulo-Buenos Aires. Em razão da localização estratégica
desse eixo, do tamanho dos mercados centrados naquelas duas cidades, da existência de
infra-estrutura de apoio e de outras condições, era improvável que deixasse de ser assim, mas o
importante é o esforço para a correção do processo, consciente e já iniciada, de modo que o
Mercosul sirva aos interesses do Brasil como um todo.
Uma das presentes funções do Estado é justamente orientar (e negociar) a inserção do país nos
processos de regionalização e de globalização. Existe, é verdade, uma tendência analítica reduzi-la
ao âmbito multinacional. Não tenho dúvida quanto à importância deste, mas parece igualmente
realista reconhecer que, quando e onde vige a democracia, o Estado tem a função de representar
os interesses da sociedade em ambos os processos a que aludi.
Para restringir-me ao nosso tema, lembraria apenas que a própria história da formação do
Mercosul, que ainda estamos vivendo, indica clara e persuasivamente a necessidade de mantermos
em consideração simultânea os mundos do Estado, da sociedade e do mercado. O fatiamento
desses temas pode ter valor didático, pois facilita sua exposição, mas empobrece a análise e a
decisão política.
Tomando por base o Mercosul, o Chanceler L. F. Lampreia afirmou recentementeque a
intensificação da integração regional e a integração entre regiões já está mapeada e definida por
entendimentos realizados ou em curso, de que são exemplo os processos já lançados, mas
projetados para um futuro a médio e longo prazo, das negociações para a criação da Área de
Livre Comércio das Américas e para a criação de uma área de livre comércio entre o Mercosul e a
União Européia.
Temos, pois, à vista os principais elementos do desafio para o Século XXI: o futuro do Mercosul,
as negociações relativas à ALCA e as relações entre o Mercosul e a União Européia.
II - ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MERCOSUL
Origens. Como é sabido, o passo inicial na rota do Mercosul foi a aproximação entre o Brasil e a
Argentina promovida pelos Presidentes Sarney e Alfonsín a partir de 1986. A oportunidade
histórica e estratégica proporcionada pelo retorno de ambos os países à democracia foi, então,
bem aproveitada não só para reforçar as tendências democráticas, mas também para dar fim
completo a uma longa tradição de incompreensões bilaterais. O espírito que passou a predominar
nas relações entre Brasília e Buenos Aires foi emblematizado pelos entendimentos na área de
salvaguardas nucleares. Os Presidentes Sarney e Alfonsín buscaram posicionar conjuntamente os
dois países, diante das circunstâncias internacionais políticas, econômicas, comerciais e
tecnológicas em transformação.
Circunstâncias internacionais. Essas circunstâncias, algumas apenas visíveis em 1986, tornaram-se
fatores preponderantes cinco anos mais tarde, quando - em 1991 - Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai concluíram o Tratado de Assunção, com vistas à constituição do Mercado Comum do
Sul.
Uma dessas circunstâncias é o fenômeno da globalização, que redesenha as estruturas produtivas e
os padrões industriais e tecnológicos. O esforço de integração é simultâneo com tais
transformações econômicas e tecnológicas em escala mundial. Os novos padrões de produtividade
e competitividade provocam mudanças aceleradas na estrutura econômica, sem que os países
tenham inteira consciência, ou domínio, dos complexos efeitos de tais alterações sobre a
organização social.
Outra circunstância foi a tendência à regionalização do comércio e à orientação dos fluxos de
capital, bens e serviços. Notavam-se, em particular, o avanço aparente em direção ao NAFTA, a
evolução da CEE rumo à União Européia, o crescente papel econômico de bom número de países
asiáticos, ao lado dos impasses do multilateralismo econômico no GATT; do protecionismo e do
quadro recessivo de diversas economias desenvolvidas, que absorviam uns 65% das exportações
da América do Sul. Especialmente importante era o constante declínio, desde 1984, da posição
relativa do Brasil no comércio mundial.
Diante do panorama de progressiva marginalização, Brasil e Argentina buscaram
redefinir sua inserção regional. Para os Estados Partes, o Mercosul vai representar a
opção de ampliação dos mercados nacionais e de integração econômica para a melhor
inserção na emergente ordem econômica.
