GEOGRAFIA POLÍTICA - Tripod



A geografia ainda importa

"A globalização não diminuiu a importância econômica da localização".

Por John Kay

Somos informados repetidamente que a geografia já não é relevante para a economia no século XXI. E a evidência da globalização está completamente ao nosso redor. A McDonald's está em toda a parte e as multinacionais fabricam seus produtos a partir das localidades mais baratas. A Internet criou uma única comunidade mundial de informação.

E, mesmo assim, a geografia continua muito importante. Sua maior influência em nosso estilo de vida ainda está no local de nascimento. Os nascidos na Europa ocidental desfrutam o mais alto padrão material de vida da história humana. A maioria das pessoas na África subsaariana e no subcontinente indiano têm uma expectativa de vida bem menor, em meio a uma pobreza opressora.

A única coisa tão importante quanto lugar em que nascemos é o lugar em que vivemos. Imigrantes que se estabeleceram em países pobres geralmente gozam padrões tão altos quanto os que teriam em seus países de origem. De outra forma, não teriam partido. Imigrantes que foram para economias ricas geralmente mantêm um padrão de vida que representa um misto do padrão de seu país de origem com o de seu país adotivo. Alemães nos EUA têm rendimentos no nível dos rendimentos da Alemanha ou dos EUA. Haitianos na América ganham mais do que ganhariam no Haiti, porém recebem menos do que o americano médio.

E a globalização não significa que a localização do produto não é importante, só que ela interessa de outra maneira. Antigamente, a maioria do que consumíamos era produzido próximo do lugar em que vivíamos. Isso já não é assim, mas o local de fabricação não é nem um pouco arbitrário. Máquinas fotográficas vem do Japão, gravatas chegam da Itália, software procede dos EUA. E isso não se deve à atividade de qualquer uma dessas empresas nesses setores. Há fabricantes japonesas de máquinas fotográficas, muitas fabricantes de gravatas na Itália e muitas empresas de software nos EUA.

Mas as razões pelas quais esses locais estão associados àquelas atividades em particular não são óbvias. A lógica dos velhos padrões de comércio internacional era mais clara. As diferenças climáticas e de terreno explicavam por que o açúcar veio de Barbados e não da Bélgica, porque o petróleo veio da Arábia Saudita e não da Suíça. Mas o clima e o terreno não são responsáveis pela aglomeração das fabricantes de gravatas em torno do lago Como ou das fabricantes de software no Vale do Silício.

A geografia importa, pois mesmo que a distribuição de recursos naturais já não tenha uma importância determinante, a distribuição dos recursos fabricados pelo homem ainda mantém essa importância. Acima de tudo, a distribuição de capital impulsiona tanto os padrões de vida pessoais quanto a localização do negócio. Não se trata só do capital físico, mas também de capital de capital humano e capital social (infra-estrutura política e legal e a cultura dos relacionamentos pessoais em cujo âmbito os negócios são celebrados). E a distribuição desse capital é tão desigual quanto o foi a distribuição de recursos naturais durante a Revolução Industrial.

Ainda assim, a distribuição de capital, especialmente o capital físico, não é determinado pela natureza, mas pelo homem. Com a liberdade de movimento do capital, seus donos podem alocar o capital aonde quiserem, sem nenhuma consideração por questões patrióticas ou nacionalistas. Daí se explica porque as diferenças em capital social são tão cruciais. Em um mundo globalizado, em que o capital se movimenta livremente e em que as pessoas se locomovem com crescente liberdade, só o capital social se mantém ligado a lugares específicos.

Essas diferenças em instituições constituem a principal influência sobre diferenças em padrões de vida. E as diferenças em instituições sociais também explicam a localização daquilo que de outra forma poderia aparentar ser produção sem raízes. Habilidades e conhecimentos implícitos são desenvolvidos pelas pessoas em lugares em que elas trocam idéias entre si diária e casualmente. Relações de produção flexível são baseadas em relações pessoais.

Portanto, a geografia continua a ser relevante e, sendo a geografia relevante, a história também o é. Não é nenhum acidente que a fabricação de gravatas está centrada na Itália, que a produção de software está situada nos EUA e que os serviços financeiros são fortes na Inglaterra. Essas aptidões remontam a elementos específicos da história social e econômica dos respectivos países – o florescimento das habilidades em desenho na Itália durante a Renascença, o desenvolvimento pioneiro de uma grande base instalada de computadores nos EUA, o papel essencial dos comerciantes ingleses ao desenvolvimento das economias mercantis.

É um acidente que essas atividades estão situadas mais especificamente perto do lago Como, no Vale do Silício e entre Holborn e Aldgate. Mas tais acidentes da história não são facilmente reversíveis. Como já foi demonstrado pela evolução do setor de bancos de investimentos em Londres na última década, a identidade dos participantes pode variar, mas a localização da atividade não muda. Enquanto a cultura for importante, a história e a geografia também serão.

John Kay é colunista do "Financial Time".

Fim dos blocos permite uma nova ordem ética

Jacques Lévi

Instituições como Anistia Internacional e Nações Unidas ganham nova dimensão

O mundo não é uma sociedade. Talvez esteja se transformando em uma. Para compreender essa hipótese é preciso renunciar a uma visão simplista do estado do planeta. Existem quatro grandes modelos, que correspondem a quatro maneiras pelas quais os homens estabelecem relações. São também quatro abordagens do espaço mundial freqüentemente ignoradas, pois cada pesquisador, cada disciplina escolhe uma em detrimento das outras. Proponho reuni-las pela sua integração no sistema-mundo, que leva em consideração as importantes perturbações que estamos vivendo.

O primeiro modelo, o mundo como conjunto de mundos, é um planeta feito de grupos humanos que se ignoram, que se encontram por acaso e não se comunicam entre si. Essa situação, herdada do período paleolítico, sobrevive no interior daquilo que chamamos de "áreas culturais".

O segundo modelo, o mundo como campo de forças, é o modelo geopolítico freqüentemente usado na análise das relações internacionais. Ele se centra sobre o Estado nacional, que é seu ator e mecanismo. Cada Estado possui sua visão do espaço mundial, em oposição à dos outros. O ajuste permanente dos limites entre Estados é regulado por relações de força e produz sempre a violência.

O terceiro, o mundo como rede hierarquizada, é resultado da unificação do mundo pelos europeus. Esse modelo define centros (América do Norte, Europa, Ásia) e periferias. As trocas no interior dessa rede não são apenas econômicas, mas envolvem o conjunto dos fenômenos do desenvolvimento. Contrariamente ao sistema interestatal é uma rede, um espaço não-territorial, onde apenas contam as interseções entre os pontos, como nos casos das empresas multinacionais ou das "networks" audiovisuais. Nessa rede as hierarquias são bastante diferentes daquelas dos Estados: a Suíça e a Suécia estão melhor colocadas que URSS e China.

O quarto, o mundo como sociedade, está apenas no início. Existem cada vez mais problemas mundiais: meio ambiente, Aids, dívida etc. Esses problemas começam a ser abordados graças ao aparecimento de uma opinião pública mundial, de "partidos" (Anistia Internacional e o papa são exemplos disso) e de instituições mundiais (ONU, Grupo dos Sete). Esse modelo se realiza pela integração do conjunto do planeta numa sociedade unificada em sua economia e em sua vida política e social e sua cultura.

Esses quatro modelos funcionam simultaneamente: o mundo é, em suma, um sistema de sistemas contraditórios. Alguns surgem e outros somem, mas nenhum até agora conseguiu eliminar o outro. A tendência se dirige a uma circulação do primeiro modelo para o quarto. O aparecimento dos Estados (segundo modelo) é em parte bloqueado pelo processo de reagrupamento, mas a unificação do mundo pelas trocas (terceiro) termina por perturbar a ordem territorial e encontrar um lugar determinante. O último modelo, que De Gaulle menosprezava (ele tratava a ONU como uma "coisa"), experimenta, depois de um início lento após a Segunda Guerra Mundial, um crescimento significativo.

Não se pode dar uma imagem linear a esse processo. Todos os retrocessos são possíveis. O "clube" dos Estados existentes constrói o espaço, testemunha o destino infeliz do Tratado de Sèvres (1920) e a resistência vitoriosa da Turquia ao projeto da Grande Armênia e do Estado curdo. A expansão das fronteiras também não caminha sozinha, como assim demonstra o tortuoso caminho da construção de uma comunidade européia. O Estado resiste bem em seu terreno, o da territorialidade. É uma lógica não-territorial, a do terceiro modelo, que parece melhor subverter esse Estado, mas lado a lado com ele. Enfim, é difícil interpretar as dinâmicas em processo. Entre a "geoeconomia" uniformizante das multinacionais da comunicação e o aparecimento de uma cultura que realmente possa ser unida, não é fácil dizer para onde caminhamos, sobretudo quando se trata de sinais precursores e não de efeitos em massa. Diga-se apenas que a problemática "sociedade-mundo" deixou de pertencer ao mundo das utopias nebulosas e das ideologias extravagantes.

Uma atenção particular deve ser dada ao que se pode chamar de semiperiferias. Trata-se de um conjunto de países, que vai da Argentina à URSS, passando pelo mundo árabe-muçulmano, que desfruta de um nível de desenvolvimento médio e que se encontra diante de uma escolha estratégica essencial: fundir-se ao sistema mundial com o risco de perder sua identidade, ou se isolar, com o risco de deter seu desenvolvimento. Quando se escolhe a segunda opção, uma ideologia poderosa, religiosa, nacionalista ou messiânica, e um Estado autoritário e um Exército sólido podem durante um certo tempo dar a ilusão de que essa escolha é a correta.

Uma visão simplista das recentes perturbações consistiria em falar de uma vitória da economia sobre a política, o que é duplamente inexato. Primeiro, porque a geopolítica funciona em oposição à política, pela violência e não pela conquista pacífica de legitimidade. A URSS e a Europa oriental não estão abolindo a política, mas inventando-a. Também não é correto interpretar a existência de uma rede de centros e de periferias como um fenômeno estritamente econômico.

A internacionalização das trocas de mercadorias e dos fluxos financeiros, a constituição de sociedades transnacionais no planeta definem um campo de ação ilimitado. No entanto, o conteúdo dessa ação está sujeito a severas restrições. Uma empresa procura não "dominar o mundo", mas se aproveitar dele, o que conduz, de modo pragmático, a desenhar o mapa do desenvolvimento.

Esse mapa se faz em diversas escalas e as empresas multinacionais devem levar em consideração os níveis de autonomia regional ou local, com os quais se arriscam a entrar em confronto. Assim, começa-se a compreender que o sistema de encaixe das escalas – do maior ao menor –, usado como referência implícita, se revela inadequado. Cada nível, do local ao mundial, dispõe de uma força que lhe permite existir frente aos demais, por pequena que seja. O nível planetário não se torna o cume da pirâmide, mas o elo de uma cadeia de poderes na qual o indivíduo será a peça essencial.

A crise do Golfo marca a volta da geopolítica e dos particularismos étnicos? Isso não é tão evidente, já que a novidade da configuração atual está em outro lugar. O fim do conflito Leste-Oeste oferece pela primeira vez a ocasião de uma legitimidade ética em escala mundial. Os cidadãos do planeta podem agora avaliar, através de escalas morais comparáveis, os comportamentos dos atores.

Os interesses sórdidos e as incompreensões coletivas continuam a existir sob declarações generosas, mas essas hipocrisias são cada vez menos aceitas. O "dois pesos, duas medidas" para o Kuait e para a Palestina não é tão facilmente aceito quanto a troca de um comunista chileno por um dissidente soviético, quando se comemorou a vitória do cinismo. É evidente que o Estado de Direito internacional não é uma realidade, mas pelo menos já se tornou um horizonte. Quando se fala sobre ele, a opinião pública internacional não dá mais de ombros, mas responde: "Promessas".

A evolução para uma sociedade-mundo não é inevitável. Os movimentos são desordenados, as resistências poderosas, as catástrofes sempre possíveis. Mas o nível mundial conquista progressivamente sua autonomia. A constituição de uma sociedade-mundo é provável, não por ser a melhor, mas porque ela é a solução mais econômica para se tratar dos problemas mundiais.

JACQUES LÉVI é geógrafo, encarregado de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França

O século XX

Marc Nouschi

[...] um século marcado por duas guerras mundiais que rebentam com vinte anos de intervalo. Nunca a humanidade conheceu em toda a sua história, num prazo tão curto, semelhante hemorragia: 70 milhões de mortos, aos quais se juntam as dezenas de milhões de russos e de chineses desaparecidos nos campos de cativeiro e de reeducação ideológica. Desde logo, para caracterizar a eliminação sistemática de um povo ou de uma etnia por ordem do Estado, é preciso criar novos conceitos: o genocídio e o etnocídio são os filhos do século. Do genocídio armênio, cometido pelos Turcos em 1915, ao etnocídio que ensangüenta o Ruanda em 1994 e à "purificação étnica" levada a cabo na Bósnia, a loucura do homem parece não ter limites e as lições de Auschwitz parecem já ter sido esquecidas.

O século XX, o último século do segundo milênio, é percorrido por ideologias: o leninismo, o fascismo, o nazismo, o estalinismo, o maoísmo... que aspiraram todas ao domínio universal. Modelar o homem para construir uma "cidade" ideal, brilhar para dominar, publicar para convencer, eliminar para reinar, são alguns dos expedientes que animam essas escatologias. Esperanças que se tornaram experiências, essas ideologias mobilizam massas conduzidas por chefes de partido que se apoiam em estruturas de Estado. Na verdade, a substância que alimenta a ideologia de dominação é o Estado com o seu território e a sua fronteira santificados, a sua bandeira e o seu exército exaltados, as suas forças de vigilância e de doutrinamento reforçados, o seu chefe adorado. Neste sentido, cumpre-se o movimento aberto dois séculos mais cedo com a Revolução Francesa e a invenção do Estado-nação. Mas, a diferença capital relativamente às ideologias do [p. 09] século XIX, as da actualidade dispõem de capacidades tecnológicas que podem reduzir o homem ao estado de cinzas e poeira.

O século XX leva ao extremo a dinâmica de acumulação própria do capitalismo: a acumulação de bens imateriais acelera-se, uma vez que de 1890 a 1910 são inventariadas 19 descobertas fundamentais, de 1910 a 1930 umas trinta e outras tantas desde essa altura. A dinâmica das invenções condiciona a inovação, fator de crescimento aparentemente sem limites dos bens de produção e de consumo. Uma vez satisfeitas as suas primordiais, o homem, dispondo de um instrumento produtivo cada vez mais aperfeiçoado, pode possuir "bens duráveis" ( automóveis, produtos "brancos" ou aparelhos electrodomésticos, produtos "castanhos" ou aparelhos radioeléctricos e electrônicos... ( possuir a sua habitação... Tudo contribui para a civilização material da abundância, do crédito ao consumo, da publicidade, da instauração dos lucros de transferência que ligam o salário do trabalho e do capital. Essa capacidade de satisfazer o desejo de posse dá uma tal força ao liberalismo que ele impõe-se no decurso da década de 80 contra o socialismo estalino-brejneviano, culpado de ter instaurado a penúria generalizada.

Apesar dos seus êxitos materiais, que dizem respeito a um número cada vez mais importante de povos, o triunfo do mercado não exclui a permanência da tentação mística, definida em 1927 por Romain Rolland como uma "sensação religiosa completamente diferente das religiões propriamente ditas". Desde sempre o homem se interrogou sobre o indizível, sobre os segredos da vida, e da morte. O século XX não anula essa constância. Entretanto, nestas últimas décadas, o misticismo invadiu o mundo: aos tele-evangelistas que seduzem cada vez mais americanos, faz eco a mística muçulmana que reveste duas facetas, a procura individual de Deus e a disciplina colectiva da guerra santa, o Djihad. Os sucessos de charlatães que vendem talismãs, o desenvolvimento da astrologia e do ocultismo mostram a necessidade de crenças nas sociedades contemporâneas. Existem várias explicações para este regresso em força às práticas místicas individuais e colectivas: o desabar das grandes ideologias materialistas, a incapacidade do mercado em preencher o vazio assim criado, o medo do milenarismo, o regresso dos grandes flagelos de outrora, a vontade de se distanciar das Igrejas oficiais...

A própria ciência também é posta em causa: "Passamos de uma sociedade que adorava as certezas e o domínio total do mundo", afirma o Prêmio Nobel de Química, Ilya Prigogine, "a uma sociedade que se centra na condição humana, que é a condição de incerteza." O misticismo triunfante alimenta, então, duas atitudes contraditórias: a intolerância e a interrogação crítica.

[...]

Para delimitar um século, podemos escolher: adotar o tempo dos astrônomos e decretar que o século XX, que começou a 1 de janeiro de 1900, acabará a 31 de Dezembro de 1999*; ou tomar o partido do historiador à espreita das viagens e das rupturas que testemunham profundas mudanças. Os séculos nunca começam nem acabam em data fixa e previsível, visto que os acontecimentos conservados por uns e outros estão sujeitos a debates contraditórios. Contudo, uma evidência: é nas crises e desordens que os séculos desabam e novos séculos nascem. A crise do Antigo Regime não abre o tempo das revoluções que inflamam o século XIX? Depois de 1890, as rivalidades imperialistas, acentuadas pelo declínio britânico, não exprimem a nova hierarquia mundial anunciadora do século XX em formação? É a América que tem lugar a organização científica do trabalho, na origem das mutações contemporâneas. A Europa aparece, já então, como o "velho" continente, ao passo que os mundos extra-europeus se autonomizam. Como anteriormente, os intelectuais, os cientistas, os artistas de sensibilidade exacerbada registram estas modificações e antecipam o mundo "novo". Aliás, nunca os adjetivos "novo", "jovem", "moderno"... foram tão utilizados para marcar uma ruptura com o passado. Tudo é reformulado nos vinte anos que precedem a Grande Guerra, a ciência com a mecânica quântica, a música com a gama atonal, a pintura com o cubismo, a literatura com o decadentismo e o hermetismo. O papel da mulher evolui com o movimento feminino que reclama o direito de votar, a democracia aprofunda-se com a instauração da cabina de voto... Estas alterações atestam o final de um mundo e o nascimento de outro; o século XX começa bem antes da Grande Guerra e acaba progressivamente após as décadas 70-80, sem que demos conta disso.

Introdução à pesquisa geográfica

A Pesquisa Geográfica em seu Conjunto

Prof. Oswaldo Bueno Amorim Filho

Introdução

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo estudante de graduação em geografia, e mesmo pelo geógrafo principalmente, é a de visualizar a pesquisa geográfica em sua totalidade. Esta falta de um quadro integral de pesquisa em geografia pode ser atribuída a vários fatores, entre os quais podem ser citados a própria complexidade e a abrangência desse campo de estudos, além da pluralidade de abordagens enfoques e teóricos, temáticos, metodológicos e preliminar, e absolutamente necessária ao sucesso da pesquisa, o principal risco que o geógrafo e, sobretudo, o aprendiz de geógrafo correm é o de um design incompleto ou equivocado do projeto de pesquisa em seu todo.

Seria possível, dadas as dificuldades acima apontadas e muitas outras mais, estabelecer algumas direções básicas para a realização da pesquisa geográfica, na atualidade?

O que se pretende, no presente texto, é desenvolver algumas reflexões no sentido de se procurar uma resposta exploratória para essa questão. Serão considerados aqui, portanto, aqueles aspectos que, sem prejuízo de vários outros, parecem estar presentes na maior parte das pesquisas que vêm sendo realizadas pelos geógrafos nas últimas décadas.

O que pesquisar e porque?

Antes de começar trabalho de pesquisa, é indispensável, em uma fase preliminar escolher os temas, ou o tema, identificar os objetos que se pretende alcançar, caracterizar a área, região, ou espaço de estudo e fazer um balanço dos meios e recursos disponíveis.

Na escolha do tema de pesquisa, dois princípios não podem ser esquecidos: em primeiro lugar, é indispensável que o pesquisador tenha interesse pessoal na temática a ser estudada; em segundo lugar, é igualmente necessário que o assunto objeto da pesquisa, por mais específico que possa parecer, esteja relacionado a alguma área ou tendência maiores da investigação geográfica. Isto fará com que o trabalho, mesmo modesto, se insira em alguma das grandes correntes da geografia contemporânea e, assim, possa atrair não apenas o interesse imediato daqueles que utilizarão os resultados da pesquisa para a solução de problemas concretos mas, também, de um contingente maior de geógrafos e outros acadêmicos e intelectuais.

Isto quer dizer que não têm sentido, se é que tiveram algum dia, as pesquisas isoladas, sobre temas isolados: os critérios atuais devem ser, de um lado, a aplicabilidade da investigação e, do outro, sua inclusão nas tendências e na evolução de significado mais geral.

Esses critérios que a princípio, parecem claros e simples, trazem, na verdade, pesadas exigências, a maior das quais sendo a de que o pesquisador possua uma visão, tão ampla e acurada quanto possível, do seu campo de estudo, além de um leque bastante largo de suas possibilidades de aplicação.

Se, do ponto de vista das possibilidades de aplicação de uma determinada pesquisa, parte considerável das alternativas é fornecida pela conjuntura atual de um meio ambiente e de uma sociedade humana em permanente transformação, do ponto de vista do campo geral de interesse científico e tecnológico, essas alternativas resultam de conhecimentos básicos acerca da disciplina universitária em questão e do monitoramento continuado das principais tendências epistemológicas e tecnológicas contemporâneas. Neste último caso, as teorias e modelos desempenham um papel primordial.

Teorias, modelos e pesquisa

Por muito tempo, uma parte importante da comunidade dos geógrafos via a geografia como uma atividade intelectual essencialmente empírica e descritiva, ou seja, voltada para a observação e a representação de fatos concretos, distribuídos na superfície terrestre.

Embora sua contribuição tenha sido e continue a ser fundamental para a Geografia (pois tem a ver com as suas origens gregas dessa atividade), esta perspectiva, quando dominante e excludente, teve algumas conseqüências negativas. Uma delas foi o distanciamento (provisório) da geografia em relação a certas ciências de ponta, que descobriam bem mais cedo o papel crucial representado pelo embasamento epistemológico. Neste contexto, é claro que a reflexão abstrata, manifestada através da busca e do uso de modelos e teorias, também se viu, durante muitos anos, rejeitada por esses geógrafos do empírico.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, a partir dos anos sessenta, essa postura limitativa foi ficando cada vez mais indefensável. Já não era mais possível ignorar teorias e modelos, até porque, mesmo nas pesquisas geográficas que eram vistas como puramente empíricas, a presença implícita de modelos e teorias era inevitável.

"Nesse sentido, o geógrafo David HARVEY (1969, p. 3) dizia que uma das definições adequadas para esse campo do conhecimento que é a geografia seria que ela" se interessa pela descrição e explicação da diferenciação de áreas da superfície terrestre "[1]. Ainda nesta obra, HARVEY continua:" A busca de explicação (...) é a busca de teoria. O desenvolvimento da teoria está no coração de toda explicação e muitos autores duvidam de que a observação e a descrição possam existir sem teoria[2]."

As discussões sobre o significado dos temos teoria e modelo para a atividade científica, em geral, e para a geografia, em particular, tem sido numerosas e longas. Uma das abordagens mais interessantes sobre o papel das teorias e modelos na ciência e, dentro dela, na geografia, foi feita por JOHNSTON (1983, p. 24).

"A ciência é um processo cumulativo (...), através do qual adquire-se conhecimento de maneira estruturada, de modo que qualquer contribuição adicional aumenta a compreensão que os cientistas tem do mundo. Ela começa com teorias e termina com elas. A finalidade é ampliar as teorias existentes, incorporando-se a elas as descobertas da última rodada de pesquisas e as leis recém-estabelecidas. Na medida em que a ciência se desenvolve, o mesmo ocorre com seu corpo de teorias. (...) Todo pensamento é guiado teoreticamente, mesmo que, freqüentemente, por uma teoria que pode ser frágil. Por essa razão é que o empirismo puro é impossível. (...) Os cientistas são preparados dentro dos processos da pesquisa científica e da substancia das disciplinas. Os conhecimentos e metodologias de pesquisa que eles aprendem estruturam as maneiras pelas quais eles identificam e enfrentam novos problemas[3]."

Os filósofos atribuem, de um lado, um importante papel as idéias teorias, mas, de outro lado, estiveram sempre entre aquelas que, mais cedo e mais fortemente, chamaram a atenção para os riscos que elas trazem em si mesmas. A esse respeito, assim se expressa C. BERNARD, citado em LALANDE (1926, 1993, p. 1128).

"A teoria é a hipótese verificada depois de Ter sido submetida ao controle do raciocínio e da crítica experimenta... Mas uma teoria, para permanecer boa, deve sempre modificar-se como os progressos da ciência e permanecer constantemente submetida à verificação e a crítica dos fatos novos que aparecem. Se considerássemos uma teoria como perfeita e deixássemos de verificar pela experiência científica, ela tornar-se-ia uma doutrina[4]".

Para os geógrafos que se tem atualizado e acompanhado os últimos desdobramentos da evolução da geografia, a

" teoria corresponde a uma problemática, (constituindo-se) em um conjunto coerente de enunciados, tendo por objetivo representar uma realidade geográfica geral quanto possível. Ela se compõe de postulados e hipóteses que se submeteram, com sucesso, a prova dos fatos, de hipóteses menos fortemente testadas e, também, de hipóteses novas que esperam a confrontação com a observação. O projeto da teoria é explicar. Ela se encontra, portanto no coração da démarche científica. Compreende-se imediatamente que a teoria é a inspiradora essencial das hipóteses novas. (...) Se é verdade que (...) a teoria explica, ela deve merecer toda nossa atenção, ainda mais que esse conjunto lógico e coerente de explicações, toma, o mais freqüentemente, a forma do que se chama, correntemente, hoje em dia, um sistema, isto é, um conjunto de elementos reciprocamente interligados[5]."

O papel inspirador, estimulador e explicativo das teorias não pode deixar de ser sublinhado- ele e inegável e fundamental. Mas, em função de seu alto grau de generalização e, muitas vezes, de sua complexidade, algumas teorias podem parecer inacessíveis para muitos estudiosos e pesquisadores, principalmente os principiantes dentro de alguma disciplina ou campo de conhecimento.

Por isso, talvez, o uso de modelos na pesquisa científica, em geral, e na geográfica, em particular, tenha alcançado o prestígio de que dispõe na atualidade.

Em sua obra clássica, CHORLEY e HAGGETT (1967, p. 22/ 23/240) afirmam que-

"O temo modelo é convencionalmente empregado de diferentes maneiras. Ele [e usado como substantivo, com o sentido de representação- como adjetivo, significando um certo grau de perfeição- ou como um verbo, no sentido de demonstrar ou mostrar a semelhança de algo. A característica mais fundamental dos modelos é que sua construção envolveu atitude altamente seletiva em relação a informação, eliminando-se o que era secundário, para tornar possível a visualização apenas do essencial. Os modelos podem, enato, ser vistos como aproximações seletivas que, pela eliminação dos detalhes, permitem que certos aspectos fundamentais, relevantes ou interessantes do mundo real apareçam sob uma forma ou apresentação susceptível de generalização. (...) Outra importante característica é que os modelos são estruturados, no sentido de que os aspectos significativos da realidade selecionados são explorados em termos de suas conexões. É interessante observar que o que é freqüentemente denominado modelo (por filósofos que trabalham com a lógica), é chamado estrutura pelos econometristas. A ciência tem-se beneficiado grandemente dessa busca de padrão, na qual os fenômenos são vistos em termos de relacionamento orgânico. Está característica do modelo conduz imediatamente a natureza sugestiva dos modelos, no sentido de que um modelo bem sucedido contem sugestões para sua própria extensão e generalização. ( Assim, os modelos seriam instrumentos especulativos). (...) Na medida em que são diferentes do mundo real, os modelos são analogias dele. E (por último) a possibilidade de reaplicação é um pré-requisito dos modelos nas ciências.[6]"

Com base nesses dois textos, vê-se que há fortes relações entre teoria e modelo. Assim, uma teoria pode englobar um ou vários modelos, que ela organiza e situa em um nível mais elevado de generalização. A teoria é, portanto, mais completa e mais complexa que o modelo - enquanto este último cobre uma parte mais limitada do real, a primeira envolve um domínio maior dessa mesma realidade e com um potencial explicativo bem mais amplo.

A verdade é que, em função de uma tradição arraigada de preferência pelas realidades concretas, a geografia, em toda a sua história, tem elaborado relativamente poucos modelos e, menos ainda, teorias. É preciso, porém, admitir que essa posição, um tanto defensiva, em relação aos modelos e teorias na geografia, vem-se modificando bastante durante a Segunda metade do século XX. Uma das causas determinantes dessa mudança de postura encontra-se na adoção de uma discussão epistemológica explícita e permanente entre os geógrafos, sobretudo a partir dos anos sessenta.

Uma das leituras que se podem fazer dos reflexos da discussão epistemológica, em termos do papel reservado as teorias e aos modelos em geografia, é a de que os geógrafos vem assumindo posições bem mais diferenciadas e complexas do que a do simples desprezo ou negação do valor das teorias, tão comum na primeira metade do século atual.

A partir, portanto, dessa explicação epistemológica, as principais posições dos geógrafos em relação ao papel das teorias e, por extensão, dos modelos podem, a título exploratório, ser agrupadas como segue-

Uma parte considerável da comunidade dos geógrafos valoriza, cada vez mais, as teorias e modelos como orientadores paradigmáticos da pesquisa e como únicos critérios capazes de atribuir validade científica aos seus resultados e explicações. Entre os defensores desta posição, encontram-se, em um aparente paradoxo, famílias bem diferenciadas de geógrafos. Está aí, por exemplo, a maior parte daqueles que, desde a chamada revolução teorético-quantitativa, tem-se filiado as orientações neopositivistas, sobretudo através da adoção, na pesquisa geográfica, do chamado método científico. Desde BUNGE, com Theoreticl Geography (1966)[7], CHORLEY e HAGGET, com Models in Geography (1967)[8] , e HARVEY, com Explanation in Geography(1969)[9], até os adeptos atuais dos Sistemas de Informação Geográfica – SIG – cada vez mais geógrafos tem procurado ancorar suas pesquisas em teorias, produzidas ou não no âmbito da geografia.

Um dos aspectos que vem comprovar o prestígio alcançado por teorias e modelos entre os geógrafos, principalmente dessa corrente, está por exemplo, no uso generalizado da teoria de sistemas- desde Geossistemas, da geografia física, até os sistemas urbanos e/ou regionais da geografia humana.

De um ponto de vista diferente, um outro grupo numeroso de geógrafos também possui uma postura de valorização da teoria. Desde o inicio dos anos setenta, no âmbito largo de uma corrente denominada crítica, ou radical, um bom número de geógrafos acredita na possibilidade de elaboração de uma teoria marxista do espaço geográfico. HARVEY, citado em ISNARD, RACINE et REYMOND (1981, P. 120/121) diz que o espaço geográfico possui uma dinâmica e que "esta dinâmica se compreende através dos conceitos de MARX e, mais particularmente, daqueles que fazem intervir a temática dupla da acumulação e da luta de classes. (...) A análise que interessa a geografia marxista inscreve-se, então, na explicitacao das relações existentes entre teoria da acumulação, da luta de classes e a transformação da paisagem"[10]. Nessa mesma direção, mas a partir da perspectiva marxista do sociólogo e filosofo Henri LEFEBVRE (1974)[11], alguns geógrafos vêm desenvolvendo pesquisas não sobre o espaço empírico, ou concreto, mas sobre o espaço socialmente produzido.

Uma das últimas manifestações coletivas dessa corrente neomarxista da geografia deu-se, justamente, com a publicação há dez anos, dos dois volumes de New Moldes in Geography, editado por PEET e THRIFT[12] . Fazendo referencia original Models in geography, editado em 1967 por CHORLEY e HAGGGETT[13], e procurando colocar-se numa posição de superação daqueles "velhos modelos" pelos "novos modelos", PEET e THRIFT defendem, para a geografia, uma grande abordagem, fundamentada na economia política marxista. O objetivo principal é sempre incorporar e assinalar a essa economia política o espaço geográfico.

Embora os editores e a prefaciadora (Doreen Massey) adotem uma posição em geral otimista quanto a importância e ao crescimento desses novos modelos de uma geografia orientada para o social, eles próprios tem clara consciência das deficiências dos novos modelos. São quatro, para ele, as áreas em que essas omissões eram mais fortes:

• países e regiões do Terceiro Mundo;

• países e regiões socialistas;

• estudos e pesquisas de geografia histórica;

• estudos e pesquisas de geografia física.[14]

Uma outra posição em relação as teorias e aos modelos teve origem, há muitas décadas, no campo da Epistemológia, e cuja influencia acabou por entender-se, bem além da Filosofia, a todas as ciências, inclusive a Geografia. Essa proposta, que se baseia no princípio da refutação e que se filia a uma corrente filosófica chamada racionalismo crítico deve-se ao pensador austríaco Karl POPPER. Na epistemologia de POPPER, a teoria tem um papel primordial na ciência e na pesquisa-

" Em nenhuma etapa do desenvolvimento científico (...), nós podemos começar por algo que não se assemelhe a uma teoria, uma hipótese, uma opinião pré-concebida ou um problema que, de algum modo, guie nossas observações e que nos ajude a escolher, entre os inúmeros temas de observação, aqueles que podem ser interessantes. (...) A observação é sempre seletiva, ala não se resume jamais a sensações ou percepções que o observador contentar-se-ia de transcrever em relatórios escritos. Ela é parcialmente pré-determinada pelas expectativas e os problemas que se encontram no espírito do pesquisador e que ele próprio extrai de um conhecimento anterior (background Knowledgle). Não há observação, e, mais geralmente, conhecimento, que não esteja, no ponto de partida, impregnado de teoria"[15].

Embora a teoria seja, portanto, muito importante para POPPER, essa importância não pode ser exagerada, o que conduziria, segundo ele, ao dogmatismo e retiraria da teoria seu caráter científico:

"POPPER recomenda que formulemos as teorias de maneira tão clara quanto possível, de modo a expô-las em ambigüidades, a refutação. E, ao nível metodológico, não devemos, diz ele, fugir sistematicamente a refutação, através de uma reformulação continua da teoria ou da evidencia, com o objetivo de mantê-las concordes. Isto é o que fazem muitos marxistas e muitos psicanalistas. Assim, então substituindo a ciência pelo dogmatismo, enquanto proclamam proceder cientificamente. Uma teoria cientifica não explica tudo quanto possa ocorrer: ao contrário, ela muito do que poderia acontecer e, conseqüentemente, se vê afastada, se ocorre aquilo que ela afastou. Dessa forma, uma teoria refutabilidade é o critério de demarcação entre a ciência e a não-ciência. (...) Somente se houver alguma observação concebível capaz de refutá-la, será a teoria suscetível de teste. E somente se for suscetível deste teste será cientifica"[16] .

Assim, para POPPER, as teorias mais bem sucedidas não são, por isso, teorias verdadeiras mas, simplesmente, teorias que não foram, até agora, refutadas.

Ainda uma nova outra posição, bastante diferente, em relação aos modelos e teorias, foi desenvolvida por um certo número de geógrafos filiados a chamada corrente humanística.

Embora alguns autores encontrem manifestações dessa corrente humanística na geografia humana francesa do início do século XIX (Anne Buttimer, por exemplo), o movimento, que se desenvolve a partir dos anos setenta, procura uma alternativa primeiramente aos modelos e teorias gerados dentro de um positivismo estreito e dominante. Logo em seguida, os geógrafos humanísticos reagem, igualmente, às certezas do estruturalismo marxista, que orienta parcela considerável dos adeptos da geografia radical ou crítica.

Embora no contexto nacional, o movimento humanístico na geografia, e em áreas afins, tenha adotado certas teorias e metodologias, como as de PIAGET (UNESP, em Rio Claro – SP, com OLIVEIRA e MACHADO) ou da Gestalt (UnB, com KOHLSDORF, por exemplo), no contexto mundial, a orientação geral predominante foi a de uma filosofia – a Fenomenologia – e não de uma teoria ou de um modelo.

Para SANGUIN (1981 p. 563/564),

"a dérmache fenomenológica aparece como não – convencional e não-conformista, na em que ela levanta questões de maneira inversa à da abordagem dita científica...

O que importa é a natureza da experiência humana, mais do que explicar ou fazer previsões sobre o comportamento humano. Esta descrição do mundo cotidiano da experiência vivida engloba, portanto, as ações, as memórias, as fantasias, as percepções e os sonhos. É, então, um método que recusa toda racionalidade, toda hipótese ou conceito a priori, toda grade de análise pré- estabelecida e todo enunciado de leis a posteriori. A fenomenologia postula, assim, um princípio que, para ela, é intocável: todo conhecimento procede do mundo da experiência e não pode ser independente deste mundo. Não há um mundo único e objetivo, mas uma pluralidade de mundos. _Sob esse ângulo, a fenomenologia não aparece como uma anti-ciência irracional mas, muito mais, como uma rejeição do absolutismo e da ditadura do pensamento científico positivista em relação a qualquer outra forma de pensar. Em outras palavras, a cinética não é o único meio de pressupostos científicos, a fenomenologia descreve rigorosamente os mundos vividos da experiência humana." [17]

Uma derradeira posição, ainda mais extremada e radical, em relação a teorias, modelos e, sobretudo, métodos é definida por um dos mais complexos e originais filósofos deste século: Paul FEYERABEND.

O pensamento de FEYERABEND chegou até nós, sobretudo através de duas obras principais: Contra Método (1989, em português) e Contra a Razão (1991, em português).[18]

Uma interpretação mais extensa e profunda das idéias de FEYERABEND não caberia no quadro do presente trabalho. Por isso, serão explorados, de forma resumida, aqueles pontos mais fundamentais que ele desenvolve em relação às teorias científicas. Ao defender sua posição anárquica da produção do conhecimento e que é, por coerência, contrária às teorias tais como propostas pela ciência, FEYERABEND se baseia em cinco argumentos principais:

• considera a complexidade das coisas e da própria historia da ciência, não tem justificativa reduzi-las a teorias ou a regras metodológicas simplificadas (o que caracterizam um reducionismo).

• a opção entre duas ou mais teorias rivais, por parte do pesquisador, é muitas vezes uma tarefa difícil , senão impossível, dada a impossibilidade de comparação lógica entre elas; esse impasse é provocado pelo que FEYRABEND chama de incomensurabilidade. Quando ocorre esse fenômeno, a escolha se dá, então, em função de critérios de caráter subjetivo e, portanto, não científicos;

• tendo em vista, mais uma vez, a complexidade do mundo real, o acesso limitado apenas a parte muito pequena de seus inumeráveis componentes e, por outro lado, o fato de que muitas outras formas de conhecimento (religião, astrologia, magia, sabedoria popular, etc) são muito pouco estudadas ou conhecidas, não é possível comprovar,de maneira segura, a superioridade das teorias e métodos científicos. Além disso, a presunção da existência de um método científico de aplicação generalizada, defendida por muitos cientistas, é extremamente empobrecedora do pensamento humano e, assim, prejudicial ao progresso do conhecimento;

• na medida em que o modelo de ciência atual é dominado por um pequeno número de grandes teorias e por um método científico generalizado e todo poderoso, a liberdade individual, nesse campo, vê-se extremamente limitada. O que FEYERABEND defende, em última análise, é que esses entraves teóricos e metodológicos sejam retirados e que o indivíduo possa livremente escolher entre a ciência e todas as outras formas de conhecimento;

• com base nesses argumentos, FEYERABEND acaba por fazer sua polêmica proposição quanto ao papel de teorias, modelos e métodos científicos: "Os que tomam o rico material da história, sem a preocupação de empobrecê-lo para agradar a seus baixos instintos, a seu anseio de segurança intelectual (que se manifesta como desejo de clareza, precisão, " objetividade", " verdade"), esses vêem claro que só há um princípio que pode ser defendido em todas as circunstâncias e em todos os estágios do desenvolvimento humano. É’ o princípio: tudo vale.[19]

É por argumentos e propostas como esses que FEYERABEND foi considerado um anarquista da teoria do conhecimento.

O breve panorama das páginas precedentes, sobre teorias e modelos e suas relações com a pesquisa, serve para mostrar como são variáveis as posições de pesquisadores e epistemologistas quanto a essas questões primordiais.

Por mais que sejam diferenciadas essas posições, o papel crucial das teorias e dos modelos nas pesquisas e nas explicações científicas não precisa ser comprovado.

Modelos e teorias são importantes, em primeiro lugar, porque, por serem sistemas sintéticos de características estruturais de parcelas importantes da realidade, constituem-se em visões descritivas e explicativas privilegiadas dessa realidade. Assim, eles fornecem retratos abrangentes e estruturais que não apenas ajudam a formar, na mente dos pesquisadores, a tão necessárias imagens de conjunto, quanto constituem, estímulos necessários e ricos para as escolhas em termos de temas de pesquisas futuras e para a elaboração das hipóteses dessas mesmas pesquisas.

Além disso, a existência de modelos e teorias sob um tema, ou um conjunto de temas, de uma pesquisa, é um fator determinante nas opções metodológicas e técnicas que o pesquisador tem que fazer.

Por último, e talvez o mais importante, uma pesquisa, que tem como orientação um modelo ou uma teoria, dará certamente uma contribuição considerável para o desenvolvimento científico. Isso porque seus resultados, ao serem confrontados com o sistema teórico original, servirão para consolidar, aperfeiçoar ou refutar tal modelo ou teoria. Desse modo o conhecimento científico avançara sempre...

Porém, o pesquisador deverá, também, ter certos cuidados fundamentais. O primeiro é não atribuir às teorias e aos modelos um valor supremo e dogmático.

Todos os modelos e teorias são imperfeitos por definição, uma vez que se trata de representações seletivas e abstratas de uma realidade complexa e mutante. Em função disso, modelos e teorias devem ser encarados, no máximo, como referenciais privilegiados, porém sempre provisórios, para o pesquisador ou qualquer estudioso.

Em segundo lugar, é preciso que se conscientize de que os modelos e teorias não são, assim como o método científico, os únicos caminhos para se alcançar o conhecimento. Outras alternativas existem e não podem ser negligenciadas...

Essas últimas reflexões nos encaminham quase automaticamente, para um outro patamar fundamental da pesquisa geográfica que é o da metodologia

As grandes etapas e os principais temas da evolução da geografia

(Síntese resumida)

Prof. Oswaldo Bueno Amorim Filho

1. Os primórdios: "geografia dos guias" (procura de lugares mais apropriados para abrigo, caça/pesca e obtenção de água; escolha das rotas e dos destinos mais adequados para as migrações bem sucedidas).

2. A geografia nos períodos grego e romano: descrição de países e regiões, para fins de conquista, dominação e administração; primeiras indagações ligadas à curiosidade do conhecimento da terra como um todo e de suas grandes regiões; primeiras tentativas bem sucedidas de representação cartográfica; aparecimento do nome "GEOGRAFIA" (descrição da Terra).

3. A geografia no período medieval: transcrição para o Latim, nos conventos, das principais obras dos geógrafos da antiguidade; geografia dos itinerários (conhecimento das principais rotas, tendo em vista, principalmente, o desenvolvimento das cruzadas, e as grandes peregrinações): início de uma geografia das "rotas comerciais", como a chamada "rota da seda", trilhada, entre outros, pelo aventureiro italiano, Marco Pólo; desenvolvimento de uma "geografia pré-científica" por parte dos árabes muçulmanos.

4. A Geografia no período moderno: "geografia da navegação", uma das principais bases das grandes navegações; descrição geográfica (tipo inventário) das terras descobertas, em especial das regiões costeiras, pelos "escrivães" das diversas frotas dos descobridores; início das indagações de caráter científico sobre o conhecimento da Terra como um todo e dos principais mecanismos da geografia física, principalmente com a "Geographia Generalis" de B. Varenius; início das explorações continentais, especialmente nas Américas, África e Oceania; importante desenvolvimento da cartografia, principalmente a partir do século XVIII.

5. A geografia científica e universitária dos alemães: desenvolveu-se no século XIX, principalmente com Alexander Humboldt e Karl Ritter. São abordagens geográficas de caráter holístico, procurando cobrir a totalidade do conhecimento geográfico possível à época; os dois maiores exemplos são: uma geografia geral do plante Terra, bem como um estudo da Terra no universo ("O Cosmos" de Humboldt), e uma geografia da Terra, considerada em suas grandes regiões, inclusive de um ponto de vista comparativo ("A Landerkunde"; de Ritter). Paralelamente, um outro alemão – Friedrich Ratzel – desenvolvia os primeiros tratados de geografia humana ("Anthropogeographie") e de geografia política ("Politische Geographie"), ambos de inspiração darwiniana.

6. As "geografias Universais" dos franceses: ainda no século XIX, enquanto os alemães procuravam estabelecer os primeiros grandes sistemas de uma geografia geral e comparada, os franceses voltavam-se para a produção de grandes sínteses regionais que cobrissem, também, o conjunto da Terra. São trabalhos de milhares de páginas que apresentavam, de forma descritiva e tão detalhada quanto possível, um quadro das grandes regiões em que se dividia, então, o mundo. A primeira dessas "géographies universelles" foi produzida no início do século XIX, por um dinamarquês radicado na França, chamado Konrad Malte-Brun. A segunda, impressionante por suas dimensões (quase 20.000 páginas), foi produzida entre 1870 e 1880, pelo controvertido líder anarquista Elisée Réclus.

7. As ‘’geografias regionais’’ da escola francesa de Geografia: no final do século XIX, e durante toda a primeira metade do século XX, uma geografia tipicamente francesa, desenvolvida por Paul Vidal de La Blache e seus discípulos, dominou o cenário da geografia mundial. Trata-se dos famosos estudos de geografia regional, isto é, análises detalhadas de todos os elementos e fatores possíveis que; através de uma interação dinâmica, caracterizam e explicam a personalidade própria de cada região estudada. São regiões bem menores que aquelas consideradas pelos geógrafos alemães do século XIX. Por isso mesmo, prestam-se aos indispensáveis trabalhos de campo, bem como ao não menos indispensável tratamento cartográfico dos ‘’croquis regionais’’.

8. A ‘’geografia teorética e quantitativa’’: nos anos que se seguiram a Segunda Guerra Mundial, muitos geógrafos, principalmente americanos, à procura de uma atualização da abordagem geográfica, tentam aproxima-la das principais ciências de ponta. Para isso, procuram dotá-la de um instrumental novo, isto é, a quantificação, através do uso de computadores. As novas técnicas causam grande impacto entre os geógrafos do mundo inteiro, modernizando a Geografia e tornando-a capaz de participar das grandes mudanças que marcam os meados deste século. Para que a eficiência da geografia fosse, ainda, mais desenvolvida, numerosos grupos de geógrafos adotam, como orientação filosófica básica, o Positivismo, doutrina em grande parte responsável pelo sucesso pragmático do ‘’american way of life’’. É o período em que a ‘’geografia aplicada foi rainha’’.

9. As ‘’geografias críticas’’: com as crises geradas tanto pelo problema energético (escassez de petróleo), quanto pela derrota americana no Vietnã, também aquela geografia otimista e ’’neutra’’ sofre sua própria crise. Duas reações principais desenvolvem-se na década de setenta: uma geografia ‘’radical’’, voltada para a denúncia dos problemas e injustiças sociais e internacionais, e de inspiração predominantemente marxista; e uma geografia ‘’humanística’’, fundamentada nos valores individuais e subjetivos, voltada para os estudos de percepção e dos problemas ambientais, de inspiração psicológica, além de fenomenológica e existencialista. Suas preocupações essenciais não eram nem as teorias, nem os métodos e técnicas quantitativos, mas os homens em suas individualidades, subjetividades, limitações, etc..., colocados nos grupos sociais de que faziam parte.

10. O futuro da geografia, suas principais perspectivas: neste final de milênio, tanto os acontecimentos mundiais, como as principais teorias científicas recentemente criadas, apontam para direções novas da prática da Geografia. Este final de milênio mostra o desmantelamento dos grandes sistemas totalitários (principalmente dos sistemas comunistas do leste europeu) ; mostra uma preocupação fundamental com o meio ambiente, principalmente através da famosa ‘’Teoria de Gaia’’, do biólogo inglês James Lovelock; e mostra uma preocupação com o relativismo científico, através da não menos famosa ‘’Teoria do Caos’’, de James Gleick. Essas novas teorias, profundamente ambientalistas e anti-totalitárias, indicam a necessidade de ma Geografia que explore o conhecimento da Terra como um todo e como a ‘’morado do homem’’ (lançando mão, inclusive das novas imagens geradas em satélites); de uma geografia que considere o homem tanto em sociedade, quanto em suas percepções de indivíduo; enfim, de uma geografia política do mundo que vai entrar no novo milênio.

Geografia: da Antigüidade à Pós-Modernidade

Antônio Christofoletti (IGCE, UNESP, Rio Claro)

Todos os pensadores da Antigüidade e Idade Média que descreveram as características de paisagens e povos situados em lugares da superfície terrestre são exemplos de geógrafos. As preocupações em conhecer lugares e povos, em realizar a contagem das coisas, em relatar as histórias e em pensar sobre a vida e sobre o mundo são atividades existentes em todas as civilizações. Por essa razão, fazem com que as disciplinas Geografia, História, Matemática e Filosofia, por exemplo, lancem suas raízes históricas até a Antigüidade. Entretanto, todas as informações obtidas nessas épocas pertenciam ao conhecimento filosófico, ao conhecimento religioso e ao conhecimento do senso-comum.

A partir do século XVIII, com a Idade das Luzes, e no transcurso do século XIX começou a se estruturar um modo de reconhecimento melhor organizado e sistemático, que formalizou o conhecimento científico. Com a atuação e trabalhos dos naturalistas, dentre os quais se destaca a figura de Alexandre Von Humboldt, estabeleceu-se a concepção que propiciou perceber e compreender as paisagens diferenciadas dos lugares e dos povos como fenômenos específicos, merecedoras de descrição, análise e explicação.

Incorporando a tradicional tarefa de descrever a Terra, a Geografia surgiu organizada como sendo uma disciplina científica no transcorrer da segunda metade do século XIX. E na sua tarefa de produção científica, relacionada com a corrente do positivismo e da modernidade, surgiram estudos procurando estudar a distribuição espacial dos fenômenos físicos (relevo, clima, solos, águas), biológicos (vegetação e fauna), sociais (população, cidades, religião, etc) e econômicos (agricultura, produção de energia, comércio, etc) na superfície terrestre. Entretanto, compreendia-se claramente que em todo território ou área esses diversos fenômenos se entrelaçavam, formando uma paisagem distinta ou unidade espacial, denominada região, possibilitando os estudos sobre as mais diversas unidades e diferenciação areal da superfície terrestre. A tarefa dos geógrafos expressava-se em analisar os aspectos da distribuição espacial dos fenômenos e as características específicas dos lugares e regiões.

O século XX chegou e esse procedimento de análise geográfica permaneceu estável até a década de cinqüenta. A turbulência gerada pelo desenvolvimento das informações, da prática científica e transformações tecnológicas na Segunda Guerra Mundial começou a provocar mudanças nas atividades das disciplinas. No caso da Geografia, ocorreu a expansão da análise quantificativa, dos estudos sobre padrões espaciais e interação espacial e a absorção da análise sistêmica. As categorias de fenômenos componentes da paisagem começaram a ser compreendidos como elementos que se estruturavam em sua disposição espacial e funcionavam integradamente pela ação dos processos e fluxos, formando uma organização espacial, cujo conceito absorvia e ampliava os anteriores ligados às paisagens e regiões. Esse procedimento conceitual e analítico ganhou maior difusão no setor da Geografia Física, no estudo dos fenômenos físicos e na abordagem sobre os sistemas espaciais físicos, denominados de geossistemas. Em virtude dos percalços na Guerra do Vietname, dos movimentos populares e dos movimentos ambientalistas e ecológicos ocorridos na década de sessenta, difundiu-se a conotação da relevância social e expandiram-se propostas de análise visando substituir as normas metodológicas do neopositivismo, representadas pelo materialismo dialético, hermenêutica, fenomenologia e abordagem humanística. Tais proposições repercutiram em muitos estudos sobre os fenômenos sociais e econômicos, no campo das questões relacionadas com a Geografia Humana.

Mas o evoluir do conhecimento científico não parou e interagiu (desencadeando e usufruindo) com as transformações tecnológicas, principalmente da informática. A documentação originada pelo uso do sensoriamento remoto e expansão da cartografia propiciou explosão no fornecimento informativo sobre as características observadas em todas as áreas da superfície terrestre. A fim de enfrentar esse desafio, para a manipulação e análise da grande quantidade de informações sobre a distribuição espacial dos fenômenos, foram desenvolvidos os sistemas de informação geográfica.

Na segunda metade dos anos sessenta os cientistas, principalmente os meteórologos e físicos, começaram a perceber que os fenômenos apresentavam um comportamento caótico, o que levou à formulação da teoria do caos. Esse comportamento salientava que os sistemas possuíam uma dinâmica não-linear, pois a categoria dos resultados gerados pelos processos era previsível. No entanto, os estados-resposta imediatos não podiam ser determinados com certeza, pois se tornavam dependentes de pequenas diferenças nas condições iniciais e aos efeitos ocasionados por perturbações. Simultaneamente, compreendia-se que os sistemas evoluíam para estados de auto-organização, e os seus limites críticos podiam ser alterados pela ação de forças condicionadoras, promovendo reajustagens ou mudanças estruturais no sistema. O conhecimento científico apresentava nova dimensão a respeito do funcionamento e dinâmica dos sistemas e à compreensão de como o mundo funciona.

Paralelamente, estabelecia-se melhor a relação de que a atuação dos processos acabava gerando o aparecimento de uma forma, que expressava a organização e disposição dos elementos componentes. Por exemplo, a ação do vento carregando as folhas dispersas pelo chão pode formar montículos. Esses montículos de folhas são formas organizadas como respostas à ação do vento, mas que aparentemente surgem como confusas e caóticas. Elas não podem ser descritas nas categorias lineares (uni-direcionais), de áreas (bi-dimensionais) ou de volumes (tri-dimensionais) da geometria euclidiana. As formas dos montículos como as da superfície terrestre são sinuosas (rios, linhas costeiras), rugosas (topografias), tortuosas (cidades, bacias hidrográficas), fragmentadas. Na década de oitenta surgiu o desenvolvimento da geometria fractal da natureza visando a análise desse amplo campo de formas geométricas irregulares.

Também a partir da década de oitenta os cientistas começaram a dedicar atenção ao estudo dos sistemas complexos, a fim de compreender e analisar as características da complexidade inerente às diversas categorias de sistemas. Compreende-se facilmente a existência de sistemas complexos biológicos, físicos, econômicos, sociais, etc. que embora focalizando categorias diferentes de fenômenos, possuem muitas peculiaridades comuns em sua estruturação e dinâmica. Entre as categorias de sistemas complexos também se enquadra a dos sistemas de organização espacial.

O desenvolvimento científico em torno dos sistemas dinâmicos não-lineares, do comportamento caótico, da auto-organização e da geometria fractal vem sendo considerado como característica da ciência na fase da pós-modernidade. A Geografia, como disciplina científica, não pode deixar de acompanhar esse desenvolvimento e absorve-lo na potencialidade de contribuir para a compreensão e análise da categoria de fenômenos que representa o seu objeto de estudo.

Deve-se salientar que a categoria de fenômenos que representa o objeto de estudo da Geografia expressa a sua linhagem e continuidade, como disciplina individualizada, ao longo da evolução histórica, embora sempre incorporando as inovações e as novas abordagens científicas. Tais incorporações são realizadas pela e para a Geografia, a fim de esclarecer e precisar seus conceitos e ampliar seu arsenal técnico. Mas a sua problemática analítica quanto ao objeto permanece a mesma, isto é, conhecer as características da espacialidade dos fenômenos e das organizações espaciais na superfície terrestre, desde o exemplar único na escala de grandeza do globo até a enorme quantidade de lugares na escala de grandeza local. Pela relevância de sua temática, o conhecimento geográfico surge sempre como de elevado potencial aplicativo para atender a demanda e as necessidades da sociedade, como hodiernamente ocorre, por exemplo, nas problemáticas relacionadas com a análise ambiental e desenvolvimento sustentável.

Fonte: Jornal Cidade de Rio Claro, 02/06/97

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Comportamento Territorial

A defesa de uma área limitada

Desmond Morris

Um território é um espaço defendido. No sentido mais amplo, há três tipos de território humano: o tribal, o familiar e o pessoal.

É raro que as pessoas sejam levadas ao combate corporal para defender esses espaços "possuídos", mas lutarão, se provocadas, até o limite. O exército invasor usurpando território nacional, a gangue movendo-se para um distrito rival, o transgressor pulando o muro de um pomar, o assaltante invadindo uma casa, o valentão empurrando uma fila para a frente, o motorista tentando roubar um espaço para estacionar, todos esses intrusos estão sujeitos a deparar com resistência, que varia da vigorosa à selvagemente violenta. Mesmo se a lei está do lado do intruso, o impulso para proteger um território pode ser tão forte que cidadãos em outras circunstâncias pacíficos abandonam todos os seus controles e inibições habituais. Tentativas de desalojar famílias do seu lar, não importa quão socialmente válidas as razões, podem levar a condições de assédio reminescentes da defesa de uma fortaleza medieval.

O fato de esses levantes serem muito raros é uma mostra do sucesso dos sinais territoriais enquanto sistema de prevenção de disputas. Algumas vezes se afirma, cinicamente, que "toda propriedade é roubo", mas na realidade é o oposto. A propriedade, enquanto espaço possuído e exibido como espaço possuído, é um tipo especial de sistema de partilha, que reduz as brigas muito mais do que as causa. O homem é uma espécie cooperativa, mas também é competitiva, e sua luta pelo domínio tem que ser estruturada de algum modo, se é que se deseja evitar o caos. O estabelecimento de direitos territoriais é uma estrutura assim. Limita geograficamente o domínio. Sou dominante no meu território e você no seu. Em outras palavras, o domínio é partilhado espacialmente e todos nós temos algum. Mesmo que eu seja fraco e sem inteligência e você possa me dominar quando nos encontramos em solo neutro, eu ainda posso usufruir totalmente de um papel dominante [p. 126] assim que me retiro para a minha base particular. Por mais humilde que seja, não há lugar algum como o território doméstico.

Claro, eu ainda posso ser intimidado por um indivíduo particularmente dominante que entra na minha base doméstica, mas a sua invasão será perigosa para ele, que pensará duas vezes nisso antes de agir, porque saberá que ali o meu impulso de resistir será dramaticamente ampliado e a minha subserviência usual desaparecerá. Insultado no coração do meu próprio território, posso facilmente explodir e me pôr em combate – simbólico ou real –, com um resultado que talvez seja prejudicial a nós ambos.

A fim de que isso funcione, cada território tem que ser fartamente apregoado como tal. Exatamente como um cão levanta a perna para depositar o seu cheiro pessoal nas árvores da sua localidade, os animais humanos levantam simbolicamente a perna por toda a sua base doméstica. Mas, como somos animais predominantemente visuais, utilizamos sobretudo sinais visuais, e vale a pena perguntar como fazemos isso aos três níveis – tribal, familiar e pessoal.

Primeiro: o território tribal. Evoluímos como animais tribais, vivendo em grupos comparativamente pequenos, provavelmente com menos de cem indivíduos, e existimos assim por milhões de anos. É a nossa unidade social básica, um grupo em que todo o mundo se conhece. Essencialmente, o território tribal consistia em uma base doméstica rodeada por extensos campos de caça. Qualquer tribo vizinha que invadisse o nosso espaço social era repelida e expulsa. Quando essas primeiras tribos se expandiram em supertribos agricultoras, e finalmente em nações industriais, seus sistemas de defesa territorial se tornaram cada vez mais elaborados. A minúscula base doméstica antiga da tribo caçadora se transformou na grande capital, a primitiva pintura de guerra transformou-se na bandeira, nos emblemas, nos uniformes e nas insígnias do militar especializado, e os cantos de guerra se transformaram em hinos nacionais, marchas e toques de clarins. As linhas fronteiriças dos territórios se estabilizaram como limites fixos, com freqüência patrulhados notoriamente e pontilhados de estruturas defensivas – fortes e postos de vigia, grandes muralhas e, hoje, barreiras aduaneiras.

Hoje cada nação ostenta a sua própria bandeira, uma personificação simbólica do seu status territorial. Mas o patriotismo não basta. O antigo caçador tribal [p. 127] que espreita de dentro de cada cidadão se acha insatisfeito com o fato de ser membro de um tão vasto conglomerado de indivíduos, a maioria dos quais totalmente desconhecidos para ele pessoalmente. Ele faz o melhor que pode para sentir que compartilha uma defesa territorial comum com todos eles, mas a escala da operação se tornou inumana. É difícil ter a sensação de pertencer a uma tribo de cinqüenta milhões ou mais. Sua resposta é formar subgrupos, mais próximos do seu padrão antigo, menores e conhecidos mais pessoalmente por ele – o clube local, a gangue dos adolescentes, o sindicato, a sociedade especializada, a associação esportiva, o partido político, o grêmio universitário, a "panelinha" social, o grupo de protesto, e o restante. Raro, de fato, é o indivíduo que não pertence pelo menos a um desses grupos menores e que não extraia disso uma sensação de lealdade e fraternidade tribais. Típico de todos esses grupos é o desenvolvimento de sinais territoriais – distintivos, trajes, sedes, bandeiras, slogans, e as outras manifestações de identidade de grupo. É aí que a ação se encontra, em termos de territorialismo tribal, e só quando rebenta uma guerra de porte é que a ênfase se desloca para o nível grupal mais elevado na nação.

Cada uma dessas pseudotribos modernas cria o seu tipo especial de base doméstica. Em casos extremos, os não-membros são totalmente excluídos, em outros permite-se a entrada deles na qualidade de visitantes com direitos limitados e sob um sistema de controle com regras especiais. Em muitos sentidos são como nações em miniatura, com suas bandeiras e emblemas e seus próprios guardas de fronteiras. O clube exclusivo tem a sua própria "barreira aduaneira": o porteiro, que examina o "passaporte" (o cartão de sócio) e impede os estranhos de passar. Há um governo: a diretoria do clube; e freqüentemente uma exibição dos anciãos da tribo: as fotos ou os retratos de diretores antigos nas paredes. No centro dos territórios especializados há uma intensa sensação de segurança e importância, uma sensação de defesa compartilhada contra o mundo exterior. Muito da conversa [p. 128] amena do clube, tanto séria quanto jocosa, se dirige contra a depravação de tudo o que se encontra para fora dos protegidos portais do clube.

Em organizações sociais que personifiquem um forte sistema de classe, tal como as unidades militares e as grandes empresas comerciais, há muitas guerras territoriais, freqüentemente tácitas, que interferem na hierarquia oficial. Indivíduos de status elevado, como oficiais e gerentes, poderiam em teoria entrar em qualquer uma das regiões ocupadas pelos níveis inferiores da peck order [baixo escalão], mas limitam esse poder de modo flagrante. Um oficial raramente entra na sala de um sargento ou numa sala do acampamento a não ser para uma inspeção formal. Respeita essas regiões como territórios alheios, mesmo tendo o poder de ir lá em virtude do seu papel dominante. E, nos negócios, parte do apelo dos sindicatos, além e aquém das suas funções óbvias, é que com seus funcionários, sede e reuniões, atribuem uma sensação de poder territorial aos trabalhadores. É quase como se cada organização militar e empresa comercial consistissem em duas tribos em guerra: os oficiais versus as outras patentes, a direção versus os operários. Cada uma tem a sua base doméstica especial dentro do sistema, e o padrão de defesa territorial se mescla com o que, em superfície, é pura hierarquia social. Negociações entre diretorias e sindicatos são batalhas tribais combatidas no solo neutro de uma mesa de reuniões, e se preocupam tanto com ostentação territorial quanto com a solução de problemas de salários e condições de trabalho. Na verdade, se um lado cede rápido demais e aceita as reivindicações do outro, os vencedores se sentem estranhamente trapaceados e profundamente desconfiados de que pode se tratar de um truque. O que lhes faz falta é a prolongada seqüência de ritual e contra-ritual que mantém viva a identidade de grupo territorial de cada parte.

De modo semelhante, muitas das manifestações hostis de fãs desportivos e de gangues adolescentes estão basicamente preocupadas em exibir a sua imagem de grupo aos fãs-clubes e gangues rivais. Exceto em casos raros, eles não atacam a sede um do outro, expulsam os ocupantes e reduzem-nos a uma condição de submissa subordinação. É suficiente ter escaramuças nas regiões fronteiriças entre os dois territórios rivais. Isso fica particularmente claro em partidas de futebol, em que a sede do fã-clube se desloca temporariamente do clube propriamente dito para um setor das arquibancadas, e onde irrompem disputas na linha de demarcação não-oficial que separa os grupos de torcedores rivais aglomerados. Os relatos dos jornais exploram os poucos acidentes e danos que ocorrem em tais ocasiões, mas, quando os estudamos em relação ao número total de fãs declarados envolvidos, fica claro que os incidentes sérios representam apenas uma fração minúscula do comportamento do grupo total. Para cada soco ou pontapé reais, há milhares de gritos de guerra, danças de guerra, cânticos e gestos.

Segundo: o território familiar. A família é, essencialmente, uma unidade de reprodução e o território familiar, local de reprodução. No centro desse espaço está o ninho – o dormitório –, onde, encolhidos na cama, sentimo-nos o mais seguros possível, territorialmente falando. Numa casa típica, o dormitório fica no andar superior, onde deve ficar um ninho seguro. Isso o coloca bem afastado do saguão de entrada, a área onde se faz contato, intermitentemente, com o mundo exterior. As salas de recepção, menos privadas, a que se permite o acesso de intrusos, são a linha seguinte de defesa. Para além delas, fora das paredes da construção, freqüentemente há um remanescente simbólico dos antigos campos de alimentação: um jardim. Seu simbolismo freqüentemente se estende às plantas e aos animais que contém, que deixam de ser nutricionais para se tornarem meramente decorativos – flores e bichos de estimação. Mas, como um autêntico espaço territorial, tem uma linha divisória exibida com toda a evidência, a cerca do jardim, ou muro, ou grades. Geralmente não passando de uma barreira simbólica, é a demarcação exterior do território, separando o mundo privado da família do mundo público que fica além dela. Cruzá-la coloca qualquer visitante ou intruso numa desvantagem imediata. Assim que atravessa a soleira, seu domínio decresce, ligeira mas inconfundivelmente. Ele está ingressando numa área onde sente que deve pedir permissão para fazer coisas simples que, em outro lugar, consideraria como um direito seu. Sem mover um dedo, os proprietários do território exercem o seu domínio. Isso é feito pelas centenas de pequenas "marcas" [p. 129] de propriedade que eles espalharam pelo seu território familiar: os ornamentos, os objetos "possuídos" dispostos nas salas e nas paredes; a mobília e acessórios, as cores, os padrões, tudo escolhido pelos proprietários e tudo fazendo dessa base doméstica em particular uma coisa exclusiva deles.

Uma das tragédias da arquitetura moderna é ter havido uma padronização dessas unidades territoriais vitais. Um dos aspectos mais importantes de uma casa é que ela deve ser semelhante às outras apenas de um modo genérico, enquanto nos detalhes deveria ter muitas diferenças, tornando-a uma casa particular. Infelizmente é mais barato construir uma fileira de casas, ou um prédio de apartamentos, de modo que todas as unidades de vida familiar são idênticas. Mas o impulso territorial rebela-se contra essa tendência e os proprietários da casa lutam o melhor que podem para colocar a própria marca na propriedade produzida em massa. Fazem isso com o projeto do jardim, com as cores da porta principal, com o desenho das cortinas, com o papel de parede e todos os outros elementos decorativos que, juntos, criam um ambiente familiar único e diferente. Só ao completar a construção desse ninho se sentem "em casa" e seguros.

Quando se aventuram a sair como unidade familiar, repetem o processo em menor escala. Numa viagem de um dia à praia, enchem o carro de objetos pessoais e o carro se transforma no seu território portátil provisório. Chegando à praia, delimitam um pequeno território, marcando-o com esteiras, toalhas, cestas e outros pertences aos quais podem retornar depois de vagar pela orla do mar. Mesmo que vão todos dar um mergulho ao mesmo tempo, o lugar conserva a sua qualidade territorial característica, e outros grupos familiares que cheguem reconhecerão isso instalando a própria base "doméstica" a uma distância respeitosa. Só quando a praia inteira estiver cheia desses espaços demarcados é que os recém-chegados começarão a se posicionar de um modo tal que a distância entre as bases se reduza. Forçados a se acomodar entre diversos territórios de praia já existentes, terão uma sensação momentânea de intrusão, e os "proprietários" estabelecidos terão uma sensação semelhante de invasão, ainda que não estejam sendo diretamente incomodados.

O mesmo espetáculo territorial é representado em parques, no campo e em praias de rio, sempre que grupos familiares se reúnem nas suas unidades de aglomeração. Mas, se a rivalidade por espaços gera moderadas sensações de hostilidade, é verdade dizer que, sem o sistema territorial de partilha e domínio sobre espaço limitado, haveria uma desordem caótica.

Terceiro: o espaço pessoal. Se um homem entra numa sala de espera e se senta numa extremidade de uma longa fileira de cadeiras vazias, é possível prever onde é que vai se sentar o próximo homem que entrar. Não vai se sentar ao lado do primeiro, nem na outra extremidade, bem longe dele. Escolherá uma posição a meio caminho entre esses dois pontos. O próximo homem que entrar vai tomar o intervalo maior que restar e sentar-se mais ou menos no meio dele, e assim por diante, até que, finalmente, o último recém-chegado será forçado a escolher uma cadeira que o coloque bem ao lado de um homem já sentado. Padrões semelhantes podem ser observados em cinema, mictórios públicos, aviões, trens e ônibus. É um reflexo do fato de que todos nós carregamos conosco, a todo lugar a que vamos, um território portátil chamado espaço pessoal. Se as pessoas se movem para dentro desse espaço, sentimo-nos ameaçados. Se se põem afastadas demais, sentimo-nos rejeitados. O resultado é uma série sutil de ajustes espaciais, geralmente operando de modo totalmente inconsciente, e produzindo acomodações ideais na medida do possível. Se um local se torna excessivamente cheio de gente, adaptamos as nossas reações adequadamente e permitimos que o nosso espaço pessoal diminua. Comprimidos num elevador, num vagão de metrô na hora do rush ou numa sala aglomerada, cedemos completamente e permitimos o contato corpo a corpo, mas, quando renunciamos ao nosso espaço pessoal desse modo, adotamos certas técnicas especiais. Em essência, o que fazemos é converter esses outros corpos em "não-pessoas". Intencionalmente as ignoramos e elas a nós. Tentamos não encará-las se pudermos evitá-lo. Apagamos toda a expressividade do rosto, deixando-o opaco. Podemos levantar os olhos para o teto ou baixá-los para o soalho, e reduzimos os movimentos corporais [p. 130] a um mínimo. Prensados como sardinhas em lata, ficamos em pé silenciosamente imóveis, enviando tão poucos sinais sociais quanto possível.

Mesmo que o aglomerado seja menos grave, tendemos a suprimir nossas interações sociais na presença de muitas pessoas. Cuidadosas observações de crianças brincando em grupo revelaram que, se forem agrupamentos de alta densidade, há menos interação social entre as crianças individualmente, ainda que, teoricamente, haja mais oportunidade para tais contatos. Ao mesmo tempo, os grupos de alta densidade mostram uma freqüência mais alta de padrões de comportamento agressivo e destrutivo nas brincadeiras. O espaço pessoal é artigo vital para o animal humano, e que não pode ser ignorado sem o risco de sérios problemas.

Claro, todos nós apreciamos a animação de estar numa multidão, e essa reação não pode ser ignorada. Mas há multidões e multidões. É bastante agradável estar numa "multidão de espectadores", mas não tão atraente encontrar-se no meio de um aglomerado na hora do rush. A diferença entre as duas coisas é que a multidão de espectadores está toda voltada para a mesma direção e concentrando-se num ponto distante de interesse. Assistindo a uma peça teatral, temos pontadas de hostilidade contra o estranho que se senta imediatamente à nossa frente, ou contra o que se espreme na poltrona ao lado da nossa. O braço compartilhado do assento pode se tornar uma região de polida mas nítida disputa por demarcação territorial. Entretanto, assim que o espetáculo começa, essas invasões de espaço pessoal são esquecidas e a atenção se concentra além do pequeno espaço onde está ocorrendo a aglomeração. Agora, cada membro da platéia se sente espacialmente relacionado não com seus vizinhos confinados, mas com o ator no palco, e essa distância é bem grande. Na multidão na hora do rush, ao contrário, cada membro do aglomerado que se atropela compete com os vizinhos o tempo todo. Não há a escapatória para uma relação espacial com um ator distante, apenas os corpos que empurram e apertam a toda a volta.

Os que têm que passar muitas horas em condições de aglomeração tornam-se gradualmente mais capazes de se adaptar, mas ninguém consegue jamais se tornar completamente imune a invasões do espaço pessoal. Isso porque tais invasões estarão para sempre associadas com vigorosos sentimentos de hostilidade ou com sentimentos de afeição igualmente vigorosos. No decorrer de toda a infância, seguram-nos para nos amar e seguram-nos para nos machucar, e qualquer um que invada o nosso espaço pessoal, quando somos adultos, está, na verdade, ameaçando estender seu comportamento a uma dessas áreas altamente carregadas da interação humana. Mesmo que seus motivos não sejam claramente hostis nem sexuais, ainda achamos difícil suprimir nossas reações à sua aproximação estreita. Infelizmente, em diferentes países há idéias diferentes sobre quão perto, exatamente, o perto é. É fácil testar qual é a sua "reação de espaço": quando estiver conversando com alguém na rua, ou em qualquer lugar aberto, estenda o braço e veja qual o ponto mais próximo a que o corpo da outra pessoa chega. Se você é natural da Europa ocidental, descobrirá que ela está a uma "distância de ponta dos dedos" de você. Em outras palavras, quando você esticar o braço, a ponta dos seus dedos fará contato com o ombro da pessoa. Se você provém da Europa oriental, descobrirá que está parado à "distância de pulso". Se é da região mediterrânea, estará bem mais perto, à "distância de cotovelo".

O problema surge quando um membro de uma dessas culturas se encontra e conversa com um membro de outra. Digamos que um diplomata britânico encontre um diplomata italiano ou árabe numa recepção de embaixada. Começam a conversar de modo cordial, mas logo o homem "ponta dos dedos" começa a se sentir inquieto. Sem saber absolutamente por quê, põe-se gentilmente a recuar do companheiro. O interlocutor avança. Cada um tenta desse modo criar um relacionamento de espaço pessoal que se coadune com o próprio background individual. Mas é impossível. Cada vez que o diplomata mediterrâneo avança a uma distância que considera confortável, o britânico se sente ameaçado. Cada vez que o britânico recua, o outro se sente rejeitado. As tentativas de ajustar essa situação freqüentemente levam a dupla que conversa a se deslocar lentamente até o outro lado da sala, e muita recepção de embaixada fica pontilhada de europeus ocidentais "ponta dos dedos" encostados às paredes por impetuosos [p. 131] homens "cotovelo". Até que tais diferenças nos "territórios corporais" sejam integralmente compreendidas, e levadas em consideração, continuarão a atuar com um fator de antipatia que pode interferir, de modo sutil, na harmonia diplomática e em outras formas de transação internacional.

Se existem problemas de distância quando as pessoas conversam, é claro que vai haver dificuldades maiores quando elas tiverem que trabalhar em particular num espaço compartilhado. A estreita proximidade de outros, pressionando as demarcações invisíveis do nosso território pessoal, torna difícil a concentração em questões não-sociais. Companheiros de apartamento, estudantes compartilhando a mesma sala de estudos, marinheiros nos alojamentos apertados de um navio, e pessoal de escritório em locais de trabalho cheios de gente têm, todos, que enfrentar esse problema. Resolvem-no "fazendo casulo". Usam uma variedade de estratagemas para se isolar dos outros presentes. O melhor casulo possível, claro, é uma pequena sala privada – um gabinete, um escritório particular, uma sala de estudos ou um ateliê –, que obscurece fisicamente a presença de outros proprietários do território. Essa é a situação ideal para o trabalho não-social, mas os que compartilham o espaço não podem gozar desse luxo. Seu encasulamento tem que ser simbólico. Podem, em certos casos, ter condições de erguer barreiras físicas, como biombos e divisórias, que dão substância aos seus limites invisíveis de espaço pessoal, mas, quando isso não é feito, outros meios precisam ser procurados. Um deles é o "objeto favorito". Cada compartilhador de espaço desenvolve uma preferência, expressa repetidamente até se tornar um padrão fixo, por uma cadeira em particular, uma mesa ou um nicho. Os outros acabam por respeitar isso e o atrito se reduz. O sistema freqüentemente se arranja de modo formal (esta é a minha escrivaninha, aquela a sua), mas, mesmo quando não o é, logo se desenvolve a preferência por lugares determinados. O Professor Smith tem uma poltrona favorita na biblioteca. Não é formalmente sua, mas ele sempre a usa e os outros a evitam. Os assentos em torno de uma mesa na sala de reuniões ou na diretoria tornam-se quase que propriedade pessoal de indivíduos específicos. Mesmo em casa, o pai tem sua poltrona favorita para ler o jornal ou assistir à televisão. Outro estratagema é a postura de antolhos. Exatamente como um cavalo que se excita com outros cavalos e com as distrações do barulhento campo de corridas recebe um par de antolhos para tapar-lhe os olhos, assim as pessoas ao estudar num local público colocam pseudo-antolhos na forma de mãos em escudo. Apoiando os cotovelos sobre a mesa, sentam-se com as mãos tapando os olhos do que acontece de cada lado.

Um terceiro método de reforçar o território corporal é usar marcas pessoais. Livros, papéis e outros pertences pessoais são espalhados pelo local favorito para torná-lo, aos olhos dos companheiros, mais particularmente "possuído". Espalhar os próprios pertences é um truque bem conhecido nas situações de transporte coletivo, em que um passageiro tenta dar a impressão de que os assentos ao seu lado estão tomados. Em muitos contextos, marcas pessoais cuidadosamente dispostas podem atuar como uma ostentação territorial eficaz, mesmo na ausência do proprietário do território. Experiências numa biblioteca revelaram que colocar uma pilha de revistas sobre a mesa, sugerindo a presença de alguém sentado, conseguiu manter o lugar reservado com êxito por uma média de setenta e sete minutos. Se se juntava uma jaqueta, pendurada na cadeira, o "efeito de reserva" durava por mais de duas horas.

Por esses meios, reforçamos as defesas do nosso espaço pessoal, mantendo os intrusos a distância com o mínimo de franca hostilidade. Assim como com todo o comportamento territorial, o objetivo é defender o espaço com sinais e não com os punhos e, aos três níveis – tribal, familiar e pessoal – é um sistema notavelmente eficaz de dividir o espaço. Nem sempre parece ser assim porque os jornais e telejornais inevitavelmente ampliam as exceções e insistem em casos onde os sinais falharam e irromperam guerras, gangues lutaram, famílias vizinhas se indispuseram ou colegas entraram em conflito, mas, para cada sinal territorial que falhou, há milhões de outros que não falharam. Não merecem menção nos noticiários, mas ainda assim constituem um traço dominante da sociedade humana – a sociedade de um animal extraordinariamente territorial. [p. 132]

As Fronteiras

Noções de diferenças, de limites e de propriedade parecem ser naturais ao homem, sem dúvida inerentes sob suas formas primitivas. A maior parte dos animais marca seus territórios e tenta defendê-los. Na época atual, diremos que uma fronteira política é a separação entre duas soberanias. Mas já uma fronteira política é a separação entre duas soberanias. Mas já que, desde as semelhanças humanas do Neolítico (por volta de 8000 a.C.), a história humana, em sua enorme complexidade, foi feita de tomadas de poder, de conquistas, de modificação de limites, de desagregação e de fusão, é impossível dar uma visão de conjunto em algumas páginas, mesmo resumida ou esboçada. Proponho então escolher alguns problemas mais importantes e analisá-los sucessivamente.

Nessa perspectiva, muito geral, não farei nem estudo jurídico, nem estratégico, nem econômico. Eu me coloco sob o ponto de vista do historiador e procuro evitar, sobretudo, anacronismos.

Variedade históricas das fronteiras

A ambigüidade da palavra

A palavra "fronte" existe em inúmeras línguas indo-européias sob formas aparentadas, desde Bhurva , em sânscrito; oqpus, em grego; frontem, em latim; a-bhra, em gaélico; a-brant, em baixo-bretão; até brow, em inglês. No entanto, se ela resultou em frontíere, fronteira, etc., nas línguas latinas (até o século XVI com sentido da primeira linha de um exército), outras línguas adotaram palavras de diferentes origens para dizer fronteira. A palavra inglesa border originou-se do alto alemão antigo bort ou do inglês boundary; do baixo latim bodena por meio do francês arcaico. Os alemães adotaram a palavra eslava Grenze (que vem de granica), sinal de que, para eles os problemas de fronteira se desenvolveram sobretudo no leste.

A palavra frontier, em anglo-americano, adquiriu um sentido célebre; a zona que separa a civilização da wilderness, quer dizer, não da selvageria, mas do deserto (cf. cassel´s English Dictionary; este definia frontier como the part of a country which fronts or borders upon another; country, e não line). O historiador Frederic Jackson Turner buscou, em 1893, explicar a democracia americana pela frontier.

Notemos também que os clássicos gregos e romanos utilizavam palavras de outras origens. Para os gregos o "oroj" ou, para precisar uma fronteira comum a dois povos to meqoriog. A palavra Vroz significa igualmente montanha, o que é uma característica da geografia política grega. Mas como diz Charles Rosseau:

O conceito de fronteira parece ignorado na Antiguidade grega. A cidade grega não se adapta a nenhum quadro geográfico. Atenas e Espar ultrapassam suas fronteiras naturais. Entre as cidades-estados da Grécia não existem nem linha aduaneira nem fronteira militar. As únicas violações de fronteira são delitos ou crimes de lesa-propriedade (roubo da colheita, assalto ao rebanho).

Em latim, a palavra equivalente é finis. Mas significa igualmente região, daí a expressão bastante conhecida ad extremum finem galliae. Uma cidade fronteira é urbs in finibus sita. Do Finis latino Confin e, em inglês, confine.

Obtemos desse estudo bastante resumido a conclusão de que frontiére (empregarei daqui por diante a palavra francesa) deriva de origens e de preocupações diversas.

A fronteira expressa ou "marca"

Estamos habituados hoje em dia a considerar todas as fronteiras como linhas, bem traçadas, marcadas pelo menos por postes ou marcos, infelizmente, muitas vezes, por arame farpado ou mesmo por muros. Logo, esse sistema é relativamente recente. Ele depende totalmente dos progressos alcançados em topografia. Têm a vantagem de evitar inúmeros incidentes. Mesmo quando os marcos de fronteira são distantes um do outro, a linha existe e, a princípio, ela é conhecida dos funcionários da fronteira. Porém, ela é difícil de ser estabelecida de imediato, e todos os grandes ministérios das Relações Exteriores possuem um serviço geográfico encarregado de supervisionar a fronteira (por exemplo, no Quai d´Orsay, esse serviço ajuda numerosos países africanos a estabelecer suas fronteiras exatas).

Quando se estabeleceu a fronteira do efêmero "Território Livre de Trieste", foi escolhida a linha francesa (pela simples razão de que ela se encontrava próxima ao centro, a linha soviética passava muito a oeste e alinha americana muito a leste). Logo, desenhando essa linha, o lápis do diplomata Jean Wolfrom (ajudado pelos geógrafos Jean Welersse e Maurice Le Lannou) marcou um limite que, na escala do terreno, representava quinhentos metros de limite que, na escala do terreno, representava quinhentos metros de limite que, na escala do terreno, representava quinhentos metros de comprimento, fonte de inúmeros incidentes ulteriores. Um exemplo interessante porque mostra bem uma transição é o da fronteira da Argélia com o Marrocos, tal qual resultou do tratado de Lalla Marnia (18 de março de 1845):

1. Do mar Mediterrâneo até Teniet es – Sassi, por uma extensão de oitenta quilômetros, a delimitação foi estabelecida com precisão.

2. Sobre uma Segunda seção, de Teniet es-Sassi até figuig, o tratado contentava-se em definir quais Ksars, ou cidades fortificadas, seriam argelina e quais seriam marroquinas.

3. Ao sul de Figuig, até Oued Guir, contentou-se em criar duas linhas que podiam ser postos de aduana e de guarda. "No território compreendido entre essas duas linhas, as tribos representando os dois governos poderiam comerciar livremente.

Essa idéia de fronteira espessa seguiu simplesmente uma velha tradição, a dos romanos e, como parece, a dos chineses. Contrariamente à lenda, o famoso limes romanos (9.000 quilômetros no total) não é uma linha (salvo em certa medida a de Adriano, depois a de Antonino na Grã-Bretanha). O limes é composto de uma sucessão de fortes. A maioria das legiões romanas (cada vez mais compostas de bárbaros) estacionava atrás. Mas havia as patrulhas e as guarnições de frente. Em tempos de conquistas, as estradas romanas eram construídas perpendicularmente à linha do limes, de modo a ultrapassar essa linha para ofensivas de conquista. Depois, na fase em que a estratégia era de defesa, uma estrada era construída atrás do limes, paralela a ele. Assim, para tomar como exemplo o limes africano, no Magreb, Roma construiu postos "em pleno Saara, onde se encontravam os principais pontos de águas", para controlá-los. "Passando o limes, são construídos postos avançados, cujo objetivo principal parece Ter sido saber exatamente os caminhos das caravanas." Parece se passar o mesmo com a Grande Muralha chinesa, sobretudo a que data do Império dos Ming. Em sua defesa contra os mongóis, as tropas estacionavam entre as duas linhas da muralha, exterior e interior (2ª metade do século XV).

Em regra, a fronteira espessa existe apenas entre dois povos cujos níveis tecnológicos são diferentes. Daí essa visão insana de Hitler sobre fronteiras do Lebensraum:

Será absurdo querer considerar que a fronteira entre dois mundos, que são a Europa e a Ásia, seja marcada por uma cadeia de montanhas de pouca altitude... A fronteira verdadeira será a que separará o mundo germânico do mundo eslavo. É nosso dever colocá-la onde desejarmos que ela esteja ( noite de 23 de setembro de 1941)... A segurança da Europa não estará garantida até que tenhamos empurrado a Ásia para trás dos Montes Urais...São selvagens em estado natural. Como não existe proteção natural contra tal massa humana, devemos opor-lhes um muro vivo. Um estado de guerra permanente a leste contribuirá para a formação de uma raça sólida e impedir-nos-á de cair na fraqueza de uma Europa curvada sobre si própria (meio-dia de 25 de setembro de 1941).

Tiraremos nossas conclusões de um texto penetrante, obra de Montesquieu (Causes de la grandeur et de la décadence des Romains, capítulo XX, sobre as "marcas"):

Augusto, diz ele, estabeleceu nove fronteiras ou marcas. E acrescenta: Primeiramente os romanos não tinham postos: depositavam toda sua confiança em seus exércitos, que se colocavam ao longo dos rios, onde construíam torres distanciadas entre si para alojar os soldados. Mas como eram exércitos ruins, fique muitas vezes nem mesmo existiam, e a fronteira não defendia mais o interior, foi necessário fortificá-la. Então, criaram-se mais postos e menos forças, mais retiradas e menos segurança.

A fronteira "avançada"

Durante longos períodos da história, principalmente nos momentos em que as fortificações desempenhavam papel importante, a idéia de possuir fortes postos avançados, permitindo passar, um dia, a uma ofensiva de conquista, estabeleceu-se em determinadas conquistas territoriais compactas.

O estudo foi feito magistralmente para a França por Gaston Zeller. Este começa por minimizar a teoria segundo a qual, desde o Antigo Regime, os governos franceses queriam as "fronteiras naturais", em particular a do Reno. Ele mostra que Richelieu, Mazarino e Luís XIV preferiam as cabeças-de-ponte e as cabeças-de-garganta (cf. capítulo de histoire d´une idée fausse). Desejar esses postos avançados não é, diz ele, nem "descontinuação" nem "desorganização", e sim mais uma constante. É assim que, depois do Reno, a França tenta Kehl, fortificada por Vauban (até o tratado de Ryswick de 1697), Philippsburg (de 1648 até 1678). Além dos Alpes, Pignerol, a quarenta quilômetros de Turim (de 1632 até 1696), Saluces, que HenriqueIV restituiu em 1601, após o tratado de Lyon, que lhe havia dado Bresse, Bugey, Valromey e a região de Gex.

O exemplo mais característico é o do tratado de Aix-la-Chapele em 1668. Luís XIV atacou os Países Baixos espanhóis (Guerra de Devolução) e conquistou a Franche-Comté (igualmente espanhola). Uma tríplice aliança (Suécia, Inglaterra, Províncias Unidas) impôs-lhe uma arbitragem. Ele ficaria ou com a Franche-Comté, ou com os postos avançados que havia conquistado. Ele escolheu a Segunda solução. Ora, a lista desses postos é característica. Nós sublinhamos aquelas que se encontram dentro da atual Bélgica, muitas vezes a dezenas de quilômetros da fronteira: Charleroi, Binch, Ath, Douai, Torunai, Oudenarde, Lille, Armentières, Courtrai, Bergues e Furnes.

