O surgimento da tv local e artesanal nas Terras de ...



II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho

Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004

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GT História das Mídia Audiovisual

Coordenação: Prof. Ruth Vianna (UFMS)

O surgimento da tv local e artesanal nas Terras de Fronteira do Brasil Meridional

Micheli Seibt[1], Ada Cristina Machado da Silveira[2]

GT: História da Mídia Audiovisual – Categoria: Iniciação Científica

Resumo

A região pertencente à faixa de fronteira do Rio Grande do Sul possui uma diversificada malha de comunicação e práticas comunicacionais e discursivas variadas, destacando-se o aparecimento de emissoras de televisão locais no final da década de 60. A televisão artesanal surgiu nas Terras de Fronteira do Brasil Meridional em 1969, com a TV Imembuí (canal 12) de Santa Maria. O estudo permite dizer que a TV Imembuí surgiu devido voluntarismo popular de muitos santa-marienses em busca da novidade, com anseios de modernização e de pioneirismo. A característica mais interessante dos primórdios desta emissora é a produção de programas e conteúdos locais, com espaço representativo na grade de programação, o que contrasta com o atual sistema televisivo do Brasil e com o mercado midiático capitalista.

Palavras-chave: tv local – tv artesanal – Terras de Fronteira

O surgimento da tv local e artesanal nas Terras de Fronteira do Brasil Meridional

Micheli Seibt[3], Ada Cristina Machado da Silveira[4]

GT: História da Mídia Audiovisual – Categoria: Iniciação Científica

As Terras de Fronteira

A história do Rio Grande do Sul confunde-se com a história das lutas pela demarcação das fronteiras. Sucessivos acordos diplomáticos (Tratado de Tordesilhas, Madri, El Pardo, Santo Ildefonso...) fizeram com que o estado sulino obtivesse seu contorno atual em meados do século XIX. Segundo Targa apud MORAES (1998, p.290), “no Sul, as lutas engendradas pela existência da fronteira meridional não aparecem somente como uma das causas diferenciadoras da formação social meridional, porém como o elemento engenhador por excelência da sociedade sulina”. Assim, as guerras pela delimitação de fronteiras, as lutas dos índios guaranis na defesa de suas terras, a epopéia Farroupilha, o mito do gaúcho bravo, o fato de estarmos numa verdadeira encruzilhada: entre o Brasil e os países platinos, assim como a presença evidente de imigrantes dos mais variados países, e a diversidade de vozes no espaço comunicativo da fronteira, tudo isso trouxe características peculiares à região que denominamos Terras de Fronteira do Brasil Meridional (TF do BM).

A riqueza histórica e cultural das 183 cidades gaúchas (geograficamente localizadas nas microrregiões da Campanha, Missões e Depressão Central) pertencentes à faixa de fronteira do Rio Grande do Sul[5] contribuiu para o surgimento de uma diversificada malha de comunicação nessa região que, apesar de estar enquadrada em área de segurança nacional - contando com um expressivo contingente militar em seus domínios - e de estar incluída na estagnada Metade Sul; não teve impossibilitado o seu desenvolvimento comunicacional. Ao contrário, foi formada uma malha de comunicação de caráter regional compreendida como um discurso polifônico, ora contrastando com a atual fase de globalização, ora contribuindo com os processos integracionistas devido ao caráter transfronteiriço da região.

Confrontamos, então, as relações entre a historicidade do desenvolvimento das representações midiáticas e seus suportes e a condição heterônoma da sociedade nas Terras de Fronteira sempre à mercê dos desígnios superiores do estado-nação brasileiro.

A riqueza de suas experiências permite que sejam examinados alguns elementos notórios da consolidação do contexto midiático das TF do BM evidenciando aqui o surgimento das emissoras de televisão locais e artesanais na região.

O surgimento da tv local

As duas primeiras emissoras de televisão do interior gaúcho foram criadas em 1969: a TV Caxias (Caxias do Sul) e a TV Imembuí (Santa Maria), respectivamente no norte e centro geográfico do estado. Em 1972, a TV Tuiuti, em Pelotas, e em Erechim uma emissora com o mesmo nome; posteriormente, surgiria a TV Bagé (1977), na fronteira com o Uruguai. Em 1979, o Rio Grande do Sul superava São Paulo em termos de canais televisivos, com 13 emissoras, enquanto o outro estado detinha 11 emissoras. Já em 1984, o número de 75 emissoras no cenário nacional havia saltado para 95 emissoras. Já em 1977, o Brasil contava com 75 emissoras de televisão e o cenário mais promissor da América Latina em termos de televisão local.