Perspectiva brasileira da regionalização. A regionalização passa a ser encarada no
Brasil como um mecanismo cooperativo a moderar certos aspectos negativos da
ordem internacional. Com rapidez, entendemos que a integração regional, ao estilo do
Mercosul, significaria, no mínimo, uma escala necessária no caminho da globalização e,
no máximo, a própria maneira de os Estados da região participarem em conjunto da
definição de sua inserção global. A regionalização não substitui esta última, mas
seguramente a complementa.
Como modelo de regionalismo aberto e não-excludente, o Mercosul proporciona uma
base econômica mais robusta para a atuação no mercado mundial. Uma de suas
facetas é a abertura dos mercados, na expectativa de que o crescimento econômico
possa ser induzido pelo aumento das exportações. Nessa linha, o Brasil e a Argentina,
por exemplo, querem não só incrementar seu comércio bilateral e regional mas
aperfeiçoar e expandir sua inserção global.
Em consonância com seus interesses de longo prazo, o Brasil tem demonstrado
flexibilidade no tratamento das questões do Mercosul e, ao mesmo tempo, tem
estimulado seus parceiros a adotarem um espírito semelhante, inclusive no que diz
respeito às formas de adesão ou associação de outros países ao arranjo regional.
Êxito do Mercosul. Objetivamente, no chamado Período de Transição (da assinatura do
Tratado de Assunção até 31 de dezembro de 1994), buscou-se a consolidação das
etapas de Zona de Livre Comércio e de União Aduaneira.
Desde então, e até 2005, estamos no período de Consolidação da União Aduaneira,
durante o qual a prioridade recairá na implementação dos instrumentos de política
comercial comum acordados e na elaboração do quadro normativo complementar.
Embora a consolidação da União Aduaneira constitua a prioridade desta etapa, a
construção do futuro Mercado Comum do Sul justifica os esforços para o adensamento
das relações entre os Estados Partes Tais metas foram reafirmadas em Ouro Preto, em
dezembro de 1994.
Desde Assunção, registram-se êxitos comerciais, que estão comprovados pela
elevação do intercâmbio intra-Mercosul de US$ 4,1 bilhões (em 1990, antes de
Assunção) para US$ 12 bilhões em 1994, e US$ 14,5 bilhões no ano passado. Tais êxitos
talvez sejam a motivação de certas críticas interessadas que começam a ser dirigidas
ao Mercosul, por seu suposto caráter fechado.
Para o Brasil, os resultados do período de transição se evidenciaram muito positivos.
As exportações para Argentina, Paraguai e Uruguai elevaram-se de $ 1,3 bilhão de
dólares (1990) para $ 5,9 bilhões (1994), em crescimento de 350%. Em 1996, as
exportações continuam em rápido crescimento: somaram em agosto US$ 705 milhões,
resultado 27,5% superior ao registrado em agosto do ano passado . O acumulado em
1996 se eleva a US$ 5,3 bilhões, montante 15.5% maior que o registrado no mesmo
período de 1995 e representa 15 % do total de vendas do país.
Nos oito primeiros meses deste ano, 70,4% das exportações brasileiras para o
Mercosul dirigiram-se à Argentina, 18,2% ao Paraguai e 11,3% ao Uruguai. Entre janeiro
e agosto, somente as exportações para a Argentina alcançaram US$ 3,3 bilhões, com
um crescimento de 22,55%.
O Brasil consolidou-se como o principal parceiro comercial da Argentina e absorve
mais de 30% de suas exportações. A Argentina, por sua vez, tornou-se o segundo
parceiro do Brasil (após os Estados Unidos) e seu segundo supridor de óleo bruto e
derivados. Em 1996, com a compra de 135 mil barris diários de petróleo por US$ 1
bilhão, a Argentina estará transformada no principal fornecedor petrolífero do Brasil: 25
a 30% de nossas importações de óleo bruto já provém daquele país, com perspectivas
de que o Brasil venha a aumentar as importações. Existe ainda a possibilidade de que
a Argentina venha a tornar-se o único fornecedor de trigo ao Brasil na próxima safra
pois, além da sua alta produtividade, o trigo argentino conta ainda com vantagens
tarifárias. A estimativa é que, na presente safra, as compras sejam de US$ 1,5 bilhão de
dólares em trigo, passando em volume de 4,3 milhões, em 1995, para 5,8 milhões de
toneladas.
