As Inteligências Múltiplas de Howard Gardner e o Ensino ...



As Inteligências Múltiplas de Howard Gardner e o Ensino-Aprendizagem da Matemática

Ana Maria Carneiro Abrahão[1]

Texto publicado na revista “Presença Pedagógica”, editora Dimensão, v. 8, n. 46, Jul./Ago. 2002, ISSN 1413-1862

Muitas teorias sobre a construção do conhecimento têm sido estudadas recentemente nos cursos de formação de professores, tanto regulares quanto de formação continuada. Uma teoria bastante discutida e desenvolvida por Howard Gardner e equipe de pesquisadores na Universidade de Harvard baseia-se em evidências de que o ser humano possui diversas competências intelectuais, chamadas de “inteligências”, que o habilitam a resolver problemas de forma criativa. Essas inteligências formam um espectro de competências, que além de contemplar as tradicionais dimensões lógico-matemática e linguística, amplamente exploradas em testes de inteligência e provas de redação e gramática, contemplam também outras forças cognitivas que o ajudam a encontrar seu próprio caminho para resolver determinadas questões. Para Howard Gardner, pai da teoria das Inteligências Múltiplas, o homem também se utiliza das inteligências corporal-cinestésica, espacial, interpessoal, intrapessoal e musical para resolver seus problemas do dia a dia. Atualmente já se discute a existência de outras inteligências, como a naturalista e a cibernética.

No processo de ensino e aprendizagem matemática, o professor precisa estar atento às diferentes manifestações cognitivas da criança para incentivá-la e despertá-la para o aprendizado mais facilitado e prazeroso da matemática. J. K. Willis e A N. Johnson relatam resultados de pesquisa que ilustram como a criança utiliza de forma natural suas múltiplas inteligências no aprendizado das operações matemáticas. No aprendizado da multiplicação, a aluna Katie cantarolava para ela mesma a tabuada da multiplicação, um jeito naturalmente encontrado por ela para memorizar os fatos básicos. Sam tentava resolver os problemas batendo seu lápis em tempos ritmados, procurando na música uma forma de computar seus cálculos. José fazia desenhos a partir dos modelos do professor, procurando ajuda numa representação visual, associando o fazer e o ver para aprender. Alina agrupava seus crayons na tentativa de encontrar respostas às questões propostas. Inteligência tátil-cinestésica. Jin conferia seus resultados com seu colega (inteligência interpessoal) e Maria usava lógica matemática para ampliar os fatos básicos dos mais fáceis para os mais difíceis.

Os professores envolvidos na pesquisa perceberam que as crianças aprendem por caminhos diferentes e conscientemente aproveitaram para traduzir as diferenças individuais das crianças em oportunidades de aprendizado significativo. Utilizaram as inclinações das crianças para encorajá-las a um aprendizado mais profundo. O objetivo primeiro desse trabalho era observar como as crianças utilizavam suas diferentes inteligências para iniciar um processo de construção conceitual da multiplicação. O segundo objetivo foi observar como elas desenvolviam suas próprias estratégias de pensamento para efetuar multiplicações mais difíceis e como iam, gradualmente, dominando suas técnicas e estratégias de cálculo através da prática e resolução de problemas.

No processo de aprendizagem matemática, o aluno utiliza e deve ser incentivado a utilizar suas outras inteligências a fim de construir suas idéias matemáticas (Figura 1). No processo de construção, os desenhos, a música, a troca de idéias com um colega, explicações orais ou justificativas escritas podem ser constribuições decisivas. O professor verá que essa experiência pode proporcionar um aprendizado mais prazeroso, elevar a auto-estima do aluno, permitir que os alunos compartilhem diferentes formas de representação de determinados conceitos e abrir espaço para a diversidade, incentivando a criatividade matemática. Afinal a experimentação antecede o aprendizado científico e o conhecimento formal.