O quadro apresenta uma cronologia da videodifusão no interior do Rio Grande do Sul.

|Televisão |Canal |Fundação |

|Caxias do Sul (RBS) |8 |22/02/69 |

|Santa Maria (RBS) |12 |13/12/69 |

|Erechim (RBS) |2 |30/04/72 |

|Pelotas (RBS) |4 |05/07/72 |

|Uruguaiana (RBS) |13 |02/04/74 |

|Bagé (RBS) |6 |19/01/77 |

|Rio Grande (RBS) |9 |26/10/77 |

|Passo Fundo (RBS) |7 |25/05/80 |

|Cachoeira do Sul (Pampa Centro) |11 |28/04/86 |

|Carazinho (Pampa Norte) |9 |01/09/86 |

|Pelotas (Pampa Sul) |13 |01/10/87 |

|Cruz Alta (RBS) |3 |22/12/87 |

|Santa Cruz do Sul |6 |28/09/88 |

|Santa Maria (Pampa) |4 |11/11/91 |

|Santa Rosa (RBS) |6 |28/08/92 |

QUADRO 1: Emissoras do interior

As datas[6] - que podem variar segundo várias fontes - confirmam a importância do desenvolvimento das emissoras comunitárias para a formação dos grupos de comunicação no estado e para a consolidação do sistema televisivo como um todo. Foi o sistema de emissoras comunitárias do interior do Rio Grande do Sul que permitiu à TV Gaúcha instaurar, em 1977, a sua Rede Regional de Emissoras. Após a sua vinculação com a Rede Globo, em 1969, abandonando o vínculo com a TV Excelsior, também do Rio de Janeiro, a emissora despontaria como protagonista num fenômeno que dominou o nascente cenário midiático do estado gaúcho.

Tv Imembuí: pioneira nas TF do BM

Destacamos a experiência da “Imagem do Coração do Rio Grande”, a TV Imembuí, canal 12, de Santa Maria. A emissora foi fundada em dezembro de 1969 e é a pioneira nas Terras de Fronteira. A solenidade de inauguração da TV contou com a presença de autoridades e de um grande número de acionistas. Santa Maria, que possuía cinco emissoras de rádio – Imembuí, Santamariense, Medianeira, Guarathan e Universidade – e um jornal – A Razão; havia recebido mais um investimento no setor das comunicações. A Câmara de Vereadores declarou inclusive “Dia Festivo em Santa Maria”. “Dia Festivo – A inauguração da emissora de televisão que manterá, ainda, convênio com a Universidade Federal de Santa Maria para apresentação da ‘TV Educativa’, e com a TV Gaúcha, repercutiu simpática e entusiasticamente nos meios sociais, culturais e classes produtoras da cidade” (A RAZÃO, 13 dez.1969, p.6).

Os diretores da emissora eram Salvador Isaía, Antônio Abelin e Wilson Aita. A TV Imembuí, que surgiu devido à mobilização dos santa-marienses, possuía cerca de 650 acionistas: “A TV Imembuí - Canal 12. Fruto do dinamismo de seus diretores e apoio de uma população que foi receptiva ao chamamento de uma sociedade anônima” (ZERO HORA, 12 mai. 1969, p.22). Segundo o antigo diretor artístico da TV Imembuí, Quintino OLIVEIRA (2003),

Nós começamos a pensar em uma sociedade para explorar o canal 12, que era reservado para Santa Maria. Então, nós queríamos formar uma sociedade e entrar na concorrência desse canal. Foi criada a TV Imembuí Sociedade Anônima, pelo mesmo grupo da Rádio Imembuí. Nela os acionistas majoritários da rádio coincidiam com os majoritários da TV. E aí foi aberto o capital da sociedade para o público em geral, foram vendidas ações da TV Imembuí e mais de uma centena de santa-marienses compraram ações.[...]. Talvez alguém pensasse em ter lucro com a TV Imembuí. Mas a maioria comprava ações com aquele espírito de participar de uma coisa nossa, de Santa Maria. Nesta época era comum o santa-mariense participar dessas coisas, como participou da criação da Universidade. A cidade tinha um espírito empreendedor que com o passar dos anos foi diminuindo, e acho que hoje é muito pouco o espírito empreendedor nesse sentido do coletivo. Mesmo porque muito do que foi criado com espírito empreendedor local foi acabar nas mãos de terceiros, de empresas de fora, por razões na maioria financeiras como é o caso da TV. Ela foi criada por pessoas daqui, era tudo daqui, e hoje não pertence a ninguém daqui. Essas pequenas empresas foram engolidas pelas maiores e as grandes redes tomaram conta dos veículos.