Inversamente, um pouco antes do Tratado de Utrecht, de 1713, os Países Baixos obtiveram o direito – garantido pela Inglaterra – de Ter guarnições militares em muitas cidades dos Países Baixos espanhóis (que se tornarão austríacos). São as Places de la Barriére. Do mesmo modo, a Inglaterra conservou por muito tempo Calais, depois Dunquerque e, mais tarde, Gibraltar.

As fronteiras dos impérios: a complexidade da rede

A partir do momento em que um Estado se torna soberano de territórios "diferentes" do dele próprio e lhes impõe sua soberania, a noção de soberania complica-se.

Por isso, vemos aparecer "subfronteiras" internas de variedades e de importâncias múltiplas. Antes da época em que floresceu a "idéia de nação", as populações não se opunham tanto a mudar de soberano, com a condição de que o novo príncipe mantivesse os privilégios adquiridos no passado.

O exemplo da França, sob o Antigo Regime, apresenta algo de surpreendente. Para nós, que somos habituados a encontrar, no posto de fronteira, a polícia e a aduana, constatamos que para a "passagem" (nome que tinham então, a aduana) encontramos três categorias de países:

a) o espaço de cinco mulheres gordas: em grande parte, a metade norte do país, da Picardia até a Borgonha e a Poitou. Circula-se aí livremente (se excetuamos as "concessões" locais);

b) os países considerados estrangeiros: Flandres e Artois ao norte, a Bretanha a oeste, Franche-Comté a leste, e todo o sul. Nestes, paga-se taxa de entrada e saída.

c) Os países realmente do estrangeiro: essencialmente a Alsácia e a Lorena e mais uma parte do Béarn, onde se paga "passagem" para o resto da França, não para o estrangeiro.

Imaginemos o que deveria ser a Alemanha, com seus 350 Estados, antes dos transtornos revolucionários e do Zollverein prussiano.

Ora, o "imperialismo" (palavra que data do fim do século XIX) é limitado na França pelas regras do equilíbrio europeu, mas, se alguém viola essas regras, esperando que uma coalizão geral as derrube, é obrigado a adotar, segundo as zonas conquistadas, sistemas diferentes.

Isso é válido tanto para Napoleão quanto para Hitler (no caso deste último, uma hierarquia racista que criava uma verdadeira escravidão). No Império Napoleônico havia a França dos departamentos, finalmente estendida da Foz do Elba até a Foz do Tigre, por razões de bloqueio continental.

Em seguida, vêm os reinos familiares, os reinos ou ducados vassalos e os reinos aliados. Vemos, mesmo em 1810, Napoleão tirar o reino da Holanda de seu irmão Luís e dividir esse país em departamentos "franceses", para grande descontentamento dos holandesas.

Hitler somente anexou ao grande Reich territórios povoados, na sua opinião, por alemães. De resto, países ocupados, países aliados (para Itália, a Romênia, a Hungria, etc., isso termina por coincidir), governos gerais, protetorados preparavam um caminho para uma anexação de um tipo especial, o Lebensraum ou "espaço vital". Já mencionamos suas fronteiras orientais!

Para os impérios coloniais, as diferenças são bem mais pronunciadas. Colônias, protetorados – onde subsistem a soberania teórica e um governo legal sob tutela – mais tarde com a SDN e a ONU, os mandatos, depois os trusteeships. Quando, após a revolta dos siaios de 1857, a Inglaterra apoderou-se das possessões da Companhia das Índias, encontrou uma intrincada rede de territórios que se tornaram coloniais (colônias da coroa) e principados (os "Estados dos príncipes"), além de diversos territórios "tribais".

Poderíamos multiplicar indefinidamente os exemplos dessas "subfronteiras". Notaremos que essa situação terminou por desfazer a URSS, que se dizia federação de Estados, mas estando sob poder dominante de um único partido, o Partido Comunista da União Soviética. Países bálticos, países transcaucasianos e países da Ásia central conscientizaram-se de que para eles realmente existia um problema de fronteira, por vezes dramático ( por exemplo, entre a Armênia e o Azerbaijão).

Também podemos observar em toda sua peculiaridade a afirmação de Pannikar, que, em sua Histoire de I´Inde, afirma que a colonização é "o que vem do mar". Assim, a URSS não é um império colonial! Finalmente, as "subfronteiras" desempenham um papel maior na vida do homem, e isso também nos Estados federais muito unidos. Desse modo, a venda de álcool, sendo proibida aos domingos em Indiana, é autorizada em Illinois. Em cada estrada que liga os dois estados, existem numerosos e magníficos pubs instalados em Illinois. Funcionam somente aos domingos (evocaremos esse tipo de problema mais adiante ao tratarmos da "iconografia").

Finalmente, podemos imaginar uma solução teórica que eliminaria as "subfronteiras" tornando o todo homogêneo. É o método da assimilação. Ciro, o grande, fez uma vaga tentativa nesse sentido no século VI a.C., no Império dos Aquimênidas. No Império Romano, o édito de Caracala ou Constitutio Antoniana (212 d.C.) estendia o direito de cidadania romana a todos os homens livres do Império. Porém, ele excluía os escravos, alguns homens livres e os bárbaros instalados no Império. O peso do aparelho imperial e as primeiras grandes invasões impediram que esse sistema produzisse todos os seus frutos.

Sabemos que a colonização francesa se aproveitou dessa idéia criando, por um lado, "departamentos de além-mar" e, por outro, considerando os habitantes de "territórios de além-mar" como cidadãos franceses. Esse sistema revelou-se enganoso, pois um deputado africano representava maior número de habitantes que um deputado da metrópole. Aliás, a metrópole teria sido governada pelo além-mar, coisa que os franceses não queriam. Os Estados Unidos parecem Ter conseguido essa política em relação às ilhas do Havaí. Mas, de modo geral, a aspiração das populações, motivadas pelo desejo de liberdade e independência, não é anular as subfronteiras por assimilação, mas transformá-las em fronteiras de Estado por meio da independência.

A fronteira linear

É a que se generalizou em toda parte nos séculos XIX e XX, com exceção de zonas onde assola a guerra. Ela é, evidentemente, a mais simples, a que gera menos problemas. Talvez o exemplo mais antigo seja o da fronteira entre Espanha e Portugal. Ela possui 987 quilômetros de extensão e só raramente observa os "limites naturais". Ora, com muito poucas alterações, ela existe desde 1320. Quando a Espanha conquistou momentaneamente Portugal (por meio de união dinástica de 1580-1614), a fronteira não foi alterada. As guerras napoleônicas não a perturbaram por muito tempo. Evidentemente, diversos acordos ligados aos progressos topográficos forma assinados – é o caso de todas as fronteiras desse gênero. Quando estudamos os detalhes, é necessário levar em conta as incontáveis correções e precisões.

Mais recentes, porém igualmente respeitáveis, são as fronteiras franco-helvéticas datando do tratado de 1601. Aí notaremos particularmente a utilização composta das cristas do Jura. A oeste, a fronteira passa pela planície e as cristas são na França. Do desfiladeiro de Faucille ao desfiladeiro de Saint-Cergues, é marcada a fronteira. A leste, elas se encontram na Suíça (por exemplo, o monte Tendre).

A fronteira franco-espanhola data do Tratado de Pirineus de 1659. A França, sendo vitoriosa no momento da assinatura, obteve diversas vantagens sobre a Espanha. José Maria Cordero Torres disse com razão "que foi exagero qualificá-la de fronteira natural, próxima à perfeição do gênero".

É apenas em seu centro que ela realmente separa os dois mundos. Nas duas extremidades, a cadeia é mais baixa e não segue a uniformidade das cristas. Numerosos acordos posteriores precisaram totalmente a linha.

Do mesmo modo que os Pirineus, que poderiam ser a fronteira natural mais característica do mundo, apresentam a esse respeito numerosas anomalias, tanto quanto o Himalaia. Por um lado, vários reinos (Nepal, Sikkin, Butão) separaram a Índia da linha principal das cristas fixadas como fronteira pelos britânicos (linha Mac Mahon). Por outro, os mapas chineses têm a tendência de estender toda a população budista da montanha. Os chineses conseguiram em 1962, a título de advertência, passar tropas pela vertente sul do Himalaia.

Conhecemos a doutrina paralisante que o general Pétain, influenciado pela guerra de trincheiras, impôs à estratégia francesa nas duas guerras: "inviolabilidade do território" e "defesa na linha fortificada". A conseqüência seria a linha Maginot.

Pode acontecer que dois países, havendo praticamente renunciado a guerrear, decidam não reforçar sua fronteira comum. Durante a campanha eleitoral de 1844 nos Estados Unidos, o candidato Polk utilizou o slogan Fifty-four fourty or fight: 54°40 ou guerra. Tratava-se de dividir a imensa região do Oregon entre os Estados Unidos e o Canadá britânico. Sabemos que isso foi alcançado em negociação. O Tratado Anglo-Americado, de 6 de maio de 1846, fixa a fronteira norte do Oregon em 49°, do oceano Pacífico ao lago de Bois (a ilha de Vancouver, ao norte de Puget Sound, sendo completamente britânico).

Existem muitas outras fronteiras lineares (Egito-Sudão, Líbia; Síria-transjordânia, Alasca, etc.) . O interesse da fronteira anglo-canadense, com mais de 1.500 quilômetros de extensão, é devido a ela não ser fortificada. Entretanto, como bem observou o historiador canadense Richard A. Preston, essa fronteira sempre foi objeto de planos militares secretos.

A utopia da "não-fronteira"

Alguns impérios acreditavam – em algum momento – "que eles tinham o mundo chegando ao limite", para empregar a expressão de Victor Hugo. Parece Ter sido o caso do "Antigo Império" egípcio (se bem que a palavra "império", segundo Jean Lechand, nunca existiu em egípcio). Fechados no Saara, barrados ao sul pelas cataratas, os egípcios antigos puderam crer que estavam sós. Um pouco mais sério é o sonho de Otávio Augusto. Claude Nicollet demonstrou que, pelo menos antes dos desastres das legiões na Alemanha, ele acreditou haver praticamente chegado aos limites do mundo.

Porém há exemplos mais recentes. O mais concreto é o da China imperial. Na excelente obra que consagrou a viagem do britânico Macartney à China, Alain Peyrefitte mostra qual foi o choque psicológico entre o império glorioso, em plena ascensão, conquistando o mundo que era o Império Britânico, e o império imóvel, fechado em si mesmo, que se acreditava mestre de tudo e que considerava os europeus bárbaros desobedientes. O problema da prosternação colocava-se sempre e, é claro, Macartney o rejeitou. Quando em 1794 Macartney se aposenta, um édito imperial proclama contra todo argumento:

O enviado inglês retornou ao mar. Os bárbaros receberam o anúncio de que um édito beneficente os autoriza, ao retornarem, a trazer seus tributos. A alegria com que externaram essa novidade transpareceria em seus rostos, e redobraram seu respeito e sua deferência. Dentre todos os países de além-mar, não há quem não se submeta e não venha oferecer seus tesouros. Quando a Embaixada inglesa retornar a seu país, ela logo se preparará para trazer seu tributo. Um ato de elegância vindo de tão longe e sem precedentes na história.[20]

Podemos dizer que a guerra, deixada pelos franceses e ingleses à China, de 1858 a 1860, e cujo objetivo era assegurar a "abertura" desta a seus comércios, encontrava-se de fato ligada à necessidade de fazer com que a china criasse um ministério das Relações Exteriores e, por conseqüência, reconhecesse a existência de Estados exteriores sobre os quais ela não possuía nenhuma suserania, mesmo que imaginária. O que aparece como insuportável a europeus ou a americanos é que as negociações, até então, se passavam com os governadores de províncias. Se quisesse renunciar a um tratado, o imperador se contentava em mandar retornar e até mesmo mandar executar o governador responsável. Com o novo ministério das Relações Exteriores, coletivo, o Tsoung Li Yamen, o governo chinês tenta a mesma manobra. Porém isso provoca guerras (notadamente a de 1884-1885 contra a França). E logo o ministério foi unificado – um único titular.

Hitler falou da conquista do mundo em uma página introdutória de seu livro Mein Kampf. Stalim, depois de Marx e Lenin, acreditava que o proletariado, conduzido por sua "vanguarda", o partido comunista, caminhava no "sentido da história", e que, cedo ou tarde, o regime se estenderia ao mundo todo. Isso foi, inicialmente, "o comunismo em m único país", depois o estabelecimento de regimes "satélites" e, em seguida, o "equilíbrio": a China, o Vietnã, Cuba, etc., 1945 para Adolf Hitler, 1989 para os discípulos de Lenin, mostravam a vaidade de tais hipóteses. A história regula inflexivelmente os tipos de doutrinas que estão sob postulados imaginários. A única demonstração é a prova dos fatos.

A "vida" das fronteiras

As fronteiras, sendo fenômenos que o homem impõe à natureza, não ficam nunca "inertes", mesmo quando os homens não as modificam. Esta "vida" das fronteiras tem dois aspectos. Podemos distinguir uma vida passiva (ela desempenha o papel que lhe é dado quando é criada); mas, como explicou admiravelmente o geógrafo francês Jean Gottmann em seu livro de 1952, La politique des États et leur géographie[21], as fronteiras também têm uma vida ativa, quer dizer, elas aumentam as diferenças entre os territórios por elas separados.

A vida passiva das fronteiras

Os criadores de fronteiras são quase sempre os mais fortes, os vencedores responsáveis por tratados "desiguais". Desejoso em dar um exemplo concreto das contradições que podem existir no âmbito de uma única e mesma política, lembrarei a declaração do primeiro-ministro italiano Vittorio Emmanuele Orlando no Conselho dos Quatro, em 19 de abril de 1919.

Sabemos que em 1866 a Itália não havia recuperado da Áustria o que chamava de "terras irredentistas" – definidas, antes de mais nada, de maneira vaga: Trento e Trieste. Pelo Tratado de Londres e não se considerava um aliado. Aos territórios então prometidos em caso de vitória, os italianos agregariam, em 1919, uma nova reivindicação sobre Fiume, cidade inteiramente de língua italiana, contornada de arrabaldes croatas. Citemos os principais trechos do discurso pronunciado por Orlando na presença de Wilson, Clemenceau e Lloyd George.

A Itália formula três reivindicações essenciais. A Itália acredita que elas estão em conformidade com os princípios já invocados (...):

a) Essa primeira reivindicação é a anexação de todos os territórios situados no interior de nossas fronteiras naturais (...). Pedimos que a fronteira coincida com o limite natural dos Alpes, quer dizer, com a linha divisória de águas. Sabemos que essa fronteira compreenderá populações de língua italiana (...).

Admitimos que a presença no interior de uma massa nacional de elementos heterogêneos não é razão para recusar a esse país uma fronteira natural (...) A Itália acredita estar em seu direito reivindicar a fronteira natural que Deus lhe deu.

b) Osegundo ponto é a questão Fiume (...) Nós reivindicamos Fiume em nome do direito dos povos disporem de si próprios... (aí incluída a necessidade econômica)

c) Chego ao terceiro ponto. Trata-se da Dalmácia e das ilhas vizinhas (...) A costa oriental da Itália está a mercê de qualquer um que seja senhor do outro lado do Adriático.

... Mas a questão estratégica não é a única, a Dalmácia é para nós uma questão nacional. Aqui mesmo foi dito que a razão histórica não pode exercer uma influência decisiva sobre nossas conclusões, eu mesmo reconheci. Porém, existem casos em que a história tem um significado profundo e que é impossível ser ignorado (a Dalmácia fez parte do Império Romano e depois da República de Veneza).

Eu quis citar grande parte desse texto para mostrar que aí encontramos absolutamente de tudo. Toda justificativa é boa, mesmo sendo ela contradita vinte linhas depois. Recordemos todas.

A fronteira natural. Já vimos o que pensa Gaston Zeller sobre o Reno. Podemos fazer uma pergunta análoga sobre a Cisjordânia. Para Israel é atraente a fronteira natural e estratégica do Jordão e do mar Morto, com suas margens escarpadas. Mas existem os palestinos. Anexar a Dalmácia é romper a fronteira natural dos sérvios, croatas e eslovenos. Ao norte, forma impostas à Áustria as fronteiras do Brenner, deixando para a Itália o Alto Adige ou Tirol do Sul de Bolzano, com campanhas germanófonas (Wilson parece não haver se preocupado). Mas, a nordeste, o recorte de uma fronteira natural aparece como artificial. Os Alpes julianos e o vale do Isonzo foram deixados para a Itália; a "linha divisória de águas" foi determinada de maneira totalmente aproximada em uma zona castina onde, por definição, ela é subterrânea.

Em seguida surge a idéia do conjunto econômico: toda a Venécia juliana (fronteira juliana para os iugoslavos) e toda a Ístria.

Ora, toda a Ístria era então habitada por italianos concentrados em pequenas cidades costeiras isoladas (após Trieste, capodistria, Pirano, Umago, Pola). A população campesina do interior, na época pouco densa, era eslovena e croata. Notaremos que, após 1954, tendo Trieste ficado para a Itália, a Iugoslávia utilizará a idéia do "conjunto econômico" e de "zona compacta" e anexará o vale de Isonzo (soca) e a Ístria, devendo as cidades costeiras, "oásis italianos", ser incluídas no pacote. Mas, em 1920, a Itália era uma grande poténcia )que alcançava seus objetivos depois do insucesso de Wilson). Em 1945, ela fazia parte do Eixo derrotado.

Após o conjunto econômico, vem a fronteira estratégica. Eu não me deterei muito nesse tipo. Por si só, esse tipo de fronteira quase nunca é compatível com os desejos da população. Aqui, na Dalmácia, ela é a negação da própria fronteira, evidente para a Iugoslávia, que deveria ser o mar.

As fronteiras históricas, altamente rejeitadas por Wilson, são abordadas aqui com cuidado. O fluxo e o refluxo das conquistas mundiais fazem com que a discussão sobre os direitos passados não termine nunca. Quando nos debates da independência marroquina, em 1955, o líder do Istiqlal, Allal el Fassi, fez reivindicações territoriais para seu país, não se contentou apenas em denunciar os "tratados desiguais". Ele pleiteava todo o Saara argelino, o Saara espanhol e a Mauritânia, em nome de direitos históricos que lhe pareciam maiores. Por que ele não reclamou os dois terços da Espanha, conquistados do século XI ao XIII pelos Almovarides e depois pelos Almohades?

Resta o direito de os povos disporem de si mesmos, essencialmente utilizado por Fiume. Seguramente ele aparece como o mais atraente e como o mais justo e, com o aparecimento da idéia de nação no século XVII, culminou com a independência de 190 Estados. Retornaremos a esse ponto mais adiante. Mas é aí que a dificuldade aparece. Como saber o que desejam os povos? Perguntar-lhes por meio de plebiscitos ou de eleições? Entretanto, as coletividades humanas são mutáveis (daí a idéia do chanceler Adenauer, em 1954, de prever dois plebiscitos sobre a Sarre). Por outro lado, quem votaria nesse plebiscito e quem supervisionaria a votação? Quem estabeleceria o que estaria de acordo com a vontade geral ? E se a votação fosse muito dividida? (Cf. Nova Caledônia.)

E a língua, deve ser o argumento fundamental? Quando o general de Gaulle sonhou, em 1945, anexar o vale da Aosta, ele forneceu um grande argumento aos que pretendiam que a Alsácia fosse alemã. Em 1829-1830, a política de união dos católicos e dos liberais belgas contra a Holanda criou um país bilíngüe. A Suíça e ainda um exemplo mais decisivo.

Podemos especular indefinidamente sobre essas noções e encontrar exemplos de todos os tipos.

Agora, também, devemos analisar o único fator de consolidação existente, que eu chamo de a vida ativa das fronteiras.

A vida ativa das fronteiras

A partir do momento em que uma fronteira existe, as duas soberanias que ela separa, os dois conjuntos sociais que ela divide, começam a se orientar em direções divergentes. Retornemos, então, a Jean Gottmann.

O que faz a união de indivíduos ou comunidades que formam uma nação é a vida em comum em um determinado espaço, onde as pessoas do exterior são estrangeiros. A vida em comum cria interesses, hábitos e crenças comuns. Usam-se quase os mesmos produtos, pois os limites são os que organizam, mantêm e delimitam a economia nacional. Acredita-se nas mesmas glórias nacionais, têm-se os mesmos preconceitos. Sobretudo em relação às pessoas de outros países... Em todo esse patrimônio comum, a grande maioria parece derivar desses tratados culturais ou espirituais.

Existem tipos de vida. O eminente geógrafo Vidal de La Blache entendia essa noção como "uma combinação harmoniosa de tipos de vida". E Gottmann assim comentou: "São... ligações tenazes aos símbolos, algumas vezes bem abstratos, cujo conjunto forma o que chamamos de 'iconografia'". Notaremos que, com a história, tais iconografias se deslocam, que elas evoluem lentamente. Mas o século XX provou que elas são um potente motor da história, a solidariedade de classe – "proletariado de todos os países, uni-vos!" – nunca tendo um papel comparável. Em numerosos casos, a comunidade da iconografia chega ao seguinte fato: "O estudo das minorias nacionais demonstrou que, em muitos países, a diferenciação desses grupos em relação à maioria era, muitas vezes, mais de ordem cultural do que racional".

Tendo Gottmann publicado seu livro em 1952, tentaremos aplicar bem sumariamente essa teoria da iconografia aos novos Estados, principalmente aos africanos. Primeiramente notaremos que quase todos resultam de limites impostos pela colonização européia, seja em se tratando de antigos acordos bilaterais de divisão entre países colonizadores, ou mesmo em se tratando de uma divisão administrativa realizada no seio de um domínio colonial. Assim, os países do antigo AOF e do antigo AEF, não tendo mais o desejo de viverem juntos, usaram essa fórmula. Resultou então da África negra de 1957 (independência de Gana) até 1974 (independência das colônias portuguesas), esse mapa salpicado do continente, tão diferente dos atlas antigos. As divisões raramente seguiram um modelo histórico preexistente: Marrocos, porque tinha seu próprio chefe religioso; Egito por causa do Nilo. Ainda vimos a política da "Unidade do vale do Nilo" do rei Farouk substituída pela unidade árabe de Nasser, depois pela política nacional egípcia de Anwar el Sadat e de Moubarak.

Tiremos algumas conclusões provisórias:

1) A iconografia pode formar nações mesmo se a divisão inicial for artificial. Um antigo dirigente do Togo, Sylvanus Olympio, percebeu claramente que seu país (que se tornou independente em abril de 1960) ainda não era uma nação, porém todos os seus esforços foram dirigidos para criá-la.

2) As fusões entre vários desses novos países não deram certo até o presente momento: Senegal-Mali, Egito-Síria, Gana-Guiné e os esforços de Kadafi em tentar uniões Líbia-Egito, Líbia-Marrocos e Líbia-Sudão (esta ainda em questão por meio de uma abominável guerra civil).

3) Existe uma relação entre iconografia e estabilidade. Certamente seria falso afirmar que não existiam conflitos na África, mas eram em geral conflitos internos (entre diversos regimes para um mesmo país). Quase todos os conflitos que tendiam à modificação das fronteiras naufragaram. Argélia-Marrocos na região do Tinduf e Hassi Beidu. Insucessos na sucessão de Katanga em relação ao Zaire, ainda que, como demonstrou Jean Stengers, a conquista de Katanga pelo rei Leopoldo II estivesse ligado ao mais puro acaso, antes mesmo da descoberta das minas. Revés na secessão de Biafra em relação à Nigéria. Insucesso na tentativa da Somália em conquistar Uganda, sob soberania etíope, porém habitada por 850 mil somalis.

Todos esses fracassos estão ligados a uma sábia doutrina, adotada pela Organização da Unidade Africana (OUA, criada pela Carta de 25 de maio de 1963): Qualquer coisa é melhor do que as mudanças de fronteiras. "Sou contra toda secessão", disse o presidente Tsiranana de Madagascar. E o governo secessionista constituiria um precedente bastante infeliz".

4) A teoria da iconografia introduziu assim uma visão completamente nova de nação: em lugar de a nação ser baseada sobre a língua, a etnia e a raça, ela se baseia sobre o tempo que cria seus interesses, imagens e sua vida comum.

No plano "lógico, a fronteira franco-suíça é absurda. Entretanto, os dois países estão praticamente satisfeitos com suas fronteiras. A Suíça tem quatro idiomas, sendo que três deles são de grandes culturas européias. A França, por um lado, não exerce soberania em todas as terras de línguas francesa, e por outro possui um resíduo de língua flamenga, outro de língua celta, 300 mil habitantes de língua basca, habitantes da Lorena e alsacianos que falam diversos dialetos germânicos, sem contar os dialetos que, infelizmente, estão em via de desaparecimento, classificados como langue d'oc: provençal, catalão, gascão, patois de Auvergne, etc. Ora, esses dois países, por haverem durado, adquiririam por um lado um sistema federal e, por outro, uma formidável centralização, iconografias que podem ser quase qualificados de irresistíveis.

Certamente a comunicação, favorecida pelas fronteiras maleáveis, opões-se à iconografia, "dique de resistência ao movimento", ...fator de estabilização política. Mas a iconografia em geral o atinge, e é bem difícil integrar países até então independentes. E Gottmann termina com o seguinte texto que adotaremos com conclusão:

A compartimentação do mundo resulta então de uma organização complexa. No mesmo espaço acumulam-se muitos estratos sucessivos de organizações diferentes, que os compartimentos, para conservar uma alma, tiveram de se enraizar bem ao solo. As recordações são a mais segura fundação de uma comunidade... Os grandes sucessos da política jamais forma adquiridos mediante força armada, mas pela subversão dos espíritos.

Geografia e Estado

R. J. Johnston

Por que estudar a Geografia e o Estado? [...] Até muito recentemente, os geógrafos – inclusive os geógrafos políticos – davam pouca atenção ao Estado e não o submeteram a uma análise rigorosa. [...] O ponto de vista deste trabalho é o de que uma tal omissão desvaloriza consideravelmente grande parte da análise geográfica em todos os ramos da Geografia Humana e, principalmente, da Geografia Política. [...] As bases para a defesa da inclusão do estudo do Estado na Geografia são duas: a extensão e a importância da soberania; a importância e o alcance das funções do aparato estatal.

Soberania

Virtualmente, todo habitante da Terra faz parte de um estado soberano, e ele ou ela tem pequena ou nenhuma influência sobre a natureza desse estado.

[...] Estados são organismos soberanos; sua existência é reconhecida por outros estados e sua autonomia dentro de limites territoriais definidos e (geralmente) respeitada. Ocasionalmente, a soberania de um estado é questionada, como nos conflitos fronteiriços entre estados vizinhos [...]. Ocasionalmente, também, a soberania de um ou mais estados pode ser violada. Algumas violações simples, como a penetração nas águas territoriais ou no espaço aéreo de um estado, ocorrem de maneira relativamente freqüente; outras violações são mais sérias, como os "raids" da África do Sul em território moçambicano ou angolano [...], essas são muito menos freqüentes e recebem tratamento também mais sério; violações maiores, usualmente invasões que levam a guerras, e que desafiam diretamente a soberania, são raras mas têm uma importância muito maior a longo prazo.

No interior de cada estado, a soberania é exercida por um organismo cuja aptidão deve ser de algum modo reconhecida. Em muitos estados contemporâneos, este organismo se apresenta sob alguma forma de poder executivo ligado ao poder legislativo, cujas naturezas e funções são definidas pela constituição. Em outros, trata-se de um organismo formado de indivíduos que se atribuíram o direito de exercer o poder soberano e cuja existência é aceita, embora às vezes a contragosto, pelas populações desses estados [...]. Os estados tratam com outros estados, bilateral ou multilateralmente, por intermédio desses organismos que exercem a soberania.

[...] Por muitos séculos, a soberania em numerosos estados era investida em indivíduos ou grupos que eram considerados os donos do território estatal; os demais grupos da população eram seus súditos pessoais. Hoje, os direitos absolutos desses indivíduos ou grupos que se atribuíam a soberania foram largamente removidos e a soberania tem sido (pelo menos na teoria) investida em todos os habitantes do estado. Estes, por sua vez, precisam de um aparelho administrativo para operar o estado e para exercer a soberania em seu nome. Assim, para que isso possa ser feito, para o bem-estar de todos dentro do estado [...], os indivíduos aceitam certos deveres e abrem mão de certas liberdades. [...] Parte do contrato (não escrito) entre o indivíduo e o estado pode permitir a ele uma certa influência sobre o estado (nas eleições daqueles que vão exercer o poder soberano, por exemplo). Entretanto, o valor dessa influência varia consideravelmente de estado para estado, e em alguns deles – apesar das salvaguardas constitucionais ou de outra natureza – essa influência é negligenciável: nestes casos o aparato estatal é muito mais um organismo que se auto-perpetua e sobre o qual o indivíduo-cidadão tem um controle muito pequeno.

Portanto, a partir do nascimento, o indivíduo é um cidadão de um estado soberano e é sujeito ao exercício daquela soberania pelo organismo legalmente constituído [...]. Isto coloca certas limitações na liberdade individual. O movimento no interior de muitos estados é livre, e isto ocorre quase sempre enquanto se puder exercer a posse privada da terra e de outras propriedades; as exceções incluem, entre outros, estados como os da URSS e da África do Sul. Entretanto, o movimento entre estados sofre, freqüentemente, algum tipo de restrição e, para certos grupos, é, às vezes, proibido.

Os estados contemporâneos, de acordo com Finer (1975, a) compartilham em geral, cinco importantes características:

• uma definição territorial;

• um governo (o organismo soberano) que exerce funções tanto civis quanto militares;

• o reconhecimento e o respeito mútuos de soberania entre estados;

• uma comunhão de sentimento com a população;

• a distribuição e a divisão entre seus membros de deveres e de benefícios.

Todas essas características apresentam importantes componentes geográficos. O mais significativo é a demarcação territorial; a existência de um Estado é indicada por sua identificação espacial. Além disso, o desenvolvimento das comunidades de cada estado, e sua expressão na alocação de deveres e benefícios, mais as operações de governo, criam diferenciações na superfície da Terra, cuja descrição e análise é uma tarefa primordial do geógrafo.

A Geografia da atividade do Estado

"O homem urbano atual nasce em um hospital mantido com fundos públicos, recebe sua educação em uma escola e/ou universidade públicas; gasta boa parte de sua vida viajando em uma infra-estrutura de transporte construída pelo estado; comunica-se através do correio ou de um sistema telefônico públicos ou semi-públicos; bebe sua água fornecida por órgãos públicos; entrega seu lixo a um serviço públicos de coleta; utiliza bibliotecas públicas; passeia em parques públicos; é protegido pelos serviços de saúde, de polícia e de bombeiros mantido pelo estado; e, eventualmente, morre e, novamente, está em um hospital público, sendo dali removido para ser enterrado em um cemitério público. [...] Sua vida diária está indissoluvelmente amarrada a decisões governamentais, relacionadas a esses e a outros tipos de serviços públicos." (TEITZ, 1968)

Apesar de todas essas considerações, Teitz não fornece ainda um quadro completo da extensão da penetração do estado em nossa vida cotidiana. Ele não considerou em seu texto, por exemplo, que, em muitos casos, o homem atual pode ser um empregado do estado. Na Grã-Bretanha, em 1976, mais de 30% de todos os membros a força de trabalho eram empregados do estado (Suécia: 49,5%; Irlanda: 43%; Itália: 42%, etc...).

Mesmo se o homem ou a mulher atuais não são diretamente empregados pelo estado, eles podem ser, em grande parte, dependentes das finanças governamentais para formarem seu salário ou renda: os empregados de indústrias que trabalha arpa o governo são um bom exemplo dessa dependência. Outros estão empregados graças aos processos multiplicadores gerados pelos gastos ou investimentos públicos. [...]

Além dessas influências estatais diretas ou indiretas, quase todos os habitantes de um estado [...] são afetados por um grande leque de ações governamentais, muitas das quais objetivando manter a estabilidade econômica e social. Assim, por exemplo, os preços que o homem do campo recebe por seus produtos são influenciados, senão determinados, pela política governamental; [...] e os donos de indústria e de empresas de construção civil (bem como seus empregados) estão sujeitos às oscilações dessa mesma política governamental.

[...] A extensão da intervenção governamental é geralmente proporcional ao porte do orçamento do estado, relacionado com um indicador da renda nacional total, como por exemplo o PNB. [...]

O interesse do geógrafo na atividade do estado tem várias facetas, pois muitas das funções reguladoras e de investimento já descritas variam no espaço.

[...] Uma segunda razão para o efeito espacialmente variável, da ação estatal é a natureza dos bens e serviços fornecidos pelo próprio governo central ou por seus organismos subsidiários.

[...] Finalmente, as variações espaciais ocorrem também em razão da fragmentação territorial: esta fragmentação dos territórios por países gera diferenças internacionais em várias atividades governamentais.

Conclusão

A geografia econômica do mundo é freqüentemente interpretada como uma geografia econômica de conjuntos de estados. A existência destes, com suas diferenças culturais, de tradições, de leis e regras, com seus ambientes e histórias, reflete-se na paisagem e as fronteiras internacionais são, por isso, muitas vezes claramente demarcadas. Desse modo, não é surpreendente que os geógrafos venham usando os estados como unidades significativas na apresentação de suas análises regionais.

Mas a geografia política também está indissoluvelmente ligada à geografia econômica e social, em razão da crescente influência dos governos nos padrões de atividade econômica dentro dos estados.

[...] É preciso, todavia, compreender que atualmente, em muitas partes do mundo, o estado é subserviente a interesses econômicos dominantes. [...] Assim, enquanto a importância do estado deve ser reconhecida [...] ela não deve ser exagerada e todo estado precisa ser visto em outros contextos de que faz parte.

De Sarajevo à Sarajevo: um século de nacionalismos na Europa

Jacques Lesourne

A revanche das nações, o retorno das nações, o renascimento das nações: esses títulos estão em moda... mas a História ensina que as revanches, os retornos, os renascimentos não são jamais ressurreições.

Assim, no momento aonde, partindo de Sarajevo em julho de 1914 com o assassinato do herdeiro ao trono Austro-Húngaro, o século vinte europeu sempre nele retornou com os afrontamentos atuais entre Sérvios, Croatos e Bósnios, não se comenta buscar compreender com uma visão panorâmica a lista de nacionalismos da história européia dos últimos oitenta anos? Não se comenta interrogar sobre as formas que eles tomam atualmente? Desde o começo do século, quatro impérios multi-étnicos existentes na Europa, foram constituídos ao curso da história sobre a força e a diplomacia: Império Otomano, Império Austro-húngaro, Império Czarista e, numa menor medida, o Império Alemão, que continha uma minoria polonesa. Em vinte anos, eles foram sendo destruídos.

O Império Turco acabara de perder, nas guerras balcânicas, sua investida sobre as etnias cristãs na Europa; a guerra de 1914 arrancou seus territórios árabes; em revanche, eliminaram os Armênios, em 1915, nas condições que se conhece, e rechaçaram da Ásia Menor as populações gregas ao fim da guerra greco-turca de 1920.

A Turquia de Ataturk desviou-se de ser uma nação quase homogênea, devido a minoria curda próxima.

O Império Austro-húngaro, enfraquecido depois de uma metade de século da unificação da Itália e da Alemanha, se estilhaçou, ao fim da guerra que contribuiu para deslanchar, sob a dupla pressão das forças de deslocamento internas e das políticas dos vencedores. E como não mencionar o episódio que se deu na Áustria de François-Joseph que iria atiçar a cesura entre Alemães e judeus, cesura que, de um lado, dará nascimento ao movimento sionista, e de outra conduzirá ao genocídio.

Com uma parte de minoria polonesa, o Império Alemão reivindicava em 1920 uma entidade etnicamente homogênea. Mais simples é o caso do Império Czarista. Os fenômenos étnicos foram colocados num papel secundário na gênese das revoluções de Fevereiro e de Outubro. Mas os contra-revolucionários se apoiaram freqüentemente sobre uma consciência nacional ou regional para combater o poder leninista.

Eles tiveram bom êxito na Finlândia e nos Estados bálticos, fracassaram na Ucrânia, na Transcaucásia ou na Ásia Central após desventuras complexas. Contudo, mesmo ocultado pelo totalitarismo soviético, o fato nacional será inscrito dentro da Constituição de 1936.

Inútil renovar enfim quanta glorificação do Estado-nação dos pangermanistas aos eslavofilos serviu em 1914 como barril de pólvora no detonador balcânico.

O entre-guerras foi triplamente dominado pelo fato nacional:

• Os regimes de direita, que da Itália fascista à Espanha de Franco, passando pela Alemanha nacional-socialista, se multiplicada na Europa, tem sobretudo, excluindo suas ambições "sociais", uma forte coloração nacionalista. Como esquecer que nos anos 30 os democratas parlamentares tenham lutado contra dois totalitarismos, o fascismo e o comunismo?

• As novas fronteiras deram nascimento desde Estados com fortes minorias étnicas (a Tchecoslováquia compreende a dos Suíços, dos Poloneses, dos Húngaros, dos Rutenos; a Polônia dos Ucranianos; a Romênia dos Húngaros) e a um Estado que, a política sérvia comandará, vai se revelar pluri-étnico: a Iugoslávia. Assim os problemas vão se multiplicar dentro desses Estados onde a legitimidade é frágil.

• Deste cultivo dos fenômenos nacionais que a Alemanha hitleriana vai transformar a ordem européia, com efeito as opiniões públicas das democracias, funcionadamente pacifistas, se turvaram pela argumentação alemã. Os Anschluss e Munich estão em todas as memórias, e nenhuma dúvida há que o reatamento de Dantzig era aceitável sem o fato deflagrado por Berlim contra o fato nacional: a invasão da Boêmia em 15 de Março de 1939.

Negligenciando a efêmera Europa alemã de 1941 a 1943. O período que recobre o fim da guerra e o imediato pós-guerra (1944-1949) foi-se perturbando o problema das nacionalidades na Europa:

• Para começar, os deslocamentos maciços de populações vão transformar o mapa étnico do continente: perdendo 200 quilômetros para Oeste, a Polônia torna-se um Estado etnicamente homogêneo, e a Tchecoslováquia, após a expulsão dos suíços, se reduz à suas duas nacionalidades fundamentais;

• Os Estados da Europa Central englobados pelo Império Soviético sob a forma de democracia popular, enquanto que por medo de Stalin e a mão de ferro de Tito, recalca os problemas étnicos da Federação Iugoslava;

• O principal dos Estados da Europa Central, a Alemanha, será repartida em duas e em seguida cria-se a RDA [República Democrática Alemã/Alemanha Oriental] sobre a zona de ocupação soviética.

Mas sobretudo o totalitarismo do Estado rendeu à Europa um trabalho considerável. Na propulsão do primeiro plano, a luta entre a democracia e o comunismo soviético, vai forçar a Europa Ocidental a relativizar os problemas nacionais e a fazer as coisas decisivas que assegurassem sua prosperidade e sua segurança.

Assim é a mensagem do passado. Ele ajuda a compreender a diversidade dos fenômenos de nacionalismo na Europa de hoje em dia.

As formas de nacionalismo

Na ressurgência dos nacionalismos, quatro mecanismos fazem o trabalho: o desaparecimento dos impérios, o medo, a migração, o individualismo.

O primeiro mecanismo: enfraquecimento ou desmoronamento de um império multi-étnico faz automaticamente aparecer os problemas nacionais. No caso presente, uma revolução parte fortemente de Moscou (e suscitada principalmente pela procura de eficácia) arrastou para a ruína o império comunista na Europa Central e a unificação da Alemanha, criou as condições para a explosão da Iugoslávia, pois, através de um rápido retorno, seguiu-se pela progressão que se sabe, à explosão da URSS e ao nascimento das comunidades dos Estados Independentes.

O medo distante do futuro, com o temor de desaparecer os pontos de referência, a perturbação suscitada pelos fenômenos de imigração pelo desemprego e a transformação das estruturas econômicas, o conservadorismo engendrado pelo envelhecimento a população explicam uma parte da ressurgência em certos países da Europa do Oeste de movimentos de extrema direita xenófabos e nacionalistas defendendo a "identidade nacional" dos Estados tradicionais (Áustria, Alemanha, Flandres, França).

Quanto as populações de imigrantes que estão se instalando na Europa por razões de liberdade, de segurança ou de nível de vida, elas podem apresentar evoluções diferentes em função de seu volume e de sua taxa de crescimento: uma assimilação progressiva sobre duas gerações (como freqüentemente foi o caso no passado), uma constituição em micro-sociedade coexistentes pacificamente com a maioria (como o Estados Unidos, por exemplo), uma organização sobre forma de lideranças reivindicam violentamente sua especificidade e se ridiculariza com variantes de integralismo... A xenofobia dos autóctones somente pode reforçar a probalidade daquela terceira via. Como qualificar de "nacionalistas" as duas derradeiras evoluções? Tudo depende da definição contida pela palavra.

O individualismo enfim, com tudo que ele implica de tomada nas mãos de seu próprio destino, de recusa das estruturas administrativas demais longas, da vontade de se identificar dos pequenos grupos concretos (profissionais ou locais) de preferência com conjuntos humanos vastos e abstratos (o proletariado mundial, a classe operária...), facilita o desenvolvimento do regionalismo e uma exaltação das culturas locais que a gente pode qualificar de micro-nacionalismo quando essas culturas dispõem de uma língua (Catalunha, País basco, Córsega...). Essas evoluções são tornadas possíveis pelo desaparecimento das ameaças militares sobre os Estados tradicionais. Elas são pacíficas quando os indivíduos exprimem sua diferença em cada instituição democrática – esse que é o lembrado caso – mas podem se manifestar por atos de terrorismo quando as minorias violentas recusam a simples autonomia.

Esse esboço de seqüências ressalta a grande variedade de tipos de nacionalismos na Europa atualmente:

1. Uma primeira forma de renascimento nacional é o retorno a uma real nostalgia dos Estados cuja a nostalgia teórica não suporta nenhuma descontinuidade: a Polônia, a Tchecoslováquia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária, a Albânia (mas nesse caso é mais duvidoso). Se pode numa certa medida reatar a essa primeira forma de livre adesão da ex-RDA à RFA [República Federativa Alemã/Alemanha Ocidental].

2. Uma segunda forma corresponde ao reaparecimento de Estados que no passado tinham uma existência internacional reconhecida: este é o caso da Lituânia, da Letônia e da Estônia (que existiram de 1920 a 1940), da Geórgia e da Armênia (antes da absorvição pelo Império Czarista, mas sua história política é complexa).

3. Uma terceira forma reagrupa Estados que somente existiram no interior de federações multinacionais ou em condições efêmeras e que não foram jamais reconhecidas internacionalmente: a Eslovênia, a Croácia, a Macedônia, a Bielo-Rússia, a Ucrânia, o Azerbaijão, o Kazaquistão, as quatro Repúblicas da Ásia Central estão nesse caso.

A perenidade de certos desses Estados está longe de ser assegurada: como é por exemplo o caso da Bielo-Rússia, da Ucrânia, do Kazaquistão, da Macedônia...

4. Faz-se provavelmente incluir num conjunto particular das etnias que, no interior de Estados reconhecidos, constituem regiões autóctones, dotadas de uma autonomia mais ou menos importante (Flandres e Valônia, na Bélgica; Catalunha e País Basco, na Espanha; República Tcheca e Eslováquia, na Tchecoslováquia, Voivodina e Kossovo, na Sérvia – antes da suspensão do estatuto, Repúblicas autônomas e regiões autônomas na Rússia ou nos outros Estados da CEI [Comunidade dos Estados Independentes/Ex-URRS] para não citar os principais casos).

5. Vindo em seguida as minorias e os grupos étnicos ou religiosos, que, embora freqüentemente concentrados geograficamente, não têm território político reconhecido e/ou vivem dentro de regiões plurais: Húngaros da Transilvânia, Gagaouzes da Moldávia, Turcos da Bulgária, Muçulmanos da Bósnia-Hezergovina... católicos e protestantes da Irlanda do Norte.

6. A ressurgência do sentimento nacional dentro dos Estados tradicionais constitui uma outra forma. Ele se manifesta no Oeste de modo embrionário na França por exemplo, ou a Leste no que concerne à Rússia (daí somente se pode sinceramente dizer que a URSS tenha desaparecido...).

7. A aparição de movimentos nacionalistas de extrema direita é outra forma de renascimento do fato nacional (Frente nacional na França, Vlaams Block na Bélgica, eslavófilos na Rússia...).

8. Uma penúltima categoria é constituída pelos particularismos locais que não constituem propriamente dito nacionalismos (a Baviera, certas regiões francesas ou italianas...).

9. Enfim, pode se referir a memória mantida ou renovada de uma consciência nacional em certos grupos de imigrantes.

Tal é a situação dos lugares, múltipla e diversificada.

Portanto, o constante da permanência não deve dissimular os nacionalismos de hoje em dia se desenvolvendo sobre um continente transformado por dois panos de fundo que o desarrumou depois de quarenta anos:

( A mundialização, que, da informação aos mercados, dos atores da vida econômica e social aos problemas de desenvolvimento, da ONU aos direitos humanos, transforma o papel dos Estados e os constrange a promover situações de mútuo reconhecimento e a aceitar ser colocado em concorrência para os investidores internacionais à procura de localizações para suas atividades.

( A integração européia, que, através de uma sucessão de grandes punições o colocou no difícil lugar de dez a vinte anos, elabora, sobre a base de acordos democraticamente ratificados, um ser político novo e insere cada cidadão dentro de uma dupla legitimidade, aquela de seu país e aquela da União Européia.

Assim, a Sarajevo de 1992 não é aquela de 1914. Os nacionalismos se revelam numa paisagem completamente outra daquela do começo do século.

(Quarta-feira, 22 abril)

Nação, Estado e Território*

Milton Santos

(Departamento de Geografia - USP)

Agradeço o convite que me permite estar aqui nesta universidade e trabalhar com os colegas. Pensando como elaborar a conversa desta noite, decidi que o melhor seria tentar abordar em torno do tema a partir das minhas preocupações atuais, do que estou agora fazendo, isto é, fazer participarem os presentes das minhas preocupações de pesquisa neste momento.*

Em primeiro lugar, esse tema das nações em crise. Se existe ainda uma nação, qual é o futuro da nação? No avião, quando me serviram o que comer, verifiquei que não tinha garfo nem faca e perguntei à aeromoça se não havia mais isso (não respondeu) ( a gente sempre tem que ter uma anedota para começar uma conversa ( foram milênios, séculos para descobrir o garfo e a faca; foi no reinado do Luís XII, eu acho, e de repente suprimiram os talheres.

Eu me lembro que quando era estudante, na idade de vocês, a grande campanha dos professores era para que a gente não comesse com as mãos, nem tomasse coca-cola na garrafa. Isso levou cinqüenta anos para acabar. Agora a idéia de nação, parece que querem jogar no lixo com a mesma rapidez. Então é isso que eu queria discutir um pouco, a partir do meu ponto de vista como geógrafo e a partir da minha pesquisa atual. [p. 23]

Dois elementos do debate atual me preocupam. A primeira observação diz respeito ao peso extremamente grande que damos ao passado, ao que é imobilizado. Principalmente em relação às heranças do Iluminismo, do Enciclopedismo, da Modernidade. Alguns dizem que é História, como se a História não fosse também o presente. Essa concepção européia do mundo, essa concepção européia do lugar e do homem, ao meu juízo, complica a evolução das Ciências Humanas na América Latina e no Brasil, essa é uma primeira observação que eu faria.

A segunda observação vem dar numa outra tendência, que é a tendência a construir uma teoria social que desconsidera o espaço. Na teoria social tal como ela é elaborada hoje, o espaço aparece como metáfora, basta ver por exemplo, as incursões inteligentes de um Bourdieu na questão do espaço ou o seu discurso espacial que é freqüentemente utilizado pelos geógrafos, sem crítica. Esse uso do espaço como metáfora complica a utilização do espaço como conceito.

Para muitos sociólogos ( mas não só para os sociólogos, como também para outros cientistas sociais ( o espaço, o território são tomados como se fossem objetos. Não objetos mais os sujeitos, mas objetos. A velha noção de geografia é também um complicador ao colocar de um lado a produção de conceitos nas Ciências Sociais, inclusive o de nação, e do outro, reduzir a possibilidade de um trabalho interdisciplinar, porque sendo o espaço considerado como um dado, o que aliás fazem também muitos geógrafos, não precisa ser definido, não precisa ser explicitado como categoria, isto impossibilita o debate.

O debate só é possível quando estamos diante de um sistema de referências explícito e preciso. Por isso, vou tomar a liberdade de sugerir uma definição de espaço, que é a minha, e peço que a aceitem provisoriamente, para poder trabalhar comigo. Eu creio que devíamos tomar o território através de uma noção dinâmica, isto é, o território usado. Isso que é científico não é o território, é o território usado. E o espaço, que é uma forma de ver o território também, formado de sistemas de objetos e de sistemas de ações numa união indissolúvel e dialética.

É a partir dessas premissas que eu vou fazer um pequeno debate sobre a nação, a partir da idéia de que o espaço geográfico é um elemento central na produção de uma teoria social. A idéia de nação, como nós sabemos, resulta de uma longa construção, uma longa construção que põe lado a lado categorias como território. Durante muito tempo, a noção de Estado Nacional, ela mesma, resulta de alguma forma da união destas duas categorias, nação e território, da categoria de nação unida a Estado e também, sobretudo com a evolução do capitalismo, a relação entre nação e mercado nacional. [p. 24]

Então, idéias como a de mercado nacional, de Estado, e de território, de alguma maneira estavam por detrás da idéia de nação, na frente, e por detrás. Eram constitutivas da produção deste conceito que se afirma desde que o capitalismo se torna mais orgânico e que vai durar praticamente, sem contestação, até o início deste século.

Quando as regulações de mercado eram sobretudo feitas no interior dos estados, isto permitia inclusive ampliar o debate com a questão dos impérios que se mantiveram paralelamente durante decênios, a despeito das enormes diferenças de poder tecnológico e de poder político entre eles, na medida em que as respectivas formações socioeconômicas ampliadas à escala imperial se mantinham através exatamente dos artifícios do mercado comandado pelo estado hegemônico, pelo estado central.

O que acontece hoje? Hoje, o debate se coloca a partir da globalização, em dois níveis: o nível do que os turiferários da idéia de globalização pretendem que se realize mas que eles dizem que já se realizou. O poder enorme do discurso na produção de um estado de coisas. O outro lado do debate é verificar constitucionalmente o que é esta globalização e verificar a partir daí o que cada categoria da realidade histórica realmente é.

A sociedade nacional é discutida como algo que se tornou inteiramente poroso como se a globalização tivesse o condão de repentinamente suprimir todos esses cimentos que "artificial" ou "espontaneamente", "evolutivamente", se instalaram na Europa, e mais nos países que foram convidados a imitar o modelo político, o modelo econômico europeu. Daí se dizer que idéias, como a da sociedade nacional, não teriam mais sentido, teriam sido ultrapassadas. Há mesmo quem se pergunte se jamais existiu essa coisa, misturando no debate o que seriam tendências e o que é a realidade.

Nós sabemos que ao longo do tempo nenhuma dessas idéias, noções como a nação, como o território, como o Estado, deixaram de ter margens. As fronteiras eram essas margens, as diversas formas de fronteiras eram essas margens desses dados, a nação, o território, o Estado, quer dizer, lugares, ou momentos onde a plenitude da realização era impossível. Sempre houve isso, nunca deixou de existir na produção das sociedades humanas.

A diferença é que agora se está dando uma representatividade ampliada por esse fator moderno de violência que é a informação e por esse outro fator de violência contemporânea que é o dinheiro; se dá a essa margem, ou a essas margens, elas passam a ser tomadas como significativas da realidade toda. Daí a aceitação, tão cabisbaixa às vezes, da [p. 25] idéia de que o Estado é prescindível, de que o território tampouco é eficaz e de que a nação é um obstáculo à realização do milenar sonho da comunidade humana.

Eu creio que os geógrafos, os que trabalham com o espaço, podem retomar esta discussão; eu sugeriria aqui, só para conversar, a palavra não é correta, mas nenhuma idéia que está se elaborando tem as palavras exatas, então falemos de margem e de núcleo. Haveria o núcleo e haveria as margens. O fato é que o uso do discurso, que é característica desta fase de globalização, atribui a tudo que é margem um papel tão poderoso e insiste para que o nosso entendimento aja sempre como se fossem os núcleos.

O peso atual das margens globalizadas ( vou propor para discutir esta questão, porque é a que ando propondo dentro da minha disciplina ( no mundo que é o nosso tema hoje, parte do enorme desenvolvimento das técnicas, da ciência e da informação. Temos, como no passado, o redilhado das regiões, o redilhado dos Estados, esses conjuntos horizontais que continuam existindo. Subiste por cima disto um mundo formado de pontos ligados para o serviço dos atores hegemônicos da história contemporânea, atores econômicos, atores políticos, atores culturais, atores religiosos formando aquilo que estou chamando de verticalidade.

O mundo seria essas duas coisas, o mundo não teria apenas esse recorte regional. Haveria também o recorte tático formado por pontos que são as verticalidades. Tanto quanto a permanência dos outros recortes regionais ou/e tático nos daria essas horizontalidades. Me lembro de uma definição muito feliz de Jean Gottman, nosso grande geógrafo político, quando diz que o território é ao mesmo tempo um recurso e um abrigo.

Podemos retomar essa idéia de Jean Gottman agora pelo seguinte: o território visto como verticalidade, como conjuntos de pontos, é apenas um recurso para atores internos e externos preocupados apenas com as suas próprias finalidades e indiferentes às finalidades dos outros. Mas esses atores, que já eram em número reduzido no começo deste período de globalização, se tornam cada dia mais reduzidos.

Portanto, isto quer dizer que os atores centrais da produção do hegemônico na história são cada dia em número menor, e a lei do período, que é a competitividade, faz com que o seu número se reduza com brutalidade e a sua eficácia também. No entanto, a cada dia aumenta o número de atores não-hegemônicos e tal qual o território, não é formado como um conjunto de pontos, mas como manchas; tais quais o território, não é apenas recurso mas é também abrigo. [p. 26]

Esses atores são todas as empresas que não chegam a ser globais. Esses atores são todas as instituições que não chegam a ser globais. É especialmente o aumento na sua irredutibilidade. Para esses, o mundo, mas sobretudo os países, são abrigos. O território, sinônimo para eles de nação, sinônimo para eles de Estado e que funciona como abrigo, não como recurso.

O que eu quero demonstrar (demonstrar é muito forte, não devia nem usar essa palavra porque ela é incorreta ( não é para demonstrar nada), o que eu quero sugerir é que para a maioria das pessoas, das instituições e das empresas, o território sendo um abrigo, a idéia de nação é indispensável, ela existe, e ela é central. Quero enfatizar que o centro da produção da globalização é o discurso do mercado que é violentamente sobreposto a qualquer vontade de pensar.

Demonstrando ser eficiente nessa sobreposição, por conseguinte conduz, rapidamente, surpressivamente diante da surpresa deste bombardeio, à idéia de que realmente a nação pode ser um estorvo, de que o Estado realmente tem que ser minimizado e de que o território não é mais eficaz. Essas suposições, que existiam no passado, hoje são mais fortes do que antes.

A oposição entre a idéia de lugar, e a idéia de mundo é muito mais forte do que antes, mas também o é a oposição entre território e mundo. Quanto à idéia de território, se vocês aceitarem ao menos nestes 20 minutos me acompanhar nessa proposição, o território é muito mais oposto ao mundo do que antes, e o lugar se opõe ao território porque o lugar é chamado a responder a interesses de atores peregrinos enjaulados, mas poderosíssimos, que arrastam o lugar frente ao que eles desejam impor para poder realizar os seus fins, criando o vazio.

Os prefeitos, sobretudo dos municípios menos importantes, acabam por descobrir a incapacidade de ser lugar. O que cria a vontade de uma outra forma de ser lugar. Porque ser lugar hoje é de alguma forma subordinar-se a mandamentos do "mundo". Mundo entre aspas, porque quando se fala mundo na imprensa e até numa certa literatura universitária, do que se está falando é de alguns pouco numerosos atores hegemônicos. Não são o mundo, mas são tidos como mundo. E o que é grave, entram nas análises como se fossem o mundo, mundo que não são.

E aí me permitam uma brincadeira com esse autor que todo mundo cita chamado Bermann, Marshall Bermann, que disse que tudo que é sólido flutua. Nada disso! O que hoje é sólido são o território e a população, são as coisas que são sólidas hoje. O território resiste à fluidez do tempo, o território obriga a globalização de alguma forma a se dobrar. [p. 27] A população também é sólida. O fato de que as pessoas se tornaram capazes de circular com mais rapidez não significa que elas não morem, morar não é durar longevamente num lugar, morar é estar. E é aí que aparece a epistemologia dada da modernidade que tem dificuldade para aceitar o que é breve, como se o que é breve não pudesse ser também constitucional.

Daí essa idéia, que é a mesma idéia que coloca os migrantes como pessoas menores dentro da cidade, que é uma bobagem incomensurável, na realidade migrantes são muito mais capazes de sentir a cidade do que os moradores antigos, porque não se acostumaram a ela, e essa surpresa de cada dia é o instrumento intelectual de uma redescoberta que tem que ser feita todos os dias num mundo de grande mobilidade.

O território é sólido por sua constituição técnica, os territórios se distinguem por sua constituição técnica, que é a sua solidez, que são qualidades duráveis porque são o capital fixo, fixado, o qual depende do trabalho. E também pelo social que depende do técnico. Não estou dizendo que o técnico é que comanda a história, não é isso, mas a realização histórica é subordinada às possibilidades oferecidas pela técnica, sobretudo neste fim de século. Por outro lado, a população é também algo de sólido, e os dois juntos ( território e população ( território local, sobretudo, e população, é que nos dão o cotidiano, esta categoria que no fim do século ganha uma cara espacial, uma cara geográfica.

Esse cotidiano dos homens, das empresas, das instituições, da comunidade internacional, ele regula todos os processos, ele regula os processos nacionais, sobretudo quando os diversos estados decidem facilitar o trabalho desses atores hegemônicos, e aí é aquela história, há países diferentes quanto ao gosto de se abrir as suas porteiras e há países que produzem a própria vaselina.

Mas a comunidade internacional de alguma maneira regula cotidianos locais através do comando do gosto, da sugestão do consumo, que são formas de regulação do cotidiano local. Na realidade o que é realmente regulado são as grandes empresas ou os indivíduos espetacularizados, que são hoje os objetos dos famosos direitos humanos, já que os direitos humanos não cuidam de todos os homens. Os direitos humanos cuidam daqueles homens que têm sorte de ter a sua fortuna espetacularizada, o seu infortúnio espetacularizado.

O homem continua irredutível. Eu acho que isto é central, já que esta epistemologia iluminista da modernidade com a qual insistimos em nos equivocar faz crer a todos que o Estado, o território é recurso e abrigo, há necessidade de uma regulação nacional e local. As pequenas empresas, as médias empresas, mesmo as grandes empresas que não são [p. 28] globalizadas necessitam de regulação. Regulação que é territorialmente delimitada, regulação com base no território.

E o cotidiano? Haverá um cotidiano supralocal? É um tema para discutir. Existe isso? As pessoas dizem: ah, mas eu ligo minha internet, eu vejo tantos colegas contentes com suas internets e dizem que chamam, que conversam, trocam seus e-mails e, felicíssimos, dizem que isso é o seu cotidiano, será que é mesmo? Eu acho que a maneira como os lugares são tem uma existência estável hoje, e essa existência pode ser rapidamente mudada pela força dos grandes atores internacionais, o que faz renascer a necessidade do contrato, o contrato entre lugares, nós vamos partir para isso daqui a pouco, esse contrato entre lugares, que vai ser baseado no território e nos seus usos.

Por enquanto, a nação é uma noção mais esfrangalhada em certos países do que outros. No Brasil, por exemplo, a vontade de anular a nação é nítida, através da vontade de suprimir as solidariedades. Mas a nação se refugia na cidade. A cidade reconstrói a nação, sobretudo a grande cidade, ela é de novo a nação; peguem diferentes definições de nação, e vejam se as grandes cidades não reproduzem. O campo também, porque o campo hoje, sobretudo o campo dos mercados comuns, que é o campo onde há verdadeiras guerras agrícolas em torno de produtos, esse mundo rural também redescobre a necessidade de nação porque sem ela ele não pode subsistir. O mundo rural, se for deixado ao mercado global, ele será assassinado.

Eu sei que numa palestra a gente deve terminar com uma frase bonita e na realidade eu não tenho essa frase. Mas eu queria insistir nisso, quer dizer, será que nós vamos continuar discutindo a partir de metáforas, tal como é a globalização, tal como é o mercado global, ou seria melhor tentar uma análise constitutiva da realidade para ver se categorias como a nação, como o território, têm uma nova cara, porque o mundo mudou e é preciso tentar definir esta nova cara, a partir da estrutura, da função, das funções que se realizam.

Muito obrigado. [p. 29]

Utilidade da Geografia

Estrabón

(...) mencionamos a tal multiplicidade de conhecimentos a informação relativa ao que há na terra, como animais, plantas e mais tudo quanto de proveitoso ou nocivo que sustenta e a terra e o mar, pois creio que mais óbvio poderia resultar assim o que quero dizer. [p. 228]

Que o proveito é grande para todo aquele que tenta receber tal tipo de informação é coisa evidente a julgar pela tradição antiga e pela mesma razão. Os poetas, ao menos, apresentam como os mais gloriosos heróis aqueles que mais se ausentaram de sua terra e mais estiveram errantes por isto, pois situam-se em cima com os méritos de "ver cidades de muitos povos e conhecer sua maneira de pensar."* [p. 229]

[...]

Precisamente da tradição antiga e da mesma razão se podem obter testemunhos a favor do dito por nós no começo. E me parece que é sobretudo motivo de interesse para o que agora nos ocupa aquilo que tenho dito de que a geografia está em sua maior parte orientada para as necessidades políticas. Pois, em efeito, o terreno de nossas ações é precisamente a terra e o mar em que vivemos; pequeno terreno o das ações pequenas, grande o das grandes, e maior que nenhuma a totalidade deles, que precisamente chamamos com toda propriedade "mundo habitado", de sorte que este viria a ser o terreno das ações mais importantes; os maiores comandantes de exércitos são aqueles que têm poder para mandar sobre a terra e mar, reunindo povos [p. 230] e cidades em um único poder e administração política. Assim pois, é evidente que a geografia está toda ela orientada para as ações próprias do governo, pois dispõe continentes e lagos, uns dentro e outros fora da totalidade do mundo habitado. Mas esta disposição se faz em função daqueles para os quais não é o mesmo que aqueles estejam de uma maneira ou de outra e que sejam conhecidos ou não, pois como melhor poderiam manejar cada país é sabendo qual a extensão é o território, e a que distância se encontra de outros lugares, e que características diferenciais tem tanto em seu clima como em si mesmo. E como resulta que numa parte do mundo mandam uns, e noutras outros, e que de outra capital e outro império tentam dominar a situação e estender o âmbito de sua hegemonia, e conhecer tudo por igual não os é possível nem a eles, os políticos, nem aos geógrafos; antes pelo contrário, ele observa em uns e outros indistintamente, em maior ou menor grau. Dificilmente, em efeito, poderia ocorrer que tudo fosse por igual acessível ao conhecimento, inclusive no caso de que o mundo habitado estivesse todo ele submetido a um único poder e regime político; mas nem sequer assim seria possível, senão que inclui nesse caso as regiões mais próximas seriam mais fáceis de conhecer bem. E convém expô-las com maior extensão, para que sejam bem conhecidas, pois também nos são necessárias de maneira mais imediata. Por sorte que não havia motivo de admirar-se no caso de que um corógrafo se ocupará dos [p. 231] indianos, outro dos etíopes e outro dos gregos e romanos. [p. 232]

[...]

Geografia e política

Assim pois, como tenho dito, a geografia se dirige em sua maior parte ao âmbito e às necessidades do governo. Mas é que também a maior parte da filosofia ética e política gira em torno do âmbito do governo. Veja-se a prova: distinguimos as diferenças entre regimes políticos sobre a base de seus tipos de governo, estabelecendo um tipo que é a monarquia, que também chamamos realeza, outro que é a aristocracia e um terceiro, a democracia. Pensamos também que existem outros tantos regimes políticos, que chamamos com a mesma denominação, como se deles derivasse o princípio de sua peculiaridade específica: em um deles, em efeito, é lei o mandato do rei, em outro o dos aristocratas e no outro, o do povo. E é que a lei é o que caracteriza e configura o regime político, e por isso também chegaram alguns a dizer que o justo é o que convém ao mais forte. Assim pois, se a filosofia [p. 235] política gira em sua maior parte em torno dos governantes, e se gira também por sua vez a geografia em torno das necessidades próprias do governo, esta última representará certa superioridade a este respeito. Mas esta superioridade tem projeção prática. [p. 236]

História do Islã ou História dos Árabes?

Marc Ferro

Se existe hoje uma comunidade de nações que ocupa um lugar privilegiado na História, são os países do Islã. Trata-se de fenômeno relativamente recente, importante só de um século para cá, manifestado a partir do seu choque com a Europa Industrial e colonial, o que veio a provocar a reativação do passado. Até então, de fato, a História não teve, nos países do Islã, um status muito elevado; colocava-se abaixo da Teologia, que a olhava como uma possível concorrente e, portanto, a rebaixava. Mas o contacto com os conquistadores estrangeiros revitalizou a História, que conheceu então um segundo nascimento, a começar pelo Egito. Na verdade, os países islâmicos estavam predispostos a assegurar à História essa promoção. Isso porque o Islã é uma religião que se fundamenta não somente sobre o livro sagrado, o Alcorão, mas sobre os grandes feitos e ações históricas do Profeta. Conhecê-los faz parte dos deveres do crente. Aliás, o próprio Maomé situa o seu papel na História, examina as lições do passado e localiza sua atuação entre os momentos da Criação e do Juízo. A doutrina (Ijma) transfere a comunidade muçulmana o cuidado de completar a missão do Profeta após a sua morte. Assim, a História é realização dessa missão, é "o plano de Deus para salvar a humanidade."

Ora, nos países do Islã julga-se que a obstinação do homem, sua necessidade de pecar, sua tendência para o Mal, conduzem à repetição dos mesmos processos e das mesmas tragédias. Mas, felizmente, surgiram na História homens inspirados que lhe ofereceram a ocasião da salvação. Muito freqüentemente um homem recusou tais oportunidades. Por exemplo, entre os cristãos, Jesus foi uma [p. 76] ocasião única; daí em diante a possibilidade de se salvarem só passou a existir depois da vida, no céu. Quanto aos judeus, seus sofrimentos serão permanentes enquanto esperarem o Messias.

Apenas os muçulmanos podem ter uma visão otimista da existência, graças à revelação de Maomé. Cada instante da vida do Profeta, e depois as vitórias do Islã, comprovam a justeza desse ponto de vista.

Nesse sentido, só é História aquilo que contribui para a realização do Islã. Assim, ela não é considerada uma seqüência contínua de acontecimentos, desde os princípios até os nossos dias, uma cronologia. Ela tem uma lógica e um sentido, que estão no principio da seleção dos fatos, dos acontecimentos. Ela não começa com Maomé e sim com a derrota dos profetas que o precederam. A História é a história da comunidade islâmica inscrita no contexto de uma civilização cercada de bárbaros, de povos sem história, mais ou menos da mesma forma pela qual antigamente, no Ocidente, se considerava "sem história" a vida dos povos não integrados na civilização ocidental. Ela se reanima quando os países do Islã, submetidos ao Imperialismo, tomam de novo consciência de sua identidade e lutam por sua liberdade. A luta pela emancipação é a referência essencial que dá um sentido a cada problema, e o situa.

Tais princípios aparecem de forma surpreendente, como em relevo, nos capítulos da história consagrados a problemas não especificamente muçulmanos. A Idade Média ocidental, por exemplo, é definida em suas relações com o Oriente; é obscurantista e o brilho do Islã serve de termo de comparação; a história dos grandes descobrimentos, que a tradição ocidental associa às viagens de Magalhães e Cristóvão Colombo, forma, na história árabe-islâmica, um conjunto contínuo desde as explorações dos fenícios até as viagens dos árabes pelo oceano Índico, cujas descobertas geográficas e científicas permitiram os ulteriores feitos de venezianos e genoveses. A história da emancipação dos povos começa com a independência americana e com a Revolução Francesa de 1789, continua com a unidade italiana e a alemã, que anunciam ao mesmo tempo a libertação dos povos colonizados e a unidade do mundo árabe-islâmico.

Tributária da história ocidental, a história contada às crianças também herda a tradição historiográfica árabe-muçulmana, cuja natureza está ligada às funções que ela desempenha.

Desde a época dos Califas, os dirigentes muçulmanos querem conhecer os grandes feitos dos seus predecessores, para igualá-los ou sobrepujá-los. Nesse sentido, compreende-se a importância da [p. 77] História nos países do Islã, porque, segundo Ibn Al-Athir, historiador do século XII, ela "deve dar aos soberanos os bons e os maus exemplos." Consequentemente, as biografias ocupam papel importante; escribas e funcionários do Estado, árabes, persas e turcos recolhem os seus elementos mais importantes, e a Historia tem assim uma função utilitária definida, sem precisar de um conteúdo que exija julgamentos e significação filosófica.

Mas se a história do Islã é herdeira dessa tradição biográfica como gênero, também não deixa de ser filha das tribos da Península Arábica. E essa base territorial nela interfere. Ora, tal identificação do Islã com os árabes constitui o motivo essencial dos mais vivos conflitos entre os povos islâmicos. Pelo menos na historiografia, parece que foi no Egito, no século XVIII, que a identidade territorial nacional começou a concorrer com a identidade islâmica, como reação à dominação turca. O conceito de watan, a pátria, se sobrepõe a partir daí ao ideal de fidelidade a uma dinastia, sejam quais forem as ligações dela com o Profeta. O passado pré-islâmico do Egito passa a ser valorizado, e no Irã acontece o mesmo com relação à antiga Pérsia. Aliás, logo depois, seria objeto de veneração e de história menos o território do Egito, ou do Irã, e mais a própria Nação, o povo egípcio por exemplo, identificado com a Nação árabe.

[...]

O papel da Geografia

Esta visão da História completa-se com a representação que o mundo árabe-muçulmano faz da sua própria Geografia e da geografia das outras civilizações. Em sua obra sobre os geógrafos árabes da Grande Época, André Miguel mostra que, se a História se divide em dois períodos, antes e depois do Profeta, a Geografia é entendida de tal forma que os países do Islã "são o umbigo, o centro do mundo". Evidentemente, com a China aconteceu a mesma coisa com relação ao Império do Meio, mas entre os árabes-muçulmanos esta idéia é mais explicitamente formulada e, vista de dentro, de certa forma é justificada.

Por exemplo, como demonstra André Miguel, a distribuição dos climas da maneira apresentada pelos geógrafos árabes é concebida de tal forma que o quarto clima, o do Iraque, acha-se no centro: três situam-se mais ao norte e outros três mais ao sul. Chamado de "umbigo" do mundo, o conjunto Iraque-Arábia (ao qual às vezes se acrescenta o Irã) constitui o primeiro Reino do mundo. Os outros quatro são a China, a Turquia, a Índia e Bizâncio. Além disso, é sobre o Iraque que brilha o melhor sol, o mais puro. Este é o Reino mais provido de tudo. O Imperador da China, o mais bem obedecido, é o Rei dos homens; o Turco é o Rei dos animais ferozes ( o que abrange tanto homens quanto feras; o Rei da Índia é o senhor dos elefantes e da sabedoria; o Rei de Bizâncio reina sobre os homens belos e sobre a alquimia. Quanto ao Rei dos árabes, este é o mais bem dotado. Definindo os povos pelos seus traços negativos, o geógrafo Ibn El Farih nega aos turcos a fidelidade aos [p. 79] bizantinos a generosidade, aos khasars o pudor, aos negros a seriedade, aos eslavos a coragem e aos hindus a castidade.

Associada a memória histórica, a tradição geográfica define a visão que o árabe teve dos outros no passado. Escreve André Miguel: "Gahiz, seguido por Ibn-Al-Fagih e por Mas'ndi, dá o tom para a definição desses traços particulares. Os chineses são o povo da técnica e do artesanato; os hindus são o povo da ciência teórica, da matemática e seus derivados, como a astronomia e a música; astronomia ainda, mas com a medicina, a filosofia e a alquimia caracterizam os bizantinos, herdeiros dos gregos que também eram técnicos; os iranianos receberam por apanágio a ética e a política; a guerra, enfim, coube aos turcos. E os árabes? Eles se atribuem, e ninguém os contesta, o dom da poesia, e, prefigurados por Sem (da Caldéia) que recebeu a profecia por apanágio, a religião verdadeira. É nisso que reside a diferença essencial entre eles e todo o resto do mundo, é nisso também que tomam consciência de sua superioridade".

Descrevendo e analisando os tesouros da Índia e da China, os geógrafos árabes insistem nessa atitude. Claro que todos esses países estrangeiros são civilizados, mas não compreenderam a essência da vida, isto é, a concordância necessária entre a vontade de Deus e a do crente. "Se as suas estruturas sociais são louváveis, isso só acontece por um feliz acaso. Sem uma verdadeira razão de viver, tal mundo não pode ser comparado ao Islã. E se existem, de fato, gradações na humanidade dos comportamentos, o mesmo não acontece com a fé. Ou se é muçulmano, ou não. Esta é a verdadeira fronteira. E a única." [p. 80]

Bibliografia

MIGUEL, André. Géographie humanie du monde musulman. Paris: Mouton, 2 vol, 1975.

[Libro XIII, Acerca del mundo y sus partes; Cap. 5, Libia]

18. Es preciso saber que algunas provincias comenzaron a ser conocidas con el nombre de su fundador; a partir del nombre de la provincia se denominó luego a sus habitantes. Así, por "Italo" se dio el nombre a "Italia"; y de "Italia", a su vez, derivó el de "ítalos". De esta manera empleamos para designar a los habitantes el mismo nombre que tuvo su fundador y del que, a su vez, había derivado el nombre de la provincia. De ahí que, partiendo de un solo nombre, se denomina a la ciudad, a la región y los habitantes. 19. La denominación de "provincia" tiene un origem muy determinado. En efecto, cuando los romanos comenzaron a apoderarse, gracias a sus "victoria", de los pueblos que antes pertenecían a otros reyes, les dieron el nombre de "provincias" por ser regiones situadas muy lejos (procul positae). Por su parte, el nombre de patria se debe a que es común a todos los que en ella han nascido. 20. Como ya hemos explicado (13,3,1), "tierra" significa un elemento; en cambio, "tierras" indica cada una de las partes, como Africa o Italia. Otro tanto sucede con la palabra "lugares": en el orbe de las tierras, los lugares y los ámbitos del mundo contienen en sí muchas provincias, como en el cuerpo humano su entidad es una sola, pero ésta comporta múltiples miembros; o lo mismo que un casa con muchas habitaciones. En idéntico sentido denominamos "tierras" y "lugares" a espacios de tierra cuyas partes son las provincias. Por ejemplo, Frigia se encuentra en Asia; Retia, en la Galia, y Bética, en Hispania. 21. En consecuencia, Asia es un "lugar"; Frigia es una "provincia" de Asia; Troya es una "región" de Frigia; Ilión es una "ciudad" de Troya. Más todavía: las regiones son partes de las provincias, a las que la gente denomina conventus, como sucede con Troya en Frigia; o Cantabria y Asturias en Galicia. El vocablo "región" deriva de los rectores, gobernantes. Las partes en que una región se divide son los "territorios". 22. Y se dice "territorio"* como si dijéramos tauritoriun, esto es, triturado por los bueyes y el arado, pues los antiguos delimitaban las lindes de sus posesiones e sus territorios trazando un surco. [p. 191]

[Aprendendo com Maquiavel]

Se o problema moral não se pusesse ou não tivesse sido levantado, Maquiavel seria para as ciências humanas o que Newton foi para as ciências exactas. Ao contrário de Maquiavel, Newton não tinha de lidar com a justiça ou a injustiça, com a moralidade ou a imoralidade, com o sagrado ou o profano [p.209] da gravitação terrestre. O Príncipe[22] , que é a obra mais importante e conhecida de Maquiavel, desencadeou um coro de protestos. Maquiavel foi acusado de imoralidade. O seu pensamento foi qualificado de maquiavelismo. Depois de o papa Clemente VII lhe ter dado um certo apoio, a igreja católica mudou de idéias. Em 1559, colocou as obras de Maquiavel no Índex, ou seja classificou-as entre os livros proibidos a qualquer católico. Também é verdade que, no século XVII, Galileu teve de abjurar das suas heresias respeitantes às explicações do sistema solar. A autoridade dos Anciãos e suas Escrituras sobrepunha-se à observação dos factos [...]. Na ordem humana, era o comportamento ideal que devia ocupar o lugar da observação. Ora, no caso de Maquiavel, o problema colocava-se de maneira diferente. Na sua análise social, o que era importante para Maquiavel não era tanto “o que deve ser”, o normativo, como defendia a igreja, mas antes “o que é”, o descritivo, o observado, o acontecimento concreto, o facto. Que inversão mental em relação à Antigüidade! A gaiola de vidro social acabava de estilhaçar-se à luz do dia.

Como representante das ciências do homem, Maquiavel queria captar a realidade social do mesmo modo que Newton tentava penetrar nos fenômenos da natureza. Esta inversão metodológica provocou reacções da parte das autoridades e da sociedade da época. Tanto a pressão social como as normas morais atrasaram o desenvolvimento da investigação social. Nesse tempo, o problema moral não constituía um obstáculo radical ao desenvolvimento das ciências da natureza. Contudo, a sua evolução depois do século XVI e o desenvolvimento das ciências experimentais a partir do século XIX alteraram as regras do jogo. Por um revés na evolução da história das ciências, as ciências da natureza confrontam-se actualmente como o problema “humano". As pesquisas ambiciosas e humanamente temíveis sobre a energia nuclear, a genética humana e o crescimento in vitro de embriões humanos já não nos permitem ignorar o impacto da ciência no homem, no meio, na sua cultura e na sociedade. Os compartimentos entre o homem, o seu meio e a sua cultura não são tão estanques como teríamos podido imaginar outrora [...]. Neste aspecto, atenuam-se progressivamente as diferenças entre as ciências do homem e as ciências da natureza.

O nosso objectivo não é lançar luz sobre esta questão espinhosa colocada pela investigação científica actual. Visa antes mostrar a diferença fundamental entre o objecto das ciências da natureza e o das ciências humanas. Em contrapartida, é forçoso constatar que a ciência já não escapa ao desafio humano, desafio esse que não abrange apenas o homem, mas também o futuro da espécie e da humanidade. Já não pode ser estritamente científico, sociológico, antropológico, filosófico ou teológico. A prudência e a lucidez deveriam, pois, guiar, ou mesmo comandar, qualquer das duas grandes orientações do espírito, de que já se falou por intermédio do célebre texto de Pascal [espírito geométrico e espírito de finura, cujas diferenças são explicitadas nos seguintes pares de opostos; dedução/indução; abstrato/concreto; quantitativo/qualitativo; metódico/intuitivo; concebido/percebido; geral/particular] [...] [p.210]

A evolução do pensamento científico do domínio das ciências humanas revela as lutas quase titânicas entre as ideologias [...] Apesar do esforço de objetividade que se deseja introduzir na fase prática do conhecimento científico enquanto tal,nenhuma pesquisa pode escapar à presença (consciente ou inconsciente, confessa ou não, implícita ou explícita, afirmada ou oculta) dos pressuposto, dos postulados, dos preconceitos ou, como se gosta de dizer presentemente, dos paradigmas[23] científicos.

Maquiavel e o pensamento científico

Ilustremos este ponto de vista por um exemplo. Ao tratar a sociedade e os homens como o fez na sua obra, Maquiavel extraiu normas novas que serviram de fundamento à ciência política moderna. Já não se trata de ver o bem ou o mal nos comportamentos humanos, mas de descobrir os móbeis das condutas, a fim de compreender e explicar, entre outros: 1º como se pode chegar ao poder; 2º como se pode possuí-lo; 3º como se pode conservá-lo. Neste aspecto, os vinte e seis capítulos do Príncipe são muito reveladores, porque, se os traduzíssemos, em política, sob forma de questões práticas, obteríamos o seguinte questionário[24].

Vinte e seis questões sobre o poder

1- Como governar em diferentes Estados?

2- Como manter-se no seu Estado?

3- Como ocupar uma nação diferente?

4- Como conservar o trono?

5- Como governar cidades conquistadas?

6- Como conquistar o poder e mantê-lo?

7- Como conservar o poder pela força e a fortuna de outrem?

8- Como manter-se no poder por meios criminosos?[p.211]

9- Como conservar o apoio do povo?

10- Como garantir a própria defesa?

11- Como explicar o poder dos principados eclesiásticos ou da igreja?

12- Como é que a Itália se tornou “serve et honnie”?

13- Como garantir a sua própria defesa nacional?

14- Como formar um bom príncipe?

15- Como deve um príncipe comportar-se perante os seus súbditos?

16- Como pode um príncipe ser liberal?

17- Como pode um príncipe fazer-se estimar?

18- Como governar salvaguardando a sua fé?

19- Como não se fazer odiar e desprezar?

20- Como governar politicamente?

21- Como governar para conquistar a estima do povo?

22- Como governar como bons ministros?

23- Como governar fazendo boas escolhas?

24- Como governar para não perder o seu Estado?

25- Como governar sem se deixar abandonar ao destino?

26- Como pode um governo ser chamado a fazer uma guerra justa?

Esta lista de questões coloca um novo modo de raciocínio. Para Maquiavel, não se trata de idealizar o passado para servir de edificação à posteridade. Não pretende descrever os acontecimentos exclusivamente para fazer deles um relato digno de menção: quer compreender os mecanismos profundos que levam os homens a agir; procurar descobrir os móbiles da acção humana na realidade histórica e não num mundo ideal ou sonhado. No célebre capítulo 18 do Príncipe, distingue entre real e ideal, entre a força e as leis, ente "o animal e o homem". E é aí que surge todo o realismo de Maquiavel, quando escreve:

"É necessário saber que existem duas maneiras de combater, uma pelas leis, a outra pela força: a primeira é própria dos homens, a segunda dos animais; mas como muitas vezes não basta a primeira; é necessário recorrer à segunda. É por isso que o príncipe deve saber agir bem como animal e como homem. [...] Uma vez que um príncipe deve saber usar bem o animal, deve escolher a raposa e o leão; porque o leão não se pode defender das redes e a raposa dos lobos; por isso, é preciso ser raposa para conhecer as redes e leão para causar medo aos lobos. Quem queira fazer simplesmente de leão, não entende nada. (Itálico da nossa responsabilidade)."

Na sua análise de acção dos homens, constata que sempre existirão intrigas e golpes de força e que, por outro lado, haverá sempre quem se deixe enganar. Pela sua maneira de abordar a realidade, parece preceder de um século Francis Bacon, quanto à aplicação do método indutivo. A sua conclusão segundo a qual "todos os homens são maus" não é uma proposição normativa sobre a natureza humana, mas uma proposição descritiva do que teve possibilidade de constatar em contacto com a vida, a sua experiência pessoal, as suas observações dos comportamentos humanos e as suas reflexões. Não a considera uma verdade absoluta a qualquer preço, mas antes [p.212] uma realidade humana hic et nunc. Poderíamos nós sermos diferentes? Maquiavel não responde. Constata primeiramente os factos: o comportamento dos homens. Deles infere uma evidência que se lhe afigura válida e aceitável[25]. Segundo o historiador J. Delumeau, é "o momento histórico em que a política ousou proclamar a sua laicização [...], em que pretendeu erigir-se como ‘ciência’ prática, baseada na experiência, para conduzir os homens que nunca serão bons[26]". Estes comentários levam-nos à questão do raciocínio científico nas ciências humanas.

"Quanto à ação, alem de manter os soldados disciplinados e constantemente em exercício, deve estar sempre em grandes caçadas, onde deverá habituar o corpo aos incômodos naturais da vida em campanha e aprender a natureza dos lugares, saber como surgem os montes, como afundam os vales, como jazem as planícies, e saber da natureza dos rios e dos pântanos, empregando nesse trabalho os melhores cuidados.Esses conhecimentos são úteis sob dois aspectos principais: primeiro, aprende o príncipe a conhecer bem o seu país é ficará conhecendo melhor os seus meios de defesa; segundo, pelo conhecimento e prática daqueles sítios, conhecerá facilmente qualquer outro, novo, que lhe seja necessário especular, pois que os montes, os vales, as planícies, os rios e os pântanos que existem na Toscana, por exemplo, apresentam certas semelhanças com os de outras províncias. Assim, pelo conhecimento da geografia de uma província, podemos facilmente chegar ao conhecimento de outra. E o príncipe que falha nesse particular falha na primeira qualidade que deve ter um capitão, porque é esta que ensina a entrar em contato com o inimigo, acampar, conduzir os exércitos, traçar os planos de batalha, e assediar ou acampar com vantagem."(MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Abril Cultural,1973. p.66)

O Príncipe Henrique e as grandes navegações portuguesas

Preston James & Geoffrey Martin

A primeira iniciativa para uma exploração mais ampla do mundo teve lugar em Portugal. Seu grande líder foi o príncipe Henrique (chamado "o Navegador"), o terceiro filho do Rei de Portugal. Em 1415, o príncipe Henrique comandou a força que atacou e capturou a fortaleza muçulmana de Ceuta, na parte meridional do Estreito de Gibraltar. Esta foi a primeira vez que uma potência européia tomou posse de um território situado fora da Europa. Em um certo sentido, a ocupação desta parte da África deu início ao período da colonização européia no ultramar. Em Ceuta, o príncipe foi informado por prisioneiros muçulmanos de que o ouro, o marfim e os escravos vendidos nos mercados árabes do Norte da África tinham sido trazidos através do grande deserto, por caravanas, desde as terras da África localizadas ao sul do Saara. Por que não seria possível atingir a região da Guiné por via marítima e, então, capturar para Portugal, para deste lucrativo comércio?

A Escola de Sagres

Em 1418, o príncipe Henrique criou o primeiro instituto de pesquisa geográfica do mundo. Ele foi, provavelmente, construído é um promontório rochoso conhecido como Cabo São Vicente, não distante do porto de Lagos, em Portugal.

Em Sagres, o príncipe Henrique construiu um palácio, uma capela, um observatório astronômico, prédios para o armazenamento de coleções de mapas e de manuscritos, e habitações para os pesquisadores e administradores da Escola.

Ele trouxe pesquisadores de todas as formações e de toda a região mediterrânea para Sagres: geógrafos, cartógrafos, matemáticos, astrônomos e especialistas na leitura de manuscritos em várias línguas. Entre esses pesquisadores havia cristãos, judeus muçulmanos, etc. Mestre Jácomo de Maiorca foi indicado geógrafo-chefe. O objetivo principal era desenvolver e ensinar métodos de navegação aos capitães de mar de Portugal, ensinar a nova matemática decimal, e extrair de mapas e de outros documentos evidências relacionadas com a possibilidade de navegação em direção ao Sul, ao longo da costa africana e, daí, para as ilhas das Especiarias.

Outros objetivos consistiam em saber se as regiões equatoriais eram inabitáveis ou não; se as pessoas se tornavam negras ao se aproximarem do equador(!); saber quais as verdadeiras dimensões da Terra, etc. [...]

Como se vê, eram questões eminentemente práticas.

Paralelamente, em Lagos, os arquitetos navais do príncipe Henrique empenhavam-se na concepção de novos e melhores barcos. Novos instrumentos de navegação foram incorporados e/ou criados e testados, tais como a bússola, que foi montada e adaptada nas salas de comando dos navios. Astrolábios foram aperfeiçoados, de forma a permitir medidas mais precisas da altitude das estrelas no mar. Com base nessas medidas, novas tabelas foram feitas, fornecendo as altitudes de várias estrelas, em diferentes estações do ano e em diferentes latitudes. Uma série de cartas tipo "Portulano", pôde ser confeccionada, atualizando as antigas, já em grande parte superadas.

Os capitães a serviço do Príncipe foram acumulando experiências através de um aumento gradual das distâncias em suas viagens: primeiro, até às Ilhas Canárias (100 milhas da costa africana); em seguida, às Ilhas da Madeira (400 milhas em mar aberto) e, enfim, até os Açores (1000 milhas de navegação).

Por volta de 1441, os navios do príncipe Henrique já tinham avançado em direção ao Sul o suficiente para atingir a zona de transição entre o deserto e as terras úmidas situadas além. Ao sul do Cabo Branco (hoje em território da Mauritânia), os exploradores portugueses capturaram um grupo de 12 escravos. Eles encontraram também aí, pela primeira vez, algum ouro.

Quando eles retornaram a Portugal, houve uma grande divulgação de sua façanha, de modo que centenas de voluntários se apresentaram para novas viagens em direção ao Sul. Entre 1444 e 1448, cerca de 40 navios velejaram ao longo da costa da África [...] A partir dessa época, o Príncipe compreendeu que uma recompensa ainda maior esperava os portuguesas caso os navios pudessem circundar toda a costa africana e, daí, chegar às Índias [...] A era das grandes navegações apenas começara [...]