Com os demais sócios do Mercosul, em volume e valor de comércio o Paraguai (nono
maior mercado para os produtos brasileiros no mundo) é tão importante quanto o Reino
Unido e a França; e o Uruguai supera a Espanha como parceiro do Brasil. Dados como
estes provocam sem dúvida uma forte alteração no imaginário comercial brasileiro.
Entretanto, as compras de US$ 954 milhões feitas pelo Paraguai ao Brasil entre janeiro
e setembro de 1996 representaram uma queda de 2% em relação a igual período do
ano passado, enquanto as vendas para o Uruguai diminuíram mais, com queda de 5%.
III- O MERCOSUL NO RUMO AO SÉCULO XXI
O caminho do futuro. O "Programa de Ação do Mercosul até o Ano 2000" surgiu como
resposta à necessidade de prover o processo de integração durante o Período de
Consolidação da União Aduaneira (1995-2005) com diretrizes capazes de nortear as
negociações destinadas a aprimorar a União Aduaneira e a aprofundar o processo de
integração.
Para ser preciso, o "Programa de Ação" não corresponde propriamente a uma agenda
negociadora fixa, pois não prioriza temas, nem determina prazos, nem ainda exclui a
possibilidade de que a própria evolução do processo indique caminhos diferentes dos
que propõe. São as pautas negociadoras dos Subgrupos de Trabalho e Reuniões
Especializadas, bem como os mandatos dos Comitês Técnicos da Comissão de
Comércio e dos Grupos Ad Hoc, que têm perfil de "agenda de trabalho", com objetivos
concretos, prazos e meios de implementação.
Avalia-se que a viabilidade comercial do Mercosul esteja comprovada pelo expressivo
crescimento dos fluxos comerciais e de investimento intrazonal (o comércio livre de
tarifas alcança cerca de 95% do intercâmbio total entre os Estados Partes). Estima-se
ainda que existe um vasto campo para a expansão do comércio intrazonal, uma vez
que, comparativamente, em cada um dos Estados Partes o comércio exterior participa
pouco na formação do respectivo PIB. 0s próximos anos deverão demonstrar a
capacidade do Mercosul de aperfeiçoar-se dos ângulos político, econômico e
institucional, de alargamento geográfico e de relacionamento com os demais grandes
agrupamentos econômicos do mundo.
A vocação do Mercosul é o aprofundamento vertical e o alargamento horizontal.
A) Aprofundamento vertical.
O aprofundamento vertical obedece à lógica do avanço da integração por etapas
consolidadas e se subordina ao objetivo declarado de alcançar a efetiva constituição
do Mercado Comum do Sul.
De certa forma, o Mercosul já é mais que uma união aduaneira clássica, o que se atesta
não apenas pelo progresso da integração física e energética pela multiplicidade de
campos de entendimento entre os Estados Partes, mas também por sua nova
dimensão política. Com a criação do mecanismo de concertação política, aprimora-se a
coordenação de posições entre os quatro Estados Partes sobre os grandes temas da
política regional e internacional.
União Aduaneira e Tarifa Externa Comum. A consolidação e aperfeiçoamento da União
Aduaneira dar-se-á mediante a completa implementação da Tarifa Externa Comum e o
fim do Regime de Adequação à União Aduaneira, nos prazos e condições já
estabelecidos, bem como mediante a conclusão dos instrumentos de política
comercial comum - dentre os quais as normas comuns em matéria de defesa da
concorrência, defesa do consumidor, práticas desleais de comércio e medidas de
salvaguarda - que complementarão o quadro normativo regulamentador da União
Aduaneira.
Democracia. Outra faceta onde se registra clara evolução é o fortalecimento da
democracia como ingrediente indispensável da integração sub-regional e a disposição
dos Estados Partes de tomarem atitudes apropriadas, em caso de ruptura, ou ameaça
de ruptura, da ordem institucional. Operacionalizado no Mercosul o princípio da
democracia, essa dimensão, que já encontra respaldo cotidiano no contato, o
intercâmbio de idéias e consulta diplomática, está reforçando a confiança e a
solidariedade entre os Estados Partes e sua posição no panorama internacional.