A inteligência lógico-matemática permite que uma pessoa faça classificações, compare grandezas, realize operações numéricas básicas, desenvolva raciocínio indutivo e dedutivo, formule e teste hipóteses, ferramentas básicas do matemático. Para desenvolver a inteligência lógico- matemática, pesquisas sugerem que ao invés de priorizarmos respostas diretas nos exercícios apresentados às crianças, ofereçamos propostas que as encorajem a explorar várias representações para diferentes situações e que investiguem as relações entre esses modelos. Esses procedimentos deverão ajudar a criança a obter um conhecimento matemático mais profundo. No caso da multiplicação, por exemplo, ao invés de propor resolução simples de contas, que dariam respostas diretas, é sempre bom tentarmos criar uma situação problema, que leve algum desafio à criança e que a encoraje a pensar em alguma forma possível de resolução da questão proposta. Deixar que elas expressem suas soluções e exponham ao professor e aos colegas suas proposta de solução. Com várias opções as crianças estabelecerão relações entre as diversas representações o que poderá permitir um aprendizado matemático mais intenso e criativo.

Através da lógica matemática pode-se permitir que a criança desenvolva um conhecimento de três modelos de multiplicação (Figura 2 ): a multiplicação aditiva, a retangular e a combinatória. Esses modelos, entretanto, precisam estar contextualizados de modo a ter um real significado para a criança. Nem todos têm facilidade de abstração. Tenha sempre disponível materiais concretos, como as réguas de Cuisinaire (Figura 3) ou qualquer material de contagem.

Figura 1

|Inteligência |Sugestão de materiais |Sugestão de atividades |Estratégias de ensino |

|Lógico-matemática |Calculadora |Criação e resolução de desafios, problemas, |Desafios. Conexões com conceitos |

| |Materiais concretos |jogos lógicos, equações, algoritmos. |anteriores. Variedades de |

| |Jogos |Justificativas de pensamento |representações. Métodos variados de |

| |Retas numéricas | |avaliação |

| |Diagramas de Venn | | |

|Naturalista |Objetos naturais. Modelos. Relatórios|Uso da natureza para classificar objetos, |Demonstrações. Atividades |

| |de observação. Vidros e potes. |observar modelos e fazer cálculos e |extra-classes. Investigações |

| | |agrupamentos. Estimativas. |naturalistas. |

|Corporal cinestésica |Materiais concretos. Modelos |Movimentos seqüenciais. Exploração de |Gestos. Dramatizações. Manipulações. |

| |individuais ou de grupos |modelos tácteis. Dramatizações. Batidas de |Modelos físicos. |

| | |palmas. Pulos. Uso de materiais concretos. | |

|Lingüística |Livros infanto juvenis. Fitas |Leitura de problemas do mundo real. Escrita,|Contar histórias. Canto de leitura. |

| |cassetes. Discos. Folhas de |escuta e fala de explicações e estratégias. |Roda de leituras. Palestras. Piadas. |

| |atividades. Jornais. Revistas. |Leitura e escrita de diferentes textos |Perguntas. Avaliações escritas. |

| |Diferentes textos matemáticos. |matemáticos. |Explicações orais e escritas. |

|Espacial |Computadores. Gráficos. Tabelas. |Cartões decorativos. Desenhos ou |Modelos mentais. Recursos visuais. |

| |Jogos de cartas. Materiais concretos.|representações de diagramas. Criação de |Organização de gráficos, mapas ou |

| |Dominós. Calculadoras. |desenhos. Observação de ilustrações. |webs. |

| | |Utilização inteligente de calculadora. | |

|Interpessoal |Jogos coletivos ou de grupos. |Trabalhos cooperativos. Participação em |Discussões. Problemas baseados nas |

| |Partilhar materiais concretos. |simulações. Entrevistas. Participação em |experiências pessoais. Atividades em|

| | |jogos grupais. Partilha de estratégias |grupos. Palestrantes convidados. |

|Intrapessoal |Materiais auto avaliativos. Diários. |Escrita em jornais. Relato de valores e |Lugares privados. Escolha do tempo. |

