Recurso de Apelação Criminal nº



Recurso de Apelação Criminal nº 32.261/2004 - Sinop

|Apelante: |M.A.L |

|Apelado: |Ministério Público |

|Relatora: |Desª Shelma Lombardi de Kato |

RELATÓRIO

Eminentes Pares.

Adoto o bem lançado relatório da lavra da douta Procuradora de Justiça Drª Silvia Guimarães, de fls. 232 a 236 TJ, vazado nos seguintes termos:

“1- Por meio da r. sentença de fls.157/164 TJ, foi M.A.L condenado como incurso nas sanções dos artigos 214 c/c 224, "a" e 71 do Código Penal, à pena total de 08 (oito) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, nos termos do artigo 33, § 2°, "a", do Código Penal, por haver restado provado que aquele praticou o crime de atentado violento ao pudor contra a vítima O.R.O, menor de 12 (doze) anos de idade.

2- Inconformado com a decisão desfavorável, o Condenado interpõe recurso de apelação às fls. 180, apresentando as razões pertinentes às fls. 183/200, nos termos seguintes:

I- Argumenta que o inquérito policial constante dos presentes autos é nulo em razão de que somente após colherem o depoimento do APELANTE, apostando em sua chancela, foi que as autoridades lhe ditaram as garantias constitucionais pertinentes. Afirma também que, durante a colheita do depoimento da vítima, a autoridade policial procedeu à nomeação na pessoa de funcionária lotada no distrito policial, hierarquicamente subordinada à autoridade que presidia o ato, o que implica violação ao princípio da verdade real. Suscita, com tais razões, senão a nulidade do processo, ao menos a aplicação do princípio do in dúbio pro reo.

II- Questiona ainda o documento de fls. 27/28 (relatório de exame de corpo de delito), que se encontra eivado de irregularidades, sendo que, conforme análise dos quesitos, trata-se de um provável exame preliminar, cujo questionário se referia ao crime de estupro, razão por que seria precário, não tendo sido feito posteriormente o exame de corpo de delito pertinente, por 02 (dois) peritos, consoante prevê o Código de Processo Penal.

III- Afirma que se pode observar pelo auto de prisão em flagrante e pelo inquérito policial que o APELANTE foi abordado de forma aleatória em sua residência para que os policiais "tirassem um serviço", sendo que, no entanto, aqueles não encontraram armas em seu poder, mas apenas o menor referido. Aduz, no mais, que é público e notório que tal menor havia sido abandonado pelos familiares e acolhido pelo APELANTE.

IV- Sustenta que "os policiais plantaram uma incriminação para o Apelante", tendo sido o mesmo acusado de tentativa de homicídio, sem que, no entanto, houvesse qualquer coisa a incriminá-lo. Afirma que quando de sua abordagem era horário de almoço e repouso, sendo a materialidade do delito precária para o tipo penal em que foi incurso o APELANTE.

V- O APELANTE aduz ainda que a Defesa pugnou pela nulidade do inquérito policial em razão dos argumentos mencionados, sendo que, em Juízo, devidamente cientificado de seus direitos constitucionais, manifestou-se negando a autoria delitiva e que, pelos depoimentos testemunhais, verifica-se que não praticou os atos libidinosos que lhe foram imputados na denúncia, não tendo restado demonstrada, assim, a materialidade delitiva e a autoria.

VI- Acerca das declarações da vítima, afirma o APELANTE que, se não forem fantasiosos, há indícios de que foram induzidos ou de "temperanças", com tendências de formação da personalidade. Traz à colação ensinamentos respeitantes à psicologia infantil, com o que argumenta que abundam falsas denúncias baseadas em palavras de jovens. Afirma ainda que a vítima vivia há meses juntamente com outras pessoas na casa do APELANTE, sempre com liberdade de ir e vir, e que, embora seja menor, optou por morar com aquele.

VII- Sustenta que a "operação policial" por meio da qual foi preso o APELANTE constituiu verdadeiro tormento na "suposta vítima", a qual, diante dos princípios da psicologia, teria ficado sugestiva e manipulável.

