Marisa Monte



O SHOW DE MARISACantora estréia em grande estilo no ATL HallPedro Tinoco e Gustavo Autran Veja Rio / Setembro de 2000Imagine Marisa Monte em a??o no palco. Nove músicos a acompanham. O cenário, obra do artista plástico Ernesto Neto, real?ado por proje??es de Cláudio Torres, premiado diretor do filme Trai??o, e iluminado por Patrick Woodroffe, que trabalha para megaastros como os Rolling Stones. Ela desfia can??es do novo disco, sucessos e surpresas. O som e o entusiasmo nas alturas. Mas n?o se ouve nenhum aplauso. N?o há resposta alguma do público. N?o há sequer público. Parece um pesadelo, mas é apenas uma demonstra??o do profissionalismo exacerbado de Marisa, 33 anos completados no sábado (1?). A situa??o aconteceu de verdade em um galp?o da Pra?a Mauá. Durante oito dias, duas vezes por dia, Marisa e sua trupe passavam o show de cabo a rabo, com todos os detalhes, para uma platéia inexistente. Eram somente ensaios, rigorosos ensaios que serviram de apronto para a turnê de lan?amento do CD Memórias, Cr?nicas e Declara??es de Amor, o quinto de Marisa Monte. Quando cantora e banda chegaram a Curitiba, na véspera da primeira apresenta??o da longa turnê, marcada para 2 de junho, passaram o som mais uma vez. "No dia da estréia, ninguém tinha mais o que fazer. Ficamos de bobeira, esperando o público", lembra Marisa. Isso n?o é normal. "Em outras turnês, fazíamos dois dias de ensaio geral e, no terceiro, aos le?es", resume a cantora. "Até pouco antes do show, era comum ver gente costurando roupa, procurando algo", diz. Era. A turnê de Memórias... chega ao Rio na sexta (7), para uma temporada de três semanas no espa?oso ATL Hall, com boa música e organiza??o impecável. N?o tem erro. Calibrado por quinze apresenta??es no Sul, o show traz dez das treze can??es de um disco que estourou. Lan?ado em maio, Memórias... já vendeu mais de 500.000 cópias. Traz também Volta Meu Amor, pérola pescada do disco da velha-guarda da Portela, e músicas mais antigas da cantora, como Beija Eu, Eu Sei e Enquanto Isso, vers?o de Meanwhile, de Laurie Anderson. "O clímax é o bloco final, com muita guitarra pesada, percuss?o, rock tribal total. Inclui duas novas, Palavras ao Vento e Eu Te Amo, de Roberto e Erasmo Carlos. Essa é o hit do show", adianta Davi Moraes, guitarrista da banda e namorado de Marisa. Os músicos foram escolhidos a dedo. O baixista Dadi Carvalho, ex-A Cor do Som, acompanha Marisa desde 1994. Marya Bravo, cantora e atriz, cuida do backing vocal. Carlos Trilha (teclados e programa??es) produziu e arranjou os três discos-solo de Renato Russo. A percuss?o fica a cargo de três baianos - Peu Meurrahy, Orlando Costa e Leonardo Reis - e do baterista Marcelo Costa. Mauro Diniz, mestre do cavaquinho, filho do sambista Monarco, completa o time. "A Marisa ligou e perguntou se eu tinha um bom aluno para tocar na turnê. Ofereci o professor", brinca Mauro. Nos bastidores, mais gente ilustre. "Nas primeiras reuni?es, o Claudio (Torres) já for?ou a barra para a gente fazer um upgrade na ilumina??o", conta Marisa. O upgrade tem nome: Patrick Woodroffe. O designer inglês suou no galp?o para desenvolver a luz do show. Proje??es concebidas por Claudio Torres transformam o cenário a cada música. "Em Tema de Amor, parece que o palco está em chamas", conta Torres. No palco, vídeo e luz têm como suporte uma obra que seu autor, o artista plástico Ernesto Neto, 36 anos, se recusa a chamar de cenário. ? uma escultura e tem até nome: Nave Show Esfinge Caranguejo. "S?o metáforas do espa?o uterino, da rela??o entre o universo exterior e o mundo interior", arrisca Neto. O