| |Jornais. |atitudes. Problemas conectados à vida dos |Delegação de poderes. |

| | |alunos. Auto-avaliações. | |

|Musical |Vídeos tapes. CD. Instrumentos. |Composição, apresentação e escuta de |Atividades rítmicas. Música de fundo.|

| | |músicas. Uso de notação musical. Criação de | |

| | |modelos rítmicos. | |

Figura 2 – Opções de 3X4

Multiplicação aditiva

0 4 8 12

Multiplicação retangular

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Multiplicação combinatória

Pasta de atum

Pasta de frango

Pasta de ricota

Pasta de presunto

Pasta de atum

Pasta de frango

Pasta de ricota

Pasta de presunto

Pasta de atum

Pasta de frango

Pasta de ricota

Pasta de presunto

Figura 3 – O Material Cuisenaire

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3x4 – fato retangular

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1x4 – fato unitário

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Propriedade distributiva

3 x 7 = 3 x ( 5 + 2) = 3 x 5 + 3 x 2 = 15 + 6 = 21

|X |X |X |X |X |0 |0 |

|X |X |X |X |X |0 |0 |

|X |X |X |X |X |0 |0 |

Figura 5

Múltiplos de 3 até 100 Múltiplos de 3 ou 4 até 100

0369034689121518121516182124272021242728303336393032333642454840424445485154575152545660636669606364687275787276818487808184889093969990929699

Múltiplos de 4 até 100 Múltiplos de 3 e 4 até 100

0480121612202428243236364044484852566064686072767280848884929696

M(3) = (0, 3, 6, 9, 12, 15, 18, 21, 24, 27, 30, 33, 36, 39, 42, 45, 48, 51, 54, 57, 60, 63, 66, 69, 72, 75, 78, 81, 84, 87, 90, 93, 96, 99, ...(

M(4) = (0, 4, 8, 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36, 40, 44, 48, 52, 46, 60, 64, 68, 72, 76, 80, 84, 88, 92, 96, 100, ...(

M(3) ( M(4) = M (12) = (0, 12, 24, 36, 48, 60, 72, 84, 96, ...(

A inteligência interpessoal consiste na habilidade de perceber e fazer distinções sobre os temperamentos das pessoas, suas modificações, intenções e fazer decisões relevantes baseadas nesse conhecimento a fim de estabelecer uma comunicação positiva com outras pessoas. Cultivar as habilidades sociais e emocionais nos alunos pode ajudar a produzir membros mais cooperativos na sociedade do futuro. No mundo atual os desafios matemáticos tendem a ser cada vez mais coletivos que individuais, assim, é salutar que na escola os alunos aprendam a trabalhar coletivamente, em grupos, para aprender a desenvolver sua inteligência interpessoal. Mesmo quando os alunos trabalham individualmente em problemas e atividades, eles podem ser solicitados a justificar seus métodos e resultados com outro colega. O trabalho em dupla e a ajuda tutorial dos mais avançados podem resultar em melhoras para ambos. Problemas do mundo real, construídos a partir de situações familiares, que reflitam os interesses dos alunos podem dar bons resultados.

Já a inteligência intrapessoal é a habilidade do aluno de entender a si mesmo, reconhecer seus próprios sentidos, estabelecer seus objetivos e fazer decisões relevantes. Num mundo que valoriza o trabalho coletivo não se pode negligenciar os alunos que preferem trabalhar sozinhos. Geralmente eles gostam de ficar em local quieto e de resolver pessoalmente problemas e desafios, precisando de tempo para exploração introspectiva a fim de desenvolver suas estratégias pessoais apropriadamente. A metacognição (processo cognitivo no qual a própria pessoa regula e monitora suas atividades, conhece seu pensamento e seu próprio processo de aprendizagem) é favorecida quando o professor oferece problemas variados e significativos, relacionando-os a eventos reais e imaginários para a vida do aluno. Os alunos se questionam e devem ser encorajados a estabelecer seus próprios objetivos, em vários níveis. Utilizam suas inteligências para memorizar tabuadas e criar seus próprios e relevantes problemas, buscam comunicar suas soluções aos problemas propostos pelo professor e podem organizar suas próprias pastas ou jornais onde registram e guardam suas conquistas e suas atitudes.