A Campanha da Rússia: Napoleão é derrotado pelo inverno

No verão de 1812, Napoleão marchou contra a Rússia com um poderoso exército de 600.000 homens. Sem oferecer resistência, os russos atraíram os franceses cada vez mais para o interior de seu território. À medida que se retiravam, no entanto, iam levando tudo o que podiam: incendiavam as casas, envenenavam a água e destruíam as plantações. Perto de Moscou, ofereceram resistência e travaram uma batalha. Derrotados, os russos permitiram que o inimigo ocupasse a capital. Logo que entraram em Moscou, porém, os franceses tiveram uma surpresa: a cidade estava deserta.

À noite, outra surpresa: Napoleão tinha acabado de se deitar quando foi acordado por uma luz muito forte que inundava o quarto. Olhou pela janela e viu que a cidade estava em chamas. O incêndio já se aproximava do Kremlin, onde Napoleão havia se instalado. O vento soprava em direção ao castelo. O perigo era grande, pois os franceses haviam transportado para junto do Kremlin quatrocentas caixas de munições e, além disso, dizia-se que os russos tinham deixado no castelo um grande depósito de pólvora. De um instante para outro, o palácio podia se transformar num vulcão.

Apesar de tudo, Napoleão não parecia disposto a abandonar o local. Ele estava estupefato e, ao mesmo tempo, escandalizado: "Esta gente está queimando a si mesma!" Exclamava: "Que raça de homens! [...] São coisas que vão além da imaginação: é uma guerra de extermínio, e uma tática atroz, que não tem precedentes na história da humanidade... Incendiar a própria cidade! É uma inspiração do demônio... Que feroz obstinação! Que povo! Que gente!"

Quando as chamas finalmente baixaram, pouco mais restava do que as paredes enegrecidas do Kremlin para abrigar as tropas invasoras. Na esperança de que os russos se rendessem, os franceses permanecera durante mais de um mês entre as ruínas. Só no dia 22 de outubro resolveram iniciar a marcha de regresso.

Essa demora foi um erro fatal, pois, muito antes de terem alcançado a fronteira, o terrível inverno russo caiu sobre eles. Então, os rios congelaram, surgiram montanhas de neve e lamaçais profundos que quase impediam a passagem. Além disso, o frio tornou-se insuportável. Enquanto as tropas francesas se retiravam, os soldados russos surgiam dentre a nevasca para atacar as tropas exaustas e famintas. Cada manhã, ao retomar a fuga, o destroçado exército francês deixava para trás círculos de cadáveres à volta das fogueiras da noite anterior. Em 13 de dezembro, os que sobreviveram atravessaram a fronteira da Alemanha. Estavam alquebrados, famintos e quase loucos. Perto de 300.000 vidas foram sacrificadas nessa aventura na Rússia.

Algumas considerações sobre a teoria de Darwin

Wilma George

"Sobre a Origem das Espécies por meio da Seleção Natural", de Charles Darwin, foi publicado em 24 de novembro de 1859 e seus 1.250 exemplares se esgotaram no dia da publicação. [...] Por volta de 1876, Darwin podia anunciar traduções em todas as línguas européias, apesar de se tratar – como o próprio Darwin confidenciou a Hooker, de uma "leitura penosa, valha-me Deus!"

O sucesso inicial pode ser atribuído à sua perfeita adaptação à atmosfera particular da época em que apareceu.

Na Alemanha, Emmanuel Kant havia formulado uma teoria da evolução cósmica no seu "Allgemeine Naturgeschichte und Theorie des Himmels", publicado em Frankfurt, em 1755. Todo o aparato do Universo, argumentava ele, nasceu de forças físicas atuantes sobre a matéria bruta, de acordo com leis mecânicas passíveis de serem descobertas.

Mais ou menos na mesma época, o Conde de Buffon procurava saber a idade e a estrutura da Terra. Sua conclusão de que a Terra era muito antiga e se formara gradualmente foi, contudo, rapidamente reprimida pela Igreja e ele viu-se forçado a se retratar. [...] O trabalho de Buffon foi amplamente lido: era a obra básica da biologia dos séculos XVIII e XIX.

Experiências práticas também estavam sendo feitas para testar a imutabilidade e a criação. Em São Petersburgo, em 1766, Joseph Kolreuter cruzou variedades [...] de fumo para descobrir se podia criar uma nova espécie com o cruzamento. Os híbridos resultantes do cruzamento tinham um caráter intermediário entre as duas plantas de origem. Mas, infelizmente, o pólen era estéril. Ele não criou uma nova espécie que pudesse perpetuar-se, mas fizera uma tentativa e, através dela, dera início a uma longa linhagem de experiências de hibridização de plantas. A fixidez das espécies, a estabilidade do mundo natural, estava sendo questionada pela experiência.

Por volta de 1770, formou-se uma sociedade em Birmingham. Ela atraiu homens de ciência como J. Watt, M. Boulton, J. Wedgwood, J. Priestley e o avô de Charles Darwin, Erasmus Darwin. A "Sociedade Lunar" reunia-se informalmente para discutir os problemas científicos do dia [...] e teorias provocantes, tanto no país como no estrangeiro: de Buffon e daquele outro francês, Jean-Baptiste P.A.M. de Lamarck, e do geólogo escocês James Hutton. [...] Os cientistas descreviam um mundo mutante e os "lunáticos" achavam-se no centro da discussão. [...]

Lamarck havia reclassificado o reino animal, pela primeira vez desde Aristóteles, e o fizera de acordo com as afinidades naturais, organizando todos os seres orgânicos numa ramificação de descendência sem lacunas. Erasmus Darwin convence-se de que os animais mudavam de forma e se transformavam em novas espécies – a mudança era provocada pela transmissão de caracteres adquiridos durante a vida de um indivíduo – e de que toda vida, enfim, provinha do mar.

Em 1809, Lamarck havia finalmente publicado a "Philosophie Zoologique" na qual afirmava categoricamente acreditar que todas as coisas vivas haviam-se desenvolvido, por causas naturais, de outras coisas vivas. [...] Lamarck analisou a transformação das espécies, uma a uma, ramificando-as paulatinamente como uma árvore: [...] Porque alguns pássaros tinham asas longas e outros curtas ? – Estava claro para Lamarck que, no decorrer de uma vida, um pássaro esforçava-se por adquirir alguma coisa nova para seu organismo. [...] Os pássaros se empenhavam cada vez mais em atingir seus objetivos, e uma parte desse progresso circulava na corrente sangüínea até alcançar as células reprodutoras e ser transmitida às suas descendências. Lamarck acreditava na continuidade orgânica – "série" – e apresentou uma teoria em sua defesa.

Na virada do século, os naturalistas influentes estavam questionando a ordem das coisas e encontravam sustentação na ciência da geologia, que progredia rapidamente.

O desenvolvimento econômico da Inglaterra tinha necessidade de geólogos práticos para assessorarem a construção de canais e estradas de ferro. Era essencial saber como e onde as rochas se estendiam. As camadas teriam sempre a mesma ordem? Seriam as mesmas em diferentes partes do país? Como resultado do estudo sistemático da estratificação [...] foi elaborado um mapa geológico da Inglaterra e de Gales, em 1815, por William Smith. O mapa foi uma revelação: camadas que, na seqüência de Smith, ficavam bem embaixo, em certos lugares apareciam expostas; algumas apareciam em diferentes lugares; outras estavam ora dobradas, ora inclinadas e algumas encontravam-se deslocadas para baixo. Os geólogos práticos faziam descobertas sobre a estrutura da terra que teriam conseqüências teóricas imprevisíveis.

A ciência prática estimulava a ciência teórica e – com a publicação, entre 1830 e 1833, dos "Princípios de Geologia" de Charles Lyell – a geologia teórica entrou numa nova fase de sua história. A lição de Lyell era o "Uniformitarismo", baseado na geologia de Hutton, de uma terra antiga sem "nenhum vestígio de começo e sem nenhuma perspectiva de fim". A Terra, de acordo com Lyell, fora formada pelos mesmos processos que ainda continuavam a formá-la: terremotos, enchentes, vulcões e rios; tombamentos e inclinações, explosões e afundamentos, erosão pelo vento e pela água. A Terra não era estável e – como descobriu Hutton – era antiga.

Lá pelos idos de 1830, havia no ar uma sensação desconfortável de mudança e de se estar vivendo um momento muito curto numa vasta extensão de tempo. O Universo mudava de acordo com leis mecânicas; a Terra mudava através da ação de forças naturais; os animais e as plantas, naturalmente, deveriam também mudar; e a sociedade estava mudando por intermédio das forças políticas, econômicas e religiosas.

Quando o livro "Os Vestígios da História Natural da Criação" foi publicado anonimamente em Londres, em 1844, juntou todos esses sistemas de mutação – Universo, Terra, plantas, animais e o homem – num todo em desenvolvimento. Tudo acontecia por estágios e até mesmo os graus da mente eram "meros estágios do desenvolvimento". O livro "Vestígios" causou sensação, mas recebeu uma pesada crítica dos cientistas profissionais. [...] A ciência pobre de "Vestígios" era fácil de rejeitar, mas esta não era a verdadeira causa da inquietação que havia criado. A causa verdadeira era o desagrado por uma "teoria da mudança", e uma teoria da mudança que tinha a temeridade de, nela, incluir o homem. O livro "Vestígios" teve quatro edições nos primeiros seis meses e foi discutido e satirizado tanto por cientistas como por artistas.

Tanto Darwin, como Wallace, leram "Vestígios" e, embora Darwin tivesse confessado que não achava graça nele, admitiu que era bem escrito, que fora mais falado do que qualquer trabalho recente e fora, na verdade, atribuído a ele (Darwin). Wallace considerou-o uma "hipótese engenhosa".

"Vestígios" foi seguido do artigo de Herbert Spencer, no jornal "Leader", intitulado "A Hipótese do Desenvolvimento" (1850), no qual argumentava energicamente em favor de uma doutrina da evolução. Ele reuniu fatos de geologia e os novos estudos de embriologia – que estavam sendo realizados na Alemanha – e concluiu que os fatos existiam para dar corpo a uma teoria da mudança orgânica.

Darwin vinha preparando um livro – provisoriamente intitulado "Seleção Natural" – há anos. É difícil precisar desde quando, porque Darwin sempre trabalhava em vários projetos ao mesmo tempo.

[...] Num dia decisivo – 18 de junho de 1858 – Darwin recebeu um artigo do Arquipélago Malaio. Achava-se em casa, em Kent, e Wallace estava em sua cabana, nas Molucas. Os dois haviam conjecturado sobre o "problema das espécies". Darwin fizera comentários nos seus cadernos de anotações, de 1839 em diante. Wallace discutira o problema com o seu amigo H. Bates, onze anos antes de enviar a Darwin o seu artigo "Sobre a Tendência das Variedades de Partirem Indefinidamente do Tipo Original". Mas, quando Darwin recebeu esse artigo das Molucas – descrevendo em poucas palavras o que ele próprio se propunha a discutir em dez volumes – foi como "um raio vindo do céu". [...] O artigo argumentava que as espécies haviam se ramificado de outras espécies. [...] Passaram-se dois anos até Wallace receber um comentário encorajador. Na sua primeira carta a Wallace, Darwin escreveu que concordava com a verdade de quase todas as palavras da publicação e que ele mesmo andara pensando sobre as mesmas coisas. Mas não contou a Wallace que havia escrito, porém não publicado, um ensaio de 230 páginas sobre o assunto, em 1844. [...] Parte desse manuscrito de Darwin e uma carta escrita para o botânico americano, Asa Gray, em setembro de 1857, foram preparadas – juntamente com uma comunicação de 1858, de Wallace – para a Sociedade Linneana.

"Que grande estupidez não ter pensado nisso!" – disse Huxley, em Londres; mas, na Sociedade Geológica de Dublin, o Rev. Samuel Haughton esbravejou que "se é o que quer dizer, isto é um truísmo; se quer dizer alguma coisa a mais, é contrário aos fatos".

O "truísmo" sustentava que "pode ser comprovada" a existência de "um poder infalível em funcionamento na seleção natural" [...] e que "a vida dos animais selvagens é uma luta pela existência [...] mas se ocorrer alguma alteração das condições físicas na região [...] a variedade superior, então, permanecerá sozinha [...] aqui, e então, teremos progresso e diferenciação contínua.

A "Origem das Espécies" causou tumulto. [...] Diferentemente do autor de "Vestígios", Darwin era um cientista com anos de experiência em geologia, botânica, zoologia, e tinha consigo todo o trabalho de campo da viagem no Beagle (Galápagos). Darwin foi impecavelmente preciso e havia reunido quase 500 páginas de fatos. Esses fatos iriam mostrar não apenas que a evolução orgânica havia ocorrido, mas, também, como ela havia ocorrido: a seleção natural. Os números da população natural permaneciam mais ou menos constantes: era criada uma prole maior que a requerida para a manutenção da população; as proles diferiam umas das outras, e apenas as que se adaptavam ao meio ambiente sobreviviam para reproduzir a geração seguinte, e se o meio ambiente mudava, selecionava sobreviventes diferentes.

Afora a raça humana, os animais não pareciam estar superpovoando o mundo. Os ovos das moscas eram comidos ou destruídos de outra forma, a maior parte das sementes não germinava e até mesmo a cria dos elefantes estava sujeita a catástrofes. A seleção era o meio ambiente: o clima, o solo, a comida disponível, e o predador. Este eliminava os indivíduos menos adaptados. Os galos silvestres de melhor aparência eram selecionados pelas aves de rapina e as ameixas vermelhas sucumbiam mais à doença do que as amarelas. Não havia nenhum plano no processo de seleção, nenhum objetivo final. Um mesmo elemento podia ser favorecido sob uma série de condições e desfavorecido pela seleção sob outras.

A teoria Darwin-Wallace foi a primeira a fornecer um mecanismo satisfatório para a evolução. Ela foi para as ciências biológicas o que a revolução coperniciana foi para as ciências cosmológicas: uma hipótese que estimulou a experimentação e a observação, uma hipótese cujas repercussões foram sentidas por toda a sociedade, porque o mundo, a partir daí, jamais pareceria o mesmo. Exatamente como a Terra fora removida do centro do Universo, assim também o homem fora banido do centro da vida.

O pensamento ratzeliano e a questão colonial

Introdução

A geografia de Friedrich Ratzel aparece como uma tentativa de explicação da diversidade humana na superfície da Terra, baseada em uma teoria da organização [...] Trata-se de uma visão organicista fundamentada na história do devir do Estado. Confrontado às múltiplas adaptações dos homens e das sociedades aos seus ambientes, Ratzel elabora um sistema de classificação que repousa sobre alguns postulados maiores [...], dos quais o principal parece ser o imperativo de crescimento dos povos e da expressão orgânica de seu desenvolvimento, o Estado.

Com efeito, para Ratzel, uma sociedade que não cresce e que não se estende é uma sociedade decadente, fraca e sem futuro, que será empurrada para fora do cenário histórico por uma sociedade mais forte. Ele concebe, então, a idéia de uma hierarquia dos povos, em função dos respectivos domínios e expansão territorial. [...] Daí o interesse do estudo de sua obra, para captar o papel do saber geográfico em relação com as aventuras coloniais e, mais essencialmente, para captar a importância das relações que unem as ciências humanas à política. Este último elemento se exprime, antes de tudo, [...] pela fidelidade do discurso ratzeliano a um projeto expansionista ligado à concepção hegeliana do Estado e, mais precisamente, aos laços que Ratzel mantém diretamente com um certo número de associações que lutam pela grandeza da Alemanha.

Vamos demonstrar que o edifício ratzeliano se constrói através de um empréstimo à filosofia hegeliana do Estado e às teses do darwinismo social [...] transitando principalmente por autores como Herbert Spencer, Ernst Haeckel e Oscar Peschel [...]. Para isso, voltar-nos-emos para a filosofia da história ratzeliana, historicista em última instância, no sentido dado por Karl Popper a esta noção (Popper, 1988, p. 7, 164 e 200): uma abordagem que, de um lado, "faz da predição histórica o principal objetivo" das ciências sociais; de outro lado, baseia-se na tese da unidade metodológica de toda ciência, "quer se trate das ciências naturais, quer das ciências sociais" e, enfim, se apresenta como o sentimento transcendente "de ser levado para o futuro das forças irresistíveis". É um pensamento globalizante, visando os princípios unitários da explicação da história e aparentando-se fundamentalmente a uma lógica da ação. [...]

Os "povos naturais" e os "povos de cultura"

Para compreender a geografia de Ratzel, é preciso ter consciência do caráter profundamente hegeliano de sua concepção do mundo. Ele reproduz, só citando-as excepcionalmente, as categorias do mestre de Iena, que ele parecer ter herdado da leitura da Geografia Política de Ernst Kapp (Kapp, 1845), aluno de Hegel e de Ritter, bem mais do que da leitura direta de Hegel. Ele pensa, então, o mundo e a história como a realização de um plano no qual a grandeza das sociedades só poderia se exprimir pela grandeza do Estado, subentendendo-se aí o Estado germânico nesse fim de século XIX. [...] Se é evidente que a natureza, por sua diversidade, age como um poderoso fator de divisão dos povos à superfície da Terra, não se deve esquecer que "o homem é um espírito na natureza e que a natureza é um espírito nele: a cultura tem a capacidade de modelar fortemente os homens e efetuou, ao longo de seu desenvolvimento infinito e mutável, englobando toda a Terra, uma grande seleção de povos. Ela elegeu uma série de povos que foram, cada um ao seu turno, portadores de uma certa fase da expansão da humanidade, de tal modo que aqueles que, racialmente, encontram-se no topo da humanidade atual não são apenas portadores de cultura porque sua organização é tão elevada, mas, inversamente também, organizados superiormente porque portadores de cultura" (Ratzel, 1882. p. 470-471). A questão colonial aparece aqui, em filigrana, como resultado da posição de certas civilizações no topo da hierarquia dos povos. Essas civilizações são portadoras de culturas, cuja vitalidade se manifesta através de sua difusão à superfície da Terra, entre os outros povos e os outros Estados.

Pode-se, então, afirmar que, na lógica ratzeliana, a experiência colonial seria, em fim de contas, um momento de entrada de contato de povos cuja vitalidade é menor, com aqueles que representam o topo da civilização. A partir daí, esses povos são "trazidos à cena da história. Pela primeira vez, seus nomes são escritos, a localização de seu habitat colocada nos mapas e, finalmente, a importância de sua população é estabelecida" (Ratzel, 1891. p. 347).

Concepção, ainda uma vez, hegeliana, pois faz lembrar certas passagens da obra "Razão na História" [...], na qual Hegel afirma que os povos naturais não fazem parte da história universal. Esta idéia, aliás, pode ser reencontrada em sua definição da África, no capítulo que trata dos "fundamentos geográficos da história universal" (Hegel, 1965. p. 269): "O que nós compreendemos, em suma, sob o nome de África é um mundo histórico, não desenvolvido, inteiramente prisioneiro do espírito natural e cuja posição se encontra ainda no limiar da história universal."

A necessidade de espaço

Este progresso (ou expansão) é incontornável para o Estado, e é preciso compreende-lo como um progresso para liames cada vez mais estreitos entre uma sociedade e o solo que lhe dá suporte, o que Ratzel denomina "o apoio no solo" (Halt am-Boden, Halt am Lande, Ratzel, 1891. p. 311; 1901, p. 56). O critério da ligação com o solo é determinante, na lógica ratzeliana, para o estabelecimento de uma hierarquia dos povos da Terra, baseada na função e no funcionamento do Estado. Ernst Kapp escrevia que "o homem, precisamente por que ele é, em si mesmo, a totalidade subjetiva da vida planetária, possui igualmente uma universalidade ilimitada no que concerne a alimentação" (Kapp, vol. 1, p. 91), ajuntando-se que "cada povo de cultura pode fazer toda a terra tributária de sua alimentação" (Kapp, vol. 1, p. 92).

Estendendo esta lógica da alimentação à problemática mais geral de sua produção e dos meios de produzi-la, quer dizer ao trabalho, Ratzel afirma que "assim como cada ser vivo exige um espaço no qual ele possa morar, cada ser vivo tem necessidade de um espaço do qual ele possa tirar sua alimentação, e ele atinge o topo de sua demanda espacial através de um processo de redução de velocidade, que se realiza seja atingindo o máximo de crescimento espacial, seja apropriando-se do espaço do vizinho. Nesse processo, há sempre uma elevação das necessidades em alimentação e a aspiração à ampliação do espaço de nutrição." [...] Para Ratzel, toda luta pelo espaço é igualmente, uma luta fratricida. (Ratzel, 1901, p. 44). E acrescenta: "as leis fundamentais da diferenciação orgânica são, de resto, aplicáveis tanto aos organismos quanto às sociedades e aos Estados. A diferenciação é, em todo caos, um fenômeno de crescimento [...] que chega à divisão do trabalho" (Ratzel, 1897, p. 108). Isto decorre dôo que ele chama uma "verdade primeira", isto é, "que, com um nível de desenvolvimento mais elevado da cultura, o homem se apega mais estreitamente ao solo, que ele enriquece com seu trabalho" (Ratzel, 1882, p. 448).

Assim, em sua análise da América do Norte, ele descreve dois tipos de relações com o solo: aquela dos índios, caracterizada por uma dispersão de pequenos Estados, que são espécies de ilhas em meio a um vazio político e Estados que são "superfícies de extensões não conhecidas precisamente e que se perdem em um espaço pouco ou não habitado, que eles consideram como sua fronteira" (Ratzel, 1906a, p. 282); e aquela dos colonos, reproduzindo o modelo europeu, "relação íntima e elevada com a terra, por meio da qual se busca ocupar a totalidade do território, inclusive as porções fronteiriças mais afastadas, de tal maneira que a extensão do povo e a extensão da terra são precisamente as mesmas" (Ratzel, 1906a, p. 282). Se Ratzel reconhece a existência de Estados indígenas anteriores à conquista européia, é para constatar imediatamente a inferioridade deles em relação ao modelo europeu. Ele apresenta, então, a destruição desses "estados indígenas" como um fenômeno certamente dramático, porém inelutável. A América do Norte entra, assim, em uma fase do progresso da humanidade para a realização do Estado hegeliano, altamente organizado, um movimento de elevação que nada pode parar e que se estenderá, no longo prazo, a toda a superfície da Terra.

As duas combinações fundamentais de Ratzel

A vontade e a capacidade de expansão territorial de um Estado são, para Ratzel, outras características importantes, que permitem definir a superioridade de certos Estados, no caso aquela do modelo de Estado Ocidental [...] sobre outros sistemas de relacionamento com o solo. Esta vontade e esta capacidade estão, portanto, diretamente ligadas à intensidade da ligação com o solo e ao domínio do solo. Assim, no caso dos Estados indígenas, onde esta ligação só é intensa no centro político do território e cada vez mais fraca em sua periferia, haveria perda de toda idéia de expansão territorial e vulnerabilidade em relação ao Estado colonial que se instala em terras tradicionais dos indígenas (Ratzel, 1906a, p. 276). Ratzel estabelece,então, de fato, uma hierarquia das sociedades, no topo da qual ele coloca o Estado em expansão, o conquistador, e embaixo, o Estado voltado sobre si mesmo, o que significa recuo e atrofia em sua existência. Esta hierarquia repousa sobre dois fatores essenciais: as duas combinações, que ele opera, de um lado, entre o estado como organismo e o estado como espírito da história e, de outro lado, entre a idéia de vitalidade de um povo e aquela de expansão.

A primeira combinação parte da contradição maior de sua obra [...]: de um lado, ele parece se filiar ao campo dos organicistas, escrevendo que, no processo de desenvolvimento do Estado, a história da diferenciação entre o centro e a periferia nos oferece todo o mecanismo da vida celular (Ratzel, 1897, p. 121-122). Mas, de outro lado, ele escreve que "a relação espiritual une o que é corporalmente separado, o que nenhuma comparação biológica pode restituir" (Ratzel, 1897, p. 11), remetendo-nos, assim, à visão hegeliana do mundo de Kapp, que define "os objetos tratados pela geografia física como aqueles que formam as qualidades naturais do espírito" (Kapp, 1845, vol. 1, p. 90; Hegel, 1965, p. 180). O fato de que Ratzel se refere, de maneira acrítica, tanto ao modelo de hegelianismo geográfico, estabelecido por Kapp, quanto ao sociólogo determinista Albert Schaffle ( ao qual Ratzel dedicou seu livro sobre o Estado considerado como espaço vital, intitulado "O espaço vital - um estudo biogeográfico", ilustra claramente esta contradição (Der Lebensraum - Eine biogeographische Studie).

A segunda combinação repousa sobre uma verdadeira fascinação pela idéia de expansão territorial, expressão de um dos elementos fundadores da geografia ratzeliana e, mais geralmente, de uma grande parte do discurso da segunda metade do século XIX e do começo do século XX, isto é, a idéia de movimento. É impossível, com efeito, para o geógrafo alemão, compreender e explicar a diversidade humana na superfície da Terra, sem fazer referência ao movimento e ao deslocamento dos povos ao longo do tempo: é o projeto da obra de Ratzel intitulada Volkerkunde (1855-1888), que tem seu prolongamento na Anthropogeographie, mais precisamente em sua parte 2, que tem o subtítulo evocador de "A propagação geográfica do homem". Mas, é igualmente impossível para ele compreender o desenvolvimento da humanidade, sem pressupor que se trata da colocação em contato com povos da Terra, sob a impulsão dos Estados que possuem o melhor domínio do espaço, isto é, possuindo a vitalidade espacial mais forte e mais bem planejada. Assim, escreve Ratzel, mesmo "se são os povos de origem germânica, hoje como antes, que mostram o maior prazer com as viagens, todos os outros povos que atingiram um nível de civilização dos mais elevados, ligado a um crescimento rápido da população e ao uso obrigatório de meios modernos de transporte apresentam uma tendência mais ou menos importante ao movimento" (Ratzel, 1882, p. 453-454).

Tocamos aí, bem de perto, na questão colonial, na medida em que Ratzel ( que dedicou sua obra mestra, Anthropogeographie, ao biólogo e teórico das migrações animais e vegetais, Moritz Wagner ( define a colonização européia na América, Austrália, Ásia ou África como um puro fenômeno de migração dos povos (eine Volkerwanderung). As colônias são, assim, simplesmente lugares onde são colocados em contato dois tipos de sociedade: de um lado, as sociedades primitivas imóveis, chamadas Bleibende, de outro lado, as sociedades do progresso e migrantes, ditas Auswandernde (Ratzel, 1882, p. 454). Ora, o resultado desse contato é irremediável: as sociedades menos organizadas territorialmente serão assimiladas pelas sociedades dinâmicas e poderosas, em um grande movimento da humanidade no sentido de uma homogeneização de cima para baixo e para uma realização do Estado em suas formas superiores.

O darwinismo social

Esta referência constante à migração dos povos ilustra, igualmente um dos princípios maiores do funcionamento do pensamento ratzeliano, ou seja, aquele da transferência, sem crítica, de teorias ou conceitos elaborados pelas ciências da natureza ( a Biologia, de maneira particular ( para a esfera das ciências do homem. (...) Ratzel vai, assim, ampliar as leis darwinianas sobre a evolução das espécies, acrescentando a elas a idéia wagneriana de uma fase de isolamento, seguida de uma fusão ao mundo do homem vivendo em sociedade. Ele qualifica esta teoria de Wagner de "teoria fundamental da história mundial" (Ratzel, 1882, p. 466). Em primeiro tempo, a espécie humana ter-se-ia dispersado sobre toda a Terra. Posteriormente, em um segundo tempo, ela ter-se-ia reunificado, movimento cuja "realização se acelera fortemente sob o impulso do vapor e da eletricidade" (Ratzel, 1882, p. 467).

Partindo da "naturalização" dos fenômenos sociais, Ratzel vai extrair uma série de leis tendenciais relacionadas à vida das sociedades e dos Estados e tocando, de perto, a questão colonial. Para enunciar essas leis, ele se refere diretamente a autores darwinistas sociais, tais como Ernst Haeckel, Herbert Spencer e Oscar Peschel. Estes se apropriam livremente da obra de Darwin sobre a origem das espécies, para estender seu campo de aplicação aos fenômenos históricos relativos ao homem organizado em sociedade, sustentando e difundindo a idéia de uma continuidade entre os fenômenos naturais e os fenômenos sócio-históricos.

[...] Transpondo "A origem das espécies" diretamente ao campo social [...], Spencer, Haeckel e Peschel vão elaborar o darwinismo social. Trata-se de uma filosofia da história que reserva um grande espaço ao organicismo, repousando então em um princípio explicativo de essência biológica, que vai se encontrar na base de toda a obra de Ratzel, malgrado ou em função de seu hegelianismo.

Assim, temos a lei da evolução, fundamentada nos princípios da força e do movimento, de Spencer, para quem "a sociedade é um organismo" (Spencer, 1882, p. 4). Assimilando esta filosofia evolucionista, Ratzel vai postular que "o movimento é uma propriedade altamente decisiva para a expansão geográfica de um povo [...], um fator de progresso e de elevação" (Ratzel, 1891, p. 292). Temos, igualmente, a filosofia monista de Ernst Haeckel, que influenciou fortemente o geógrafo (Ratzel), durante toda a sua vida. Para Haeckel, "da doutrina antropológica renovada, sairá uma filosofia nova, que não será mais, desta vez, um sistema vazio, uma vã especulação metafísica, mas apoiar-se-á no sólido terreno da Zoologia [...]. Ela abrir-nos-á uma via nova de progresso moral [...]. É preciso retornar completamente, sinceramente, à natureza e às suas leis" (Haeckel, 1884, p. 560). Daí, Ratzel retira a interrogação central de toda a sua obra e que já aparece em seu primeiro livro: como construir a política, a moral, os fundamentos do Direito, em correspondência com as leis da natureza (Ratzel, 1877, p. 478-479)? É sobre este questionamento que repousa seu postulado da necessidade unitária de expansão para toda forma de vida, orgânica ou histórica. Temos, enfim, o historiador da Geografia, Oscar Peschel ( que Ratzel conhece bem e a quem ele consagrará uma necrologia ( para quem são os sólidos e os líquidos que "determinam freqüentemente, e muito claramente, o avanço da história dos costumes" (Peschel, 1877, p. 364). Peschel escreveu um artigo, que cita Ratzel, no qual ele explicita o procedimento de comparação direta entre o Estado e um grupo de animais; no caso, trata-se da comparação das sucessões de príncipes no Estado otomano e no "Estado das abelhas", quer dizer, os enxames das abelhas (Peschel, 1877, p. 488). Nesse mesmo texto, Peschel enuncia a noção de Lebensraum, acrescentando que ela equivale ao meio ambiente. [...] A partir daí, Ratzel constrói sua idéia do Estado como entidade biogeográfica.

O espaço vital

[...] Daí que, com um tal projeto científico naturalizante, ele só pode considerar o colonialismo como uma simples expansão de uma certa forma de Estado evoluído, cujo dinamismo necessita, para conservar sua plena vitalidade, da ampliação de suas fronteiras para outras terras [...]. Precisemos aqui que a noção ratzeliana de Lebensraum ("espaço vital"), já mencionada em Politische Geographie (Ratzel, 1897, capítulo 1, parágrafo 1), e à qual o geógrafo consagra uma obra (Der Lebensraum, 1901), pode ser considerada como a manifestação espacial do Estado, princípio histórico imanente, e de sua propagação na superfície da Terra. Não é significativo que o livro de Ratzel sobre o espaço vital apareça em pleno período colonial africano, quando a Alemanha acabara de entrar ( tardiamente e com pouca sorte ( nessa competição?

Em seu estudo sobre o espaço vital, Ratzel começa por constatar a finitude do espaço terrestre à disposição das diversas espécies vegetais ou animais que o povoa, constatação que lhe permite definir a vida como "um vai e vem infinito de espécies tomando sempre os mesmos caminhos" (Ratzel, 1901, p. 3).

[...] Mas, neste estágio de sua reflexão, Ratzel constata uma contradição entre o que ele definiu como o caráter essencial da vida ( o movimento ( e uma característica imutável do espaço terrestre ( sua finitude. Esta contradição desemboca em uma confrontação entre as espécies pela sobrevivência: "Entre o movimento da vida, que jamais cessa, e o espaço da terra (cuja extensão total) jamais muda, existe uma contradição. Dessa contradição nasce a luta pelo espaço (Ratzel, 1901, p. 51)."

Eis aí definido o quadro teórico no qual vem inserir-se a análise de toda a questão ligada à colonização: a conquista da América pelos europeus, por exemplo, deve ser considerada como um fenômeno natural, através do qual uma espécie nova, forçada por uma densidade muito elevada que põe em risco sua própria sobrevivência, estende-se além de seu território de origem, à procura daquele excedente de espaço vital, no contexto da finitude do espaço disponível. Encontra-se, então, uma situação na qual a espécie mais forte, em função de sua melhor ligação com o solo, expulsa ou domina a espécie mais frágil que, então, se dispersa e inicia uma decadência lenta. Este processo é a expressão de uma tendência da história universal: "o progresso de novas espécies se acompanha do recuo das mais antigas. É claro que o caráter limitado do espaço vital da Terra torna necessária a evacuação da espécie velha, que ocupa um espaço do qual uma nova espécie tem necessidade para seu desenvolvimento. Nessa medida, criações novas e progresso, de um lado, implicam em retrocesso e decadência, de outro" (Ratzel, 1901, p. 59).

Dois elementos importantes da lógica naturalizante de Ratzel decorrem dessas linhas. Em primeiro lugar, sua maneira de apresentar a conquista e a destruição de uma espécie por uma outra como um momento necessário do progresso e da evolução, fazendo dos mecanismos da seleção natural o motor de história. [...] Isto conduz, em segundo lugar, o autor a dar um fundamento filosófico ao amálgama dos fenômenos vegetais, animais e sociais em uma mesma categoria de fenômenos: [...] "cada colonização nos oferece a mesma imagem de expansão, quer ela seja de natureza vegetal, animal ou humana; os começos são de dispersão, depois vem a unificação com o tempo" (Ratzel, 1901, p. 65-66).

Na sua visão do mundo, todo organismo conhece um movimento interno, um crescimento de sua massa, que se transforma invariavelmente em movimento dirigido para o exterior, implicando em dominação do espaço: [...] quando todas as partes do espaço vital de um organismo vegetal, animal ou humano são ocupadas, não resta outra alternativa senão a ampliação em detrimento dos vizinhos, que vêem seu espaço de vida amputado (Ratzel, 1877; 1897; 1901 e 1914). Assim, uma espécie dinâmica terá tanto maior inclinação a realizar-se e a realizar seu Estado, quanto mais ela disponha de espaços vastos. Ele utiliza a este respeito uma analogia organicista: do mesmo modo que uma árvore tem necessidade de luz e de ar para crescer, os povos arianos tinham necessidade de vastos espaços, para que cada um deles alcançasse a autonomia necessária para garantir a originalidade de seus diversos ramos (Ratzel, 1901, p. 70).

Uma dupla leitura em Ratzel

[...] De um lado, temos uma geografia nacionalista, teórica. É o produto de um intelectual de academia, fabricando armas ideológicas para a burguesia modernista do fim do século XIX, adaptando o discurso hegeliano dominante às novas circunstâncias históricas, naturalizando-o mais ainda. De outro lado, temos uma geografia nacionalista, também teórica, mas mais diretamente orientada para a nação alemã. É o discurso de um intelectual ligado ao partido nacional-liberal, fundador do Comitê Colonial Alemão, partidário de um colonialismo científico, que toma parte na criação da Liga pan-germanista (Korinman, 1987, p. 11-12), interrogando-se sobre a posição internacional de uma Alemanha que, como nos explica ele em seu livro Deutschland (Ratzel, 1898), explora doravante a totalidade de seu território.

Acrescentemos que, desde suas primeiras obras, notadamente em Sein und Werden der Organischen Welt (1869), Ratzel revela uma postura racista, tanto em relação aos indivíduos que povoam o mundo colonial, quanto aos Estados que aí se encontram. [...] Nessa perspectiva, ele situa os negros, os hotentotes e os aborígenes australianos no patamar mais baixo da humanidade contemporânea (Ratzel, 1877, p. 499). Nessa mesma perspectiva, ele tem uma abordagem elitista da evolução da sociedade humana [...], estabelecendo uma continuidade que vai do Estado-organismo dos povos primitivos [...] ao Estado-entidade espiritual dos povos evoluídos (Ratzel, 1897, p. 12), isto é, neste último caso, as potências político-militares ou países prósperos do mundo ocidental.

[...] Mas, não se deve perder de vista o fato de que Ratzel não é exatamente um sonhador reacionário, que gostaria de substituir um "paraíso perdido" qualquer pelo restabelecimento da grandeza territorial germânica, através do colonialismo ou de qualquer tipo de expansão militar. É, como vimos, um intelectual nacionalista politizado, modernista e consciente do fato de que o imperialismo econômico vai tomar o lugar do imperialismo territorial, com um sólido conhecimento da realidade e das relações de forças econômicas, políticas e militares que marcavam sua época. Assim, em sua obra cartas de um homem de retorno (1905, p. 471), Ratzel admite que a Alemanha se encontrava impossibilitada de construir um império colonial, no fim do século XIX. Ele resolve essa contradição deslocando o fundo de seu discurso para três pólos fundamentais de seu nacionalismo: [...] de um lado, para a questão da grandeza da função política e militar da Alemanha, derivada de sua posição de separador dos mundos eslavo e romano; de outro lado, para a posição da Alemanha, ao mesmo tempo distribuidora de recursos em direção ao leste e ao centro europeus, e um traço de união "entre o Mar do Norte e o Mediterrâneo" (Ratzel, 1898, p. 330-331); e, por fim, para a força econômica ascendente da Alemanha, "segunda potência comercial do mundo" (Ratzel, 1898, capítulo 31).

[...] É em função dessa contradição, que a geografia ratzeliana privilegia uma teoria da expansão do Estado ( do espaço vital ( à qual é totalmente subordinada a problemática colonial. É por isso, enfim, que esta geografia reflete diretamente o embaraço de uma intelligentsia nacionalista burguesa e alemã, que pena para encontrar seu caminho entre a "grandeza ocidental", na qual a classe dominante alemã não chega a tomar parte inteiramente, e a "grandeza alemã", que a mesma classe dominante não consegue promover em um contexto, no qual cada imperialismo guarda, com ciúme, suas posições, tentando consolidá-las a qualquer preço.

O discurso colonialista escamoteado por uma teoria geral da expansão

No projeto ratzeliano, a questão colonial está, simultaneamente, subordinada, compreendida e implicada pela idéia de expansão. Esta idéia está condicionada, no geógrafo alemão, por dois fatores contextuais gerais: de um lado, as especificidades da situação alemã à época; de outro lado, a situação geral, com o amadurecimento do processo de expansão do capitalismo imperialista, com sua organização cada vez mais planetária, centralizada e tendencialmente homogênea, tendo como conceitos chaves o dinamismo, o movimento, a velocidade, a expansão, a eficiência, etc. É a partir daí que uma vontade "utilitária" se enraíza na geografia de Ratzel e ele se torna um "conselheiro do príncipe".

[...] Mas, aqui um novo problema se coloca para além da própria questão colonial. Com efeito, uma vez o capitalismo alemão e seu imperialismo desestabilizados pelas burguesias da Entente (aliança entre a Grã-Bretanha e a França) e dos Estados Unidos, em um mundo muito exíguo para atender todas as pretensões das classes dominantes mais poderosas - situação sacramentada pelo Tratado de Versailles (, a geografia ratzeliana começa uma segunda vida. Ela se torna nolens volens (de mal grado, ou de bom grado) um instrumento temível, mas não somente de certos nacionalismos ultra-reacionários, alemão sobretudo, mas também italiano e espanhol. Instrumentalizando o conjunto teórico ratzeliano ( que se presta bem a este gênero de exercício (, (esses novos usuários) vão hipertrofiar o discurso sobre a expansão, inclusive colonial, assim como o aspecto prospectivo, utilitário do saber geográfico, que se torna, assim, aplicado. Mas, isto é o começo de uma outra questão, aquela da Geopolítica.

O Solo, Sociedade e o Estado.

Nota do tradutor

Friedrich Ratzel (1844-1904) é, sem dúvida um dos mais destacados representantes da escola clássica alemã de geografia; sua obra, que trata de problemas que se associam aos de outras ciências naturais e sociais, se constitui numa das contribuições mais importantes para o desenvolvimento da geografia moderna, em sua concepção ambientalista.

Recentemente, no país, sobretudo em textos de divulgação, multiplicaram-se as referências a autores clássicos da geografia, entre os quais Ratzel, algumas vezes citados a partir de pontos de vista equivocados, em vários casos por desconhecimento de suas obras.

Isso se deve em muito, no caso de Ratzel, a que a grande maioria de seus escritos se encontra apenas em idioma alemão; foram editadas algumas poucas traduções de seus livros e artigos em italiano, inglês e francês, todas atualmente esgotadas e de difícil acesso.

A tradução que ora se publica pretende ser uma contribuição para que se conheça e possa avaliar devidamente em nosso meio o que Ratzel realmente disse. Foi elaborada no comprimento de um programa de pós-graduação sob a orientação do Prof. Manoel Seabra, a partir do texto em francês publicado em L´Anne Sociologique, no qual não consta referência ao tradutor. Optou-se por uma tradução estritamente literal, sem preocupação com elegância de estilo, que, na circunstância, poderia ser arriscada e perifrástica. Isso posto, sua divulgação nos parece oportuna. (Mário Antônio Eufrásio).

I – O solo e a Sociedade

Como o Estado não é concebível sem território e sem fronteiras, constitui-se bastante rapidamente uma geografia política, e ainda que nas ciências políticas em geral se tenha perdido de vista com freqüência a importância do fator espacial, da situação, etc., considera-se, entretanto como fora de dúvida que o Estado não pode existir sem u solo. Abstraí-lo numa teoria do Estado é uma tentativa vã que nunca pode Ter êxito senão de modo passageiro. Pelo contrário, tem havido muitas teorias da sociedade que permaneceram completamente alheias a quaisquer considerações geográficas; estas têm mesmo tão pouco lugar na sociologia moderna que é inteiramente excepcional se encontrar uma obra em que elas desempenham algum papel. A maior parte dos sociólogos estuda o homem como se ele se tivesse formado no ar, sem laços com a terra. O erro dessa concepção salta aos olhos, é verdade, no que concerne às formas inferiores da sociedade. Porque sua extrema simplicidade faz com que sejam semelhantes às formas mais elementares do Estado. Mas então, se os tipos mais simples de Estado são irrepresentáveis sem um solo que lhes pertença, assim também deve ser com os tipos mais simples de sociedade; a conclusão se impõe. Num e noutro caso, a dependência em relação ao solo é um efeito de causas de todo gênero que ligam o homem à terra. Sem dúvida, o papel do solo aparece com mais evidência na história dos Estados que na história das sociedades, e isso seria devido aos espaços mais consideráveis de que Estado tem necessidade. As leis da evolução geográfica são menos fáceis de se perceber no desenvolvimento da família e da sociedade que no desenvolvimento do Estado; e o são justamente porque aquelas estão mais profundamente enraizadas ao solo e mudam menos facilmente do que este. É mesmo um dos fatos mais consideráveis da história a força com a qual a sociedade permanece fixada ao solo, mesmo quando o Estado dele se destacou. Quando o Estado romano morre, o povo romano lhe sobrevive sob a forma de grupos sociais de todo tipo e é pelo intermédio desses grupos que se transmitiram à posteridade uma multiplicidade de propriedades que o povo havia adquirido no Estado e pelo Estado.

Assim, quer seja o homem considerado isoladamente ou em grupo (família, tribo ou Estado), por toda parte em que se observar se encontrará algum pedaço de terra que pertence ou à sua pessoa ou ao grupo de que ele faz parte. No que diz respeito ao Estado, a geografia política após longo tempo se habituou a levar em consideração a dimensão do território ao lado da cifra da população. Mesmo os grupos, como a tribo, a família, a comuna, que não são unidades políticas autônomas, somente são possíveis sobre um solo, e seu desenvolvimento não pode ser compreendido senão com respeito a esse solo; assim como o progresso do Estado é ininteligível se não estiver relacionado com o progresso do domínio político. Em todos esses casos, estamos na presença de organismos que entram em intercâmbio mais ou menos durável com a terra, no curso do qual se troca entre eles e a terra todo gênero de ações e de reações. E quem venha a supor que, num povo em vias de crescimento, a importância do solo não seja tão evidente, que observe esse povo no momento da decadência e da dissolução! Não se pode entender nada a respeito do que então ocorre se não for considerado o solo. Um povo regride quando perde território. Ele pode contar com menos cidadãos e conservar ainda muito solidamente o território onde se encontram as fontes de sua vida. Mas se seu território se reduz, é, de uma maneira geral, o começo do fim.

II - Habitação e Alimentação

Sob variações diversas, a relação da sociedade com o solo permanece sempre condicionada, por uma dupla necessidade: a da habitação e da alimentação. A necessidade que tem por objeto a habitação é de tal modo simples que dela resultou, entre o homem e o solo, uma relação que permaneceu quase invariável no tempo. As habitações modernas são, na maior parte, menos efêmeras que as dos povos primitivos; mas o habitante das grandes cidades faz para si com pedras talhadas um abrigo artificial que nem sempre é tão espaçoso quanto as cavernas da idade da pedra; da mesma forma, muitas das aldeias negras e polinésias são compostas de choças mais confortáveis que muitas aldeias européias. Em nossas capitais, os representantes da mais alta civilização que já existiu dispõem, para suas habitações, de menos lugar que os habitantes miseráveis de um Kraal hotentote. As habitações entre as quais há mais diferença são, de um lado, aquelas dos pastores nômades, com a extrema mobilidade necessária às migrações contínuas da vida pastoril, e, de outro, os apartamentos amontoados nos enormes edifícios de nossas grandes cidades. E todavia, os próprios nômades estão ligados ao solo, ainda que os laços que os ligam a ele sejam mais fracos que aqueles da sociedade de vida sedentária. Eles têm necessidade de mais espaço para se mover, mas voltam periodicamente a ocupar os mesmos locais. Portanto, não existe apoio para se opor os nômades a todos os outros povos sedentários tomados em bloco, pela única razão de que após uma estada de alguns meses num local, o nômade levanta sua tenda e a transporta, no dorso de seu camelo, para algum outro lugar, de pastagem. Essa diferença nada tem de essencial; não têm, mesmo, a importância daquela resultante de sua grande mobilidade, de sua necessidade de espaço, conseqüência da vida pastoril.

Representou-se igualmente os nômades como completamente desprovidos de qualquer organização política no sentido da antiga máxima Sacae nomades sunt, civitatem non habent.. Indagou-se se eles valorizam o solo que ocupam e, consequentemente, se eles o delimitam. Mas hoje, tal fato é indubitável: o território da Mongólia é tão delimitado e dividido quanto o da Arábia. Montanhas, riquezas, cursos d’água e mesmo montes de pedra artificialmente edificados representam as fronteiras das tribos, e até mesmo as menores divisões apresentam limites. E quanto à capacidade desses mesmos povos em criar Estados, pode-se ver quanto ela é grande pela história das sociedades sedentárias que se encontram rodeadas por tribos nômades; quando os Estados das primeiras decaem, são justamente os nômades vizinhos que introduzem uma nova vida da qual resultam novos Estados.

De resto, não é entre os pastores nômades que a ligação com o solo está em seu mínimo; com efeito eles retornam sempre às mesmas pastagens. Ela é muito mais fraca entre os agricultores da África tropical e das Américas que, a cada dois anos aproximadamente, deixam seus campos de milho ou mandioca para a eles nunca mais retornar. E ela é menor ainda entre aqueles que, por medo dos povos que ameaçam sua existência, não ousam se ligar muito fortemente à terra. Entretanto, uma classificação superficial não inclui tais sociedades entre os nômades. Se se classificar os povos segundo a força com que aderem ao solo, é preciso colocar decididamente no nível mais baixo os pequenos povos caçadores da África central e da Ásia do sudoeste, assim como aqueles grupos que se encontram errantes em toda espécie de sociedade. Sem que um solo determinado lhes seja destinado em particular (por exemplo, os boêmios da Europa, os Fetths do Japão). Os Australianos, os habitantes da Terra do Fogo, os esquimós que para suas caçadas, para suas coletas de raízes, procuram sempre certas localidades o que delimitam seus territórios de caça, estão a um nível mais elevado. Mais acima, se encontram os agricultores nômades dos países tropicais; depois, os povos pastores que, nas diferentes regiões da Ásia, há séculos se mantém sobre o mesmo solo. E é somente então que vêm os agricultores sedentários, estabelecidos em aldeias fixas, e os povos civilizados, igualmente sedentários, dos quais a cidade é como que o símbolo.

A alimentação é a necessidade mais premente para os particulares como para a coletividade; também as necessidades que ela impõe aos indivíduos como aos grupos sobrepuja todas as outras. Quer o homem busque seus alimentos através da caça, da pesca, dos frutos da terra, é sempre da natureza da alimentação que dependem o lugar da habitação e a extensão do terreno que produz os alimentos. O tempo de permanência dos estabelecimentos em um mesmo local varia igualmente segundo as fontes da alimentação fluam de uma maneira durável ou se esgotem ao fim de certo tempo. A caça emprega os homens de preferência, enquanto que a coleta de fruto é muito mais ocupação das mulheres e crianças. Quanto mais a caça e a pesca são produtivas, mais há mulheres e crianças disponíveis para o trabalho doméstico; e tanto mais, por conseqüência, a casa pode ser solidamente construída e convenientemente disposta. Enfim, quanto mais a agricultura está em condições de assegurar à necessidade de se alimentar uma satisfação certa, tanto mais também se torna possível se fixar sobre um habitat limitado. Há então uma multiplicidade de fenômenos sociais que têm sua causa na necessidade, primitiva e premente, da alimentação. E para se explicar esse fato, não é necessário se recorrer à teoria da “urgência” de que fala Lacombo, segundo a qual as instituições mais primitivas o mais fundamentais seriam aqueles que respondem às necessidades mais urgentes.

Quando se utiliza o solo apenas de uma maneira passageira, a fixação a ele se dá apenas de uma maneira também passageira. Quanto mais as necessidades da habitação e da alimentação ligam estreitamente a sociedade à terra, tanto mais é premente a necessidade de nela se manter. É dessa necessidade que o Estado tira suas melhores forças. A tarefa do Estado, no que concerne ao solo, permanece sempre a mesma em princípio: o estado protege o território contra os ataques externos que tendem a diminuí-lo. No mais alto grau da evolução política, a defesa das fronteiras não é a única a servir nesse objetivo; o comércio, o desenvolvimento de todos os recursos que contém o solo, numa palavra, tudo aquilo que pode aumentar o poder do Estado a isso concorre igualmente. A defesa do território (pays) é o fim último que se persegue por todos esses meios. Essa mesma necessidade de defesa é também o resultado do mais notável desenvolvimento que apresenta a historia das relações do Estado com o solo; quero me referir ao crescimento territorial do Estado. O comércio pacífico pode preparar esse crescimento, porque ele tende finalmente a fortalecer o Estado e a fazer recuar os Estados vizinhos. Quer consideremos uma sociedade grande ou pequena, antes de tudo, ela busca manter integralmente o solo sobre o qual vive e do qual vive. Logo que venha a se assegurar especialmente dessa tarefa, imediatamente ela se transforma em Estado.

É preciso observar as formas mais simples das sociedades para bem compreender essa relação. Se se examina de perto a relação da sociedade com o solo e essa necessidade de proteger o solo que é a razão de ser do Estado, se nota que, de todos os agrupamentos sociais, aquele que apresenta a mais forte coesão é a casa cujos membros moram todos juntos, limitados no mais estreito espaço, unidos à mesma cunha de terra. Os habitantes da aldeia, da cidade estão ainda, pela mesma razão, fortemente ligados uns aos outros. Mesmo quando estes últimos tipos de sociedade tomam formas políticas, elas conservam ainda alguma coisa de familiar na maneira pela qual estão constituídas e não vemos ainda o Estado aparecer porque ele se confunde com a família. O caráter doméstico da associação recobre o seu caráter político. É somente quando a família está fragmentada que os acordos socais, necessários à defesa, se distinguem dos outros; e vemos então aparecer o estado quando forças tomadas desses diversos grupos familiares são associadas no objetivo especial de defender o solo. A idéia de que o solo tem alguma coisa de sagrado, porque os ancestrais estão nele enterrados, contribui para esse resultado; porque a ligação ao solo, que é conseqüência dessa idéia, cria entre as sociedades, distintas e separadas, uma comunidade de interesse que é um encaminhamento para a formação do Estado.

III - O Solo e a Família

Do ponto de vista econômico tanto quanto do ponto de vista político, a relação mais simples que uma sociedade pode manter com o solo é aquela que se observa no caso da família monogâmica; entendo por isso o grupo formado por um casal e seus descendentes que, a partir de uma choça comum, se irradiam sobre um espaço limitado que exploram para a caça ou a pesca, tendo em visto dele extrair sua alimentação. Se a família cresce por multiplicação natural, então se vê também crescer o solo que lhe é necessário para poder viver. No caso mais simples, esse crescimento se faz sem soluções de continuidade, ou seja, o domínio utilizado se estende em torno da casa familiar. Vindo a aumentar, a família monogâmica pode vir a ser a família composta ou o clã que, como na América do Norte e na Oceania, inteira, permanece morando sob um mesmo teto, na “casa do clã”.

Naturalmente, só pode ser assim onde o solo é particularmente produtivo, como perto dos rios bastante piscosos da América do Norte, ou ainda nas regiões onde a agricultura alcançou um grau bastante alto de desenvolvimento. Esse tipo de família ou do clã faz, então, as vezes de Estado. Mas quando o grupo familiar se divide a fim de assegurar aos recém-chegados uma parte determinada do solo, logo aparecem habitantes novos e cada um deles é a sede de uma nova sociedade doméstica. Então o desigual valor das terras começa a fazer sentir seus efeitos; elas são mais ou menos afastadas, elas não têm a mesma situação, a mesma fecundidade e todas essas diferenças têm uma influência sobre o desenvolvimento das famílias. Os pais não podem formar grupos economicamente fechados uns em relação aos outros; mas o laço que os une em virtude de sua comunidade de origem se mantém e liga muitos estabelecimentos, muitas aldeias, muitas casas de clã uns aos outros. É assim que um Estado tem origem. Desta vez, a separação das unidades políticas e das unidades econômicas é um fato consumado. Mas, nesse estágio do desenvolvimento, o Estado coincide ainda com o clã. Ora, é de sua essência fazer para si um território que ultrapasse aquele que ocupa o grupo familiar. Este último é e permanece um organismo monocelular; o Estado, ao contrário, atrai para o seu círculo de ação um número sempre mais considerável desses organismos elementares e ultrapassa a todos. Forma-se, assim, entre esses dois tipos de agrupamento, uma diferença de dimensão que é profunda e essencial.

IV - O Solo e o Estado

Para além do clã, todo crescimento da sociedade é, na realidade, um crescimento do Estado. Se muitos clãs estabelecem uma aliança ofensiva ou defensiva, a confederação que formam por sua união não é ainda um Estado. O Estado se desprende então sucessivamente do grupo econômico, depois do grupo familiar, os domina e os envolve. Então, se chega à fase em que o Estado é o único grupo que pode receber uma extensão territorial contínua. É dessa maneira que cresceu cada vez mais até formar impérios que abarcaram quase continentes; e o limite extremo desse desenvolvimento não foi ainda atingido.

Assim, do mesmo modo que os grupos econômicos compostos de uma habitação com os territórios de caça, de pesca ou de cultura de que dependem representam as formas primitivas do Estado, são eles também os primeiros a perder todo caráter desse gênero. Mas eles se desenvolvem ativamente em outros sentidos e, se o Estado ao qual pertencem vem a se dissolver, eles estão prontos a retomar seu antigo papel desde que seja útil, É que eles compreendem, como Estado, um território e homens. O grupo dos pais não compreende senão homens; não tem raízes no solo; desde que o Estado ultrapasse o clã, também se vê esse grupo desaparecendo entre a aldeia e o Estado.

Ainda que a tendência à extensão territorial seja como que inata na natureza mesma dos Estado, sucede que, colocados esses em condições especiais, devem, para poder se manter, renunciar a se estender. Mas quando o Estado assim assinala limites às sua dimensão, o crescimento natural da população a torna necessariamente muito densa, se forças políticas e sociais não intervém para colocar obstáculos a essa condensação. Se essa intervenção não se produzisse, a relação dos homens com o solo deveria se modificar por toda parte no mesmo sentido; eles se tornariam sempre mais numerosos enquanto que a porção do solo ocupada por cada um iria diminuindo. O Estado que depende firmemente de seu solo e que não quer sair do isolamento em que encontra segurança é então obrigado a se empenhar em uma luta contra a sociedade .Ele impede o crescimento natural desta, determinando migrações. Todavia, enquanto a humanidade não ultrapassou ainda o estágio da barbárie, foram os meios mais simples e os mais rapidamente eficazes os de preferência empregados. Todas as práticas que têm por efeito diminuir artificialmente o número de vidas humanas e às quais a sociedade é obrigada a se conformar, desde o abandono dos recém-nascidos até a antropofagia, a vendetta, a guerra, concorrem para produzir esse resultado. A necessidade dessa diminuição é particularmente evidente em toda parte em que os povos ocupam um domínio nitidamente circunscrito pela natureza, como os oásis e as ilhas; é o que Malthus já havia visto. Ela não é tão visível nos pequenos Estados dos povos primitivos, porque a natureza não os separa tão radicalmente do resto do mundo; mas a vontade dos homens zela cada vez mais para mantê-los isolados. É um dos mais prementes desiderata da sociologia que os métodos pelos quais se colocou obstáculos ao crescimento da população, métodos cuja prática é tanto consciente como inconsciente, sejam enfim expostos de uma maneira sistemática, A maneira pela qual as sociedade definham e morrem quando são colocadas em contato com povos de civilização superior foi descrita em numerosas monografias; e entretanto esse fenômeno está longe de Ter desempenhado na história da humanidade um papel tão importante quanto a tendência dos grupos sociais em se concentrar em espaços restritos e em se isolar uns dos outros, tendência à qual milhares de povos, pequenos ou grandes, sacrificaram as forças que lhes teriam permitido crescer.

O progresso da humanidade, que só é possível graças ao contato dos povos e à sua concorrência, deveria necessariamente ser entravado ao alto ponto por práticas desse gênero. No círculo estreito e sempre homogêneo do Estado familiar, nenhuma personalidade original poderia se constituir e as inovações seriam impossíveis. Elas supõem, com efeito, que uma primeira diferenciação se tenha produzido no seio da sociedade e que, além disso, se tenham estabelecido relações entre as diferentes sociedades de maneira a que possa haver entre elas como que uma mútua estimulação para o progresso. E é preciso que o fato não se produza uma só e única vez, mas que se repita. É essa mesma idéia que exprimia Comte quando dizia que, fora o meio, havia uma força, capaz de ou estimular ou retardar o progresso, na densidade crescente da população, na necessidade crescente de alimentos que aparece ao mesmo tempo, e na divisão do trabalho e a cooperação que dela resultam. Se Comte se tivesse elevado a uma concepção propriamente geográfica, se tivesse compreendido que essa força como esse meio têm o solo por base e dele não podem ser separados porque o espaço lhes é igualmente indispensável, teria ao mesmo tempo aprofundado e simplificado toda a noção que tinha do meio

A sociedade é o intermediário pelo qual o Estado se une ao solo. Segue-se que as relações da sociedade com o solo afetam a natureza do estado em qualquer fase de seu desenvolvimento que se considere. Quando a atividade econômica é pouco desenvolvida, ao mesmo tempo em que o território é extenso, e, por conseqüência, é fácil desunir-se dele, resulta uma falta de consistência e de estabilidade na constituição do Estado. Uma população esparsa, que tem necessidade de muito espaço, mesmo quando ela estiver encerrada em um círculo de fronteiras nitidamente definidas, produz o Estado dos nômades, cujo traço característico é uma forte organização militar, tornada necessária pela necessidade de defender vastas extensões de terra com um pequeno número de habitantes. Se, pela prática da agricultura, a sociedade se une mais estreitamente ao solo, então ela imprime ao Estado todo um conjunto de caracteres que dependem da maneira pela qual as terras estão divididas entre as famílias. De início, o Estado está mais solidamente estabelecido sobre um solo bastante povoado, de onde ele pode tirar mais força humanas para sua defesa e uma maior variedade de recurso de toda espécie do que se a população fosse pequena. Também não é simplesmente segundo a extensão de seu território que é preciso apreciar a força de um Estado; tem-se uma medida melhor na relação que a sociedade sustenta com o território. Porém há algo mais; essa mesma relação age também sobre a constituição interna do Estado. Quando o solo está dividido igualmente, a sociedade é homogênea e propende para a democracia; ao contrário, uma divisão desigual é um obstáculo a toda organização social que daria a preponderância política aos não proprietário e que seria, por conseguinte, contrária a toda espécie de oligocracia. Esta atinge seu máximo de desenvolvimento nas sociedades que têm em sua base uma população de escravos sem propriedade e quase sem direitos.

Daí vem uma grande diferença entre dois tipos de Estados; em uns, a sociedade vive exclusivamente do solo que ela habita (quer seja pela agricultura ou pela criação, não importa) e o domínio de cada tribo, de cada comuna, de cada família tende a formar um Estado no estado; nos outros, os homens são obrigados a recorrer a terras diferentes e freqüentemente muito afastadas em que estão estabelecidos. Onde a densidade está em seu ponto mais alto, não há senão uma pequena parte da população que vive unicamente do solo; a maioria vai procurar os alimentos e o vestuário necessários para viver em um outro solo. Nos distritos industriais mais povoados, uma boa parte dos trabalhadores reside longe do local em que estão empregados; é uma população flutuante que vai para cá ou lá segundo as oportunidades de trabalho que lhes são oferecidas. Mas aqueles que não vivem do solo que ocupam têm naturalmente necessidade de estabelecer relações com outras terras. É para isso que serve o comércio. Somente que o cuidado de colocar essas relações ao abrigo das revoltas possíveis é uma função que incumbe ao Estado; assim é que se vê este último estender seu campo de ação por meio de colônias, de confederações aduaneiras, de contratos de comércio, movimento de extensão que tem sempre, pelo menos em algum grau, um caráter político. Encontramos, então mesmo nos estágios mais elevados da evolução social, a mesma divisão do trabalho entre a sociedade que utiliza o solo para habitar e para dele viver, e o Estado que o protege com as forças concentradas em suas mãos.

Poderá nos ser objetado talvez que essa concepção deprecia o valor do povo e, sobretudo do homem e de suas faculdades intelectuais, porque ela exige que seja levado em conta o solo sem o qual um povo não pode existir. Mas a verdade não deixa de ser verdade. O papel do elemento humano na política não pode ser exatamente apreciado, se não se conhecem as condições às quais a ação política do homem está subordinada. “A organização de uma sociedade depende estreitamente da natureza de seu solo, de sua situação; o conhecimento da natureza física do território (pays), de suas vantagens e de seus inconvenientes, resulta então na história política”. A história nos mostra, de uma maneira muito mais penetrante que o historiados, a que ponto o solo é a base real da política. Uma política verdadeiramente prática tem sempre um ponto de partida na geografia. Em política como em história, a teoria que faz abstração do solo toma os sintomas por causa. Como compreender tudo aquilo que há de estéril numa luta em que o poder político é o único objetivo e onde a vitória, de qualquer lado a que se volte, deixaria entretanto as coisas quase no mesmo estado em que se encontravam antes? Tratados que não têm por efeito repartir esse poder em conformidade com a situação respectiva dos Estados, não são nunca senão expedientes diplomáticos sem duração. Ao contrário, a aquisição de um território novo, ao obrigar os povos a empreender novos trabalhos, estendendo seu horizonte moral, exerce sobre eles uma ação verdadeiramente libertadora. Eis o que determina o renascimento dos povos que, após uma guerra feliz, se enriquecem de novos territórios (pays), prêmio de sua vitória. Eis de onde vem esse efeito de renovação e de rejuvenescimento que historiadores profundos, como Mommsen, atribuem a toda expansão política. A Rússia desenvolveu seu poder no curso daquelas mesmas lutas que a Europa ocidental sustentou durante as cruzadas. Mas aqui aparece a grande diferença entre a história que se move sobre a terra natal e aquela que se dissipa em expedições longínquas nos países estrangeiros. É na Rússia que se fundou esse grande império cristão do Leste que as cruzadas procuraram de maneira vã criar em outro lugar, porém se abstendo de qualquer base territorial. Nela se vê crescer sem interrupção um Estado que tira suas forças do solo recém-adquirido; aqui se assiste a um rápido aborto devido a que se estava muito longe das fontes mesmas da vida nacional. A guerra da Criméia, o tratado de Paris de 1856 e sua denúncia em 1871 são outros exemplos do mesmo fenômeno; as condições geográficas aí desempenharam o mesmo papel.

Nessa poderosa ação do solo, que se manifesta através de todas as fases da história como em todas as esferas da vida presente, há alguma coisa de misterioso que não deixa de angustiar o espírito; porque a aparente liberdade do homem parece como que anulada. Vemos, com efeito, no solo a fonte de toda a servidão. Sempre o mesmo e sempre situado no mesmo ponto do espaço, ele serve como suporte rígido aos humores, às aspirações mutáveis dos homens, e quando lhes acontece esquecer desse substrato, ele lhes faz sentir seu império e lhes lembra, por sérias advertências, que toda a vida do Estado tem suas raízes na terra. Ele regula os destinos dos povos com uma brutalidade cega. Um povo deve viver sobre o solo que recebeu por acaso, deve nele morrer, deve submeter-se à sua lei. É no solo enfim que se alimenta o egoísmo político que faz do solo o objetivo principal da vida pública; ele consiste, com efeito, em conservar sempre e apesar de tudo o território nacional, e em fazer de tudo para permanecer o único a dele desfrutar, mesmo quando os laços de sangue, as afinidades étnicas inclinassem os corações para as gentes e as coisas situadas além das fronteiras.

V - O Solo e o Progresso

É inteiramente natural que a filosofia da história tenha sempre colocado uma espécie de predileção em investigar a base geográfica dos eventos históricos. Com efeito, em sua qualidade de ciência mais elevada, que se distingue unicamente das outras disciplinas históricas por sua tendência em investigar de preferência as causas gerais e permanentes, ela encontrou no solo, que é sempre idêntico a si mesmo, um fundamento imutável aso eventos mutáveis da história. É igualmente assim que a biologia, que é em definitivo a história dos seres vivos sobre a terra, está sempre voltada à consideração do solo sobre o qual esses seres nasceram, se movem e lutam. A filosofia da história é superior à sociologia porque procedeu por comparações históricas e porque foi assim conduzida, por si própria, a compreender a importância do solo. Devido oferecer um ponto da referência fixo no meio de mudanças incessantes das manifestações vitais, o solo tem já, em si e por si, alguma coisa de geral. Eis como se deu que os filósofos tenham vindo bastante cedo reconhecer, melhor que os historiadores propriamente ditos, o papel do solo na história. Montesquieu e Herder não se propunham resolver problemas sociológicos ou geográficos quando se preocuparam em estudar as relações dos povos e dos Estados com seus territórios respectivos; mas, para compreender o papel do homem e seu destino, eles sentiram a necessidade de representá-lo sobre este solo que serve de teatro à sua atividade e que, segundo Herder O Ritter, foi criado para ele, de maneira a lhe permitir aí se desenvolver conformemente ao plano do criador.

O que é surpreendente é que, nas considerações relativas ao progresso histórico, dele se tenha tão pouca conta. Quanto são obscuras essas teorias em que se nos representa o desenvolvimento humano sob a forma de uma ascensão em linha reta, ou de uma espécie de fluxo e de refluxo, ou de um movimento em espiral, etc.! Rejeitemos essas fantasias e nos atenhamos à realidade, nos obrigando sempre a sentir o sólido solo sob nossos pés. Então veremos a evolução social e política se reproduzir sob nossos olhos, no seio dos espaços sempre mais extensos. É evidente que, por isso mesmo, a evolução, ela também, se eleva sempre mais alto. Porque o horizonte geográfico se estende, as ciências, da astronomia à sociologia, além de se desenvolverem em amplitude, alcançam um grau de conhecimento sempre mais elevado. Á medida em que o território dos Estados se torna mais considerável, não é somente o número de quilômetros quadrados que cresce, mas também sua força coletiva, sua riqueza, seu poder e, finalmente, seu tempo de permanência. Como o espírito humano se enriquece cada vez mais à medida que os caminhos percorridos pela evolução humana sobre esta terra se dilatam mais, o progresso pode ser figurado, com uma aproximação suficiente, por uma espiral ascendente cujo raio vai aumentando cada vez mais. Mas a imagem está tão longe da realidade que é desprovida de qualquer utilidade. É por isso que pode ser considerado como suficiente mostrar na extensão progressiva do território dos Estados, um caráter essencial e, ao mesmo tempo, um poderoso motor do progresso histórico.

[A Geografia Política de Huntington]

Em todas as partes do mundo, o ambiente geográfico tem uma forte influência sobre as condições políticas. Isto é verdade tanto para os povos primitivos quanto para aqueles mais avançados.

[...] Cada um dos grandes elementos do meio-ambiente geográfico desempenha seu papel, provocando diferenças da natureza política. O tamanho e a forma de um país, sua localização em relação a outros países, as formas do relevo, os elementos aquáticos, o solo, os minerais, o clima, as plantas e os animais, dentro dos seus limites ou em suas fronteiras, todos esses aspectos influenciam as relações de um país com os outros. Eles também induzem os povos de um país a preferirem que seus dirigentes governem de uma maneira ou de outra, criando assim diferenças políticas (internas).

Dois estudos de caso: o tamanho territorial

e o relevo como fatores da Geografia Política

1 - O tamanho territorial

Países grandes e países pequenos têm, cada um, suas vantagens e desvantagens, mas elas são, naturalmente, diferentes. Para os países grandes é, em princípio, mais fácil manter sua independência. Eles têm, também, mais possibilidades de manter uma auto-suficiência de alimentos e de outros recursos.

Por outro lado, freqüentemente os grandes países dispõem de populações mais numerosas e, por isso, podem estar mais presentes nos organismos internacionais, ou se fazerem representar junto às demais nações.

Mas nem tudo é vantagem para os grandes países: em geral, eles estão mais sujeitos a conflitos internos que os pequenos países. Isto se dá porque eles têm mais possibilidades de serem constituídos por povos que diferem quanto à raça, à língua, à religião e aos hábitos. Foram diferenças desse tipo que certamente causaram o esfacelamento do Império Austro-Húngaro logo após a Primeira Guerra Mundial.

Mas, mesmo se as populações são, no início, mais ou menos homogêneas em um grande país, elas certamente assumirão posturas diferenciadas e desenvolverão interesses diferenciados com o passar do tempo, em função dos diferentes tipos de ambientes geográficos em que vivem. Assim, por exemplo, a área mais industrializada de uma nação pode passar a ter interesses fortemente opostos àqueles das áreas predominantemente agrícolas, como aconteceu com o Norte e o Sul dos Estados Unidos.

Uma situação comparativamente diferente nos países pequenos resulta do fato de que, em geral, nesses países existe uma unidade muito maior de atividades, de modos de vida e de aspirações, e isto pode ser uma vantagem nas relações internas e internacionais.

2 - Como o relevo complicou o problema balcânico

Em um mapa da região dos Balcãs, podem-se notar as numerosas cadeias de montanha, com as mais variadas direções. Entre elas há, também, numerosas planícies, algumas de tamanho considerável, como a da Rumélia oriental na Bulgária, e outras, simples bolsões entre as montanhas.

Para esta região tem vindo vários tipos de povos no curso da História: turcos, iugoslavos, albaneses, montenegrinos, servos, gregos, búlgaros, valáquios, romenos, etc.

Se neste lugar houvesse uma grande planície, esses povos poderiam ter-se unificado mais facilmente, como ocorreu com os povos da França, da Inglaterra ou da Polônia. Mas, cada pequena planície ou cada pequeno vale da Península Balcânica é mais ou menos isolado dos outros por um "muro montanhoso", de modo que cada povo acaba por preservar suas próprias características lingüísticas, sociais, políticas e religiosas. Como conseqüência, seu relacionamento é, comumente, marcado por conflitos. Além disso, todas essas pequenas comunidades sobrevivem na pobreza gerada pelo ambiente e por sua fragmentação. Tudo isso provoca descontentamento e cada grupo acaba por atribuir as causas dessa situação aos seus vizinhos ou aos governantes.

Por essas e outras razões a região balcânica tem sido um permanente foco de tensão na Europa.

No limiar da geopolítica

No cruzamento dos séculos (XIX e XX), na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, não se pode ainda falar propriamente de teorias geopolíticas à maneira de Rudolf Kjellen (por exemplo). Nós encontramos, antes, um certo número de autores elaborando sistemas de análise e de interpretação do mundo que, enquanto reflexos da política externa de certos Estados, vão marcar os geopolíticos. É o caso de H.J. Mackinder que desempenha um certo papel em relação à geopolítica de Haushofer. É igualmente o caso de Alfred T. Mahan, de Nicholas J. Spykman e de Robert Strausz-Hupé que fornecem uma tintura teórica à política exterior dos Estados Unidos no pós-guerra. Estamos aqui no limiar da geopolítica, pois esses autores, não participando diretamente na construção de uma ciência política, colocam-se a serviço do "príncipe", elaboram e legitimam políticas estatais de poder, a partir de necessidades ditas naturais.

Dominar o mar

Conhece-se, geralmente, o Almirante A.T. Mahan por suas duas primeiras obras, tratados de estratégia naval, com mais de 1400 páginas, nas quais o autor "examina a história geral da Europa e da América, com uma referência particular ao efeito do poder marítimo sobre o curso desta história" (1ª edição, 1890: The Influence of Sea Power upon History. Boston, Little Brown, 1895). Notar-se-á a influência provável dessas obras sobre o pensamento de F. Ratzel, que trata, ele próprio, desse tema alguns anos mais tarde, em 1900, com sua obra Das Meer als Wolksgrosse - Eine politsch ( geographische Studie. (Munchen, Oldenburg). Mas, conhece-se menos uma obra de Mahan, intitulada The Interest of America in Sea Power, Present and Future (Boston, Little Brown, 1897), na qual se descobrem, com assombro, os fundamentos do pensamento de Mahan: uma filosofia da história que se poderia assimilar a "um novo espírito das Cruzadas", e racista para completar. Seu sistema se constrói sobre um certo número de postulados, por definição indemonstráveis.

• a desigualdade e a hierarquia das raças fundamentam uma desigualdade e uma hierarquia das civilizações, do ponto de vista de sua moral e de sua organização;

• a civilização européia e sua "irmã caçula" da América do Norte são superiores às outras, o que serve de base para seu direito à expansão e seu dever de expropriação e de conversão dos povos inferiores;

• o mundo é um combate; a luta é a essência da vida e das relações entre os povos da Terra;

• a civilização ocidental vive sob a ameaça dos bárbaros e ela deve sua sobrevivência à potência de sua força física organizada.

[...] Os propósitos de Mahan aderem ao colonialismo e o legitimam desde o final do século XIX, relegando a um plano secundário as motivações econômicas fundamentais do empreendimento colonial: o Ocidente é percebido como se assumisse a missão de converter os povos da Terra à sua grandeza moral. E tudo se passa em uma espécie de "remake" do espírito das Cruzadas.

[...] Continuando seu raciocínio, Mahan acrescenta que a diferença entre as raças só pode desembocar em uma confrontação dos povos.

[...] A partir do momento em que Mahan atribui ao Ocidente uma missão de conversão e que ele define uma conflitualidade radical, resultante das diferenças raciais, o domínio e o uso da força ( que ele chama "força material organizada"( são o ponto de chegada lógica de sua teoria. [...] O uso da força física organizada implica na guerra e na conquista de terras sobre as quais se encontram povos que não atacaram, nem ameaçaram a metrópole. É por isso que Mahan, nesse estágio, desenvolve seu discurso sobre a superioridade racial como fundamento da superioridade de uma civilização e de sua moral e que implica um dever de ingerência e de expropriação em favor dos povos mais organizados. Com efeito, "o direito técnico à posse dos ocupantes anteriores do solo" é considerado por Mahan como inferior ao direito de ingerência e de expropriação. Isto significa, para os "povos mais organizados", o direito de se apropriar dos territórios dos povos considerados inferiores, como os índios, quer eles sejam da América ou das Índias [...].

[...] O projeto de Mahan se apoia no desenvolvimento do poder marítimo e encontra sua finalidade na dominação político-militar. Reencontrarmos aqui a idéia mestra da geografia política ratzeliana e da geopolítica haushoferiana, postulando a expansão como único modo de sobrevivência. Nesse contexto, segundo Mahan, é preciso se esforçar no sentido de preservar o espírito guerreiro do mundo ocidental, mantê-lo ativo, desenvolver seu "espírito marcial" e suas "virtudes combativas masculinas" [...].

[...]Mahan não possui o pessimismo fatalista de Gobineau, mas ele mantêm o mesmo temor da não-salvaguarda zelosa das diferenças entre os povos, cuja originalidade tem um fundamento racial.

[...] A concepção de Mahan se inscreve no contexto do darwinismo social da segunda metade do século XIX, corrente que personifica o povo e estende as principais características da luta pela vida do mundo orgânico à sociedade internacional. Mahan faz o mesmo raciocínio, apresentando a vida e a história dos povos sobre a Terra como fenômenos naturais submetidos aos imperativos da sobrevivência [...]. As conquistas e expansões são banalizadas, apresentadas como fenômenos naturais incontornáveis, expressões da sobrevivência do "gênio nacional", inevitáveis e necessários "impulsos naturais", que devem levar a um "ajustamento final". Essas forças são "inconscientes", tão irresistíveis quanto "a gravitação". Karl Haushofer não está longe. Mas a teoria de um Mahan ( não se deve esquecer ( é anterior àquela de Haushofer e não a de um fascista ou de um nazista. Há aí um traço de união real entre a ideologia burguesa nacionalista de Ratzel e a Geopolítica, que se apropriou dela.

Finalmente, para Mahan, o papel do saber geográfico é, antes de tudo, de permitir a defesa do "mundo ocidental", ameaçado pelas "hordas bárbaras". Comparando a situação àquela do Império Romano sob César ( tipo de demonstração característica da geopolítica do fascismo italiano ( Mahan propõe a adoção de uma posição ofensiva, de assumir a dianteira e ocupar as posições estratégicas do planeta.

[...] Encontramos, já inscritos na obra de Mahan, os princípios da estratégia imperialista dos Estados Unidos do pós-guerra. São aqueles de uma projeção política e militar fora do território nacional e do continente americano, para neutralizar as forças efetivas ou potencialmente hostis e para garantir o equilíbrio planetário, quer dizer, a "liderança" militar e, então, em última instância, econômica dos Estados Unidos.

As fontes da geopolítica de R. Kjellen: Hegel, Ritter, Ratzel

Hegel postula a existência de uma "idéia" fundamental do mundo, que ele denomina "Weltgeist" (o "espírito do mundo"), inspirando-se no conceito platônico da perfeição da idéia.

Para Hegel, o motor primordial da história é a cristalização, a concretização desse Espírito em certos povos e em certas épocas, em particular na civilização germânica do século XIX.

Na história universal, tal como ele a define, o interesse se volta não para os indivíduos; mas para os povos que tomam consciência da idéia que os anima e que criam, por sua experiência e sua razão, o Espírito dos povos. Assim, cada povo representa uma etapa para a realização do Espírito universal, ideal de perfeição que constitui a finalidade da história.

Para Hegel, o Estado é uma realização desse Espírito. Este não se revela aos povos, mas ele se realiza neles ( ou por eles, quando eles já se conscientizaram ( por seu próprio trabalho, por sua ação consciente e racional. Esta ação desemboca inevitavelmente na construção do Estado, que tende, de algum modo a tornar terrestre ( mais ou menos bem, de acordo com o povo, sua posição e época ( o Espírito do mundo: em substância, o Estado é, então, o próprio Espirito.

Este encaminhamento conceitual se encontra em Kjellen, quando, de um lado, ele define a nação como alvo e finalidade do Estado e de outro, ele descreve as nações como sendo "no fundo, puros seres naturais que, na história, não procuram a verdade objetiva, nem o direito, mas elas próprias e o que lhes é inerente", para concluir que "a forma de entidade estatal constitui o ponto de chegada do desejo de viver de uma nação". Sobre esta base, Kjellen evoca o princípio das nacionalidades, identificado ao século XIX, como uma das maiores idéias que nenhum século anterior tivera.

O Estado de Hegel torna-se, assim, uma força em si mesmo, colocada acima dos indivíduos, uma vontade e uma potência segundo seus próprios termos, uma soberania absoluta transcendendo os povos: "Tudo o que o homem é, ele deve ao Estado; é nele que reside seu ser. Todo seu valor, toda sua realidade espiritual, ele as possui apenas pelo Estado" (Hegel, 1822 / 1830) [...] O Estado é, então, uma potência capaz de se oferecer os meios de fazer respeitar sua vontade, quer dizer, seu direito, sua ordem e seu objetivo nacional.

No que se refere ao Estado de direito, ou mais exatamente, sua negação por Kjellen, este se refere a Hegel por meio de uma citação de Jellinek, que qualifica o Estado como uma superação da concepção jurídica clássica. [...] Citando, em seguida, o próprio Hegel, ele acrescenta: "Para o nascimento, a vida e a morte dos Estados, não há outro fórum além da história universal, que é o julgamento universal. E suas normas não são, certamente, aquelas dos juristas. Assim, essa ciência do Estado nos remete, de fato, à definição do Lebensraun e define as nações como "corpos dotados de uma certa elasticidade, que não têm, de forma determinante, necessidade de serem concluídos" e cujas "más fronteiras nacionais podem ser melhoradas" (Kellen, 1916/1924.).

Aliás, Hegel elabora uma imagem etnocêntrica do movimento do sol para ilustrar a tomada de consciência de si mesmo pelo homem ( mais exatametne pelo homem europeu ( e para ilustrar mais exatamente a materialização do Espírito universal no trabalho de um povo: "Freqüentemente, descreve-se o estado de espírito do homem que, na aurora vê chegar a luz e o sol se elevar em sua majestade. Uma tal imagem provoca a emoção, a admiração, o esquecimento de si mesmo na claridade nascente. Todavia, à medida que o sol se eleva, essa admiração se atenua; o olhar se dirige cada vez mais para a natureza e para si mesmo. É sua própria claridade que o Espírito quer olhar; assim, ele passará à consciência de si mesmo; à sua primeira admiração ( inativa ( substituir-se-á a ação, uma obra tirada de seus próprios recursos. E, ao anoitecer, ele terá construído um edifício acabado, ele terá um sol interior, o sol de sua própria consciência, um sol criado pelo seu próprio trabalho [...]. Esta imagem contém o movimento inteiro da história, a grande jornada do Espírito, o trabalho que ele desenvolve na história do mundo" (1822/183).

A influência de Carl Ritter sobre Hegel [...] é evidente, notadamente por meio da "lei do meio-dia" e o etnocentrismo que ela veicula. Esta lei quer demonstrar que os povos do "Sudão" (nome usasdo para identificar a África negra) são privados de imaginação e estão eternamente mergulhados no presente [...] Se certos povos não têm a faculdade de tomar consciência de si mesmos e, por extensão, de materializar o Espírito universal, é por causa do meio ambiente que lhes é desfavorável.

[...] Kjellen vê esse mesmo problema de uma maneira bem mais prosaica e, sobretudo, mais racista, no sentido de que ele atribui uma importância maior à bagagem genética, embora ele não separe fundamentalmente os dados da raça e do meio.

[...] Para Carl Ritter, cada povo, cada grupo humano, deve tomar consciência de suas próprias forças e seus atos e para pertencerem à eternidade, devem resultar de uma vontade consciente e adaptada à força. Como os indivíduos, os povos possuem um caráter próprio, cuja dimensão espiritual é primordial. Reencontra-se aí a idéia de um modelo perfeito do mundo. O caráter dos homens e dos povos possui uma grandeza espiritual, mas essa grandeza espiritual o ultrapassa. A única coisa que está ao seu alcance é a tomada de consciência (no decorrer de sua vida) dessa qualidade espiritual. E Ritter afirma que não há povos sem Estados: é no Estado que o caráter espiritual de um povo se desenvolve.

O entrecruzamento das influências é muito mais nítido aqui. De acordo com Ritter, este processo de tomada de consciência de seu caráter espiritual, por parte de um povo, desemboca na criação de indivíduos geográficos. Este elemento teórico é essencial na ciência do Estado de Kjellen [...].

Para Ritter, a história é a descoberta progressiva de todo terrestre pela humanidade atomizada, sendo a individualização geográfica o motor desta descoberta. Kjellen fundamenta sua ciência do Estado nesse processo de individualização. Assim, o Estado torna-se não somente uma forma de vida ( um "Staat als Lebensform", de onde provém o título da obra de Kjellen ( mas, também, uma idéia platônica concretizada por um indivíduo orgânico dotado de espírito e de um objetivo em si mesmo.

Kjellen fala, repetidas vezes, da individualização geográfica que leva à formação do império (Reich) ( da individualização étnica ( que conduz à formação da nação ( e da individualização economia ( que desemboca na autonomia. Para ele, a unidade da ciência do Estado é o reflexo da "unidade da vida e da personalidade", tratando-se aqui das "existências supra individuais" de Ranke (1833). Kjellen escreveu Der Staat als Lebensform em 1916 e a tradução alemã aparece em 1924. É interessante notar que, entre as duas datas, é publicado, em 1918, O Declínio do Ocidente, de Oswald Spengler. Este texto se inscreve em uma perspectiva diferente e mais ampla que aquela de Kjellen, mas, sob certos aspectos, ele é convergente com a démarche de individualização geográfica de Kjellen [...].

Kjellen se inscreve na tradição de Ritter, em relação ao mapa. Ritter nos avisa em relação ao cuidado que se deve ter quanto à representação cartográfica como meio de explicação geográfica: seu valor é inestimável ( escreve ele ( desde que não nos esqueçamos da hipótese de partida, isto é, de que a carta é algo como "natureza inanimada" [...].

[...] Kjellen só concebe a representação cartográfica como a última fase da ciência do Estado, mas não como uma conseqüência desta. Isto significa que a cartografia é um instrumento desta ciência, mas Kjellen não lhe reconhece nenhuma independência. Antes de representar cartograficamente os Estados, o estudioso deve construir seu próprio sistema de explicação do Estado. É este sistema, este ponto de vista, e não o mapa, que gera a explicação.

A partir desta abordagem da cartografia, que permanece tão prudente, até mesmo tão desconfiada quanto a de Ritter ( embora ela não exclua a confecção do mapa enquanto momento da reflexão ( poderíamos interrogar-nos sobre um aspecto da geopolítica haushoferiana. Esta última não terá colocado o carro na frente dos bois ao considerar a ação política como determinada não somente pelo meio natural como, também, pela forma dos Estados e, ainda, pela representação cartográfica de um território dado? Tocamos aqui em um problema improtante da geopolítica e que tem sua origem nas considerações de Kjellen. Trata-se da naturalização do conhecimento e da justificação da ação política por meio do uso do mapa. Os mapas da geopolítica não contêm explicações sobre sua elaboração e são apresentados como se falassem por si próprios, como se fossem a própria realidade.

A abordagem de Kjellen, em matéria de cartografia, decorre daquela de Ritter. Ela indica, fundamentalmente, que um mapa é uma representação criada por um sujeito, uma extensão de uma "concepção do mundo", no sentido em que Martin Heidegger define esta noção. Com os tempos modernos, descreve Heidegger, o mundo se torna uma imagem concebida em sua totalidade pelo homem [...]. O sujeito da concepção do mundo, quer ele seja indivíduo, povo, nação ou Estado, se coloca, então, como referência absoluta; ele se dá a liberdade de inventar e de produzir a verdade, que ele exige em norma. Ao situar o discurso de Heidegger na perspectiva hegeliana do culto ao Estado, que Kjellen torna sua, nós entrevemos a possibilidade de um escorregamento da geopolítica no sentido das concepções autoritárias do mundo.

A referência de Kjellen a Friedrich Ratzel é constante. Kjellen o qualifica de "grande construtor e pioneiro". Ratzel é não somente uma referência em si mesma de Kjellen, mas podemos considera-lo, também, como uma parte do sistema de transmissão entre os pensamentos de Hegel e de Ritter e aquele de Kjellen.

Assinalemos que Kjellen retoma de Hegel, via Ratzel, e também de Ranke, o importante tema da guerra, que ocupará sempre mais espaço na geopolítica dos decênios do nazismo e do fascismo e mesmo, de maneira mais ou menos explícita, nas geopolíticas contemporâneas. Resultando da visão "elástica" dos limites do Estado-Lebensraum, a guerra é considerada, por Ratzel e por Kjellen, como a situação na qual se exprime a natureza orgânica do império por meio da experimentação do valor das diferentes partes que o compõem [...]. É este, portanto, o meio de conhecer verdadeiramente o império. Para Hegel, a guerra significa a manutenção da "saúde ética dos povos"; para Ranke, ela é "o pai das coisas"; para Ratzel, resultado da constante necessidade de expansão do Estado, ela é o "paroxismo dos traços viris do instinto da sociedade e da vontade de dominação", o que induzirá Ratzel a fazer, mais adiante, da guerra "uma grande escola de domínio do espaço"; para Kjellen, ao mesmo tempo em que a guerra é um "campo de experimentação para a geopolítica, como para toda política", a geopolítica é definida como uma teoria "aplicada à arte da guerra."