VIII- Por outro lado, suscita a falta de prova da violência presumida, com o que argumenta a falta da materialidade delitiva, alegando, outrossim, que se faz necessário o exame de corpo de delito para uma eventual condenação do Réu, sob pena de cerceamento de defesa. No mais, defende a inaplicabilidade da Lei n.o 8.072/90 ao caso em exame, ao argumento de que o crime de atentado violento ao pudor que lhe é imputado não configura delito hediondo.

IX- Por derradeiro, pugna pela desclassificação do crime por cuja prática foi condenado para a contravenção de importunação ofensiva ao pudor. Pede seja considerado o fato de que se encontrava em casa de bermuda quando foi abordado porque era verão, época em que é comum tal vestimenta. Ainda suscita a precariedade das provas juntadas para uma condenação.

X- Diante de tais argumentos, requer o APELANTE a reforma da sentença proferida, para o fim de ser absolvido diante da inexistência de prova de que tenha concorrido para uma infração penal, ou, se não se entender dessa forma, que seja a pena imposta reduzida ao mínimo legal, concedendo- se a progressão de regime prisional.

3- As contra-razões de recurso foram apresentadas às fls. 202/212, oportunidade em que o APELADO rechaça as nulidades suscitadas pelo APELANTE, argumentando que, conforme registrou o Magistrado a quo, foi assegurado ao Acusado quando de seu interrogatório policial o direito de permanecer calado. Quanto ao fato de haver sido nomeada funcionária hierarquicamente subordinada à autoridade que presidiu o inquérito para acompanhar o depoimento da vítima, aduz que, conforme entendeu o Julgador de primeiro grau, nada há de irregular nesse procedimento.

I- Sustenta ainda que, mesmo que fossem procedentes as alegações do APELANTE, é certo que o inquérito policial é peça meramente informativa e dispensável, cujas nulidades não contaminam o processo, argüindo, no mais, que somente seria possível anular o processo caso as provas colhidas tivessem origem ilícita.

II- No que tange à ausência do exame pericial reclamado pelo APELANTE, aduz o parquet que é pacífico na doutrina que tal nulidade é relativa, impondo-se à sua configuração, portanto, a demonstração de prejuízo, o que não ocorreu no caso em tela. Afirma, além disso, que o relatório de exame de corpo de delito constante dos presentes autos serviu para atestar a existência de prova material do crime de atentado violento ao pudor. Suscita a validade de tal laudo, à luz da jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, bem como de decisões desse E. Tribunal de Justiça.

III- Argumenta ainda que o crime de atentado violento ao pudor prescinde de exame de corpo de delito, haja vista que se trata de delito que nem sempre deixa vestígios.

IV- Quanto às provas produzidas nos autos, o APELADO sustenta que, apesar de a vítima ser pessoa bastante jovem, os seus depoimentos extrajudicial e judicial se mostraram bem coerentes e firmes, guardando sintonia com a confissão extrajudicial do APELANTE, com a perícia realizada pelo médico legista e com as demais declarações colhidas.

V- Por outro lado, afirma que as circunstâncias em que o APELANTE e a vítima foram abordados no dia dos fatos e as impressões dos policiais são sugestivas e coerentes com as declarações do menor. Afirma ainda que, a par da inocência da vítima, as provas da ocorrência delitiva são reforçadas pelo depoimento da testemunha Wilson Ramires Chaves, o qual afirmou saber que o APELANTE dormia na mesma cama do adolescente, e que tomavam banhos juntos.

VI- Suscita a dificuldade da existência de testemunha ocular em crimes sexuais, bem como a presença de várias evidências que guardam sintonia com as declarações da vítima, argumentando, no mais, que não se pode esperar de uma criança ou adolescente qualquer ato heróico de resistência, e que não se mostra relevante o debate acerca da idade da vítima, em razão de que,. no caso dos presentes autos, a violência decorreu de grave ameaça.