emaranhado de tecidos esticados sobre o palco lembra um punhado de células de livro de ciências, mas produz efeitos desconcertantes, bombardeado por vídeos e luz. "Durante os ensaios, eu tinha de me concentrar para n?o ficar viajando com o cenário", lembra Davi. A combina??o funcionou no come?o da temporada. Nos doze shows feitos em quinze dias de viagem pelo Sul, Marisa Monte cantou para 30.000 espectadores. "A gente trabalha pra caramba. Quando n?o é show, é viagem, transporte de equipamento, entrevistas, f?s. Imagine fazer 200 shows em um ano. Sair em turnê n?o é exatamente lazer", diz a cantora. Marisa n?o se incomoda. Fica "agulhada". A primeira espetada da turnê aconteceu em Pelotas, Rio Grande do Sul. "A gente chegou à cidade depois de viajar oito horas de ?nibus. Saí para andar com o Davi, mas n?o deu. Come?am uns risinhos, junta uma galera, fica uma excita??o", conta. Nem sempre é assim. No Rio, fora da temporada, o máximo que ela ouve é um "Maravilhosa", ou "Gostei do seu disco". "N?o me privo de ir ao mercado, de fazer ginástica. O que pode acontecer é ter de lidar com alguém simpático ou alguém inconveniente. ? a vida", conforma-se. Nos dias em que enfrenta a rotina de gente comum, Marisa também coleciona histórias curiosas. Uma vez, entrou na farmácia, n?o foi reconhecida e se divertiu ouvindo a balconista cantar uma música que come?ava com "Tem que seguir". Era Bem que Se Quis, o primeiro e um dos maiores sucessos da cantora, com a letra desfigurada. No supermercado, também passou despercebida depois de perguntar qualquer coisa a uma f?. "O Davi reparou que ela saiu assobiando Amor I Love You". Pouco se conhece, além dessas historinhas, da Marisa nos dias de folga. O namorado Davi, fera das guitarras, filho do novo baiano Moraes Moreira, é alvo de fartos elogios: todos musicais. "Sou suspeitíssima para falar dele. O Davi é meu diretor guitarral. ? um pesquisador, um estudioso, e me incentivou a tocar mais no show. Quem me ouve pensa até que sou guitarrista", brinca. Quando o assunto é música, surgem inconfidências. "N?o ou?o muito rádio. Quando ligo, vou atrás de novidades que n?o ouviria em casa, como Morango do Nordeste e a Mel? da Popozuda", confessa. Na excurs?o para o Sul, Marisa levou na bagagem uma espécie de kit musical antipopozuda. "Um disco raro do Monarco, Zé Kéti, Lauryn Hill, Missy Elliot, Bebeto, que tem umas coisas muito boas, Jorge Benjor, Chico, Stevie Wonder, Michael Jackson, Aricia Mess e Jo?o Gilberto. Numa emergência você bota um Jo?o para ouvir e fica tudo certo", receita As revela??es acabam por aí. "A Marisa sabe distinguir a pessoa física da jurídica", define Claudio Torres, parceiro de longa data - foi ele quem fez a filipeta do primeiro show da cantora, em 1988, no Jazzmania. Fez também a capa de seus dois primeiros discos. A opini?o é endossada por outro parceiríssimo, Carlinhos Brown, cujo nome aparece nos créditos de cinco músicas do disco novo. "Você n?o vê a Marisa em programa de TV ou posando para fotos em revistas de fofocas. Foi a forma que ela descobriu de preservar a carreira", diz Brown. A sintonia entre o excêntrico músico baiano e a discri??o em forma de cantora foi mais fácil do que se poderia imaginar. "Ouvi Marisa pela primeira vez em um show na Bahia, em 1989. N?o resisti. No camarim, conversamos sobre Roberto Carlos e Anísio Silva como se nos conhecêssemos de longa data", lembra. Em pouco tempo, os dois se tornariam parceiros e vizinhos na Gávea. Omelete Man, o segundo disco de Brown, foi produzido por Marisa. O músico recorre ao extraordinário para entender a amizade com Marisa Monte. "Só o