Parlamentos. A inspiração política que conduziu ao aprofundamento das relações do
Brasil com os nossos parceiros de integração deriva do texto constitucional de 1988,
que transformou em princípio o ideal da integração latino-americana. Ao aprovar o
Tratado de Assunção, o Legislativo brasileiro traduziu o apoio do povo e das unidades
da Federação ao processo de integração e legitimou as negociações conduzidas pelo
Executivo. O contínuo apoio do Congresso Nacional à implementação do Mercosul se
revela principalmente pela aprovação dos protocolos ao Tratado de Assunção que lhe
são regularmente submetidos.
A transparência, abertura e democratização do processo de integração constituem
preocupação permanente dos Estados Partes, e em especial do Brasil. Por inspiração
brasileira, o Protocolo de Ouro Preto criou o Foro Consultivo Econômico-Social, órgão
de representação dos setores sindical, empresarial e consumidores dos quatro países.
Esse Foro e a Comissão Parlamentar Conjunta abrem espaço dentro da estrutura
institucional do Mercosul para o acesso de representantes da sociedade civil da
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
A Comissão Parlamentar Conjunta promove desde 1991 audiências públicas, para ouvir
os vários setores sobre os impactos da integração e organiza seminários sobre temas
de interesse, como a política industrial ou agrícola. A Comissão busca assegurar a
atuação, no Foro Consultivo Econômico e Social, de entidades não-governamentais
representativas.
O desafio do Mercosul será a inserção também das atividades humanas, já que sua
terceira etapa envolverá livre circulação de capitais e trabalho. Por isso precisará
abrir-se mais à sociedade, aos partidos políticos e à academia. O debate sobre a
estrutura institucional do Mercosul vai-se tornando parte da agenda dessas entidades.
Desenvolvimento jurídico-institucional. Recentemente, tem merecido atenção o tema
do desenvolvimento jurídico-institucional da integração. Entendo que outro
conferencista se dirigirá especificamente a essa questão, o que me dispensaria de
tratá-la em pormenor.
Não há divergência entre os Estados Partes acerca do entendimento de que os
avanços institucionais devem corresponder às efetivas necessidades do processo de
integração. Do ponto de vista brasileiro, a administração de uma Zona de Livre
Comércio e de uma União Aduaneira, ainda imperfeitas, não exige a criação de órgãos
supranacionais. Inexistiriam, portanto, motivos de ordem jurídica ou política que
imponham, na presente etapa, avanços institucionais.
O Mercosul não constitui uma comunidade de Estados regida por órgãos decisórios
supranacionais: não gera portanto "normas comunitárias" superpostas às nacionais.
Li opiniões de conhecidos juristas brasileiros, segundo as quais os mecanismos
existentes - negociação, Comissão de Comércio e arbitragem - têm sido capazes de
dirimir as controvérsias e resolver os conflitos.
Uma modificação da posição brasileira, se constitucionalmente possível, teria que ser
precedida de amplo debate nacional e necessitaria o respaldo dos três Poderes.
Ainda nesse quadro, deve-se reconhecer que, sob o impacto das novidades globais e
regionais, as legislação próprias, nacionais, estão em processo de compatibilização e
homogeneização a longo prazo, mas sua codificação nada tem, ou terá, de automático.
Irá sempre depender de negociações entre os Governos, como representantes das
sociedades, e, acrescente-se, das condições estruturais e conjunturais de mercado.
Mercado Comum do Sul. Cumpridas as etapas intermediárias, a meta será a
conformação do Mercado Comum do Sul. A noção de que a construção do Mercosul
constitui um processo em etapas deve merecer acolhida, em qualquer análise sobre
desenvolvimento do processo de integração sub-regional. Em artigo recente, pudemos
ler que o processo de integração constitui "uma seqüência permanente de etapas em
permanente evolução. Não existe hoje, como não previa o Tratado de Assunção e
tampouco existia à data da constituição da União Aduaneira em janeiro de 1995 - um
Mercosul completo".
Em última análise, mercado comum, forma criada pelo Tratado de Roma em 1957,
implica mercado único, com livre movimento de bens, serviços, trabalho e capital e a
eliminação de todas as formas de discriminação. Para esse aprofundamento
parecemos caminhar - mas tenho a esperança que não marchemos às cegas, porque
como demonstram os atuais problemas da União Européia, o paradigma europeu deve
ser estudado, e não necessariamente copiado.
B) Alargamento horizontal.