A partir de Ratzel, Kjellen faz resultar a política territorial do Estado de uma relação matemática [...] entre a superfície do império e sua população, situação que implica uma expansão do Estado ou, ao contrário, sua concentração: expansão e concentração são, assim, políticas que decorrem de uma relação "natural". É interessante tratar da maneira pela qual Karl Haushofer retomará este aspecto da ciência do Estado em relação com o tema, recorrente em seu pensamento, da "insustentável densidade de ser germânico". Kjellen aborda, no prolongamento desta formalização do império, o desenvolvimento de suas características "ratzelianas", tais como o (núcleo) central do país ( Kernland (, sua forma, sua posição, sua extensão, seu povoamento.

Kjellen toma emprestado, igualmente, de Ratzel o princípio da tendência à equalização dos indivíduos geográficos, das formas de vida estatal, do qual ele extrai uma tendência à uniformização, que se torna um importante motor para o crescimento territorial dos Estados. Ele veicula, assim, a idéia ( largamente retomada pelas escolas geopolíticas posteriores ligadas ao nazismo e ao fascismo ( de que isto vai permitir que seja atingido um equilíbrio mundial baseado nos dados naturais, que ele considera como objetivos.

[...] Mencionemos, igualmente, a idéia ratzeliana segundo a qual o Estado é o fruto de uma organização progressiva do solo (território), parcela da humanidade e parcela de terra organizada. Kjellen formula essa idéia com as seguintes palavras: "O Estado é um servo do território" e o Estado está "amarrado à sua própria gleba". [...] Por fim, Kjellen faz seu o organicismo limitado de Ratzel, para quem (...) o Estado é, certamente, um organismo, porém um organismo dotado de espírito e de sentido moral.

O pensamento de R. Kjellen em suas obras

O sueco R. Kjellen, nascido em 1846 e morto em 1922, é o inventor do termo Geopolítica e, de uma certa maneira, também de seu corpo doutrinário. Segundo o próprio Kjellen, os fundamentos de sua doutrina foram colocados, desde os primeiros anos do século XX, em um artigo, um livro e um curso:

• o artigo: Die Politik als Wissenschat (Goteborg, 1901);

• o livro: Die Grossmachte der Gegenwart (Goteborg, 1905 e Leipzig-Berlin, 1914; teve 19 edições em 9 anos);

• o curso: Der Staat als Lebensform (Universidade de Goteborg, 1908).

Tudo isso prepara a grande obra de R. Kjellen: O livro, Der Staat als Lebensform (Suécia, 1916; Berlim, 1917 e 1924)

Os fundamentos da ciência do Estado na proposta de Kjellen*

A Staat Wissenschaft proposta por R. Kjellen, desde 1901, tem os seguintes fundamentos:

( Anti-liberalismo

( Nacionalismo

( Expansionismo

( Racismo

A Geopolítica Alemã: uma resposta a Versailles?

De Ratzel à Geopolítica

Os trabalhos da geopolítica alemã ( a Geopolitik ( que constituem o corpo principal do discurso geopolítico em geral, são essencialmente obra do general Karl Haushofer. Nascido em Munique, em 1869, ele entra em 1878 no grupo de oficiais do exército bávaro, muito compromissado com os valores monárquicos.

[...] Professor na Academia de guerra, ele é enviado em missão oficial ao Japão de 1908 a 1910 ( experiência que o marca fortemente ( antes de voltar para lutar sob a bandeira alemã durante a Primeira Guerra Mundial. De 1921 a 1939, ele é professor no instituto de Geografia da Universidade de Munique, onde ele ensina Geografia Política e Geopolítica. Ligado pessoalmente a Rudolf Hess, a partir de 1919, ele se coloca a serviço do III Reich pelas responsabilidades que ele assume como membro da Verein fur das Deuchstum im Ausland ( uma sociedade para a promoção da germanidade no exterior ( e como presidente da Academia Alemã [...]. Nacionalista entusiasmado, Haushofer é obstinado pela realização de um império alemão que fosse compatível com a superioridade da civilização germânica. É nesta perspectiva que ele constrói um edifício teórico imponente, constituído de segmentos de discuros e de idéias fragmentárias extraídas de seus contextos.

Antes de abordar a construção teórica do general alemão é necessário definir o sentido e a significação de uma análise da obra de Haushofer em termos de continuidade ou de ruptura em relação a certos autores que o procedem (Friedrich Ratzel e Rudolf Kjellen) ou as ideologias que lhe sucedem (Nazismo).

Encontra-se em Haushofer, numerosos empréstimos feitos à obra de Ratzel e paralelismos não menos marcados com sua teoria do Lebensraum. Podem ser identificadas principalmente:

- a concepção pós-maltusiana, que parte da questão da relação entre população e recursos, na qual o problema da alocação do espaço ( enquanto recurso primeiro ( é a preocupação primordial, constantemente presente na cartografia haushoferiana e na publicação periódica Zeitschrift fur Geopolitik [...]. A concepção de Haushofer, na qual a procura de espaço torna-se quase um imperativo categórico, é uma retomada formal, em todo um outro contexto, da concepção de Malthus;

- a concepção de Hegel relativa ao Espírito-Estado como motor da história;

- a concepção positivista (A. Comte) submetendo os fenômenos humanos a leis naturais invariáveis;

- a concepção darwinista social (principalmente de Haeckel e Spencer) repousando na idéia da luta da espécie pelo espaço, sendo o povo a espécie primordial;

- as concepções de Arthur de Gobineau e, sobretudo, de Houston Stewart Chamberlain, projetando para a frente da cena histórica o Espírito-Raça e, assim, a raça marcando definitivamente o potencial de um povo e sua caminhada histórica;

- a concepção sobre a tendência ao equilíbrio político mundial por meio de um processo de equalização dos indivíduos geográficos com base no uso da força (Ratzel);

- a concepção kjelleniana imperialista e romântica do Estado fazendo de sua expansão um princípio viril maior;

- a concepção capitalista, industrial e modernista que faz da noção de movimento uma obsessão dominante, tornando-se, assim, o movimento um instrumento de controle do espaço.

Encontram-se em Haushofer numerosos elementos presentes em R. Kjellen. Aliás, Haushofer considera a obra coletiva em três volumes que ele dirigiu, intitulada Macht und Erde (Potência e Terra), como o prolongamento e a atualização do trabalho de R. Kjellen, Die Grossmachte der Gegenwart (As grandes potências da atualidade), escrito em 1914 e publicado dois anos mais tarde. Kjellen estabelece ( no fim de sua vida, como ilustrado por sua introdução ao primeiro volume de Macht und Erde ( uma ponte entre a idéia globalizante ratzeliana de luta pelo espaço e a defesa do projeto imperialista alemão presente nos escritos de Haushofer.

Não se pode negar a existência de uma continuidade [...] entre Ratzel, Kjellen e Haushofer. Mas é preciso guardar distância em relação a toda lógica direta, a toda perspectiva epistemológica de uma filiação linear indo de Ratzel à geopolítica. O próprio termo "geopolítica" não existe no idioma antes da publicação de Der Staat als Lebensform de Kjellen, em 1916 (traduzido para o alemão em 1917, ou de um eventual artigo anterior do mesmo autor). Ratzel, que morrer em 1904, jamais utilizou esse futuro neologismo.

[...] Publicações recentes têm tentado atribuir uma certa honorabilidade à obra e ao pensamento de K. Haushofer. [...] Mesmo um Hans-Adolph Jacobsen participou desse empreendimento de reabilitação histórica. Haushofer "não teve nada a ver com a perseguição criminosa e organizada dos judeus", escreve Jacobsen, antes de acrescentar que, "para Haushofer o conceito de judeu (e do judaísmo) não estava ligado tanto a um princípio racial, mas era, muito mais, um sinal de diferenciação entre várias raças e religiões" (1979, vol. 1, p. 457).

Como Jacobsen, Korinman não nega o antisemitismo do general, mas banaliza-o, fazendo-o passar por uma atitude de cordeiro, inscrita no ambiente daquele tempo. [...] Trata-se, segundo este autor, de um antisemitismo "concorrencial" e "não-biológico", ou seja, "aquele da franja conservadora de Weimar, dirigido contra a modernidade capitalista (= judaica) por Haushofer, por sinal esposo de Martha Mayer-Doss, ela própria uma meio-judia" (1990, p. 268). Temos aí uma das variantes de um movimento, muito na moda hoje em dia, que se denomina "revisão epistemológica ou histórica".

Essas observações têm por objetivo esclarecer um ponto importante da nossa abordagem. Se estabelecemos constantemente ligações, por exemplo, entre Ratzel e Kjellen e entre Ratzel e Haushofer, isto não quer dizer que possamos considerar Ratzel como o fundador da geopolítica, pela simples e boa razão de que ele não chegou a articular esta expressão.

[...] Mas, por outro lado, poderíamos evidenciar os liames numerosos e muito estreitos conectando a geopolítica haushoferiana ao Nazismo. "É surpreendente que Karl Haushofer não tenha jamais definido claramente o termo geopolítica, embora ele o tenha utilizado durante cerca de trinta anos", escreve acertadamente Henning Heske (1987, p. 136).

Ao fazer da geopolítica uma ciência em si mesma, Haushofer nada mais faz do que aprofundar, sem inovar, uma tradição inaugurada por Rudolf Kjellen, na medida em que este não se limitou a integrar a geopolítica no sistema da Staatwissenschaft (Ciência do Estado), mas fez da primeira a pedra angular desta última. Com Kjellen, e mais ainda com Haushofer, a geopolítica exibe seu sistema, que se compõe, entre outros ramos, da etnopolítica, da política econômica, da política social e da política de dominação.

Em uma lógica faustiana, Haushofer revela toda a ambição e toda a esperança que ele coloca na geopolítica, por exemplo, quando ele expõe seu projeto de estabelecer um "registro do planeta" ("Ein Grundbuch ds Planeten"): "O primeiro trabalho fundamental para o desenvolvimento da humanidade, para além da luta brutal pela existência e pelo espaço vital, deveria ser, a partir desse espaço vital inteiro, com suas divisões atuais, conseguir representá-lo em uma grande obra comum, uma espécie de grande registro do planeta, com todos os fundametnos da vida que permitem que ela se mantenha [...] e, com base nesse registro, deduzir da corelação desses elementos, a população que é possível manter" (extraído de citação de H.A. Jacobsen, vol. 1, p. 489, 1979).

[...] Ora, representar ( por meio da geopolítica ( os fatos da natureza em um registro, ou em mapas (um grande registro planetário), a partir dos quais poderia ser construído um mapa planetário total, já não seria querer concretizar uma vontade faustiana de dominação da natureza?

Com efeito, por trás dessa ilusão metafísica de poder registrar e, portanto, de poder captar a totalidade dos segredos da natureza, esconde-se a vontade de dominar ( de controlar ( a totalidade dos fenômenos da vida.

Trata-se de uma variante da tradicional perspectiva de emancipação postulando que o homem se torne cada vez mais o mestre da natureza, sem limites. Isto pode, em parte, explicar a fascinação de Haushofer pelo mito de Fausto [...]. Isto pode, igualmente, contribuir para explicar, em parte, o tipo de mapas que se encontram na Zeitschrift fur Geopolitik, construídos numa perspectiva de antecipação paralela a esta "perspectiva de emancipação". Haushofer afirma que se a vontade política quiser dominar a superfície terrestre, ela deve conhecê-la: "O saber é a potência" (1934, p. 80).

Haushofer, aliás, confessa sua fascinação pelos romantes utópicos, cuja trama se desenrola quase sempre numa ilha desértica, o que facilita a construção do sistema ideal. Daí, também, sua fascinação pelo Japão, ao qual ele consagrou vários estudos: "A convicção de poder estudar, em melhores condições, justamente sobre uma Ilha-Estado em forma de arco, a especificidade do Estado ideal, foi a causa que me conduziu ao Japão..." (1928, p. 47). Nós encontramos, aliás, essa atração pelas utopias insulares sob a forma de numerosos mapas da Zeitschrift fur Geopolitik.

A geopolítica é, assim, apresentada como um instrumento essencial para "colocar o mundo em ordem". [...] Ela se dá como objetivo inculcar nas massas, por intermédio das elites que ela toca, "a verdadeira imagem do mundo". É nisso que um dos fundamentos da geopolítica pode ser considerado como um vasto empreendimento iconográfico destinado à propaganda. Com efeito, confrontada a esas tarefa imensa de imaginação e de construção das imagens da ordem do mundo, a geopolítica encontra na cartografia um suporte ideal [...].

Ligado a este aspecto "visual" do discurso geopolítico, o termo imagem do mundo (Weltbild) aparece constantemente em Haushofer e, muito freqüentemente a idéia complementar de globalidade do saber. [...] Ele esclarece, assim, em Macht und Erde, "o papel da geopolítica... como educadora e consciência dos detentores da potência política" (1934, p. 77).

[...] Podemos deduzir dessas citações uma caracterização da geopolítica, tal como vista por Haushofer. Para ele, ela aparece como:

• um método globalizante, totalizante, visando a explicação do conjunto dos fenômenos na superfície da Terra;

• uma démarche genética, no sentido de que o conhecimento geopolítico constrói e reproduz sua lógica no interior de um mundo fechado, praticando a auto-referência e projetando-se como lógica natural, orgânica;

• um discurso dotado de uma função propagandista;

• um saber dotado de um instrumento iconográfico, a cartografia;

• um conhecimento que dá coerência a esse saber, cuja finalidade esse conhecimento está encarregado de definir;

• um saber que tem por objeto o domínio do poder;

• um saber que se coloca a serviço do regime no poder, no momento.

[...] Assim, o projeto geopolítico de Haushofer [...] assume uma dimensão nova, no sentido de que ele nos parece como uma tentativa para conceber um sistema explicativo da natureza e da história, no qual o geopolítico traça as grandes linhas inlcusive projetivas, do desenvolvimento do mundo.

Haushofer se faz o advogado e o combatente a serviço de uma concepção do mundo imperialista alemão. Ele pensa ter descoberto as leis da história, que seriam aquelas da luta pela vida e pelo espaço vital, geradoras de violênica, de hierarquização, de exclusão racial. Fazendo reaparecer aqui toda a tradição "volkisch" (étnico, racial) ele se sente no dever de reintroduzir no "Blut und Boden" ("Sangue e Terra") ( o gênio alemão constituído na terr natal e fixado no sangue que corre sobre esta terra ( sua capacidade criadora, considerada como superior às outras. Este "direito natural" deve ser reconquistado por um movimento dentro do próprio povo alemão, sem o qual ele não tem como provar sua superioridade independente. Ele se exprime, em seguida, automática e necessariamente para o exterior, pois a superioridade não tem limite, senão ela se negaria a si mesma.

[...] O dever do geopolítico era, naquela época, antes de tudo o de fazer um trabalho de educação ( de enquadrametno, de doutrinação ( das massas. Essas massas devem formar para si mesmas uma imagem do mundo compatível com o projeto geopolítico de lançar o país na direção de seus vizinhos e, a seguir, de todo o continente, guardando ao mesmo tempo a convicção de realizar a vontade do espírito da terra, a vontade de potência.

Uma aristocracia de Estados, as grandes potências

Em sua introdução ao livro Die Grossmachte vor und nach dem Weltkrieg (As grandes potências antes e depois da Guerra Mundial), Rudolf Kjellen define o que ele entende por "grande potência", noção que sustenta todo o discurso de Haushofer e que serve de ponto de partida aos seus três volunes de Macht und Erde (Potência e Terra): "Antes da eclosão da guerra mundial, nosso planeta estava dividido em cinqüenta Estados aproximadamente. Nesse conjunto, oito eram reconhecidos como grandes potências por sua hierarquia e seu poder: era uma aristocracia, uma classe superior de Estados, com fronteiras flutuantes e privilégios indefinidos, mas com uma influência determinante no mundo político. Como toda aristocracia de nascimento, ela se origina de uma necessidade interior [...]; nos títulos de nobreza da história, nenhuma potência teve, fundamentalmente, outro direito senão aquele de sua própria força e de sua vontade de grandeza" (1930-Einleitung von Rudolf Kjellen).

De um lado, a grande potência de Kjellen é uma epsécie de projeção da estrutura social feudal no nível dos Estados modernos, que assumem os lugares das classes sociais da feudalidade, em um contexto no qual a similitude só pode ser estritamente formal. Em outras palavras, há claramente um desnível, um anacronismo entre o princípio de organização política proposto por Kjellen [...] e o princípio de organização econômica, que ele conhece e que não nega, consistindo nas relações de produção do capitalismo em seu estágio imperialista. Desse ponto de vista, a linguagem utilizada aqui por Kjellen não é fortuita. Por outro lado, o enunciado dizendo que a grande potência só deve sua força e sua vontade a ela própria coloca, desde logo, a definição desse tipo de Estado sobre bases nacionalistas elitistas ou mesmo raciais: a potência e a organização política não seriam nada mais do que a expressão do potencial de um povo superior, dos quais a entidade germânica seria um bom exemplo.

Na introdução citada, Kjellen descreve as duas forças dominantes que disputam entre si a cena do mundo: o imperialismo (baseado em um nacionalismo exacerbado) e a democracia (com sua tríplice unidade: o individualismo, cosmopolitismo e o pacifismo). [...] A fim de situar claramente e a priori o que etsava em jogo nesta luta entre o imperialismo ( pelo qual Kjellen tem um parti pris explícito ( e a democracia, ele acrescenta que "As grandes potências não são apenas fatos geográficos, estatísticos ou políticos isolados, mas, antes de tudo, formas de vida que, entre todas aquelas existentes nesta terra, são as mais possantes" (1930, p. 2-3). Lutas entre as oito potências hegemônicas no nível planetário, lutas entre potências orgânicas, no decorrer das quais o direito é desalojado pelas puras relações de forças internacionais: em poucas palavras, a introdução de Kjellen fornece as chaves da compreensão de todos os textos contidos em Macht und Erde.

Em Die Grossmachte vor und nach dem Weltkrieg, Haushofer analisa a origem e as conseqüências da Primeira Guerra Mundial, de acordo com este mesmo conceito da grande potência. Alcançar este nível de grande potência aparece como o objetivo histórico do renascimento alemão ( que deve ser imediatamente concretizado ( da mesma forma que a expansão do Lebensraum alemão. Estando entendido que esse Lebensraum tem fronteiras flutuantes, segundo o ensinamento de Ratzel e, depois de Kjellen, ele não é jamais, por assim dizer, "concluído". As perdas de território e de população da Alemanha estão no centro das preocupações do general-geógrafo, mas é de perda de potência que se trata ao final das contas [...]: Se o povo não podia lutar para se alçar o nível de uma potência mundial, o país não poderia defender seu estatuto de grande potência e estava condenado pelo destino, enquanto o Tratado de Versailles tivesse aplicação, a "perecer por falta de sustento". (1930, p. 187).

Uma representação da potência alemã

Animado por uma vontade de reconstrução da potência alemã, Haushofer passa em revista as principais características da situação alemã antes, durante e após a Primeira Guerra Mundial. É preciso compreender esta análise como uma exposição dos motivos que guiam a ação de Haushofer e modelam toda a sua geopolítica. Isto nos permite afirmar que a geopolítica haushoferiana é um instrumento teórico a serviço da Alemanha.

Em resumo, Haushofer constata que a Alemanha é destituída de seu papel de grande potência, fruto que a nação alemã teve tenpo de apenas provar.

Lendo-se atentamente o diagnóstico e a conclusão [...], constata-se que o essencial da visão do mundo de Haushofer ( que provém diretamente de sua geopolítica ( está contido nas linhas seguintes:

a) o nível de grande potência deve tornar-se o objetivo de curto prazo da alma forte da raça germânica que, através de seu líder ( A Alemanha ( deverá rearmar-se fortemente e afirmar sua dimensão continental, reivindicando terras de soberania indefinida e um império colonial, não estabelecendo limites espaciais para essas reivindicações enquanto não for constituído um grande Lebensraum germânico;

b) esse empreendimento deve encontrar uma personificação política por meio de um homem forte, capaz de insuflar uma alma também forte no povo;

c) um instrumento dessa luta no nível das massas é a propaganda, e os inimigos privilegiados, ideologicamente, são a democracia e o bolchevismo;

d) a epopéia heróica será o método adotado para ligar esses episódios ao passado.

Em outros termos, e como explica o próprio Haushofer [...], tudo, no Estado e na vida [...], deve ser pensado de acordo com uma escatologia da violência na busca da potência, da grande potência e da subjugação do outro: "Pois, finalmente, todo desenvolvimento da potência na Terra conduz a um embate pelo espaço vital; aquele que quiser afirmar seu ser nesse cenário deve se manter no espaço, persistir no solo; aquele que não é capaz disso será expulso e não será mantido pela história senão como exemplo de fracasso ou, na melhor das hipóteses, ele sobreviverá em um canto, onde servirá aos outros, após a derrota definitiva [...]. Vitória e lucro, servidão e perda refletem-se finalmente no espaço."

O desenvolvimento da Geopolítica

[O Estado Orgânico] [Geoestratégia]

FONTE: GLASSNER, M.I. & BLIJ, H.J.: Systematic Political Geography. N. York, John Wiley & Sons, 1989.

Sobre a Geopolítica

O que é a Geopolítica?

Para explicar em grandes linhas e conhecer o termo "Geopolítica", as fórmulas mais fortes, a essência e os objetivos da geopolítica, o melhor é voltar-se primeiramente para os lugares, que não estão de modo algum afastados - não importa quão antiga seja a geopolítica em sua essência e sua prática ( de onde veio o primeiro apelo em favor de uma geopolítica com fundamento teórico e científico. Este apelo, porém, correspondia ao desejo justificado de círculos importantes que queriam fornecer uma base melhor para a arte de conduzir a política ( uma arte que, a partir da passagem do século, tornava-se visivelmente insuficiente ao menos na Europa (, fazendo-a aproveitar-se de todas as aquisições do poder e do saber, na medida em que esta arte se deixar apreender, notadamente naquilo que estava determinado pelo solo e dado pela terra, escrito de um modo quase palpável nos traços mais antigos da face da terra, aproveitar-se daquilo que houvesse sido provado no curso da história e que houvesse sido raramente violado impunemente.

Por volta do fim do século XIX tinha-se geralmente a impressão de que o equipamento técnico e científico da época, o qual havia-se desenvolvido e crescido a uma velocidade louca, tinha superado largamente sua arte política, não somente na Europa mas, em todo o mundo. Assim também, notadamente nos Estados Unidos da América e na França, houve um esforço no sentido de se criar rapidamente escolas superiores e cátedras inteiramente voltadas para as ciências políticas; orientações paralelas se desenharam na Inglaterra e no Japão.

Na Europa Central, F. Ratzel e F. Von Richthofen, apoiando-se nos trabalhos de Herder, Ritter e Roon, haviam claramente reclamado e definido uma educação mais aprofundada em matéria de ciências políticas para os homens de Estado e os diplomatas. Isto em razão do fato de que esses importantes intermediários oficiais, encarregados das relações entre os Estados, cuja formação voltada para o passado freqüentemente era apenas de idiomas e jurídica, continuavam quase sempre estranhos a toda a dinâmica e às importantes transformações de seu tempo, a uma ciência da terra e de diversos países, à arte de ler os mapas, aos progressos da economia política e da sociologia e às suas conexões. Do ponto de vista geopolítico, eles viviam bem atrasados em relação ao ritmo de seu tempo.

Daí resultou que, no período decisivo dos anos 1898-1902, na Europa Central, os homens não se tenham encontrado: havia, de um lado, aqueles que, com o olhar voltado para o passado, tendo assim diante dos olhos uma imagem já superada do mundo, mantinham-se presos à primazia do estado, e de outro lado, aqueles que poderiam ter acrescentado à política dos primeiros ( que levou à guerra mundial ( com a pequena palavra "geo", pequena mas carregada de sentido, a imagem global do mundo atual e a capacidade de prever e de agir preventivamente, mas as palavras desses últimos se perdiam então quase sem efeito na imprensa e nas salas de aula.

Além disso ( precisamente em função de uma economia e de uma ciência desenvolvidas ao extremo e que compartilham tudo ( faltavam à Europa Central nos domínios cultural, político e econômico, órgãos e estabelecimentos tais como os que a França possuía, com o seu instituto e Escola de Ciências Políticas, a Inglaterra, com seu Instituto Imperial, além da política de um império mundial presente sobre todo o globo, os EUA, com suas numerosas cadeiras de "political science", nas quais presidentes, como Wilson, buscavam embaixadores e conselheiros sobre as potências e as economias estrangeiras.

É certo que um homem como Ratzel adquiriu uma grande notoriedade através do mundo inteiro por sua genial "Anthropogeographie" e seu esforço em favor da geografia política; nos países anglo-saxões, na França, na Rússia e no Japão, recolhem-se sugestões e busca-se sua popularização, liberando-as de seu estilo pesado e obscuro para os leigos; essas idéias foram utilizadas na prática ou para a educação do pessoal das relações exteriores, como Mackinder e Fairgrieve fizeram na Inglaterra, ou como Mahan e Roosevelt nos EUA. Mas, Ratzel morreu muito cedo, no auge de sua capacidade de trabalho. Sua tendência em forjar vocábulos difíceis, de origem grega, afugentava muita gente, a palavra "antropogeografia", por exemplo, nunca entrou no uso popular; para o povo comum, Ratzel resvalou para domínios de difícil assimilação como aqueles da antropologia e da etnologia; assim, a geografia política acaba por recuar em relação a uma tendência dominante, fundada em uma geografia mais centrada nos estudos morfológicos, mais desenvolvida na Alemanha. Desse modo, o povo talvez mais instruído da terra, precisamente no campo da geografia, acabou por entrar na grande crise da guerra mundial com uma imagem do mundo marcada por um desconhecimento verdadeiramente assustador do jogo real das forças: talvez apenas a Europa Central tenha sido inteiramente apanhada de surpresa por esta guerra, enquanto que, por toda parte, podia-se observar, desde 1904, crescer no horizonte a tempestade.

Ao voltar de minhas viagens de muitos anos à Índia, à Ásia Oriental e, finalmente, à Sibéria e à Rússia, a inconsciência de largos círculos da sociedade alemã em relação ao perigo da situação geopolítica no mundo e no país, causou sobre mim uma impressão terrível; o resultado foi a necessidade que senti de estudar uma maneira, uma possibilidade de fazer chegar a círculos mais largos da população a essência da geopolítica. Algo semelhante aconteceu com o grande pesquisador sueco Rudolf Kjellen; é em seu livro "O Estado como forma de vida" que, durante a segunda batalha do vale de Munster, em um abrigo dos Vosges, encontrei pela primeira vez, claramente enunciados, o termo e as reivindicações da Geopolítica. Pois, em verdade, não tivemos, fora da terra alemã, um amigo, mais generoso e mais clarividente, da vontade alemã de resistir que esse notável pensador político sueco e que era, ao mesmo tempo, um psicólogo dos povos (conhecedor da alma dos povos).

Ele sabia que a raça germânica tinha-se colocado em uma posição inicial desfavorável, do ponto de vista geopolítico, em um combate decisivo pelo espaço onde respirar, pela existência e pelas possibilidades de vida. Esta constatação se encontrava como o pano de fundo de toda a sua obra.

Ele havia chegado a esta reflexão em função de suas investigações sobre as grandes potências do tempo atual, as quais foram por ele analisadas como formas de vida poderosas e homogêneas, cujas manifestações ele só pode captar através de um conjunto de abordagens variadas. Ele tinha definido, como primeira abordagem, aquela da geopolítica: o estudo dos traços fundamentais ( ligados ao solo e determinados pela terra ( do espaço dos fundamentos de Reich, da formação do solo e do país; nisso ele se colocava ao lado de Ratzel e tinha, junto com ele, a opinião de que quanto mais a economia política fazia o Estado descer do papel para a terra firme, a geografia teria a tarefa de fornecer a base da pesquisa geopolítica e de qualquer outra pesquisa no âmbito das ciências políticas. Isto porque no começo do Estado lá já estavam o solo sobre o qual ele se encontrava, o caráter sagrado e santo da terra; foi sobre ele que o homem começou a construir, a desenvolver a economia, fez surgir o poder e a civilização; mesmo o nômade teve que partir de um pedaço de terra organizado.

Assim, a investigação etnopolítica tomando como pontos de partida o povo, a raça, foi apenas o segundo círculo de pesquisa por ordem de importância. E, em terceiro lugar, seguiu-se a reflexão sócio-política. Neste caso, o objetivo do trabalho era o conhecimento da colaboração que entre si desenvolvem grupos humanos, em sua estrutura racial e cultural, ela também determinada pelo solo e o meio ambiente.

Encontra-se todo esse encaminhamento de pensamento, acompanhado de uma documentação minuciosa, na obra de R. Kjellen. Desde então, a geopolítica continuou, naturalmente, a desenvolver-se de uma maneira muito viva, em sua combinação de Geografia, de História, de Ciência Política, de Economia Política e de Sociologia, notadamente sob a forte impressão causada pelos fracassos, consecutivos à guerra mundial. Foram, então, publicados ensaios sistemáticos de uma "Geografia", de Hennig e Limmer; "Materiais para a Geopolítica", de Lautenbach, Maull, Obst e do autor destas linhas; a denominação "materiais" se explica pelo fato de que nós não éramos suficientemente audaciosos para já apresentar um sistema completo, mas que nós queríamos, primeiro, agrupar e preparar os materiais em um trabalho de revisão apropriado, com a finalidade de servir de base para o que haveria de vir posteriormente. Isto porque, para aqueles que tomaram a questão bem seriamente, assumir a responsabilidade de desenvolvimento da geopolítica aparecia como algo extremamente difícil. Precisamente, enquanto base para toda política científica e toda a reorganização do espaço, exatamente para um povo de rica cultura, duramente atingido e arrasado, situado no coração de um continente superpovoado e que havia passado por um recuo quanto à sua importância no mundo, a Geopolítica era, talvez, um dos raros meios para conduzir a perspectivas comuns, em um mesmo espaço vital, milhares de homens, pelo menos quanto às questões fundamentais de importância crucial para todos nós.

Seja como for, um conhecimento real e científico da Geopolítica deve necessariamente escapar a toda consideração preconceituosa ou partidária, e deve ser igualmente verdadeiro tanto para a extrema esquerda, quanto para a extrema direita.

Isto de maneira que, aquele que possui uma experiência e um conhecimento geopolítico, deve desempenhar melhor a direção política de um Estado, do que aquele que não possui esse requisito, não importando a ideologia ou o partido ao qual pertença.

Do mesmo modo que é impossível separar a política pura da ideologia do político que a realiza, é impossível escapar à necessidade do nível de preparação para a Geopolítica: o conhecimento de características duráveis, determinadas pela terra, caracterizando a formação, a manutenção e o desaparecimento de uma potência no espaço; trata-se neste caso de uma necessária aquisição preliminar, de uma propedêutica, de uma escola preparatória para todos aqueles que pretendem tentar realizar esta "arte". Isto tem semelhança com o conhecimento necessário e preliminar dos diversos tipos de solos, de argilas, de minerais, de madeiras, da arte de entalhar que deve ter o escultor; pouco importa que ele queira, depois parafraseando Goethe, fabricar pratos, potes ou imagens dos deuses.

Eis porque é característico que encontremos alguns dos melhores trabalhos de Geopolítica de nosso tempo tanto entre os duros representantes do capitalismo mundial nos países anglo-saxões, quanto entre seus adversários em Moscou, por exemplo no excelente atlas sobre o imperialismo de autoria de Rado. [...] Um trabalho de Geopolítica deve, por sua própria essência, ser inteiramente independente do lugar da superfície do globo onde se encontre por acaso seu autor, da posição política e do partido deste último. Esta é, talvez, a parte mais difícil da resposta a tão boa e aparentemente tão fácil questão: - o que é a geopolítica? Ou seja, fazer compreender a homens com opiniões políticas bem definidas que a Geopolítica deve manter-se livre de toda afirmação e consideração de caráter partidário e que convém separá-la o quanto possível de uma certa forma de ação política, tarefa também muito difícil.

Por outro lado, a Geopolítica fornece precisamente este estoque permanente de sabedoria política que se pode ensinar e aprender; ou seja, uma base ou uma ponte necessárias ao salto na ação política, como uma espécie de consciência geográfica que conduz à ação, e que deve conduzir no melhor lugar possível para fazer este salto, à última base ou ponte sólida para que este salto seja executado do domínio do saber àquele do poder, e, não, do domínio da ignorância àquele do poder, pois neste caso o salto não seria somente mais longo como, também, mais incerto.

Dessas considerações resulta que notáveis trabalhos comunistas no âmbito da geopolítica ( como no atlas de Rado, na revista "Novey Vostok" ("Novo Oriente"), publicada em Moscou; na Universidade Sun-Yat-Sen, sob a direção de Karl Radek ( podem-se identificar com os trabalhos americanos sobre a "união pan-pacífica", com os trabalhos ingleses ou franceses relativos às colônias e com as investigações teóricas alemãs, quando se trata, por exemplo, de examinar os fundamentos da política asiática e daquela do Pacífico.

Assim, é somente quando a arte da política passa à prática que os resultados se afastam consideravelmente do que se espera e que "as coisas se chocam duramente no espaço". Mas a Geopolítica não pode fazer nada quanto a isto; ela pode, simplesmente, dar alguns avisos prévios a este respeito, como, por exemplo: se esta fronteira, se este espaço natural são recortados, uma experiência milenar prova que não haverá descanso enquanto eles não forem restabelecidos em sua integralidade, etc.

[...] Se os homens não levam em conta avisos como esses, oferecidos pela geopolítica, então conseqüências desagradáveis podem abater-se sobre suas cabeças. Mas, muito já se ganha se, pelo menos, as advertências prévias são dadas em algum lugar de maneira honesta. Naturalmente muito mais se essas advertências são escutadas e podem convencer as maiorias. A este respeito, a Geopolítica sabe perfeitamente que haverá sempre possantes espíritos dirigentes que não se contentam simplesmente com as posições da média, isto é, eles sabem que, para uma evolução posterior dinâmica da humanidade, é necessário que, para além desses traços medianos fundamentais, se produzam rupturas, novas fecundações e novas formações. Em razão do caráter aleatório e arbitrário que caracteriza a ação política humana, a Geopolítica não pode fazer declarações mais precisas senão em, no máximo, cerca de 25% dos casos. Mas, já não seria um grande mérito que, em uma evolução na qual praticamente tudo é deixado ao arbítrio e ao humor das massas, pelo menos 1/4 dos casos, acessíveis à previsão e à razão, sejam cobertos pela Geopolítica?

A expedição de Alexandre e os contatos entre gregos e budistas, a intervenção de César no destino dos povos, as primeiras circunavegações do globo em barcos à vela, a destruição de velhas estruturas por Napoleão e as mutilações resultantes da guerra mundial constituem, pelo menos, ao lado de toda sua fecundidade, fenômenos marcados pelo excesso e, após tais tempestades, em longas oscilações a terra retoma suas condições e seus espaços habituais. E, nesse grande desenrolar, gerador de colheitas duradouras, que ocupa na história do mundo bem mais espaço que os brilhantes períodos de exceção, a razão tranqüila e conciliadora, que marca a abordagem geopolítica, se impõe necessariamente. [...] As conexões naturais, fundadas sobre a paisagem, entre as regiões e os países, retomam seu vigor e obrigam a que se olhe de frente ao ódio mais selvagem, às ações mais maldosas, à necessidade de fronteiras comuns e seguras, ao restabelecimento de meios naturais de comunicação. A Geopolítica assume o lugar da paixão política: uma evolução conforme as leis da natureza dá uma forma nova às criações do arbítrio resultante de uma vontade humana descontrolada. A natureza, que de maneira vã tinha sido afugentada pela espada ou pelo espeto, retoma seus lugares na superfície e na face da terra. É isto a Geopolítica!

Geografia e Relações Internacionais

De Jean Gottmann

O mundo em que vivemos é um espaço diversificado, altamente dividido. A superfície da terra é dividida das mais diversas formas: política e fisicamente, econômica e culturalmente. As divisões políticas estão na "raison d'être" da Geografia. Se a terra fosse uniforme - bem lisa, como uma bola de bilhar - provavelmente não haveria uma ciência como a Geografia, e as relações internacionais seriam muito mais simples. Já que os princípios gerais de Geologia, Geofísica, Botânica ou Economia não se aplicam da mesma maneira nos diferentes compartimentos que existem na terra, os estudos geográficos apareceram e foram úteis, encurtando o caminho da abstração das disciplinas tópicas e tentando uma análise científica das regiões e suas inter-relações.

Então, há uma convicção muito velha e bastante natural de que a Geografia é um fator relevante nas relações internacionais. Num momento em que a organização internacional está começando a ter um papel importante nos negócios cotidianos de toda nação e em que o avanço das técnicas de transporte parece fazer todo evento global, encolhendo todos os países, acabando com suas divisões internas ( em tal período da história pode valer a pena tentar uma breve análise deste fator geográfico. A questão tem um significado profundo para os geógrafos como também para os cientistas políticos que lidam com negócios internacionais. Ninguém questionaria a utilidade de dados geográficos para o estudo de um problema localizado dentro ou movimentando-se sobre uma área na superfície da terra. Ninguém falaria de um fator geográfico, entretanto, se a Geografia pudesse contribuir apenas com dados de natureza estatística ou descritiva. O enfoque da Geografia como um elemento determinante no Estudo das Relações Internacionais possui um significado diferente [p. 153]; a fim de avaliar isto nós teremos que formular uma definição dos métodos e objetivos da própria Geografia.

Ambiente e o comportamento das nações

Vamos primeiramente observar o que já se abordou na discussão. O debate é velho e parece originar da procura lógica por alguns elementos estáveis no padrão sutil e constantemente variável das relações internacionais. Estas relações se desenvolvem numa complicada conjugação de vários fatores, poucos dos quais estão dotados de qualquer grau de estabilidade; mas o mais estável de todos é certamente o ambiente físico, objeto de estudo dos geógrafos. As "condições geográficas" de um fenômeno político não só parecem estáveis mas também são um tanto fáceis de serem pesquisadas e medidas, pelo menos em muitos de seus componentes. A tentação de reduzir o ambiente geográfico aos componentes físicos melhor mensurados e definidos foi grande e várias vezes triunfou.

O ambiente parece fornecer a base material permanente tanto do nacionalismo, assim entendido como a maneira pela qual a nação está definida e afetada pelo território que ocupa, como do poder, porque uma nação depende muito dos recursos alcançáveis dentro de seu território para a construção de seu status entre as nações. As relações internacionais sempre estiveram relacionadas a uma certa ordem a ser mantida ou melhorada, no todo ou em parte da superfície da terra. A Geografia estuda a ordem existente, registra isto na forma simplificada mas conveniente dos mapas, explica a conjunção dos fatores físicos (meteorologia, topografia, hidrografia, vegetação, etc.) e descreve a distribuição da população e as formas de colonização. A História é um processo muito mais turbulento. Se pudesse ser explicada através da Geografia, alguns princípios estáveis poderiam ser trabalhados para ajudar a entender o passado e prever o futuro.

A tentação surge, assim, para estabelecer uma "relação de causa de efeito" entre as condições geográficas permanentes e os aspectos mais estáveis das relações internacionais. Afinal de contas, o poder precisa de alguns recursos básicos e a Geografia parece ser a matéria ideal para dar subsídios para uma avaliação do potencial. As futuras aplicações de tal lógica possuem um ponto negativo: as condições geográficas têm influência determinante no comportamento das nações [p. 154] e governos. Na história das relações internacionais em que várias nações podem abrigar algum sentimento de culpa por causa de ações passadas, tais queixas podem ser aliviadas por uma explicação "ambientalista" ou, em termos mais simples, uma "explicação geográfica": a responsabilidade é atribuída a essas forças físicas, cósmicas que atuam sobre os povos desamparados. Até mesmo alguns dos componentes emocionais do nacionalismo podem ser levados até a geografia como sendo originados da terra nativa.

Esta simples afirmativa, bem como as mais marcantes relações entre a Geografia e as relações internacionais podem ser encontradas mesmo nos registros históricos mais antigos. Navegantes antigos que exploram áreas longínquas acharam povos estranhos que vivem em climas estranhos. A conexão era rapidamente estabelecida entre características étnicas e climáticas. Muitos fatos evidenciaram esta relação: povos de cor [negros] viveram em áreas diferentes daquelas da Europa ou da região Mediterrânea; os negros foram achados em territórios tropicais, e raças amarelas em climas de monção. O tempo é, de todas as condições fora de nosso controle (pelo menos até agora), a que cada indivíduo sente mais diretamente no seu quotidiano. Convicções sobre a influência das condições climáticas no comportamento dos povos e na conseqüente distribuição dos sistemas políticos e poder não se encontram apenas nos escritos de cientistas políticos antigos, como Montesquieu, por exemplo, mas eles ainda são difundidos na opinião do homem comum de muitos países civilizados.[27]

Uma falha fundamental neste raciocínio aparece quando se tenta coordenar a estabilidade dos mapas físicos com a instabilidade do padrão político do mundo. Alguns geógrafos tentaram salvar o que eles consideraram ser a base do seu prestígio presumindo a existência de mudanças no mapa climático. Se o local das principais potências do mundo tivesse trocado do Oriente Médio para costas de Atlântico, poderia ser explicado por uma migração de climas: o clima ideal para o poder teria migrado do Vale do Nilo onde foi alcançado na época do Rameses, para a Grécia, Roma, Europa ocidental, e finalmente para o leste dos Estados Unidos. Nesta brilhante [p. 155] teoria faltou apenas provar qualquer mudança significativa no regime climático do Egito durante os tempos históricos. A desertificação aconteceu no Oriente Médio antes que os grandes impérios lá surgissem. As regras de conservação de água expressas no Código de Hamurabi referem-se a uma situação muito pior que qualquer escassez de água em Nova Iorque ou Washington, D. C..

O ponto paradoxal em tais teorias é que, a partir da estabilidade do ambiente na procura das leis permanentes que governam relações internacionais, os geógrafos chegaram a uma ênfase na possível instabilidade destas condições físicas. O resultado dessa investigação deveria ser, por si só, bastante para concluir que adotou-se o caminho errado. O clima foi estudado cuidadosamente por biólogos; e quanto mais seu conhecimento da raça humana se aprimora, mais certos estão de que é a hereditariedade, e não as condições climáticas, que determina as características humanas. Até mesmo um entusiástico "adorador do sol", como o atual autor Ellsworth Huntington, veio ao término de sua carreira reconhecer a importância de muitos outros fatores.[28] Não há nenhum clima ideal para o poder ou a civilização.

A relação demasiadamente simplificada entre o caráter de uma nação e seu ambiente físico foi o único dos aspectos da discussão com o que nos preocupamos até agora. Foi uma preocupação crítica, por ser fundamental à discussão. Uma vez que nós admitimos que nenhum regime climático é um obstáculo insuperável por um empenho nacional insistente e organizado, então a participação eventual do meio ambiente nos negócios internacionais realmente é reduzida a uma pequena parcela. Por muito tempo, abrigamos preconceito contra o clima tropical, isto é, os climas úmidos e quentes. A Índia mostrou em várias épocas de sua história e novamente agora que um país tropical pode elevar-se a uma posição eminente entre as potências. O Brasil pode muito bem estar a caminho de outra demonstração de determinação de comando como nação de clima tropical. Climas frios na área subártica parecem os mais difíceis de se conquistar. Nenhum país localizado completamente em tais áreas geográficas já se elevou ao status de potência internacional; [p. 157] mas muitas delas tiveram uma parte significativa de seu território em tais áreas sem que, por isso, ficassem definitivamente debilitadas. Desertos áridos muitas vezes foram berços de nações poderosas ou avançadas. Nem montanhas nem planícies poderiam reivindicar maior concentração de poder ou fraqueza política ao longo de história.[29] Assim, nem o clima nem a topografia poderiam ser realmente considerados como determinantes para a posição de um país no mundo, especialmente em nossa época de grande progresso tecnológico.

Nada disso significa que a Geografia Física não seja importante ao detalhe do quotidiano das relações internacionais. É fácil compilar uma lista de características físicas que têm que ser consideradas: a distribuição de terra e mar, a topografia, a rede hidrográfica, o tamanho ou o território, e suas aptidões para produzir.

A distribuição de terra e mar sempre foi importante porque os homens são animais terrestres. Como conseqüência desta característica de gênero humano, todos os povos sabem viajar em terra mas nem todos eles gostam de se ocupar da navegação marítima. Outra conseqüência do mesmo fato é que no mar os homens são apenas pedestres, navegando através dos espaços marítimos: os mares sempre estiveram mais vazios e o movimento no mar é, portanto, mais livre, menos sujeito ao controle do que em terra. Além disso, comunidades sem contato com o mar têm de se comunicar com o exterior pelos territórios vizinhos com quem eles obviamente terão muito em comum. Lado outro, da costa marítima, pode-se partir de navio diretamente a países longínquos e muito diferentes. Em resumo, o sistema inteiro de relações externas de um país é profundamente afetado por sua situação no tocante ao mar e à terra. Insularidade traz uma nota especial na longa lista de possíveis situações. Será uma fonte de força se a nação que se mantém na ilha for uma amante da navegação; mas será uma fonte de fraqueza se população por alguma razão repugnar a navegação. A história da Inglaterra, Irlanda, e mais recentemente do Japão demonstra, eloqüentemente, tudo aquilo que insularidade pode significar para as Relações Exteriores.

A topografia, assim como a insularidade, pode ser explorada com objetivos e resultados opostos: o vale em uma cadeia montanhosa pode ser tanto um pequeno mundo isolado e fechado quanto uma rua principal altamente movimentada. Tal uma escolha depende do lugar ao qual o vale conduz; mas esta não pôde ser uma noção estável, pois a construção de uma rodovia, a perfuração de um túnel, o desenvolvimento de algum recurso de alta altitude podem mudar o significado da situação de um vale. Uma topografia variada normalmente diversificará o potencial econômico e o tipo de atividades humanas. Assim, maiores migrações sazonais de rebanhos e uma maior variedade de terras, climas, e plantas como também de camadas geológicas serão encontrados em um país com montanhas e planícies, ou até mesmo com um terreno completamente montanhoso, do que em um país localizado em uma planície uniforme. Certas seções planas da planície ucraniana podem demonstrar, contudo, uma maior variedade e abundância de produções agrícolas e minerais que Suíça ou a França central. Áreas montanhosas concentram população, produção agrícola e trânsito ao longo de algumas tiras estreitas de terra, normalmente em certos vales. Aquela concentração de atividades humanas pouco afeta as relações internacionais mas impõe ao tráfico comercial e militar certos itinerários favorecidos.

Uma cadeia montanhosa pode ser uma barreira ou uma encruzilhada, como exemplificam os Alpes: esta cadeia famosa é uma barreira tradicional entre a França e Itália ao longo de sua área sul, uma encruzilhada na área da Suíça e, finalmente a base de uma província histórica que recentemente se transformou no estado nacional da Áustria. Estas diferenças funcionais não puderam ser atribuídas a características estruturais, pois os cumes que separam a França da Itália já pertenceram, por um período, a um reino que se estendeu por Savoy e Piedmont. Os romanos gostavam de um método claro, nitidamente projetado no mapa, eles achavam conveniente estender os limites de seu império ao longo de linhas claramente distinguíveis como rios de cume; se não houvesse tais rios, eles construíam uma muralha, como em Northumberland.[30] Muitos estadistas tentaram seguir este exemplo respeitável. Porém, limites territoriais são como qualquer tipo de divisão artificial: são erguidos e modificados de acordo com o que acontece nos espaços que eles incluem e separam, independentemente do material usado para construí-los.[31]

A rede hidrográfica é outra característica física que teve um importante papel nas disputas entre nações. O rio deverá unir ou separar os interesses ribeirinhos? Esta é uma velha questão para a qual foram dadas muitas respostas contraditórias. Em alguns casos o rio serviu como um limite. Esta situação impôs aos poderes ribeirinhos a adoção de um modo de vida que permitisse o uso do rio para qualquer propósito possível: provisão de água, irrigação, navegação, produção de energia elétrica, etc. Muitos conflitos surgiram e foram resolvidos como resultado de tais divisões. Muito pior era o caso de rios que percorriam os territórios de vários estados nacionais. Rio acima e rio abaixo, os interesses normalmente não coincidem. A propriedade das águas e o uso do curso para navegação ainda são problemas sérios para o Direito Internacional hoje. Convenções especiais, conferências, e autoridades foram criadas para várias bacias de rios internacionais: o Reno e o Danúbio são casos famosos, muitas vezes discutidos. Nações agressivas desenvolveram teorias que reivindicando um "direito natural" do estado que ocupar a maioria da bacia para controlar a sua foz, a saída natural. O acesso livre geralmente esteve conforme a teoria que considera fluxos navegáveis grandes como "membros interiores do mar". Mas, na prática, a liberdade do alto mar é sempre difícil de se aplicar a um rio, cuja largura raramente se iguala àquela das águas marítimas territoriais de quaisquer das nações ribeirinhas.

A unificação política de um conjunto de uma bacia hidrográfica veio a ser favorecida em alguns casos, como nas propostas para uma Federação do Danúbio nas quais foi citado, muitas vezes, como um modelo para a organização internacional, o sucesso da Autoridade do Vale do Tenennessee (AVT). Porém, a AVT era um plano de intranacional, supervisionado por um governo federal e pelo Congresso. Uma situação internacional envolve dificuldades e desenvolvimentos de natureza diferente dessa AVT. Os dois grandes portos de Rotterdam e Antwerp, situados na entrada para a combinação da baixa bacia dos rios do Reno, Meuse e Scheldt, desenvolveu tanta rivalidade que Rotterdam tentou estrangular Antwerp, enquanto esta esteve sob a bandeira holandesa. O comércio floresceu melhor nesta área quando um limite nacional separou os dois portos. A unidade de bacias hidrográficas parece ter sido enfatizada mais recentemente na política. Esta ênfase pode ser aliada ao maior uso que civilização moderna faz dos rios - seja bombeando mais água para necessidades urbanas e industriais ou usando a correnteza para a produção de energia elétrica. Isto também deve estar relacionado à maior expansão do nacionalismo econômico e tendências autárquicas. As considerações sobre a hidrografia certamente têm uma participação importante na política nacional e internacional, às vezes como fator de união, e às vezes como uma linha dividindo o destino humano.

A vegetação, as terras e a estrutura geográfica são todas partes da aptidão de uma área para produzir. O tamanho da área também é um fator ao se avaliar esta aptidão. O cálculo aritmético mais simples mostra que uma ampla área deveria prover maior quantidade de recursos básicos que uma área pequena. Isto, é claro, nem sempre é o caso: por exemplo, o Saara, embora muito maior que a França, tem menos aptidão para produzir. Mudanças na tecnologia afetam substancialmente o potencial produtivo das áreas ao longo do mundo: a Pennsylvania hoje oferece uma geografia econômica que William Penn jamais poderia visualizar. Com um registro histórico mais longo (do que a Pennsylvania), países como a Palestina, o Egito e a Ucrânia mostram subidas e descidas em seu potencial produtivo e em sua habilidade de manter populações densas. O valor prático de uma determinada terra, um tipo de vegetação ou um depósito mineral varia com a sua destinação. A floresta tropical é um ambiente rico para tribos de pigmeus satisfeitas com um modo muito primitivo de vida; e se tornou uma região que produzia rápido e facilmente materiais que renderam um bom lucro aos primeiros europeus a que exploraram de um modo devastador, com trabalho de escravo. Uma reação veio quando as regiões tropicais, que eram consideradas áreas pobres, começaram a usar novas técnicas de utilização e organização econômica e política. Já não há desespero quando se trata de áreas atrasadas. Muitos dos países que haviam sido considerados desesperadamente atrasados em algum momento de seu passado estão agora na vanguarda do progresso.[32]

Se a tecnologia moderna e a Economia pudessem ser colocadas em uma breve fórmula para o uso dos geógrafos, ela poderia a seguinte: "A natureza não produz; a natureza só reproduz". Produção é uma função econômica e não natural. Leva consigo a conotação de ser dirigida a algo. A produção resulta das atividades humanas que se inseriram dentro dos grandes ciclos (vegetativo e mineral) da natureza, e os rompeu um pouco para servir aos homens ambiciosos que os dirigem para certas metas. Mesmo a mineração, freqüentemente descrita como o tipo mais destrutivo uso dos recursos, não destrói, cientificamente falando, os minérios ou metais extraídos: ela apenas os desloca. O ouro tirado do solo da África do Sul poderia ser achado gerações depois nos dentes de europeus ou nas canetas-tinteiros de americanos. O ferro achado em forma concentrada em minas suecas e extraído há muito tempo ainda pode estar em alguma máquina ou vagão de trem, ou pode ter sido devolvido de uma maneira ou de outra para a terra. Este deslocamento pelo homem de elementos naturais de sua ordem física normal, através da mineração, agricultura, silvicultura, ou sistema hidráulico, foi desenvolvido em uma escala maior e para um número maior de elementos de acordo com o crescimento da população e com o desenvolvimento e melhoramento das técnicas de Química e Física. Recentes avanços na Física Nuclear abriram grandes possibilidades de se transportar os elementos da natureza pela vontade e conveniência humanas. Eles podem resultar na auto suficiência econômica para um país de forma mais fácil, porém menos lucrativa.

O número de pessoas e o seu nível tecnológico são fatores determinantes ao se usarem os recursos "naturais" potenciais ou ao substituir alguma organização pela a falta de algum recurso desejável dentro da área considerada. O tamanho da área neste contexto também é relevante. Pode ser mais fácil "organizar" um espaço menor. Isto depende novamente da densidade e da qualidade da população - e, em última análise, da organização social e política que torna a tarefa de se harmonizarem os recursos naturais e humanos mais árdua ou mais fácil. Vamos, então, considerar a organização nacional ou regional dos grupos na sua relação com o ambiente físico em que se encontram. Muitas vezes os geógrafos expressaram sua convicção de que o governo é um fator na Geografia Política e no uso dos recursos. Isso parece hoje uma verdade óbvia mas que está a merecer análise mais profunda, na procura das raízes da questão.

O que nos parece importante é que os homens e as coisas variam de uma região para outra, de um país para outro. Há uma variedade natural no espaço habitado pelos homens. Esta diversidade natural é muito menos variada que a política, e as duas não coincidem no mapa. O padrão alcançado, resultante da ação e organização humana é o mais complicado mas também o mais importante para as relações internacionais e para a vida diária dos homens. A Geografia visou a uma pesquisa de "o que é onde"; mas não teve muito êxito na explicação de "por que era assim", "como" e "por que" a ordem presente estava evoluindo. Para alcançar um melhor entendimento destas perguntas momentosas pode ser útil olhar para elas através dos olhos dos "fazedores" (aqueles que estão atuando num determinado contexto social): nem todos os grupos humanos vêem a mesma coisa no mesmo ambiente. Cada grupo faz do ambiente o que eles pensam que deveriam fazer. Eles não pensam de forma semelhante. Em um espaço já diferenciado por natureza, esta diversidade das mentes das pessoas, do espírito das nações, cria mais diferenciação. A diferenciação do espaço acessível aos homens parece ser a razão de ser da Geografia e das relações internacionais.

A organização do espaço diferenciado

As relações internacionais sempre foram complicadas porque o espírito de cada nação é tão diferente do espírito das outras nações. Isto é especialmente verdade em se tratando de países vizinhos: limites entre eles existem porque cada país possui sentimento diferente do outro. Este espírito nacional ou regional é sempre feito de muitos componentes: um fundo histórico e sua interpretação, comum aos membros da comunidade, mas estranho para aqueles que estão além das fronteiras. A ligação comum é preservada e freqüentemente reforçada pela educação que a família e escola dão as gerações mais jovens. O ambiente local tem sempre relevância entre as fundações desse espírito regional ou nacional, mas o importante é o que as pessoas são ensinadas a enxergar nas condições físicas e sociais em que eles vivem. Nós sabemos que os planaltos da vasta ilha de Madagascar foram rapidamente desflorestados e convertidos em uma pobre estepe de baixo crescimento, depois da conquista e reorganização da terra por um povo criador de gado originário da região da Índia. As árvores e a agricultura não tinham muito significado para eles. Madagascar até hoje exporta carne de boi. Mudanças ainda mais notáveis aconteceram nos últimos cinco séculos ao longo das Américas. No Velho Mundo regionalismos persistentes evoluíram na direção dos nacionalismos dos tempos modernos, dividindo as terras cada vez mais.

Para distinguir-se de suas redondezas, uma região precisa ter muito mais do que uma montanha ou um vale, um determinado idioma ou certas habilidades; precisa de uma convicção forte essencialmente baseada em algum credo religioso, algum ponto de vista social, ou algum padrão de recordações políticas e freqüentemente uma combinação de todos os três. Assim o regionalismo tem algum simbolismo como sua fundação. Um ícone, um símbolo ligeiramente diferente daqueles apreciados por seus vizinhos, foi cultuado em cada região do Velho Mundo, adornado com todas as jóias e riquezas que a comunidade poderia prover, até que isto se rompeu ou tornou-se um bom investimento econômico. Interesses econômicos foram um grande motivo, talvez superestimado até mesmo nos negócios internacionais, mas as emoções populares despertaram mais freqüentemente em virtude de outros motivos.[33] Vários problemas teriam sido mais facilmente resolvidos se as nações fossem menos presas ao seu orgulho, passado, modo de vida, cultura, ou seja, tudo aquilo nós reunimos no termo "espírito nacional". Mas a vida valeria a pena se nós não tivéssemos tais valores para cultivar? Várias pessoas têm se perguntado isso há muitas gerações. A História nos ensina que os povos já por diversas vezes preferiram deixar a terra de seus antepassados a abandonar as suas convicções ou o seu modo de vida. Este último pode ter sido substancialmente alterado a posteriori, como resultado do deslocamento, mas permaneceu diferente daquele cuja imposição fora rejeitada.

Ser diferente dos outros e orgulhoso das próprias características especiais é um traço essencial de todo grupo humano. Nenhum grupo se sente desgostoso quando o seu exemplo é seguido, mas nenhum grupo gosta de seguir outro. Este traço básico, inerente à Psicologia e Sociologia humana, faz cada de unidade de espaço habitada pelo homem uma unidade humana. Os fatos mais persistentes são os do espírito, não os do mundo físico. Tanto isto é verdade que direito internacional lutou durante algum tempo com uma confusão entre as leis "naturais" e "racionais" - a natureza, como descrita por nós, é o que nós acreditamos que deveria ser. E enquanto a História mostra o quão persistentes são os fatores do espírito, a Geografia demonstra que as divisões principais observadas no espaço acessível aos homens não são as da topografia ou da vegetação, mas as que estão na mente das pessoas. As nações gostam de domesticar a natureza e a todos de seu próprio modo.[34]

Qualquer espaço em que o homem penetra torna-se dividido de algum modo. Uma batalha longa, muito mais complicada do que a história da construção naval, foi lutada em nome da liberdade do alto mar. Certas bandeiras nacionais ainda seguram o monopólio de transporte marítimo entre certos pontos embora a rota atravessa os mares altos - os Estados Unidos na rota entre São Francisco e Nova Iorque, e a França entre Le Havre e de Fort de France. Há uma legislação que disciplina que pode-se escavar até onde a tecnologia permitir no intuito de se retirar do solo as riquezas minerais. Outra legislação, no mesmo sentido, disciplina a atmosfera. A partir do momento em que os homens começaram a voar, o espaço aéreo ficou dividido: é muito mais fácil de entrar na estratosfera, embora sua estrutura seja muito especial, do que cruzar (a menos que autorizado pelas devidas autoridades) o limite vertical imaginário que separa o espaço aéreo de dois territórios nacionais.[35]

Todos estes padrões culturais e legais têm conseqüências óbvias na Economia. Os economistas também lidam com espaço e se preocupam muito com sua organização. Mas o espaço para eles é pouco diferenciado: eles formulam sua essência para seus próprios propósitos, levando em conta custos de transporte, distâncias, e as tarifas alfandegárias e os regulamentos - todas as coisas que podem ser mudadas pela lei. A realidade é mais complexa porque é geográfica, e, portanto, diferenciada. Na realidade, toda unidade territorial, regional ou nacional, é individualizada. Seu próprio espírito lhe dá uma certa individualidade. O distinto economista, Edgar M. Hoover, tentou em seu livro "O Local da Atividade Econômica" formular os princípios da distribuição espacial destas atividades.[36] Este é um livro importante para geógrafos pois formula várias abstrações interessantes; mas à medida que Sr. Hoover percorre o seu caminho aproximando-se dos fatos reais, ele se depara com elementos menos redutíveis a termos genéricos e de uma natureza diferente da área quantitativa: ele não consegue deixar de enfatizar a importância da estrutura econômica e social de comunidades, das mudanças tecnológicas, dos limites políticos, das considerações da defesa nacional, etc.. Os capítulos de sua obra tornam-se mais vazios à medida que cresce a complexidade dos fatores. O economista depara-se com todos esses acidentes que diferenciam e determinam a qualidade do espaço em que vivemos. Há uma organização de espaço. O economista está interessado nisto porque é organização, o geógrafo porque é espaço, que para ele é uma unidade limitada, diferenciada, dotada de questões de acessibilidade, soberania, evolução, e, finalmente, "personalidade", se é que esse termo pode ser aplicado a comunidades inteiras.

A diferenciação que surge entre compartimentos do espaço é a própria base de qualquer estudo em relações internacionais. A evolução daquela diferenciação tem sido por muito tempo uma preocupação principal da Geografia Política. Aproximadamente meio um século atrás, o geógrafo francês, Paul Vidal de la Blache, escreveu que não deveria haver nenhum problema mais importante na Geografia Política do que determinar como "elementos de uma vida genérica infiltram-se através da multiplicidade de casos locais."[37] Naquele tempo, ele estava estudando como as muitas partes do território que se tornaria a França uniram-se para formar uma nação independente e unificada. Sua frase define a análise geográfica da construção de um império ou dos processos que formam essas zonas vastas de civilização que ainda possuem tanta importância nas relações humanas. Seu problema também é o da organização internacional. Mas qual é a importância da Geografia em todos estes problemas delicados, perguntaria o leitor, se as causas determinantes de diferenciação de espaço estão no espírito, na cultura, na história das comunidades? Não seriam os historiadores, os sociólogos, os psicólogos, e os antropólogos culturais as pessoas adequadas para estudar as questões do espaço diferenciado? Tendo sempre sido contra a veneração de rótulos e divisões artificiais, nós não duvidamos que um historiador bem treinado em Geografia poderia fazer um trabalho tão bom quanto um geógrafo bem treinado em História. Eles provavelmente poderiam fazer um trabalho ainda melhor se trabalharem juntos no problema, mas tal debate está fora do ponto principal. O problema levantado é o da contribuição científica da Geografia para seu próprio campo. A Geografia é somente um método para arquivar, classificar dados fornecidos por várias ciências naturais e sociais, ou possui algo próprio além disso? Nós pensamos que a Geografia tem um papel bem definido e original, mas este papel é complexo e não foi bem clareado. Tentaremos definir esse papel nos termos da fórmula já exposta, segundo a qual a Geografia estuda a organização do espaço diferenciado e acessível ao homem.

Como pode a diferenciação de uma unidade de espaço - que chamaremos de região para sermos mais breves - ser definida? Basicamente por um método que acentua as diferenças de outras regiões. Mas uma região não é um corpo morto cristalizado; é um corpo mutante; assim como as outras regiões. Como nós podemos expressar uma relação tão instável entre os vários elementos mutáveis? Dando ênfase na relação entre esses elementos, os geógrafos aplicam o método comparativo. Eles registram as vantagens e as desvantagens, os prós e os contras, e mede o que é mensurável com parâmetros comuns. Este método fornece dados estatísticos mas não funciona satisfatoriamente em termos de espaço geográfico. Então o método cartográfico é trazido: mapas economizam frases longas e as dizem com mais precisão.[38] Um bom geógrafo pode mapear quase qualquer coisa, mas quanto mais inteligente seu desenho menos pessoas conseguem captar a mensagem que o autor pretendia transmitir.

Um mapa expressa uma rede de relações e é isso que geografia valoriza. Não é simplesmente uma rede de relações entre fenômenos funcionais integrados em um determinado lugar. É muito mais um jogo de relações entre coisas que não coincidem no espaço mas que nele se espalham e ainda assim estão relacionadas. O mundo seria uma organização bem simples se, selecionando uma localidade, você pudesse explicar o que acontece lá só através da análise das condições locais. A questão é que você nunca pode explicar completamente uma coisa considerando apenas os desenvolvimentos locais. Vamos tomar uma árvore como exemplo: podemos explicar seu crescimento, sua forma pelas condições do espaço que ocupa? Nunca. Em primeiro lugar a árvore precisa de água; que é trazida pela chuva. Mas a chuva não é gerada no local em que está a árvore: vem de longe, assim como o vento que encurva seus galhos, assim como o calor que faz a árvore viver, que vem do sol. Se outra árvore mais alta houvesse crescido ao sul da nossa, esta seria encoberta pela sombra, de forma que os galhos mais fortes teriam se estendido para o leste ou para o norte, procurando luz e calor. O crescimento subterrâneo das raízes é outro fator importante. Pode ser limitado por outras raízes de árvores que crescem nas proximidades. E as raízes terão que desenvolver de acordo com o padrão de circulação de água subterrânea; a propósito, nossa árvore pode crescer até mesmo sem qualquer chuva local se houver alguma fonte a pouca distância. A árvore depende de uma rede complexa de relações com as áreas adjacentes, algumas delas não muito próximas; e depende também da política adotada pelas autoridades estatais sobre o corte de madeira.

Ninguém ousaria comparar o homem moderno, e muito menos uma comunidade inteira, com uma árvore. O exemplo de uma planta imóvel apenas mostra que o próprio ambiente físico, até mesmo em pequenos detalhes, não é determinado localmente. O clima em determinado território resulta de um jogo de forças normalmente centrado ao longe. O meteorologista em Nova Iorque se preocupa com as temperaturas altas do Caribe e com a temperatura baixa de Newfoundland, e assim ocorre em todo o mundo. A topografia é importante em relação ao que está além disto: a estrutura de estratos locais pertence à Geologia, mas a habilidade de um vale para ser uma rota ou de uma montanha para ser uma barreira pertence à Geografia. Rota e barreira são noções que envolvem o mundo externo; eles significam tráfego, transporte, comunicações. A função de um rio em um determinado ponto depende do mar para o qual flui e do que acontece na nascente de onde a água vem. O ambiente físico é definitivamente uma questão de relações inter-regionais tanto quanto (e talvez mais) do que de condições regionais.

Tão verdadeiro é o mesmo princípio aplicado no campo da Geografia Cultural e Econômica. Nenhuma cultura foi completamente desenvolvida em um mesmo lugar; sempre foi modelada por influências e pressões de outras áreas. Se a região considerada é completamente isolada do mar, estas influências vieram principalmente (mas não exclusivamente) através dos vizinhos. No caso de uma localização marítima algumas influências podem ter vindo diretamente dos antípodas ou qualquer outro país estranho. Desta forma, a distribuição de terra e mar reaparece, mas pode ser entendida de vários modos: por exemplo, um país isolado do mar que tem limite com um vasto deserto pode ter sido afetado através de influências de terras estranhas do outro lado daquele deserto. Como o mar, o deserto pode ser uma rota fácil ou uma barreira; não é ocupado densamente por homens e oferece para mais liberdade a trafegar. O mar, como o deserto, também pode desencorajar tráfico para aqueles que não possuem o espírito de atravessá-los. O ambiente físico está lá, importante à medida que canaliza as relações e ajuda a amoldar a rede de comunicações, mas esta importância diminui à medida que a civilização aprimora seus meios de transportes terrestres, marítimos e aéreos.

A rede de relações culturais deve ser a mais delicada e complicada de localizar; mapeá-la não é um trabalho fácil. Vidal de la Blache certa vez comparou a civilização de um país a um relógio - precisa de ação do exterior para que lhe dar corda, caso contrário pára e não mais mostra a hora certa. Ele estava definindo a França sendo constantemente afetada pelo entrosamento de dois elementos diferentes: um continental, verdadeiramente europeu; o outro marítimo, mediterrâneo, trazendo influências d'além mar.[39] Em tempos modernos o elemento Atlântico tornou-se pelo menos tão importante quanto era o Mediterrâneo. Marítima e continental simultaneamente, pela forma de seu território bem como pelo seu espírito, a França participou constantemente em dois padrões de desenvolvimento. Isso não fez a sua história mais estável ou simples, mas certamente a enriqueceu. Hoje novamente a sua posição em relação ao que está acontecendo nos oceanos e no continente aumenta a sua importância e os seus problemas.

Pode ser argumentado que, para ser marítimo, um país precisa de uma "janela para o mar aberto" e que o destino de uma nação não pode ser completamente desvinculado do impacto de sua colocação territorial. As intercorrelações no campo da Geografia são complicadas, e pode ser dito que nenhum fator é totalmente ineficaz. Todos os fatores são importantes por sua relação com os outros. A posição geográfica de um país é sempre definida em relação a alguns marcos situados a uma distância, por exemplo o Equador e o Meridiano Zero quando a latitude e longitude são consideradas. Mas é uma rede de relações muito mais complexa e muito menos estável que o geógrafo deve pesquisar no intuito de atender aos propósitos práticos que interessem ao estudante de Relações Internacionais.

Quando o Presidente James Monroe proclamou a famosa doutrina que levou o seu nome, ele não estava apenas seguindo algumas linhas gerais de Geografia e declarando o poder divisor de oceanos entre continentes. A não interferência de Potências européias em assuntos americanos e o respeito ao status quo foram duas conclusões fundadas, na verdade, no estudo de todas as relações de poder e de intenção que compunham a Geografia Política daquele tempo. Comentando na declaração, Thomas Jefferson escreveu a James Monroe no dia 24 de outubro de 1823:

"Nossa primeira e fundamental máxima deveria ser: nunca envolvermos-nos nos assuntos da Europa. Nossa segunda, nunca permitir a intromissão da Europa nos negócios do lado de cá do Atlântico. A América, Norte e Sul, têm um jogo de interesses distinto daqueles de Europa, e particularmente o seu próprio jogo. A América, portanto, deveria ter um sistema próprio, separado do sistema europeu. (... ) Mas nós temos que nos fazer uma pergunta primeiro. Nós desejamos adquirir para a nossa própria confederação mais alguma das províncias espanholas? Eu confesso francamente, que eu já pensei que Cuba poderia ser o acréscimo mais interessante a ser feito ao nosso sistema de Estados. O controle que, com Florida Point, esta ilha nos daria sobre o Golfo de México, e os países e istmos confrontantes, bem como todas as águas que fluem para lá, completaria o nosso bem estar político. No entanto, como eu sou sensato o suficiente para saber que isto nunca pode ser obtido, mesmo com seu próprio consentimento, a não ser pela guerra; e sua independência, que é nosso segundo interesse, (e especialmente sua independência da Inglaterra) pode ser assegurada sem a guerra, eu não tenho nenhuma hesitação em abandonar meu primeiro desejo a chances futuras e aceitar sua independência, com paz e a amizade da Inglaterra, em lugar da anexação de Cuba, à custa de guerra e a inimizade da Inglaterra."[40]

Os comentários de Jefferson proporcionam uma bela análise da interpenetração da posição geográfica políticas internacionais. Ajuda-nos a entender o quanto a situação natural, social, e política de uma região, com a população que lá habita, é dependente na rede de relações que foram elaboradas lentamente no passado através de sucessões geológicas e históricas. O ambiente geográfico, portanto, não deveria ser levado como o conjunto de condições locais. Todo território tem algum ambiente físico, econômico, e social interno. Mas isto está sob o impacto do ambiente externo, formulado por uma rede de relações, situando a região considerada entre outras unidades diferenciadas do espaço global em que ela participa. A própria rede é tão complicada porque todo canto de espaço acessível aos homens é fortemente diferenciado, devido à variedade de mentes humanas e o espírito original das comunidades.[41]

Assim, parece que as mesmas dificuldades estão no caminho do geógrafo e do estudante de Relações Internacionais. Os dois campos estão muito intimamente conectados, embora houvera alguma ignorância mútua entre tais disciplinas. A Geografia desenvolveu-se muitas vezes como uma disciplina de pesquisa e ensinamento do resultado das guerras. Na Europa, o geógrafo foi olhado em no século XIX como um técnico que sabia traçar mapas com os quais cérebros militares poderiam planejar as suas investidas militares e diplomatas concordavam ou não sobre limites territoriais. Sem subestimar a importância da guerra na história, pode ser discutido que a Geografia deveria contribuir muito mais para a organização da paz. Os geógrafos que criaram a Geografia moderna no amanhecer do século XX, principalmente entre 1895 e 1910, eram todos impressionados pela importância da rede de relações que afetam problemas regionais que têm suas raízes e membros bem longe da região estudada. Vidal de la Blache na França, MacKinder na Inglaterra, Ratzel na Alemanha - todos contribuíram para estabelecer a autoridade da sua habilidade. A maioria dos seus estudantes, por mais que admirassem os grandes homens que desenharam as medidas genéricas, dedicaram-se no aprimoramento das técnicas analíticas. A Geografia entrou em microanálise, quebrando a sua unidade, perdendo de vista o seu objetivo original: contribuir ao sistema humano de modo geral para a compreensão do mundo como um todo. Tornou-se não-científico usar a "medida genérica" e a Geografia tornou-se menos útil às outras ciências sociais, e especialmente às Relações Internacionais.

Alguns alunos de Vidal de la Blache tentaram continuar a trilhar o caminho que ele abriu. Jean Bruhnes e Camille Vallaux escreveram Géographie de l'Histoire que já revela uma inclinação ambientalista (no estrito sentido da palavra). Albert Demangeon permaneceu mais próximo aos ensinamentos de seu professor. Em seu famoso livro sobre Picardy, o modelo das monografias regionais francesas, ele declarou que "a fazenda mais produtiva não era a que se estava esforçando para obter rendimentos mais altos, mas a que estava se adaptando melhor às condições de competição e comercialização".[42] Poucos geógrafos, infelizmente, levaram em conta a importância da rede de relações. Um recente volume publicado na Inglaterra sobre Geografia Atrás da Política, embora tenha citado abundantemente tanto Vidal de la Blache quanto Demangeon, ainda declara que os problemas básicos da Geografia Política são: a análise da relação entre comunidade e o ambiente físico (considerado como as condições locais) e da suscetibilidade dos Estados mudar.[43] Este ainda é um enfoque que conduz à Ecologia que Ratzel pode ter trazido da Botânica (seu campo de conhecimento inicial) para a Geografia.

Em 1750 um estudante jovem e brilhante de Sorbonne, mestrando em História, teve o entendimento de que os estudos históricos deveriam conduzir a algumas conclusões de valor prático. O jovem Turgot, que posteriormente se transformaria em um dos maiores economistas e reformistas da França, escreveu um breve, ligeiramente obscuro e ambicioso texto que ele intitulou La Géographie Politique.[44] Ele sugeriu um programa completo para a Ciência Política dividido em três partes as quais ele chamou de "verdadeiros títulos'': "(1) uma história racional do mundo; (2) uma geografia política, que continuaria a partir disso; (3) um tratado sobre o governo, que conteria o que eu chamo de Teoria da Geografia Política." Na sua Geografia Política Turgot quis dar "um perfil de história" em um determinado momento. Ele não completou este trabalho e foi logo direcionado para a Teoria da Economia, de tão revolucionárias que as suas idéias pareceram aos seus professores. Dois séculos depois de sua tentativa, pode parecer possível apanhar o seu projeto novamente e esperar o surgimento de alguns princípios e teorias a partir de um estudo completo da organização de espaço diferenciado.

A teoria das Relações Internacionais lida com noções muito abstratas, como a soberania. É através do Direito e da História que tais problemas normalmente são analisados. É velha a idéia de que a soberania deveria estar relacionada com o espaço, pois como poderia a mesma se aplicar sem algum tipo de apoio espacial? Unir a soberania com o solo e o céu locais é uma velha e exagerada simplificação, talvez responsável por algumas das características menos desejáveis do nacionalismo habitual. Unir a soberania com a correta diferenciação regional, bem como a uma liberdade de estilos de vida, talvez formule um princípio de soberania ligada ao espaço; o que pode ajudar a entender porque a soberania duradoura em áreas muito vastas parece requerer uma forma federalista de governo, mais apta a respeitar as diferenças regionais. A soberania pode ser bem a ferramenta legal pela qual as pessoas tentam preservar o seu direito de se diferenciar dos seus vizinhos.[45] A soberania é para as nações o mesmo que a propriedade privada e privacidade são para os indivíduos. A organização de espaço diferenciado, para alcançar qualquer tipo de forma estável, tem que prover para tal segurança. Os povos, enquanto suspeitos um do outro, não consideram como "condições seguras" aquelas em que a liberdade para diferenciação não é concedida.

O que poderia ser a contribuição do pensamento geográfico ao estudo das Relações Internacionais só foi sugerido por alguns poucos geógrafos. Vários estudantes de outros campos sentiram a necessidade de tal contribuição. Como a organização internacional se desenvolve nos textos e nos fatos, pode ser entendido que a diferenciação de grupos humanos e conseqüentemente do espaço acessível é um obstáculo principal à aplicação de abstrações também generalizadas. A Geografia deveria ajudar a resolver a dificuldade, se corretamente interpretada. As diferenças podem ser organizadas sem ser suprimidas. A multiplicidade de estilos de vida regionais pode ser mantida e até melhorada pela cooperação geral. Nós precisamos conhecê-los, entender seu espírito e respeitá-los, para estudar quais relações existiram e ainda existem entre todos estes estilos de vida. Sem esta rede múltipla de relações provavelmente não haveria essa multiplicidade de regiões. Uma vez conhecidos os modos e os meios de evolução, estes poderiam ser colocados a serviço das Relações Internacionais. O grande soldado, Marechal Lyautey, uma vez definiu a guerra como "uma organização da marcha". Assim deveria ser a paz.

Os fatores geográficos

Pierre Renouvin

A vida dos agrupamentos humanos sofre a influência do clima, do relevo, da hidrografia, da qualidade dos solos e da natureza do subsolo, que determinam os caracteres da vegetação e o estado dos recursos minerais; ela também depende das facilidades de circulação, maiores pela via aquática do que pela via terrestre. É, portanto, estreitamente afetada pelo meio físico, que constitui, entre esses agrupamentos humanos, um importante fator de diferenciação. A iniciativa de Ratzel abriu caminho, em fins do século XIX, ao estudo de tais questões, o qual desde então foi freqüentemente retomado; e, sem jamais atingir a mesma amplitude e a mesma riqueza de observação, trouxe importantes complementos à obra de seu promotor.[46] A história das sociedades humanas, quer se trate de sociedades primitivas, quer de sociedades organizadas na moldura de um Estado, não pode, portanto, jamais, negligenciar o exame das condições geográficas; o alcance desta "geo-história" foi recentemente posto em plena evidência.[47]

O estudo das relações internacionais, quer aplicado às relações entre os povos, quer às relações entre os povos, quer às relações entre os Estados, deve levar em linha de alta consideração essas influências do meio físico, quase sempre sensíveis no comportamento dos povos, nos contactos comerciais ou políticos e no respectivo poder dos Estados. Quando se procura determinar a medida e as modalidades de tais influências, parece, todavia, que elas foram constantemente submetidas à ação do homem, que tentou restringi-las: os agrupamentos [p. 11] humanos se esforçaram no sentido de se subtrair às limitações impostas pelas condições naturais. Em que medida tiveram bom êxito nisso? Eis aqui a questão dominante.

1. As qualidades e os recursos do território

O Estado, na forma em que o conhecemos, está associado a um território, sobre o qual exerce um "controle". A noção de Estado, diz Ratzel, é inseparável da do território.

Neste quadro territorial, quais os dados geográficos que, segundo as observações feitas pelos geógrafos e historiadores, podem aumentar ou diminuir o poder do Estado?

a) O papel do clima havia atraído quase nada a atenção de Ratzel; e, todavia, é muito importante.

A temperatura exerce uma influência não apenas na saúde, mas nos modos de vida e no temperamento do homem. O calor ou o frio, nos lugares onde são excessivos, entravaram o desenvolvimento das atividades humanas. As zonas árticas foram sempre "repulsivas", do ponto de vista biológico. Na zona equatorial, excessivamente quente e excessivamente úmida, a aptidão do homem para o trabalho é diminuída, e difícil a formação de densos agrupamentos humanos, por conseguinte.[48] Fora dessas zonas extremas, as experiências, nos estabelecimentos industriais, feitas pelos biologistas, mostraram que a atividade ótima do operário era atingida nas regiões de temperaturas médias (Grã Bretanha, França, norte dos Estados Unidos) e que essa atividade era sensivelmente menor na região napolitana ou no delta do Nilo. Foi nas zonas de clima temperado que se desenvolveram os grandes Estados modernos.

O regime das chuvas sempre foi essencial, porque teve uma influência direta sobre a vida dos vegetais: é principalmente por intermédio do mundo botânico, notava Lucien Febvre, que o clima exerce sua ação.

Nas zonas áridas, onde a vegetação é permanentemente pobre e precária, o povoamento não pode ser nem importante, nem estável: as bases da vida econômica são frágeis. Nas zonas quentes e úmidas, o povoamento pode ser entravado pelo excesso da vegetação (a floresta equatorial) ou pelas enfermidades, pelas quais são responsáveis tais condições climáticas (malária, doença do sono).

Mesmo nas regiões que fogem a esses excessos, as formas da vegetação têm uma influência sobre as atividades econômicas e sobre a vida das sociedades humanas. O Estado cujo território pode fornecer à sua população recursos alimentares bastantes para cobrir suas necessidades acha-se em situação de menor dependência em relação aos Estados estrangeiros: pode mais facilmente procurar isolar-se do ponto de vista econômico, e por conseguinte do ponto de vista político. A abundância dos recursos florestais deu a certos Estados uma grande vantagem no setor marítimo, na época em que a madeira era o "material" das construções navais e em que a densidade das florestas formou, nas zonas fronteiriças, uma tela protetora, que durante muito tempo constituiu um elemento de segurança, Os Estados produtores de algodão bruto adquiriram importante papel na vida econômica do mundo, no momento em que a indústria têxtil se expandiu. E quantos outros exemplos não se apresentam ao espírito!

Será estável esta influência das condições climáticas? Sem dúvida é possível observar que mudanças no regime pluvial ou na distribuição das zonas térmicas intervieram no passado; é possível, por exemplo, que as migrações de população da Ásia Central tenham sido provocadas pelas secas; mas semelhantes modificações foram muito lentas. Esta relativa estabilidade não deve, porém, levar a atribuir ao clima um papel determinante, porque, numa mesma zona climática, pode haver diversos modos de organização da vida e de dispersão ou de acumulação do povoamento. Aliás, as experiências do passado não fornecem um elemento válido de explicação para o presente; as relações entre o clima e a vida das sociedades humanas tiveram, até o século XVIII, um caráter de urgência, pois tais sociedades, exclusivamente agrícolas, eram "dominadas pelo problema, sempre difícil, das subsistências". Hoje, este liame de dependência é muito menos estreito.

Há quarenta anos, Lucien Febvre já havia notado que a influência das temperaturas e das chuvas sobre a vida das sociedades humanas não tinha "nada de estrito, nada de rígido, nada de mecânico", e que não poderia ser estudada seriamente, enquanto as observações relativas às formas de clima não estivessem mais adiantadas. Semelhante observação nada perdeu de seu valor hoje.

b) A influência do relevo é sem dúvida sensível no domínio dos recursos alimentares, já que a altitude e a orientação das vertentes modificam as condições climáticas. Ela se exerce também sobre aspectos essenciais da vida social e política do Estado: densidade do povoamento, mistura das populações, traçado das fronteiras.

A densidade do povoamento? As regiões montanhosas foram, na Europa, durante muito tempo, e são-no ainda hoje em certas partes da Ásia ou da África, "zonas de refúgio"; planícies inundadas permaneceram pouco povoadas, até o momento em que foram construídos diques. O papel do relevo, a este respeito, variou, no tempo: as populações montanhesas vieram procurar nas planícies condições mais fáceis de vida, quando os progressos da organização social estabeleceram uma segurança que tornava supérflua a "zona de refúgio", ou quando os progressos da técnica atenuaram o perigo das inundações. Os geógrafos observaram que, na Europa contemporânea, os "antepaíses" das regiões montanhosas, onde a produção é abundante e a circulação mais fácil, se tornaram zonas de "acumulação". A significação relativa da montanha e da planície é, portanto, segundo a observação de Pierre George, "um fato de civilização muito mais do que um fato físico".

A mistura das populações? Ela foi muitas vezes entravada pelos obstáculos que o relevo opunha à circulação dos homens e das mercadorias. As diferenças culturais e econômicas entre os agrupamentos humanos subsistiram mais tempo nas regiões onde a topografia estabelecia uma separação, ao passo que nas zonas onde a circulação era fácil tais diferenças tenderam a desaparecer. Ainda é preciso evitar as generalizações: se a passagem de Belfort – a "Porta de Bourgogne" – marcou um limite lingüístico, a de Gorícia-Ljubliana foi uma zona de contato entre italianos, alemães e eslavos, e o passo de Barenner foi largamente transposto, desde a Idade Média, pelas populações de língua alemã que penetraram no alto vale do Ádige. Uma "porta" pode, portanto, ser uma via de invasão. Seria ainda mais imprudente querer estabelecer uma relação entre as formas do relevo e os tipos de sociedades humanas: o planalto, que, segundo Élisée Reclus, teria tido um papel essencial na história da humanidade, de fato não desempenhou esse papel senão sob certa latitude e em certa circunscrição; a formação de um tipo de sociedade característica, mas somente nos casos em que o maciço não era atravessado por nenhuma via de passagem. Como se poderia concluir por um "determinismo" geográfico?

Todavia, é exato que o relevo montanhoso preservou muitas vezes a independência de uma população: a neutralidade da Suíça foi respeitada durante as grandes guerras européias, no transcurso do século passado; a abssínia escapou à penetração islamita, e pode resistir, até 1935, à expansão colonial européia. Não é menos certo que o isolamento devido ao relevo favoreceu a formação e a longa sobrevivência de Estados separados, nos vales de uma mesma zona montanhosa, na Indochina, por exemplo; mas a eficácia de uma tal separação foi muito desigual, segundo as formas do relevo: os cimos arredondados da Noruega não tiveram as mesmas incidências que as escarpas do Carso. Finalmente, as penínsulas, quando o relevo estabeleceu uma barreira entre elas e o continente – é o caso da Itália e é o caso da Grécia – tiveram tendência para realizar sua unidade política; é preciso ainda convir que esta vocação se manifestou muito lentamente.

Em suma, todas as observações feitas atrás rematam na mesma constatação: foi na medida em que suscitaram um sério obstáculo à circulação que as formas do relevo exerceram uma influência sobre os caracteres dos agrupamentos humanos.

A determinação das fronteiras políticas? Neste ponto, o papel do relevo foi importante. Sem dúvida, o traçado das linhas de demarcação territorial depende da vontade dos dois Estados vizinhos e, conseguintemente, das pressões que exercem um sobre o outro. Ele é a expressão do equilíbrio das forças, muito mais do que de dados geográficos. Mas, na história dos conflitos entre os agrupamentos humanos, a montanha, ou mesmo a presença de uma simples escarpa (as colinas do rio Meuse, por exemplo), entravou ou retardou a ação ofensiva das forças armadas, até a época, muito recente, em que o desenvolvimento do poder aéreo transformou os dados estratégicos e táticos. A fronteira, quando traçada em uma região de difícil acesso, é mais fácil de vigiar ou de defender. A altitude média do maciço não representa, a este respeito, o fator essencial: é a altitude dos desfiladeiros que importa, principalmente. A fronteira pirenéia foi sempre um obstáculo mais sério que a fronteira alpina. Por conseguinte, o Estado que quiser conservar contra seu vizinho uma possibilidade de ação ofensiva tem todo o interesse em manter, além do desfiladeiro onde se fixa a fronteira "natural", um baluarte sobre a vertente oposta, para fazer disso, se for o caso, uma base de operações. Esta consideração havia com certeza inspirado a atitude do Estado Maior austríaco, ao Ter ele desenvolvido um grande esforço, após sua derrota de 1866, por conservar o Tirol meridional (alto-Ádige), no momento em que perdia a Venécia; este baluarte lhe prestou, efetivamente, grande serviço, no outono de 1917, quando da batalha de Caporetto. Por outro lado, não será preciso constatar também, nas relações entre o relevo e a linha de demarcação política, permanências significativas? O desfiladeiro do Elba em Spandau marcou a fronteira entre a Saxônia e a Boêmia, depois entre a Alemanha e a Áustria e, finalmente, entre a Alemanha e Tchecoslováquia. Entretanto é muito importante constatar que a noção de "fronteira natural", mesmo quando exerce uma atração sensível sobre a mentalidade coletiva, raramente encontra uma aplicação estrita.