O fato de muitas emissoras locais, como a Imembuí, terem obtido a concessão diretamente - ou não - do governo federal ainda é um ponto obscuro na literatura. Sobre o assunto, esta foi a análise de Lauro SCHIRMER (2002, p.64):

A rede regional que a RBS implantou com pioneirismo no Brasil, em menos de duas décadas chegaria a contar com onze emissoras no interior do Rio Grande do Sul. Às primeiras já referidas, de Caxias do Sul, Erechim, Santa Maria e Uruguaiana, juntaram-se as de Pelotas (inaugurada em 1972 com o nome de Tv Tuiuti), Bagé, Rio Grande e Cruz Alta (em 1977), e Passo Fundo (1980). Vale destacar que todas as concessões para essas emissoras - com a única exceção do canal de Santa Rosa, concedido à RBS no governo José Sarney - foram outorgadas a grupos locais aos quais a RBS se associou. (grifo nosso)

A emissora surgiu com o apoio da TV Gaúcha (atualmente, RBS TV) e do então reitor da Universidade Federal de Santa Maria, Mariano da Rocha Barichello que, na impossibilidade de fundar uma TV Educativa, emprestou equipamentos para a Imembuí, ganhando em troca espaço na programação da emissora. Como explica BARICHELLO (2001, p. 168), “O canal de televisão santa-mariense foi criado em 1970, através dos esforços da comunidade, contando com a ajuda da UFSM que cedeu parte de seus equipamentos em troca de um programa diário chamado ‘Universidade em Notícias’. A televisão universitária funcionou em convênio com a TV Imembuí até 1978”. A Universidade também possuía um sistema pioneiro de circuito fechado de televisão. O circuito funcionava no prédio onde atualmente é o Hospital de Caridade Astrogildo de Oliveira, sendo que era usado para mostrar cirurgias realizadas pelos professores do curso de Medicina em uma sala para os alunos que ficavam em um auditório.

Instalada nos fundos da Rádio Imembuí, a emissora de tv foi marcada pelo seu caráter artesanal, pelo improviso e pelo amadorismo. Os apresentadores vieram do rádio e tiveram que se adaptar ao novo meio. A TV Imembuí estava equipada com duas câmeras da marca nacional Maxwell, mesa de controle de som, mesa de corte (switch) e telecine; e com o transmissor localizado em um morro em Santa Maria pelo qual imagem e som eram transmitidos por aparelho Pye de microondas.

A característica mais interessante dos seus primórdios é a produção de programas locais (telejornais, shows musicais, programas infantis e de variedades) com conteúdos locais. Assim, havia espaço representativo na grade de programação da TV Imembuí para o local, seus programas ao vivo eram intercalados com a programação da TV Gaúcha.

Na programação da primeira semana de funcionamento da emissora santa-mariense, pesquisada no jornal A RAZÃO (14-21 dez. 1969, contracapas), constavam programas locais como: “Missa no estúdio”, “Juventude no 12” (show local), “Desfile de modas” (diretamente do Clube Comercial), “Reunião com os prefeitos da região” (debate sobre os problemas regionais), “Prêmio Imembuí 1969” (prêmio da rádio) – programação especial de domingo. Durante a semana destacavam-se a “TV Mirim” (programa infantil), o “Jornal Nacional” local, com notícias de Santa Maria, o “Noticiário da UFSM”, “O Telejornal Imembuí” e ainda programas de esportes, entrevistas e variedades. O “Super 12 Show” apresentado nas tardes de sábado era um programa de auditório que iniciou no primeiro aniversário da Imembuí e marcou a programação.