Relacionamento externo do Mercosul. O Mercosul, que não pretende limitar-se a sua
própria conformação, atribui importância crescente a seu relacionamento externo, que
cobre o amplo espectro que vai desde as negociações com os países da ALADI, para
homogeneizar os instrumentos existentes até as negociações no âmbito da integração
hemisférica, com base na convergência gradual dos esquemas sub-regionais de
integração, em especial o Mercosul e NAFTA.
O Mercosul não é, nem almeja ser, um megabloco: sempre lhe faltará, por um lado, a
magnitude necessária e, por outro, não está estruturado em termos hegemônicos.
Contudo, é uma forte realidade regional e sub-regional: Brasil e Argentina, que afinal
representam 97% do PIB do Mercosul, são seus originadores e esteios, enquanto o
Paraguai e Uruguai são sócios valiosos, cuja importância é sublinhada pelos arranjos
paritários que governam esse arranjo regional.
O alargamento horizontal é um processo multifacetado. É objetivo relevante do
Mercosul ampliar, a partir da América do Sul, o espaço para integração hemisférica,
mas no entendimento de que o Mercosul constitui uma entidade com peso próprio, que
lança bases para um profícuo relacionamento com outros grupos e econômicos. O
alargamento horizontal do Mercosul se explica por sua dinâmica interna, por sua
vocação para o regionalismo aberto e pelas próprias condições que regem o comércio
internacional.
Enquanto buscam entender-se com os demais membros da ALADI sobre a
renegociação das preferências contidas nos acordos bilaterais (o que deve ocorrer até
31 de dezembro), os Estados Partes do Mercosul, usando a conhecida fórmula 4+1,
procuram negociar Acordos de Livre Comércio. A flexibilidade do Mercosul pode ser
facilmente depreendida dos variados esforços que foram ou estão sendo
empreendidos, como o Acordo de Livre Comércio com o Chile, as negociações
terminadas com a Bolívia (que segue membro da Comunidade Andina), os
entendimentos com esta em formato 4+5 e os em curso com a Venezuela, assim como
com o México, que é membro da NAFTA.
A conclusão do ALC com o Chile representou passo importante, pois demonstrou o
dinamismo externo do Mercosul, a confiança que inspira e sua capacidade de atração
comercial. Reforça-se a estabilidade macroeconômica do Mercosul, dada a capacidade
chilena de investimento no exterior e o desempenho de crescimento econômico
daquele país. O comércio entre o Mercosul e o Chile aumentou uns 175% entre 1990 e
1995, passando de US$ 1,600 milhões a US$ 4,500 milhões.
Não se esconde a expectativa brasileira de incremento de investimentos: o Chile já
tem US$ 340 milhões investidos no Brasil e pelo menos US$ 4,5 bilhões na Argentina.
O segundo país em investimento chileno é o Peru, com US$ 1,5 bilhão.
O Chile deseja instituir zonas de livre comércio com agrupamentos econômicos
diversos, o que se justificaria por seu contexto, no qual 80% da economia é
representada pelo comércio exterior. O acordo com o Mercosul não implica o abandono
de outras prioridades de integração a mercados da América Latina, da América do
Norte, Europa e Ásia-Pacífico e não exclui, por exemplo, negociações para uma
eventual incorporação do Chile ao NAFTA.
O Mercosul e o Chile inauguraram uma área de livre comércio a partir de 1º de outubro.
De acordo com as regras negociadas, as tarifas para a maior parte das importações
chilenas de produtos agrícolas não sofrerão desgravamento nos próximos dez anos; a
partir de 2006 as taxas começarão a ser reduzidas, chegando a zero em 2014. A
desgravação aduaneira para produtos industrializados teve início em 1º de outubro
com redução de 40%, que, em 1º de janeiro de 2004, chegará a 100%. Estudos da
associação chilena de indústrias mostra que a integração com o Mercosul será
responsável pela criação no Chile de 170 mil empregos, nos próximos cinco anos, só
no setor de manufaturas.
Comunidade Andina. Os países da futura Comunidade Andina (Colômbia, Venezuela,
Peru, Equador e Bolívia) aceitaram oficialmente a proposta do Mercosul de um acordo
direto de livre comércio para suprimir a longa fase de revisão das tarifas preferenciais.
Reunidos em Lima, os chanceleres decidiram, numa perspectiva otimista, que até
dezembro deve estar firmado um "acordo normativo" que dará o contorno geral da
zona de livre comércio.