Além destas constatações, que se aplicam principalmente ao papel da montanha, não convirá encarar, também, o equilíbrio geral entre os maciços e as planícies? As páginas em que Vidal de La Blache evocou a harmonia dos traços do relevo na França marcaram fortemente as interpretações dos historiadores e dos geógrafos franceses. Os historiadores e os ensaístas alemães, por seu turno, insistiram muitas vezes no esfacelamento das zonas de "habitat" em seu território nacional e na ausência de um "foco central", apto a tornar-se um centro de atração política. Mas o esfacelamento das planícies litorâneas entravou a longa existência de um sistema monárquico no arquipélago nipônico?

c) A influência da hidrografia é manifesta, também ela, no domínio estratégico: as dificuldades que um exército encontra para transpor um grande rio cujas pontes foram destruídas, ou uma região pantanosa, tiveram papel notável nas operações militares das duas guerras mundiais. Ela pode manifestar-se, também, na vida econômica ou social e, por conseguinte, na vida política, porque o grande rio é uma via de penetração das influências exteriores. Mas são, sobretudo o traçado da rede fluvial e o regime das vias aquáticas que marcaram sua influência na vida dos Estados.

O traçado paralelo dos grandes rios, na Alemanha do Norte, estabeleceu uma divisão em compartimentos" que provavelmente retardou a unidade política, ao passo que na França a existência de uma zona de confluentes na Bacia Parisiense foi condição favorável ao crescimento de uma capital política. A Sibéria pode prestar-se a observações análogas: a unidade foi sem dúvida realizada a partir do século XVI, mas devido a uma iniciativa vinda de fora. A existência de um grande eixo fluvial é elemento favorável à formação e à extensão de um Estado: o agrupamento humano estabelecido no baixo vale quer também dominar o alto vale, cujos ocupantes podem modificar o regime aquático. O dono do alto vale procura assegurar para si o "controle" do baixo vale, que, desde que o rio seja navegável, é a via de acesso mais fácil para o mundo exterior. A ocupação total de um rio pelo Estado mais forte e que possui dele uma parte é, dizia Jean Brunhes, "um dos princípios da geografia política". Não obstante, que valor será necessário atribuir a esse princípio? É certo que o rio assume uma importância capital nas relações econômicas, quando colocado sob controle de um só Estado. Mas, excetuado o caso do Egito, onde a vida do delta depende estreitamente do regime aquático no curso superior do Nilo, os exemplos citados por Jean Brunhes não são todos probatórios. O conflito de 1928-1936, a posse das embocaduras do Danúbio, não podia evidentemente pensar em ocupar a totalidade do rio. A Áustria-hungria não procurou estabelecer seu domínio sobre o Danúbio além das Portas de Ferro. O império alemão bismarqueano, ao tempo de seu maior poderio, não tentou estender seu território para a parte superior do curso do Reno. As afirmações maciças devem, pois, ser passíveis de revisão. Aliás, a função da via fluvial pode ser salvaguardada por acordos diplomáticos, que respeitem a distribuição entre as soberanias políticas: o regime internacional do Reno, o do Danúbio, o do Congo, foram aplicados sem encontrar sérias dificuldades.

O regime aquático, assim que a técnica soube utilizar seus recursos, favoreceu enormemente, em certas regiões, o desenvolvimento da produção agrícola e industrial. Nas zonas montanhosas, a hulha branca foi um fator essencial da vida econômica geral. Permitiu, no fim do século XIX, o surto industrial da Itália do Norte, muito tempo retardado pela pobreza, em carvão, do subsolo. Em todas as regiões semi-áridas, tornou-se o rio, graças aos trabalhos de irrigação, o eixo essencial da vida agrícola.

d) As qualidades do solo e os recursos do subsolo tiveram, em todos os tempos, uma influência importante na vida dos agrupamentos humanos. É a natureza do solo que determina, em grande parte, a suficiência de um país em gêneros alimentícios. Basta evocar, em uma palavra, os casos mais típicos registrados pela observação geográfica: de uma parte, as terras ricas, o "loess" da China do Norte, ou , na Rússia, o "tchernozion" da Ucrância; de outra parte, os solos pobres do Decan ou da África tropical, danificados pela laterita. Foi a riqueza do subsolo em produtos energéticos e em minerais que permitiu o surto das grandes regiões industrializadas. É possível notar, no passado, certas relações entre essas condições naturais e a formação dos Estados. Os centros de vida política organizada foram freqüentemente, conforme a observação de Lucien Febvre, as zonas de contato entre regiões naturais de solos diferentes em recursos e onde se estabelecia um sistema de intercâmbio de economias complementares: trigais, pastagens e florestas; savanas e florestas tropicais. A natureza do solo teve também uma influência no temperamento e no caráter das populações: nas regiões de solo pobre onde o homem precisava sustentar uma luta mais áspera contra a natureza, os habitantes adquiriram um vigor físico – alguns dizem, mesmo, moral- maior, o que lhes permitiu a obtenção de um ascendente político sobre as populações vizinhas. O Brandeburgo, as Astúrias, foram freqüentemente citados em abono destas observações. Todavia, o papel das "ligações geográficas" não foi muito sensível na formação dos grandes Estados modernos, e a mistura das populações, à medida que aumentavam as facilidades de circulação, atenuou as diferenças entre o temperamento de umas e de outras. Não é menos certo que o papel do "ambiente" na formação da psicologia do agrupamento, cujo interesse Max Sorre tinha ressaltado, mereceria constituir-se em objeto de atento estudo.

No mundo dos séculos XIX e XX, em que medida o papel de tais condições naturais permaneceu um fator de respectivo poder dos Estados?

A suficiência em gêneros alimentícios perdeu muito de sua importância, quando os meios de transporte permitiram cobrir facilmente o déficit por meio de importações: o poderio da Grã-Bretanha continuou a afirmar-se mesmo na época em que, após 1846, ela sacrificou, deliberadamente, à sua indústria a sua agricultura; o poderio do Império alemão acomodou-se muito bem a uma situação econômica que obrigava a cobrir com importações grande parte de suas necessidades de cereais. Em tempo de paz, o único inconveniente deste recurso às importações era o de agravar o déficit da balança comercial, mas a balança de contas se estabelecia sem dificuldades. Em caso de guerra, é verdade, este estado de dependência relativamente às importações podia tornar-se inquietante; testemunha-o papel do bloqueio durante a guerra de 1914-1918.

Em contrapartida, a riqueza do subsolo teve um papel essencial no desenvolvimento do poder político, sobretudo quando a associação entre o carvão e o minério de ferro permitiu a expansão das indústrias metalúrgicas e, por conseguinte, a fabricação de armamentos. Sem dúvida, esta superioridade teve tendência para declinar, à medida que se desenvolvia o comércio internacional. Os países menos aquinhoados puderam abastecer-se mais facilmente fora de seus territórios de matérias-primas e de produtos energéticos: o Japão, a Itália, criaram uma indústria metalúrgica sem possuir minério de ferro. Entretanto, a necessidade de recorrer à importação constituiu um pesado "handicap" para a balança comercial e fez pairar uma ameaça sobre a vida econômica desses países, caso as fontes de abastecimento viessem a ficar inacessíveis.

A desigualdade dos recursos em matérias-primas (incluindo nesta expressão o setor energético) tornou-se, portanto, nas relações internacionais, um fator de primeiríssima importância. A competição aberta em torno do acesso a tais recursos provocou conflitos ou ameaças de conflitos entre os detentores dessas riquezas e os que desejam obter uma parte delas. Semelhantes competições foram tanto mais ásperas quanto mais os povos, cujas faculdades de organização e capacidade técnica eram mais desenvolvidas, achavam que podiam invocar um direito: não seria justo que os recursos do subsolo aproveitassem aqueles que fossem capazes de tirar daí o melhor partido? Nesta corrida ao poder, o Estado que "controla" as matérias-primas essenciais leva grande vantagem. Esta riqueza ainda não se apresenta, sempre, sem inconvenientes, porque, no seio de um mesmo Estado, podem manifestar-se os contrastes existentes nas relações internacionais: os habitantes, nas regiões onde se situam as reservas de matérias-primas, tem um nível de vida superior ao de seus concidadãos. As dimensões provocadas por esta desigualdade são de molde e enfraquecer a coesão nacional.

2. A posição

O papel que o Estado pode representar nas relações internacionais é amplamente afetado pelo lugar que ele ocupa no mapa do mundo. Graças à sua situação geográfica, Estados que de pequena dimensão puderam marcar, na história, vestígios não deixados por Estados mais vastos, dotados de recursos muito superiores. "Existem posições que tem um valor político", constatava Ratzel, em 1897. No decorrer do último meio século, esta constatação conservou grande parte de seu valor.

O acesso ao mar

O acesso ao mar é evidentemente uma de tais posições favoráveis. O território com uma fachada litorânea possui vantagens do ponto de vista comercial: o mar oferece facilidades de circulação a preço barato, ao passo que a construção de vias de comunicações terrestres é onerosa; ele assegura, a despeito dos riscos de navegação, uma segurança maior nas relações com o exterior, porque no mar é mais fácil que em terra escapar a um inimigo que quisesse interditar a passagem. Sensíveis, já, no século XVIII, tais vantagens se tornaram cada vez mais importantes no século XIX, quando se ampliaram enormemente os intercâmbios. O Estado privado de acesso ao mar ( a Sérvia antes de 1914; a Bolívia depois da anexação, em 1884, da zona costeira de Antofagasta pelo Chile) pode recear uma paralisação de suas trocas exteriores: está muito exposto a sofrer "pressões econômicas", em caso de tensão política.

A busca de um acesso ao mar tem sido, pois, um móvel de primeiríssima importância na orientação da política exterior dos Estados. Sem reavivar as recordações do século XVIII (a política de acesso ao Báltico, depois ao mar Negro, levada a efeito pela Rússia; a conquista da Pomerânia sueca pelo Brandeburgo), pode bastar a evocação dos exemplos mais recentes: a luta sustentada pela Bulgária para obter, em 1912-1913, acesso ao mar Egeu, acesso que ela perderia em 1920; a reivindicação pela Sérvia de uma "janela" sobre o Adriático, no transcurso da Primeira guerra mundial; a questão do "corredor polonês" em 1919; a guerra do Chaco, uma de cujas causas foi o desejo da Bolívia de obter acesso ao Oceano Atlântico, uma vez que ela perdeu acesso ao Oceano Pacífico. Deve-se daí concluir, com Ratzel, que os povos mais fortes procuraram sempre e em toda parte ocupar as zonas litorâneas, relegando para o interior as populações mais fracas? Seria exagerar muito. É fora de dúvida que os índios da América do Norte, as populações atóctones da Austrália, os hotentotes na África do Sul abandonaram as regiões costeiras, quando da chegada dos europeus. Mas como teria sido possível de outro modo, uma vez que os recém-vindos chegavam por mar e deviam, necessariamente, começar sua empresa pela ocupação do litoral? Quando as populações conquistadoras vieram pro via terrestre – é o caso da penetração muçulmana na África ocidental – limitaram – se a ocupar o interior e repeliram para a costa as populações estabelecidas.

Por outro lado, a amplitude do desenvolvimento costeiro foi muitas vezes um fator de poderio para os Estados, desde que, todavia, a população tenha tido "vocação marítima". Mas o acesso ao mar confere sempre essa vocação? No caso das populações inglesas, holandesas e escandinavas, a resposta é afirmativa; não o é em ocasiões diferentes: as populações alemãs, até mais ou menos 1880, não manifestaram atração pela navegação marítima; as da Índia meridional, da Albânia, permaneceram muito indiferentes ao mar: no Mediterrâneo, onde as costas recortadas e as numerosas ilhas ofereceram condições favoráveis, a Grécia e a Síria-Fenícia foram para os navegadores uma pátria de eleição, diferentemente da Córsega e da Sardenha, e a Roma antiga dispôs de um poderio marítimo de que Cartago foi desprovida. Estas diferenças no comportamento dos homens provêm, às vezes, de dados geográficos: por causa da raridade e da estreiteza das plataformas litorâneas, a pesca no Mediterrâneo é medíocre; o homem, portanto, é menos atraído, na sua vida cotidiana, para o mar. Entretanto, elas também provêm do caráter das populações: a Noruega, grande viveiro de navegadores, não tem mais plataformas litorâneas do que a Córsega; no Báltico, as populações bálticas ou os alemães da Pomerânea têm uma vocação marítima menor que os suecos ou os finlandeses, posto que os traços do relevo submarino sejam análogos. A posição costeira não tem, portanto, sempre, uma influência direta sobre o temperamento dos homens e sobre os seu modo de vida.

Finalmente, um Estado poderoso, quando possuía, num mar de dimensões relativamente restritas, uma porção do litoral, teve freqüentemente o desejo de estender seu controle à parte maior ou mesmo à totalidade das costas. Esta política de "mare nostrum" não foi a da Suécia no Báltico em 1658, e não explica a ação do Japão na Coréia em 1894, depois na região de Vladivostok, em 1918-1919? A Itália mussoliniana não evocou o princípio, em relação ao Mediterrâneo? A Rússia czarista, quando procurou estabelecer, entre 1879 e 1887, sua influência na Bulgária, não pensava, dizem certos observadores, em realizar a mesma aspiração no mar Negro? Não obstante, estas anotações estão longe de gerar convicção, porque, em nenhum dos casos referidos, a incitação geográfica foi manifesta. A política sueca não procurava tanto dominar o Báltico quanto estabelecer uma "cabeça de ponte" que lhe permitisse intervir nos assuntos alemães. O governo japonês queria evitar que a Coréia caísse sob a dominação russa, porque temia tornar-se vizinho de uma grande potência européia. A Rússia czarista, intervindo na Bulgária, pensava numa expansão Balcãs adentro muito mais do que na dominação do mar Negro. A fórmula lançada por Mussolini e aplicada, aliás, com muitas hesitações, salvo no Adriático, não era senão a manifestação de um desejo de poder ou de prestígio. Constatar o atrativo que um mapa pode exercer sobre a imaginação dos homens não é estudar uma influência geográfica.

O "controle" das vias de passagem

O "controle que uma posição geográfica permite exercer sobre as grandes vias de passagem, terrestres ou marítimas, é um outro aspecto considerável destes problemas.

A importância apresentada por certas zonas de circulação terrestre é um dos temas aos quais se aplicam facilmente os estudos de geografia política.

O Estado cujo território é atravessado por uma via natural de passagem toma, quando é forte bastante para interditar o seu uso, um lugar singular nas relações internacionais: todos os estrangeiros que utilizam essa passagem têm necessidade de sua complacência, bastante interessada, porque o trânsito pode dar lugar à percepção de taxas; a circulação de homens ou de mercadorias é, portanto, um motivo de lucros para os habitantes da região. Assim, a via natural de 3 passagens pode tornar-se um ponto de atração, um centro de fixação que consolide o Estado. Mas esta linha de circulação comercial pode ser também uma via de invasão: se o Estado for fraco e tiver vizinhos poderosos, arrisca-se a tornar-se vítima de sua situação geográfica favorável; tal foi o caso da Bélgica e do Irã, no decorrer das duas guerras mundiais. Sem embargo, este risco desaparece quando as forças dos Estados vizinhos se equilibram: em 1828, o Brasil e a Argentina, depois de terem tido pretensões rivais a respeito do delta do Prata, decidiram, por motivo de um não poder impor a outro a sua vontade, deixar viver o Uruguai.

O papel das "regiões ístmicas", que são os cruzamentos das vias de circulação terrestre entre dois mares, tem parentesco com o caso precedente: a análise em que Vidal de La Blache desenhou os traços do "istmo" que liga o Mediterrâneo ao Atlântico, através do sudoeste da França, ficou clássica, ainda que os traços essenciais desta análise tenham perdido, hoje, uma parte do seu interesse. A importância das avias de passagem entre o Golfo Pérsico e o Mediterrâneo, através da Mesopotâmia e da Síria, diminuiu quando a construção do Canal de Suez abriu aos europeus uma via de acesso marítimo para a Ásia meridional, mas afirmou-se de novo depois de 1919, quando a exploração das jazidas de petróleo tornou necessário o estabelecimento dos pipe-lines.

Enfim, nos grandes maciços montanhosos, as passagens estreitas foram muitas vezes lugares privilegiados para formação de pequenos Estados, que ficavam tendo, nas relações internacionais, uma situação não proporcional à extensão de seus territórios; mas raramente foram duráveis tais situações: na Europa, esses pequenos Estados, ao terem como vizinhos grandes Estados modernos, desejosos de manter o controle da passagem, perderam sua independência; na Ásia, os principados do Alto-Mé-Kong desapareceram no fim do século XIX, quando as colonizações francesa e inglesa penetraram na Indochina. Em nossos dias, os pequenos Estado, independentes, do Himalaia (Nepal, Butão, Siquim) constituem uma última sobrevivência.

Entretanto, neste com em muitos outros domínios, não se deve exagerar o papel das influências geográficas. Entre as correntes de circulação e as vias naturais, as relações são freqüentes; elas não são necessárias: na África, na Ásia, na América, certos grandes caminhos terrestres, após uma utilização secular, foram abandonados, sem que tenham mudado as condições do meio físico.

A posse de um território que permita controlar e, se for o caso, interditar o uso de uma grande via de circulação marítima constituiu, de longa data, uma vantagem de primeira ordem, tanto do ponto de vista político quanto do econômico. O papel dos Dardanelos e do Bósforo, o do estreito da Sicília, o do de Messina e o dos estreitos dinamarqueses, assinalaram todas as etapas da história das relações internacionais na Europa, sobretudo a partir do grande desenvolvimento da navegação, no século XVI. Na Ásia, o estreito de Bab-el-Mandeb e o de Malaca deram à posse de Ádem e à de Singapura uma importância mundial. Não será supérfluo recordar como a política da Grã-Bretanha trabalhou longamente no sentido de instalar sua dominação direta, ou sua influência, sobre os territórios que comandavam as grandes vias marítimas? A posse das "portas" do Mediterrâneo, da porta do Mar Vermelho e, desde 1825, da melhor base naval na via marítima que une o Oceano Índico ao Pacífico esteve intimamente associada à expansão do poderio britânico no mundo.

Ainda aí, entretanto, o alcance das condições geográficas variou de acordo com a evolução das técnicas. Os grandes progressos da navegação a vapor, na segunda metade do século XIX, deram uma importância e certos portos que se tornaram centros abastecimento de combustível, ao passo que se achavam mal colocados para serem escalas da navegação a vela. A construção dos grandes canais inter-oceâncios permitiu se estabelecessem entre os continentes novas vias de comunicação, cuja existência, ora ampliou, ora restringiu o valor de certas posições situadas sobre as vias marítimas naturais: a abertura do canal de Kiel diminuiu, em proporções modestas, é verdade, o tráfego marítimo no Sund: o corte do istmo de Suez ampliou o tráfego no Mediterrâneo e no Mar Vermelho, e deu, em conseqüência, a Malta e a Áden, uma importância maior, em prejuízo das escalas situadas na via marítima que contornava a África; o estabelecimento do canal do Panamá deu lugar, meio século antes da realização do projeto, a um ato diplomático: o tratado Clayton-Bulwer; ele conferiu um valor estratégico às ilhas do mar das Antilhas, as quais podiam "cobrir as investidas sobre o futuro Canal; enfim, chamou a atenção do mundo, no Pacífico, para as ilhas Galápagos, ao mesmo tempo em que modificava as corrente de circulação entre os arquipélagos da Oceania.

A posição insular

Para o poderio político, a posição insular tem por igual inconvenientes e vantagens.

As vantagens foram quase sempre posta em foco. As ilhas, quando isoladas num oceano, têm um valor particular na qualidade de pontos de apoio: valor econômico, porque são escalas nas rotas marítimas e aéreas; valor estratégico, porque podem tornar-se bases para a marinha de guerra e para aviação. A Islândia foi uma base naval importante na batalha do Atlântico, em 1941; os arquipélagos do Pacífico foram objeto de numerosas contestações diplomáticas, de 1840 (Taiti) a 1919 (Yap); em 1922 constituíram o centro de interesse no "pacto de cinco", um dos tratados de Washington, e foram as balizas da ofensiva americana contra o Japão, a partir de fevereiro de 1942.

Quando se acham próximas do litoral continental, as ilhas podem tornar-se postos avançados de uma penetração econômica ou política dirigida contra o Estado possuidor desse litoral: os ingleses, em 1842, puseram vistas sobre Hong-Kong como base de sua ação na China; a presença dos espanhóis em Cuba inquietou os Estados Unidos, desde que a Flórida entrou para a União; os japoneses, em 1942, ocuparam as grandes ilhas da Insulíndia, não apenas para garantir seu abastecimento em matérias-primas, mas também para estabelecer, aí, as bases navais e aéreas que poderiam permitir-lhes, na oportunidade, levar a cabo uma ofensiva contra a Índia.

A estas vantagens será preciso, ainda, acrescentar outras? Parece que o Estado insular possui "uma liberdade maior" na escolha das relações sobre as quais funda sua política. Mas será lícito acreditar que a situação insular confere a um povo, desde que ele seja suficientemente numeroso, um "gênio particular", um espírito de iniciativa que o leve a desenvolver um esforço de expansão, isso não parece assim, quando se pensa na Islândia ou na Terra-Nova, no arquipélago do Havaí, em formosa ou na Indonésia, na Córsega ou em Creta. Em compensação (é certo) a Grã-Bretanha e o Japão edificaram Impérios; entretanto, seria imprudente querer estabelecer um conectivo direto entre a vida insular e o esforço imperial; os Japoneses, de 1637 a 1854, renunciaram a entreter relações com o exterior, porque o seu governo achava que essa política de "encerramento" era sábia; não manifestaram desejo algum de abandonar semelhante linha de conduta, até ao momento em que foram constrangidos a renunciar a ela, por ação exterior. Os ingleses não experimentaram "vocação marítima" antes do século XVI; foram condições econômicas, independentes do meio geográfico, que lhes modificaram a mentalidade e lhes ampliaram o horizonte.

Mas, por outro lado, a posição insular oferece inconvenientes. As ilhas, salvo quando possuem vastas dimensões, carecem quase sempre de recursos alimentares e são obrigadas a contar com os territórios estrangeiros para assegurar o seu abastecimento: esta situação de dependência econômica, muito sensível, nota-o Fernand Braudel, nas ilhas mediterrâneas, não é certamente favorável à salvaguarda da independência política. Também quase sempre elas vivem muito concentradas em si mesmas e continuam a abrigar civilizações arcaicas: tal é o caso das ilhas do Pacífico, sobretudo das situadas longe das rotas marítimas habitualmente freqüentadas; tal foi também, até uma época recente, o caso da Sardenha, que sem embargo não se achava afastada do continente e era marginada pela rota marítima Marselha-Túnis. Finalmente, os Estados insulares, quando ficam próximos do continente, têm consciência dos perigos que sua posição implica: assim que possam prestar-se a postos avançados contra um território continental, não é para pensar que o dono de tal território tenha interesse em eliminar o risco? Para garantir sua segurança, o governo do Estado tomou freqüentemente a dianteira: a política dos doges de Veneza em relação à "Terra Ferma"; a ação dos dinamarqueses no Slesvig, no começo do século XVIII; a penetração na Malásia dos ingleses estabelecidos em Singapura; o plano de anexação da Coréia, encarado, desde 1873, pelo governo do Japão "moderno"; a conquista de uma parte do litoral da África oriental pelo sultão do Zanzibar, tudo isso manifestou semelhante tipo de preocupação.

Conforme seja grande ou pequena a ilha, situada num mar fechado ou num Oceano, afastada ou não do litoral continental, vizinha ou não vizinha de uma rota marítima, as conseqüências da situação insular são, pois, muito diferentes.

Encarado sob os seus diversos aspectos, o estudo da "posição" conduz, assim, a conclusões prudentes. Com certeza é possível fazer aproximações, anotar analogias, relações de causa e efeito a propósito de certos casos; mas em outros, embora muito análogos à primeira impressão, as mesmas relações não existem. As "afinidades" entre a geografia e a política exterior de um Estado são incontestáveis; são, porém, "muitas vezes, instáveis, quase sempre ligeiramente variadas". De fato o "valor" político da posição depende da vizinhança: a história de um Estado, dizia Ratzel, é sempre ao mesmo tempo "uma parte da história dos Estados vizinhos". Mas esta contigüidade não é um fator de conseqüências políticas constantes: às vezes ela pode estabelecer uma solidariedade, na medida em que esses Estados partilhem as mesmas inquietações perante o mundo exterior (o caso da Escandinávia na Europa contemporânea); no mais das vezes, ela desperta ciúmes entre os vizinhos. " A coabitação, assinala J. Gottman, "não é um cimento político muito eficaz e muito sólido".

3. O "espaço"

Entre os fatores geográficos, que lugar conferir à extensão do território ocupado pelo Estado? É fora de dúvida que, entre a extensão e os recursos, a correlação está longe de existir, sempre: as produções do solo dependem do clima, do regime de águas e da qualidade das terras, muito mais do que das dimensões do território; e as riquezas do subsolo nada têm que ver com o fator espacial. Tudo quanto se pode observar é que, entre Estados situados na mesma zona climática, o que ocupa um território maior do que o dos seus vizinhos dispõe de recursos agrícolas superiores, no mais das vezes. Além desta constatação, cuja banalidade é evidente, tem surgido, todavia, a questão de saber se semelhante dimensão do Estado apresentaria um "valor" em si mesma. Foi Ratzel que pos esta idéia em relevo.

Todo Estado, diz Ratzel, está "necessariamente" em luta com o mundo exterior para defender o espaço que possui, e todo Estado solidamente organizado procura ampliar o seu, seja porque essa ampliação lhe proporcione recursos mais abundantes e mais variados, seja porque lhe garanta maior segurança. A extensão do território é um elemento essencial na concepção que cada povo forma de seu destino: esta "consciência do espaço" é o centro da tese ratzeliana. Os cidadãos de um Estado de grande extensão têm vistas largas, porque dispõem de meios de existência variados e de uma grande liberdade de movimentos, enquanto os povos que ocupam um "pequeno espaço" tem geralmente disposições de espírito mais tímidas ou mais modestas. O espaço é, pois, uma "força política". No mundo atual, o pequeno Estado não pode mais esperar crescer e tem dificuldade em manter sua plena independência, ao passo que o povo de um grande Estado é, n mais das vezes, "ávido de expansão". Ratzel, todavia, não desejava o desaparecimento dos pequenos Estados: os Países-Baixos e a Bélgica, ainda que ocupem as embocaduras do Reno e do Escalda, tem direito à vida. Mas toda a sua "geografia política", sem pretender estabelecer uma doutrina, reúne argumentos próprios a justificar uma extensão territorial do Império alemão. Não é, portanto, de surpreender que o chanceler Bethmann-Hollweg e o secretário de Estado para os Negócios Estrangeiros, Jagow, em 1913-1914, tenham retomado, textualmente, em suas conversações, as fórmulas de Ratzel: o Estado é um "ser vivo que cresce; "os pequenos Estados não têm futuro".

Esta teoria do "espaço" foi objeto de uma crítica atenta, a de Camille Vallaux. O espaço, observa este, não tem valor permanente, só tem sentido pela distância, que varia, numa mesma época, de acordo com os meio de transporte. Quanto à "consciência do espaço", à qual a análise do geógrafo alemão se havia aplicado, é, dizia Vallaux, uma "nebulosa": o comerciante de Amsterdã que tem relações no mundo inteiro possui um "senso do espaço" muito superior ao do camponês francês. A extensão do território, por conseguinte, não é, na formação da psicologia coletiva, um fator determinante. Nenhuma sociedade política é "rigorosamente determinada, em sua evolução, pelo solo sobre que vive e pelo ambiente que se move.

Na verdade, as teorias de Ratzel, a este respeito, perderam muito de sua ressonância: no mundo de hoje, parece declinar a forma de ambição constituída para um Estado pelo aumento do seu território.

As constatações precedentes autorizarão a esboçar uma interpretação geral? A vida das sociedades políticas sofre, evidentemente, a influência do quadro natural dentro do qual se desenvolve; mas estará determinada por esse quadro? O estudo dos dados geográficos permitirá, em conseqüência, deduzir os princípios que podem orientar a política exterior de tal ou qual Estado?

O pensamento político, de Jean Bodin a Vauban e a Turgot, de Montesquieu a Michelet, foi com muita freqüência solicitado por esses problemas. As vezes ele admitiu um "determinismo geográfico", que encontrou em Victor Cousin uma expressão peremptória: "Dêem-me o mapa de um país, sua configuração, seu clima, suas águas, seus ventos e toda a sua geografia física, dêem-me sua produção natural, sua flora, sua zoologia, etc., e eu me encarregarei de dizer-lhes, a priori, que tipo de homem haverá nesse país e que papel esse mesmo país representará na história, não acidentalmente, mas necessariamente, não em determinada época, mas em todas...". Não obstante, foi somente a partir dos últimos anos do século XXI que o valor das influências geográficas deu lugar a interpretações que pretenderam apresentar alguma aparência científica.

A este respeito, a influência dominante foi, mais uma vez, a de Friedrich Ratzel, que se propunha examinar a ação das condições geográficas sobre os caracteres e o comportamento dos agrupamentos humanos, na convicção de que este estudo serviria para renovar os fundamentos da ciência política. As relações "entre o homem e o território", isto é, entre as atividades humanas e o ambiente natural, foram colocadas no primeiro plano de suas preocupações.

O pensamento de Ratzel foi retomado, com algumas correções, nos Estados Unidos, por Miss Semple em 1911, na Suécia por Kjellen em 1917. Mas simplificou-o e deformou-o, na Inglaterra, Halford Mackinder, então professor de geografia em Oxford. Foi uma conferência feita em 1904, perante a Royal Geographic Society, que Mackinder apresentou o essencial de sua doutrina, da qual deu uma versão mais extensa em 1919. "O equilíbrio das forças políticas", afirmou, não depende unicamente das condições geográficas, porque a "virilidade" e a capacidade de organização dos agrupamentos humanos têm também seu papel; mas são os elementos geográficos exercem uma influência, porque são "mais mensuráveis e mais constantes". As correlações entre a geografia e a história devem ser, portanto, tema essencial de reflexão. Nada mais saliente, a este respeito, que o lugar considerável ocupado pela Rússia na Europa moderna: o Estado russo, antes constituído em uma zona fronteiriça, estendeu-se para as estepes, que tinham sido as vias de passagem das grandes invasões; ele triunfou na organização do "espaço euro-asiático". Ora, este espaço representa no mundo, a "região pivô" (heartland). A potência continental, continua Mackinder, é sempre a mais forte, sobretudo quando ocupa uma "posição estratégica central", que lhe permite agir em todas as direções. No dia em que esta Rússia se estender para as regiões "marginais" da Ásia – a China, a Índia – e dispuser de uma frota, terá o domínio do mundo. Para dizer a verdade, Mackinder se limita a afirmações maciças, sem tentar estabelecer uma demonstração.

Foi a Mackinder, ao mesmo tempo que a Ratzel e a Kjellen, que a escola alemã da Geopolitik pediu, depois de 1919, inspiração. O animador desta escola, o general Karl Haushofer, ao fundar, em 1924, a Zeitschrift für geopolitik, reproduziu o mapa sobre o qual Mackinder havia desenhado as "sedes naturais do poder", declarando que a conferência feita pelo geógrafo inglês é "a maior de todas as maneiras de ver geográficas". Mas ele se preocupou, sobretudo, a exemplo de Ratzel, em dar à ciência política uma base geográfica.

A "geopolítica", disse Haushofer, é o estudo dos liames entre a terra e a política; ela deve mostrar como a política é "determinada" pelos fatores geográficos. Portanto, aplicar-se-á a examinar a influência do clima, do relevo, das formas de vegetação, também a da demografia, e finalmente a da "posição" sobre a vida das sociedades humanas. Esta análise, que estabelecerá "fatos palpáveis" e "leis demonstradas, dará aos homens de Estado as bases necessárias "para construção de um política prática"; indicar-lhes-á, ao mesmo tempo, os limites do possível: tudo quanto um governo pudesse realizar além do quadro traçado pela "geopolítica" não seria durável.

Haushofer procura, portanto, estabelecer uma "ciência e fornecer à vida política um "guia": são os próprios termos de sua profissão de fé. Mas sua preocupação não é científica: ele pensa, antes de mais nada, na educação da opinião pública. O objetivo é estabelecer a vocação da Alemanha para recobrar seu poderio.

A "geopolítica", conservando as idéias de Ratzel sobre o "espaço" e o "senso do espaço", ajunta-lhe novos temas: a "maleabilidade" das fronteiras, o direito de um povo a possuiu a embocadura dos rios que atravessam o seu território (enquanto Ratzel havia reconhecido aos Países-Baixos o direito de levar uma vida independente), finalmente a noção do "espaço vital", do qual certos povos devem poder dispor. A partir de 1931, quando o movimento nacional-socialista se expandiu, o grupo da "geopolítica" acentuou sua posição; mas adaptou sua doutrina às circunstâncias: as "leis que pretendia estabelecer para uso dos homens de Estado não podem, disse ele, aplicar-se a todas as situações, porque se dá o caso de que uma personalidade poderosa muda o curso dos acontecimentos. O oportunismo e o espírito de propaganda se afirmam abertamente.

As teses de Ratzel, de Mackinder e dos "geopolíticos têm sofrido ataques vindos de pontos muito diferentes:

A primeira corrente de oposição contestou as maneiras de ver de Mackinder e de Haushofer a respeito das "sedes naturais do poder", tendo encontrado sua inspiração na obra de Alfred Mahan. Ao passo que os geopolíticos enfatizavam o poder terrestre, no qual viam a própria gênese da dominação política, os discípulos de Mahan quiseram demonstrar que o poder "marítimo" havia tido, na história, um "papel preponderante". "Os povos, como os indivíduos, disse Mahan, declinam, qualquer que seja sua força, quando privados da atividade e dos recursos exteriores que excitam e alimentam o vigor interior". Ora, "a via mais segura para comunicar com os outros povos e para renovar a própria força é o mar". Mas o desenvolvimento de tais comunicações marítimas permanecerá precário, se o povo não possuir uma supremacia naval. O Estado cuja posição geográfica for favorável, graças à configuração do seu litoral, tem, pois, interesse em reforçar sua frota, mais do que em procurar uma expansão "terrestre", que exige grandes esforços militares: a França, no século XVII e durante a maior parte do século XVIII, errou em praticar uma política continental, e a Espanha entrou em decadência, porque, não tendo poder marítimo, não pode conservar a segurança de suas comunicações com a América do Sul. Estas constatações não tenderiam a mostrar que a política naval foi o resultado de uma opção? Entretanto, Mahan não hesitava em afirmar que a história dos povos marítimos tinha sido dominada pelas condições geográficas muito mais do que pela clarividência dos governos. Ele permanecia, pois, absolutamente aferrado ao determinismo.

Outra corrente de oposição à "geopolítica" foi dirigida contra esse determinismo geográfico. Encontrou seus animadores na França, de Vidal de La Blache e Damangeon e de Jean Brunhes ou de Camille Vallaux a Jean Gottmann. No espírito destes geógrafos franceses. Não se trata certamente de contestar a influência evidente das condições naturais sobre a desigualdade dos recursos e sobre a diversidade dos gêneros de vida, ou a importância da posição respectiva dos grupos de população. Mas todos insistem no papel das iniciativas humanas, que enfraqueceram a influência do meio geográfico; todos também se recusam a admitir que a política seja determinada pela geografia..

Atitude análoga tomaram os historiadores mais convencidos da convergência entre a geografia e a história. Os ambientes naturais, afirma Lucien Febvre, dão às sociedades humanas "possibilidades"; mas o homem é que permanece "senhor dessas possibilidades". O meio geográfico, assevera também Fernand Braudel, não é senão um "fator parcial de interpretação", porque "ele não constrange os homens irremissívelmente". O estudo desse meio não pode, portanto, dar indicações válidas para todos os séculos e para todos os estados de civilização. E Jacques Ancel, que critica a noção ratzeleina ou "espaço", dá ênfase também ao papel do homem de seu gênero de vida e de sua mentalidade, se bem que, verdadeiramente, ele atribua grande importância, em suas análises. Às condições do meio físico. Finalmente em toda a obra em que Arnolde Toynbee estuda o nascimento, o desenvolvimento e o declíneo das civilizações, é ação do homem, a da organização social, é o papel das concepções religiosas que aparecem, muito mais do que os recursos naturais, no centro da explicação.

O exame crítico não deixou quase nada subsistir das integrações de Mackinder, de Haushofer. Pode-se dizer que se deu o mesmo com as de Ratzel? Não, certamente: aqueles mesmos que atacaram mais vivamente o seu determinismo excessivo tiveram o cuidado de não confundi-lo com os geopolíticos, que faziam uma propaganda estranha a todo espírito científico. Vidal de la Blache prestava homenagem à originalidade do esforço empregado pro Ratzel e ao "tesouro de observações" que ele havia reunido. Censurava-o somente pro ele ter dado às suas idéias "uma forma dogmática pouco condizente com a relatividade dos fenômenos".

Todas as observações precedentes convergem para uma única constatação: o papel dos fatores geográficos nas relações internacionais não tem esse caráter de permanência que a gente poderia ser tentada, ao primeiro exame, a atribuir-lhe. A ação do homem teve bom êxito, notadamente de um século para cá, em restringir a influência do meio físico, graças aos processo que ele inventou e regulamentações que estabeleceu. Foram os progressos técnicos os grandes artesãos desse bom êxito.

No domínio agrícola, as condições naturais sofreram modificações, seja por efeito do desbravamento ou do reflorestamento, que não agiram somente sobre a vegetação, mas também sobre a drenagem, que permitiram ampliar as áreas cultiváveis. Quando o homem interrompeu seu esforço, reapareceram as condições anteriores: em nossos dias, a floresta tropical cobre a região onde a arqueologia, na América Central, encontra vestígios da civilização maia, e o deserto reconquistou, no norte a Arábia, lugares onde as ruínas de Palmira atestam a existência de uma grande cidade. Por outro lado, os métodos de amanho dos solos e os sistemas de cultura possibilitaram um grande aumento da produção agrícola, mesmo nas regiões onde era medíocre a qualidade das terras.

O progresso das técnicas industriais esteve ligado, desde principalmente a primeira parte do século XIX, à utilização das fontes de energia e, por conseguinte, aos recursos do subsolo. Na vida econômica e política do mundo, a era do carvão deu uma importância preponderante aos Estados possuidores de grandes jazidas de hulha. A era da "hulha branca" viu terem acesso à vida da grande indústria zonas montanhosas que anteriormente permaneciam à mar4gem da atividade econômica geral. Nos primeiros anos do século XX, a exploração das jazidas de petróleo fez aparecer, nas relações econômicas ou políticas, o papel de regiões ou de Estados aos quais todo o mundo não tinha atribuído, até então, senão um interesse medíocre. Depois de 1945, os recursos do Congo em urânio, largamente explorado por motivos militares, conferiram àquele país uma situação importante, pelo menos durante algum tempo.

Finalmente, as novas técnicas transformaram as condições da circulação e dos transportes. A construção de ferrovias, sobretudo a dos grandes transcontinentais, suprimiu o isolamento a que se condenavam certas regiões do mundo e assegurou o escoamento de sua produção: foi a ferrovia que possibilitou o povoamento e a valorização das planícies centrais dos Estados Unidos, das Campinas canadenses, do pampa argentino e da Sibéria. A aviação, a partir do momento em que adquiriu o lugar, entre 1919 e 1939, nos transportes comerciais, destruiu em grande parte o obstáculo da distancia e o do relevo; aplicada ao armamento, reduziu ou anulou o papel das "barreiras" – montanhas, rios, desertos – que eram tidas como as fronteiras mais seguras, e diminuiu grandemente as vantagens da posição insular de certos Estados, do mesmo passo que conferia importante papel a algumas ilhas capazes de tornar-se pontos de escala.

A influência dos regulamentos impostos pelos Estados, muito menos sensível que a dos progressos técnicos, não foi, todavia, sem importância. O Estado é que, por sua ação legislativa, modificou as condições de exploração do solo ou do subsolo; ele é que, a partir principalmente do século XVIII, estabeleceu uma rígida delimitação da fronteira, e, por via de medidas aplicadas aos limites de seu território – as missõ0es conferidas ao empregado da alfândega e ao policial - entravou a circulação dos homens e as trocas de mercadorias nas vias terrestres; ele que, só sou de acordo com outros Estados, regulamentou o tráfego sobre as rotas marítimas. Os tratados internacionais impuseram, em certas regiões do mundo, um esfacelamento político que raramente levava em consideração os caracteres do meio físico. Em todas essas ocasiões, as preocupações estatais de poder, de segurança ou de prestígio, e as forças sentimentais encontraram sua expressão, a despeito das condições geográficas. Por toda parte as violências exercidas pelo meio físico diminuíram sensivelmente, como resultados das iniciativas tomadas pelo homem.

As condições demográficas

No transcurso do último século, a evolução demográfica foi assinalada pela rapidez do crescimento populacional do mundo e pelo volume das migrações internacionais. Os movimentos demográficos modificaram enormemente o poder relativo dos Estados, tanto do ponto de vista econômico como no setor político, e é esse um aspecto importante do estudo das relações internacionais. Os deslocamentos de populações não só tiveram, a este respeito, um papel menor, como foram, ainda por cima, ora a causa de e ora o pretexto para litígios ou conflitos entre os Estados.

1. O surto demográfico

A despeito de todas as incertezas decorrentes das estimativas anteriores à introdução dos recenseamentos, em geral se admite que a Terra possuía cerca de 900 milhões de habitantes em 1800, e que em 1954 essa população orçava em 2460000. Foi entre 1850 e 1900 que se atingiu a taxa máxima de crescimento. A população da Europa passou de 187 milhões em 1800 a 266 em 1850, a 401 em 1900, a 530 em 1938; foi entre 1870 e 1914 que o crescimento se produziu mais rapidamente: cerca de 300 milhões em 1870, de 400 em 1900 e de 452 em 1914; portanto, um aumento de 50%, aproximadamente. Mas a parte de cada um dos grandes Estados europeus neste surto foi muito desigual. A população da Rússia européia aumentou, durante esse período, de 60 milhões; na Alemanha o aumento foi de 27 milhões; na Grã-Bretanha (Irlanda inclusive), de 14 milhões; na Itália, de 8 milhões; na França, de 3 milhões e meio, apenas.

Entre estas situações demográficas diversas e o respectivo poder dos Estados, que relações o estudo histórico permitirá estabelecer, quer se trate da força militar, da prosperidade econômica ou das tendências da psicologia coletiva?

a) Os algarismos representativos da população podiam ser um elemento essencial do poderio militar, durante todo o período em que a eficiência de um exército estava ligada ao número dos combatentes, mais do que ao poder de fogo. Esta importância dos efetivos tinha-se revelado claramente por ocasião da Revolução francesa, com adoção da conscrição; atingiu a plenitude do seu valor depois de 1871, quando, no continente europeu, o recrutamento de todos os exércitos tivera por base o serviço militar obrigatório; afirmou-se, ainda, no transcorrer da primeira guerra mundial, apesar dos consideráveis progressos do armamento. Somente nestes últimos quarenta anos é que as cifras referentes a efetivos perderam uma parte de sua importância: já em 1930, o relatório da Comissão preparatória da Conferência do desarmamento notava que, "na guerra moderna", o poder de ataque pertencia ao país que possuísse o maior potencial industrial e não ao que tivesse o maior número de reservistas. O desenvolvimento da arma aérea, na segunda guerra mundial, e, sobretudo o surgimento da arma atômica confirmaram amplamente o valor desta constatação.

Entretanto, mesmo na época em que correntemente se admitia que a força militar de um Estado dependia do número de sua população, semelhante afirmação era muitas vezes desmentida pelos fatos.

A Itália, em pleno crescimento demográfico, não tinha senão um exército muito inferior em número ao dos outros grandes Estados europeus: no começo de 1914, os efetivos de tempo de paz não excediam 275.000 homens. Ela não havia tampouco procurado utilizar seus recursos em homens para aumentar seu poderia militar. Seria isto somente porque os poderes públicos não achavam necessário manter um exército mais forte? Era, sobretudo, porque a maioria parlamentar achava inoportuno, ou mesmo impossível, impor ao país encargos financeiros que o aumento dos efetivos acarretaria, e também porque ela estava resolvida a comprimir todas as despesas "improdutivas". Durante vinte anos, de 1887 a 1907, a vontade de economizar tinha sido aplicada aos créditos militares. A condições econômicas, pelo menos até aos primeiros anos do século XX, eram suficientes para explicar uma tal política: nesse país, onde preponderavam as atividades agrícolas, de onde os camponeses, nos dois terços do território, eram extremamente pobres, onde encontrar a matéria trabalhável?

A Rússia, cuja população atingia o dobro da do Império alemão, possuía, em 1914, um exército ativo que, embora a reforma militar decidida no ano precedente tivesse sido realizada integralmente, haveria no máximo ultrapassado de 50% os efetivos do exército ativo alemão. E o número das reservas instruídas mal superava o de integrantes daquele exército. As questões financeiras tinham aqui, evidentemente, o seu papel, como na Itália, mas eram de menor importância que os fatores econômicos e sociais: o crescimento dos efetivos estava limitado, nesse país de desenvolvimento industrial retardatário, pela insuficiência da fabricação de armamentos e também pela penúria do enquadramento militar, porque a média e a pequena burguesia, junto às quais se recrutavam os elementos subalternos das formações de reserva, eram pouco numerosas e careciam de espírito militar.

A Áustria-Hungria, com 51 milhões de habitantes, isto é, com uma população que excedia em 20% a da França, possuía, no começo de 1914, um exército ativo cujos efetivos não atingiam senão 350.000 homens, aproximadamente, a saber: 45% dos do exército francês. Entretanto, ela podia contar pelo menos com dois adversários eventuais, a Rússia e a Sérvia, mesmo confiando na aliança italiana. Mas as populações heterogêneas não tinham, nem patriotismo austro-húngaro, nem mesmo sentimento de um interesse coletivo; os Parlamentos, tanto em Viena como em Budapeste, hesitavam em pedir-lhes sacrifícios.

Entre as principais potências continentais (a Grã-Bretanha, confiante na insularidade, recusava-se ao encargo do serviço militar obrigatório), a Alemanha e a França eram, pois, nessa época, as únicas onde a relação entre o número de habitantes e o dos efetivos adquiria todo o seu valor: para manter os efetivos de seu exército ativo em um nível comparável ao das forças armadas alemãs, a França era obrigada a impor à sua população encargos militares particularmente pesados, isto é, a incorporar uma parte cada vez mais forte do contingente, exercendo uma seleção física cada vez menos rigorosa.

Mais berrante ainda era a comparação entre a China e o Japão. Em 1894, quando da primeira guerra sino-japonesa, a população do Império Chinês era pelo menos oito vezes superior à do Japão: ora, este país podia alinhar forças militares superiores não somente em armamentos, em organização, em enquadramento, mas também em efetivos. Por que os governo chinês não podia dispor de forças mais consideráveis, quando ele possuía um "material humano" em condições de permitir-lhe destruir o exército nipônico? As causas eram financeiras: o sistema fiscal não tinha um rendimento suficiente para dar ao governo imperial os meios de manutenção de grandes efetivos. Elas eram econômicas: os armamentos necessários a uma força armada moderna não podiam ser fabricados no lugar por falta de indústria, nem podiam ser comprados fora, porque o governo imperial carecia de meios para fazer face a pagamentos externos e não queria lançar não de empréstimos no estrangeiro. Elas eram políticas: a dinastia mandchu não desejava entregar armas modernas em mãos das populações chinesas. Mas eram elas, sobretudo, psicológicas: no Japão, onde o porte de armas fora sempre considerado como um sinal de superioridade social, o espírito de sacrifício ao interesse coletivo constituía um traço essencial da religião e da moral cívica: na China, a massa da população ignorava o sentimento nacional e desprezava a profissão das armas.

Nos grandes Estados do mundo dessa época, a força demográfica não foi, portanto, um fator de poderio militar senão no caso em que estivessem reunidas as condições sociais, econômicas, financeiras, necessárias a assegurar a manutenção, o armamento e o enquadramento dos efetivos, e as condições psicológicas que permitissem contar com o espírito de sacrifício, ou, pelo menos, com a resignação das populações submetidas aos deveres e aos constrangimentos do serviço militar.

b) O papel do surto demográfico no desenvolvimento do poder econômico dos Estados foi quase sempre posto em foco pelos economistas ou sociólogos do século XIX e da primeira metade do século XX, de Werner Sombart a Dupréel.

O exemplo da Bélgica, da Grã-Bretanha, depois da Alemanha, entre 1890 e 1914, mostrou que o aumento populacional havia sido um estimulante para a produção, e que a indústria não teria podido desenvolver-se tão rapidamente, se os excedentes da população rural não lhe houvessem ofertado uma abundante reserva de mão-de-obra. O ritmo do desenvolvimento industrial nos Estados Unidos teria sido muito mais lento, entre 1895 e 1914, sem o afluxo dos imigrantes, que constituíam 60% da mão-de-obra na Nova Inglaterra, na Pensilvânia e na região de Chicago: o relatório de uma Comissão de inquérito do Senado americano salientou, em 1911, a importância de semelhante constatação. A arrancada das indústrias nipônicas, entre 1894 e 1914, não teria sido possível sem a expansão demográfica, que após uma longa estagnação começou a manifestar-se vinte anos antes: abundância de mão-de-obra permitiu que as indústrias mantivessem baixos salários e reduzissem os preços de custo; foi por ser barata que a produção nipônica, inferior em qualidade, pode concorrer, nos mercados asiáticos, com a produção européia.

Nessas ocasiões, a própria classe trabalhadora, depois de haver atravessado uma era penosa, acabou geralmente por obter melhores condições de existência, porque a industrialização elevou o nível de vida geral. Todavia, a situação demográfica não foi – será necessário lembra-lo? – senão um dos fatores do surto industrial: a oferta de mão-de-obra teria sido baldada, sem o advento das técnicas e sem o concurso dos capitais.

No setor agrícola, a expansão demográfica incitou a população a aumentar a produção nacional, isto é, a fazer esforço por avolumar o rendimento ou por cultivar terras até então abandonadas. Nas regiões do mundo onde a pressão demográfica é a mais forte – Japão, China central, deltas indo-chineses, planície do Ganges – cada parcela de solo cultivável é posta em exploração. No Japão, foi para remediar as conseqüências do surto demográfico que os poderes públicos mandaram se estabelecesse, em 1925, um plano de extensão da área cultivada às primeiras encostas das zonas montanhosas. Ao contrário, os geógrafos mostraram com freqüência que, nas regiões do mundo onde o povoamento era insuficiente – na maior parte da África tropical e em certas regiões do Brasil, por exemplo – a penúria de mão-de-obra havia freado o desenvolvimento da produção agrícola.

Não obstante, esta relação direta entre a situação demográfica e o crescimento da agricultura não estão rigorosamente estabelecidas, a não ser em países cuja população, por falta de meios de intercâmbio, é constrangida a viver de seus próprios recursos. Ela desaparece quando a vida econômica do Estado é bastante evoluída para permitir se cubra o déficit da produção agrícola com importações, cujo financiamento é assegurado por exportações de produtos manufaturados.

Em muitos casos, aliás, o crescimento rápido da população determina uma subdivisão excessiva das explorações, entravando o desenvolvimento racional da produção. Os exploradores se dedicam com fervor a produzir gêneros que possam assegurar a subsistência da família, mesmo quando o solo é imprestável a atais culturas. Os detentores de tão minúsculas parcelas são pobres demais para adquirir o material ou os fertilizantes que lhes permitiriam melhorar o rendimento. Em suma, o surto demográfico resultou na manutenção de forças econômicas superadas, em prejuízo de uma economia de permutas, única capaz de melhorar as condições da produção e de aumentar o seu volume global. O acréscimo do número de homens não possibilita a obtenção de um acréscimo correlativo dos produtos do solo: na China, durante todo o século XIX e começo do século XX, na Irlanda, durante a primeira metade do século XIX, ele engendrou a miséria; na Rússia, agravou as dificuldades sociais.

O estudo de tais relações, entre o crescimento da população e do desenvolvimento econômico, conduz necessariamente ao da "pressão demográfica" e ao do "superpovoamento". Mas o simples exame das cifras relativas à superfície e à população não pode bastar, certamente, para o estabelecimento da realidade de uma e de outra destas nações. Importa examina-las mais de perto, à luz das observações feitas pelos demógrafos, economistas e geógrafos.

Qual será, em cada Estado, "o optimum de população", isto é, as cifras às quais esta população pode elevar-se, sem que seu crescimento gere uma diminuição do nível de vida? Tais cifras dependem dos recursos do solo e do subsolo, do estado sas técnicas e das disponibilidades em capitais que possibilitem a sua aplicação, da organização interna da economia, finalmente do desenvolvimento do comércio exterior, capaz de completar, por meio de importações, os recursos nacionais. Elas estão ligadas, portanto, a uma situação de fato, suscetível de variar no tempo: certos recursos do subsolo podem assumir uma nova importância em conseqüência de descobertas técnicas, e certas importações podem tornar-se impossíveis, quando a balança de contas for deficitária. Ms não dependerão elas, também, dos "objetivos desejados", isto é, da importância que uma população atribuiu ao bem-estar ou, mais exatamente, do lugar que ela concede ao bem-estar em relação a outras preocupações, ao desejo, por exemplo, de ter uma numerosa descendência? Toda tentativa para calcular o optimum de população permanece, pois, precária.

É a partir deste ponto de referência instável que se estabeleça a noção de superpovoamento: "dizer que um país é economicamente superpovoado significa que a população é superior a seu optimum econômico".

Qual alcance de semelhante constatação? Posto que ele retenha a atenção dos especialistas, o superpovoamento "moderado" permanece, quase sempre, sem conseqüências, nas relações internacionais: na França, por exemplo, certas regiões sofreram, em meados do século XIX, um superpovoamento rural; mas o desenvolvimento das ferrovias, facilitando os deslocamentos de uma para outra região, aligeirou esta pressão demográfica. O superpovoamento torna-se manifesto, quando a população aumenta muito depressa em relação aos recursos alimentares disponíveis, em um país que, não podendo praticar uma economia de trocas, é incapaz de cobrir o déficit conseqüente. Ele se torna também manifesto, quando o crescimento numérico da população agrava o desemprego e abaixa, por conseguinte, o nível de vida de uma parte dos habitantes. Ainda assim a noção de superpovoamento não está necessariamente associada a esta deterioração. È possível que um agrupamento humano, mesmo quando suas condições materiais de existência permaneçam quase estáveis, tome consciência da insuficiência relativa dos próprios recursos pela comparação com a de agrupamentos vizinhos e que desde então aspire, mais vivamente do que no passado, a melhora-los. Tal caso é verificável quando o contato com estrangeiros mais evoluídos acarreta mudança nos hábitos alimentares: o agrupamento social em que a mudança intercorre não se resigna facilmente a retomar seus hábitos anteriores, e os recursos alimentares com que essa população se havia contentado até aí lhe parecem doravante insuficientes. Semelhante tipo de sentimento coletivo pode bastar para determinar reações análogas às provocadas pela baixa efetiva do nível de vida.

Conquanto não possa dar lugar a uma definição científica, a noção de superpovoamento conserva toda a sua importância, quando se trata de estabelecer uma comparação entre dois Estados. Este superpovoamento "relativo" é suscetível de tornar-se um elemento de perturbação nas relações internacionais, quando os povos interessados tomam conhecimento dele e quando associam a semelhante constatação a de uma desigualdade nas condições de vida. Desde 1919 era evidente a desigualdade, não somente no Extremo-Oriente ou na Índia, mas na Insulíndia; todavia, apenas o Japão a sentiu, nessa época: ela aís contribuiu para alimentar um sentimento imperialista e, desde 1945, tornou-se fora da Europa, um fermento cada vez mais ativo no comportamento de certos povos e em suas preocupações políticas. Será isto somente porque a decolagem entre o crescimento de uma população e os recursos disponíveis se agravou em certas regiões do mundo? É, também e sobretudo, porque o afastamento entre o surto econômico dos Estados"providos" e o dos Estados "proletários" se manifestou sem parar por mais tempo, e porque foi crescentemente sentido como uma injustiça. Esta tomada de consciência está em relação direta com o desenvolvimento dos meios de informação, imprensa, rádio, televisão, que deram aos povos mais atingidos pela miséria ou pela necessidade ocasião de conhecer as condições de vida dos outros povos e de fazer comparações. Quer tenha sido espontânea, que tenha sofrido a influência de uma propaganda interessada, a noção de superpovoamento veio a ser um fato importante na conjuntura atual do mundo.

c) Finalmente, são as próprias tendências da psicologia coletiva que a expansão demográfica pode às vezes modificar. As observações feitas neste sentido pelos sociólogos insistiram em três pontos:

O aumento das cifras relativas à população é um sinal de vitalidade, que pode gerar confiança no destino nacional e justificar um sentimento de otimismo. O Império alemão, no fim do século XIX, ofereceu um exemplo desta evolução da psicologia coletiva: confiança e otimismo eram até acompanhados de um sentimento de superioridade em relação aos povos que não conheciam igual surto demográfico. Por volta de 1890, parte da imprensa alemã insistia na vantagem, vinda da expansão demográfica, da Alemanha sobre a França: diziam os jornais que a Alemanha teria 100 milhões de habitantes em 1920, ao passo que a França não somaria mais de 30 milhões.

A idade média da população importa ainda mais. Num país onde é elevada a proporção dos jovens, os adolescentes não ignoram que, em razão mesmo de seu número, terão dificuldade para achar emprego; eles possuem consciência da necessidade do esforço: o espírito de iniciativa, o de empreendimento, o senso do sacrifício do indivíduo ao interesse do grupo recém um incitamento. Ao contrário, o envelhecimento da população põe as "alavancas de comando" nas mãos de gente idosa; a mentalidade de tornar-se mais timorata, mais rotineira.

Finalmente, as dificuldades que os jovens encontram, ao abordar a vida ativa, podem leva-los a dar ouvidos aos apóstolos de uma política de força. Em meio a uma população rural, em que os "candidatos à terra" bem sabem que poucos dentre eles serão satisfeitos, a rapidez do crescimento demográficos incita a juventude a desejar uma ampliação do território nacional. Foi assim que no Japão, entre 1919 e 1939, os altos elementos do exército (três quartas partes dos oficiais subalternos eram de origem rural), por terem uma experiência direta do superpovoamento dos campos, mostraram-se também os mais ardorosos partidários de uma ação armada contra a China; em 1934, constituíram o principal o principal ponto de apoio do movimento fascista do general Araki. Numa população industrial, o desemprego, quando atinge os jovens, no momento preciso em que deveriam poder começar o exercício de uma profissão, provoca entre os mesmos, mais ainda do que entre os adultos, um desespero que os impele à violência: esses jovens estão prontos – mostrou-o o exemplo da Alemanha, durante a crise econômica de 1931-1933 – a dar atenção ao homem ou ao partido que prometa assegurar-lhes, pela conquista do espaço vital, novos meios de existência.

Que valem, todavia, tais observações? Outras observações feitas em outros países as contradizem.

O surto demográfico, se foi na Alemanha de Guilherme II um fator de confiança no futuro, não teve iguais conseqüências, na mesma época, na Rússia. E que dizer da China ou da Índia? Nestas regiões, onde imperavam o problema da terra e a questão das subsistências, o crescimento rápido da população não podia inspirar otimismo. O superpovoamento rural tornou-se manifesto em outros países além do Japão, sem apresentar os mesmos resultados políticos. Finalmente, a grande crise de desemprego que castigou, longa e pesadamente, os meios operários ingleses, entre 1922 e 1938, em nada lhes modificou o comportamento pacífico, do mesmo modo que não os levou a adotar o programa fascista de Sir Edward Mosley.

Foi somente quando o temperamento de um povo se prestou a isso que a pressão demográfica ofereceu oportunidade aos partidários da violência. Será ainda preciso que a ação armada ofereça chances favoráveis: uma situação demográfica, mesmo quando "explosiva", não leva à guerra sem que o permita a relação das forças.

Os governos estiveram em condições de exercer uma ação sobre este surto demográfico. O estudo das relações internacionais certamente não deve negligenciar as iniciativas dos Estados neste sentido.

A ação legislativa ou administrativa em favor do acréscimo da população manifestou-se, quer pelo desenvolvimento dos serviços de higiene e de assistência médica, que diminuíram a mortalidade, quer pelos encorajamentos dados ao aumento da natalidade e pelas medidas tomadas no sentido de enviar socorros às regiões cujos recursos alimentares haviam sido afetados pelos flagelos climáticos.

A primeira forma desta ação teve resultados particularmente importantes nos territórios de colonização européia, porque atenuou as grandes epidemias e as fomes, que freavam o crescimento natural da população. A curva demográfica da população indígena da Argélia, a partir de cerca de 1880, constituiu um exemplo típico da transformação. Foi possível constatar uma evolução análoga na demografia das populações negras da África do Sul, como na da população do delta tonquinês. As iniciativas dos europeus aumentaram, assim, a "pressão demográfica", que veio a longo prazo, dos movimentos de resistência à dominação dos brancos. O conectivo entre a evolução demográfica e as relações internacionais é, pois, aqui, manifesto, mas não parece, absolutamente, que tenha sido previsto pelos Estados interessados: a ação foi inspirada por uma preocupação humanitária, sem que as conseqüências mediatas pudessem ter sido encaradas.

Outra forma de intervenção governamental foi a política "natalista", adotada por três grandes Estados, entre 1919 e 1939.

O Japão foi o primeiro a meter-se por este caminho. Entretanto, o governo nipônico limitou-se, antes de mais nada, a organizar uma propaganda que apresentasse como um dever nacional e como um sinal de prosperidade o aumento da natalidade, e a fazer votar a lei de 1929, que proibia toda iniciativa tendente ao controle dos nascimentos. Foi somente em janeiro de 1941, dez meses antes de participar da segunda guerra mundial, que ele estabeleceu um sistema de empréstimos para casamentos e de gratificações às famílias numerosas. O Japão declarou ele, deverá atingir 100 milhões de habitantes em 1960. O governo alemão, desde o advento de Hitler ao poder, havia adotado essa linha de conduta: lei de 1 de junho de 1938, que instituía empréstimos para casamento e que previa o não-reembolso de tais empréstimos, desde que o casal tivesse quatro filhos; lei de março de 1936, que concedia gratificações às famílias numerosas. O governo da Itália fascistas havia manifestado, desde 1928, por meio de medidas de isenção fiscal, seu propósito natalista; mas esperou o ano de 1937 para fazer votar as mediadas legislativas apropriadas.

Ora, nesses três casos, a política demográfica teve uma base política: tendia a afirmar o "número como força".

Nos primeiros anos do século XX, o argumento demográfico fora invocado pelo governo alemão, quando ele reivindicava um "lugar ao sol", ao qual o Império de Guilherme II tinha o direito de aspirar. O chanceler Bethmann-Hollweg fazia valer o argumento em janeiro de 1914, quando de suas negociações com o embaixador da França, a propósito das questões asiáticas ou africanas: não era possível, declarava ele, recusar à Alemanha "a parte legítima de todo ser que cresce". Mas foi a Alemanha hitlerista que deu a esta tese sua expressão mais categórica. Em Mein Kampf, Hitler declara que "a política exterior do Estado racista deve assegurar os meios de existência, neste planeta, à raça agrupada pelo Estado, estabelecendo uma sadia e viável relação, e de acordo com as leis naturais, entre o número e o crescimento da população, de um lado, e a extensão e o valor do território, de outro lado". Ora, em que caso é sadia esta relação? Quando "a alimentação de um povo é assegurada pelos próprios recursos de seu território". O movimento nacional-socialista "deve "assegurar ao povo alemão o território que lhe cabe, no mundo". E Schacht afirmava, em dezembro de 1936: "A paz na Europa, e por conseguinte no resto do mundo, depende da questão de saber se, afinal, as massas compactas da Europa central poderão adquirir uma possibilidade de vida.

Doutrinas Geográficas na Política

J. Gottmann*

A Geografia e a Política estiveram ligadas em todos os tempos. Toda coletividade deve ter em conta as condições ambientais em que atua. Toda ação política está localizada algures na superfície do globo e desenvolve-se em função de considerações inerentes a esta localização no espaço. Como a Geografia poderia deixar de exercer em política uma influência profunda, visto que estuda essencialmente a organização do espaço terrestre, ao passo que a política visa a imprimir formas novas a esta organização ou a preservar as antigas?

A Geografia encontra-se no seu próprio campo nas discussões sobre traçados de fronteiras ou fortificações, no estuo dos sistemas de transporte ou da localização dos recursos. Na política, como na arte militar, não se pode escusar de consultar a geografia. A antiquíssima necessidade que experimentam os homens de Estado de trabalhar com as cartas, revela-lhes a preocupação de precisão geográfica. É sobremaneira lógico que a Geografia condiciona uma multiplicidade de pormenores no domínio político, mas cabe admitir ainda que ela também penetra na filosofia da ação política.

Se se pretendesse classificar na ordem de importância as principais inspirações dos "Grandes Desígnios" políticos, cumpriria, sem dúvida, colocar as idéias geográficas em segundo plano, logo em seguida às preocupações sociais. Porque é uma idéia geográfica, nascida de uma reflexão sobre a carta, a ambição de controlar uma estrada ou um estreito, de fixar uma fronteira ao curso de um rio ou ao longo de uma linha de cumeadas, ou, ainda, o projeto de unificar uma região do globo, ou de imperar sobre os mares. Acabamos de assistir ao desmoronamento de três grandes desígnios desse gênero; dois deles traziam uma rotulação nitidamente geográfica: o fascismo italiano pretendia ressuscitar o império circumediterrâneo realizado outrora pelos Romanos e o Japão concebera o sonho da Grande Ásia. O terceiro desses grandes desígnios, o mais perigoso e o mais ambiciosos de todos, porque visava à dominação universal, o Desígnio de Hitler, não trazia dístico que pudesse classificar de geográfico, mas se apoiava num vasto plano que recebia o nome característico de Geopolítica; este plano não deixara de influenciar a doutrina nacional-socialista.

Usou-se e abusou-se largamente do termo Geopolítica. Tecera-se uma verdadeira lenda durante os primeiros anos em torno desta geopolítica alemã: atribuiu-se-lhe até o poder de expansão do Terceiro Reich, ao menos no início. Efetivamente, como todo grande Desígnio, e, por definição, o desígnio hitlerista possuía seu plano; somente a elaboração deste plano fôra organizada com mais método e sistema, e, também, com mais reclamo, do que se faz habitualmente. A Geopolítica nada mais era do que o produto, adaptado às exigências do pangermanismo, de muitos séculos de evolução na interpretação geográfica da história.

A explicação da história por fatores essencialmente geográficos serve de fundamento a doutrinas geográficas em política. Elaborada uma tal interpretação, em seguida resta projetar-lhe a aplicação no presente e no futuro. Foi um grande geógrafo, E.F. Gautier, quem escreveu: "A humanidade não vota ao seu passado histórico um mero interesse de curiosidade. Ela não se apaixona por ele, senão porque espera entrever em suas grandes linhas uma interpretação do porvir. Conhecer o que foi, é afinal de contas, a única possibilidade aproximativa que temos de imaginar o que será." Há nisso um método de trabalho antiquíssimo. Ora, a história, como é ensinada nas escolas, é, antes de tudo, um quadro da evolução da geografia política através dos séculos. A projeção [p. 649] sobre o futuro não a tornou senão mais "normal". Os estadistas que se curvam cada dia sobre cartas de ontem e de hoje, por menos capazes que sejam de concatenar idéias, hão de imaginar facilmente o futuro, partindo dessas imagens.

As interpretações geográficas da história são, portanto, aplicadas cotidianamente à política. Mas certas vezes são elevadas a sistema. E, neste caso, originam uma doutrina. Tais doutrinas existiram, sem dúvida, desde que houve sociedades organizadas na terra. Não conhecemos superficialmente os motivos que inspiraram as grandes aventuras políticas da antigüidade, para poder extrair deles os elementos geográficos, mas já as concepções romanas de Mare Nostrum ou dos rios-fronteira indicam um influxo do fator geográfico sobre o pensamento político. É mister chegar-se à Renascença, sobretudo às grandes descobertas marítimas, para se ver desenharem-se idéias geográficas na política que se implantarão e se tornarão nuns, idéias-fixas e idéias-forças, noutros.

Com a expansão marítima da Europa ocidental e a conquista, partindo de suas costas, dos outros continentes, nasce o princípio da oposição do poder marítimo e do poder continental. O fato é capital na política: na idade média os motivos religiosos, étnicos e sociais tinham-no superado na política; a época moderna abre à ambição e à ação dos homens de Estado, horizontes geográficos singularmente dilatados. A política abandona amiúde o terreno espiritual para ater-se a um materialismo geográfico referto de promessas e substância. Vêem-se guerras ditas de religião levar aos tratados de Westfália que renunciam a evangelizar o vizinho mas primam em criar uma unidade no interior das fronteiras de um mesmo estado. O princípio Cujus regio, ejus religio (1648) marca uma etapa importante do triunfo incontestável do materialismo geográfico sobre os motivos espirituais dos grandes movimentos medievos.

A partilha do poderio e dos recursos terrestres e marítimos torna-se uma preocupação essencial. Isto põe a política em contato com os próprios alicerces da geografia moderna, mas a Geografia no século XVII ainda não se constituía como ciência independente e curiosa de tudo. Sua influência sobre a planificação política não se faz sentir senão a pouco e pouco. Os primeiros a introduzir considerações de geografia em seus estudos políticos não serão, a rigor, geógrafos, mas não deixarão de ser grandes nomes franceses.

Por volta de 1700, fornece Vauban uma notável demonstração da utilidade de usar metodicamente os dados geográficos para governar. Na Dime Royale não se encontram somente projetos audaciosos de reformas fiscais, mas também uma exposição eloqüente da aplicação à administração do país dos dados de inquéritos geográficos. Com um imposto sobre os rendimentos, Vauban pede na referida obra uma carta minuciosa da França, atlas descritivos e analíticos, inquéritos regionais sistemáticos, tudo isso para fornecer elementos de uma planificação séria de economia nacional. Ninguém, naquela época, sentira mais intimamente do que este grande engenheiro os laços estreitos que ligam o poder econômico ao poderio militar. Mas se Vauban dá excelente método de análise, não se valeu dele para fazer uma doutrina. Todavia, penetrando-se no terreno escorregadio da aplicação dos fatos da geografia à elaboração da história, basta passar do pormenor minucioso que preocupava Vauban às grandes generalidades e aos ciclos de longa duração, para firmar doutrinas.

O século XVIII encarregou-se de fazê-lo. Não teremos a futilidade de supor que a evolução das idéias políticas para as formas geográficas foi obra da França. Essas grandes correntes de pensamento são perfilhadas sempre por diversos países e nesse caso estava a corrente que nos ocupa. É na França, entretanto, que se pode observar no século XVIII a evolução mais aparente, a que foi, talvez, exposta com maior lucidez, se não posta em prática sempre. O nome de Montesquieu domina o debate: se já introduz ele algumas interpretações geográficas em Grandeza e Decadência dos Romanos, professa-as com ardor no Espírito das Leis. Montesquieu crê ordinariamente que o clima determina a geografia política, que os climas quentes debilitam os povos, ao passo que o clima frio, pelo contrário, os enrija e fortalece. A Europa deverá, portanto, sua liberdade à gama temperada e gradual de climas. Graças a isso os povos vizinhos se eqüivalem em seu conjunto, enquanto a Ásia será um país de servidão, por isso que aí confinam climas opostos capazes de determinar os povos dos climas frios a conquistar e a oprimir os de climas quentes. Poderiam [p. 650] multiplicar-se os exemplos. Montesquieu acreditava no determinismo geográfico em matéria política. A esse respeito, fora mesmo antecipado por Vauban, surpreendente precursor, que entendia ser o sistema político e social mais responsável do que nenhum outro fator pelo comportamento de um povo.

Mas em plena metade do século XVIII, alguns anos após a publicação do Espírito das Leis, sobrevinha em Paris um acontecimento considerável, apenas notado por alguns dos nossos contemporâneos: um jovem estudante, que acabava de transpor os umbrais da Sorbona, redigia uma obra com uma dezena de páginas, que intitulara Geografia Política. Não se ligaria tanta importância a este trabalho, não fosse Turgot o seu autor. É significativo que um dos homens de Estado mais brilhantes da época tenha querido consagrar-se na sua juventude a uma ciência jovem que batizava de geografia política e da qual, em sua nótula, expunha o programa. De mais a mais, programa ambicioso. Turgot propunha a criação de algo que lembra muito o que se chama ciência política nos Estados Unidos, que ele organiza, entretanto, rigidamente, englobando-lhe a história, as questões econômicas e sociais, a geografia humana e econômica e até as questões de direito público, para coroar o todo com um mise au point de caráter essencialmente geográfico. Sua geografia política visa a dar o perfil da história num momento dado.

A fórmula é assim lançada: a geografia política, fruto de estudos históricos, destinada a emprestar seu quadro ao estudo político de uma situação dada. Turgot compusera em conclusão dos seus estudos na Sorbona um Discurso sobre a História Universal, cuja Geografia Política era uma conclusão um tanto retardatária, sem embargo de ser uma conclusão prática. Os mestres de Turgot, um pouco assombrados, ao que parece, diante da temeridade do seu projeto, dissuadiram-no de prosseguir e, desviando-o da geografia, orientaram-no para a economia política. O incidente, todavia, é evidentemente característico da época. Não há que duvidar que Turgot, quando ele próprio se tornou homem de Estado, não tenha posto em prática as idéias que concebera em sua juventude. E, sem dúvida, não foi o único político do seu tempo a realizar política com este título.

Ao fim do século, a Revolução Francesa afirmava altivamente a política das fronteiras naturais e da França una e indivisível neste quadro. Em seguida, ela cedia o poder a Napoleão Bonaparte que ia tentar a realização de um Grande Desígnio esboçado e acertado muitas vezes sobre a carta. Mas passar da teoria à prática já era na época menos original do que tentar formulá-la no papel. Outras potências haviam já formulado o desejo demasiado prático de atingir um objetivo geográfico.

As duas grandes potências que se tinham imposto programas políticos assentes nas cartas eram: Inglaterra e Rússia. Foi no curso do século XVIII, com efeito, que se elaboraram os princípios "permanentes" da Inglaterra, grande potência insular e imperial; conhecem-se de sobra tais princípios: o domínio dos mares, o monopólio do caminho para as Índias, a dominação das rotas oceânicas pelo monopólio dos estreitos, enfim, sobre o continente europeu, o jogo do equilíbrio entre as duas principais potências continentais. A fórmula para a Rússia era já, então, mais simples do que a Inglaterra: expansão sobre o continente e obtenção de uma saída para os mares abertos e livres de gelos. Acesso à grande circulação oceânica, de um lado, acesso a todas as partes do mundo pelo mar, de outro, tais eram as duas políticas. A oposição entre elas, desde o século XVIII não cessou de apaixonar o mundo. O princípio oceânico revelava-se vital para os participantes de uma civilização que se inaugurou com as grandes descobertas e se fundou sobre uma rede vasta e complexa de intercâmbios intercontinentais. Ao alvorecer do século XIX, a epopéia napoleônica mostrou dupla tentativa de expansão: primeiramente Napoleão se aventurou ao princípio oceânico, mas teve que desistir após Abuquir e Trafalgar; tornou-se então, o campeão do continente e organizou contra a Inglaterra o bloco continental, mas não pôde enfrentar a potência continental mais vasta e, na segunda tentativa, aluiu nas neves da retirada da Rússia.

Iria a política adotar os planos geográficos? A época da Revolução e do Império marca a este propósito uma crise decisiva do pensamento europeu. Em parte alguma esta crise foi, sem dúvida, mais marcante do que na Alemanha, onde novas forças estavam em gestação. Cumpre reportar-nos a obras do gênero [p. 651] do panfleto de Novalis, Christenheit oder Europa, cujo título, por si só, resume a discussão: devem as aspirações de um povo tomar formas morais ou formas espaciais? Novalis confunde Reforma com Revolução; ele sonha com um grande país cristão como na Idade Média e, com José de Maistre, vai ser um dos promotores da Santa Aliança que reagiu contra a sede de espaço de Napoleão.

Somente a Revolução Francesa despertara o nacionalismo dos povos europeus, como o fez, também, numa certa medida, a Revolução Americana. A obra de Fichte, na Alemanha, testemunha esse fato claramente. Fichte se deixara impressionar fortemente pela influência do meio físico que o leva a falar das leis naturais dos povos (Naturrecht). Ei-nos longe das leis racionais dos filósofos franceses do século XVIII. Este estado de espírito vai fazer progressos rápidos no mundo: a Santa Aliança não poderá impedir na Europa o despertar dos nacionalismos regionais; as próprias minorias nacionais irão reclamar seu lugar ao sol, seu espaço. A Itália recusar-se-á a não ser mais do que uma expressão geográfica; ela aspirará a dar uma realidade política a esta expressão. Do outro lado do Atlântico, enfim, a jovem República dos Estados Unidos cedo irá sentir a necessidade de definir sua segurança sobre a carta, exprimindo esta consciência continental pela doutrina de Monroe e os primeiros passos do panamericanismo.

De todos os países que acabamos de enumerar, é ainda a Alemanha que irá ter maiores dificuldades em deixar de ser uma expressão geográfica, e reside aqui, talvez, uma das razões dos progressos mais rápidos da geografia na Alemanha do que alhures, no curso do século XIX. Sedento de espaço, menos feliz do que outras potências em suas tentativas de união na Europa e de expansão nos outros componentes, este país irá elaborar, pelo menos, uma doutrina mais avançada. Inclusive um grande sábio como Humboldt, um dos fundadores da geografia moderna, deverá frisar que nem tudo é racional na história e na política, mas é preciso que se lhes reconheçam elementos emocionais, o instinto. Unindo-se Humboldt a Fichte, facilmente se encontrará um complexo formado pelas mesmas idéias que inspiraram, no fim do século, Frederico Ratzel.

Ratzel é amiúde considerado fundador da Geografia Política, porque foi o primeiro contemporâneo a publicar uma obra de tomo sob este título. Mas é, certamente, o precursor e principal inspirador da Geopolítica. Em 1897, quando aparece sua Politische Geographie, a Geografia já está francamente constituída como disciplina científica independente, enriquecida de novos meios de observação da natureza. De mais a mais, experimenta-se no mundo o sentimento de que uma época se extingue; o período do descobrimento dos mundos novos, aberto por Colombo, está encerrado. Raros espaços em branco subsistem na carta política do mundo. O período de facilidade durante o qual quem o desejasse, só teria que ir descobrir novos espaços, está superado. Um congresso reunido em Berlim acabava de partilhar a África, após laboriosas negociações. Toda transformação ulterior suscita graves problemas; já é tempo de se curvarem os sábios sobre a geografia dos problemas políticos.

Para Ratzel o Estado é um organismo resultante da síntese de uma porção de território com uma porção de humanidade. Para compreender a vida deste organismo, cumpre, portanto, sistematizar inicialmente as relações entre o Estado e o Meio natural. Visando a este fim, Ratzel põe em relevo duas noções primordiais: a posição geográfica, Lage, e o espaço, Raum. Esta noção de espaço, de Raum, exposta por ele é ainda muito vaga. Não se trata unicamente de território próprio, mas também das necessidades territoriais, a tal ponto que Ratzel chega a criar a noção do Raumsinn, sentido do espaço, que as gentes possuem em maior ou menor grau. Dado que o espaço seja a condição de grandeza dos Estados, os grandes povos terão o sentido do espaço mas os pequenos não. Assentados esses princípios, Ratzel passou a aplicá-los numa explicação da História: toda expansão se faz seja pelo comércio, seja por guerras e, com mais freqüência, por via marítima do que terrestre. Ratzel é um apóstolo do papel do poderio naval na política. Ele crê também nas grandes divisões naturais, tanto assim que divide a Europa em duas zonas habitadas por duas raças: a zona mediterrânea, de civilização mais antiga e a zona germânica, aberta às migrações asiáticas e invasões guerreiras. Despreza visceralmente os pequenos povos, desprovidos de Rausmsinn e, portanto, incapazes de expansão. [p. 652]

Não será preciso modificar muito a filosofia de Ratzel para se chegar às idéias essenciais dos nazistas em política estrangeira. Suas idéias são simples e impressionantes em sua brutalidade. Para qualquer que queira dar-se ao trabalho de refletir, sem dúvida, há muita coisa arbitrária na sua concepção da geografia e muita fantasia ingênua em seu postulado do sentido do espaço. Admitidas as idéias de Ratzel, ocorre-nos indagar como é que povos privados de Raumsinn adquirem subitamente um extraordinário senso de expansão que os leva a edificarem impérios e a tornarem-se grandes povos. Isso atingido, perdem muito facilmente o senso de expansão e entram em decadência... A História seria demasiado estática, se obedecesse à lógica das idéias ratzelianas. Essas concepções quadravam, todavia, admiravelmente com a tradição do Naturrecht de Fichte e de outros numerosos mestres do pensamento alemão. O êxito de Ratzel foi considerável e ultrapassou largamente as fronteiras do país. Mas na época em que aparecia a geografia política de Ratzel, formava-se outra escola de geografia na França sob a direção e mercê dos ensinamentos de Paul Vidal de la Blache. Para este, na gênese de um Estado, não há somente o apego de um povo ao solo, animado por vagos instintos, há uma individualidade nacional. Vidal de la Blache retomará a frase de Michelet: a França é uma pessoa. De cada região procurará definir a personalidade. Mostra, em seus Princípios de Geografia Humana que, se as raças e caracteres determinados pelo meio físico predominaram na geografia política dos povos primitivos, "o que prevalece com os progressos das civilizações, o que se desenvolve, são os modos de agrupamentos sociais, originariamente emergentes da colaboração da natureza e dos homens, mas, cada vez mais emancipados da influência direta dos meios. O homem criou gêneros de vida para si. Com o auxílio de materiais e elementos tomados à natureza ambiente, logrou constituir, não de uma só vez, mas por uma transmissão hereditária de progressos e invenções, o que quer que seja de metódico que lhe assegura a subsistência e lhe afeiçoa um meio para seu uso."

Uma nação será, por conseguinte, uma combinação de gêneros de vida que o próprio povo terá dosado à discrição. O Estado será, portanto, muito mais obra dos homens do que da natureza, susceptível que é de evolver segundo as gerações. Não há expansão simples que seja verdadeiramente durável para Vidal de la Blache. No começo do seu Quadro Geográfico da França, escreve: "Não há porventura questão mais importante para a geografia política do que procurar saber como, quando e por que vias uma vida geral conseguiu introduzir-se através da diversidade das regiões locais. Nenhuma fase é mais decisiva nem causa mais diferenças entre os países. Há-os que não a transpõem." Encarece toda a importância da vida de relações para um povo e compara uma civilização a um relógio: necessita para avançar que ações do exterior venham recondicionar seu movimento.

Há um profundo contraste entre as doutrinas de Ratzel e de Vidal de la Blache. Ratzel, naturalista de formação, mostra tendência a comparar os povos a espécies vegetais dotadas de maiores ou menores poderes de expansão. Vidal, que veio à geografia pela história, ressente-se profundamente de toda a complexidade da causalidade nas ciências humanas, de toda a delicadeza e incerteza na evolução dos homens. A querela de ambos foi perpetuada pelas suas escolas. Transportou-se à educação política do Ocidente. De fato, constitui uma forma especial da muito antiga disputa do determinismo: o homem e o Estado são senhores dos seus destinos ou devem resignar-se a uma sorte imposta pela Providência, de que é o meio natural de uma das vias? Apenas um povo que não pode renunciar ao seu livre arbítrio e aceitar voluntariamente a predestinação, a não ser que o destino que lhe seja adjudicado lhe pareça muito brilhante. Sabe-se como, por duas vezes seguidas desde Ratzel, a Alemanha julgou-se predestinada a dominar o mundo. É que a geografia política ratzeliana move o seu espírito em um domínio em que prevalece a paixão. A escola geográfica francesa soube manter-se na trilha mais modesta, porém mais segura, que lhe indicara Vidal de la Blache. Ele não receava escrever que muitas vezes "o exame dos fatos suscita mais problemas do que os resolve." Ao menos, ficamos com ele num domínio racional e explorável.

Eis, portanto, ao começo do século vinte, a geografia política constituída como um ramo admitido da ciência geográfica. Irá ela acumular uma documentação considerável e estudos do maior interesse durante as duas guerras [p. 653] mundiais e as conferências internacionais que acompanharão ou seguirão as hostilidades. Numerosos geógrafos desempenharam na elaboração da estratégia militar ou da política estrangeira dos principais beligerantes, um papel considerável. As paixões e os problemas levantados por estes dois conflitos, não deixaram de suscitar doutrinas e estas foram mais francamente geográficas do que no curso dos séculos precedentes.

A primeira pela ordem cronológica e a mais bem equilibrada dessas doutrinas foi apresentada em dois volumes e dois artigos pelo geógrafo britânico Sir Halford Mackinder. Poucos geógrafos tiveram tantas ocasiões de levar à prática as suas idéias como Sir Halford. Mas a ação política de Mackinder, que ocupou distintas funções administrativas, não pode comparar-se em alcance histórico à doutrina de geografia política que elaborou. Logo nos primeiros anos do século, Mackinder escreveu uma obra que se conserva clássica em geografia regional. A Inglaterra e os Mares Britânicos (1902). Analisando a geografia do Reino Unido, mostra Mackinder tudo o que essa porção do mundo deve a seu Império de além-mar; à supremacia nos oceanos, ao poderio naval. Indo, porém, mais longe do que Ratzel, não se limita a registrar o fato e a estabelecer a teoria da grande potência marítima, senão que recorda aos ingleses que existiram outrora outros impérios fundados também no mar e no comércio que se desmoronaram. Insiste no fato de que para conservar o poder e a grandeza que permitem esta anomalia geográfica que é a Grã Bretanha é preciso um esforço constante. Em geografia política como em tudo o mais, quem pretenda representar um papel relevante, cumpre saber merecê-lo tanto para obtê-lo como para conservá-lo.

Tendo, deste modo, espicaçado o leão britânico para impedi-lo de adormecer, mormente quando outros estão bem vigilantes, Mackinder intenta assinalar-lhe os pontos críticos. Num primeiro artigo que intitulou "O pivot geográfico da história", mostra que todos os grandes movimentos dos séculos passados giraram em torno do domínio sobre a Europa oriental. Em 1919, no raiar do após-guerra, num volume intitulado Ideais Democráticos e a Realidade, Estudo sobre Políticas de Reconstrução, sir Halford Mackinder retoma esse tema e desenvolve-o. Sistematiza o curso da História, simplificando o mapa do mundo; para ele não há senão uma massa de terra cercada de oceanos. Esta massa continental formada do amálgama Europa-Ásia-África, segundo ele, constitui a Ilha Mundial (World-Island) que compreende em seu circuito zonas marítimas povoadíssimas e, no interior, espaços selvagens e vazios. O coração desta massa continental, o grande espaço interior é o Heartland (Terra-coração). Nas cartas de Mackinder o Heartland coincide em toda a exatidão com a Rússia. Deste argumento deduz Mackinder nas suas obras a fórmula seguinte, repetida muitas vezes no curso da última guerra:

"Who rules East Europa commands the Heartland,

Who rules the Heartland commands the World Island,

Who rules the World Island commands the World."*

É como quem diz: quem dominar a Europa oriental regerá o mundo: este princípio não deixou de influenciar os homens de Estados britânicos e outros por ocasião da conclusão de paz em 1919. Ainda hoje essa doutrina se revê bem viva nas negociações internacionais. É inegável que nesses problemas, fatos e doutrinas se entrosam tão intimamente que seria difícil saber a qual desses fatores conviria atribuir as maiores responsabilidades. O que a ninguém será lícito é pretender que as idéias de Mackinder não foram bem entendidas.

Mackinder dava, por conseguinte, uma forma acadêmica à velha teoria do poderio marítimo, opondo-se ao poder continental, afastado de todo acesso direto aos oceanos. Era natural que pela mesma época do Heartland se elevasse uma resposta sob a forma de uma doutrina do poder continental. Esta última doutrina não falava tanto de poder; visava antes a unir do que a dividir e isso é tanto mais lógico quando se observa que o homem, animal terrestre, sente-se mais seguro [p. 654] de si na terra do que no mar. A doutrina de geografia política russa foi o eurasianismo. Eurásia é um termo utilizado freqüentemente para exprimir a unidade continental que existe entre a Europa e a Ásia. Aplica-se ela também ao conjunto das zonas interiores desses dois continentes: no vocabulário científico, Eurásia aparece como invenção dos fitogeógrafos americanos do fim do século XIX, que a julgaram cômoda para descrever a área de expansão de certas plantas. Da geografia botânica à geografia política o caminho é prontamente transposto, sobretudo depois de Ratzel e, para exprimir a zona de interesse da Rússia, o termo Eurásia convinha melhor que o pan-eslavismo que não alcançava muito longe na Ásia.