Em matéria publicada no jornal Zero Hora, quatro meses após a inauguração da TV Imembuí, destacava-se algumas modificações na programação. Na faixa noturna, estavam sendo lançados dois novos programas: “Enfoque” (opiniões e personalidades – programa de debates), produção de Paulo Flores; e “Jornadas da Vida”, produção e apresentação de Quintino de Oliveira. A programação das 11h 30 min às 13h 30min era considerada novidade. Nessa faixa de horário, destacavam-se a “TV Mirim” (diariamente às 11h 30 min), shows musicais ao vivo (12h, terças, quintas e sábados), “O Mundo na TV” (documentários – 12h, segundas, quartas e sextas). Diariamente havia às 12h 25min entrevistas com personalidades locais ou ilustres visitantes, às 12h 40 min telejornal de âmbito regional, às 12h 55min programa esportivo “Dozesportes” e às 13h “Vesperal Imembuí” (série filmada). A tarde havia conexão com a TV Gaúcha e às 18h era apresentado o programa da “TV Educativa” em convênio com a UFSM. “Um noticiário de Santa Maria complementa a integração noticiosa do Jornal Nacional, seguindo-se à noite, um programa no qual se intercalamos melhores programas da TV Gaúcha e noticiário local, através de três apresentações de ‘Um Minuto com a Notícia’”, relatava o jornal ZERO HORA (22 abr.1970, p.31). A mesma reportagem enfatizava também que “A larga programação atingindo todas as áreas da preferência popular, dentro do crédito de divertir educando, justifica a preferência pelo canal 12 de Santa Maria. E, beneficiada está sendo a região atingida pela TV Imembuí que encontrou um moderno veículo de comunicações”. Em um folder da TV Imembuí, provavelmente dos anos 70, se ressalta que a imagem da emissora atinge meio milhão de habitantes, cobrindo as cidades de Alegrete, Cacequi, Dom Pedrito, Formigueiro, Jaguari, Livramento (Rivera – Uruguai), Mata, Rosário do Sul, Restinga Seca, São Pedro do Sul, São Gabriel, São Francisco de Assis, São Sepé e Santiago. Na programação o folder destaca: desenhos animados, variedades, telejornal, “Fato ao vivo” (entrevista-debate), “Dozesportes”, “Vesperal” (o filme que agrada), “Conheça sua Cidade” – tudo no horário do meio-dia. Aos sábados, “Sabatina no Doze” (Torneio de Inteligência) e “Dozeshow”. Aos domingos, “Missa Dominical” e “O Tema é Esportes”. Ainda, diariamente, “Vesperal no Doze” (cadeia com a TV Gaúcha), “Um Minuto com a Notícia”, novelas, shows, filmes de longa metragem, “Jornal Nacional” (via Embratel com suplemento de Santa Maria). E durante a semana havia também programas especiais da TV Educativa.

A programação inicial da TV Imembuí, na época, tinha muita coisa local, a programação era realmente, praticamente, aqui de Santa Maria. Inclusive com programas da TV Educativa, da Universidade, aulinhas do Centro de Artes eram feitas no estúdio, as professoras vinham e davam as aulas, programas de juventude, debates e inteligência, perguntas e respostas, tudo ao vivo, direto do estúdio. No sábado, a tarde toda era de programação local, inclusive com desfiles de moda feitos em um clube próximo ao estúdio de TV. Tinha a participação muito ativa de prefeitos de toda a região, tinha debates com os prefeitos da região, eles vinham ao estúdio e ali ficavam fazendo programas de debates. Muito interessantes, em termos de política, essas reuniões com os prefeitos da região. A gente tinha um programa infantil também... Mas na época o programa era ao vivo, direto, um programa de meia hora, com palhaços, com sorteios de brindes, e tinha um pequeno auditório, uma arquibancada onde as crianças assistiam diretamente ao programa infantil. [...] No final do ano, nós tínhamos uma retrospectiva imensa, com programas de esporte, já que nesse horário do meio-dia tinha participação de esporte, tinha notícia, moda, comentários, participação do nosso saudoso Edmundo Cardoso que também fazia parte. Era uma programação muito variada, no final de semana a gente tinha bastante programação local. E, no primeiro aniversário da TV, teve o “Super 12 Show”, que marcou por muito tempo a programação. (Maria Helena MARTINS, ex-apresentadora, 2003).