VII- Outrossim, alega que, comprovada a ocorrência do crime de atentado violento ao pudor, afigura-se inviável o pedido de desclassificação para a contravenção de importunação ofensiva ao pudor, até porque esta somente poderia ocorrer se o fato fosse praticado em lugar público ou acessível ao público, o que não é o caso dos autos.

VIII- Afirma que o pedido de afastamento da hediondez do delito apenas vem a confirmar o intuito protelatório do apelo, haja vista que o Juízo a quo sequer considerou o crime hediondo, havendo o Magistrado de primeiro grau expressamente afastado a incidência da Lei n.o 8.072/90.

IX- Com essas razões, pugna pelo improvimento do recurso de apelação apresentado.

É o relatório.

Cuiabá, 03 de setembro de 2004.

Desª Shelma Lombardi de Kato

R e l a t o r a

Recurso de Apelação Criminal nº 32.261/2004 - Sinop

|Apelante: |M.A.L |

|Apelado: |Ministério Público |

|Relatora: |Desª Shelma Lombardi de Kato |

VOTO

Eminentes Pares:

M.A.L foi condenado pelo Juízo Criminal da Comarca de Sinop pela pratica do crime de atentado violento ao pudor em continuidade delitiva contra o menor, à época com 12 anos de idade, O.R.O. Inconformado a r. decisão a quo interpõe a presente apelação, levantando inicialmente preliminares, que por serem questões prejudiciais ao mérito passo a analisar.

As questões suscitadas pela defesa cingem-se tão somente quanto à fase do inquérito, aduzindo que houve omissão da autoridade policial em vários pontos. Questiona-se a ausência de curador para a vítima; que não foi concedido ao apelante o direito constitucional de permanecer em silêncio durante o depoimento e que o exame pericial realizado na vítima é nulo, posto que firmado por um único perito.

Tais preliminares não encontram respaldo nos autos, doutrina e jurisprudência, razão pela qual devem ser rejeitadas.

Como é cediço é desnecessária a nomeação de curador para a ouvida da vítima, tendo a combativa defesa laborado em equívoco ao demonstrar tal irresignação. O art. 15 do CPP exige a nomeação de curador para o indiciado menor de 21 anos e não para a vítima. Ademais, sobre o tema existem divergências, entendendo alguns autores que o referido artigo acha-se revogado pelo novo Código Civil que estabeleceu em seu art. 5º que “a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Outros, como o eminente Juiz Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Campinas e renomado defensor dos Direitos Humanos, José Henrique R. Torres, adotam entendimento diverso. Para o insigne magistrado a alteração da maioridade civil não afeta preceitos constitucionais, garantias do preso e o sistema penal, conforme se extrai do bem lançado artigo “Reflexos do Novo Código Civil sobre o Sistema Penal”. De qualquer modo, não houve qualquer nulidade, pois como demonstrado, a vítima não necessita de curador para ser ouvida.

Da mesma forma, verifica-se na fl. 09, que foi devidamente assegurado ao recorrente o direito de permanecer em silêncio durante o depoimento extrajudicial, in litteris: “Antes de iniciada a qualificação do conduzido, pela Autoridade Policial foram a ele esclarecidos seus direitos previstos no artigo 5º, incisos LXII, LXIII e LXIV, notadamente o seu direito de silêncio, conforme artigo 5º LXIII, da Constituição Federal”. (grifo nosso). Por outro lado, como bem salientou a culta Procuradora, o inquérito policial é peça informativa, os vícios que porventura tenham ocorrido não se projetam na ação penal, e não podem ser declarados como nulidade se não tiverem causado prejuízo para as partes.

No que concerne ao fato de o exame pericial ter sido confeccionado por único perito, tal situação é irrelevante, diante da clareza da descrição feita sobre as lesões encontradas no menor, sendo prova irrefutável da materialidade do delito.

Rejeito, pois, todas as preliminares levantadas pela defesa.

MÉRITO:

Narra a peça exordial que na data de 24.10.02, por volta das 12:30h, policiais civis em atendimento a uma ocorrência de ameaça, encontraram o apelante em sua residência, fechado em um cômodo com a vítima, praticando atos libidinosos, consistentes em sexo oral e anal.