A Eurásia é, portanto, o mundo russo, apresentado como um mundo à parte, geográfica e historicamente. É o mundo mais continental do planeta (nele se encontra a Terra-coração) e, também, o mais deserdado do mundo, pois ignora o comércio por mar. "Os povos do mundo eurásico, escreveu um dos eurasitas, devem, portanto, para remediar esta situação, inspirar-se em novos princípios que permitam quebrar a exclusiva hegemonia do princípio oceânico" ... "Os povos da Eurásia são um concerto, um concílio de povos. Seu nacionalismo pode e deve ser um nacionalismo pan-eurasiano." O geógrafo Sawicki desenvolveu muito o tema da unidade e singularidade do mundo eurásico. Mas também pôde-se fazer valer uma unidade história: a Eurásia corresponde bastante exatamente ao Império mongol dos séculos XIII-XIV. Fez-se mesmo valer uma unidade lingüística, baseando-se no fato de que todos os povos da Eurásia, da Polônia à muralha da China, estabelecem distinção entre as consoantes brandas e surdas. A mesma consoante, conforme seja branda ou surda, dá sentidos diferentes à mesma palavra. M. Roman Jacobson, que fizera esta descoberta em lingüística, observara que nenhum povo da Ásia ou da Europa faz tal distinção fora da zona eurasiática assim definida. Os eurasistas apropriaram-se desta observação.

A doutrina da Eurásia vem expor o ponto de vista da Heartland, como Mackinder havia exposto a doutrina do poder marítimo. Os dois opõem-se, como se opõem as escolas de Ratzel e de Vidal de la Blache. Há que ponderar apenas que o contraste entre as teses russa e inglesa toma um caráter mais concreto e mais brutal do que a divergência dos sábios alemães e franceses; é certamente menos filosófica e define melhor sobre a carta. Ainda recentemente as doutrinas do pan-eslavismo, reavivadas em Moscou, testemunham que a ciência geográfica está sempre viva na Rússia, a par de que o novo plano da Comunidade do Atlântico, esboçado por Mackinder em 1944 em Foreign Affairs, revigora, sob nova forma, a doutrina oceânica. Se, hoje, o conflito entre potência oceânica e potência continental está francamente na ordem do dia e se a segunda guerra mundial se deflagrou principalmente por causa da Europa oriental, eixo geográfico da história política, era presumível que um exame aprofundado do problema fizesse ressaltar, ao contrário, que a discussão Vidal-Ratzel influencia mais do que qualquer outra o resultado final.

O ensinamento de Ratzel trouxe desenvolvimentos retumbantes. Um dos primeiros ecos, ainda modesto, ressoou durante a guerra de 1914-1918 em país neutro. Foi na Suécia, país cuja contribuição à ciência geográfica tem sido mais importante do que a de muitas grandes potências, que um escritor assaz brilhante e demasiado pro-germânico inventou o termo de Geopolitik. Seguindo a idéia de Ratzel, Kjellen quis aplicar à geografia política os mais simples princípios da biologia: um Estado devia viver e agir como um organismo vivo. Expôs a sua teoria num livro aparecido em 1916, em Estocolmo, Staten som Lifsform. Aplicando as leis de sua geopolítica à situação política de 1916, Kjellen chegou à conclusão evidente de que as Potências Centrais deviam ganhar a guerra. Os acontecimentos decidiram o contrário, mas os escritos de Kjellen tiveram naturalmente um vivo êxito na Alemanha.

Após a derrota de 1918, surgiram teóricos no exército alemão a consolarem-se com explicações muito claras: a Alemanha perdera a guerra por não ter estudado bastante a geografia política que logicamente lhe dava ganho de causa. Na próxima vez bastava fazer um plano de ação mais bem estruturado e uma escola entusiástica de geopolítica cedo empenhou-se em trabalhar nessa grande obra. [p. 655]

Raras escolas de doutrinadores contemporâneos fizeram correr tanta tinta e gastaram tanto papel. Não somente os próprios geopolíticos foram autores prolíferos, que encheram dezenas de milhares de páginas, mas também, após os primeiros grandes êxitos da expansão hitlerista, os editores dos países aliados consagraram uma biblioteca inteira à Geopolítica. Serviram-na com todos os molhos. Em 1942, um geógrafo capaz não podia apresentar-se e declarar sua profissão num salão da América sem escutar a pergunta sobre se era igualmente geopolítico. Esta moda, como todas as outras, passou. Mas conservou-se nos espíritos um certo respeito administrativo por esta força misteriosa da Geopolítica. Uma tal reação é, aliás, humana: sentia-se que Hitler e sua camarilha tinham um plano, sabia-se também que para o mesmo haviam concorrido turmas de técnicos de uma espécie tida por nova. Ora, as potências aliadas não tinham plano preconcebido, porque não tinham ambições agressivas e como se preza, sobretudo, o que não se tem, os aliados manifestaram tendência em atribuir à Geopolítica um poder quase mágico. Havia, de fato, na realidade do assunto muito pouco que fosse novo.

A escola de Geopolítica procede de Ratzel e de Kjellen. Inspira-se, também, na obra e nas idéias de Mackinder, visto como o eixo da Europa oriental e o Heartland convinham admiravelmente ao pangermanismo, que pretendia seguir a via tradicional do Drang nach Osten. Era cômodo igualmente, admitir diante do estrangeiro "antepassados" neutros, como Kjellen, e até britânicos!. Na realidade, tratava-se simplesmente de construir um belo plano de expansão para a Alemanha, com tanto mais método e menos escrúpulos quanto fosse possível.

O chefe da escola foi o general Haushofer que aliava títulos universitários a uma séria experiência militar. As obras mais importantes de Haushofer versam sobre geografia das fronteiras e sobre problemas do Pacífico. Na sua maneira de encarar a carta mundial, poderia perceber-se já o esboço da "esfera de co-prosperidade asiática" que deveria lisonjear o governo japonês. Indiscutivelmente Haushofer foi a figura de proa administrativa da Geopolítica. Soube ele empreender a educação dos chefes do partido nazista em matéria de geografia política. Mas se foi a personagem política dominante, não é menos verdadeiro que utilizou largamente autênticos sábios e universitários que forneceram a documentação geográfica e, sem dúvida, certas idéias. Entre aqueles, cumpre situar em primeiro plano o Prof. Otto Maull, da Universidade de Gratz, cuja Politische Geographie (1925) retoma, desenvolve e acentua Ratzel. Maull dá uma classificação confusa e complexa das diversas formas de Estados, mas seu princípio essencial, como em Ratzel, é uma questão puramente de potencial físico, de capacidade de expansão. Entrevê "leis" que presidem sempre num mesmo sentido à formação e ao crescimento dos Estados. Os Estados expandem-se "à custa de contrastes étnicos e sociais." A Geopolítica irá mais longe, após 1925, seguindo um princípio de R. Kjellen que escreveu: "Os Estados são seres conscientes e dotados de razão como os homens." Um geopolítico menos eminente declarará que "um povo não pode dispensar as embocaduras de seus rios, assim como o dono da casa não pode dispensar a chave da sua porta." A personificação das coletividades simplifica muitas coisas e pode levar muito longe. É verdade que, segundo o princípio das embocaduras, tanto a Alemanha pode reclamar a foz do Reno como a Polônia a do Vistula, isto é, Dantzig, mas essas pequenas contradições não arranham doutrinas entusiastas.

Os geopolíticos mostraram um cinismo espantoso em proclamar seus alvos. Maull reconhece que a geografia política, ainda pouco evoluída e pouco compreensiva, tal como a deixara Ratzel "não podia bastar aos desejos da política prática, despertados pelo abalo da Grande Guerra". Hennig, um de seus colegas, será ainda mais franco: "A Geopolítica quer fornecer materiais à ação política, quer servir de guia para a vida prática. Permite-lhe passar do saber ao poder, quer ser a consciência geográfica do Estado".

Os geógrafos franceses foram, sem dúvida, os primeiros, por efeito mesmo da sua proximidade, que se aperceberam dos perigos da geopolítica. Desde 1934, Alberto Demangeon analisava e condenava a geopolítica nos Annales de Géographie, mostrando que se tratava simplesmente de uma "máquina de guerra" destinada a servir aos objetivos de expansão alemães. Em 1936, dizia Jacques Ancel que a "Geopolítica forneceu suas armas ao hitlerismo". A Geopolítica [p. 656] não foi, ademais, apenas "geografia política" aplicada a serviço de interesses propriamente alemães; invadiu o domínio da teoria militar pura, da estratégia e da tática e resvalou, em geral, ao ponto de converter-se numa ciência de preparação à guerra. Não havia nada de novo nela, salvo uma espécie de divinização do Estado, definido embora como um organismo biológico. Triste culminação filosófica de uma doutrina fundada tão só nas noções de espaço e de força física.

Não padece dúvida que o poderio político de um Estado não é indiferente seja ao fator espaço seja à situação geográfica. Resta, porém, saber como evolve o valor desses elementos do poderio, consoante as variações que podem intervir nos demais componentes da personalidade de um Estado ou de uma Nação. É bastante, aliás, opor a noção do Estado-organismo biológico, dos geógrafos alemães, à noção da personalidade de uma nação, posta em relevo pelos geógrafos franceses, para ver todos os elementos espirituais e variáveis introduzidos pela concepção francesa.

O pensamento da escola francesa, tão bem formulado desde o começo do século por Vidal de la Blache, foi ainda precisado e acrescentado com um novo alcance filosófico por Paul Valéry. Muitas páginas de Variétés têm um autêntico acento geográfico e, desde 1919, geógrafos como Alberto Demangeon foram influenciados pelo sortilégio ora feito clássico: "Nós outras, civilizações, sabemos agora que somos mortais"... "Elam, Ninive, Babilônia, eram nomes belos e vagos, e a ruína total desses mundos tinha tão pouca significação para nós como sua própria existência. Mas França, Inglaterra, Rússia... seriam também belos nomes. Lusitânia também é um nome bonito. E vemos presentemente que o abismo da história é bastante amplo para todo o mundo."

E Valéry curva-se com uma angústia que se compreende particularmente bem em 1946 sobre o problema da Europa, este paradoxo da teoria do espaço, fator decisivo de grandeza: "A Europa tornar-se-á o que ela é na realidade, isto é, um pequeno cabo do continente asiático?... A pequena região européia encabeça a classificação desde séculos. A despeito da sua parca extensão e muito embora a riqueza do seu solo não seja extraordinária, ela domina o quadro. Por que milagre? Certamente o milagre deve residir na qualidade da sua população. Esta qualidade deve compensar o menor número de homens, de milhas quadradas, de toneladas de minerais que tocam à Europa. Colocai num dos pratos de uma balança o Império das Índias; no outro o Reino Unido. Vede: o prato carregado com o peso menor, pende! Eis uma ruptura de equilíbrio bem extraordinário. Mas essas conseqüências são ainda mais extraordinárias: fazem-nos elas prever uma modificação progressiva em sentido inverso."

Algumas páginas de Paul Valéry inspiraram os trabalhos sobre o equilíbrio mutável do mundo, de numerosos autores franceses, em o número dos quais se encontram Alberto Damangeon (O Declínio da Europa, O Império Britânico), André Siegfried (A Crise da Europa, A Crise Britânica no Século Vinte), e mesmo Paul Morand que falou do advento dos "continentes maciços". Ensinaram eles, aliás de pleno acordo com as idéias de Vidal de la Blache, a não encarar as evoluções na geografia política senão com prudência e em função da qualidade dos homens, da estrutura interna das nações. Um método que se afasta muito da planificação gráfica simples dos geopolíticos sobre a carta ou por diagrama, método que torna difícil formular uma doutrina categórica, mas que se aproxima da realidade política. Foi, aliás, no mesmo sentido de um menor determinismo físico e de uma maior atenção ao fato social do que outros geógrafos, que trabalharam os de França.

A discussão que se levantou em torno da Geografia Política nos Estados Unidos desde 1942, atesta a presença de duas correntes de idéias, uma das quais aprova a teoria geopolítica do espaço e a outra desaprova-a vivamente. Em tempos pareceu que a geopolítica ia fazer adeptos nos Estados Unidos. É bem conhecido o caso do professor Nicholas Spykman, da Universidade de Yale que, num brilhantíssimo volume America's Strategy and World Politics (Estratégia Americana e Política Mundial) e em publicações posteriores esforçou-se por propor uma geopolítica americana. E, fazendo-o deixou-se influenciar fortemente, como, aliás, salienta o professor Edward M. Earle, de Princeton, pela sedução do cinismo hitlerista. Spykman chegava, até, a escrever que os esforços empregados para obter o poderio não visavam à realização de valores morais, mas os valores morais é que são feitos para servir a obtenção do poder ("The search for power is not made for the achievement of moral values; moral values [p. 657] are used to facilitate the attainment of power"). Tais doutrinas começam por negar-se a si mesmas, porquanto fazem tabula rasa de todo elemento doutrinal em favor do "realismo nu".

Mas os progressos desse estado de espírito logo despertaram a reação da grande escola de Geografia Política americana, mais próxima do pensamento de Vidal de la Blache que nenhuma outra. O chefe dessa escola, desde a grande guerra, era M. Isaiah Bowman, autor do New World, que descreve a Geografia Política resultante dos Tratados de 1919, e de The Pioner Fringe, que encarece o valor do papel geográfico no mundo do espírito pioneiro. M. Bowman abriu fogo contra a Geopolítica num artigo em que contrapõe a Geografia autêntica à sua falsificação alemã, Geography versus Geopolitics. Em lugar da corrida ao espaço e da tendência ao materialismo, concita os geógrafos a admitirem a necessidade da compreensão mútua, da boa vontade internacional, da segurança coletiva.

Não nos iludamos: as discussões ardentes que vão pelo mundo acerca das doutrinas de geografia política, estão a testemunhar que a teoria espacial pura não satisfaz. A evolução que conduziu de Fichte a Haushofer sofreu, na última guerra, uma falência estrepitosa. O fio frágil, mas precioso que conduz de Vauban a Valéry, manteve, contra o materialismo do espaço, a doutrina humanista da organização e da valorização do espaço pelo espírito. É o conflito profundo entre essas duas doutrinas que está aberto hoje; a doutrina humanista faz progressos certos: fala-se de mais a mais na França de geografia social e, assim também, os Eurasistas que declaravam desde 1921 em Sófia: "Honramos o passado e o presente da cultura européia ocidental, mas não lhe vemos futuro... Temos o sentimento de que, hoje, a história bate precisamente em nossa porta. Bate, para que a Rússia, por um trabalho heróico e realizações gigantescas, mostre ao mundo uma verdade humana, universal, tal como os maiores povos o fizeram no passado e o fazem na hora atual."

Não nos sentimos por demais distanciados do dilema de Novalis: Cristandade ou Europa? O materialismo triunfante do século XIX conduziu o século XX a excessos bem perigosos. A beira do abismo dir-se-ia que a civilização, fenômeno espiritual, se detém e hesita. O próprio Valéry arvora-se por um instante em biologista e observa: "sentimos que uma civilização tem a mesma fragilidade de uma vida!" Mas se bem que os geógrafos, em tempos, tenham introduzido métodos biológicos na política, de mais a mais eles se alinham na fileira de um Claude Bernard, que proclamava a preeminência do terreno sobre o micróbio e a existência, ao lado do meio exterior, de um meio interior, cujo papel é capital em medicina experimental. Ora, se a política serve de medicina experimental às coletividades, deve levar em conta e com ela a geografia política, o "terreno" do paciente e seu "meio interno"! Por certo não basta semear um meio natural, de todo exterior, com o micróbio do Raumsinn.

Era bem o que, em outros termos, dizia M. Bowman, que definindo a nova geografia de 1945, insistia sobre a necessidade de estudar a estrutura social, religiosa e econômica de um país para poder aquilatar seu justo valor: reside aí, dizia ele, a fonte essencial de energia do país. Os métodos da geografia afastam-se, portanto, do gênero botânico para achegar-se aos métodos da medicina. Possam as doutrinas decorrentes, por sua vez, visar não à expansão mas, sim, à sua cura.

É curioso que o homem se preocupasse mais do que nunca com o espaço e a matéria no momento preciso em que adquiria os meios de percorrer os espaços do nosso globo e de manipular e transformar todas as matérias que podia desejar com uma liberdade quase completa. O espírito deixa-se, às vezes, dominar pelo objeto que ele amolda. Mas o despertar não tarda muito. As doutrinas geográficas não devem se ater muito ao concerto, visto que distâncias e recursos não conservam senão uma significação muito relativa e facilmente transformável.

Assim o triunfo da máquina parece dever conduzir-nos de um materialismo desenfreado na política a aspirações mais abstratas. Não errariam sem dúvida, os que falassem de guerras religiosas em nossa época. [p. 658]

Geopolítica e Relações Internacionais*

Shiguenoli Miyamoto**

O final da Segunda Guerra viu despontar duas potências que, ao longo de 40 anos, dominaram o cenário internacional. Países com modelos políticos e econômicos distintos e ideologicamente colocados em pólos opostos exercitaram neste período políticas de poder vigorosas, não abrindo mão, em nenhuma oportunidade, de mostrar quem era hegemônico em cada um dos grupos constituídos à sua volta.

De um lado, a liderança exercida foi apoiada nos conceitos tradicionais de liberalismo no caso norte-americano; e, de outro, a aglutinação em torno do bloco soviético foi marcada pela administração altamente centralizada do governo moscovita.

Apesar das diferenças de modelos econômicos, políticos e ideológicos, ambos os líderes, hegemônicos incontestes em seus blocos, apresentavam uma característica comum: além da necessidade de proteger suas áreas de influências de acordadas nos Tratados de Yalta e de Potsdam, a vocação para ampliar em escala cada vez maior os valores de cada modelo no resto do mundo. Tal política se verificava não apenas no continente africano – que iniciava então a ruptura dos grilhões que o acorrentava aos [p. 5] países colonialistas -, mas também no sudeste asiático, nos países árabes e, no próprio continente americano, do Caribe para baixo.

Esta conduta visando a ocupar o globo, em um contexto de poder bipolar, pontificada por inúmeras situações agudas, nada mais era – mutatis mutandis - do que aquilo que sempre acontecera na história da humanidade: a tentativa de conquista e construção de grandes impérios, se possível um único, no mundo inteiro. Com uma diferença marcante, pois ambos os países dispunham, nesse período, de capacidade de destruição (overkill) e de intervenção como nunca se conhecera. É justamente esse poder de destruir, com a obtenção de bombas nucleares, e de estar presente em várias partes do mundo ao mesmo tempo que caracterizou o quadro do pós-guerra, com a afirmação dessas superpotências.

Se o domínio da tecnologia atômica foi monopólio inicial da Casa Branca, este teve efêmera duração, visto que apenas quatro anos depois o Kremlin repetia o feito norte-americano. Como se viu, posteriormente, a Grã-Bretanha, a França, a China e a Índia trilharam o mesmo caminho. Hoje, pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que pelo menos mais de duas dezenas de países encontram-se em condições de construir seus próprios arsenais nucleares. Trata-se apenas de optar esta decisão política, já que têm os vetores necessários.

O período inaugurado em 1945 apresenta características conflitantes. De um lado, viu nascer uma instituição supranacional – Organização das Nações Unidas (ONU) – até agora não superada e, por outro, mostrou que mesmo os países que subscreveram a Carta de São [p. 6] Francisco, em 26 de junho de 1945, pouco se importaram com os princípios por ela ditados, atropelando-a quase sempre. Basta lembrar que no preâmbulo da Carta das Nações Unidas já se enfatizava a necessidade de se preservar as gerações futuras do flagelo da guerra; os signatários, portanto, abster-se-iam de recorrer às ameaças ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado. Assim, os membros deveriam fomentar relações de amizade apoiadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e à livre determinação dos povos.[49] Os dados da História mostram que nos anos seguintes as superpotências implementaram todas as políticas possíveis, usando, abusando e fazendo tudo que seu poder lhes permitia, exceto acatar a soberania dos povos.

Ao nos determos nas próprias circunstâncias que levaram à criação da ONU, provavelmente concluiremos que de fato estes princípios não poderiam ser seguidos, mesmo porque ela própria só se viabilizou após intensas negociações, quando então foram asseguradas condições privilegiadas de membros permanentes e com direito a veto, no Conselho de Segurança, aos Estados Unidos, à União Soviética, à Grã-Bretanha, à França e à China.

Embora a ONU surgisse sem uma política de poder, já que está ancorada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros, a criação do Conselho de Segurança dava, naquela altura, mostras inequívocas de como seria estruturado o sistema internacional. Tanto da parte de Casa [p. 7] Branca quanto do Kremlin, as políticas de poder surgiam de maneira transparente, não deixando qualquer dúvida sobre a natureza dos objetivos dos dois contendores.

Washington faria não apenas intervenções longe de seu território, numa escala crescente – e que encontra poucos paralelos na história -, como se preocuparia em criar entidades voltadas à defesa não só de seu país, mas de toda uma parte do mundo. Da organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) à guerra da Coréia, da invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, ao Vietnã, dos golpes militares na América do Sul nos anos 60 às intervenções no Caribe nos anos 80, passando pela África e pelo Oriente Médio, um sem-número de situações mostrou todo o poder de intervenção do Estado norte-americano e a capacidade para estabelecer políticas verdadeiramente abrangentes. Moscou procura não ficar atrás: desde a tentativa de permanecer no Irã à revolução cubana e a crise dos mísseis, da criação do Pacto de Varsóvia às intervenções na Hungria, na Tchecoslováquia, no Afeganistão e na África, as forças soviéticas se fizeram presentes.

No cômputo geral desses anos, vantagem sensível deve ser creditada a favor dos EUA, que se apresentaram com maior fôlego para sustentar e, em grande parte, obter êxitos na defesa de seus interesses. Contudo, a atuação em grande escala comporta riscos crescentes: quanto maior a quantidade de ações, aumenta também as possibilidades de erros, já que é difícil acertar em todas as ocasiões. Daí situações desastrosas para os Estados Unidos em vários momentos, com a invasão da Baía dos Porcos e o Vietnã. [p. 8]

O que se viu, portanto, de ambos os lados, é que o expediente das armas foi o recurso preferido pelas superpotências para resolver problemas em todos os lugares do mundo, mesmo e principalmente sem serem solicitadas. Nisto, descumprindo, sem qualquer pudor, os princípios firmados em São Francisco. Por isso, também jamais se preocuparam com as reivindicações dos países menos industrializados, que revelaram seja através da Conferência de Bandung, pela criação do grupo dos não-alinhados, pelo Grupo dos 77 e nunca atendendo às constantes solicitações feitas em foros comuns como a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente em 1972, a Eco 92, ou nas conferências sobre população, no Cairo, em 1994, e em Copenhague, em 1995. A não ser quando os interesses, tanto dos Estados Unidos quanto de seus aliados mais próximos (Grupo dos 7), convergissem em direção às necessidades dos Estados economicamente mais pobres.

Este quadro também não poderia ser pensado de outro prisma. O conflito ideológico que se pretendia mortal em um jogo de soma zero (quando um ganha, o outro perde) indica que acordos e papéis assinados apenas servem quando as partes contratantes usufruem largamente das vantagens dos mesmos, obtendo elevados lucros. O mesmo, entretanto, não pode ser afirmado quando os personagens diretamente envolvidos querem abocanhar, cada um deles, fatia maior do mesmo butim, não deixando nada para o outro.

O poder das duas superpotências foi exercitado porque devia sê-lo. Por que, afinal de contas, acumular poder se não se tem a pretensão de utilizá-lo? [p. 9]

Se o mundo é o espólio a ser dividido, políticas pacifistas e respeito à soberania dos outros Estados, obviamente, jamais poderiam ser implementadas.

Esta visão conflitiva que moldou o cenário mundial durante quatro décadas adaptou-se a cada momento, conforme se alteravam, independentemente da atuação dos dois países hegemônicos, os poderes de outros Estados. Ao mesmo tempo em que ambos, neste meio tempo, passaram a enfrentar desde problemas de legitimidade com questionamentos às políticas internas até o desgaste ocorrido com derrotas em intervenções extracontinentais, do aumento de taxas de desemprego a déficits comerciais, dificuldade em gerenciar um modelo econômico que não conseguia atender às expectativas de consumo interno e à intensa contrapropaganda. Todas essas dificuldades, em conjunto, aliadas à necessidade de manter intervenções extremamente onerosas, acabariam colocando em xeque a categoria de superpotências que EUA e URSS comodamente desfrutariam durante décadas.

O cenário dos anos 80 e 90 começou a se desenhar sem pedir autorização às superpotências, e sem uma configuração ainda precisa, passando a privilegiar, por sua vez, outra variáveis que não as estritamente apoiadas na capacidade militar. A formação dos megablocos, em uma competição triádica, parecia, segundo muitos, uma nova forma de reordenamento do poder mundial, com o declínio do até então líder imbatível do mundo ocidental.[50] E, como contrapartida, a emergência de novos atores, [p. 10] abandonando-se, portanto, a visão que até então orientara quase que exclusivamente o funcionamento do sistema internacional, apoiado no elemento força. Destarte, grande parte da literatura recente passou a considerar chegada ao fim do ciclo das políticas de poder em um novo mundo, caracterizado pela globalização dos mercados, e com o fim da hegemonia norte-americana. Portanto, as políticas de Estado, amparadas pelo poder militar, foram sendo colocadas de lado, considerando, até mesmo, a própria dissolução dos Estados-nações frente a esta nova ordem.

Certamente pode-se creditar parcelas de acerto a visões que caminham nesta última direção. Mas afirmar o fim dos Estados-nações e que políticas de poder não têm eficácia ou lugar é, no mínimo, fazer juízos apressados da realidade internacional. Inclusive porque poder econômico e poder militar caminham pari passu, um se apoiando no outro, tanto para sustentar uma potência militar quanto econômica. Se uma dessas variáveis exige cada vez mais investimento da outra, terminando por levar o Estado que nelas se apoia ao colapso, é algo que pode ser ponderado, mas que não se aplica aos dias atuais, principalmente no exemplo norte-americano.[51] O poder acumulado pelo governo da Casa Branca, em termos militares, dificilmente será um dia superado, tal o montante destas últimas décadas. A não ser, é óbvio, que algum país como o Japão a tal se disponha, mas isso possivelmente teria implicações tanto no plano doméstico quanto no regional. [p. 11]

Já que o poder foi elemento chave no qual as superpotências se escudaram para atuar até agora, entende-se porque o contexto mundial foi moldado até agora segundo a ótica conflitiva, não privilegiando políticas de cooperação. Na realidade, além das disputas envolvendo as duas superpotências por um controle global, disputas menores se verificaram simultaneamente em instâncias diversas ao longo desses anos. Portanto, o clima vigente sempre foi o de discórdias entre as nações, se bem que momentos de relaxamento da tensão se observassem ao mesmo tempo.

Verifica-se, ainda, que tanto o conflito quanto a cooperação têm caminhado lado a lado, mesmo quando estavam envolvidas as figuras exponenciais do xadrez mundial do poder. O mesmo se sucedia com os países menores, tornando difícil apenas uma política de cooperação global quando o elemento poder se encontra no centro da atenção de todos os países, malgrado o seu tamanho, sua força ou sua localização geográfica.

Sendo assim, o limiar do século XXI ainda não verá o mundo em paz, embora esse conceito seja entendido de formas distintas pelos agentes que operam nas relações internacionais.

Enquanto para as superpotências a paz é puramente a ausência de uma conflagração global, com toda uma gama de possíveis complicações nucleares, para as grandes potências o conceito implica um período de relativa normalidade, sujeito às vicissitudes da política de poder e livre de operações militares que poderiam exigir esforços de envergadura nacional. Já para as médias e pequenas, a paz identifica-se com a segurança e significa [p. 12] imunidade à agressão e preservação de sua soberania e integridade territorial.[52]

O que se pode constatar hoje é a existência de pelo menos duas dezenas de conflitos, seja relativos a divergências internas, seja envolvendo dois ou mais países. Da América do Sul à África, do Oriente Médio ao Leste Europeu, passando pela América Central, poderíamos mencionar desde a guerra equatoriano-peruana ao conflito na Guatemala, da Tchechênia à Bósnia, de Ruanda à Argélia.

A mídia eletrônica e a imprensa escrita têm reservado espaço diário em seus noticiários internacionais, levando a todos os recantos do mundo, instantaneamente, tais acontecimentos. Ao lado das divergências econômicas entre as grandes nações, como os Estados Unidos, o Japão e as da Europa, os conflitos armados não se amainaram no período pós-guerra fria, quando se discute igualmente a questão da globalização.

Como ficou dito anteriormente, estes fatos não deveriam causar assombro. Dificilmente alguém encontrará período na história em que guerras não estivessem se sucedendo em alguma parte do mundo. Sob o domínio da Coroa Portuguesa, dos reis espanhóis, dos britânicos ou dos norte-americanos, não se verá ano em que um Estado não agredisse o outro, fundamentalmente tendo como motivo de discórdias problemas relacionados à posse de territórios ou à demarcação de fronteiras. [p. 13]

Não interessa considerar se o início dos conflitos tinha algum motivo considerado justo, nem quem foi o ganhador ou o perdedor. Para efeito de nossa análise estes enfoques são irrelevantes, pois interessa-nos considerar que a guerra parece ter sido o motor que movimentou a história. A velocidade por ela imprimida ou a direção também pouco importam. O que vale ressaltar é que a constituição dos Estados-nações, tal como os conhecemos, não foi feita de forma pacífica. Possivelmente não se encontrará um Estado cujo território tenha sido obtido sem maiores problemas, e menos provável, ainda, que este Estado nunca se tenha envolvido em conflitos.

O período atual é rico em exemplos: a desintegração do império soviético, as divisões da Iugoslávia e da Tchecoslováquia e as tendências separatistas que varrem o mundo indicam que se passará ainda muito tempo até que todos os Estados tenham fronteiras definitivas. Ou que desapareçam, dando lugar a entidades de maiores proporções, regionalizadas, ou mesmo pensando-se a constituição de um Governo Mundial, cujas características são ainda impensáveis nos dias atuais.

Por que os conflitos interestatais nunca chegarão ao fim?

Para os otimistas tal pergunta não se coloca, porque, raciocinando dentro de uma concepção que considera o mundo global, os conceitos tradicionais de Estado-nação, autonomia, soberania e independência estão em decadência e com os dias contados. Talvez tenham razão, mas seguramente não viverão o suficiente para ver chegar tal dia.

Para os pessimistas, ou melhor designando-os realistas, a estrutura das relações internacionais jamais permitirá um mundo sem guerras. [p. 14] Isto porque cada Estado, ao se constituir e desenvolver, criou simultaneamente um espírito nacional que ao longo de sua história, tornou inconcebível ou impraticável eliminar as fronteiras, mesmo quando se achavam envolvidos em processos de integração ou de cooperação globalizantes.

Quer dizer, no momento em que os Estados-nações emergirem como instituições estava assegurada sua solidez e durabilidade, características estas que deveriam passar incólumes ao longo do tempo, e se determinou concomitantemente como o mundo seria então regido: através de uma visão conflitiva, com poderes interestatais assimétricos, ainda que nem sempre se lance mão do expediente das armas para convencer, derrotar ou impor sua vontade ao inimigo ou rival comercial.

Tudo isso significa dizer que as relações internacionais são intermediadas por divergências múltiplas, que vão desde as jurídicas às econômicas, das políticas às culturais, no limite levando a mediações de força pelos instrumentos da guerra, obedecendo à máxima de Clausewitz: "a guerra é um ato de violência destinado a forçar o inimigo a submeter-se à nossa vontade".[53]

Vence, obviamente, o agente que detiver maior poder acumulado, ou então capacidade de utilizar mais convenientemente seus recursos humanos, materiais e imateriais, ainda que insuficiente [p. 15] para derrotar outro mais poderoso, mas não tão consciente de seus verdadeiros objetivos e imbuído dos mesmos valores ou ideais.

A França nos anos 50 e os Estados Unidos nos anos 60 experimentaram amargos fracassos contra países cujo poder nacional era infinitamente menor do que os seus. Mas esse países eram dotados de motivações para defender seus territórios que não eram encontradas nos inimigos colonialistas e invasores, que combatiam a milhares de milhas longe de suas casas, em regiões para as quais não se encontravam adequadamente preparados, e mesmo sem certeza das razões que os levavam a enfrentar tal situação.

Na maior parte das vezes, contudo, o país ou bloco que detiver a hegemonia mundial ou regional ditará as regras do jogo, os mecanismos, a forma como o sistema internacional deverá ser moldado. Aos demais atores, perante um quadro adverso que lhes propicia poucas alternativas, nada mais restará do que procurar conduzir-se da maneira que lhes seja menos desfavorável, adequando-se a tal realidade.

Percebe-se, assim, a conhecida dicotomia envolvendo, de um lado, países ricos e poderosos, e, de outro, Estados pobres e fracos, com pouca ou nenhuma capacidade de interferir nas decisões que os afetam, mas que são tomadas em reduzidos foros por poucos atores que monopolizam a cena. Evidentemente aos países pobres sempre existe margem de manobra, mas insuficiente, na maioria das vezes, para reverter as regras do jogo a seu favor.

A criação dos regimes internacionais, conforme pensado por Stephen Krasnner, por exemplo em assuntos como a questão demográfica ou o problema ambiental, pode propiciar vantagens para os atores com menor [p. 16] capacidade de poder no concerto internacional, mas que, ao possuir recursos humanos ou materiais ponderáveis, influenciam o estabelecimento de padrões que passariam a ser comuns e seguidos por todos os agentes nesses itens.[54]

Mesmo assim percebe-se visível resistência por parte dos Estados altamente industrializados em implantar medidas sugeridas em foros internacionais, como se notou por ocasião da Eco-92 no Rio de Janeiro. Vale a pena lembrar que naquele âmbito foi recomendado aos países industrializados a aplicação de 0,7% de seu Produto Nacional Bruto em investimentos a serem utilizados para auxiliar os demais países na aquisição de tecnologias, visando a reduzir a agudização de pobreza nesses Estados. O mesmo se verifica em convenções sobre questões climáticas, quando se discute a fixação de datas para eliminar definitivamente a utilização de substâncias nocivas que contribuem para a deterioração da atmosfera.

As Conferências recentes sobre população realizadas no Egito, no ano passado, e na Dinamarca, no início do corrente ano, são outros exemplos em que a posição dos países altamente industrializados era bastante diferente da do resto do mundo, se bem que, é claro, nem sempre a postura dos países pobres foi homogênea. No limite, porém, mesmo nestas situações que envolvem itens que dizem respeito a todos simultaneamente, os países poderosos é que verdadeiramente determinam a conduta do sistema internacional, influenciando-o decisivamente, conforme seus interesses políticos, econômicos e estratégico-militares. [p. 17]

A legitimidade do sistema, neste caso, não é estabelecida adotando-se critérios de justiça e de eqüidade. Como diz Henry Kissinger, ex-secretário de Estado norte-americano, a legitimidade significa consenso internacional sobre a natureza de combinações que funcionem, e sobre fins e métodos admissíveis para a política exterior, e supõe a aceitação da estrutura da ordem mundial por todas as grandes potências. As guerras seriam feitas em nome da estrutura existente, e a paz que viesse seria justificada como uma melhor expressão do congresso geral, da "legitimidade".[55]

Igualmente pode-se concluir que a ascensão de um Estado que se situa na base ou que ocupa posição intermediária na pirâmide da estratificação internacional só poderá ser realizada preenchendo pelo menos duas condições: além de resolver seus problemas domésticos, mantendo instituições políticas e econômicas estáveis e aumentando seu poder nacional, deve contar com a audiência das grandes potências, objetivando pertencer ao seu restrito grupo. Pode-se dizer que antes da Primeira Guerra Mundial era factível a vários países aspirar lugar de realce no seio da comunidade internacional. Todavia o mesmo não pode ser dito no período pós-Segunda Guerra, quando Washington e Moscou despontaram como líderes absolutos de seus blocos.

Se nos anos 80 houve consideráveis abalos no quadro das relações internacionais e grandes transformações foram efetuadas tendo como conseqüência o esfacelamento do império soviético, outros elementos precisam ser realçados. Interessa-nos, portanto, enfatizar aqui, que, não só [p. 18] nas últimas décadas, mas também nos anos recentes, poucos atores monopolizando o poder comandaram o mundo determinando condutas e fixando modos de agir e de pensar, obrigando o sistema internacional a funcionar sob rígidos parâmetros. Além do mais, as alterações introduzidas no período pós-Segunda Guerra Mundial jamais visaram a favorecer os países pobres em nenhum aspecto, seja no político, no econômico ou no militar. A segunda metade dos anos 80 e a primeira metade da década de 90 apenas reproduziram as relações de poder que sempre vigoraram no sistema internacional.

Por que os países poderosos atuaram e continuaram agindo desta forma, insensíveis às reivindicações alheias? Sucintamente pode-se afirmar que assim fizeram e permanecem para cumprir o papel que lhes foi destinado como Estados fortes, que têm aparatos bélicos superiores aos demais, quantitativa e qualitativamente, economias fortes (no caso norte-americano) e, sobretudo, instituições e mentalidades fortes. Além da vontade e até certa vocação para intervir.

Apenas para exemplificar e para contrapor a capacidade dos países industrializados à dos demais, poderíamos mencionar o caso brasileiro em recente episódio de compra de tanques considerados ultrapassados. A resposta do ministro do Exército às críticas elucida claramente a diferença de comportamento entre países que podem e países que não podem. Segundo o ministro do Exército, a aquisição desses equipamentos se deu porque o governo brasileiro não tem dinheiro para comprar outros novos e mais [p. 19] sofisticados, alegando, ainda, que estes recém-adquiridos são melhores do que os possuídos atualmente.[56]

Se, ao longo dos anos, os primeiros países conseguiram acumular forças políticas, econômicas e militares, nada mais natural, portanto, que exercitem seu poder da forma que lhes for conveniente. Por isso mesmo, um país como o Japão, que hoje é o segundo maior investidor em armamentos em todo mundo (face ao seu PNB), considera que é chegada sua hora, pois além de possuir uma economia forte, reivindica lugar de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU. Ou seja, apesar de todas as divergências com os demais Estados do sudeste asiático, que foram alvos de invasões nipônicas desde o início do século, o governo de Tóquio começa a ensaiar novos passos visando a ocupar maior espaço político no mundo, o que até recentemente era evitado. E, aproximando-se gradativamente desses mesmos países, tenta mostrar que os interesses de Tóquio agora coincidem, ao contrário do passado, com os das nações asiáticas. É bem verdade, também, que em situações diversas as discordâncias permanecem, como no recente exemplo em que a China resolveu dar mostras de continuar a desenvolver-se no campo nuclear. Como se recorda, nesse momento o Japão resolveu retirar da China os investimentos que antes se propunha a fazer naquele país, enquanto Pequim não alterar sua posição.

Para os países industrializados o mundo torna-se, portanto, palco atraente para exercitar capacidades de intervenção na defesa de seus interesses nacionais –e onde julgar em que sua segurança seja afetada. Neste [p. 20] sentido há uma dilatação do próprio conceito de segurança nacional, que escapa assim à proteção territorial unicamente, abarcando todas as regiões do mundo. O planeta todo passa a ser considerado área de segurança e, para proteger e defender seus interesses, há necessidade de estar presente, atuando ao mesmo tempo em todos os quadrantes, ao longo e além de suas fronteiras e continente.

Nota-se ainda que cada país, de acordo com seu espírito nacional e suas forças, atua de forma distinta no contexto mundial. Leva, portanto em consideração não só o poder adverso, mas, sobretudo suas próprias condições, que abarcam desde instituições sólidas a populações adequadas quantitativa e qualitativamente, de Produto Nacional Bruto às Forças Armadas e território e, cada vez mais, à capacitação tecnológica.

São todos esses elementos em conjunto que constituem o que na literatura mundial se convencionou chamar poder nacional. Por isso mesmo as guerras normalmente só são travadas por oponentes cujo poder nacional apresente certa paridade. Quando tal condição não é observada, exemplificada pelo conflito envolvendo Argentina e Reino Unido, já se tinha um vencedor a priori.

Em outros casos, como no da coalização contra o Iraque, a disparidade de forças e a superioridade numérica de agentes membros se fizeram necessárias por solicitação norte-americana e legitimidade pela ONU, não apenas porque Washington estava individualmente em condições insatisfatórias para viabilizar com êxito tal empreendimento, mas também [p. 21] porque simplesmente não tinha informações adequadas de seu adversário, daí ter feito bombardeios antes de agir em terra.

Fato este que, por sua vez, mostra outro elemento complicador nas relações internacionais. Mesmo com todo o aparato bélico e tecnológico, e serviços de espionagem, os países altamente industrializados nem sempre conseguem obter informações absolutamente precisas para enfrentar nações menores mais hostis e que têm políticas externas revolucionárias. Ataques a tais nações se convertem em operações de alto risco. Os casos de terrorismo, que atualmente se multiplicam em todo o mundo, atestam igualmente a fragilidade dos grandes Estados que se sentem impotentes para tratar deles com eficiência.

O leitmotiv que orienta esses conflitos, que pode ser tanto ideológico como econômico, pode ser encontrado em uma série de autores que trataram a questão do Estado nas relações internacionais, privilegiando a ótica da política de poder como determinante na conduta desses atores. Dentre eles pode-se dizer que os geopolíticos e estrategistas posicionam-se na vanguarda em defesa do princípio de que o poder do Estado não só deve ser alcançado, mas, sobretudo, utilizado, quando solicitado a fazê-lo. Caso contrário tal política perderia sua razão de ser. Para tais autores, o território, a população e as Forças Armadas são elementos cruciais do poder, e quem os detiver em maior quantidade e qualidade, e vontade política para utilizá-los, é uma potência, senão a maior, uma das mais respeitadas no tabuleiro mundial. [p. 22]

Alexis de Tocqueville, em sua conhecida obra, já mencionava na primeira metade de século passado que dois países estavam fadados a ser grandes potências do futuro, a Rússia dos Czares e os Estados Unidos. Este último pela força de suas instituições, e a Rússia obviamente pela sua própria extensão territorial, fator também considerável no caso norte-americano.

Vale a pena transcrever suas observações. Segundo Tocqueville, existiam sobre a Terra, na década de 1830 dois grandes povos que, tendo partido de pontos diferentes, pareciam adiantar-se para o mesmo fim: os russos e os anglo-americanos.

"Ambos cresceram na obscuridade, e enquanto os olhares dos homens estavam ocupados noutras partes, colocaram-se de improviso na primeira fila entre as nações, e o mundo se deu conta, quase ao mesmo tempo, do seu nascimento e de sua grandeza (...). Um tem por principal meio de ação a liberdade; o outro, a servidão, seu ponto de partida é diferente, os seus caminhos são diversos; não obstante, cada um deles parece convocado, por um desígnio secreto da Providência, a deter nas mãos, um dia, os destinos da metade do mundo."[57]

Os acertos das previsões de Alexis de Tocqueville feitas a longo prazo dificilmente encontram paralelo nos tempos mais recentes –mesmo agora -, e exatamente em função disso, quando o domínio da ciência e da tecnologia possibilitariam, em princípio, fazer análises mais acuradas de longo alcance, com boas chances de acerto. [p. 23]

É claro também que, em virtude das transformações extremamente dinâmicas que se processam hoje, um número de variáveis imponderável pode tornar-se um elemento altamente complicador em análises dessa natureza. Variáveis essas que vão desde a questão étnica à religiosa, da formação dos megablocos no Ocidente à afirmação da China ou Japão no Oriente e o choque de civilizações, como defende Samuel Huntington, passando pelos incontáveis conflitos regionais em praticamente todos os continentes, ao surgimento e recrutamento de novas doenças com AIDS e o Ebola.[58]

No início do século XX um autor que se tornaria clássico e fundamental na perspectiva geopolítica faria detalhada análise considerando o território como fonte de poder. Trata-se de Halford Mackinder (1861-1947), que apresentou perante a Royal Geographical Society, de Londres, em 1904, as premissas básicas de uma teoria desenvolvida no ensaio "The geographical pivot of History", depois complementado pelo livro intitulado Democratic Ideals and Reality, de 1919.

A concepção de poder de Mackinder está apoiada fundamentalmente na hipótese de que o domínio de determinada região, hoje correspondente à China e à União Soviética, o eixo geográfico da história, possibilitaria o controle do poder mundial. Para o autor, essa região denominada coração do mundo, é estrategicamente inexpugnável, devido à [p. 24] sua própria localização, cercada por pântanos, mares e gelo.[59] Mackinder sintetizou sua teoria seguinte princípio: "Quem dominar a Europa Oriental controlará o coração do mundo. Quem dominar o coração do mundo controlará a Ilha mundial. Quem dominar a Ilha mundial controlará o mundo".[60]

Mas, mesmo antes de Mackinder, o território como fonte de poder tinha sido já explorado por Friedrich Ratzel (1844-1904) e Rudolf Kjéllen (1864-1922). Esses autores praticamente criaram "escolas". Ratzel e Kjéllen conceberam o Estado como organismo vivo, isto é, podendo ampliar-se ou sofrer retração de suas fronteiras, de acordo com o próprio desenvolvimento de sua história. Assim, quando o Estado atinge um alto grau de desenvolvimento, a tendência é a expansão territorial, sucedendo o contrário em períodos de baixo desenvolvimento, podendo mesmo desaparecer ou ser incorporado por outro Estado.

Esta corrente que considera o Estado como organismo dotado de características dinâmicas foi cognominada de escola determinista. As concepções de Ratzel foram desenvolvidas em trabalhos intitulados Antropogeografia (1888) e Geografia política (1897). Ratzel descreveu neste segundo trabalho o que ficou conhecido como as leis do crescimento [p. 25] espacial do Estado, ou a teoria do espaço vital (Lebensraum). Segundo sua concepção,

"...o espaço dos Estados aumenta com o crescimento da cultura, sendo que o crescimento dos Estados apresenta sintomas de desenvolvimento cultural, de idéias, de produção comercial e industrial, os quais necessariamente precedem a expansão efetiva do Estado; esse crescimento se verifica mediante gradual integração de pequenas unidades, ou seja, através de amalgamação e absorção de elementos menores; a fronteira é o órgão periférico do Estado e, portanto, essa vai ser a prova de crescimento estatal, sendo que a orientação geral para a conexão territorial transmite a tendência de crescimento territorial de espaço em espaço, incrementando sua intensidade."[61]

Kjéllen, por sua vez, considerou o Estado como um organismo vivo passando por etapas sucessivas como nascimento, crescimento, desenvolvimento e morte. O Estado, dizia ele, deve assumir sempre uma posição constante de expansão territorial. Foi autor de O espaço como forma de vida (1916), Fundamentos para um sistema de política (1920) e As grandes potências e os problemas políticos da Guerra Mundial (1912).

Como se vê, esses autores se anteciparam a Mackinder e não apenas o influenciaram, como também exerceram marcada influência sobre Karl Haushoffer (1869-1945), estrategista do III Reich. Aliás, Haushoffer costumava dizer que era grande a sua dívida, sobretudo para com Mackinder, cuja teoria absorvera completamente. [p. 26]

Segundo algumas versões, o próprio Acordo Ribbentrop-Molotov, firmado em agosto de 1939, entre Berlim e Moscou, seria parte da estratégia de Haushoffer, retirada das concepções mackinderianas, considerando-se que não se podiam abrir frentes de combate simultâneas, ressalvando-se, entretanto, ao III Reich o direito à conquista do heartland, após subjugar os demais opositores, estendendo, portanto, o império germânico a toda a Europa e Ásia. Verdade ou não, o rompimento do acordo em julho de 1941, com a investida de Hitler contra o território soviético, parece ter considerado que o domínio daquela área já era crucial para se ter o controle do mundo naquele momento.

Da mesma forma que o fracasso de Napoleão Bonaparte, nos idos de 1800, o naufrágio do III Reich desconsiderou não só a capacidade de resistência dos russos e a impossibilidade de atuar simultaneamente em diversas frentes, mas também não levou na devida conta os próprios ensinamentos propiciados pela Geografia, ao tentar combater em território gelado sem as devidas precauções. Um século e meio depois, Hitler, ao avaliar inadequadamente suas forças, reprisaria o erro de Napoleão ao menosprezar tão preciosa lição, esquecendo-se de que a região era de fato, se não inexpugnável, pelo menos um elemento de poder, e muito difícil de ser submetido por aqueles que não estavam acostumados com sua geografia.

A teoria do coração do mundo, como ficou conhecida, era apenas uma das que no presente século desempenharam papel de realce na conduta dos Estados no cenário internacional. [p. 27]

O poder marítimo foi defendido por Alfred Thayer Mahan (1840-1914), e seguido por Nicholas J. Spykman (1893-1944). Para Mahan o mar é a verdadeira fonte de poder. Em sua obra The influence of sea power upon History, Mahan descreveu os "verdadeiros motivos" da grandeza do outrora poderoso império britânico. Segundo ele, há várias condições que afetam o poder marítimo de um Estado, estando entre essas: a posição geográfica, a configuração física (com as produções naturais e considerando também o clima da região), a extensão territorial, o tamanho da população e o caráter do povo e do governo (incluindo aqui as instituições nacionais). São esses elementos que vão mostrar ou não a vocação marítima de uma nação e contribuir para a grandeza de seu povo.[62]

Seguindo as trilhas de Mahan, Spykman elaborou em período mais recente a teoria das fímbrias marítimas, segundo a qual o domínio dos mares é crucial para a defesa do Estado. Escrita no período da Segunda Guerra Mundial, a sua obra enfatizava a necessidade de se instalar barreiras ao redor de todo o continente americano: no Atlântico, desde a Groenlândia até o Nordeste brasileiro, e no Pacífico, desde as Ilhas Aleutas até o Sul do Chile.[63]

Por último, o poder aéreo, que já teve sua importância provada nos dois grandes conflitos mundiais deste século. Vários foram os autores que preconizaram a futura importância do controle do espaço aéreo e que [p. 28] seria decisivo, segundo eles, no resultado de uma guerra. Entre esses encontramos Alexander P. de Seversky, William Mitchell, J. F. Seecket e G. Douhet. Embora um ou outro desse importância exclusivamente ao poder aéreo, relegando as forças terrestres e navais, Seversky apoiou-se nos dados históricos para "mostrar a decadência do poder naval", com a perda de seu poder ofensivo, devendo, nestas circunstâncias, converter-se em forças auxiliares de aviação.[64]

Tais teorias, como se poderia esperar seriam sucessivamente reavaliadas, adaptando-se às circunstâncias contemporâneas, quando o avanço da indústria militar a isso obrigava. Henry Kissinger, em 1957, já observava que os Estados Unidos poderiam ser considerados invioláveis em outros tempos, visto que protegidos por dois grandes oceanos. Mas o mesmo não poderia ser dito naqueles anos sem os devidos reparos. Como se sabe, a existência dos mísseis balísticos intercontinentais passaria a moldar e alterar as concepções estratégicas, pensando-se, no limite, em um conflito de envergadura até então inusitada, através de armamentos nucleares, quando então os princípios ditados pela geopolítica clássica seriam colocados à margem.[65]

Mas, ao nível dos conflitos clássicos, como sempre ocorreram, exceção feita às bombas atômicas lançadas sobre o Japão em agosto de 1945, a geopolítica e seus teóricos assumiram ponderável importância na [p. 29] elaboração das políticas estratégicas de todos os Estados, independentemente do tempo e de seus espaços.

No oriente Médio, o caso de Israel é bastante ilustrativo. Criado em 1948, vinte anos depois já tinha ampliado consideravelmente seu território, apoiado na premissa geopolítica de que quanto mais território melhor e quanto mais afastadas as fronteiras dos centros de decisão, melhor ainda. Uma avaliação, ainda que rápida, vai nos mostrar que tais princípios eram, mutatis mutandis, os mesmos nos quais se apoiava a política expansionista do III Reich. Ironicamente, no exemplo de Israel, o pragmatismo da política de defesa deste país o fez utilizar-se de idéias que o mundo condenara nos anos 40 e cujos resultados serviram mesmo para justificar a criação do próprio Estado israelense.

A tentativa da Argentina assumir a posse das Ilhas Malvinas, um monte de pedras e gelo, mas estrategicamente situada a meio do caminho do Atlântico Sul, contrariando interesses da Coroa Britânica, é outro fato que pode ser utilizado para comprovar que a reconquista de território seria crucial para manifestar sua soberania na região e ter melhor controle nesta parte do Atlântico Sul.

Dezenas de outros exemplos podem ser evocados, dos anos 70 aos 90, que permitiriam inferir que as teorias geopolíticas não perderam seu vigor mesmo no atual quadro quando se fala apenas na questão da globalização ou da mundialização.

Deve-se, porém, fazer as devidas ressalvas. Os métodos utilizados são outros. Nem sempre a luta é pela conquista de mais territórios, [p. 30] até porque o Direito Internacional já decidiu claramente as regras de ocupação e utilização de territórios. Já se estabeleceram inclusive critérios para a própria ocupação os espaço exterior, no âmbito da ONU, que considera as regiões não mapeadas como posse da comunidade internacional, legislando antecipadamente.

Obviamente as regras não servem para as grandes potências, não só porque não há instância punitiva para elas, mas também porque são elas que coincidentemente estabelecem o que é ou não conveniente. Todavia, os conflitos regionais permaneceram fazendo parte das elucubrações dos estrategistas dos estados-maiores. Afinal, os Estados existem, as fronteiras precisam ser defendidas, as soberanias asseguradas e as Forças Armadas se fazem, portanto, mais do que nunca necessárias.

Para os pequenos e médios países, as estratégias traçadas são, por sua própria incapacidade de atuação mais agressiva no mundo, mais de defesa do que de ataque: visando de maneira realista, fundamentalmente assegurar sua própria soberania, e lutando pela manutenção do status quo, o que cada dia torna-se mais difícil, considerando as novas formas de subordinação desses Estados às economias fortes.

No nível retórico, mas não na prática, quando poderiam utilizar o mecanismo da força, países que foram derrotados décadas atrás ainda consideram ilegítimas suas perdas e tentam modificar a situação atual, visando obter posições mais favoráveis.

Estados como a Bolívia, que na Guerra do Pacífico, ocorrida há mais de um século, perdeu sua saída para o mar, continua reivindicando faixa [p. 31] de território para ter acesso ao Pacífico. Enquanto isto, mantém nos altos dos Andes sua esquadra no lago Titicaca, sem possibilidade de desenvolver capacidade marítima, encontrando-se como prisioneiro, geopolítico, e enclausurado no coração da América do Sul.

Para outros Estados, como a Rússia, os Estados Unidos, a França, a Grã-Bretanha, a Alemanha ou o Japão, sobra todo o espaço disponível do mundo, e sua atuação varia não só conforme as prioridades por eles fixadas, mas levando-se em conta a própria variação do sistema internacional.

Vemos, assim, que o quadro das relações internacionais segue ao sabor das disputas, ao mesmo tempo falando-se na constituição dos mercados regionais da América do Norte e da unidade européia.

O clima dos anos 90 é, em grande parte, resultante da derrocada do império soviético. Se a competição acirrada entre Moscou e Washington durante 40 anos obrigou-as a criar fórmulas para controlar o mundo, seja através da luta ideológica e pela corrida armamentista, seja pela diferença de modelos econômicos e políticos, por outro lado sufocou as reivindicações internas.

Durante a guerra fria, a possibilidade de um grande confronto final, como nos filmes de faroeste produzidos pelos estúdios de Hollywood, nos quais o mundo todo se encontrava participando como atores coadjuvantes, ao lado de Washington ou de Moscou, obrigava estes a desempenhar políticas de poder, nelas arrastando forçosamente os demais. [p.32]

Basta lembrarmos aqui a afirmação de Winston Churchill, feita em 1946, de que uma cortina de ferro havia se abatido sobre a Europa, e o discurso de Harry Trumann que falava em 1947 sobre a necessidade de cada um optar por um dos lados. Além desses, também o artigo de George Kennan, com o pseudônimo de Mister X, discutia nas páginas da Foreign Affairs, de julho de 1947, a doutrina de contenção soviética, segundo a qual se deveria manter a URSS nos limites de Yalta e de Potsdam, fazendo com que a mesma colaborasse pragmaticamente com o Ocidente, tendo como resultado a atenuação interna do próprio regime soviético, que se enfraqueceria.[66]

A motivação de tais políticas conflitivas conduziu ao funcionamento do sistema internacional, levando os países a se demonstrarem criativos na elaboração de suas condutas estratégicas.

O final da guerra fria, se, de um lado, serenou os ânimos no contexto geral, tornou mais crítica, por outro, a situação dos membros dos dois blocos. As discussões internas sufocadas durante décadas afloraram, e descontentamentos eclodiram com grande violência, destroçando Estados. Se tal situação se percebia do lado soviético, do outro, países que se aliaram aos Estados Unidos não tiveram suas recompensas, já que o grande estado norte-americano e a Europa preferiram canalizar seus recursos e investimentos em direção ao Leste Europeu, mercado mais promissor, lançando continentes à deriva, abandonando-se à sua própria sorte. [p. 33]

Neste contexto, os conflitos regionais não só deixaram de existir, mas o final dos alinhamentos serviu para mostrar que, além dos interesses comuns contra os Estados Unidos ou a União Soviética, nada mais havia senão divergências políticas, econômicas, étnicas, religiosas, etc. Daí a incidência das guerras internas ao longo desses anos mais recentes. Os tradicionais conceitos de independência, autonomia e soberania mais do que nunca se fazem presentes. O que significa dizer que os geopolíticos e estrategistas, independentemente dos regimes políticos e das conjunturas internas, tiveram seu papel preservado, e as guerras têm mostrado que a história tem continuado seu curso tortuoso, como sempre aconteceu.

Para países como os Estados Unidos, a atuação internacional se tornou difícil, mais do que anos anteriores. Se em décadas passadas era fácil justificar e manter sua presença em qualquer lugar do mundo, o mesmo não pode ser dito agora. Além das dificuldades internas que acabaram fazendo com que George Bush não se reelegesse, a competição com a Europa e com o Japão e o fim da guerra fria acabaram com a figura do inimigo tradicional, que simplesmente passou a não mais existir. Assim, como atuar, adotando políticas agressivas? E como arcar com todas as despesas, como sempre fez, face às dificuldades orçamentárias? A guerra com o Iraque mostrou visivelmente os novos limites de ação do governo de Washington. O novo cenário sem um inimigo de décadas abalou a conduta estratégica norte-americana, que passou a mostrar-se desorientada. Alie-se a estes fatos, e como conseqüência deles, a própria falta de um fio condutor de sua política internacional. [p. 34]

Se isto acontece com o Estados Unidos, a ex-União Soviética, esfacelada nos últimos anos, simplesmente ficou sem qualquer referência. A discussão inicial para ver quem ficava com o espólio nuclear, se a Rússia ou o Casaquistão – ou outra República qualquer -, apenas mostrou que a conduta até então adotada chegara ao seu final.

A figura do inimigo norte-americano não mais existia, tendo cada uma das novas repúblicas de se preocupar não apenas em criar novos regimes econômicos e políticos, mas ainda enfrentar crises de desagregação de seus novos Estados. A concepção estratégica que antes orientava Moscou simplesmente desapareceu nas novas repúblicas, mais preocupadas em adequar-se às novas realidades, desde a constituição de mercados livres, liberdade de organização política à discussão cultural e ética. Tudo isto não significa dizer, entretanto, que tais países tenham abandonado suas preocupações estratégicas.

Em artigo recente, por exemplo, Warren Christopher e William Perry, Secretários de Estado e de Defesa norte-americanos, respectivamente, reclamavam da proposta do congresso para questões de segurança. Segundo eles, os Estados Unidos continuam se preocupando com a segurança, já que países velhacos, segundo eles, como a Coréia do Norte, o Iraque e o Irã, possuem mísseis tipo Scud. Por isso, os Estados Unidos continuam instalando sistemas eficazes de defesa nos teatros de operação.[67] [p. 35]

Para outros, como Zbigniew Brzezinski, os Estados Unidos têm dúvidas atrozes, pois a política indecisa de Bill Cliton não definiu sequer se a Organização do Tratado do Atlântico Norte vai ou não aumentar o número de membros, quando e de que forma. O que, ao invés de favorecer um sistema de defesa unificado, apenas serve para dividir a entidade, já que a Grã-Bretanha e a França têm posturas contrárias, manifestando pouco interesse em ampliá-lo.[68]

A Rússia, por sua vez, além de não estar preparada para ações de força, conforme declarava recentemente Boris Yeltsin, também não sabe sequer se entra para a mesma OTAN, ou se apenas dirige suas atenções para exercitar influências na Eurásia, enfrentando países muçulmanos ao Sul, com uma China forte ao longo de suas fronteiras e com agudos problemas internos.[69]

Se tais fatos se sucedem nos dois Estados mencionados anteriormente, as preocupações européias e japonesas manifestam-se precisamente em direção à constituição de mercados fortes, visando a disputar com os Estados Unidos a liderança hegemônica não só no plano comercial, mas principalmente em setores de ponta, investindo parcela considerável de seu PNB em ciência e tecnologia. Contudo, como o poder acumulado pelas nações russa e americana, apesar dos acordos para redução e destruição dos arsenais, é infinitamente superior ao dos demais países, [p. 36] também face ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, as políticas estratégicas globais são ainda por elas ditadas.

Ao contrário de século passado, quando as diferenças entre os Estados podiam ser perfeitamente superáveis, o fosso criado entre países ricos e pobres acentuou-se de tal forma e aceleradamente, nas últimas décadas, que se torna particularmente difícil romper com a ordem vigente sem a anuência dos primeiros.

Os países que chegaram atrasados encontram-se em uma ordem que lhes é completamente adversa, onde suas inserção no cenário mundial só se dá como atores secundários, ainda que retoricamente lugar de realce lhes seja assegurado. No nível estratégico, face à desarticulação do antigo modelo, os países pequenos ou com menor capacidade de influir nos rumos do sistema internacional voltaram às suas antigas preocupações, que nunca foram abandonadas, de atuação no cenário regional. Como no nível mais próximo, junto às suas fronteiras nem todas as questões foram resolvidas, a eclosão de conflitos levando à utilização de armas, nada mais é do que a percepção do papel que cada Estado tem e deve exercer para garantir a defesa de seu território. O que possivelmente se verificará ao longo dos anos 90 e próximos é a ocorrência de conflitos localizados em maior quantidade do que sob o clima de guerra fria, já que naquele contexto as divergências internas e regionais eram sufocadas porque se tornavam inconvenientes.

A guerra como cultura

Ilha de Páscoa

John Keegan

A ilha de Páscoa é um dos lugares mais isolados da Terra, um ponto perdido no Pacífico meridional, a mais de 3200 quilômetros da América do Sul e a quase 5 mil da Nova Zelândia. É também um dos menores lugares habitados do mundo, um triângulo de vulcões extintos de cerca de 180 quilômetros quadrados. Apesar de seu isolamento, pertence firmemente à cultura da Polinésia, uma civilização da Nova Idade da Pedra do Pacífico central altamente desenvolvida que, no século XVIII, abarcava os milhares de ilhas que se encontram entre a ilha de Páscoa, a Nova Zelândia e o Havaí, as três pontas do triângulo da Polinésia, distantes uns dos outros por milhares de quilômetros no espaço e centenas de anos na data da primeira colonização.

A civilização polinésia foi extraordinariamente aventureira. Seus descobridores europeus e primeiros etnógrafos a princípio não acreditaram que um povo sem escrita pudesse ter colonizado uma área tão enorme ( [p. 41] 38 arquipélagos e ilhas principais espalhados por mais de 50 milhões de quilômetros quadrados de oceano. Explicações elaboradas, todas falsas, foram criadas para negar que os canoeiros polinésios tivessem realizado feitos de navegação semelhantes aos de Cook e La Pérouse. Entretanto, a cultura polinésia continuava a ser notavelmente congruente: não só as línguas de ilhas longínquas eram evidentemente aparentadas, como as instituições sociais que floresciam no Havaí, na Nova Zelândia e na ilha de Páscoa permaneciam constantes e impressionantemente similares.

A sociedade polinésia é de estrutura teocrática. Os chefes, que se acredita serem descendentes dos deuses, por sua vez antepassados sobrenaturais ou deificados, ocupam também o cargo de supremo sacerdote. Nessa qualidade, o chefe faz a mediação entre o deus e o homem para conceder ao seu povo os frutos da terra e do mar; seu poder de mediação( mana ( dá-lhe o direito sagrado (tapu ou tabu) sobre a terra, os locais de pesca, o produto deles e muitas outras coisas que são boas ou desejáveis. Mana e tabu asseguravam a existência de sociedades notavelmente estáveis e pacíficas em circunstâncias normais e, nas teocracias mais felizes das ilhas da Polinésia, controlavam com segurança as relações entre os chefes e seus súditos, bem como entre os clãs que descendiam do chefe original.

Não obstante, jamais houve uma Idade do Ouro da Polinésia. Até mesmo no benevolente Pacífico, as circunstâncias nem sempre eram normais, se normalidade significa que os recursos sejam sempre suficientes para todos. As populações aumentavam, embora os ilhéus regulassem seu crescimento com controle de natalidade, infanticídio e estímulo à emigração, que chamavam de "viajar". Chegou um tempo em que a terra fértil e as águas piscosas estavam completamente exploradas e não havia ilha próxima ou conhecida acenando. Então começou uma confusão séria. A palavra que significa guerreiro ( toa ( é a mesma para pau-ferro, de cuja madeira porretes e outras armas eram feitos ( e utilizados para resolver disputas de propriedades, mulheres e sucessões, às quais o homem está naturalmente propenso. O mana de um chefe sempre era realçado se ele fosse um guerreiro notável. Mas em tempos de confusão, guerreiros que não eram chefes rompiam tabus para tomar o que precisavam ou queriam, com efeitos desastrosos sobre a estrutura social polinésia. Subclãs podiam se tornar dominantes e, em circunstâncias extremas, um clã podia ser totalmente expulso de seu território.

O pior caso ocorreu na ilha de Páscoa, com efeitos particularmente mortais. Continua a ser um mistério de que forma os polinésios, talvez no século III, descobriram a ilha, distante 1700 quilômetros de mar aberto do lugar colonizado mais próximo. Mas lá chegaram, trazendo com eles seus [p. 42] alimentos básicos: batata-doce, banana e cana-de-açúcar. Limparam a terra entre os três picos, pescaram e caçaram aves marinhas e fundaram colônias. Por volta do ano 1000, deram início também à mais elaborada veneração do princípio teocrático encontrada no mundo polinésio. Embora jamais tenha superado provavelmente as 7 mil almas, a população da ilha de Páscoa conseguiu, no decorrer dos setecentos anos seguintes, esculpir e erguer mais de trezentas estátuas gigantes, da altura de cinco homens, sobre extensas plataformas de templos. No estágio final da construção de estátuas, no século XVI, os ilhéus inventaram também uma escrita, que parece ter sido usada por sacerdotes para ajudar a memorizar as tradições orais e as genealogias. Isso foi o ápice de uma época civilizada na qual o poder percebido dos deuses, mediado pelos chefes, impunha paz e ordem.

Então alguma coisa deu errado. Imperceptivelmente, a população crescente desnudou o meio ambiente da ilha. A derrubada de florestas reduziu as chuvas e os campos produziram menos; diminuiu também a quantidade de madeira com que faziam as canoas, diminuindo a colheita do mar. A vida na ilha de Páscoa começou a ficar brutal. Apareceu um artefato novo, a mata'a, uma lança de obsidiana lascada de efeito letal. Guerreiros, chamados de tangata rima toto, "os homens com as mãos sangrentas", tornaram-se dominantes. A pirâmide de clãs descendentes do chefe fundador aglutinou-se em dois grupos, que ocuparam lados opostos da ilha e se guerreavam constantemente. O chefe supremo, descendente do fundador, tornou-se uma figura simbólica, cujo mana não mais causava impressão. No decorrer da desintegração social pela guerra, as estátuas foram sistematicamente derrubadas, como um insulto ao mana do clã inimigo ou como um sinal de rebelião dos súditos contra os chefes cujo mana não os defendera. Por fim, surgiu uma nova religião bizarra, completamente distinta da teocracia estatal da Polinésia: "os homens com mãos sangrentas" competiam para ver quem descobria primeiro um ovo da andorinha-fusca-do-mar (Sterna fuscata), ganhando assim a chefia ( apenas por um ano.

Em 1722, quando o viajante holandês Roggeveen desceu na ilha de Páscoa, a anarquia já estava muito adiantada; no final do século XIX, a degeneração ( composta pela escravização e pelas doenças que os europeus trouxeram ( já reduzira a população a 111 pessoas, que conservavam apenas resquícios da tradição oral de seu notável passado. A partir do que contaram e dos impressionantes indícios arqueológicos, os antropólogos reconstruíram um quadro melancólico da sociedade da ilha de Páscoa no que chamaram de sua Fase Decadente. Não só revelavam uma guerra endêmica e denunciavam sinais de canibalismo, como também mostravam a extensão dos esforços físicos que alguns ilhéus tinham feito para escapar das [p. 43] conseqüências da guerra. Muitos dos tubos e cavernas naturais na lava tinham sido fechados com pedras polidas tiradas das plataformas dessacralizadas das estátuas, para que servissem de abrigo pessoal ou familiar, e em uma das extremidades da ilha fora cavada uma vala para separar uma península da ilha, certamente uma iniciativa de defesa estratégica.

Abrigos e defesas estratégicas constituem duas das três formas de fortificação que os analistas militares reconhecem; somente a terceira, a fortaleza regional, não se encontra na ilha de Páscoa. Sua ausência não denota a falta de uma dimensão da guerra não praticada pelos ilhéus. Ela apenas indica quão pequeno era o teatro da guerra. Dentro das dimensões diminutas da ilha, seus habitantes parecem ter aprendido toda a lógica da guerra clausewitziana por experiência sangrenta.[70] Aprenderam certamente a importância da liderança [...]; a existência da trincheira na península de Poike sugere que alguns deles concordavam com seu ditado de que a defesa estratégica é a forma mais forte de guerrear; tendo em vista o violento declínio de sua população durante o século XVII e a produção em massa da nova lança de obsidiana, é possível que tenham até tentado o ato clausewitziano supremo: a batalha decisiva.[...] [p. 44]

Os habitantes da ilha de Páscoa, isolados no espaço e no tempo do mundo maior e mais benevolente da Polinésia, com certeza achavam [...] que a mudança das circunstâncias exige uma revolução cultural. Eles talvez tenham até inventado uma palavra equivalente para "política" a fim de descrever o fermento de lealdades que se seguia à ascensão anual ao poder daquele que primeiro achava o ovo da andorinha-fusca-do-mar. Não podemos afirmar isso agora. O estado de degeneração ao qual os sobreviventes da guerra endêmica encontrados pelos primeiros antropólogos tinham sido reduzidos não conduzia a uma análise ponderada da evolução pela qual tinha passado a cultura deles. Apesar disso, há uma observação a ser feita. [...] Essa cultura, embora não fosse livre, democrática, dinâmica ou criativa em qualquer sentido ocidental dessas palavras, ajustava os meios locais aos fins escolhidos de uma forma quase perfeitamente adaptada às condições da vida nas ilhas do Pacífico. Mana e tabu fixavam um equilíbrio entre os papéis de chefe, guerreiro e membro de clã, com benefícios para os três; se suas inter-relações podem ser chamadas de "política" da vida polinésia, então a guerra não era sua continuação. A guerra, quando chegou em sua forma "verdadeira" àquele cantinho da Polinésia chamado ilha de Páscoa, revelou-se o fim primeiro da política, depois da cultura e, finalmente quase da própria vida. [p. 45]

A Guerra

André Corvisier

As potencialidades

[...]

O espaço

[...] Nos países com relevo retalhado como aqueles à margem do Mediterrâneo, a planície é inseparável das montanhas e também do mar que a contornam e a protegem. [...] Ao contrário, as grandes planícies não possuem obstáculos naturais de importância e a amplidão constituiu uma defesa. Ainda que a utilização do cavalo tenha aumentado o raio de ação dos invasores este não é ilimitado. Sem dúvida, as expedições podem levá-los para bem longe de suas bases; porém, mais facilmente mediante a incursões momentâneas do que por conquistas. O invasor enfraquece quando se distancia das bases e arrisca diluir suas forças, se quiser fazer uma ocupação durável de uma região. O Espaço ainda guarda hoje um valor relativo.

[...]

Nas grandes planícies, ao contrário, a guerra, exigindo uma tática adaptada à facilidade do desdobramento das tropas e as possibilidades de manobra, requer uma estratégia coerente, da qual as batalhas não sejam mais que elementos. Entretanto, nada seria mais perigoso do que sistematizar. Seria rebaixar injustamente as visões estratégicas de um Péricles e realçar com exageros as de um Gengis Cã.

[...]

Nas grandes planícies, a mudança de escala da guerra ocorre não apenas no espaço, mas pode registrar-se também no número de homens que constituem os exércitos, ao menos onde a população é numerosa como na Europa. Se Dário e xerxes reuniram grandes exércitos, senão um milhão de homens como afirmavam os gregos, mas ao menos 200.000, na verdade jamais puderam utilizá-los, a não ser parcialmente na Grécia, em vista da exiguidade do terreno. A batalha de Platéias constituiu uma exceção, com 120.000 combatentes do lado persa e 80.000 do lado grego, sendo 40.000 hoplitas. [...]

[...]

Há que acrescentar espaços constitue uma potencialidade considerável para a defesa e a preservação, mesmo quando a rapidez do deslocamento das tropas não é aumentada. A ocupação da Ática significou a rápida queda de Atenas, em 480 e em 404 a.C., quando os exércitos se deslocavam ao passo do homem. Foram precisos várias campanhas para que César se apoderasse das Gálias, que se defendiam mal. Na verdade, a extensão da França deu a esse país o privilégio de não poder ser ocupado inteiramente por um inimigo, antes das unidades blindadas e motorizadas da Blitzkrieg alemã. A Rússia, por outro lado, se foi engolida pelos cavaleiros mongóis numa época em que era bem menor e menos densamente povoada, pôde resistir vitoriosamente à todas as invasões a partir do século XVIII, inclusive a Blitzkrieg, ao preço de um considerável desdobramento de seus exércitos que as grandes extensões tornaram possível.

O relevo e o solo

O papel do relevo na atividade militar é bem conhecido. É a mais aparente das condições geográficas. Oferece lugares de passagem ao atacante ou sítios de fácil defesa. Em suma, a montanha se constitui um mundo à parte que requer uma tática particular. Como a montanha, as zonas pantanosas também parecem dissuadir o invasor.

As passagens entre zonas montanhosas são difíceis de atravessar, como a entrada de Naurouze ou a Porta de Bourgogne, presenciaram numerosas batalhas de choque ou cerco de fortalezas edificadas para guardá-las. Trata-se, por vezes, de regiões muito grandes, de acesso relativamente fácil, intercomunicando zonas ricas. Algumas são pobres e bastante despovoadas, como Poitou, enquanto outras são ricas, como as planícies de Brabant, Hainaut e Flandres. O invasor passa por elas para evitar, a leste, um planalto acidentada, Limousin ou Ardenas , a oeste, uma região plana, mas onde as águas criam inúmeros obstáculos, [...]

[...]

Na montanha, os acidentes do relevo, especialmente os vales, tem sua importância multiplicada com relação às planícies. Que já foi observado, a propósito das passagens e dos sítios defensivos, aplica-se nas montanhas de maneira ainda mais imperativa.

Há outras regiões que igualmente desencorajam os conquistadores, como as regiões anfíbias: deltas, brejos, temíveis pela lama e pelo clima insalubre que, nos países mediterrâneos, foram a causa de epidemias. Apresentam obstáculos dificilmente intransponíveis ao desdobramento de efeitos importantes. [...]

Os recursos naturais

Já vimos que os recursos naturais, ou sua escassez, podem ser considerados como um fator de violência. Se a superaralimentação parece ser um problemático fator de belicosidade, em troca, o papel de penúria mostra-se muito mais constante. Convêm ainda distinguir, segundo a natureza desses recursos naturais, aqueles essencialmente agrícola dos industriais, sem desprezar a possibilidade de permutas.

[...]

É possível prever o papel exercido, nas guerras, pelos recursos agrícolas sem evocar a adequação destes com a população. A superpopulação suscita a busca de recursos externos. A imigração é uma forma pacífica dessa busca, inclusive a emigração militar, se é que se pode falar nisso. Durante quatro séculos, inúmeros suíços foram servir nos exércitos de uma dúzia de países europeus, principalmente na França, enquanto a pátria deles continuava em paz. Pode-se afirmar que a Suíça forneceu à França perto de 100.000 soldados no período de 1715 a 1789, ou seja, quase 40% do total. Uns fixaram-se no país a que serviam, porém muitos deles regressaram à pátria levando um pecúlio ou ao menos uma pensão. Proporcionalmente à sua população, a Suíça forneceu ao rei da França mais soldados que a própria França.

[...] Os recursos industriais vêm do solo e, a partir da idade dos metais, vêm, sobretudo, do subsolo. Desde o século XV, o desenvolvimento do armamento fez aumentar de valor as riquezas minerais. Possuir minas de cobre e, especialmente, de ferro e, depois do século XIX, recursos em carvão, depois em petróleo e, mais recentemente, em urânio, constitui um privilégio. Na época moderna, sem dúvida, o desenvolvimento das comunicações e das permutas se permite buscar no estrangeiro madeiras, alcatrão e metais, além das fontes necessárias de energia para fabricação de armas.

[...] A industrialização tem, por outro lado, fornecido objetivos aos beligerantes: conquistas de matérias-primas e de saídas para a indústria de tempo de paz. É certo que as guerras de descolonização e aquelas que lhes seguiram, as antigas colônias, tem suas motivações específicas, mas o interesse que as potências industriais têm não suprime o desejo de assegurar as potências coloniais a livre disposição de seu petróleo, de suas matérias-primas e de seus mercados para lhes garantir parte dessa exploração.

[...]

O mar

As potencialidades marítimas só se manifestaram um tanto tardiamente na guerra. O homem é um ser terrestre geralmente só enfrenta o mar premido pela necessidade. Em outras palavras, a guerra naval só conseguiu desenvolver-se depois que o homem aprendeu a construir navios suficientemente seguros e bastante numerosos para transportar uma tropa. [...]

[...]

Em áreas restritas, onde a guerra naval ficou confinada desde muito tempo, a configuração geográfica oferece potencialidades bastante comparáveis às que são encontradas em terras vizinhas. O espaço exerce o mesmo papel dissuasivo aos pequenos navios como para os infantes. Existem vias de passagem indicadas pela natureza. Os estreitos são comparáveis às gargantas, para frotas constituídas de navios que não podem distanciar-se muito nas costas. [...] As costas muito rochosas ou muito arenosas, assim como as zonas de fortes correntes marítimas, são tão inóspitas quanto os pantanais em terra.

[...]

O poderio naval alemão é ainda mais recente. No início do século XIX não restava muita coisa da potência marítima que haviam sido as cidades da Hansa no final da Idade Média. Depois de algumas veleidades por parte do Grande Eleitor, os Hohenzollern tinham rejeitado a abertura da Prússia para o mar. O poderio do Império Alemão, forjado por Bismarck, confinava-se ao continente. Entretanto, desde 1848, o Príncipe Adalberto, da Prússia (1811 – 1873), procurou despertar o interesse dos alemães pelas atividades navais. Defendendo essa idéia e aproveitando-se do esforço industrial e econômico de seu país, incentivado por um movimento de opinião que exigia para a Alemanha um lugar ao sol correspondente às suas possibilidades e a seu poderio. Guilherme II declarava em 1890: " Nosso futuro está na água". Duas décadas depois, uma marinha inteiramente nova ocupava o segundo lugar entre as frotas de guerra do mundo, logo após a Inglaterra. Suprimido pelo Tratado de Versalhes em 1919, o poderio naval alemão foi reconstituído em menos de um decênio pelo III Reich.

[...]

Os homens

Pelas informações fornecidas pelos anuários militares, pode-se deduzir que, em 1985, os militares totalizavam de 22 a 25 milhões no mundo e, se incluídas as forças paramilitares, de 35 a 40 milhões. E, no entanto, só se registravam então conflitos circunscritos, como a guerra entre o Irã e o Iraque. Seria interessante empregar o mesmo cálculo com relação a outras épocas. Um quadro que apresente essas cifras não terá sentido se não se reportar à população de cada época. [...]

[...] Seria supérfluo destacar o caráter eminentemente aproximativo de um quadro desses, que totaliza cifras que exprimem situações variadas e até mesmo contraditórias de diferentes países. Entretanto, ele confirma um aumento global dos efetivos na Europa, com um máximo alcançado durante a Segunda Guerra Mundial, seguido de um forte decréscimo que somente a paz não explica. O grosso do recrutamento parecia ter atingido o auge durante a Primeira Guerra Mundial. Apesar dos esforços desenvolvidos principalmente pela Alemanha e pela URSS, a baixa se registraria depois da Segunda Guerra Mundial.

[...]

"Não há riquezas nem forças a não ser de homens", escrevia Jean Bodin em 1576. Isso é verdade para todas as atividades humanas, inclusive a guerra. Assim, os soberanos dirigiram a atenção para a "tribo" e tiveram a tentação de medir o próprio poderio pelo número de seus súditos, desde que se tivesse a possibilidade de proceder a recenseamentos sérios. Já o povo hebreu e outros haviam procedido a essas contagens. Tratava-se então de só contar os homens, sem levar em conta "mulheres e crianças", ou mesmo, de contar expressamente os guerreiros. O senhor falou a Moisés, no Deserto de Sinai, no tabernáculo, dizendo-lhe: "Faze uma contagem de toda a congregação das crianças de Israel, por famílias, por casas e por cabeças, isto é, de todos os machos, de vinte anos para cima, de todos os homens fortes de Israel; tu os contarás todos por suas faixas."

O povoamento

O caráter do povoamento – densidade, distribuição entre campo e cidade, habitabilidade agrupada ou dispersa – influi nas formas que a guerra toma. Poder-se-ia até dizer que intervém nas causas da guerra, ao incentivar ou frear vocações militares.

Um povoamento denso e equilibrado, indicando uma gestão de recursos mais restritiva, é gerador de preocupações locasi que podem levar os homens a imiscuirem-se nos negócios dos vizinhos, pelo menos quando vivem em autonomia. Compete-lhes, então, defenderem-se, se seu destino desperta inveja nos outros. Entretanto, por temor de que suas atividades exijam mudanças, torna-se-lhes muito forte para seus recursos, a miséria incita a emigração que, ao encontrar obstáculos, pode acarretar agressividade. Assim, não parece ser possível encontrar na densidade das populações uma fonte evidente de conflitos, salvo no caso de populações vizinhas para as quais, com relação aos recursos, essa densidade pareça muito desigual. Na verdade, a debilidade do povoamento pode suscitar cobiça. [...]

[...] A densidade da população ainda precisa ser considerada aqui, pois intervém na superfície do país a ser dendido e nas possibilidades de mobilização, em maior ou menor grau, dos combatentes: se é quase equivalente para a França e a Alemanha em 1870, em 1914 é de 73 habitantes/Km2 para a França e de 120 para a Alemanha e, em 1937, de 76 e 143, respectivamente. Ao contrário , ela influi menos na forma da guerra e na conduta das operações do que distribuição da população e a forma de povoamento. [...]

[...] Os países de população compacta ofereciam, no passado, ao mesmo tempo, maior atrativo a um agressor e também maior resistência. Na Europa, nos séculos das guerras privadas, viam-se camponeses agrupar-se perto do castelo e, na ausência de uma fortaleza feudal, cercar a aldeia de fossos e calçadões, quando a resistência é vencida, o furor do atacante reserva um destino cruel para os habitantes. Também nas guerras posteriores, com a eficácia cada vez maior dos armamentos, sós excepcionalmente as aldeias resistem, quando aguardam os reforços de uma tropa. Com a institucionalização da guerra, nos séculos XVIII e XIX, elas vêem-se menos implicadas nas operações.

[...] A presença das cidades desempenha um papel importante. A cidade é sempre considerada como de importância militar: nó de comunicações, centro de aprovisionamento, centro de produção industrial, centro administrativo cuja perda complica ou mesmo paralisa a vida de uma reião. Por isso, em todos os países, todas as cidades receberam fortificações em épocas de guerrass múltiplas. Na europa, no final da Idade Média, não se concebia uma cidade que não fosse rodeada de muralhas e guarnecida de instituições militares: arsenal, postos de artilharia urbana e milícias burguesas. Os soberanos lhes reconheciam o direito e o dever de se defenderem, com a condição de que lhe permanecessem leais. Para que esse direito lhes fosse retirado, era preciso que ocorresse uma revolta, como a Fronda, que colocasse em perigo o governo real e também a eficácia e o custo cada vez mais alto dos armamentos que, só eles, podiam beneficiar os exércitos dos Estado.

[...] A guerrilha, que depois da Segunda Grande Guerra Mundial adquiriu importância, pode ser exercida nos campos, cada vez menos povoados, para atacar vias de comunicação; uma tática muito eficaz numa época de tráfego intenso. Entretanto, a concentração da população nas cidades torna-as lugares privilegiados par os atentados terroristas. Beirute é, nesse particular, um triste exemplo, ao concentrar boa parte dos atentados perpetrados no Líbano. [...]

[...] A formação de concentrações urbanas levou a uma hierarquização das vias de comunicação que se traduz, por exemplo, na redução das redes férreas exploradas e na concentração do trafego sobre grandes eixos ferroviários ou rodoviários que interligam as grandes cidades. Hoje, essas artérias tornaram-se mais vitais que no passado e, por isso mesmo, mais visadas em tempo de guerra. Eis porque a guerrilha urbana e a guerrilha rural permanecem inseparáveis. [...]

[...] O número de homens, sobretudo o número relativo, sempre exerce uma maior ou menor influência sobre a decisão de se entrar em guerra. Já vimos que a superpopulação, com relação aos recursos explorados, podia ser um fator de guerra. O desequilíbrio de população entre países, se aguça o apetite dos mais fortes, nem sempre estimula os mais fracos a se submeterem à sua vontade. Israel é um exemplo disso. A vontade política é sempre determinante, seja para preservar sua independência, seja para desempenhar um papel ambicioso. O número influi, igualmente, na conduta da guerra. [...]

[...] Pensa-se evidentemente, em primeiro lugar, nas perdas cruentas resultantes das hecatombes das duas guerras mundiais. Entretanto, através dos tempos elas nem sempre foram as masi importantes dentre as perdas direta ou indiretamente provocadas pela guerra. A bela Idade Média conhecera, no século XIII sob a infuência da cavalaria, guerras guerreáveis entre combatentes protegidos por armaduras, dentro das quais a morte tornava-se um mero acidente. Só o soberano constituía o alvo explícito. Mesmo assim, só podia ser atacado num combate leal, e era preferível capturá-lo a matá-lo. A guerra mortal era coisa de gente do povo. Mas de vez em quando fazia-se apelo a ela. O massacre da cavalaria francesa em Azincourt teve a conotação de um sacrifício; aceitar a morte em vez da rendição. [...]

Os quadros conceituais da análise das situações de conflito em Geografia Política

I- O estado da questão

1- A Contribuição da Geografia Política Clássica

O estudo dos conflitos tem um lugar modesto na geografia política de tradição universitária. O estudo das fronteiras é, de certo, essencial em uma ótica na qual a preocupação dominante é compreender a formação e a evolução das entidades territoriais que são os Estados. Mas os atores e os processos da vida política continuam em segundo plano. [...] A escala internacional é levada em conta [...] com suas implicações econômicas. As organizações internacionais são evocadas, assim como os problemas ligados às seqüelas do imperialismo. Mas os conflitos entre os Estados retêm pouca atenção, quase sempre para se retornar às questões de fronteiras, e os aspectos geopolíticos são apenas brevemente mencionados.

Durante os últimos dez anos, as atitudes evoluíram. As construções teóricas não partem mais (apenas) do território nacional, mas da visão de um mundo dividido e marcado pelo turbilhão capitalista e a oposição dos blocos (Short, 1982). Só em seguida os autores se interessam pelo Estado-nação. A perspectiva das tensões internacionais se afirma quando a reflexão tem por objeto central os equilíbrios ecológicos globais (Pirages, 1978) ou quando o autor se inspira nas pesquisas de Wallerstein sobre o sistema econômico mundial (Taylor, 1985).

Porém, mesmo nesses casos, a parte que é dada aos conflitos internacionais é muito reduzida. As condições que os favorecem são apenas passadas em revista. Insiste-se sobre os fatores econômicos: as nações dependem umas das outras em função de suas desiguais dotações em fatores de produção ( o que permite a algumas exercerem pressões sobre as outras, e pode, efetivamente, conduzir a tensões crescentes e conflitos. Mas, apenas a dotação desigual dos fatores de produção não pode ser responsabilizada: o crescimento depende sobretudo das estruturas sociais e econômicas dos diferentes países, e as vantagens iniciais podem ter o efeito de bola de neve ( esta é a essência de todos os modelos centro-periferia abundantemente utilizados, há cerca de uns quinze anos, para compreender a manutenção e/ou a ampliação das desigualdades de desenvolvimento.

A abordagem econômica das fontes de conflitos se enriqueceu consideravelmente dos inventários de recursos, do povoamento e das produções que constituíam o essencial das análises de Isaiah Bowman (1921), ou dos estudos das grandes potências mundiais, nos livros e escolas francesas do período entre as duas Guerras, passou-se, sob a luz das teorias econômicas do desenvolvimento, a um entendimento mais fino dos fatos de dependência entre as nações. Mas os aspectos geoestratégicos são só, em geral, evocados por ocasião do aparecimento de problemas fronteiriços. Tudo se passa como se os conceitos de Mackinder (Rimland e Heartland) não tivessem nenhuma significação. Outras fontes de conflito não têm sido mais ignoradas: insiste-se, agora, bastante sobre o papel das minorias, por exemplo. Entretanto, as fraturas ideológicas maiores de nosso mundo ( ou aquelas do passado ( não são analisadas em todas as suas implicações.