Nas negociações de livre comércio com a Bolívia, estão concluídos os cronogramas de
redução de tarifas e o texto do convênio, os quais deverão ser formalizados na reunião
presidencial de Fortaleza em dezembro próximo. As vendas brasileiras para a Bolívia
são pequenas - US$ 380 milhões nos primeiros nove meses deste ano, mas as
perspectivas são otimistas e com o acordo fechado, espera-se que o comércio
boliviano com o Brasil e com os demais países da área deva dobrar nos próximos três
anos. As relações entre o Brasil e a Bolívia estão entrando em nova e promissora fase
com as perspectivas de integração da malha de transportes e a construção do
gasoduto Bolívia-Brasil.
O conjunto de Acordos de Livre Comércio se correlaciona de alguma forma com a
proposta de criação, no período de dez anos, de uma Área de Livre Comércio
Sul-Americana (ALCSA). Responde, ainda, à preocupação, compartilhada pelos países
do Mercosul, de conciliar a prioridade atribuída à consolidação da união aduaneira com
a necessidade de abrir mercados na América do Sul. Tais ações fortalecem o Mercosul
como grupo e o capacitam melhor ao diálogo com outros blocos.
O entendimento com o México foi anunciado após o recente encontro de Cochabamba:
o passo inicial para viabilizar a associação do México (membro do NAFTA, outro grupo
regional), na prática ficou algo distante do que o México inicialmente pretendia - pois
pensava em algo nos moldes do NAFTA e estava interessado em estabelecer regras
comuns em serviços e propriedade intelectual.
O México vê, na relação com o Mercosul, um caminho para a diversificação de seu
comércio, tradicionalmente concentrado nas relações com os EUA, que respondem por
80% das trocas. O comércio do México com os países do Mercosul não supera US$ 2
bilhões, sendo o Brasil o principal parceiro com US$ 1,5 bilhão. As importações e
exportações mexicanas estão estimadas, no total, em US$ 180 bilhões. Reconhece-se
a complexidade da economia mexicana, vinculada a tratados que dão preferência aos
EUA e Canadá. O Mercosul provavelmente buscará um acordo que corresponda de
forma construtiva as peculiaridades de seu comércio com o México.
África Meridional. O processo de alargamento horizontal do Mercosul terá
prosseguimento: a SADC - Comunidade de Desenvolvimento da África Meridional, em
fase de reestruturação - bloco econômico formado pela África do Sul e outros onze
países, iniciou conversações (em estágio muito preliminar) com o Brasil e a Argentina.
Japão. Neste mês, realizaram-se conversações preliminares em São Paulo, as quais
podem converter-se num passo para a ampliação das relações econômicas entre o
Mercosul e o Japão. São evidentes as complementaridades entre os parceiros e é
crescente a expectativa de que se altere a retração dos investimentos japoneses no
Mercosul. Decidiu-se em São Paulo a criação de mecanismos para facilitar o acesso do
empresariado japonês a informações sobre o processo de integração, abrir canais para
contatos permanentes e promover uma importante conferência empresarial em 1997.
Integração hemisférica. Em dezembro de 1994, em Miami, a "Cúpula das Américas"
aprovou, com a concordância do Brasil, a proposta de criação de uma área hemisférica
de livre comércio (ALCA) do Alasca à Patagônia, a ser negociada até 2005, para quando
se prevê o início da redução tarifária de amplitude hemisférica. Em Miami e na
subsequente reunião de Denver, concordou-se em que a integração hemisférica será
construída a partir da convergência gradual dos diversos esquemas sub-regionais
existentes (o que se convencionou chamar de "building blocks").
O Brasil conseguiu, aos poucos, sensibilizar os demais países do Mercosul para o vulto
e delicadeza dos problemas que a integração hemisférica encerra e persuadir seus
interlocutores da necessidade de um ritmo adequado que permita negociações com
tranqüilidade. Por sua harmonização e "agregação" progressiva, os acordos
sub-regionais deverão contribuir para o estabelecimento do livre comércio
hemisférico. O ritmo próprio de desenvolvimento destes acordos, que vem obtendo
realizações concretas, e seu fortalecimento devem ser preservados - e não superados-
por uma dinâmica hemisférica, cujos objetivos finais e métodos passarão ainda por
longo e complexo processo de negociação. Do ângulo do Brasil, a metodologia de
aproximação gradual aos esquemas de integração atende ao interesse de apoiar a
integração hemisférica e manter, ao mesmo tempo, a prioridade da consolidação do
Mercosul.