É importante ressaltar que o improviso e o amadorismo estiveram sempre presentes na sua programação, principalmente pelo fato de não haver videotape na TV Imembuí.

Com o passar dos anos os recursos da emissora foram ficando escassos e a estruturação das emissoras em redes fez com que ela passasse a depender financeiramente da TV Gaúcha. Em um suplemento de A RAZÃO (09 out.1984, p.19), tem-se a uma idéia sintética do que ocorreu da sua fundação até a venda das ações:

Pela iniciativa dos dirigentes da Rádio Imembuí, Salvador Isaía, Wilson Aita, Antonio Abelin, Quintino Oliveira e Rudy Seibel; somando o apoio do então reitor da UFSM, José Mariano da Rocha Filho, e a assistência técnica da equipe da Televisão Gaúcha, foi possível o empreendimento. Inicialmente funcionou no terreno daquela emissora de rádio e apresentava programas ao vivo, intercalados com a programação do canal 12, de forma rudimentar, principalmente por falta de experiências na nova alternativa empresarial. Para os profissionais, abria-se uma nova perspectiva de mercado, sempre bem, recebida. Pela necessidade de aumento de capital, bastante elevado, passou em 1973 para o comando acionário da TV Gaúcha, marcando uma nova fase.

Quintino OLIVEIRA (2003) acredita que um dos motivos do controle acionário ter passado para o grupo de Maurício Sirotzki foi a falta de recursos publicitários: “A RBS aproveitou e foi formando a sua rede, primeira no país. Isso graças à competência deles para esse tipo de negócio e à nossa incompetência como cidade, produtora de recursos muito escassos para efeitos de publicidade”.

Um dos ex-diretores da emissora de Santa Maria, Wilson AITA (2003), fala do pioneirismo da TV Imembuí:

Nós conseguimos fazer funcionar a TV durante certo tempo, depois houve interesse da RBS em nós comprar a maioria das ações. Vendemos a maioria das ações e entregamos todo o serviço para eles. A tecnologia já estava começando a melhorar e eles foram comprando equipamentos, e melhorando, melhorando. E hoje nós temos uma televisão muito boa em Santa Maria graças ao pioneirismo da TV Imembuí.

Enfrentando problemas sistemáticos, especialmente determinados pelo alto custo dos “enlatados” - denominação dada à programação de filmes importados - a dependência da TV Imembuí em relação ao grupo da capital do estado era crescente. O voluntarismo, a disposição e as condições de tv artesanal frente ao impressionante incremento técnico da televisão brasileira determinaram que, em 09.09.1973 a TV Imembuí fosse incorporada definitivamente ao que hoje é o grupo RBS[7], sendo atualmente conhecida como RBS TV Santa Maria.

A emissora de Santa Maria, que surgiu como local e depois passou a pertencer também a uma rede nacional (Globo), constitui um exemplo de como as redes tiveram que se adaptar ao regionalismo do estado e às suas características culturais para se estabelecer. Renato ORTIZ (2001) explica essa questão referindo-se ao fato de que a consolidação da tv no Brasil está relacionada à idéia de veículo de integração nacional, com a proposta de unificação dos mercados locais. Assim, a identidade nacional é reinterpretada em termos mercadológicos, a nação integrada passa a significar os consumidores interligados no território nacional. Isso se verifica na expansão da Rede Globo junto aos mercados regionais nos anos 70. Para atingir o Rio Grande do Sul (terceiro maior mercado consumidor da época) a Globo precisou de estratégias para a exploração:

O interior gaúcho apresentava, no entanto, algumas dificuldades. A primeira, de ordem cultural, uma grande diversidade de hábitos e de gestos que fazem parte de toda uma historiada população regional. A segunda, de caráter empresarial: a existência de emissoras locais (TVs Caxias – Tuiuti – Imembuí – Santa Maria – Erexim – Uruguaiana – Bagé – Gaúcha) que se desenvolveram na fase anterior à da “integração nacional”. Isto colocava para a Rede Globo um problema cultural e político na exploração desses mercados (ORTIZ, 2001, p. 165).