2- A Contribuição da Geopolítica

A tradição geopolítica corrige, em parte, essas lacunas, na medida em que ela chama a atenção para o conjunto de fatores de tensão e para as relações estratégicas entre os atores envolvidos. Esses estudos também não permanecem excessivamente amarrados pelo quadro teórico. Seu interesse reside no fato de que eles procuram fazer o levantamento do conjunto das tensões e dos problemas, em cada parte do mundo. Cada estado é considerado em sua complexidade: a multiplicidade de seus recursos, suas insuficiências em certos domínios e as dependências que esta situação provoca. Insiste-se sobre as características de seu povoamento. Reflete-se sobre a questão das fronteiras: se elas separam grupos nacionais susceptíveis de constituírem minorias rebeldes ou desestabilizadoras?

Os estudos de geopolítica avaliam as forças armadas, monitoram as bases exteriores de que se podem beneficiar os beligerantes eventuais. Elas se interessam, de perto, pelos fenômenos de informação e desinformação. A propaganda aparece como um dos aspectos maiores no aumento das tensões e no desenrolar dos conflitos. Entre as situações de guerra aberta e de paz verdadeira, ela se mostra atenta a todos os conflitos aparentemente adormecidos e a todas as formas indiretas de guerra.

II- As três facetas do estudo das situações de conflito

Parece-nos, então, útil passar em revista, agora, os instrumentos de que os geógrafos dispõem para abordar os problemas ligados aos conflitos. Nós o faremos, colocando em prática um princípio simples: a geografia política prefere partir da análise dos processos do que da descrição estática das situações. [...] Quando o poder resulta de situações de força, um quadro mais amplo deve ser adotado.

Em um primeiro tempo, as forças econômicas, ideológicas e militares implicadas em um conflito devem ser analisadas. Convém fazer um quadro dessas forças. Pode-se, assim, identificar os "campos" que elas desenham no espaço: era, sobretudo, isso que faltava às análises tradicionais.

A segunda etapa se detém mais nos processos de decisão e nos aspectos psicológicos. A responsabilidade pelos enfrentamentos repousa diretamente apenas em um punhado de dirigentes políticos. A maneira pela qual eles chegam à conclusão de que a solução de força é a melhor deve ser estudada: eles, porém, não são os únicos responsáveis e o papel dos líderes de opinião, de todos aqueles que contribuem para legitimizar as atitudes políticas merece ser definido. Isto conduz, então, a pesquisar as opiniões públicas, as ideologias que as animam, e a maneira pela qual elas podem ser manipuladas ou modificadas.

As tensões são permanentes e os conflitos só raramente assumem uma forma brutal e aguda. As situações mais freqüentes são caracterizadas por equilíbrios frágeis, em conflitos localizados. É o estudo detalhado dessas situações que evidencia os processos em jogo, capazes de desencadear ou de retardar os conflitos abertos. E é neste domínio que é possível tomar em consideração os diferentes tipos de políticas, as alianças, as ações de dissuasão, as manobras de propaganda, e tudo que contribui para a maior animação da vida política.

III- O balanço das forças econômicas e humanas em presença

A primeira etapa de toda análise de situação internacional consiste em avaliar as forças em presença. Há, primeiramente, aquelas que permitem produzir bens e, portanto, armas. O país (ou região) em estudo dispõe de fontes de energia, de minerais (em geral) e, em especial, daqueles que permitem obter as ligas indispensáveis à metalurgia moderna? Está esse país (ou essa região) em condições de alimentar seus habitantes em todas as circunstâncias? Suas vias de comunicação asseguram facilmente todos os aprovisionamentos, ao longo do ano, qualquer que seja o tempo? É aproximadamente nesses termos que teria sido concebido um questionário para a pesquisa há cerca de um meio século. Mas, é preciso ir mais longe se se quiser conhecer realmente a potência econômica do país em estudo: o parque disponível de máquinas é moderno? O pessoal envolvido no trabalho de fabricação é qualificado? Conseguem seus técnicos e cientistas conceber novas fabricações, novos equipamentos, novos armamentos?

[...] A análise das forças (ou da potência) de um país considera, muito mais atualmente do que no passado, o potencial humano. Primeiramente, o número tem sua importância: uma nação com uma população abundante suporta melhor um conflito do que uma nação "mais envelhecida". Ela arrisca-se, por outro lado, a não dispor ainda de quadros de pessoal bem capazes de desenvolver um esforço de inovação em período de crise e de tensão. A revolução da Informática fez compreender que a potência das nações depende tanto de sua aptidão para criar softwares, quanto de sua capacidade para produzir hardwares.

[...] Forças econômicas, potencial demográfico, são suficientes para o estabelecimento de um balanço das nações? Não: armamentos, tropas bem treinadas, tradições militares também contam bastante. O que os dois conflitos mundiais ensinaram é que é raro que as hostilidades sejam breves a ponto de que tudo se decida com base nos armamentos já fabricados: as destruições são maciças em todos os lados envolvidos, de modo que o conflito passa, rapidamente, a depender muito mais da capacidade de criar uma indústria de guerra ou de se abastecer no exterior, do que do estado dos armamentos de que se dispunha originalmente. É claro que isto vale mais para as armas convencionais do que para as nucleares, tendo em vista o fato de que uma guerra nuclear pode, até mesmo, ser decidida em alguns minutos (...).

IV- A noção de "campo de externalidades estratégicas"

Os conflitos seriam pouco prováveis se as forças às quais se submetem as nações permanecessem circunscritas ao seu território. É por meio do conjunto das influências que elas exercem, umas sobre as outras, que as nações acabam por se enfrentar: elas tiram benefícios de suas relações mas, freqüentemente, de maneira desigual, o que cria ciúme e rancor.

Como descrever o conjunto dessas tensões?

Os economistas falam de efeitos externos (externalidades), o que permite considerar o espaço como estruturado por campos.

1- Os campos estratégicos de externalidades econômicas

As externalidades econômicas, no sentido amplo em que empregamos os termos, nascem da vantagem que cada parceiro extrai do intercâmbio: a repartição pode ser desigual, mas cada um retira alguma coisa, enquanto as relações não se estabelecem de forma coercitiva. [...] Ocorre este último caso, por exemplo, quando um país produtor dispõe de um monopólio de abastecimento. Nesta circunstância, ele é capaz de criar efeitos externos temíveis entre seus parceiros, sem que o país monopolista seja sensível às medidas de retaliação. No domínio dos recursos naturais, não há outro meio de evitar os efeitos monopolistas senão através do favorecimento à diversidade de fornecedores. Quando o monopólio se encontra no domínio das fabricações, das metodologias, das patentes, há a tentação, por parte das nações que se sentem em situação de inferioridade, [...] de multiplicar as operações de espionagem técnica, que poderão reduzir sua dependência.

2- Os campos estratégicos de informação e de desinformação

O segundo tipo de campo externo, ao qual as nações estão submetidas, encontra-se no domínio da informação. [...] No longo prazo, é sobre os fatores que conformam os comportamentos, portanto sobre as ideologias, que as transferências de informações agem e que as externalidades se desenvolvem.

As condições tecnológicas transformaram completamente a geografia das comunicações, nas últimas gerações. O fechamento das fronteiras às idéias e às notícias vindas do exterior jamais chegou a ser total: sempre houve passagens dessas informações mesmo em tempo de guerra [...].

O rádio subverteu ainda mais a situação: pode-se captar emissões de toda parte, ou quase. [...] No interior dos espaços nacionais, o controle da informação se torna, igualmente, cada vez mais difícil.

O telefone veio facilitar as ligações instantâneas a longa distância e permitir aos grupos sua constituição e a manutenção de sua coerência no tempo.

[...] Os campos de influência, nos quais informações e ideologias "viajam", alargaram-se prodigiosamente desde o início deste século. [...] A melhoria das técnicas de transporte e a baixa de seus custos provocam efeitos nessa direção. O turismo de massa, por exemplo, contribui grandemente para a difusão das idéias. Isto se deve aos contatos que se estabelecem entre os viajantes e as populações que eles visitam (, mas, freqüentemente, o obstáculo da língua limita essas relações.

[...] Encontramos aqui um dos aspectos mais originais dos campos de influência ideológica do mundo moderno: as civilizações materialmente mais avançadas fazem-se conhecer através dos objetos que elas oferecem e as modas que lhes são associadas. O American Way of Life é "exportado" por meio de milhares de produtos que as firmas americanas colocam à disposição dos consumidores de todos os países e através da publicidade.

A geografia dos campos de influência ideológica é fortemente afetada pelas políticas adotadas pelas nações neste domínio. Para os países liberais, está fora de questão dificultar o acesso à informação, qualquer que seja ela ( isto faz parte dos princípios fundamentais da democracia. Os países totalitários tendem, ao contrário, a se isolar por "cortinas de ferro" ou "de bambu". Eles tentam, assim, subtrair-se à propaganda e buscam tirar partido do liberalismo de seus adversários. Eles agem, filtrando a informação relativa aos seus respectivos países e regimes, de maneira a criar uma imagem favorável.

Os efeitos dessas ações psicológicas não são negligenciáveis: eles fizeram mais para o fracasso da França na Argélia ou da América no Vietnã do que as próprias hostilidades. Quando as condições sociais ou culturais são favoráveis, a propaganda pode assumir uma amplitude mais consideráveis ainda ( é o caso, por exemplo, do mundo muçulmano, onde os temas fundamentalistas conhecem um sucesso crescente.

[...] Os efeitos da informação dependem, evidentemente, do alcance dos fluxos originários das zonas emissoras, mas eles variam igualmente com o contexto ao qual eles se aplicam. É aqui que a análise das atitudes, das mentalidades, das tradições, do espírito irredentista ou das tensões sociais, que comprometem a unidade dos grupos nacionais, oferece elementos insubstituíveis para a compreensão das situações internacionais.

3- Potenciais militares e campos estratégicos

Os efeitos de campo mais notáveis estão ligados aos potenciais militares. O estrategista se aplica, há muito tempo, à sua análise: por isso é importante, para os geógrafos, tirar partido dos trabalhos que esclarecem [...] este domínio. [...] Pouco a pouco, é o jogo das forças armadas no espaço que se torna o tema essencial de reflexão.

Na terra, a estratégia aparece como a arte de avaliar as forças do adversário e de levá-lo através de manobras, a dispersar-se até tentar a decisão em uma batalha ou em um certo. [...] A guerra aérea permite alcançar o adversário em qualquer ponto do território, o que não abole os efeitos de distância, mas suprime os santuários, nos quais a economia e as forças (armadas) poderiam recompor-se distantes do front.

[...] Observa-se, nos últimos vinte anos, uma dupla revalorização do espaço, como Delmas (1974) enfatiza: isto se deve à evolução das armas nucleares, de seus vetores e dos sistemas de detecção e de proteção que se podem opor a eles. Ela resulta, também, do papel que podem desempenhar as armas convencionais naquelas confrontações, nas quais os perigos de uma escalada tornam proibitivo o recurso ao nuclear.

A análise dos campos sublinha o poder de penetração das forças dos beligerantes. Tais enfrentamentos custam muito caro. Poucas economias são capazes de suportar o esforço que exige a operacionalização das estratégicas modernas e a mobilidade extrema que elas implicam. [...] A guerrilha aparece como uma revanche das economias e das sociedades ainda atrasadas em relação aos países mais avançados. Ela é, geralmente, incapaz de impedir um exército moderno de controlar os pontos estratégicos e as vias que os ligam, mas ela torna extremamente custosa a ação na região. A própria guerrilha tem de mudar com a tecnologia e reclama, para ser eficaz, armamentos cada vez mais sofisticados.

No contexto atual, todo conflito localizado oferece o risco de se envenenar, de se expandir e de implicar as grandes potências em um conflito incontrolável. A guerra assume, então, outras formas: o terrorismo cria a insegurança no adversário, fustiga-o em suas zonas vitais, em suas metrópoles, nos nós de seus sistemas de comunicação. O terrorismo não tem a pretensão de destruir sozinho o equilíbrio mundial, mas sua ação é suficiente para desestabilizar a sociedade e a economia de grandes países, para criar, nelas, o pânico e para suscitar uma atmosfera geral de receio. O que se assiste, então, há uma geração, é o alargamento progressivo dos campos de efeitos externos indiretos que podem criar as nações ( ao mesmo tempo em que o recurso aos embates diretos se encontra limitado pelos perigos de um alargamento indefinido dos conflitos.

V- Decisões de guerra e configurações internacionais

Os quadros das forças em presença e de suas mutações, quando se passa do estado de paz ao estado de guerra, a análise dos campos de influência e de intervenção, que cada nação desenvolve em torno de si, tudo isso não é mais suficiente para fazer compreensíveis as situações de conflito, nem as razões pelas quais se passa da paz à guerra.

A terceira etapa consiste em apreender o equilíbrio das forças em presença. As tensões não deixam ninguém indiferente e a comunidade internacional está envolvida, de vários pontos de vistas, em toda confrontação armada. [...] Examinando deste ângulo, o cenário mundial coloca em competição nações que buscam, sem cessar, melhorar sua posição, confirmar suas vantagens, ou evitar a exploração da qual elas são vítimas e as ameaças que pesam sobre sua integridade territorial. O mundo é um campo de forças que agem sem remissão. A palavra de Clausewitz aplica-se perfeitamente a este aspecto da vida internacional: a paz não é mais do que o prosseguimento da guerra por outros meios.

Nesta perspectiva, cada parceiro das relações internacionais pode ser concebido como movido por uma racionalidade que faz com que ele escolha, constantemente, a conduta da qual ele tira a vantagem máxima: a guerra permite, às vezes, concretizar, por anexações territoriais ou por um ataque econômico, uma situação de poder, ou aparece como a única saída possível, quando os vizinhos tornam-se muito ambiciosos e exercem muita pressão. Ela pode, igualmente, trazer vantagens interiores, galvanizar a opinião pública e reconstituir a imagem de um governo enfraquecido. Os riscos também são enormes: as perdas são previsíveis, como, por exemplo, a ruína de pelo menos uma parte do aparelho produtivo. O resultado do conflito, por seu turno, não é jamais evidente [...].

Assim, a essência mesma dos equilíbrios internacionais está, então, construída sobre o princípio da dissuasão. Sabe-se, desde HOBBES, ao menos: sem um contrato social que conduza os cidadãos a abandonar a um árbitro supremo todo o uso de violência, a vida social se desenrola sob o signo da força: o homem é um lobo para o homem. Mas, a partir da percepção dos perigos que cada um corre, uma certa ordem pode nascer: os antropólogos mostraram isso admiravelmente quando eles descobriram o funcionamento das sociedades sem Estado [...]. O cenário internacional se assemelha, em uma outra escala, àquele que se descobre nesses grupos minúsculos: cada um pesa os riscos de uma conflagração que tem a possibilidade de se alargar e de embrasar toda a sociedade, de tal maneira que, a cada tensão nova, os esforços são feitos para se chegar rapidamente a um acordo. A dissuasão também permite limitar o recurso efetivo à violência.

O número de situações que a cena internacional pode configurar não é infinito. A primeira é marcada pela preponderância de um parceiro maior: ele é mais possante que todos os outros, poderia reduzi-los à servidão, mas não vê vantagem nisso. Esta situação era aquela do Império Romano em seu apogeu, ou aquela do Império Chinês. Com o progresso dos transportes e o alargamento das relações para o conjunto do mundo, a probabilidade de que tais situações apareçam torna-se cada vez mais fraca.

Os casos em que dois conjuntos de forças se equilibram são mais freqüentes. Isto pode resultar da confrontação de duas potências, como aconteceu nos anos 1950, no momento em que a dissuasão nuclear começou a substituir as outras formas de dissuasão. A arma atômica mostrava-se, naquela época, tão absoluta que a geopolítica se resumia à confrontação da URSS e dos EUA. O resto do mundo aparecia apenas como um teatro onde se desenvolvia a competição entre os dois super-grandes.

Chega-se progressivamente a uma situação mais clássica: aquela em que os blocos em presença são feitos de coalisões. [...] Os equilíbrios de coalisão são instáveis ( as alianças se fazem e se desfazem ( e por isso têm de se estruturar quase infinitamente. Não é interessante para as nações atribuir um peso exagerado àquela de suas aliadas que dominam a coalisão.

O imperialismo europeu tinha a particularidade de combinar um equilíbrio instável de coalisões no âmbito do espaço europeu e uma dominação imperial de algumas dessas potências sobre o resto do mundo.

De uma geração para cá, uma boa parte da competição internacional está ligada à chegada ao cenário mundial das antigas dependências coloniais: elas não estão em condições de criar um terceiro bloco com consistência suficiente para pesar na política mundial, mas elas sabem muito bem negociar o apoio que podem dar às grandes potências.

VI- Os geógrafos e as situações de tensão internacional

[...] As tensões existem [...] e elas se exercem de maneira permanente. Mas, a paz não é nunca somente o prosseguimento da guerra por outros meios. Ela é também um estado de espírito, uma certa vontade de estabelecer acordo com o outro, de aceitar as concessões e de tirar vantagem da cooperação internacional. A guerra é ela também, um estado de espírito: a racionalidade dos atores não é jamais perfeita, e certos grupos gostam de valorizar o recurso à força. Há, freqüentemente, um descompasso entre as opiniões públicas e os governos. Para as primeiras, a paz aparece como o bem supremo, enquanto os homens de Estado não excluem de seus cálculos e recurso à violência. É o que justifica o cinismo de muitos daqueles que se interessam pelas relações internacionais. Mas, esta atitude é exageradamente crítica. O pacifismo das opiniões públicas é um dos elementos fundamentais de certas situações internacionais: por exemplo, nas democracias ocidentais, ao tempo das negociações de Munique! De outro lado, a consolidação dos equilíbrios permanece sempre frágil se as susceptibilidades nacionais são exacerbadas, se os vizinhos são impopulares ou odiados pela maior parte da população.

A geografia da guerra e da paz, em parte, aquela dessas atitudes coletivas, da maneira pela qual elas se instalam, elas são exploradas pelos manipuladores sem escrúpulos mas, também, a maneira pela qual elas pesam sobre a condução efetiva dos negócios e sobre os equilíbrios internacionais.

O papel da geografia política é, talvez, antes de tudo, o de ajudar a informar os homens e a formar os espíritos, de maneira a dissipar as ilusões, mas, também, o de enfatizar a responsabilidade de todos na busca de um futuro menos insuportável.

Os conflitos identitários

François Thual

[...] Nem todos os conflitos nacionais são conflitos identitários, do mesmo modo que nem todas as tensões étnicas ou religiosas fazem parte deste tipo de conflito. Os conflitos identitários são conflitos de uma grande dificuldade de resolução. Trata-se de conflitos de grande profundidade, pois tocam os fundamentos mesmos das sociedades, lá onde o imaginário coletivo e aquele de cada um dos membros da sociedade se fundem em um só [...]. Em face dos fatores desestruturantes da sociedade contemporânea, da miséria econômica, da desintegração política, a identidade coletiva de um grupo humano torna-se o seu único ponto de estabilidade, como para o indivíduo, uma das únicas referências estruturantes. Quer sejam étnicos ou religiosos ou, ainda, os dois ao mesmo tempo, esses antagonismos identitários, por isso mesmo, aparecem como a fonte de graves perturbações para a estabilidade mundial. Os micronacionalismos identitários são violentos, radicais, muito mais que os nacionalismos das grandes nações.

[...] Fator polarizado e fator polarizante, o identitário, por sua utopia mortífera, impõe-se fortemente à nossa realidade e à nossa reflexão. [...] Como quer que se apresente, a questão identitária vem remontando das profundezas históricas dos povos e, como todo retorno daquilo que foi reprimido, suas manifestações são devastadoras. [...] Mas, não há monismo em geopolítica, não há causa única para todos os males do mundo [...]. Na maior parte dos casos, esses conflitos se metabolizam com outros fatores mais clássicos das relações internacionais.

A principal diferença na gênese de um conflito identitário em relação aos outros conflitos de tipo clássico, concernentes ao nacional ou ao religioso, consiste em que o conflito identitário repousa sobre um medo existencial. Um medo de que a própria substância, a própria identidade do grupo ( ameaçada mais ou menos imaginariamente ( chegue a desaparecer.

[...] Do ponto de vista geopolítico, há conflito identitário quando há a certeza de que um ou vários grupos humanos ameaçam, mais ou menos secretamente, suprimir o grupo ao qual pertence o indivíduo. Os conflitos identitários são conflitos nos quais a sobrevivência de um grupo está ameaçada não somente materialmente mas, antes de tudo, cultural e psicologicamente.

[...] O conflito identitário existe quando um grupo humano se sente despossuído não somente de um território (de seu território) mas, mais gravemente ainda, quando ele se sente privado de seu direito de viver, de sua identidade e de sua especificidade. [...] Esses conflitos obedecem a lógicas psicopatológicas clássicas e universais. [...] Quando há conflito identitário, há certeza de que existe uma conjuração contra o grupo, e que os inimigos do grupo prometeram sua perdição. Mas, há também certeza, como nas grandes crises paranóicas, que as forças do "Bem", que o sentido da história e que a vontade de Deus sustentam o grupo agredido em sua vontade de sobreviver e que, ao final, esse grupo vencerá.

Yves Lacoste, no prefácio ao seu Dictionnaire de Géopolitique[71] insistiu no conceito de representação como fator motor da história. [...] Contextualizadas no domínio que nos interessa ( o dos conflitos identitários (, as representações que certos povos ou coletividades podem fazer de si-mesmos, em termos de martírio, sofrimento e de sobrevivência heróica estão, com efeito, na origem de muitos conflitos e em sua perpetuação. Essas representações transcendem os puros interesses econômicos ou geopolíticos. As tensões identitárias e os impulsos coletivos ou individuais que as alimentam são elementos incontornáveis, maciçamente presentes neste fim de século XX, no qual o étnico toma de assalto as relações internacionais.

[...] Esses conflitos, naturalmente, não são novos [...], o que é novo é sua intensidade atual. O florescimento das mídias, notadamente das mídias televisuais e visuais permite, muito mais do que no passado, tornar mais densas as reivindicações, exasperar as obsessões e intensificar as ameaças. A condutibilidade interna e externa dos temas identitários foi acelerada pelo progresso das técnicas de comunicação [...]. As mídias transformam o identitário em uma torrente emocional de sons e imagens.

[...] Em suas diferentes formas de legitimação, em suas diferentes origens (étnicas, nacionais, religiosas e, às vezes, as duas ou três simultaneamente), os conflitos identitários [...] são todos conflitos que têm provocado dezenas e, mesmo, centenas de milhares de mortos.

Toda crise identitária tem um caráter messiânico e a história das utopias mostra-nos que sempre houve messianismo nas fases de desintegração social, comumente ligadas a crises econômicas. Porém, a presença de fatores sócio-econômicos na origem dos processos identitários não é suficiente para explicar esse fenômeno.

Para que o fenômeno se desenvolva, é necessária a presença de uma outra patologia: a da ausência do Estado. [...] As regiões com forte processo identitário são, em geral, regiões nas quais os Estados sofrem de anemia perniciosa. De fato, as zonas em que o processo identitário mais se desenvolve são aquelas em que o Estado se colocou a serviço de uma minoria ou de uma camada social precisa, encontrando-se, assim, na impossibilidade de atender o conjunto dos cidadãos. É nessa particularização, nessa desuniversalização do Estado, até mesmo nessa privatização que o coloca a serviço de certas minorias sociais, que é preciso buscar a segunda grande causa do desenvolvimento dos processos identitários. [...] Nesse estágio, esses processos se dinamizam porque eles procuram assegurar não somente a sobrevivência do grupo social frente a uma ameaça mais ou menos real, mas, também, porque eles legitimizam todas as tentativas de reconquista do Estado, sejam elas feitas em nome da nação, de um conjunto religioso e cultural, ou ainda, de uma etnia.

As crises sócio-econômicas e estatais, porém, são insuficientes para desencadear as crises identitárias. [...] Para que se desencadeie a crise identitária, é necessária uma situação de ameaças e humilhações, no plano regional, inclusive com uma conotação de pressão cronológica (agravamento com o tempo e aproximação de datas limites).

Outras condições na origem dos processos identitários estão relacionadas com a existência de uma heterogeneidade étnico-cultural de uma sociedade. São grupos ou minorias nacionais, religiosas, étnicas. O processo se intensifica na medida em que a vizinhança é percebida como hostil e uma ou mais dessas comunidades tem reivindicações territoriais contrastantes com as demais.

[...] A maior parte das crises identitárias referem-se a um Estado de pureza histórica que jamais existiu de fato, mas que funciona como uma referência que "legitima" a destruição de outra comunidade, percebida como perturbadora e ameaçadora. Assim, a lógica do processo identitário radical é a lógica de Cain: "a morte do outro é necessária à minha sobrevivência".

Assim, a partir do momento em que as três grandes crises (sócio-econômica, do Estado e da heterogeneidade étnica / nacional / religiosa) estejam presentes, pode desenvolver-se um processo identitário.

Geopolítica das Minorias

Pierre George

Introdução

O termo minoria ( acompanhado de um adjetivo para precisar melhor sua identidade: minoria lingüística, étnica, religiosa...( designa grupos humanos que se encontram "marginalizados", em posição de inferioridade numérica, salvo exceção e, ao mesmo tempo, de inferioridade política, social ou econômica, cultural etc... O fato de estar em minoria implica, ao mesmo tempo, o fato de ser "menor" jurídica ou sociologicamente. Trata-se, então, de uma realidade de ordem quantitativa e diferencial e, simultaneamente, de uma condição de dependência, ou ressentida como tal.

[...] Os sistemas totalitários excluem ou fecham em quadros limitativos as minorias, cujas lutas se exacerbam, ou que são constrangidas ao êxodo, transferindo-se ( sempre em condição minoritária ( para o interior de outras culturas, mais ou menos tolerantes. E, mesmo esse direito à emigração nem sempre é reconhecido em todo lugar.

[...] É grande a diversidade da gênese das minorias, de seu impacto espacial, de suas movimentações. Assim, essas minorias se constituem no objeto de uma geografia dos grupos humanos e de suas relações que, até aqui (1984), só foi esboçada em termos de estudos muito gerais. Mas, trata-se também, hoje em dia, de um tema de preocupação para governos e instituições internacionais, tais como o Alto Comissariado para os Refugiados. A questão merece ser tratada ao menos como orientação de pesquisa acadêmica e/ou como busca de sensibilização do público para situações que desembocam em mal-entendidos, conflitos e dramas.

A questão das minorias tem sido, até agora, visualizada sob três aspectos principais:

• o da constituição, no tempo longo, das minorias históricas, as quais não podem ser negligenciadas pelos governos atuais;

• o dos movimentos que criam, na atualidade, novos grupos minoritários: êxodos de refugiados, migrações em busca de trabalho, etc.;

• aquele, enfim, do impacto sobre o espaço geográfico, através da constituição e da conservação, durante períodos mais ou menos longos de territórios minoritários, de regionalismos, de guetos urbanos.

Cada um desses aspectos implica na consideração simultânea das aspirações e das reivindicações das minorias e da atitude a seu respeito das sociedades-ambientes majoritárias [...].

A existência e a reanimação das minorias nacionais, lingüísticas, religiosas, em uma palavra, etno-culturais, ameaçam, em diferentes graus, os equilíbrios políticos de muitos setores do mundo contemporâneo.

[...] A existência de minorias consolidadas e combativas não deve ocultar a latência de minorias potenciais. [...] Nenhum continente está isento do processo de formação de minorias. Assim, tratar da questão das minorias é abordar um dos dados essenciais da política nacional e internacional, qualquer que seja seu impacto geográfico, que neste caso desempenha o papel de fixador espacial de antagonismos (sociais, econômicos, políticos). É por isso que o tema pede mais uma abordagem geopolítica do que uma simples análise de geografia política.

[...] Em um estudo que quer ser simplesmente introdutório, não se pode tratar de fazer um quadro ou uma lista de todas as minorias e de todos os movimentos minoritários. Trata-se, antes de tudo, de um diagnóstico, de um ensaio de tipologia, apoiado em exemplos representativos: uma introdução a uma análise global, que assume um lugar cada vez mais importante em um panorama do mundo atual.

Retrato e gênese das minorias

Um dos paradoxos da vida política contemporânea é a contradição entre duas tendências opostas da organização e da prática do espaço. A economia [...] propõe a reunião de extensões cada vez mais vastas sob a mesma tutela de empresas, ditas supra e transnacionais, e/ou de alianças políticas. Ao mesmo tempo, afirmam-se vontades de independência ou de autonomia de grupos que reivindicam sua personalidade histórica, a especificidade de suas tradições etno-culturais, em termos de particularismos lingüísticos que desembocam em posições antagônicas às da tendência de agrupamento e de unificação, ao ponto de comportar a reivindicação de privilégios ou de direitos políticos. Não é fora de propósito se questionar se não se trata de um jogo dialético em múltiplas ocasiões os enfrentamentos entre operações unificadoras, que tendem ao alargamento das bases espaciais do Estado, ou mesmo do império, e a afirmação de particularismos que tendem a fracioná-lo.

Este é um dos aspectos da tese desenvolvida por J.B. Duroselle, em seu livro Todo império perecerá. Trata-se, na verdade, de uma dialética mais complexa, que faz aparecerem a diversidade e a multiplicidade dos fermentos de desagregação engendrados por toda forma de crescimento e de autoritarismo, ao mesmo tempo que as formas de extensão a níveis diferentes de evolução das civilizações materiais e morais.

[...] Em termos concretos, enquanto a condição de sobrevivência econômica e talvez política dos Estados Europeus, ou da África e da América Latina é freqüentemente considerada em comunidades ou confederações orgânicas, proliferam os movimentos de integrismo local, de fracionamento político de pequenas unidades reivindicando uma identidade etno-cultural e uma herança da história [...]. A substância desses conflitos consiste nas relações entre forças de agrupamento que engendram situações de dominação "majoritária" e vontades de existir e de serem reconhecidas como minorias.

Se os grandes conjuntos e as forças unitárias ocupam o essencial da cena da geografia política e econômica, e são objeto de estudos globais relativamente simples, a agitação das minorias procede de uma multidão de situações particulares e de aspirações a soluções diferentes de acordo com o caso. Um esboço da diversidade das minorias, da afirmação de sua identidade e de suas reivindicações aparece como um importante tema da abordagem dos sistemas de relações entre os diversos elementos constitutivos da população dos Estados e entre coletividades etno-culturais e o espaço geográfico.

A origem

Um fator importante de diferenciação das minorias é sua origem. O caso mais simples é aquele de populações instaladas em um determinado espaço geográfico e que são submetidas por invasores. O efeito duplo é a redução dos vencidos à condição de habitantes minoritários de enclaves e a superposição de um povoamento e de uma estrutura política, cultural, econômica e social exógena, que se atribuem uma situação privilegiada, no quadro do espaço precedentemente ocupado por aqueles que se tornaram simultaneamente minoritários e dominados. O exemplo mais representativo é o da ocupação do continente americano por populações vindas da Europa, dando lugar a diversas formas de condição minoritária ameríndia [...]. Outros exemplos aparecem com os enclaves nos grandes domínios montanhosos, que possuem posição de refúgio, onde se concentraram os sobreviventes de populações vencidas e invadidas por grupos majoritários: Cáucaso, montanhas do Maghreb, dos Bálcãs, etc.

O segundo caso é aquele de populações sistematicamente introduzidas, em uma determinada época, em um espaço que não era originariamente seu, para assegurar a exploração de recursos locais ou a defesa de fronteiras, a serviço dos mestres do país, pouco numerosos [...]. O exemplo mais importante, pela massa humana envolvida [...] é aquele do tráfico dos negros africanos para a América tropical, as Caraíbas e o Sul dos Estados Unidos.

O terceiro caso é aquele da dispersão de populações expulsas de seus países de origem, em função de acontecimentos políticos, de perseguições religiosas, ou de populações engajadas em aventuras econômicas, criando as chamadas diásporas, cujos elementos, mesmo muito afastados uns dos outros, permanecem cultural e economicamente idênticos, como os judeus, armênios, libaneses, chineses, etc. A densidade do patrimônio cultural comum assegura às unidades dispersas em ambientes muito diferentes uma coesão de comportamento, de crenças, de modos de expressão, mesmo se as relações de grupo a grupo são episódicas, e interrompidas durante longos períodos. A identidade e sua conservação repousam na memória coletiva. É ela que, mesmo sob as aparências de uma integração ao ambiente de vida, assegura a salvaguarda da autonomia do grupo e a manutenção da comunidade cultural dos diversos elementos da diáspora. Se as diásporas mais conhecidas são aquelas que foram criadas no longo prazo por grupos de uma capacidade de auto-conservação excepcional, o processo de dispersão inclui também êxodos de refugiados (mais recentes). Não se deve esquecer, por outro lado, que toda dispersão possui seu antídoto, ou seja, a reconcentração em núcleos localizados em áreas de acolhimento privilegiadas, que desempenham o papel de centros de atração e de fixação dos signos aos quais está ligada a identidade de grupo.

A forma mais recente de constituição de minorias resulta dos movimentos de mão-de-obra engendrados pelas desigualdades de desenvolvimento tecnológico e econômico. Milhões de homens têm sido deslocados durante as últimas décadas, dos países mais industrializados. [...] Seja como massas de trabalhadores isolados, seja como concentrações familiares, esses imigrantes constituem, nos países receptores, minorias que transferem consigo sua identidade cultural, mais ou menos em desacordo com as tradições dos meios de implantação, problema que se agrava pelas desigualdades econômicas e pela segregação residencial [...].

No plano teórico, o termo antagônico à manutenção de minorias é assimilação, que implica, no extremo, o desaparecimento total da identidade minoritária e, fundamentalmente, a perda da memória coletiva. Na maioria dos casos ocorrem diversas formas de compromissos de coexistência, que tornam sempre possível o reaparecimento da identidade e do fato minoritário, na medida em que forem questionadas as condições e formas de compromisso.

O papel do fator tempo é essencial. A sucessão de gerações que só estão integradas à minoria através de uma memória transmitida e que, além disso, sofrem a pressão e a sedução do meio ambiente, pode amortecer progressivamente a consciência de pertencer a uma minoria, sobretudo se esta consciência está carregada de um fator de inferioridade. O comportamento dos outros em relação à minoria é um aspecto decisivo das possibilidades de coexistência, em um primeiro tempo, e de inserção, em um segundo tempo.

[...] Mais freqüentemente, porém, a integração não passa de aparência e ilusão. A memória coletiva, mesmo em letargia, permanece, e acontecimentos de natureza bem diversa podem provocar seu novo despertar.

[...] A história dos séculos XIX e XX europeus atribui uma importância excepcional à formação de minorias nacionais, mas reconhece, também, importantes movimentos de refugiados, que deram lugar à formação de diásporas e, posteriormente, testemunha um forte processo de migração de trabalhadores. A carga cultural de uns e de outros é desigual e, sobretudo, as relações com o espaço são profundamente diferentes.

O espaço das minorias

Duas grandes séries de relações com o espaço podem ser destacadas: a das minorias instaladas em um espaço próprio e aquela das minorias inscritas sob a forma de "ilhas isoladas" no interior do espaço majoritário. Para simplificar, as primeiras podem ser chamadas de minorias espacialmente coerentes e as segundas, minorias difusas.

( As regiões minoritárias

As minorias e um espaço próprio são, antes de tudo, aquelas que resultaram da acumulação de vagas sucessivas de povoamento.

[...] Um povoamento exaustivo de um espaço minoritário dado é raro. Elementos da população majoritária se infiltram nos espaços minoritários, como fatores de enquadramento militar e administrativo e aí se multiplicam. Embora minoritários por seu turno, eles podem ocupar posições dominantes, na qualidade de representantes do poder. A história do século XIX na Europa central revela a fragilidade de tais situações. [...] Esta é, por exemplo, a origem da crise dos Sudetos, explorada pela Alemanha hitlerista para provocar o esfacelamento do Estado tchecoeslovaco (1938).

( O gueto

Se muda a escala e a atenção se volta para a repartição das populações urbanas, o fato minoritário se confunde com a "concentração insular", comumente designada pelo termo gueto. Trata-se de um espaço minoritário resultante das condições de agrupamento geográfico imposto, na Europa Central, às coletividades judaicas da Idade Média. Mas o gueto possui também seus homólogos na África do Norte e no Oriente Médio, onde são denominados mellahs e haras.

Porém, a realidade do gueto extrapola largamente a esfera das comunidades judaicas. R. Duchac observa, a partir do exemplo norte-americano, que, na cidade de Cleveland, o asilo de segurança e de identidade de coletividade etno-culturais em meio alógeno é a concentração em bairros que funcionam como conservatórios das tradições e dos hábitos de vida, não importando o destino das minorias, no longo prazo, em termos do processo de assimilação.

É, portanto, no nível da Geografia e da Sociologia urbanas que se coloca uma parte essencial da análise dos guetos. Uma outra parte importante é coberta pelos estudos históricos.

A consciência minoritária

A identidade de uma minoria repousa sobre sua memória coletiva, inseparável de suas particularidades etno-culturais. O conjunto dessas particularidades tem sido simbolizado pela imagem do que tem sido chamado de raízes.

Em relação a essa identidade, três processos podem ser considerados:

a) perda da identidade por diluição na cultura da população ambiente, que supõe uma adoção total dos signos e dos símbolos do meio envolvente, ou um sincretismo promovendo uma integração gradual a uma civilização aberta aos valores de uma e outra cultura;

b) a coexistência de coletividades distintas em um mesmo modo de vida, simbolizado por uma só língua de comunicação, as mesmas formas de atividade e consumo, a mesma escala social, mas cada qual guardando, pelo menos em parte, seu patrimônio, principalmente a religião e os usos a ela ligados. Trata-se, então,. de uma cultura dupla, tal como é representada pelas coletividades envolvidas. Um bom exemplo é o dos católicos irlandeses e os judeus na sociedade americana;

c) a conservação, no seio de uma etno-cultura majoritária, do máximo de heranças da cultura minoritária original, mesmo com algumas concessões ao poder majoritário. Esta conservação pode tornar-se o argumento de um debate no sentido de resolver a contradição entre a tendência unificadora do Estado e a vontade de salvaguardar as identidades dos grupos, tarefa mais fácil numa estrutura federal do que em uma estrutura centralizada. O melhor exemplo é aquele do Quebec, no Canadá.

Este mesmo exemplo permite, também, mostrar que a afirmação da identidade é um fenômeno histórico, com fases de intensidade desigual, muito sensível a todas as variações da conjuntura, embora a vontade de existir enquanto grupo seja constante. O elemento comum a toda manifestação da identidade do grupo é a referência à cultura herdada e a todos seus prolongamentos sob a forma de expressão original na literatura e na arte. [...] É essa continuidade dos valores compartilhados da identidade grupal que alimenta as doutrinas da afirmação de um direito nacional ou, ao mesmo, regional. Assim, a tomada de consciência do pertencimento a uma minoria é ponto de partida para a reivindicação de direitos que reconheçam sua existência e sua especificidade. Um dos debates mais importantes gerados a partir dessa reivindicação é o debate lingüístico. O mesmo pode ser dito daquele que se desenvolve no plano religioso.

Quanto ao território, o debate é também muito importante e variável de acordo com o caso. Para as minorias que conseguiram conservar seu espaço geográfico original [...], a reivindicação maior é a do reconhecimento da originalidade deste espaço, de sua diferenciação em relação aos espaços da cultura e da população majoritárias. Este, normalmente, é o tema dos regionalismos e da independência nacional. Para as minorias que foram dispensadas ou transferidas para ambientes alógenos, o debate se volta ou para a obtenção de todos os direitos e privilégios conferidos à população majoritária ( o caso dos negros nos Estados Unidos ( ou para o sonho de retorno às fontes originais, como é o caso da criação do Estado de Israel ou da reivindicação dos armênios do reconhecimento de seus direitos de reconstituir um Estado em sua região de origem.

[...] Uma vez levantado o problema minoritário, os temas de identidade e da historicidade encontram eco na consciência coletiva, da qual o debate serve para redespertar a memória: e isto é também um exemplo da interferência do tempo curto no tempo longo e vice-versa. A consciência coletiva pertence ao tempo longo, enquanto a abertura do debate e seu desenvolvimento pertencem à essência do evento.

Minorias e Estado

[...] Uma sociedade ou um Estado multicultural e multilíngue pode apresentar duas formas principais de relacionamentos: uma coexistência harmoniosa repousando no respeito mútuo e na igualdade de direitos das diversas coletividades ou, então, uma situação diferencial.

[...] Se nos referimos à situação jurídica, a maioria será caracterizada pelo benefício de instituições e direitos que lhe asseguram a preeminência e a dominação em relação às minorias. [...] Há casos, porém, em que uma situação majoritária de direito pode privilegiar a coletividade menos numerosa: o exemplo, por excelência, é a da África do Sul, onde o apartheid se manifesta como a forma mais radical de segregação entre grupos diferentes da população, inclusive com uma forte projeção no plano territorial (os bantustans).

No caso de uma estrutura de Estado que garante a igualdade das diferentes coletividades, não há minoria ou maioria, mas pluralismo: a Suíça, por exemplo, busca alcançar este nível, mesmo que certos conflitos lingüísticos locais apareçam de tempos em tempos e provoquem retificações no estatuto jurídico e mesmo territorial.

[...] Mais delicado é o caso dos Estados multinacionais ou multiculturais, onde nenhum grupo dispõe de uma autoridade preeminente e onde o jogo das relações maioria-minoria varia de acordo com a conjuntura política e os efeitos de pressões externas. Este é o caso infeliz do Líbano.

Os regionalismos

[...] A época contemporânea viu o surgimento de reivindicações relativas ao reconhecimento da identidade de populações regionais, tendo por base particularidades lingüísticas, culturais, confessionais, resultantes freqüentemente de uma longa história. Seu alvo é o acesso a um estatuto de autonomia interna, no quadro de um espaço cultural, cujos limites estão para ser definidos no plano geográfico. Essas reivindicações freqüentemente se consolidam a partir da existência de uma situação de inferioridade econômica, por exemplo, no interior do Estado nacional: França e Córsega, Espanha e País Basco, Itália e Mezzogiorno são exemplos desse tipo de relação. Essas regiões já se beneficiam de um estatuto particular, porém esse estatuto não cobre todas as suas reivindicações. Um caso particular muito mais complexo é aquele do Ulster, onde se enfrentam duas populações antagônicas: protestantes, que pertencem à comunidade britânica, e os católicos que, embora no mesmo território, rejeitam a comunidade britânica. [...] Este relacionamento conflituoso é resultante, também, de um longo passado histórico, formador de memórias coletivas específicas.

Introdução

Michael E. Brown

As Dimensões dos Conflitos Internos

O conflito interno é a mais difundida forma de conflito no mundo atual. Guerras civis desenvolvem-se em dúzias de países e são responsáveis pela morte e deslocamento de literalmente, milhões de pessoas. Conflitos internacionais desestabilizam regiões, solapam o respeito pelas leis e normas de comportamento internacional e podem afetar interesses de potências distantes. Lamentavelmente, as causas e conseqüências dos conflitos internacionais não são compreendidas. A sabedoria convencional diz que esses conflitos são impulsionados por "antigos ódios" e que eles se difundem de um lugar para outro, em um processo que se encontra largamente além do controle humano. Os estudos acadêmicos dessas questões são mais sofisticados mas, no final das contas, ainda insatisfatórios.

[...] Este é um texto sobre os conflitos internos. Nele, analisamos três principais conjuntos de questões: as causas, as dimensões regionais e os esforços internacionais para lidar com esses conflitos. Nosso objetivo é fazer avançar a compreensão de como o conflito interno começa, como ele envolve os estados vizinhos, e o que as grandes potências e as organizações internacionais podem fazer em relação a ele.

Por conflito interno, entendemos disputas políticas violentas ou potencialmente violentas, cujas origens podem ser encontradas, primordialmente, em fatores domésticos mais do que em fatores sistêmicos, e nos quais a violência armada se concretiza ou ameaça concretizar-se primariamente dentro das fronteiras de um único estado.

[...] O nível de violência pode distribuir-se desde campanhas elementares de grupos terroristas, até revoltas guerrilheiras de maior duração, guerras civis generalizadas e genocídios. Na maioria dos casos, os atores fundamentais são governos e grupos rebeldes. Mas, quando as estruturas estatais são frágeis ou inexistentes, grupos de naturezas variadas lutam entre si em um universo hobbesiano, que eles próprios criam. [...]

A importância dos conflitos internos

O conflito interno é importante por cinco razões principais: ele é bastante disseminado pelo mundo; ele causa um tremendo sofrimento; quase sempre, acaba por afetar ou envolver estados vizinhos minando, assim, a estabilidade regional; freqüentemente (atrai e) engaja os interesses de potências distantes e de organizações internacionais; e os esforços para lidar com os problemas colocados pelos conflitos internos estão num processo de reavaliação por parte dos políticos e das organizações, nos níveis nacional, regional e internacional.

[...] Primeiramente, o conflito interno está cada vez mais disseminado pelo mundo. [...] Embora muitos desses conflitos envolvam atividades diferenciadas de cruzamento de fronteiras, todos apresentavam, fundamentalmente, um caráter intraestatal. O conflito interno é a mais difundida forma de conflito armado no sistema internacional da atualidade.

Em segundo lugar, o conflito interno é importante porque ele, usualmente, causa grande sofrimento. [...] O conflito interno inclui, freqüentemente, ataques diretos e deliberados a civis. Conflitos sobre o controle de território geralmente escalam para o nível de campanhas militares, com o objetivo de expulsar ou eliminar civis de grupos rivais. Intimidação, assassinato, estupro, expulsão forçada e eliminação sistemática são instrumentos comumente empregados. Os números de pessoas deslocadas ou mortas em tais conflitos são, geralmente, contados em dezenas e centenas de milhares e, às vezes, mesmo em milhões. Nos casos mais extremos ( na Bósnia, a partir de 1992, e em Ruanda, em 1994, por exemplo ( o genocídio[72] foi praticado.

Em terceiro lugar, o conflito interno é importante porque ele, muitas vezes, afeta e envolve estados vizinhos. Os refugiados, por exemplo, fogem freqüentemente através de fronteiras internacionais, em grande número [...]; quase sempre, esses países vizinhos não dispõem de condições adequadas para receber um fluxo repentino de estrangeiros necessitados. No mínimo, os refugiados impõem pesados sacrifícios econômicos aos países hóspedes, e eles podem causar, igualmente, problemas políticos e de segurança.

Os conflitos internos podem, também, afetar estados vizinhos no nível militar. O território dos estados vizinhos pode ser usado para encaminhar armas e suprimento a grupos insurgentes, o que pode conduzir a campanhas de interdição. Certas regiões de estados vizinhos podem, ainda, ser usadas como bases a partir das quais podem ser lançados ataques terroristas ou, mesmo, convencionais. Isso pode conduzir a operações de perseguição ou de retaliação, através das fronteiras. Além disso, forças militares de países vizinhos podem envolver-se em conflitos internos de outros estados.

[...] Além disso, os estados vizinhos nem sempre são as vítimas inocentes das tensões em suas regiões. Em muitos casos, eles se envolvem em conflitos que estão em andamento, tornando piores situações já difíceis. Na maioria das vezes, portanto, o conflito interno tem implicações importantes para a estabilidade regional.

Em quarto lugar, o conflito interno é importante porque ele pode afetar os interesses e atrair a atenção de potências distantes e de organizações internacionais. Em alguns casos, os interesses nacionais de potências distantes podem ser diretamente ameaçados por um conflito interno. [...] Nessa mesma linha, o conflito interno pode, também, ameaçar aliados políticos e ideológicos de uma grande potência, e, sob certas circunstâncias, pode ativar os compromissos assumidos com base em alianças. Além disso, o conflito interno pode romper ou ameaçar de rompimento o livre acesso a recursos estratégicos, como o petróleo por exemplo, e ele pode romper, também, a estabilidade política em áreas estrategicamente importantes.

[...] Quando os conflitos internos se tornam regionais, em função do envolvimento de países vizinhos, [...] aumenta a probabilidade de que os interesses de grandes potências também estarão envolvidos. Os conflitos internos podem ter implicações particularmente ameaçadoras quando há a presença de armas de destruição em massa, ou quando tais armas estão em vias de mudar de mãos, principalmente para regimes inaceitáveis para essa(s) potência(s). Mais geralmente, os conflitos internos podem minar a credibilidade de grandes potências se essas últimas deixam de tornar, oportunamente, ações efetivas para lidar com questões que colocam em perigo seus interesses.

Os conflitos podem, igualmente, ameaçar os interesses de outros estados, pelo solapamento de organizações regionais e internacionais, das leis e normas de comportamento e da ordem internacional em geral.

[...] Finalmente, os conflitos internos são importantes porque a comunidade internacional está, atualmente, reavaliando seus esforços para lidar com eles. No início dos anos 1990, após o fim da Guerra Fria e logo em seguida à Guerra do Golfo, muita gente estava decididamente otimista em relação à capacidade da comunidade internacional de enfrentar os conflitos tanto intraestatais, quanto interestatais e de criar uma ordem internacional estável e pacífica.

[...] Desde o fim da Guerra Fria, as ações aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU aumentaram em número e alargaram-se em escopo. No começo de 1988, estavam em andamento apenas cinco operações de paz mas, desde então, mais vinte e uma foram levadas a efeito. Treze dessas vinte e uma, e nove, das onze mais recentes operações estavam orientadas para os conflitos internos. O número de pessoal designado pela ONU para operações de paz aumentou dez vezes desde 1988: passou de cerca de 7500 para 75000 pessoas. Muitas dessas novas operações são empreendimentos multifuncionais, envolvendo não somente a supervisão de acordos de cessar fogo mas, também, a desmobilização de forças militares, o retorno de refugiados, o fornecimento de assistência humanitária, o estabelecimento de novas forças policiais, o projeto e a supervisão de reformas políticas e institucionais, a organização e a supervisão de eleições, e a coordenação de apoio para a reconstrução econômica e o desenvolvimento. Em alguns casos, as operações militares da ONU vão além das tradicionais ações de peace-keeping, [...] chegando a envolver a presença de forças coercitivas. Muita gente acreditava e, mais ainda, esperava que as Nações Unidas vinham desenvolvendo-se, cada vez mais, como um instrumento efetivo para a prevenção mundial de conflitos, o gerenciamento e a resolução desses conflitos.

Essas grandes esperanças não se limitavam apenas às Nações Unidas. Muitos acreditavam que as organizações regionais - tais como a União Européia, a OTAN, a OSCE e a OAU ( passariam a tratar, efetivamente, com muitos tipos de problemas de segurança regional. Os líderes da OTAN declararam, em novembro de 1991, por exemplo, que uma das tarefas fundamentais da aliança, tendo em vista o fim da Guerra Fria, seria "fornecer um dos indispensáveis fundamentos para um ambiente de segurança estável na Europa ... na qual, nenhum país poderia intimidar ou coagir qualquer nação européia".

[...] Esses que, no início dos anos 1990, tinham grandes expectativas na capacidade da comunidade internacional de prevenção, gerenciamento e resolução de conflitos, ficaram decepcionados pela inabilidade dessa mesma comunidade, de prevenir, interromper e resolver muitos dos violentos conflitos internos que se desenvolveram em meados desta década: no Afeganistão, em Angola, Azerbaijão, Bósnia, Burma, Geórgia, Libéria, Ruanda, Somália, Sri-Lanka, Sudão e Tadjikistão.

[...] Este fracasso foi particularmente chocante em Ruanda, onde cerca de 800.000 Tutsis foram mortos, em um período de quatro meses; as grandes potências fizeram algo próximo do nada, enquanto um dos piores genocídios do mundo estava em andamento. Ações multilaterais foram efetivadas na Bósnia e na Somália, mas elas não tiveram sucesso em conseguir um término rápido pra tais conflitos armados.

[...] Com isso, a credibilidade das maiores potências mundiais, das organizações multilaterais através dos quais elas freqüentemente operam, e da comunidade internacional em geral, saiu bastante prejudicada.

Corno resultado, a euforia do início dos anos 1990 deu lugar à frustração e, para alguns, à desilusão dos meados da década.

[...] Mas, é verdade que se essas potências e organizações internacionais têm falhado na prevenção e na resolução dos conflitos internos em muitas partes do mundo, tem havido, também, alguns sucessos notáveis ( em El Salvador, Nicarágua, Moçambique, Camboja e Haiti, por exemplo. O desafio para os intelectuais, analistas e políticos é identificar as circunstâncias sob as quais uma ação efetiva pode ser implementada e (sobretudo) os tipos de providências mais apropriadas às diferentes situações encontradas. Isto requer um entendimento sofisticado das causas e da dinâmica dos conflitos internos, e o acompanhamento dos registros dos esforços internacionais no sentido de prevenir, administrar e solucionar os conflitos internos.

As causas dos conflitos internos

Muitos políticos e jornalistas acreditam que as causas dos conflitos internos são simples e diretas. As forças propulsoras por trás desses violentos conflitos, afirma-se, são "antigas animosidades" que muitos grupos étnicos e religiosos têm entre si. Na Europa do Leste, na ex-União Soviética, e em outros lugares, essas animosidades arraigadas foram controladas, durante anos, por governos autoritários. O colapso desses regimes autoritários, argumenta-se, levantou o "manto" que cobria essas antigas rivalidades, permitindo que ódios, longamente reprimidos, viessem à superfície de novo, em uma escalada para conflitos armados.

[...] Pesquisadores sérios rejeitam uma explicação do conflito interno baseada apenas no fator acima mencionado. Essa visão simples e muito difundida não pode explicar porque conflitos violentos aparecem em certos lugares e não em outros, e ela não pode explicar porque algumas disputas são mais violentas e difíceis de resolver que outras.

[...] Se definimos conflito interno, incluindo aí lutas violentas de civis pelo poder, golpes militares, conflitos étnicos, campanhas ideológicas militarizadas, rebeliões, guerras civis, e revoluções, então as literaturas sobre todos esses temas são relevantes para nossos interesses. Além disso, o problema do conflito interno está relacionado ao desenvolvimento da sociedade civil, da ordem política, das relações estado-sociedade, problemas que têm atraído a atenção de grandes pensadores [...].

Tentar resumir em alguns parágrafos, a sabedoria acumulada através das eras é, talvez, "a tarefa de um louco". No mínimo, deve-se abordar a tarefa com considerável apreensão e humildade. Com essas precauções como guias, eu sugeriria que a literatura que trata dos conflitos internos identificou quatro principais conjuntos de fatores que tornam certos lugares mais predispostos à violência que outros: fatores estruturais, políticos, econômico-sociais e culturais-perceptuais.

Fatores estruturais

Três fatores estruturais principais têm atraído a atenção dos estudiosos: estados frágeis; preocupações com a segurança intraestatal; e a geografia étnica.

As estruturas do estado frágil são o ponto de partida para muitas análises dos conflitos internos. Alguns estados já nascem fracos. Muitos dos estados que foram formados a partir do desmembramento de impérios coloniais na África e no Sudeste Asiático, por exemplo, eram construções artificiais. Eles careciam de legitimidade política, de fronteiras politicamente articuladas, de instituições políticas capazes de exercer controle efetivo sobre o território colocado sob sua supervisão nominal. O mesmo pode ser dito de muitos estados criados a partir das ruínas da União Soviética e da Iugoslávia. A grande maioria dessas novas entidades alcançou a existência contando apenas com instituições políticas das mais rudimentares.

Em muitas partes do mundo, e talvez na África de maneira mais notável, os estados foram tornando-se ainda mais fracos com o passar do tempo. Em alguns casos, acontecimentos externos, como a redução da ajuda externa das grandes potências e das instituições internacionais, além da queda dos preços de certas mercadorias, desempenharam papel chave no processo de declínio institucional desses países. Em outras áreas, os estados foram enfraquecidos por problemas internos, tais como corrupção endêmica, incompetência administrativa e uma incapacidade de promover o desenvolvimento econômico.

Quando as estruturas se enfraquecem, os conflitos violentos freqüentemente se sucedem. As lutas de poder entre líderes e candidatos a líderes se intensificam. Líderes regionais tornam-se crescentemente independentes e, se eles consolidam esse controle sobre os domínios militares, eles se transformam em virtuais senhores de guerra. Grupos étnicos, que tinham sido oprimidos pelas autoridades centrais, são mais capazes de impor-se politicamente, seja buscando maior autonomia administrativa, seja procurando a criação de seus próprios estados. Grupos étnicos que foram protegidos por autoridades centrais, ou que exerceram o poder através do estado, ficam mais vulneráveis. Organizações criminosas tornam-se mais poderosas e difundidas [...]. As fronteiras são controladas de maneira menos efetiva. Portanto, movimentos de milícias, armas, drogas, bens contrabandeados, refugiados e migrantes, através das fronteiras tendem a crescer. Problemas humanitários de massa, tais como epidemias e fome, podem desenvolver-se. Assim, o estado em questão pode, finalmente, fragmentar-se ou, simplesmente, deixar de existir como uma entidade política.

Em segundo lugar, quando os estados são frágeis, certos grupos começam a assumir sua própria defesa [...]. O problema é que, ao tomar providências para defender-se a si próprios, esses grupos podem ameaçar a segurança dos outros. [...] Este é o dilema da segurança. Esses problemas são especialmente agudos quando impérios e estados multiétnicos esfacelam-se e esses grupos étnicos têm, repentinamente, que cuidar de suas respectivas seguranças.

O terceiro fator estrutural, que tem recebido atenção, é a geografia étnica. Mais especificamente, estados com minorias étnicas têm maior propensão ao surgimento de conflitos do que outros, e certos tipos de demografias étnicas são mais problemáticas que outras. [...] Dos mais de 180 estados existentes atualmente, menos de 20 são etnicamente homogêneos, se se considerar como critério que as minorias étnicas não chegam a representar 5% da população total. Alguns desses estados, tais como Japão e Suécia, têm apresentado uma composição étnica uniforme, por algum tempo. Outros ( como a Polônia, Hungria e República Tcheca ( têm poucas minorias nos anos 1990, em função de transferências de populações e de genocídios que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial e da maneira pela qual as fronteiras foram redesenhadas após a guerra. [...] É importante notar, entretanto, que a homogeneidade étnica não é uma garantia de harmonia interna: a Somália é o estado mais etnicamente homogêneo na África Sub-sahariana e, apesar disso, tem sido esfacelado pelas guerras de clãs e pela competição, em busca do poder, entre senhores de guerras locais.

[...] Países com diferentes tipos de geografias étnicas têm mais probabilidades de sofrer diferentes tipos de problemas internos. Países com populações altamente miscigenadas têm menores probabilidades de enfrentar reivindicações secessionistas, pois os grupos étnicos não estão distribuídos de modo a facilitar o separatismo. Entretanto, se mesmo assim, reivindicações secessionistas chegam a desenvolver-se, os grupos étnicos buscarão estabelecer o controle sobre porções específicas do território. Daí podem resultar ataques diretos a civis, guerras de guerrilhas, limpezas étnicas e genocídios. Países com grupos étnicos distribuídos regionalmente são mais propensos a enfrentar reivindicações secessionistas, mas se o conflito se desenvolve, ele será provavelmente de caráter mais convencional.

Muitos estados, particularmente aqueles esculpidos a partir do desmantelamento de antigos impérios, têm demografias étnicas complexas e enfrentam sérios problemas de vários tipos. Na África, por exemplo, fronteiras arbitrárias têm dividido um certo número de grupos étnicos, situando-os em dois ou mais países. Muitos países africanos contém um grande número de grupos étnicos, alguns dos quais são inimigos históricos. Vários dos estados da ex-União Soviética herdaram fronteiras que tinham sido deliberadamente desenhadas para maximizar complicações étnicas e para torpedear a eficiência política de líderes locais em relação ao centro político de então.

Fatores políticos

Quatro fatores políticos principais têm atraído a atenção, na literatura voltada para os conflitos internos: instituições políticas discriminatórias; ideologias nacionais excludentes; políticas inter-grupais; e política das elites.

Primeiramente, muitos argumentam que as perspectivas de conflito em um país dependem, em um grau significativo, do tipo e da equidade de seu sistema político. Sistemas fechados, autoritários tendem a gerar considerável ressentimento ao longo do tempo, especialmente se os interesses de alguns grupos étnicos são atendidos enquanto os de outros são esmagados. Mesmo em cenários mais democráticos, o ressentimento pode desenvolver-se caso alguns grupos sejam inadequadamente representados no governo, nas instituições jurídicas, militares, policiais, políticas e outras. [...] O conflito interno é especialmente provável se a opressão e a violência são comumente empregadas pelo estado, ou se uma transição política está em andamento.

Em segundo lugar, diz-se que muito depende da natureza da ideologia nacional dominante no país em questão. Em alguns lugares, nacionalismo e cidadania baseiam-se mais em distinções étnicas do que na idéia de que todos que vivem no país têm acesso aos mesmos direitos e privilégios. [...] De acordo com J. Snyder (1993: p. 5):

"O nacionalismo cívico aparece em democracias bem institucionalizadas. Em contraste, o nacionalismo étnico aparece espontaneamente quando ocorre um vácuo institucional. Por sua própria natureza, o nacionalismo (cívico) baseado em direitos de cidadania iguais e universais, dentro de um território, depende de uma estrutura de leis para garantir tais direitos, assim como instituições efetivas para tornar possível que os cidadãos manifestem seus pontos de vista. O nacionalismo étnico, diferentemente, não depende de instituições, mas da cultura".

Não é surpreendente, portanto, que existam fortes correntes de nacionalismo étnico cm regiões dos Balcãs, da Europa centro-oriental e da ex-União Soviética, onde as estruturas estatais e as instituições políticas viram diminuir suas capacidades, e naquelas partes do mundo em desenvolvimento, onde as estruturas estatais e as instituições políticas são frágeis.

É importante ter em mente que ideologias nacionais excludentes não tem que basear-se necessariamente na questão étnica. Os religiosos fundamentalistas, comprometidos com o estabelecimento de estados teocráticos, dividem a sociedade em dois grupos: aqueles que adotam uma ordem política, econômica e social derivada teologicamente e aqueles que não o fazem.

Em terceiro lugar, muitos pesquisadores argumentam que as perspectivas de violência em um país dependem, em um grau significativo, da dinâmica da política intergrupal doméstica. As perspectivas de violência, afirma-se, são grandes se os grupos - sejam eles baseados em afinidades políticas, ideológicas, religiosas ou étnicas ( possuem objetivos ambiciosos, forte sentido de identidade e estratégias de confronto. O conflito é especialmente provável se os objetivos são incompatíveis, se os grupos são fortes e determinados, se as ações são factíveis, se o sucesso é possível e se as comparações intergrupais conduzem à competição, à ansiedade e ao medo de ser dominado.

Em quarto lugar, alguns estudiosos têm enfatizado o papel da elite política e, mais especificamente, as táticas empregadas por políticos desesperados e oportunistas, em tempos de turbulência política e econômica. De acordo com esta linha de pensamento, o conflito étnico é, freqüentemente, provocado por elites em tempos de confusão política e econômica, de maneira a derrotar seus desafetos internos. A busca de bodes expiatórios torna-se comum e a mídia é empregada de maneira partidária e propagandística, o que agrava ainda mais as tensões interétnicas. As ações de Slobodan Milosevic, na Sérvia, e de Franjo Tudjman, na Croácia, são bons exemplos desses comportamentos.

Fatores econômicos e sociais

Três grandes fatores econômicos e sociais têm sido identificados como fontes potenciais de conflitos internos: problemas econômicos; sistemas econômicos discriminatórios; as experiências e atribulações do desenvolvimento e da modernização econômicos.

Primeiramente, os países, de uma forma ou de outra, experimentam problemas econômicos e esses problemas podem contribuir para as tensões intraestatais. No mundo industrializado, os problemas podem aparecer mesmo quando a economia de um país está crescendo, ou se ela não está crescendo tão rápido quanto estava antes ou o suficientemente rápido para manter um equilíbrio com as demandas sociais. Na Europa do Leste, na ex-URSS, em partes da África e em outros lugares, a transição de sistemas econômicos centralizados para aqueles baseados no mercado criou um monte de problemas econômicos, desde as historicamente altas taxas de desemprego até os impressionantes ritmos de inflação. [...] Desemprego, inflação, competição por recursos, em especial pela terra, contribuem para frustrações e tensões sociais, e podem fornecer o caldo de cultura para o conflito. Nem sempre as reformas econômicas ajudam e podem, em certos casos, até contribuir para o agravamento do problema no curto prazo, especialmente se os choques econômicos são severos e são feitos cortes nos subsídios estatais para alimentos e outros bens e serviços básicos de assistência social.

[...] Em segundo lugar, sistemas econômicos discriminatórios com base em classes ou etnias, podem gerar sentimentos de animosidade e de frustração que provocam violência. Oportunidades econômicas desiguais, acesso desigual a recursos como terra e capital, e grandes diferenças de níveis de vida são sinais de sistemas econômicos que os membros desafortunados da sociedade considerarão como injustos e, talvez, ilegítimos. Este tem sido certamente o caso do Sri-Lanka, por exemplo, onde os Tamils têm sido discriminados, nas décadas recentes, em favor dos Cingaleses. [...] O crescimento econômico sempre beneficia alguns indivíduos, grupos e regiões mais do que outros, e aqueles que se encontram no topo, desde o começo, estão provavelmente em uma melhor posição que os outros para tirar vantagem de oportunidades econômicas novas.

Em terceiro lugar, vários pesquisadores têm apontado o desenvolvimento econômico e a modernização como as principais fontes de instabilidade e do conflito interno. O processo de desenvolvimento econômico, o advento da industrialização, e a introdução de novas tecnologias trariam uma larga variedade de profundas mudanças sociais. [...] Esse processo também aumenta as expectativas econômicas e políticas, e pode levar a uma frustração crescente na medida em que essas expectativas não são satisfeitas. [...] De acordo com Samuel Huntington, "o resultado é a instabilidade e a desordem. O problema primário [...] é o atraso no desenvolvimento das instituições políticas em relação à mudança econômica e social."

Fatores culturais e perceptuais

Dois fatores culturais e perceptuais têm sido identificados, na literatura acadêmica, como fontes do conflito interno. O primeiro é a discriminação cultural contra as minorias. Esses problemas incluem oportunidades desiguais de educação, restrições legais e políticas quanto ao uso e ao ensino de línguas minoritárias, e limitações à liberdade religiosa. Em casos extremos, esforços draconianos no sentido da assimilação de populações minoritárias, combinados com programas para grandes quantidades de outros grupos étnicos, para certas áreas controladas por determinadas minorias, constituem uma forma de genocídio cultural.

[...] O segundo fator [...] tem a ver com as histórias de certos grupos e as percepções que esses grupos têm de si mesmos e dos outros. [...] Algumas "inimizades antigas" têm bases históricas legítimas. Entretanto, é também verdade que esses grupos tendem a "limpar" é glorificar suas próprias histórias e, freqüentemente, a diabolizar seus vizinhos, rivais e adversários. Ao explicar o massacre de 800.000 Tutsis, pelos Hutus. em Ruanda, no ano de 1994, um Hutu, que tinha freqüentado um seminário de formação de padres, declarou: "não se trata de genocídio mas, sim, de auto-defesa". Estórias, passadas de geração a geração, tornam-se parte da tradição de um grupo. Elas são, freqüentemente, distorcidas e exageradas com o tempo, e são tratadas como sabedorias herdadas, pelos membros do grupo.

Essas mitologias étnicas são particularmente problemáticas se grupos rivais possuem "imagens espelhadas" uns dos outros. Os Sérvios, por exemplo, vêem-se a si próprios como os heróicos defensores da Europa e os Croatas como assassinos fascistas e genocidas. Os Croatas, por sua vez, consideram-se como vítimas valentes da agressão hegemônica dos Sérvios. Quando dois grupos, vivendo em forte proximidade, possuem percepções hostis e mutuamente exclusivas um do outro, a mais leve provocação confirma as crenças estabelecidas e fornece a justificativa para uma resposta retaliatória. Sob tais condições, torna-se difícil evitar o conflito e ainda mais difícil interrompê-lo, uma vez deflagrado.

Explicando as causas do conflito interno

A literatura que existe sobre o conflito interno tem três pontos fortes e três fraquezas correspondentes.

Primeiramente, ela faz o importante trabalho de monitorar os fatores fundamentais e as condições que tornam certas situações particularmente sujeitas à violência mas é frágil quando se trata de investigar os fatores catalíticos ( as causas desencadeadoras ou próximas ( dos conflitos internos.

[...] Em segundo lugar, a literatura é forte no exame das forças estruturais políticas, econômicas, sociais e culturais que operam no nível da massa e, com efeito, ela põe uma grande ênfase nos fatores de massa, mas é fraca em seu entendimento dos papéis desempenhados pelas elites e pelos líderes instigando a violência. Esta última questão tem recebido, comparativamente, pouca atenção.

[...] Em terceiro lugar, a literatura é forte quando procura analisar as forças em ação dentro dos países, mas é frágil em suas análises sobre o papel de forças externas no desencadeamento dos conflitos internos.

[...] Minha principal argumentação com respeito às causas dos conflitos internos é a de que muitos conflitos importantes são desencadeados por atividades internas, no nível das elites ( simplificando, más elites ( contrária, portanto, àquilo que se poderia agrupar a partir da revisão da literatura acadêmica sobre o tema. As decisões e ações da elite são, usualmente, os catalisadores que transformam situações potencialmente voláteis em confrontações violentas. Forças externas são, ocasionalmente, as causas imediatas dos conflitos internos, mas as ações individuais de alguns estados vizinhos ( maus vizinhos ( são mais importantes que os efeitos misteriosos, de "contágio" ou de "difusão" no nível da massa.

[...] Possuir um claro entendimento das causas imediatas dos conflitos internos é extremamente importante, porque um limiar crítico é transposto quando o sangue é derramado e as disputas políticas se transformam em choques mortais. A administração e a resolução de conflitos tornam-se muito mais difíceis se isso ocorrer.

As dimensões regionais do conflito interno

O conflito interno envolve, freqüentemente, de um modo ou de outro, estados vizinhos. Muitos políticos e jornalistas, entretanto, possuem visões simplistas e mecânicas de como isso pode ocorrer: eles comumente se baseiam em cruas analogias com doenças, incêndios, enchentes e outras forças da natureza. Por exemplo, ao explicar porque os Estados Unidos precisavam enviar tropas à Bósnia, como parte da missão de paz da OTAN, Clinton explicou que, se os Estados Unidos deixassem de agir, "o conflito, que já tinha vitimado tanta gente, poderia espalhar-se como veneno em toda a região". [...] Muitos outros imaginam que os conflitos se espalham de um lugar para outro "hidraulicamente". [...] Mesmo alguns estudiosos são apanhados nesse tipo de raciocínio.

[...] Esse tipo de pensar é simplista porque ele vê as coisas movendo-se apenas em uma direção ( do lugar onde começou o conflito, em direção aos estados vizinhos, os quais são caracterizados como vítimas passivas e inocentes de epidemias, tempestades de fogo, cheias e "rios" de refugiados. Esta linha de raciocínio é, além disso, mecanicista porque ela vê as coisas acontecendo de um modo descontrolado e incontrolável.

Os problemas são atribuídos a forças da natureza ou ao próprio "conflito", em vez de às decisões e atos de homens e governos. [...] A implicação é que pouco pode ser eito para controlar essas forças inanimadas.

A dinâmica regional do conflito interno é muito pouco compreendida. Não existe um estudo sistemático das maneiras pelas quais o conflito interno envolve os estados vizinhos.

[...] Os efeitos do conflito interno nos estados vizinhos incluem problemas de refugiados e questões militares [...], além de repercussões econômicas (na medida em que as economias de estados contíguos estão freqüentemente interconectadas) e instabilidade política.

[...] eu acredito que nós precisamos, também, distinguir os diferentes tipos de ações que os estados vizinhos podem (ou têm que) desenvolver com respeito a um conflito interno. A maneira mais útil de se analisar este problema, parece-me, é dissecar as diferentes motivações que os estados vizinhos têm em relação a essas situações. Podem-se, assim, distinguir: intervenções relativamente benignas, com o objetivo de aliviar o sofrimento de grupos de pessoas e restaurar a paz e a segurança regionais; intervenções defensivas visando a salvaguardar os interesses da segurança nacional; intervenções de proteção, objetivando defender irmãos étnicos que estão sendo perseguidos; ingerências oportunistas planejadas para ampliar interesses políticos, econômicos ou militares e invasões oportunistas. Naturalmente, muitas intervenções são impulsionadas por uma combinação de considerações, e os estados sempre tentam caracterizar suas ações em termos benignos, independentemente de suas verdadeiras motivações. Isto complica a questão, mas não é uma barreira para a análise. [...] Minha principal argumentação com respeito às dimensões regionais dos conflitos internos é que, embora os estados vizinhos possam ser as vítimas passivas de desordens em suas regiões, eles, freqüentemente, contribuem para a escalada militar e a instabilidade regional: intervenções oportunistas são muito comuns. Há, assim, um erro em pensar os conflitos internos espalhando-se de um lugar para outro, através de um processo que está sempre além do controle humano. Isto. não quer dizer que todos os aspectos regionais dos conflitos internos são controláveis, mas que alguns são: alguns são produtos de decisões isoladas, tomadas por indivíduos identificáveis e por governos das imediações, não necessariamente imunes à pressão internacional.

Isto é extremamente importante porque outro limiar crítico é ultrapassado quando os conflitos internos começam a envolver estados vizinhos. A violência, então, se torna muito mais difícil de controlar e de encontrar solução.

Implicações para a ação internacional

Como se assinalou em página precedente, a comunidade internacional está, atualmente, em processo de reavaliação de seus esforços para tratar dos problemas colocados pelos conflitos internos. Existem duas escolas principais de pensamento, em termos do que as grandes potências e, através delas, as organizações internacionais, podem e devem fazer em relação aos conflitos internos.

Embora as grandes expectativas do início dos anos 90 tenham se frustrado, muitos analistas permanecem cautelosamente otimistas sobre a capacidade das potências para tratar os problemas colocados pelos conflitos internos. [...] Alguns alegam que mesmo as manifestações mais perniciosas de massacres genocidas podem ser minimizados por uma ação preventiva internacional. [...] Outros assumem um ponto de vista radicalmente diferente do que as potências internacionais podem e devem fazer com respeito aos conflitos internos. Aqueles que aceitam as explicações dos conflitos internos baseadas, em "ódios arraigados", acreditam que as potências externas não podem fazer nada para prevenir esses tipos de conflitos, ou influenciar o desenrolar de eventos quando a violência explode. Está implícita, nessa linha de pensamento, uma recomendação política; não se envolver se é possível fazê-lo.

[...] É este, indubitavelmente, o caso de muito políticos que defendem os "antigos ódios" como explicações para os conflitos internos e que abraçaram cinicamente esta linha de argumentação porque ela fornece uma justificativa intelectual para políticas não intervencionistas, as quais são preferidas por razões domésticas.

[...] Para dar sentido a este debate, é importante reconhecer que ele se baseia em duas questões relacionadas, porém distintas: primeiramente, o que as potências e organizações internacionais podem fazer para prevenir, administrar e resolver os conflitos internos? Em segundo lugar, o que as potências e organizações devem fazer com respeito a esses problemas?

[...] O principal objetivo é identificar as condições, nas quais os atores internacionais significativos ( estados individuais, organizações internacionais através das quais esses estados operam, e as organizações não governamentais ( podem desenvolver ações efetivas, e as condições, sob as quais os diferentes tipos de instrumentos políticos ( assistência humanitária, a descoberta de fatos e condições relevantes para o conflito, a mediação, medidas para o incremento da confiança entre as partes, missões de paz tradicionais e multi-funcionais, embargos e transferências de armas, sanções e incentivos econômicos, medidas de coerção judicial, e o uso de força militar ( funcionam mais efetivamente.

Três tarefas têm que ser consideradas: a prevenção, a gestão e a resolução de conflitos.

A prevenção de conflitos será sempre algo desafiante, pois as disputas são uma parte inerente ao discurso político, econômico e social e, porque uma estratégia abrangente para a prevenção de um conflito terá que ser precedida do desenvolvimento de uma teoria das causas dos conflitos internos ( uma perspectiva distante. [...] Se as causas do conflito interno podem ser catalogadas como condições gerais e causas próximas, segue-se que deveria ser adotada uma abordagem de duas vias para a prevenção do conflito: um caminho deveria ser uma série de esforços de base larga e de longo prazo para enfrentar os subjacentes problemas estruturais, políticos, econômicos, sociais, culturais e perceptuais que predispõem alguns países à violência, o outro deveria ser uma série de esforços focalizados e agressivos para neutralizar os fatores catalíticos que transformam situações potencialmente voláteis em banhos de sangue. As causas próximas dos conflitos internos são fundamentais e podem assumir formas variadas: fatores internos e externos; fatores orientados pela elite, assim como fatores orientados pela massa. Tipos diferentes de esforços têm que ser feitos para tratar de cada um desses tipos de conflitos: nenhuma fórmula simples poderá fazê-lo. Entretanto, desde que as forças das elites internas são usualmente os catalisadores dos conflitos internos, aqueles interessados na prevenção desses conflitos deveriam orientar sua atenção para essas forças.

A administração do conflito é também difícil quando se trata de conflitos internos. Quando a violência explode nos contextos domésticos, a escalada é fácil e a desescalada é dura. Os conflitos internos envolvem, freqüentemente, estados frágeis. Isto quer dizer que grupos e tropas serão, comumente, difíceis de se controlar. Isto, por seu turno, significa que as negociações serão difíceis e os acordos problemáticos para se implementar. Os conflitos internos são, quase sempre, competições de altas expectativas, nos quais a sobrevivência de grupos políticos e étnicos dependem do equilíbrio. Os grupos guerreiros estão, por conseqüência, altamente motivados e determinados a alcançar seus objetivos; eles estão, sempre, mais fortemente motivados que as potências externas que pensam em uma intervenção. Na medida em que as situações de combate são, quase sempre, muito fluídas, não envolvendo linhas de frente, torna-se difícil para as potências externas intervirem ao nível de ataque (militar). Os civis estão, quase sempre, profundamente envolvidos nos conflitos internos, tanto como guerreiros, quanto como alvos. Tendo em vista que os conflitos internos envolvem freqüentemente ataques violentos às populações civis, os partidos em guerra acham sempre muito difícil alcançar algum compromisso, quanto mais o tempo passa. Mesmo que esse quadro já não seja animador, ele pode tornar-se ainda pior se o conflito em questão sofrer uma escalada tanto vertical, para níveis mais altos de violência, quanto horizontalmente, envolvendo estados vizinhos.

Duas largas orientações políticas resultam daí. Primeiramente, se as potências externas ou as organizações internacionais estão dispostas a agir para administrar os conflitos, elas deveriam agir antes cedo do que tarde; neste caso, as probabilidades de sucesso são mais altas e os custos mais baixos. Em segundo lugar, se as ações preventivas falham e a violência explode, a próxima ação é manter estados vizinhos oportunistas fora do conflito. O envolvimento de potências das imediações adiciona outros interessas e recursos à equação e torna os acordos mais difíceis de se alcançar.

A resolução de conflitos está longe de ser fácil ( a persistência da violência no Afeganistão e no Sudão, e a re-emergência periódica do conflito armado no Burundi e na Cachemira, por exemplo, provam isso, Entretanto, potências externas, agindo através das Nações Unidas, têm tido um sucesso notável na ajuda à resolução de conflitos em lugares nos quais os partidos beligerantes mostram-se dispostos a baixar as armas e reconstruir seus países. Nicarágua, El Salvador, Moçambique, Namíbia e Camboja são bons exemplos desse sucesso nesse período pós-guerra fria. Isto sugere que, quando as condições para a resolução dos conflitos estão maduras, a comunidade internacional tem muito que fazer para facilitar o processo de paz.

O principal argumento desse texto, com relação à ação Internacional, é que, embora os conflitos internos coloquem problemas políticos formidáveis para as grandes potências e organizações internacionais, existem várias opções. É verdade que os instrumentos políticos nem sempre foram usados efetivamente no passado: isto não quer dizer que cada nova ação esteja condenada ao fracasso ao futuro. A chave está na compreensão dos problemas que os conflitos internos colocam para os diferentes tipos de instrumentos políticos disponíveis e das condições nas quais esses diferentes instrumentos podem ser efetivamente usados.

Understanding critical geopolitics: geopolitics and risk society

Gearóid Ó Tuathail, Department of Geography, Virginia Tech., Blacksburg, Virginia, USA.

ph: (540) 231-5806 email: toalg@vt.edu

Abstract

Critical geopolitics is a perspective within contemporary political geography that investigates the politics of geographical knowledge in international relations. It has four different dimensions: formal, practical, popular and structural geopolitics. All four dimensions are introduced and briefly illustrated with reference to Halford Mackinder, the discourse of 'Balkanism,' and the processes shaping the contemporary geopolitical condition. These processes -- globalization, informationalization and proliferating techno-scientific risks --force a re-thinking of geopolitics in what Ulrich Beck terms 'risk society.' Three critical geopolitical arguments about the dilemmas of geopolitics in risk society comprise the conclusion to the paper.

Biography

Gearóid Ó Tuathail (Gerard Toal) is Associate Professor of Geography at Virginia Tech. He is the author of Critical Geopolitics (Routledge and University of Minnesota Press, 1996), and is a co-editor of The Geopolitics Reader (Routledge, 1998), An Unruly World? Globalization, Governance and Geography (Routledge, 1998) and Re-Thinking Geopolitics (Routledge, 1998) as well as the author of numerous articles on geopolitics. He is currently working on a manuscript on 'geopolitics and risk society' for Blackwell.

Paper prepared for the special issue of The Journal of Strategic Studies on 'Geography, Geopolitics and Strategy,' edited by Colin Gray and Geoffrey Sloan. Also published as a chapter in a book by this same title, Frank Cass, 1999. Last modified JANUARY 1999.

As we approach the end of a century of geopolitics -- the word was coined in 1899 -- it is both appropriate and necessary that we reflect upon its history, meanings and use in a critically minded manner. The critique of geopolitics is as old as geopolitics itself but as humanity grapples with the prevailing chaos, proliferating risks and pervasive disorder of the late twentieth century condition, it is vital that we develop a critical perspective on the seductive simple-mindedness of geopolitics and its dangerous counter-modern tendencies. Geopolitics can be described as problem-solving theory for the conceptualization and practice of statecraft. A convenient label for a variety of traditions and cultures of theory and practice, geopolitics sees itself as an instrumental form of knowledge and rationality. It takes the existing power structures for granted and works within these to provide conceptualization and advice to foreign policy decision makers. Its dominant modes of narration are declarative ('this is how the world is') and then imperative ('this is what we must do'). 'Is' and 'we' mark its commitment to, on the one hand, a transparent and objectified world and, on the other hand, to a particular geographically bounded community and its cultural/political version of the truth of that world. Its enduring 'plot' is the global balance of power and the future of strategic advantage in an anarchic world. Geopolitics is of the same ilk as political realism, distinguishing itself by its proclivity to find 'geography' as a singularly important element in foreign policy conceptualization and practice.

Critical geopolitics, by contrast, is a problematizing theoretical enterprise that places the existing structures of power and knowledge in question. Also a convenient label for a disparate set of literatures and tendencies that congealed in the 1980s into a developed critique of 'orthodox geopolitics' and the dangerous nostrums associated with it, critical geopolitics seek to recover the complexities of global political life and expose the power relationships that characterize knowledge about geopolitics concealed by orthodox geopolitics.[1] Eschewing explicit interest in providing 'advice to the prince,' critical geopolitics critiques the superficial and self-interested ways in which orthodox geopolitics 'reads the world political map' by projecting its own cultural and political assumptions upon it while concealing these very assumptions. Geopolitics, critical geopoliticians argue, operates with a 'view from nowhere,' a seeing that refuses to see itself and the power relationships that make it possible. As an unreflexively eurocentric and narrowly rational cultural practice of 'experts' in powerful Western institutions (from universities to military bureaucracies to strategic 'think tanks'), geopolitics is not about power politics: it is power politics! Critical geopolitics strives to expose this power politics to scrutiny and public debate in the name of deepening democratic politics. For critical geopolitics, the notion of 'is' is always an essentially contested perspectival notion. Knowledge is always situated knowledge, articulating the perspective of certain cultures and subjects while marginalizing that of others. Its 'we' is a transnational community of citizens skeptical of the power concentrated in state and military bureaucracies, and committed to an open democratic debate about the meaning and politics of 'security.'

During the Cold War, the contrast between the orthodox cold war geopolitics of both East and West and critical geopolitics was stark and clear. Orthodox cold war geopolitics peddled dangerous simplifications about world politics while justifying the potentially catastrophic militarization of the European continent and other regions. The practical critical geopolitics of the European peace and environmental movements opposed the Manichean reasoning of both East and West, and the militarization of the planet it made possible. [2] Since the end of the Cold War, the irredeemable complexity that critical geopolitics always asserted but orthodox geopolitics tried to repress has become even more undeniable. The contemporary geopolitical condition exceeds the Either-Or reasoning of orthodox geopolitics, with its proclivity for us/them, inside/outside, domestic/foreign, near/far binaries and its reliance on mythic binaries from the geopolitical tradition like the heartland/rimland, landpower/seapower and East/West. The old conceptual maps of geopolitics do not work in a world of speeding flows, instantaneous information, and proliferating techno-scientific risks. Nevertheless, the urge to arrest this teeming complexity of our age by returning world politics to certain 'fundamental axes' or 'timeless truths' remains, merely the latest version of a long-standing countermodern impulse to (re)invent certainty in a world where the vertigious 'creative destruction' of transnational capitalist modernity dominates.

Ironically, the vertigo of our contemporary condition has rendered critical geopolitics more relevant to policy making than ever before while shifting political winds have brought some former peace movement figures to political power (Vaclav Havel in the Czech Republic and Joschka Fischer in Germany, for example). Critical geopolitics has long taken the dynamics of globalization, informationalization and 'risk society' seriously, recognizing that a new modernity of 'And' (ambivalence, multiplicity, simultaneity, globality, uncertainty, formlessness and borderlessness) is exploding in our inherited modernity of 'Either-Or' (calculability, singularity, linearity, nationality, certainty, dimensionality and {b}orders).[3] Like orthodox geopolitics, critical geopolitics is both a politically minded practice and a geopolitics, an explicitly political account of the contemporary geopolitical condition that seeks to influence politics. Unlike orthodox geopolitics, critical geopolitics has a much richer understanding of the problematic of 'geopolitics' and a better conceptual grasp, I wish to argue, of the problems facing states in conditions of advanced modernity.

This paper is a brief introduction to critical geopolitics. As an approach, critical geopolitics begins by arguing that 'geopolitics' is a much broader and more complex problematic than is acknowledged in orthodox understandings of the concept. To claim that geopolitics is the study of the influence of 'geography' on the practice of foreign policy by states is not to specify a narrow problematic for 'geography' has a multiplicity of different meanings. All states are territorial and all foreign policy strategizing and practice is conditioned by territoriality, shaped by geographical location, and informed by certain geographical understandings about the world. Geography is not a fixed substratum as some claim but an historical and social form of knowledge about the earth. To consult 'geography' historically was not to view raw physical landscape or 'nature' but to read a book. Though often forgotten today, 'geography' is not 'nature.' Rather, geography is an inescapably social and political geo-graphing, an 'earth writing.' It is a cultural and political writing of meanings about the world. [4] Similarly, geopolitics is a writing of the geographical meanings and politics of states.

For heuristic research purposes, critical geopolitics divides geopolitics into formal, practical, popular and structural geopolitics (see Table 1). Formal geopolitics refers to what is usually considered 'geopolitical thought' or 'the geopolitical tradition.' It is a problematic of intellectuals, institutions and the forces shaping geopolitical thought in particular places and contexts. Practical geopolitics is concerned with the geographical politics involved in the everyday practice of foreign policy. It addresses how common geographical understandings and perceptions enframe foreign policy conceptualization and decision making. A good recent example of this is how the geographical notion of 'the Balkans' helped condition how U.S. foreign policy makers approached, conceptualized and responded to the Bosnian civil war, with damaging results for the region and for European security. Popular geopolitics refers to the geographical politics created and debated by the various media shaping popular culture. It addresses the social construction and perpetuation of certain collective national and transnational understandings of places and peoples beyond one's own borders, what Dijkink refers to as 'national identity and geopolitical visions.' [5] Finally, structural geopolitics involves the study of the structural processes and tendencies that condition how all states practice foreign policy. Today, these processes include, as we have noted, globalization, informationalization and the proliferating risks unleashed by the successes of our techno-scientific civilization across the earth.

Combining practical and popular geopolitics, I will briefly discuss, first, how critical geopolitics has developed a revisionist historiography of certain prominent geopolitical figures and the 'geopolitical tradition,' second, its critical analysis of practical and popular geopolitical reasoning in foreign policy and, third, its analysis of the contemporary geopolitical condition.