A materialidade delitiva se encontra comprovada no mencionado exame corpo de delito (fls. 27/28). A autoria é inconteste e repousa na confissão do réu, bem como nas palavras coerentes da vítima, que descreveu com detalhes as violações sexuais sofridas durante o período em que foi obrigado a morar com o apelante.

Sobre o tema: "PROVA DA AUTORIA - VALOR DA PALAVRA DA VÍTIMA. Cuidando-se de atentado violento ao pudor, a palavra segura, constante e incisiva da vítima, menino de 07 anos, há de ser aceita, sobretudo quando confirmada por outros elementos de prova". (TJRJ, AC - Rel. Raphael Cirigliano - ADV 4.614).

Não há também como prosperar o pedido alternativo de desclassificação do crime de atentado violento ao pudor, nitidamente configurado, para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, lembrando que os fatos ocorreram na clandestinidade da residência do apelante, sendo a postulação totalmente improcedente. Aliás, ao admitir as práticas delituosas pretendendo dar às mesmas nova tipificação jurídica a defesa acabou por reconhecer a veracidade da imputação.

O delito perpetrado contra a vítima, menino de apenas doze anos de idade, na fase da adolescência, em fase de formação física, psíquica, social e moral, violou não só a legislação penal vigente, como a Constituição Federal e os Tratados Internacionais de Proteção aos Direitos da Criança, que trago à colação, in verbis:

“Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 4.º. A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

Por seu turno, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução nº. L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1.989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro de 1990, dispõe:

“Art. 16. 1. Nenhuma criança será sujeita a interferência arbitrária ou ilícita em sua privacidade, família, lar ou correspondência, nem a atentados ilícitos à sua honra e reputação.

2. A criança tem direito à proteção da lei contra essas interferências ou atentados.

...

Art. 34. Os Estados partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados-partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir:

a) o incentivo ou coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal”.

Por derradeiro, a pena foi imposta próxima do mínimo legal, considerando-se a continuidade delitiva, sendo o réu agraciado com o regime progressivo, que não pode ser modificado em face da ausência de recurso do órgão acusador.

Diante do exposto, em sintonia com o parecer ministerial, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a r. sentença objurgada.

É como voto.

Cuiabá, / /

Desa. Shelma Lombardi de Kato

Relatora

Recurso de Apelação Criminal nº 32.261/2004 - Sinop

|Apelante: |M.A.L |

|Apelado: |Ministério Público |

|Relatora: |Desª Shelma Lombardi de Kato |

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU CONDENADO POR INCURSO NO ART. 214, C/C 224, “A”, NA FORMA DO ART. 71, TODOS DO CP, À PENA DE 08 ANOS E 08 MESES DE RECLUSÃO EM REGIME INICIALMENTE FECHADO - INCONFORMISMO - PRELIMINARES DE NULIDADE NA FASE EXTRAJUDICIAL - ALEGADA AUSÊNCIA DE CURADOR PARA A VÍTIMA, FALTA DE CIÊNCIA AO RÉU DO SEU DIREITO DE PERMANECER EM SILÊNCIO E LAUDO DE EXAME DE CORPO DELITO SUBSCRITO POR ÚNICO PERITO - IMPROCEDÊNCIA - PRELIMINARES REJEITADAS - AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTESTES - CONFISSÃO EXTRAJUDICAL - PALAVRAS DA VÍTIMA COERENTES DETALHANDO COM PRECISÃO AS VIOLAÇÕES SOFRIDAS - PEDIDO ALTERNATIVO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR - IMPOSSIBILIDADE - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR EM CONTINUIDADE DELITIVA AMPLAMENTE COMPROVADO - VIOLAÇÃO DOS TRATATDOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS DAS CRIANÇAS E DEMAIS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS - IMPROVIMENTO DO RECURSO.

Na seara dos crimes contra a liberdade sexual, por maioria das vezes ocorrido às ocultas, o depoimento da vítima tem especial relevância, quando coerente e em harmonia com os demais elementos probatórios.

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download