A fim de que os interesses em presença sejam bem atendidos, será necessário adotar
medidas de racionalização e coordenação das negociações hemisféricas. Essa
prudência se faz necessária diante das disparidades econômicas e da conveniência de
manter a harmonia entre o que se passa no âmbito de integração e o estado da
disciplina comercial, no plano multilateral mais amplo.
Ao se apresentar de forma articulada ao longo das etapas do exercício hemisférico, o
conjunto dos países do Mercosul maximiza forças, ou seja, aumenta sua capacidade de
negociação. A proposta brasileira dará maior peso negociador aos países do Mercosul
e do restante da América do Sul, sobretudo agora que se inverte velozmente a
tendência de os EUA importarem mais do que exportarem com relação a seus vizinhos
do Sul: entre 1990 e 1994, as exportações norte-americanas para a América Latina
cresceram 79%, muito mais do que em mercados como Japão e Europa.
Pode-se, de outro lado, perceber que as discussões entre os representantes
governamentais e do setor privado do Mercosul, dos EUA e do Canadá alimentarão as
negociações por muitos anos. Quando em 2005 começar a entrar em vigor a redução
das alíquotas de importação nos países da ALCA, a tarifa média norte-americana de 2 a
3% e a latino-americana (de 14 a 17%) convergiriam para zero - os ganhos dos EUA
com a redução tendem a ser bastante superiores aos da América Latina. Ao mesmo
tempo, a redução das barreiras tarifárias tenderá a permitir acesso ao maior mercado
do mundo, o norte-americano - o que deve compensar perdas que setores
latino-americanos sofrerão com a liberalização. O Executivo norte-americano, porém,
ainda não obteve autorização legislativa para negociar, e não apresentou qualquer
proposta de liberalização.
Com a ALCA, o que se contempla é a criação apenas de uma área de livre comércio, e
não de uma união aduaneira A diferença entre a posição norte-americana e a do
Mercosul se prende centralmente ao momento da liberalização dos mercados: os EUA
estariam interessados em acabar com as barreiras tarifárias e estabelecer desde já
regras de política de concorrência e compras governamentais. O Brasil e o Mercosul
preferem privilegiar nesta fase a integração regional e sub-regional, convencidos de
que uma abertura hemisférica imediata teria certos efeitos perversos sobre suas
economias. Os empresários brasileiros estão engajados nas discussões, preocupados
com que as decisões oficiais não se choquem com as necessidades produtivas. A
indústria defende um ritmo prudente de negociação, endossando assim o
empresariado a posição favorecida pela Chancelaria.
A estratégia do Brasil vem sendo consolidar os ganhos do Mercosul. Para o Brasil, é
sedutor o mercado americano - mas receia-se que a pressa norte-americana redunde
em prejuízos. Para os EUA, por sua vez, o mercado brasileiro é o mais tentador da
região. A América Latina é das únicas áreas do mundo onde os EUA obtém saldo
comercial: em 1995 o saldo foi de US$ 2,29 bilhões, revertendo-se três anos de déficits
consecutivos.
C) Dimensão global.
União Européia. A União Européia é a maior potência comercial do mundo. Se o ritmo
da integração prosseguir, como desde 1952 (quando se estabeleceu sua precursora, a
Comunidade Européia do Carvão e do Aço), a União Européia talvez venha a se tornar
um verdadeiro ator mundial e global (global world player) em muitas áreas.
O momento, porém, é crítico com relação ao seu alargamento e aprofundamento e de
debate sobre as metas da integração. A consideração dos rumos da expansão não
poderá ser indefinidamente evitada: desde janeiro de 1995, foram admitidos Finlândia,
Suécia e Áustria, e se apresentaram treze novas candidaturas da Polônia à Hungria, de
Malta à Turquia.