Table 1: The Types Of Geopolitics Studied By Critical Geopolitics

|Type of Geopolitics |Object of Investigation |Problematic |Research Example |

|Formal Geopolitics |Geopolitical thought and the |Intellectuals, institutions and |Halford Mackinder, his |

| |geopolitical tradition |their political and cultural |geopolitical theories and |

| | |context |imperialist context |

|Practical Geopolitics |The everyday practice of |Practical geopolitical reasoning|'Balkanism' and its influence |

| |statecraft |in foreign policy |over U.S. foreign policy towards|

| | |conceptualization |Bosnia. |

|Popular Geopolitics |Popular culture, mass media, and|National identity and the |The role of mass media in |

| |geographical understandings |construction of images of other |projecting images of Bosnia into|

| | |peoples and places. |Western livingrooms |

|Structural Geopolitics |The contemporary geopolitical |Global processes, tendencies and|How globalization, |

| |condition |contradictions |informationalization and risk |

| | | |society condition/transform |

| | | |geopolitical practices |

1. Formal Geopolitics: Deconstructing The Geopolitical Tradition

The notion of 'the geopolitical tradition' is a somewhat arbitrary construct that has varied historical origins, central figures and key debates depending upon the definition and practical understanding of 'geopolitics.' To most strategists, geopolitics is a twentieth century tradition of thinking about statecraft that begins with Friedrich Ratzel, Alfred Mahan, Rudolf Kjellen, and Halford Mackinder, develops in the interwar period with Karl Haushofer's German Geopolitik and Nicholas Spykman's 'rimland' theories, and finds expression today in the writings of contemporary figures like Henry Kissinger and Zbigniew Brzezinski. [6] This 'great man' specification of the tradition is idealist in its concentration on 'geopolitical thought' at the expense of geopolitical practice and practitioners (though the latter two were both). It also tends to be eurocentric, neglecting Russian and Japanese geopolitical thought. Most importantly, it tends to elide fundamental questions concerning the specification of 'geopolitics' and the relationship of geopoliticians as intellectuals of statecraft to the power relationships characterizing their state, its national culture and its political economy.

While problematizing constructions of 'the geopolitical tradition,' critical geopolitics nevertheless engages the intellectuals, institutions and texts of this tradition and its histories. In very broad terms, critical geopolitics seeks to contextualize geopolitical figures and unravel the textual strategies they use in their writings. It argues that orthodox geopolitical utilizations of classic geopolitical figures often neglect the context within which they lived, ignore the incoherences in their works, and ironically utilize their arguments to close off any openness to geographical difference. Critical geopolitics, in other words, seeks to recover the geography and geo-politics of 'geopolitical thought' while opposing any glib celebration of the so-called 'timeless insights' of certain geopolitical masters.

This approach is evident in a 'revisionist' literature on Halford Mackinder, a widely celebrated 'founding father' of geopolitics (despite the fact that he never used the term in his writings and personally disliked it). [7] The Mackinder that appears in many orthodox accounts of geopolitics is a cardboard figure who is decontextualized from his imperialist context, defined by only a few texts and, in even cruder versions, by his sloganized version of strategy ('who controls...' etc). The 'real' Mackinder is more complex and also more mundane, an ultimately minor figure in the history of strategic thinking. Halford Mackinder's life and work was conditioned by the structural geopolitics of British imperial decline. Mackinder's 'liberal imperialist' ideology was at attempt to modernize the organization and idea of the British Empire. [8] As an imperialist thinker and subsequent member of parliament, he stood for 'national efficiency' but the 'nation' he imagined was a nation of white male English gentlemen that were to be efficient in exploiting Britain's vast imperial possessions, maintaining white Anglo-Saxon supremacy, and subjugating the 'lesser races' and regions of the Empire. He envisioned the discipline of Geography as part of his overarching project of modernizing the British Empire. Geography was a discipline that should be used to teach British schoolchildren to 'think imperially.' [9] The techniques he sought to establish at its core -- visualization, mapping and drawing, sparse description -- were meant as practical skills for the 'man of action,' the merchant, colonial administrator, and statesman. [10] The discipline of Geography as a whole, for Mackinder, was geo-politics.

The bulk of Mackinder's writings were devoted to geographical education. Mackinder's celebrated 'geopolitical texts' and his other writings are marked by the assumption that seeing is a naturalistic and objective activity. In asserting the innocence of 'visualization,' Mackinder was merely naturalizing the political and ideological assumptions of his own culture and ideology. Mackinder's texts are marked by an aporia that tries to deny interpretative activity while nevertheless relying upon it. [11] Furthermore, the geopolitical 'insight' of these texts is vastly overrated. The 1904 'Geographical Pivot of History' address is remarkable in its neglect of the single most important power of the coming twentieth century, the United States, and the single most significant time-space compressing technology, the airplane. His geopolitical thesis about seapower, landpower and transportation technology is historically simplistic, geographically determinist, and technologically unidimensional. [12] Mackinder's 1919 text Democratic Ideals and Reality is significant less for 'geopolitical insight' than as an illustration of the bizarre nature of Mackinder's organic conservatism and countermodern fantasies. Mackinder's strategic ideas had understandably little influence over British foreign policy at the time and might well have sunk into obscurity if it were not for the historical accident of their 're-discovery' during World War II amidst sensationalist and ill-informed media speculation about Karl Haushofer and German Geopolitik.

To understand the appeal of formal geopolitics to certain intellectuals, institutions and would be strategists, one has to appreciate the mythic qualities of geopolitics. Geopolitics is mythic because it promises uncanny clarity and insight in a complex world. It actively closes down an openness to the geographical diversity of the world and represses questioning and difference. The plurality of the world is reduced to certain 'transcendent truths' about strategy. Geopolitics is a narrow instrumental form of reason that is also a form of faith, a belief that there is a secret substratum and/or a permanent set of conflicts and interests that accounts for the course of world politics. It is fetishistically concerned with 'insight,' and 'prophecy.' Formal geopolitics appeals to those who yearn for the apparent certitude of 'timeless truths.' Historically, it is produced by and appeals to right wing countermoderns because it imposes a constructed certitude upon the unruly complexity of world politics, uncovering transcendent struggles between seemingly permanent opposites ('landpower' versus 'seapower,' 'oceanic' versus 'continental,' 'East' versus 'West') and folding geographical difference into depluralized geopolitical categories like 'heartland,' 'rimland,' 'shatterbelt,' and the like. Foreign policy complexity becomes simple(minded) strategic gaming. [13] Such formal geopolitical reasoning is anti-geographical in its conceptualization and representation of the world. It is also a flawed foundation upon which to construct a foreign policy that needs to be sensitive to the particularity and diversity of the world's states, and to global processes and challenges that transcend state-centric reasoning.

Practical And Popular Geopolitics: Geopolitical Reasoning In The Practice Of Statecraft

Formal geopolitical reasoning is worth distinguishing from the practical geopolitical reasoning foreign policy decision makers utilize in the everyday conduct of statecraft. In contrast to the formalized theories and grand strategic visions of geopolitical intellectuals, foreign policy decision makers use practical and pragmatic geopolitical reasoning whenever they try to make spatial sense of the world, implicitly utilizing inherited forms of geographical knowledge to enframe particular questions and tacitly deploying cultural geographic discourses to explain certain dramas and events. Practical geopolitical reasoning is ordinary and informal everyday discourse. It is taught in educational establishments, part of the socialization of individuals into certain 'national' identities and geographical/historical consciousnesses. [14] Widely disseminated by the media in popular political culture, it has the significant quality of being unremarkable and can be described as 'common sense' geopolitics. It is also, in certain instances, an ethnocentric, stereotypical and formulaic form of knowledge about the world that produces bad foreign policy conceptualizations and practices. Common sense geopolitics does not necessarily make good sense geopolitics.

The power and significance of practical geopolitical reasoning can be illustrated by considering the power of 'Balkanism' in conditioning American foreign policy ambivalence towards the breakup of Yugoslavia and the Bosnian war. The section of the ABC News website devoted to the Balkans begins with the following observation:

There are countless explanations for the volatility of the 'Balkan Powderkeg.' Historians variously blame disputes over resources, ancient hatreds or meddling by Great Powers intent on keeping the region unstable. But geography is also a powerful clue: Lying south of the Danube river, the Balkans region, like Afghanistan, is composed of scarce fertile valleys, separated by high mountains that fragment the area's ethnic groups, even though many have similar languages and origins. [15]

This description is part of the discourse of 'Balkanism' that helped define the Bosnian war in the American popular imagination. In this discourse, 'history' and 'geography' serve as deus ex machina explanations for the war. The Bosnian war happened because it was in 'the Balkans.' It was a product of 'ancient hatreds.' Geography helped make conflict inevitable. In her study of balkanist discourse, Maria Todorova approaches 'the Balkans' in a manner inspired by Edward Said's approach to 'the Orient,' that is as an historical geographical construct that reveals as much about the geopolitical consciousness of 'the West' as it does about the region it purports to describe. [16] Once a synonym for the mountain Haemus, the signifier 'Balkan' became a designator of the vast region between the Bay of Venice and the Black Sea in the construction 'Balkan peninsula,' first used by the German geographer August Zeune in 1808 and subsequently by Robert Walsh, a British traveler in 1827. The reason for the inflation of the signifier seems to have been the persistence of an ancient Greek belief that Haemus was a majestic mountain chain linking the Adriatic to the Black Sea. [17] The belief was erroneous but the term entered the vocabulary of travelers and scholars nevertheless though few had a precise idea of its exact meaning.

The transition of 'the Balkan peninsula' to 'the Balkans' and the remarkable emergence of the geographical category as a verb (to 'balkanize') was a consequence of the slow decline of the Ottoman empire in the region and the violence of the Balkan wars and World War I. For most of the nineteenth century Todorova argues that 'there was no common Western stereotype of the Balkans,' not because there were no common stereotypes but because 'there was no common West.' [18] The Balkan wars and World War I, however, crystallized a dominant and thoroughly negative image of the region. The Balkans became an abstract symbol of the violence and instability that supposedly is a consequence of the mixture of heterogeneous nationalities in one region. Various discourses stressed racial and/or civilizational explanations for the ferocity and brutality of the violence. Discourses employing the concepts of 'southern Slavs,' 'racial hybridity' and 'primitivism' abounded as did geographically determinist notions about the 'blood feuds' of mountainous peoples. 'The complex ethnic mixture was held responsible for the instability and disorder of the peninsula, which was diagnosed as afflicted by 'the handicap of heterogeneity.'' [19] In dominant balkanist discourses, the Balkans were a location on the edge of Europe, territorially within Europe but not part of modern European space and time. The region was a homeland of essential and primitive nationalist passion, a liminal zone where European civilization ended and an 'other' non-European zone began. None of these discourses adequately described the political complexities of southeastern Europe and the key role of the geopolitical strategies of the great powers in fermenting violence in the region for their own ends. The Balkans served as a projection zone for European powers, a region which enabled them to see themselves as modern and advanced while they displaced their own nationalism and violence upon the region. As an 'other' to Europe, 'the Balkans' were ironically quintessentially European.

After World War II, the Balkan region was generally perceived as part of an 'Eastern Europe' defined by Communist Party domination and control. Elements within the Yugoslav state sought to overcome the historical legacy of 'the Balkans' by constructing a supra-ethnic civil nationalist identity 'Yugoslavian.' Flawed as it was by reliance on Tito's personality, Communist myth, and a rotational system of governance that ironically perpetuated ethnic identities, the Yugoslavian federal state was an historic effort to reject the myth of 'the Balkans.' Geography would not be historical destiny. An alternative universe of belonging and identity could be constructed. When the structures of Communist power came crumbling down in 'Eastern Europe' and this previously undifferentiated bloc was given the freedom to geographically differentiate itself, the key questions in Yugoslavia were whether the identity 'Yugoslavian' could survive the collapsed legitimacy of Communism or whether the federal state would succumb to 'balkanization.'

The notion of 'southeast Europe' was always an alternative geographical identity for the Balkan region ever since it was first proposed in the late nineteenth century. Originally proposed as a neutral, non-political and non-ideological geographic designation, the term became associated with the geopolitical vision of the Nazis in the 1930s. [20] Yet the term was never essentially Nazi for it emerged independently in other linguistic traditions at the time. Used interchangeably with the classification 'the Balkans' ever since World War II, the term 'southeastern Europe' is nevertheless not without political and symbolic significance. Unlike 'the Balkans,' the designation firmly and unambiguously locates the region within 'Europe' and thus within the same geographical and moral universe of 'European civilization.' Read as part of 'the Balkans,' Bosnia is easily designated as beyond the West's universe of responsibility, as being located in a non-European zone of marginal strategic significance. Read as part of 'southeastern Europe,' it is imaginatively closer to 'the West,' part of 'our' domain of strategic responsibility. Securing its stability, consequently, was a much more urgent and pressing priority because it is part of 'Europe,' part of 'us' as opposed to 'them.'

From a critical geopolitics standpoint what is important is the socially constructed nature of the categories of 'the Balkans' and 'Europe' and the power relations involved in their deployment and utilization as frameworks for understanding the Bosnian war. One can argue that the ambivalent positionality of Bosnia between the discourses of 'southeast Europe' and 'the Balkans' in the Western geo-political imagination helps accounts for the West's failure to intervene decisively to end the war until the summer of 1995. Within many European states, particularly those geographically close to and familiar with the former Yugoslavia, the discourse of 'southeast Europe' had greater resonance than it had within the United States where, with a political culture with little genuine geographical knowledge of the region, the imaginative geography of 'the Balkans' tended to be more dominant. Discourses that persistently referred to the 'ancient origins' of the Balkan war or the 'thousand year old hatreds' that characterized the region served to enframe the Bosnian war within Balkanist discourse. The genocide in Bosnia was balkanized, that is made meaningful within the terms of a flawed stereotype of the region and its history. This enabled certain policy analysts -- most noteably George Bush, James Baker and General Colin Powell -- to view the parties in the war as equivalent and to designate the whole region as a potential 'quagmire' for the United States rather than as vital region of the European continent that required stabilization by NATO. [21] U.S. foreign policy and NATO credibility suffered for four years because of the persistence of the flawed discourse of 'balkanism,' a hegemonic order of 'common sense' geopolitics that made the development of 'good sense' geopolitics more difficult.

Critical geopolitics is relevant to policy making in that it can help deconstruct the persistence of such stereotypical geopolitical conceptions and notions in popular and political culture. With its sensitivity to geographical difference and its critique of ethnocentrism, it forces strategic thinking to acknowledge the power of ethnocentric cultural constructs in our perception of places and the dramas occurring within them. Critical geopolitics is also cognizant of how technologies of time-space compression like global media networks transforms the strategic value of places in the global information age. Ostensibly marginal geopolitical locations like Bosnia can become symbolically strategic after a while if images of genocide and chaos are persistently projected from the region by Western television networks and media outlets. As I have argued elsewhere, this is precisely what happened with Bosnia and, I would add, is currently happening with Kosovo. [22]

Structural Geopolitics: Understanding The Contemporary Geopolitical Condition

Even before the end of the Cold War, certain profound changes in the international system were underway that were transforming the spatiality and temporality of world politics. Globalization is the name given to a variety of different cultural and economic tendencies which are binding the world's largest economies closer together and dissolving the ability of any single state to full control and manage its own economic destiny. [23] Globalization is most pronounced in financial markets and the 'creative destruction' unleashed by unregulated transnational finance has created considerable volatility and instability in the international system. Interestingly, the rhetoric of Cold War geopolitics is re-appearing with a new financial inflection as 'emerging market' become 'dominoes' tottering on the brink of failure and in need of financial bailouts by overstretched and underfunded regulatory institutions. The crises of globalization are initially financial but these can quickly become geopolitical and geo-strategic.

Facilitating the often dizzying pace at which these crises can develop is a second structural process, informationalization. Like globalization, this too is a buzz word for a multiple of related tendencies -- the transformation of manufacturing and the service sector by information technologies, the creation of virtual built environments, the development of global telecommunicational systems, and the cultural experience of media saturation and information overload -- but it too has transformed the spatiality and temporality of world politics. In a world where an infosphere of codes, flows and networks is the vital operational system for the technosphere of cities, states, economies and megamachinic bureaucracies notions of 'here' and 'there,' 'us' and 'them,' 'domestic' and 'foreign,' 'close' and 'far' are not what they used to be. Space appears to be displaced by pace while telemetricality appears more significant than territoriality. Geopolitics is becoming postmodern. [24]

A third structural transformation already unleashed well before the end of the Cold War was the qualitatively new world of risks created by the successes of advanced techno-scientific civilization. Since the explosion of the atomic bomb at the end of the Second World War, it has been evident that humanity was capable of inventing technologies that could radically alter the conditions of human life on the planet. The development of nuclear power, the widespread use of chemicals in all aspects of life after the war, and the more recent breakthroughs in genetic engineering have created a qualitatively new universe of risks for human kind. Environmental poisoning, ozone depletion and global warming are part of modernity's increasingly evident 'side effects' and boomerang processes. Informationalization has also created new dependencies and vulnerabilities, as the Y2K problem, communications mishaps, and network system crashes demonstrate. These risks are diffuse and difficult to detect, risks that pervade everyday life in the advanced modern world. Unlike the 'natural' risks of the past, the risks of advanced techno-scientific civilization are manufactured and have potentially catastrophic consequences. Though rarely considered, many of these consequences are beyond conventional rational calculations, beyond the local and the personal, beyond even human lifetimes and the human species. In addition, catastrophic accidents, symbolized most dramatically by the Chernobyl nuclear disaster of 1986, are now not only possible but inevitable, predictable 'unanticipated consequences,' for even the most unlikely event will occur in the long run.

For sociologists Anthony Giddens and Ulrich Beck, industrial modernity has been so successful that it has graduated to a new modernity, a reflexive modernity of 'risk society.' [25] Industrial society is a victim of its own success; 'high-powered industrial dynamism is skidding into a new society without a bang of a revolution, bypassing political debates and decisions in parliaments and governments.' [26]. This new society is a society of generalized and globalized techno-scientific risks. Ignored or folded into the overarching East-West divide by the strategic community in the past, the full dimensions of this new global risk condition is only now being grasped by this community as it confronts problems of post-Cold War nuclear proliferation, chemical weapons production, bioterrorism, and information warfare. [27]

Globalization, informationalization and proliferating techno-scientific risks have transformed the dimensionality and territoriality of geopolitics at the end of the twentieth century. Some have even suggested this marks 'the end of geopolitics' but such arguments have a narrow Cold War conception of geopolitics. [28] What can be said is that the problematic of 'national security' has itself become globalized, informationalized and, I would argue, is itself a threat to us if conceptualized in countermodern rather than reflexive ways. Adequately addressing the various dimensions, challenges and dangers of our contemporary geopolitical condition is not possible here so I can do no more that briefly note three critical geopolitical arguments about this condition.

The first argument is that the problematic of 'national security' is the contemporary era is now global. While regional and state-centered threats are still significant security concerns, the most pressing security challenges -- from terrorism to international organized crime and proliferating weapons of mass destruction -- are now 'deterritorialized' and global. Most within the Western security community now recognizes this and have a strong appreciation of the value of coordinated international diplomatic efforts through diplomacy, international assistance, arms control, and non-proliferation initiatives to shape the international geopolitical environment. However, two tendencies tend to undermine such efforts, the first a unilateralist and neo-isolationist reflex in states (like the United States) which disparages international co-operative initiatives, the second an unwillingness on the part of Western states, alliances and economies to reflexively examine how they themselves may be contributing to global insecurity with their own narrow techno-scientific rationality, neoliberal nostrums, informational networks, profligate consumption, and export of deadly weapons and toxins.

This relates to the second argument made by critical geopolitics: that the institutions of Western modernity are experiencing a 'victory crisis.' Beck suggests that "more and more often we find ourselves in situations which the prevailing institutions and concepts of politics can neither grasp nor adequately respond to," [29] He describes an ironic legitimation crisis for the political institutions of the West at the end of the Cold War, as one world of risks passes and the new has not yet been fully grasped. [30] The institutions experiencing a 'victory crisis' include the free market, the welfare state, multiparty democracy, national sovereignty, and 'national security' institutions. This 'victory crisis' is one of capability and rationality. Industrial society institutions cannot handle, manage and respond to the problems of risk society; our regulatory institutions cannot keep up with the global plurality of risks proliferating in the late twentieth century. Furthermore their calculus of risk is suspect. Potentially catastrophic hazards have become normalized. Acceptable risks have become accepted risks. "The inherent pluralization of risks... calls the rationality of risk calculation into question." [31] This 'victory crisis' is also one of lost historical foundations, as particularly 'national security' institutions designed to fight one type of threat now operate in a world where that threat has disappeared. Cold War era security institutions have a problematic existence in a world of transnational threats and global dangers. They promise security against a territorial threat but are struggling to respond to 'non-traditional' threats that often cannot be seen and have no agreed territorial source. Finally, the 'victory crisis' is one of contradiction. The new universe of global risks faced by 'national security' institutions are products of the success of these very institutions. Some of the most immediate threats now faced by the West for example -- the threat of Iraqi weapons of mass destruction, the terrorism of fundamentalists based in Afghanistan -- are threats the West had a hand in producing itself within its universities, its transnational chemical companies, its biological research labs and its intelligence services (the bases bombed by the United States in August 1998 were originally established by the Central Intelligence Agency to train Afghans to fight the Soviet invasion of their country). Contemporary geopolitics is characterized by many 'boomerang effects' with the institutions that are supposedly producing 'security' actually producing the opposite. [32] The policy implications of this disjuncture between unreflexive Cold War institutions and the contemporary post-Cold War era of global risk society is the need for radical institutional reform s to create global systems of regulation and governance. Feeble movement in this direction has begun with the G7 attempt to overhaul the institutions regulating the global financial system. More radical structural reforms are needed to, amongst other things, re-cast NATO as a broad European security institution (with a 'no first use' nuclear policy), overhaul the United Nations Security Council, strengthen the Non-Proliferation Treaty, the Chemical Weapons and the Biological Weapons Conventions, and establish a permanent United Nations rapid reaction force.

The difficult politics of getting these reforms enacted brings us to the third argument made by critical geopolitics about the contemporary geopolitical condition: the dangers of countermodernity. Countermodernity is a persistent feature of modernity, a thoroughly modern restraining twin of the 'creative destruction' unleashed by modernization. The essence of countermodernity is its attempt to manage the chaos and upheaval caused by modernization. It does so by resorting to myth and violence, by inventing mythic traditions and communal fundamentalisms while drawing borders and organizing violence against those it designates as 'outsiders' to its naturalized community and 'chaotic' elements in its aesthetic visions of society. Finding expression in resurgent nationalism, religious fundamentalism, and assertive unilateralism in the contemporary era, countermodernity is an aggressive creed of simplification, a political effort to discipline the chaos and uncertainties of living in a global world with 'timeless truths' and 'imagined essences.' Historically, orthodox geopolitical discourse gave voice to such countermodern tendencies and inclinations. Today, this danger persists, particularly as institutions and intellectuals used to thinking in 'Either-Or' terms confront the uncertainties and unruliness of 'And.' As a largely conservative community, some within the 'national security' establishment persist in thinking about the problems of risk society using conceptual understandings wedded to simple modernization and Cold War rhetoric and rationality. They attempt to reduce the irredeemably global problems of risk society to an 'Either-Or' logic and represents risks as enemies, draws boundaries against this enemy, and then applying instrumental rationality to 'solve' the threat they pose.

One can find evidence of this countermodern tendency in certain contemporary geopolitical crises where global threats are territorialized as threats from 'rogue states.' [33] The problem of weapons of mass destruction, for example, becomes the problem of Saddam Hussein and what to do about Iraq. The problem of ballistic missiles becomes the problem of Iran, Iraq, North Korea and China. Terrorism becomes the problem of 'rogue states' like Sudan and Afghanistan. Indeed, the Clinton administration's August cruise missile attacks against Sudan and Afghanistan illustrate the impulse to discipline 'And' by 'Either-Or' thinking. A formless transnational terrorist attack on US embassies in Africa demanded a resolute response. A weakened President and his inner circle decide, with debatable intelligence information, that a series of sites -- former CIA bases in Afghanistan, a pharmaceutical plant outside Khartoum -- are terrorist bases and facilities that present 'an immanent threat to the national security of the United States.' [34] Eighty cruise missiles are then sent to demonstrate 'a resolute response to international terrorism.' The world of 'And' is resimplified by the 'Either-Or' of state violence. The December 1998 bombing of Iraq is another example. The absurdity of bombing to stop certain states developing weapons of mass destruction illustrates the contemporary geopolitical condition, a world where Either/Or institutions are desparately trying to grapple with the risks and dangers of 'And.'

None of this is to suggest that so-called 'rogue states' are not threats that sometimes require resolute international response. Rather, it is to challenge the ways in which the threat is represented as a territorial threat 'out there' from 'non-Western others' rather than as a pervasive threat from our very own techno-scientific modernity. Behind the territorializing of global risks in 'rogue states' is a broader geo-political question that is central to geopolitics today and likely to remain so into the twenty first century: how does the West respond to the inevitable diffusion of weapons of mass destruction and ballistic missiles, techno-scientific capabilities pioneered by superpower military-industrial complexes, to developing states, to rogue states and even to failing states? Put differently, how is the Enlightenment West going to deal with the diffusion of its most deadly weapons, substances and delivery vehicles to the non-West? Whether the West responds by acknowledging that the problem is techno-scientific modernity as a whole -- acknowledging that 'we (too) are the enemy,' that 'our' laboratories, 'our' corporations and 'our' scientists first developed most of the weapons that now threaten us -- or whether it responds by territorializing logics that view the problem as 'out there' with 'them' is a crucial question.

No state or national security complex has a monopoly on rationality and good sense. Acknowledging this and developing a critique of our own bureaucracies and techno-scientific rationality is part of the politics of critical geopolitics. This politics is conservative in that it opposes the 'creative destruction' of capitalist modernization and unfettered techno-scientific 'progress' for its own sake in the name of conserving human initiative, control and environmental quality. It is radical in that it critiques the persistence of our ethnocentric assumptions, the narrowness of our rationality (for it is not rational enough), the failings of our institutions, and the false solutions of our countermodern myths. The challenge of our contemporary geopolitical condition is to live with the ambivalence of global risk society and to strive for the construction of security at a global level. Whether this is possible in a world of clashing modernities, contradictory rationalities, competing states, and dislocating change remains to be seen.

Notes

1. Critical geopolitics varies from political economy analyses of world politics to largely textual analyses of foreign policy reasoning, inspired by Foucaultian discourse theory and Derridean deconstruction. For the former see John Agnew and Stuart Corbridge, Mastering Space: Hegemony, Territory and International Political Economy (London, Routledge 1995) and John Agnew, Geopolitics (London, Routledge 1998). For the latter see Gearóid Ó Tuathail Critical Geopolitics: The Political of Writing Global Political Space (London, Routledge 1996). See also the special issues on 'Critical Geopolitics' in the journals Environment and Planning D: Society and Space, 12 (1994), 5 and Political Geography 15 (1996), 6/7, Gearóid Ó Tuathail, Simon Dalby and Paul Routledge, eds., The Geopolitics Reader and Gearóid Ó Tuathail and Simon Dalby, eds. Rethinking Geopolitics (London, Routledge 1998).

2. See E.P. Thompson, The Heavy Dancers (New York, Pantheon 1985) and Mary Kaldor, The Imaginary War: Understanding the East-West Conflict (Cambridge, Blackwell 1990).

3. This contrast between 'Either-Or' and 'And' was first developed by Wassily Kandinsky in a 1927 essay. It is developed further in the works of the German sociologist Ulrich Beck. See Risk Society: Towards a New Modernity (London, Sage 1992), Ecological Politics in an Age of Risk (Cambridge, Polity 1995), The Reinvention of Politics (Cambridge, Polity 1997) and Democracy Without Enemies (Oxford, Blackwell 1998).

4. See Derek Gregory, Geographical Imaginations (Oxford, Blackwell 1994).

5. Gertjan Dijkink, National Identity and Geopolitical Visions (London, Routledge 1996). On popular geopolitics see Joanne Sharp, 'Hegemony, popular culture and geopolitics: the Readers Digest and the construction of danger,' Political Geography 12 (1993), 491-503.

6. For a discussion of these figures see John O'Loughlin, ed. The Dictionary of Geopolitics (Westport Connecticut, Greenwood 1994). For a consideration of traditions of geopolitics see Klaus Dodds and David Atkinson, eds, Geopolitical Traditions: Critical Histories of a Century of Geopolitical Thought (London, Routledge 1999).

7. See, for example, Gerry Kearns, 'The imperial subject: geography and travel in the work of Mary Kingsley and Halford Mackinder,' Transactions, Institute of British Geographers, 22 (1997): 450-472 and James Ryan, 'Visualizing imperial geography: Halford Mackinder and the Colonial Office Visual Instruction Committee, 1902-11,' Ecumune 1(1994) 157-176.

8. Gearóid Ó Tuathail, 'Putting Mackinder in his place: Material transformations and myth,' Political Geography 11 (1992), 100-118.

9. Halford Mackinder, 'On thinking imperially,' in M.E. Sadler, ed., Lectures on Empire (London, privately published).

10. Marked not only by racial and imperialist discourses, geopolitics is also uncritically patriarchal in its assumptions, reasoning and heroic style. Geopolitics is a deeply masculinist practice that appeals to heroic public subjectivities.

11. This point is developed at length in chapter three of Critical Geopolitics.

12. This argument is developed in The Geopolitics Reader, pp. 15-18.

13. For a contemporary example see Zbigniew Brzezinksi, The Grand Chessboard, ( New York, Basic Books 1997), a book that manages to avoid some of the most pressing problematics of our time: globalization, informationalization, corruption, and deterritorialized threats.

14. For an excellent study of geopolitical consciousness see Anssi Paasi, Territories, Boundaries and Consciousness: The Changing Geographies of the Finnish-Russian Border, (Chicester, John Wiley 1996).

15. See 'A Beginners Guide to the Balkans,' ABCNews, at [available November 1998].

16. Maria Todorova Imagining the Balkans (Oxford University Press, New York 1997); Edward Said, Orientalism (New York, Vintage 1979).

17. Todorov, p. 25.

18. Todorov, p. 115.

19. Todorov, p. 128.

20. Todorov, p. 27-28.

21. For a discussion of the 'quagmire' and the competing 'Holocaust' spatialization of the Bosnian war see Gearóid Ó Tuathail, Critical Geopolitics, chapter six.

22. Gearóid Ó Tuathail, 'A Strategic Sign: The Geopolitical Significance of Bosnia in U.S. Foreign Policy,' Environment and Planning D: Society and Space forthcoming.

23. The extent and significance of globalization is deeply contested. For alternative views see Robert Reich The Work of Nations (New York, Knopf 1991) and Paul Hirst and Grahame Thompson, Globalization in Question (Cambridge, Polity 1996). On the geographical dimensions of globalization see Kevin Cox, ed. Spaces of Globalization (New York, Guilford 1997) and Andrew Herod, Gearóid Ó Tuathail, and Susan Roberts, eds. An Unruly World? Globalization, Governance and Geography (London, Routledge 1998).

24. For a discussion of our contemporary geopolitical condition as 'postmodern geopolitics' see Gearóid Ó Tuathail , 'Postmodern Geopolitics? The Modern Geopolitical Imagination and Beyond,' in Rethinking Geopolitics, eds. Gearóid Ó Tuathail and Simon Dalby. Routledge, 16-38, andTimothy Luke and Gearóid Ó Tuathail, 'Thinking Geopolitical Space: The Spatiality of War, Speed and Vision in the Work of Paul Virilio,' in Thinking Space, eds. Mike Crang and Nigel Thrift (London, Routledge).

25. See note 3 and Anthony Giddens, Beyond Left and Right: The Future of Radical Politics (Stanford, Stanford University Press 1994).

26. Ulrich Beck, The Reinvention of Politics, p. 26.

27. Richard Falkenrath, Robert Newman and Bradley Thayer, America's Achilles Heel: Nuclear, Biological, and Chemical Terrorism and Covert Attack (Cambridge, Massachusetts, MIT Press 1998); Leonard Cole, The Eleventh Plague: The Politics of Biological and Chemical Warfare (New York, W.H. Freeman 1996); John Arquilla, David F. Ronfeldt, Alvin Toffler, eds. In Athena's Camp : Preparing for Conflict in the Information Age (Santa Monica, Rand Corporation 1998); Gearóid Ó Tuathail , 'Deterritorialized Threats and Global Dangers: Geopolitics, Risk Society and Reflexive Modernization,' Geopolitics, special issue on 'Postmodernity, Territory and Boundaries,' x (1999), x-xx.

28. Gearóid Ó Tuathail, 'At the End of Geopolitics? Reflections on a Pluralizing Problematic at the Century's End,' Alternatives: Social Transformation and Humane Governance 22 (1997), 35-55.

29. Ulrich Beck, The Reinvention of Politics, p. 7.

30. Ulrich Beck, The Reinvention of Politics pp. 12-13.

31. Ulrich Beck, The Reinvention of Politics p. 32.

32. The Pentagon is one of the largest polluters in the United States. The weapons produced in the name of 'national security' at U.S. military facilities across the country -- the Hanford nuclear reservation in Richland, Washington, Rocky Flats in Colorado has left a permanent legacy of toxicity. Producing nuclear 'national security' has long generated generational community insecurity, 'side effect' of Cold War geopolitics that will around for centuries. Lake Karachay near the former Soviet Union's 'secret' weapons complex at Chelyabinsk has been described as 'the most pulluted spot on earth.' See Tom Athanasiou, Divided Planet: The Ecology of Rich and Poor (Athens, The University of Georgia Press, 1996), p. 120.

33. Michael Klare, Rogue States and Nuclear Outlaws (New York, Hill and Wang 1995).

34. On the ambiguous intelligence about the Khartoum plant see Seymour Hersh, 'The Guns of August,' The New Yorker, (1998) [to be supplied]

O progresso humano e a geografia política: Turgot

A geografia encontra na atmosfera dos Iluministas as condições favoráveis a sua renovação: progresso da estatística e da cartografia ligados a racionalização do Estado, desenvolvimento da geografia física e de certas formas de geografia humana como conseqüência da nova ótica naturalista, renovada pela pedagogia sob a influência de Rosseau. Os filósofos estão curiosos quanto a tudo que se passa no mundo, mas sem que isso os fizesse geógrafos. Suas curiosidades os levam mais em direção aos fatos sociais e políticos do que a descrição da natureza. Eles crêem na sociedade perfeita.

Turgot (1727-1781) consagra seu Primeiro Discurso a idéia de progresso. A obra aparece em 1750. A sociedade é arrebatada por um movimento que faz com que no amanhã, o destino será melhor que hoje em dia, e que eles poderiam mais facilmente atingir a felicidade.

Qual lugar se reserva à geografia dentro de uma tal perspectiva? A variável essencial e temporal: as sociedades passam necessariamente, na sua evolução, pelos mesmos estados. Os filósofos retornam com uma das muitas velhas idéias gregas, aquelas das eras da humanidade. Hesíodo imagina que os povos tenham passado da idade do ouro a idade do ferro por intermédio da idade do bronze. No século XVIII, a idéia se impôs quando os povos primitivos eram nômades e viviam de cutelaria, de caça e de pesca.

O peso da História

Bernard Feron

O saudoso André Siegfried* não atacava o complexo antes que o elementar estivesse completamente assimilado. Disse um dia a seus alunos: "A Inglaterra é uma ilha cercada de água por todos os lados. Agora, vocês sabem tudo sobre sua história." Com essa síntese, fizera-os deglutir o essencial da jovem geografia política, da qual foi um dos ilustres representantes: o passado de um país resume-se, e por vezes seu destino exibe-se, em um mapa.

Os sistemas de Estado que perpassaram dois terços ou quase do século XX sob o nome de Iugoslávia não se destacam nem pela placidez nem pela simplicidade. Pressente-se sua dificuldade de ser no momento em que se chega à página atormentada dos atlas que os contêm: um país crivado de montanhas com uma costa escarpada. Para encontrar o verde que indica as planícies do país, é preciso olhar ao Norte de Belgrado. Lá, situa-se a parte da Sérvia chamada Voivodina, a Croácia (a Eslavônia particularmente) e a Eslovênia. Pode-se ainda vislumbrar uma estreita faixa verde na Croácia litorânea chamada Dalmácia e alguns bolsões aqui e ali. Antes da Segunda Guerra, as estatísticas haviam calculado que 28% do território iugoslavo eram cultiváveis. As alterações das fronteiras operadas ao término da Segunda Guerra Mundial pouco modificaram essas proporções.

As conseqüências da configuração do relevo são evidentes. Por algum tempo foi muito difícil, até mesmo impossível, compor uma verdadeira rede de comunicações que irrigasse todo esse mundo em relevo. Como, nessas condições, instituir efetivamente uma autoridade comum? Por causa dos montes, os povos irmãos voltaram-se sobre si próprios ou foram obrigados a se isolar sob os ataques dos impérios que ocupavam e disputavam os pontos estratégicos da Europa guerreira e mercantil. O Norte era como o prolongamento do núcleo austro-húngaro. O Sul, o Leste e o Centro, recortados pelos Bálcãs, atraíam os bizantinos antes de terem sido tomados pelos turcos. Os italianos – mais precisamente os venezianos – podiam adentrar facilmente por mar e terra na Dalmácia, separada dos outros territórios eslavos pelos Alpes Dináricos.

As separações entre todos esses microcosmos não eram, contudo, herméticas. Algo ligava aqueles rios e vales. Em todo o território, a disposição das vias fluviais fez a fortuna ou o infortúnio das cidades. Vejamos o caso de Belgrado – literalmente, cidade branca – tão branca na realidade quanto azuis são as águas do Danúbio. Foi a capital da Sérvia. Depois, entre as duas guerras mundiais, capital da Iugoslávia antes de voltar a ser capital da Sérvia e da Iugoslávia ao mesmo tempo. Em ambos os casos, ocupou uma posição periférica: situa-se na extremidade setentrional da Sérvia histórica. Por alguns anos, em condições tragicamente excepcionais, é verdade, a fronteira com o Estado fantoche dos croatas Oustachis** findava-se nas suas portas. Seu aeródromo localizava-se nas terras do inimigo. Imaginem se os descendentes de Carlos, o Temerário, tivessem a vontade e a oportunidade de constituir um Estado borgonhês que adentrasse a França até Orly e além... A paz retomada, o regime fascista derrubado, o domínio sérvio pôde respirar onde o inimigo contava sufocá-lo. A situação de Belgrado na qualidade de capital da Iugoslávia não foi mais confortável. Houve, logicamente, progressos na aviação, nas telecomunicações e em alguns grandes trabalhos em prol da melhoria dos transportes terrestres; mas sempre haverá montanhas. A cidade fica longe, longe do seu litoral marítimo. Está perto, bem perto, da Hungria, da Romênia e da Bulgária, com quem nunca travou relações muito amistosas.

Nada, portanto, predispunha esse lugar a tornar-se uma metrópole. Nada, afora a navegação. Belgrado situa-se num entroncamento excepcional de vias fluviais. É lá que o Sava se lança no Danúbio. Indo rio acima, pode-se ver o Drave e o Tiza igualmente desaguando no Danúbio, que prossegue seu curso pura o Leste. Rio abaixo, vê-se o Morava vindo do Sul, prolongado pelo Vardar: Todos esses rios e seus respectivos vales formam raras passagens. A sorte de Belgrado foi de estar localizada no ponto em que se reúnem o Norte, o Sul, o Leste e o Oeste. É também sua infelicidade. Pois os invasores do Norte – húngaros, austríacos – podiam forçar suas incursões até os arredores da cidade quando dispunham de tropas suficientes para ocupar as terras. Os que vinham do Sul – os turcos – não precisavam de um Cristóvão Colombo para descobrir vias de acesso pelo Danúbio ou pela linha Vardar-Morava.

Geografia e Sociedade

Claude Raffestin

Representação e mediação

No mesmo título no qual não importa que outra disciplina ou sistema de conhecimentos aspiram a elaboração de uma teoria da representação do real, a geografia é uma produção social marcada pelo selo da historicidade. Isto é tanto mais claro que a exterioridade e alteridade reais das quais ela se ocupa são totalmente penetradas pelas das histórias, cujos esquemas espaciais e temporais não são imediatamente comparáveis, seria somente porque existe uma história da natureza e uma história dos homens e das sociedades.

A geografia, não se diferencia nesse ponto da filosofia, está presa a ilusão que o discurso produzido torna caduco o que precede e instaura uma normalidade estável realmente eterna. Se a geografia política nem sempre soube escapar a essa travessia, a geopolítica tem sido marcada profundamente, ela que tem procurado se instaurar como discurso único realmente definitivo, a um certo momento da história, e nem sempre tem abandonado essa pretensão no momento atual.

De fato, em denunciando a tendência, não confessada, da filosofia e das ciências em geral a tirar um traço do passado e o prender a uma opção para o futuro, nós desejamos demonstrar que todo sistema de representação sustenta relações por menos ambíguo realmente paradoxais com a história que o faz nascer. Em efeito, no mesmo movimento, esse tipo de sistema nem a história ou, o que revive a mesma, [p. 9] proclama de uma maneira ou de outra o fim da história... Toda filosófica na qual está, o problema não é no entanto negligenciado pelas ciências sociais que se fundam, se desenvolvem e se legitimam como se elas estivessem terminantemente na última, então quando elas não estão em etapas históricas sobre um caminho que não termina jamais, como ele atua nas ciências da natureza e a fortiori nas ciências humanas. Ainda que, como tem explicado Hans-Georg Gadamer, esse gênero de ilusão seria mais compreensível da parte das ciências da natureza do que da parte das ciências humanas, cujo o mesmo objeto é fomentador do jogo, sem cessar renovando, os acontecimentos.

Toda disciplina emerge em uma sociedade – e essa constitui evidentemente um modelo para ela – cujo o desejo é evidentemente de perdurar, de atravessar o tempo e a história e finalmente ser eterna, mesmo se se diz que a história é repleta de culturas e civilizações mortas. Bem que o tema da decadência das civilizações, das culturas e das sociedades tenha sido particularmente atrativo e tenha gerado múltiplas filosofias da história, as sociedades continuam crendo que elas são eternas e que elas continuarão indefinidamente através do tempo. Quando Paul Valéry escreve que "nossas civilizações sabem nesse momento que são mortais"*, ele se põe todo simplesmente a margem do desejo da sociedade, que é de perdurara, e seu discurso não é recebido além dessa simples constatação.

Todos os produtos sociais se banham nessa ilusão de duração e os sistemas de representação das ciências não escapam: eles são numa relação de mimetismo com a sociedade. A relação mimética, tal como tem analisado René Girard, que se instaura entre os discursos produzidos e a sociedade, indo além da ilusão denunciada mais alta, porque é a própria sociedade que constitui a mediadora da atividade científica – o "Outro" social – se interpõem sempre entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer. Tem-se bastante atenção, "o mediador é imaginário, a mediação não é."* Imaginário nesse sentido de que o sujeito, cujo o desejo de conhecer vai puro der todo comprometimento, recusa o mediador, quando então ele está totalmente impregnado.

A geografia tem particularmente sido submetida a essa mediação, ela mesmo tem se submetido de bom grado e por causa que ela tem [p. 10] freqüentemente, senão sempre, pretende ser o espelho da sociedade na qual ela se elabora. Basta, para se convencer, ler o primeiro livro da Geografia de Strabón: "Se alguma atividade há de ser própria do filósofo, é precisamente a geografia (...). E por muitas razões é óbvio que não pensamos erroneamente. Em efeito, os primeiros que se animaram a entrar em contato com ela foram filósofos."** A partir dessa base, Strabón trata da "multiplicidade de conhecimentos, único caminho mediante o qual é possível acessar a esse tipo de trabalho", assim como de "sua utilidade, sendo como é multifacetária (por uma parte no que concerne aos assuntos políticos e às práticas de governo, por outra no que concerne ao conhecimento dos corpos e dos fenômenos celestes e ao do que há em terra e mar, animais, plantas, frutos e tudo o que em cada lugar é possível ver), prescreve implicitamente ao mesmo tipo de homem, o que ocupa seus pensamentos na arte de viver e na felicidade."*** E me parece que é sobretudo motivo de interesse para o que agora nos ocupa aquilo que tenho dito de que a geografia está em sua maior parte orientada para as necessidades políticas."**** A relação mimética vivida por Strabón passa pelo Império romano. Ele próprio explicita e com clareza, quando identifica a "Outra", como estando "no que concerne aos assuntos políticos", nas necessidades do "tipo de homem, o que ocupa seus pensamentos na arte de viver e na felicidade", e nas "práticas de governo". Nós encontraremos essa relação mimética ao longo de todas as páginas que vão se seguir.

Princípios fundamentais da Teoria Centro-Periferia

John Friedman

A. Desenvolvimento como processo de inovação

O processo histórico pode ser compreendido como uma sucessão temporal de paradigmas sócio-culturais. Simon Kuznets atribui esta sucessão de paradigmas ao aparecimento do que ele chamou "inovações periódicas". Segundo Kuznets, a maior inovação de nossa própria época é a "extensa aplicação da ciência à solução dos problemas de produção econômica."

Esta inovação ( na realidade, um vasto complexo de inovações técnicas, institucionais e culturais interligadas ( tem antecedentes no passado. Ela começou com uma série de inovações isoladas que ocorreram em diferentes momentos da história e foram interligando-se gradualmente, induzindo uma transformação estrutural do sistema social tradicional. O sistema social em direção ao qual o desenvolvimento contemporâneo se orienta é um sistema que tem uma alta capacidade de, continuamente, gerar e adaptar transformações inovadoras.

Assim, de acordo com esta interpretação, o desenvolvimento pode ser caracterizado como um processo descontínuo e cumulativo que ocorre quando uma série de inovações elementares organiza-se em conjuntos de inovações e, finalmente, em sistemas de inovações em larga escala.

B. Relações de dependência em um sistema espacial

O desenvolvimento, ocorrendo através de um processo de inovação descontínuo, porém cumulativo, não se origina em todos os lugres ao mesmo tempo. A tendência é o processo de inovação (base do desenvolvimento) ter origem em um número relativamente pequeno de "centros de mudanças".

As inovações tendem a difundir-se a partir desses centros (que serão chamados "regiões centrais" ou "core regions"), em direção aos espaços exteriores (chamados "regiões periféricas").

Assim, as regiões centrais são subsistemas da sociedade, organizados territorialmente, que têm uma alta capacidade de geração inovadora; as regiões periféricas são subsistemas cujas orientações de desenvolvimento são, em grande parte, determinadas a partir das regiões centrais, em relação às quais, elas (as regiões periféricas) permanecem em substancial dependência. Assim, as regiões periféricas podem ser identificadas por suas relações de dependência para com as regiões centrais.

C. Relações centro/periferia em uma hierarquia de sistemas espaciais

As regiões centrais localizam-se em uma rede hierarquizada de sistemas espaciais: o mundo, as regiões continentais, as nações, a região subnacional, a micro-região, o município, a cidade, etc.

Se uma dada área constitui ou não um sistema espacial (de acordo com a teoria centro/periferia) depende do padrão apresentado por suas relações externas. Onde uma "área core" é identificada como dominando parte das decisões vitais de populações em áreas externas a ela, um sistema espacial pode ser caracterizado.

Por outro lado, deve-se observar que um dado sistema espacial pode ter mais de uma "área core".

Existe, também, por definição uma correlação entre a extensão e a complexidade de uma "área core" e a magnitude do sistema espacial por ela centralizado.

Assim, para um sistema espacial, de escala mundial, o core apropriado pode ser uma vasta e complexa área como a "Megalopole" do noroeste dos Estados Unidos. Ao nível da micro região, por exemplo, o core pode ser uma cidade de médio porte.

Em função da natureza assimétrica de suas relações com as áreas core de mais alta hierarquia, os cores de nível inferior apresentam, em seu comportamento, uma dualidade: para os sistemas espaciais sob sua descendência atuam como centros; para as regiões core de hierarquia superior, comportam-se como periferia.

D. Funcionamento das relações centro/periferia e o desenvolvimento de conflitos

Até um certo limite, o caráter auto-reforçador do crescimento da região core tende a ter resultados positivos sobre o processo de desenvolvimento dos sistemas espaciais sob sua dependência; todavia, disfunções podem aparecer uma vez transposto este limite.

Assim, se se desenvolvem condições para a assimilação das inovações geradas no centro e, a partir daí, para o início da geração de inovações no âmbito das próprias unidades espaciais periféricas, essas unidades poderão ser integradas a um ou mais sistemas centrais. Neste caso, as possibilidades de ocorrência de conflitos são menores.

Ao contrário, se os efeitos positivos da difusão de inovações a partir das áreas centrais começarem a ser superados pelos efeitos negativos resultantes da excessiva dependência da periferia, as possibilidades de um agravamento das tensões sociais e políticas entre setores da periferia e as áreas core são bem maiores. Esse agravamento de tensões sociais e políticas pode, por sua vez, provocar conflitos de cuja amplitude depende a manutenção, a fragmentação ou a extinção de um dado sistema de relações centro-periféricas.

Tendências da Política Exterior do Brasil

O acumulado histórico e os padrões de conduta

Princípios e valores inerentes à política exterior

Nos dois últimos séculos, a história das relações internacionais revela que a política exterior apresenta maior ou menor grau de previsibilidade, conforme tenham ou não os respectivos países erigido para orientá-la um conjunto de princípios. Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos abandonaram os padrões de conduta do isolacionismo e passaram a orientar sua política exterior pela hegemonia a exercer sobre o mundo liberal. A União Soviética afastou rapidamente os padrões da luta transnacional em favor da revolução social pelos da coexistência pacífica e, depois, da distensão. Os países da Europa Ocidental julgaram por bem retirar-se da política internacional, confiada aos dois grandes, aliar-se à potência hegemônica da área e centrar-se sobre a reconstrução econômica. O Japão substitui o expansionismo militar imperialista pelo desenvolvimento da potência econômica e pela cooperação internacional, sobretudo regional. Uma política exterior apresenta, pois, princípios e valores que a norteiam. Quando isto não ocorre, como na China dos anos 1960 e 1970, existem dificuldades suplementares de relacionamento.[p.25]

O grau de previsibilidade da política exterior do Brasil é dos mais elevados em termos comparativos. Através do tempo, constitui-se um conjunto de valores e princípios de conduta externa que perpassou as inflexões e mudanças da política. Estas últimas corresponderam antes a reforços de tradições subjacentes. Identificar e descrever esse acumulado histórico significa abrir o caminho para o estudo das tendências da política exterior.

A política exterior do Brasil tem pôr fundamento um caráter não-confrontacionista. Sobrevaloriza o princípio da autodeterminação e conseqüentemente a não-intervenção. Quer soluções pacíficas e negociadas para as controvérsias e condena o uso da força para obter resultados externos. A tradição pacifista vem firmando desde 1876, quando o Brasil retirou suas tropas do Paraguai. Teve por conseqüências o abandono do armamentismo, como que se constrói a potência, e a dificuldade de equacionar sua política de segurança, que hesitou entre a autonomia, a aliança e a proteção da potência hegemônica da área, os Estados Unidos.

O pacifismo brasileiro é uma opção filosófica que conta com o apoio de fatores socioculturais, tais como a satisfação com o território e a abundância de recursos naturais, a heterogeneidade cultural, a tolerância social, a tranqüilidade diante dos vizinhos. Não conta, entretanto, como o apoio das teorias de relações internacionais que prevaleceram nos centros de poder e da história das relações internacionais contemporâneas. Os princípios de não-intervenção e autodeterminação, que as grandes potências apreciam para as outras, não integraram seu realismo durante a guerra fria. Depois dela, a segurança coletiva, decorrente de nova interpretação do estatuto da ONU, condiciona o respeito a esses princípios às decisões do Conselho de Segurança, onde as grandes potências continuam com a última palavra. O enfraquecimento dos sistemas regionais de segurança também contribuiu para o desprestígio dos princípios de autodeterminação e não-intervenção.

O segundo elemento do acumulado histórico da diplomacia brasileira é o juridicismo. O respeito aos tratados e convenções como se fossem manifestações sagradas da vontade nacional ou multilateral. Essa tradição é remota e caracterizou-se, originalmente, como reação. À época da Independência, as nações avançadas concertaram com o Brasil duas dezenas de tratados pelos quais se fez sua inserção [p.26] internacional mediante concessões sem contrapartida. A demolição desse sistema, nos anos 1840, foi uma reação heróica da nação atrasada. Desde então, sabe-se que o tratado é um instrumento mais favorável às grades potências e que convém evitar firmá-lo entre desiguais.

Uma terceira tradição da política exterior do Brasil está no realismo que, com o tempo, converteu-se em pragmatismo. A origem vem da época da consolidação do Estado nacional, no início do Segundo Reinado. Era a concepção da política exterior de estadistas ousados e realistas, liberados por Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai, e José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco. Pôr essa tradição do Segundo Reinado, a política exterior do Brasil tende a afinar-se com aquela das grandes potências, como pelas duas anteriores à das potências pequenas ou atrasadas.

O pragmatismo acabou por integrar a tradição brasileira com o estilo de política exterior do Barão do Rio Branco (1902-12) e com o estilo e a substância da política exterior de Vargas (1930-45). Este último o conceitua na mensagem ao Congresso de 1935, fechando o ciclo da diplomacia ornamental da República Velha: “Circunstâncias tão especialíssimas exigem hoje da diplomacia uma atuação metódica e pertinaz, desdobrada em iniciativas de caráter prático, que devem relegar para segundo plano as obrigações de simples representação e cortesia internacional”.

O pragmatismo induz a adequação das percepções dos reais interesses nacionais aos desígnios externos, de forma a fazer prevalecer o resultado sobre o conceito, os ganhos concretos e materiais sobre valores políticos ou ideológicos, a oportunidade sobre o destino, a liberdade de ação sobre o empenho do compromisso, o universalismo sobre as camisas-de-força dos particularismos, a aceitação sobre a resistência aos fatos. Aliado aos dois elementos anteriores, o pragmatismo da política exterior do Brasil produziu dois resultados históricos: o abandono da idéia de construção e uso da potência para obter ganhos externos e a despolitização, depois desideologização, enfim a moralização da conduta. Esses resultados, por sua vez, também tiveram conseqüências importantes: a preocupação em reforçar por outras vias o poder nacional, sem o que nada se obtém externamente, e a orientação para uma espécie de diplomacia econômica. Em outros termos, baixa densidade política e alta [p.27] densidade econômica nas ralações internacionais do Brasil. Alguns países se recusam a dominar essa política de nacionalismo. A historiografia brasileira não hesitou em fazê-lo, tampouco a linguagem diplomática. Veja-se, por exemplo, o discurso de Araújo Castro e Mário Gibson Barboza . O nacionalismo estabelece os fins da política e o pragmatismo provê os meios: na adequação dos elementos consiste a responsabilidade, pensava-se à época de Geisel.

O desenvolvimento como vetor

Considerando a política exterior pelo lado dos desígnios externos, percebem-se quatro períodos na história do Brasil. À época da independência, tinha-se por fim obter o reconhecimento da nacionalidade mediante tratados; intercambiou-se aquele ganho político, formalmente desnecessário, por concessões econômicas, lançando-se profundas raízes de atraso e dependência estrutural no quadro da evolução do capitalismo. O projeto nacional dos anos 1840 consignou à política exterior a consecução de resultados em quatro direções: extinguir o tráfico de escravos e estimular a imigração livre, controlar o expansionismo argentino pela hegemonia a exercer sobre a região, demarcar as fronteiras nacionais e, enfim, manter a autonomia da política comercial, estimulando a modernização. A República Velha restringiu a leitura do interesse nacional e introduziu a diplomacia da agroexportação, que explica as relações especiais com os Estados Unidos, onde se localizava o grande mercado do interesse nacional e elegeu o desenvolvimento como novo – e definitivo – vetor da política externa.

O cimento que uniu esse períodos históricos é a ideologia independência inerente às concepções do liberalismo brasileiro. A inserção internacional sempre foi procurada pela política exterior, seja através de intercâmbio de produtos, seja através da obtenção de insumos externos para o desenvolvimento. Mas o liberalismo brasileiro bifurcou-se em vertentes históricas, que se debateram pelo controle da política exterior e pelo modelo de desenvolvimento a ser implementado. Os liberais radicais inspiram-se numa ideologia passiva de dependência que os dispunha a confiar ao estrangeiro as [p.28] iniciativas, os meios e as atividades propulsoras do desenvolvimento. Dominaram a política exterior da época da independência e da República Velha. Os liberais nacionalistas, por sua vez, nutriram-se de uma ideologia ativa de dependência, porquanto se dispunham a promover as forças da nação, robustecer sua base econômica e alcançar a autonomia. Inspiraram o projeto nacional dos anos 1840 e voltaram ao cenário político um século depois, à época de Vargas. Essas contradições da política exterior não foram tão sensíveis no passado quanto após a Segunda Guerra Mundial.

Desde 1945, a política exterior do Brasil atrelou-se a concepções do desenvolvimento às quais passou a servir de forma conceitualmente coerente. O desenvolvimento liberal associado configurou-se nas propostas de políticas públicas internas e na outra face política, a externa, envolvendo conceitos e ideologias afinados com o ocidentalismo, a amizade e as relações especiais com os Estados Unidos – a matriz do modelo -, a busca de proteção pela valorização da segurança coletiva regional, a facilidade para penetração de capitais e empresas do exterior, o relaxamento cambial e da legislação que dispõe sobre a remessa de lucros. Examinem-se nesse sentido os governos de Dutra, Castelo Branco e Collor.

O modelo do nacional-desenvolvimentismo , apoiado em crescente pragmatismo, teve outras ênfases: o controle dos setores estratégicos da economia pelo Estado, enquanto a empresa privada nacional não se dispusesse a atuar sobre eles; o protecionismo alfandegário para expandir o parque industrial; o universalismo geográfico, ideológico e político; a nacionalização da segurança. Examinem-se nesse sentido os dois governos de Vargas, a chamada Política Externa Independente e os sucessivos governos entre Costa e Silva e Sarney.

As duas tendências da política exterior espelhavam as contradições da sociedade. Um país com enormes bolsões de miséria, cerca de 30% de analfabetos, tolerante diante das desigualdades, com elites empresariais que preferiam as atividades especulativas às de risco, não tinha porque não confiar ao estrangeiro o desenvolvimento interno. Um país rico em território, recursos humanos e naturais, com uma economia equilibrada nos diversos setores, com grande mercado próprio, não podia não sonhar com um destino de grandeza. As duas tendências aglutinaram as versões históricas do liberalismo até 1930.[p.29] Encamparam o desenvolvimento como vetor-mor da política exterior desde então e, embora tenham desencadeado e ampliado um gigantesco esforço de cooperação internacional, aprofundaram as contradições. As tendências dão, pois, unidade à política exterior. Explicam ao mesmo tempo as oscilações e a continuidade, visto que um governo não pode demolir abruptamente as construções do modelo anterior. Em outros, a simbiose perpassa as mudanças em certo grau. Existe mesmo a possibilidade da síntese: examine-se nesse sentido o governo de Kubitschek.

Dos anos 1930 aos dias atuais, os nacionalistas estiveram por mais tempo no poder. O colapso de seu modelo nos anos 1980 e a onda neoliberal que impregnou o mundo após outro colapso, o do socialismo, levaram o governo implantado em março de 1990 à demolição das construções conceituais e materiais do nacional-desenvolvimentismo, sem acionar em seu lugar novas forças históricas de desenvolvimento. Não se pode ainda concluir-se se tratar de um retorno ao passado ou de um passo à frente.

Que benefícios teriam advindo do fato de se haver convertido o desenvolvimento no vetor-mor da política exterior do Brasil nos últimos sessenta anos? Em seu conjunto, a experiência produziu resultados notáveis e evidenciou não menos notável habilidade política associada à arte diplomática. Essa conclusão adquire significado especial, se forem consideradas as condições adversas de movimento no sistema internacional que prevaleceram desde o pós-guerra.

Brasil e América Latina foram desclassificados em termos de política internacional quando o mundo se dividiu em 1947. Os problemas do desenvolvimento em si não figuraram entre os temas que inspiraram e entre as forças que acionaram os mecanismos da ordem internacional , com exceção da reconstrução da Europa, empreendida, aliás, em um contexto geopolítico. A idéia de uma responsabilidade universal diante do desenvolvimento foi encaminhada pelo Terceiro Mundo nos anos 1960 e chegou-se mesmo a um diálogo entre ricos e pobres com o fim de atender à reivindicação síntese dos países em desenvolvimento, que era a implantação de uma Nova Ordem Econômica Internacional (Noei). A idéia não vingou. O Norte admitiu outros temas de responsabilidade universal, tais como a reserva dos espaços ideológicos e a manutenção do mapa geopolítico à época da guerra fria, da coexistência [p.30] pacífica e enfim da distensão; depois, o meio ambiente, as drogas, o controle demográfico dos recursos naturais e das correntes migratórias , a estabilidade das economias centrais, o liberalismo, a não-difusão nuclear, a reserva de domínio das tecnologias de ponta . O desenvolvimento, nessas condições, foi entendido como uma questão interna aos países atrasados e, quando muito, decorrente de uma saudável situação estratégica, econômica e financeira dos países já desenvolvidos, para a qual os demais eram chamados a colaborar. O desenvolvimento nunca foi uma prioridade da ordem internacional.

PANDIA CALÓGERAS, J. A Política Exterior do Império. Brasília: FUNAG-CD; Coleção Brasiliana, 1989.

As navegações e o Tratado de Tordesilhas

Todas as feições geográficas de Portugal, quer isoladas, quer tomadas em conjunto, apontavam para o Oceano, como elemento essencial, orgânico, da vida nacional.

País o qual atinge a um dos valores conhecidos a relação entre a área e o desenvolvimento costal: formado pela embocadura de caudaes navegáveis, atravessando territórios, muitas vezes ínvios, ásperos e montanhosos, seria quase obrigatório utilizar os rios para o transporte da produção.

Um povo de marinheiros ali teria forçosamente de morar.

As guerras, formando as armadas, criaram, desenvolveram e deram audácia á navegação de perlongo, a qual breve se amarraria sem receios, germe das investidas contra o mar alto.

Desde de cedo, frotas mercante e esquadras de combate se foram tornando notáveis. Já pelo século XII, na conquista de Silves, salientou-se o papel das naus portuguesas. Mas foi D. Diniz quem deu impulso forte nem só ás construções como á formação dos navegantes e á sua instrução técnica. Tal seu influxo, que já seu sucessor, D. Affonso IV, tinha avios a fazer descobertas, e de seu reinado data o primeiro conflito diplomático pelo domínio de terras então achadas- as Canárias, ou ilhas Afortuadas, como haviam sido chamadas.

Foi o primeiro choque entre interesses marítimos dos povos da península, pois os Espanhóis também tinham iniciado navegações. Catalães, de um lado salientavam-se esse labor. Pescadores e nautas do mar Catabrico, das ribeiras embora, da Espanha do que da costa ocidental, o grupo de sábios, judeus e mouros , peritos em cosmografia e arte de marear, que constituíam a como que escola de Maiorca, nas Baleares, serviam a ambas as nações.

Inimigos de todos os cristãos, os corsários barbarescos a todos faziam mal (eram eles senhores da costa africana e de várias ilhas do Atlântico), mas pela investida e tomada dos avios de comércio, pela perturbação continua ao escambo costeiro. No Mediterrâneo, mais do que no Oceano.

Possuíam os islamitas conhecidos locaes aos nazarenos falavam. Sabiam da configuração, pelo menos litorânea, de todas as regiões onde Mafoma era Profeta.

Aos da Cruz se obterá a memória dos antigos périplos. As tradições colhidas pôr Platão, Aristóteles, Ptolomeu, Plínio e outros sabedores, tão lidos e comentados durante a Média-Edade e o Renascimento, ainda mantinham no espírito, como em confusa névoa, nomes de ilhas outrora conhecidas, e então ocultas no recuo dos tempo. Eram apelações que despertavam longínquos eixos, as Hesperídes a Atlântida. Talvez, mesmo, as Melkart, de reminiscência fenícia.

É, pois, inteiramente verossímil a hipótese aventada pôr Major[73] , de que citar e grifar grosseiro, mas já corrente, de certos achamentos, como si antigos e familiares fossem, os primeiros documentos conhecidos sobre Açores e Madeira, o Legname das cartas genovezas, correspondam ao fato de traduzirem uma segunda revelação, um como segundo descobrimento. Ficaria o primeiro envolto no silêncio que, desde os tempos de Tyro, se observava nas navegações para Oeste das Columnas de Hércules, regra invariavelmente e severissimamente observada do almirante Pezagno, se deveria, quiçá, o primeiro conhecimento. Catalães e Genovezes haviam-nas também visitado, e consignado sua existência em portulanos de 1351, que D. Henrique provavelmente possuiu.

Ao protestar, respeitosa e submissamente, contra a bulla e Clemente VI, que atribuía a Castella, na pessoa do pricipe Luiz, o domínio das Canárias, novamente encontradas, sobraria razão a D. Affonso IV escrevendo ao papa, em 12 de Fevereiro de 1345: “predictae innsulae fuerunnt prius nnnostri regnicolo innventores”[74]. Tal prioridade não se referiria apenas á expedição de 1341, como da carta consta. Poderia abranger todo o teatro da atividade navegadora dos Lusos no Atlântico.

Já Bento XIII, em sua bulla de 30 de Abril de 1341, falando do esforço de D. Diniz em desenvolver as armadas e suas tripulações, dizia destes: sic fecit audaces e expertos, quod vix posset ad actus hujusmodi gens aptior reperiri [75]. Alegação finalmente reconhecida pôr Castella, quando, no tratado de Alcáçovas, em 1479, as comprou de Affonso V.

Cedo começará o assalto ao mar Tenebroso. Antes de 1336 era conhecido e ultrapassado o cabo de Não, si bem que só em 1412 pelos Portugueses. Todo o século XIV se sente cheio de navegações, comerciais quase todas, mas outras também de investigações, das quais, ficaram documentos escassos.

A política do segredo sobre viagens e descobrimento já estava em vigor, e tão hábil sua observância, que, hoje toda a ciência histórica é pouca para arrancar, á limitada informação que sobreviveu, minúsculas parcelas de evidencia de conhecimentos mais vastos.

Com a ajuda de Aviz e a perseguição dos Sarracenos em terras da África, abre-se nova era.

A expedição de Ceuta, em 1415, não é só episódio de Cruzada: vale também como operação grantidora da paz ás novas viagens, já iniciadas, das caravelas, pelo Oceano, destruindo ou reduzido á impotência os refúgios dos corsários mouros. Esse, o grande alcance econômico das várias campanhas africanas dos reis Aviz.

Funda-se então em Sagres o centro de impulso ás devassas marítimas. Dilatar a Fé e o Império, pudera ser a divisa antecipada do infante Navegador. Tais foram suas diretrizes, como foram igualmente as de a seu sucessor, igual em glória e em valor, o príncipe perfeito que viria a ser d. João II.

Do Velho Continente restariam tradições menos apagadas, á Idade Média experiente trazidas pelos Árabes, pelos escritores greco-romanos e pelos comentadores cristãos. A costa africana guiaria as primeiras arremetidas, até que a fé nos autores e na coragem idomita dos Lusos levasse D. Henrique a desenvolver os roteiros ocidentais e a aproar as naus para o Atlântico exterior aos Açores. Talvez Marco Polo, conhecido e comentado em Portugal, a Índia desde logo exerceu sua atração.

E nessa ordem se sucederam os achamentos ao longo do litoral da terra negra, rumo do Oriente opulento, em breve, desde 1433 pelo menos, alvo das navegações exploradoras.

O cabo Bojador, reconhecido em 1412. A Terra Alta, em 1416. Dois anos depois, em 1418 , Bartholomeu Perestrello acossado pôr tempestades acostou em Porto-Santo. João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Ferreira, a Madeira, no ano seguinte. Em 1425, expedição á Grande-Canária. Pôr vários anos, até 1432, o descobrimento e a colonização dos Açores.

Em 1433, a pioneira investida de Gil Eannes contra Bojador, espavento dos mareantes pelo insólito de sua saliência de quarenta léguas para Oeste (donde seu nome), e pela terrível arrebentação dos baixos que prolongam. Apavorado, voltou a Sagres o navegador, e só no ano seguinte, pôr ordem expressa do infante, vence seu próprio temor e monta o cabo. Fora precedido, desde 1405, pôr João de Bbéthncourt, diz d’Avezac em suas Découvertes dans I’Ocean Atlantique. Novas viagens aos Açores de 1439 a 45. De 1441 até 45, o recohecimeto da costa até a Seegambia. O Seegal, em 1445. Em 1456, o arquipélago do Cabo-Verde.

E continuam, incessantes, as ephemerides immortaes.

Não n’as suspende a morte do infante, em 1460. Retomam o vôo triunfal sob a direção de seu continuador espiritual, o príncipe d. João, desde 1474 incumbido dos negócios da navegação e conquista.

Atualização ortográfica de Rrodrigo

A Fala Final de "O Grande Ditador"

"Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos – se possível –, judeus, o gentio... negros... brancos...

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros! Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da [p. 402] velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir, eu digo: "Não desespereis!" A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as nossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquinas! Homens é o que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse [p. 403] poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah?!* O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos! [p. 404]

Charlie Chaplin (1889-1977). Tradução de Genolino Amado.

Análise de texto:

Esse texto faz parte do roteiro do filme O Grande Ditador (1940), dirigido e estrelado por Charles Chaplin, que satiriza a ridícula (mas terrível) figura de Hitler. Chaplin, judeu nascido em Londres, estava bastante comovido pela situação que seu povo vinha passando na Europa, sob o domínio nazista. No entanto, o filme foi interpretado também como sendo uma crítica à sociedade americana e ao capitalismo. Considerando as reflexões realizadas em torno das relações de poder, comente sobre a forma como o texto analisa as diversas manifestações do poder.

Espaço e poder

Coletânea de textos selecionados pelo Prof. Rodrigo Corrêa Teixeira para os alunos das disciplinas Geografia do Mundo Contemporâneo (Curso de Relações Internacionais) e Organização do Espaço Mundial (Curso de Geografia) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Belo Horizonte

2º semestre / 2002

Índice

A geografia ainda importa 1

Fim dos blocos permite uma nova ordem ética 2

O século XX 4

Introdução à pesquisa geográfica 6

Comportamento territorial 15

Geografia e Estado 26

De Sarajevo à Sarajevo: um século de nacionalismo na Europa 28

Nação, Estado e Território 31

Utilidade da Geografia 34

História do Islã ou História dos Árabes? 35

Aprendendo com Maquiavel 38

O Príncipe Henrique e as grandes navegações portuguesas 41

A campanha da Rússia: Napoleão é derrotado pelo inverno 42

Algumas considerações sobre a teoria de Darwin 43

O pensamento ratzeliano e a questão colonial 45

O Solo, Sociedade e o Estado 50

A Geografia Política de Huntington 55

No limiar da Geopolítica 56

As fontes da Geopolítica de R. Kjellen: Hegel, Ritter, Ratzel 58

O pensamento de R.Kjellen em suas obras 61

Os fundamentos da ciência do Estado na proposta de Kjellen 61

A Geopolítica alemã: uma resposta a Versailles? 62

O desenvolvimento da Geopolítica 66

Sobre a Geopolítica 67

Geografia e Relações Internacionais 70

Os fatores geográficos e as condições demográficas 78

Doutrinas Geográficas na Política 91

Geopolitica e Relações Internacionais 98

A guerra como cultura 107

A guerra 109

Os quadros conceituais de análise das situações de conflito em Geografia Política 112

Os conflitos identitáros 116

Geopolítica das Minorias 118

As dimensões dos conflitos internos 122

Understanding critical geopolitics: geopolitics and risk society 130

O progresso humano e a geografia política: Turgot 139

O peso da História 140

Geografia e Sociedade 141

Princípios fundamentais da Teoria Centro-Periferia 142

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* O autor se engana. Como o ano domini (primeiro) da Era Cristã é o ano 1, a contagem para o século XX, por exemplo, começou em 1 de janeiro de 1901 e terminou em 31 de dezembro de 2000. (Nota de Rodrigo Corrêa Teixeira)

[1] HARVEY, D. Explanation in Geography. London: Edward Arnold, 1969

[2] HARVEY, D. Op. cit., p .87.

[3] JOHNSTON, R. J. Philosophy and Human Geography. London, E. Arnold, 1983, 152 p.

[4] LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. S. Paulo: M. Fontes, 1993. 1336 p.

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[7] BUNGE, W. Theoretical Geography. Lund, Gleerup, 1966, 290 p.

[8] CHORLEY, R. J. and HAGGET, P., op. Cit.

[9] HARVEY, D. op. Cit.

[10] ISNARD, H. , RACINE, J. B. REYMOND, H. Problématiques de la Géographie. Paris: PUF, 1981, p. 262

[11] LEFEBVRE, H. La Production de I Espace. Paris: Anthropos, 1974, 386 p.

[12] PEET, R. & THRIFT, N. New Models in Geography – Th e Political – Economy perspective. London: Hyman, 1989.

[13] CHORLEY,R. J. & HAGGGETT, P. op. Cit.

[14] PEET, R, & THRIFT, N op cit, p. XIV

[15] Karl POPPER, citado em BOUDOUIN, J. Karl POPPER. Paris, PUF, 1989, 128 P. P. 31/32

[16] MAGEE, B. As Idéias de Popper. São Paulo: Cultrix, 1973 (Traduzido por L. Hegenberg e º S. Mota), 109 p. p. 44/45

[17] SANGUIN, A L. La géographie humaniste ou I’ approche phémoménologique des lieux, des paysages et des espaces. Annales de Géography, 1981, Xe année paris, ª Colin, p. 560/586

[18] FEYERABEND, P. Contra Método. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1989.

FEYERABEND, P. Adeus à Razão. Lisboa: Ediçoes 70, 1991.

[19] FEYERABEND, P. Op. Cit., 1989, p .34

[20] Peyrefitte, op. Cit., p. 409

[21] Jean Gottmann, La politique des États et leur géographic, Paris, Colin, 1952.

* Este texto foi transcrito de uma gravação da palestra proferida na Universidade Federal Fluminense em 4/6/96. Procuramos manter, apenas com adequações imprescindíveis, o tom informal da exposição oral. A transcrição e revisao final do texto foram feitas pelo Prof. Dr. Moacir Fecury. [p. 23]

* HOMERO. Odisséia, I 3.

* (...) Otros piensan que territorium proviene de terrere (hostes).

[22] Nicolau Maquiavel (1469-1527), Le Prince (De Principatibus) , tradução de Jacques Gohory, Prefácio de Raymond Aron, Paris, Librairie générale française, 1962, 187 pp. (col. ’’Livre de Poche’’, n.º 879). Edição original: 1513.

[Existe uma tradução portuguesa publicada pela Estampa].

[23] Quer dizer universo das estruturas mentais conceptuais capazes de apreender o real segundo um certo ponto de vista previamente organizado de uma forma mais ou menos lógica. Po exemplo, o positivismo histórico baseou-se principalmente na equação “documento = verdade”, como se o historiador pudesse ser excluído da sua obra. Daí a célebre reação de Marc Bloch, ao recordar a necessidade do método “crítico” (ver Apologie pour I’ histoire ou métier d’ historien, 5ª ed., Paris, A. Colin, 1964, pp. 35-67).

[24] Esta idéia ocorreu-me devido a um comentário de Raymond Aron. “Maquiavel”, escrevia ele, “é o fundador da ciência política e Oscar Morgenstern lamenta que os especialistas modernos da ciência política não tenham submetido os preceitos de Maquiavel a uma análise rigorosa a fim de extraírem os que talvez tenham um valor operacional”. In Le Prince (De Principatibus) , tradução de Jacques Gohory, Paris, Librarie générale française, 1962, p.7 (col. Livre de Poche, n.º 879). Itálico da nossa responsabilidade.

[25] Segundo o biógrafo Oreste Tommasini, Maquiavel fez um enormíssimo esforço para ultrapassar os seus próprios preconceitos. Escreve:

"É’ verdadeiramente nesse livro [Livro IV dos Contos Florentinos] que surgem o artifício, a subtileza, a dificuldade de Maquiavel em acordar as suas tendências de espírito e a sua coerência política com a veracidade e a oportunidade da narrativa ; e essa dificuldade é mais aparente ainda para o leitor que compare o texto dos [Fragmentos] manuscritos como o texto definitivo dos [Contos], onde o autor suprime passagens inteiras saídas da sua pena, adoça as imagens, tempera as expressões, apaga tudo o que é demasiado incisivo, apaga tudo o que pode inspirar inquietação, tudo o que pode parecer não derivar estritamente das fontes às quais recorre." (Citado por Edmond Barincou, em La Pléiade, Machiavel, "Notes", p.1535, n( 12.)

[26] In Revue historique, 1958, n( 220, pp. 364-367.

[27] Montesquieu tem muitas referências sobre o clima em seu "Espírito das Leis". Antes dele Jean Bodin, e outros, ligaram o Estado ao Solo de uma forma ambientalística. A mesma tendência é achada em muito trabalhos recentes, especialmente pelo último de Ellsworth Huntington.

[28] Veja a sua obra "Nascentes da Civilização" (Mainsprings of Civilization. Nova Iorque, Wiley, 1945) onde a hereditariedade tem certa relevância. O perigo para o geógrafo ao estudar o impacto de condições físicas nos comportamentos humanos é ser levado às questões biológicas como os cromossomos "ou as reações de genes" às mudanças do ambiente. Este não é o campo do geógrafo e, além disso, as tendências modernas da biologia deveriam alertar o geógrafo para acautelar-se cada vez mais de tal enfoque.

[29] A teoria de Arnold Tonybee sobre "desafio e resposta" é, de certo modo, ambientalismo invertido. Algumas declarações nos primeiros volumes do seu Estudo da História (Study of History) nos preocuparam por atribuir muita influência às forças físicas, desconsiderando outras relações da civilização analisada.

[30] Poderia ser de interesse fazer uma análise estatística da evolução das fronteiras nacionais em épocas diferentes da história e da freqüência de mudanças em tais limites.

[31] Um bom tratado sobre fronteiras é "Um Estudo sobre as Funções das Fronteiras e seus Problemas" (A Study of Boundary Functions and Ploblems), S. Whittemore Boggs, Nova Iorque, Editora da Universidade de Columbia, 1940. Tal obra é bem complementada por "Determinando as Fronteiras: um Livro para Estadistas, Redatores de Tratados e Comissários de Fronteira", Stephen B. Jones, Washington, Carnegie Endowment, 1945. Fronteiras são um problema "técnico" a respeito do qual muito já se escreveu. "Fronteiras" de Lord Curzon (Oxford, Editora Claredon, 1908) é uma obra que vale a pena ser relida. A situação internacional dos rios é ainda um dos problemas mais delicados do Direito Internacional; veja "Um Tratado sobre Direito Internacional", William E. Corredor, 8º ed., Oxford, Editora Claredon, 1924.

[32] Todo o problema da conservação de recursos está intimamente ligado com a Geografia Econômica e também com a Política Externa Econômica das nações envolvidas. Muita literatura foi publicada recentemente sobre este assunto para ser enumerada aqui.

[33] Veja a notável análise dada por Jacob Viner, "O Problema Econômico" (The Economic Problem), em Novas Perspectivas da Paz (New Perspectives of Peace), ed.GB Huszar, Chicago, Imprensa da Universidade de Chicago, 1944, p. 85-114.

[34] Gilbert Chinard em seu livro "L'homme contre la Nature" (Paris, 1949) dá exemplos interessantes da História Americana. Nós também chegamos a conclusões semelhantes em nossos estudos de regiões do Velho Mundo; veja, Uma Geografia da Europa (A Geography of Europe), Jean Gottmann, Nova Iorque, Editora Holt, 1950.

[35] Veja "O Direito de Voar" (The Right to Fly), John C Cooper, Nova Iorque, editora Holt, 1947. Provavelmente será difícil que as leis do ar permaneçam no estado em que se encontram. Parece difícil evitar pôr um "teto na soberania" na atmosfera, em alguma altitude, se se pretende instituir um pouco de liberdade de navegação aérea.

[36] "O Local da Atividade Econômica" (The Location of Economic Activity), Edgar M. Hoover, Nova Iorque, Editora McGraw-Hill, 1948.

[37] "Tableu de la geographie de la France", Paul Vidal de la Blache, Paris, 1902 (o primeiro volume do monumental "Histoire de France" editado por Ernest Lavisse). Os primeiros capítulos deste volume são uma obra-prima e deveriam ser mais conhecidos pelos geógrafos e cientistas políticos.

[38] Veja "Geografia e Outras Técnicas Científicas para Ciência Política", Crítica de Ciência Política Americana, XLII, no. 2 (abril de 1948), p. 223-38.

[39] Vidal de la Blache, op. cit.

[40] Escritas de Thomas Jefferson (Thomas Jefferson's Writings), editado por P. L. Ford, Nova Iorque, editora Putnam, 1899, X, p. 277-78.

[41] Em um recente artigo, David Mitrany ("Evolução da Zona do Meio", "Anais da Academia Americana de Ciência Política e Social, Vol. 271 [setembro de 1950], p. 1-10) observa que a atual "cortina de ferro" segue uma tira de território da Europa Central que já foi uma cortina que barrou muitos fluxos históricos através dos tempos: os romanos, o Protestantismo Ocidental, e a revolução industrial não conseguiram se expandir a leste de lá; os Turcos e a Igreja Oriental permaneceram atrás de tal cortina. Essa divisão insistente deveria ser investigada completamente por geógrafos para desvendarem estas questões interessantes.

[42] La Plaine Picarde, Albert Demangeon, Paris, 1906.

[43] Geografia por detrás da Política" (Geography Behind Politics), Londres, 1947.

[44] A geografia política de A.R.J. Turgot pode ser achada em 0euvres de Turgot, ed. por Dupont de Nemours, Paris, 1844, II, 611-26.

[45] Recentes desenvolvimentos tecnológicos deram origem a novos problemas muito complicados embora interessantes no campo do Direito Aéreo. Até qual altitude vai a soberania de um território? Com a navegação aérea e talvez comunicações interestelares que em breve chegarão, o espaço disponível aos homens mudou da questão do espaço bi-dimensional para a do tri-dimensional. O Direito pareceu quase ignorar a terceira dimensão ou, mais exatamente, estendeu-a ao infinito. Se a coluna de espaço sobre um determinado território pertencer-lhe sem restrição de distância, a soberania da lua muda à medida que circula ao redor da terra assim como ocorreria com qualquer satélite artificial. Isso não importa hoje, mas como será quando o homem conseguir mandar foguetes para a lua ou criar novos satélites? Os físicos acreditam que tal situação não está tão distante de acontecer. O problema de mísseis teleguiados voando sobre território "neutro" é também um problema imediato nesta mesma linha, e a possibilidade de se fazer chuva mostrou recentemente na redondeza de Nova Iorque o quanto o controle do ar será disputado. Tais questões devem ser disciplinadas por leis baseadas em princípios morais permanentes e não pela volúvel situação da "política das potências" .

Veja sobre isso a já citada obra de Cooper. Várias discussões destes assuntos com Sr. Cooper nos ajudaram grandemente a elaborar nossa própria visão sobre eles.

[46] O mais recente e o mais importante desses estudos é o de J. Gottman: La politique extérieure des États e leur géograhie, Paris, 1952.

[47] Por Fernand Braudel, em seu grande trabalho, La Méditerranée et le monde méditerranéen à l'époque de Philippe II, Paris, 1949.

[48] Estudando a possível adaptação do homem às temperaturas, Maximilien Sorre observou que as pesquisas biológicas eram ainda insuficientes, a esse respeito.

* Professor da Universidade John Hopkins.

* Quem governar a Europa oriental domionará a Terra-coração,

Quem governar a Terra-coração, dominará a Ilha Mundial,

Quem governar a Ilha Mundial dominará o mundo.

* Texto enviado para publicação em setembro de 1995.

** Professor do Institto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e coordenador associado do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp.

[49] Cf. "Carta de las Naciones Unidas", especialmente Preâmbulo e cap. 1. In: CARRILLO SALCEDO, J.A. (comp.). Textos Básicos de Naciones Unidas. Madrid: Editorial Tecnos Ltda., 1973.

[50] Ver, por exemplo, a entrevista de Paul Kennedy e Robert Heilbroner na revista Diálogo, 1(23),1990. Também os comentários de Samuel P. Huntington e Joseph Nye na mesma revista.

[51] Id. ibid.

[52] Estes conceitos e a tipologia foram retirados do texto de ARAÚJO CASTRO, J.A. "Fundamentos da Paz Internacional: balança de poder ou segurança coletiva?". In: Revista Brasileira de Política Internacional (49/50). 7-23, março/junho de 1970.

[53] CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Lisboa: Perspectiva & Realidade, 1976. p. 73.

[54] Cf., por exemplo, o próprio texto de KRASNER, Stephen D. (Org.). International Regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1991. p. 1-21.

[55] KISSENGER, Henry. O mundo restaurado. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editor, 1973. p. 1-2.

[56] As declarações do ministro do Exército foram publicadas por toda a imprensa brasileira no início de maio de 1995.

[57] TOCQUEVILLE, Aléxis de. Democracia na América. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1977. p. 315.

[58] HUNTINGTON, Samuel P. Choque de Civilizações? In: Política Externa, 2(4): 120-141, março de 1994.

[59] Cf. MACKINDER, Halford. "The geographical pivot of History". In: Democratic ideals and reality. 2ª ed. New York, The Norton Library, 1962. p. 241-264.

[60] Id. Democratic ideals... Op. cit., p. 150.

[61] Apud LESCANO, José Z. Introducción a la geopolítica. Lima: Editorial Horizonte, 1970. p. 104-107 Outro texto que traz boas informações gerais é o de ATENCIO, Jorge. Que es la geopolítica? 2ª ed. Buenos Aires: Pleamar, 1975.

[62] MAHAN, Alfred Thayer. The influence of sea power upon History. Reimpressão. New York: Will and Wang, 1957.

[63] SPYKMAN, Nicholas J. Estados Unidos frente al mundo. México: Fondo de Cultura Económia, 1944.

[64] SEVERSKY, Alexander P. de. A vitória pela Força Aérea. São Paulo: Livraria Martins, s.d. Ver também, DOUHET, Giulio. O domínio do mar. Belo Horizonte: Itatiaia Ltda., 1988.Cf. KISSINGER, Henry. Nuclear weapons foreign policy. New York: Harper, 1957.

[65]

[66] KENNAN, George. " The sources of soviet conduct". In: Foreign Affairs, julho de 1947.

[67] Ver CHRISTOPHER, Warren & PERRY, William. In: O Estado de S. Paulo, 20/2/95, p. A-2.

[68] Cf. ZBIGNIEW, Brzezinski. " OTAN - expansão ou morte?" In: O Estado de S. Paulo, 8/1/95, p. A-2.

[69] O Estado de S. Paulo, 16/2/95, p. A-19.

[70] Carl Von Clausewitz (1780-1831) foi um militar profissional prussiano. Como oficial de regimento (unidade de força militar com duzentos soldados), combateu os franceses, sob as bandeiras prussiana, austríaca, e russa (guerras napoleônicas). Posteriormente foi nomeado general (1818) e diretor da Escola de Berlim. Aproveitou seus anos de aposentadoria para escrever o mais famoso e influente livro sobre a guerra (Da guerra, 1832-1835) no qual defendia a idéia de que essa era a "continuação das relações políticas com a entremistura de outros meios." Keegan critica com veemência que "a guerra não é a continuação da política por outros meios" (1995: p. 19), considerando que: "Os soldados não são como os outros homens ( eis a lição que aprendi de uma vida entre guerreiros. Essa lição fez-me considerar altamente suspeitas todas teorias e representações da guerra que a colocam no mesmo pé de outras atividades humanas. A guerra está indiscutivelmente ligada à economia, à diplomacia e à política, como demonstram os teóricos. Mas a ligação não significa identidade ou mesmo semelhança. A guerra é completamente diferente da diplomacia ou da política porque precisa ser travada por homens cujos valores e habilidades não são os dos políticos e diplomatas. São valores de um mundo à parte, um mundo antigo, que existe paralelamente ao mundo do cotidiano mas não pertence a ele. " (1995: p. 16-17) [Nota de Rodrigo Corrêa Teixeira]

[71] Paris, Flammarion, 1995.

[72] De acordo com o artigo 2, da Convenção sobre o Genocídio, de 1984, GENOCÍDIO é definido como "atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso."

* André Siegfried: geógrafo, economista e sociólogo (1875-1959).

** Oustachis: nacionalistas croatas facistas.

* VALÉRY, Paul. Varieté. Paris: Gallimard, 1924. p. 11.

* GIRARD, René. Mensage romantique et vérité ramanesque. Paris: Grasset, 1961. p. 17.

** ESTRABÓN. Geografía; libros I-II. Madrid: Gredos, 1991. (Original: 07 d.C). p. 207.

*** ESTRABÓN, 1991. p. 209.

**** ESTRABÓN, 1991. p. 230.

[73] Vida do Infante d. Hennrique.

[74] História da colonização portuguesa no Brasil, Porto, 1921. Nesse trabalho nos fundamos, em geral, para as navegações, rumo ao Ocidente.

[75] In História de Portugal, de FORTUNATO DE ALMEIDA, pag, 429

* Nome da mãe de Chaplin.

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