Para solucionar esse problema é que se criou um sistema regional, nos principais pólos econômicos do estado, assim, as redes nacionais podiam se expandir devido à valorização do regional. A RBS se diferenciava na época das outras afiliadas da Rede Globo por possuir concessões de tv que geravam programação própria. Esse foi o início da Rede Regional de Notícias que entrou em funcionamento em 1977, quando os telejornais passaram a ser integrados. Suzy dos SANTOS (1999, p.130) estabelece as estratégias da rede (RBS) nos seus primórdios: “No caso da RBS, a estratégia de atuação incluiu forte investimento em equipamentos para a produção local (especialmente de jornalismo), na expansão e constante modernização de sua rede técnica e na atuação comercial e cultural intensa junto às comunidades locais e regionais”.

Percebe-se que o grande movimento da tv local nos anos 60 e 70 no Rio Grande do Sul não se manteve nas próximas décadas por diversos fatores. Um deles é o fato de regiões das Terras de Fronteira serem incluídas na economicamente estagnada Metade Sul. Ademais, a consolidação da Rede Globo na década de 80 e a nova ordem globalizadora contribuíram para a diminuição do tempo de programação local. Hoje verificamos nas TF uma nova realidade: o glocalismo, ou seja, global e local se misturam, para atender a todos os segmentos. A rede nacional abre espaços para a produção local principalmente de noticiários.

Quanto à programação televisiva, verifica-se a mistura da programação das cabeças-de-rede e da programação local. No caso da Globo e da RBS TV, a programação local da emissora gaúcha ocupa 14% da grade de programação. Assim, a mesclagem do nacional com o regional e local torna-se a melhor maneira de preservar a cultura e interagir com a comunidade (FALGENATO, 2000).

Atualmente, a RBS e suas afiliadas seguem com a idéia da “importância do investimento na qualidade da programação local, com uma linguagem regional, valorizando e mostrando a realidade de cada localidade” (DIÁRIO DE SANTA MARIA, 24-25 mai. 2003, p.14)

Na atualidade, a estrutura multimidiática do mercado de comunicação é bastante complexa e altera-se freqüentemente, principalmente com os interesses internacionais ditados pela nova ordem globalizadora. É importante lembrar que o processo que responde pela atual estrutura teve um momento decisivo no começo dos anos 80, quando a Rede Globo de Televisão adotou uma estratégia de regionalização de conteúdos, com o objetivo de consolidar sua primazia ao nível nacional. A partir desta estratégia, os conteúdos de maior parte de sua programação televisiva passaram a provir da Rede Globo, estúdios de São Paulo e Rio de Janeiro, da qual a Rede Brasil Sul - RBS, integrante de um grupo de origem gaúcha, resulta ser a principal afiliada.

É por este conjunto de elementos que, no Rio Grande do Sul, sua estrutura de comunicação se diferencia, em alguns aspectos, das características de macrocefalia e propagação fractal do “modelo brasileiro de televisão” proposto por Roberto A. do AMARAL e Elizabeth RONDELLI (1996). Estes autores reconhecem uma concentração nos sistemas de comunicação que, desde o âmbito nacional, expandem-se para os níveis regional e local num esquema em cruz. Ainda que integrado aos sistemas nacionais que sustentam a macrocefalia e sendo um exemplo de propagação fractal, suas características regionais apresentam alta coesão e revelam-se uma idiossincrasia no que vem a ser o denominador comum definido para o modelo.

Em poucas palavras, pode-se dizer que a TV Imembuí surgiu devido à mobilização dos santa-marienses na busca da novidade, com anseios de modernização e de pioneirismo. A característica mais relevante dos primórdios desta emissora é a produção de programas e conteúdos locais, com espaço representativo na grade de programação, contrastando com o espaço atualmente restrito das emissoras para a programação local, conseqüência do “modelo em cruz” integrador das redes nacionais e do mercado midiático capitalista.

Referências bibliográficas

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AMARAL, R.A.; RONDELLI, E. Medios de comunicación de masas y poder en America Latina. Telos. Madrid: Fundesco, 1996. p.73-83.

A Razão, Santa Maria, 14 dez., 16 dez., 17 dez., 18 dez., 20 dez., 21 dez. 1969, contracapas.

BARICHELLO, E. M. R. Comunicação e Comunidade do Saber. Santa Maria: Palotti, 2001.

CAPARELLI, S. Ditaduras e indústrias culturais no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai. Porto Alegre: UFRGS, 1989.