Um dos maiores problemas em pauta é o do sistema de financiamento - o problema
das repercussões da expansão da UE em termos de políticas agrícola e de
desenvolvimento regional. Desde 1984, os recursos para os Fundos Regional e
Estrutural quase sextuplicaram: na hipótese da admissão dos "Estados de Visegrád"
(Polônia, Hungria, República Checa e República Eslovaca) as normas vigentes
exigiriam outra a duplicação dos fundos, além de aumento de cerca de uns 30% para
nos dispêndios agrícolas, o que é quase inconcebível. Isso porque, segundo o padrão
UE, por exemplo, 90% do território da Polônia e da República Checa seriam
considerados "área em desenvolvimento".
A União Européia é o principal parceiro comercial do Mercosul, destino de 27% de suas
exportações e origem de 26% de suas importações A União Européia tem hoje PIB de
US$ 7, 3 trilhões: congrega 370 milhões de habitantes com renda anual média per
capita de 20 mil dólares. Seu comércio representa 1/5 do comércio mundial e o
comércio intracomunitário 60% de seu comércio total, com exportações anuais de US$
1,745 bilhão e importações de US$ 1,687 bilhão. Outros dados tem interesse: 47% dos
investimentos diretos no Mercosul provêm da União Européia e desde 1990 capitais
europeus vem participando em privatizações nos países do Mercosul, sendo seus
setores preferidos as telecomunicações, serviços financeiros, indústrias automotriz,
eletrônica, petroquímica e mineira, transportes (sobretudo aéreo e ferroviário) e
turismo.
O Mercosul tem hoje dimensões próximas às da Comunidade Européia em seus
estágios iniciais. A importância potencial do Mercosul é maior do que geralmente se
imagina, portanto. As relações entre o Mercosul e a União se iniciaram formalmente em
1992 e mais recentemente foi assinado um Acordo-Quadro de Cooperação entre o
Mercosul e a União Européia, o primeiro instrumento de associação entre duas uniões
aduaneiras, o que automaticamente lhe confere valor histórico, na diplomacia
comercial. Por esse instrumento foi institucionalizado um diálogo político de alto nível,
abriram-se perspectivas, a médio prazo, de liberalização do intercâmbio comercial
interregional e para a negociação de instrumentos ancilares, em domínios funcionais e
na área política.
O interesse do Mercosul em guardar algum paralelismo e harmonia entre as
negociações no plano da ALCA e com a União Européia esbarra todavia em certa apatia
européia (exagerando-se um pouco o termo). Há um descompasso entre a liberalização
sul-americana e estagnação relativa de nossas exportações à Europa, como se nota,
por exemplo, na manutenção de obstáculos às vendas de produtos como frango, sisal,
café solúvel, papel e siderúrgicos, que continuam a encontrar barreiras. Ainda hoje o
Brasil vende menos manufaturados à Europa que aos Estados Unidos, o que indica que
o relacionamento comercial com a Europa necessita modernização.
OMC. Representantes do Mercosul estiveram em setembro, em Genebra, para discutir
com o Comitê de Acordos Regionais da OMC a adequação da legislação da União
Aduaneira às regras da organização. Tais reuniões visam a testar se, no conjunto, as
tarifas e regulamentações dos grupos não são mais restritivas que as regras anteriores
a sua formação. Um dos principais argumentos usados para provar o caráter
não-restritivo do Mercosul é o fato de que de 1990 a 1995 suas importações globais
cresceram 176%, passando de US$ 27 bilhões a US$ 75,4 bilhões. As importações de
terceiros países cresceram 163%.
Para finalizar, diria que a ênfase na regionalização não exclui a preocupação com o
fortalecimento do multilateralismo e a democratização das relações internacionais.
As Nações Unidas, por exemplo, devem ser atualizadas e fortalecidas mediante uma
ampla reformulação de suas estruturas e agenda de trabalho, em particular nos
campos, da promoção do desenvolvimento e dos persistentes riscos e problemas
engendrados pela globalização e de sua interface com as variadas questões com
implicações universais suscitadas pelos grupos regionais e sub-regionais em
formação.
A Organização Mundial do Comércio deve igualmente ser consolidada como instância
internacional multilateral de regulação e liberalização de comércio, enquanto as
instituições financeiras de Bretton Woods devem adequar suas estruturar para
gerenciar e moderar os extremos da globalização no setor financeiro internacional.
Tais objetivos, que já eram importantes no período tenso da guerra fria, tornaram-se
críticos hoje, neste momento em que os parâmetros de análise acham-se em
constante mutação à busca de um novo ordenamento regional e mundial.
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