Ritmo, tom, expressão emocional, som, afinação, são alguns aspectos da inteligência musical. O sistema de notas musicais é baseado em frações e modelos numéricos, o que justifica tanta atração dos músicos e compositores pela matemática e dos matemáticos e cientistas pela música. O. J. Abdounur escreve sobre os laços profundos entre a matemática e a música, conhecidos desde a Antigüidade, e o pensamento analógico na construção dos significados. Ao aprender multiplicação, por exemplo, os alunos podem usar agrupamentos de sons musicais para representar problemas e soluções. Essas atividades podem vir misturadas com as palmas, batidas, movimentos, voz ou instrumentos. Muitos adultos aprenderam a tabuada e o alfabeto cantando. Assim, adaptar músicas folclóricas ou infantis às tabuadas pode ser agradável para muitas crianças. Elas podem até criar seus próprios versos.

O núcleo central da teoria de Gardner, segundo K. Smole, não está no número de competências que podem ser associadas à inteligência, mas no caráter múltiplo que a inteligência apresenta e na possibilidade de podermos olhar para as manifestações da inteligência não mais sob a perspectiva de uma grandeza a ser medida, tal qual em um teste de QI, ou como um conjunto de habilidades isoladas, mas como uma teia de relações que se tece entre todas as dimensões que se estabelecem nas possibilidades de manifestações da inteligência. De acordo com a teoria de Gardner, as crianças são inteligentes em múltiplos caminhos e cada criança tem uma combinação dessas inteligências que é única. Todas essas inteligências podem ser usadas para desenvolver a matemática curricular e entendê-la de forma relevante, excitante e cheia de significado. Elas podem traduzir o mundo ao seu redor, aumentar sua capacidade de aprender, conceitualizar, desenvolver estratégias de pensamento e resolver problemas de forma prazerosa. As sugestões vistas aqui são um pequeno exemplo da grandiosidade do trabalho do professor mediador e da riqueza cognitiva que cada criança leva todos os dias à sala de aula.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABDOUNUR O J. Matemática e música. O pensamento analógico na construção de significados. Escrituras ed. 1999.

MEC.PCN. Parâmetros Curriculares Nacionais do 1º e 2º ciclos. Matemática. pp. 115-118. 1997.

SMOLE K. C. S. A matemática na Educação Infantil. A teoria das inteligências múltiplas na prática escolar. ArtMed. 2000.

WILLIS J. K. e JOHNSON A N. Using multiple intelligeences to master multiplication. Teaching Children Mathematics, vol 6, no. 5, NCTM, 2001.

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[1] Mestre em Matemática pela PUC-RJ. Supervisora da SMERJ/DGED/DEF/ Projeto Ciências e Matemática. Professora de Matemática no CNS-ISERJ, Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro e na UVA-Universidade Veiga de Almeida.

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|PÃO | | |

|FRANCÊ| | |

|S | | |

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|Propri| | |

|edade | | |

|comuta| | |

|tiva | | |

|5x3 = | | |

|3x5 | | |

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PROPRIEDADES

Propriedade comutativa

3 x 2 = 2 x 3 = 6

(três vermelhas ou duas verdes claras resultam uma verde escura

Propriedade associativa

3 x 4 x 2 = 3 x 8 = 12 x 2= 24

três vezes quatro vermelhas ou duas vezes três marrons resultam vinte e quatro

Propriedade distributiva

2 X 5 = 2 x (3 + 2) = 2x3 + 2x2

duas amarelas resulta o mesmo que duas verdes claras e duas vermelhas

PÃO ÁRABE

PÃO DE FORMA

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