De um pátio chegou à região. A Razão, Santa Maria, 09 out. 1984. p.19.

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO DE BLOCH EDITORES. Comunicação, n.31. s.d.

FALGETANO, E. Visibilidade Nacional. In: Mercado Global, nº.109, setembro 2000, p.78-91.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2000. Disponível em . Acesso em 12.12.2002.

MARTINS, Maria Helena. Entrevista concedida a Micheli Seibt. Santa Maria, 18 jun. 2003.

MORAES, M. I. Rio Grande do Sul y Uruguai: historias fronterizas (apuntes para una agenda de historia comparada). In: TARGA, L. R. P. (org.). Breve inventário de temas do Sul. Porto Alegre: UFRGS: FEE; Lajeado: UNIVATES, 1998, p.285-299.

OLIVEIRA, Quintino. Entrevista concedida a Micheli Seibt. Santa Maria, 20.05.2003.

ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. p.165.

Santa Maria já tem sua televisão. Zero Hora, Porto Alegre, 12 dez. 1969. p.22.

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SANTOS, S. RBS: A convergência das teles e da tv a cabo. In: CAPARELLI, S. et all. Enfim, sós: a nova televisão no Cone Sul. Porto Alegre: L&PM/ CNPQ, 1999. p.125-165.

SCHIRMER, L. Da voz-do-poste à multimídia. Porto Alegre: L&PM, 2002.

TV Imembuí canal 12. Folder. Santa Maria. s.d.

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TV Imembuí vai ao ar hoje. A Razão, Santa Maria, 13 dez. 1969. p.6.

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[1] Bolsista de Iniciação Científica – FAPERGS/ FIPE UFSM. Acadêmica do Curso de Comunicação Social, Habilitação Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Maria.

[2] Prof. Dra. do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria.

[3] Bolsista de Iniciação Científica – FAPERGS/ FIPE UFSM. Acadêmica do Curso de Comunicação Social, Habilitação Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Maria.

[4] Prof. Dra. do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria.

[5] A faixa de fronteira foi regulamentada durante o governo de Ernesto Geisel, recebendo esta denominação os 150 Km internos e paralelos à linha divisória terrestre do território brasileiro. E está definida pela Lei nº 6634, de 02.05.79. Considerados "área indispensável à segurança nacional", tais territórios possuem restrições quanto à concessão de terras, a abertura de vias de transportes, a instalação de meios de comunicação, a construção de pontes, estradas internacionais e campos de pouso. Estas e outras atividades são vedadas nos territórios fronteiriços sem o prévio assentimento de órgão federal competente. O Rio Grande do Sul possui ao sul uma linha de fronteira de 1 003 Km com o Uruguai e mais 724 KM a oeste com a Argentina, a leste fica o Oceano Atlântico e ao norte o estado de Santa Catarina. Com base em dados do censo do IBGE de 2000, 39% dos municípios gaúchos estão localizados na faixa de fronteira, o que corresponde a 35% da população do estado. Essa expressiva participação também é notada na amplitude do território nacional, visto que os municípios fronteiriços gaúchos ainda representam 32% dos municípios fronteiriços do Brasil (ao total são apenas 576).

[6] Esta cronologia comporta dados aportados pela coletânea elaborada pelo Departamento de Jornalismo da Bloch Editores (s.d.), pelo pesquisador Sérgio CAPARELLI (1989), pelo jornalista Lauro SCHIRMER (2002), pela pesquisadora Suzy dos SANTOS (1999), bem como dados de um quadro exposto no Museu da Comunicação Social Hipólito José da Costa - MCSHJC, de Porto Alegre, em novembro de 2001. Com relação à TVE, a Televisão Educativa de controle do Estado do Rio Grande do Sul, através da Fundação Piratini, no ano de 2002 a mesma emitiu uma mensagem que comemorava seus 28 anos no ar.

[7] A história da RBS - rede que possui jornais, emissoras radiofônicas e televisivas, portal de Internet e outros serviços de cultura e informação- é amplamente presente nas TF do BM. Ela começou em 1957 com a Rádio Gaúcha, sendo que o sonho da rede de comunicação iniciou com Maurício Sirotsky ao microfone da Voz-do-poste – um modesto serviço de alto-falantes na praça central de Passo Fundo, integrante das Terras de Fronteira.

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