candomblé explica essa identifica??o. Ela é de Iemanjá e eu sou filho de Ogum", afirma. Brown faz parte de um time seleto que cerca a cantora. "Parceiros musicais como o Carlinhos, o Arnaldo (Antunes), o Nando (Reis) têm mais visibilidade, mas há outras parcerias importantes como as deles", diz Marisa. S?o nomes como o músico americano Arto Lindsay, produtor do disco, Lula Buarque de Holanda, diretor da Conspira??o e primeiro empresário de Marisa, e Nelson Motta. O jornalista, compositor e escritor dedica generosas páginas do livro Noites Tropicais à convivência que teve com Marisa. Nelson foi um dos primeiros a apostar no talento da cantora, produziu seu show de estréia e, no livro, aborda com sinceridade a paix?o que teve por Marisa e a baita dor-de-cotovelo que se seguiu. Nem assim Marisa baixa a guarda. "Sabe que n?o li o livro ainda? Outro dia procurei para comprar e n?o achei", garante. "Nelsinho é especial. N?o tem um dia que eu passe sem lembrar de algo que ele me disse, sem usar o que aprendi com ele", diz ela, antes de fazer suspense. "Eu também tenho uns capítulos sobre o Nelsinho". Quando Nélson Motta se mudou para os Estados Unidos, no final da década de 80, apresentou a protegida ao ent?o empresário de Rita Lee e ex-executivo da gravadora Warner, Leonardo Netto. Marisa já era um fen?meno da MPB, mas a jun??o com Leonardo serviu como uma luva à carreira da cantora. "Nós dois somos perfeccionistas, detalhistas e gostamos de trabalhar", afirma Netto. "Come?amos a gravar o disco em agosto do ano passado e n?o paramos mais." Emendaram a grava??o de Memórias... com o lan?amento de Tudo Azul, o CD da velha-guarda da Portela produzido por ela e, daí, pularam para a prepara??o da turnê. "Entre mar?o e abril chegamos a trabalhar treze semanas seguidas, com reuni?es diárias, mesmo nos sábados e domingos. ? exaustivo", assegura Leonardo Netto. Mas eles gostam. "Acho que cantar, dentro do meu trabalho, é 10%, 15%. O resto é pensar demais, muita reuni?o, é criar meios para poder cantar", diz ela. O sucesso da cantora deve muito a esse outro trabalho. A carreira de Marisa Monte é guiada com a disciplina e o detalhismo de qualquer outro grande empreendimento. Um exemplo: ela, até hoje, n?o cedeu músicas para colet?neas ca?a-níqueis. "Está no contrato. ? ela quem decide se e quando vai permitir isso", explica Leonardo Netto. Seus hits, constante fonte de inspira??o das agências de publicidade, nunca embalaram um comercial. "Só de Amor I Love You, o sucesso mais recente, já recebi ofertas para um anúncio de banco e outro de eletrodoméstico", conta o empresário. Propostas recusadas. "Nunca pensamos só no disco ou no show que a Marisa está fazendo. Pensamos na carreira que ela está construindo", diz Netto. Outro tijolinho dessa carreira é o cronograma de shows. "Chegamos a ficar três anos sem visitar uma cidade. No Sul havia gente reclamando de tanto tempo sem Marisa, mas a idéia é essa", entrega Leonardo Netto. A estratégia tem funcionado. Na cúpula da EMI, gravadora da cantora, estima-se que Memórias, Cr?nicas e Declara??es de Amor deva chegar ao milh?o de cópias vendidas. A turnê contempla o Brasil, de Porto Alegre a Aracaju, mas n?o descuida de mercados emergentes no exterior. Nos Estados Unidos, Marisa Monte já vendeu 300.000 cópias de seus discos. "Espanha e Portugal também têm nos recebido bem", diz o empresário. A cantora conta que, mesmo com tanto planejamento, volta e meia se assusta. "Lá fora fa?o shows em lugares cheios de brasileiros e outros onde n?o tem nenhum. Universidades americanas, o interior da Alemanha, a Finl?ndia. Chego lá e está lotado. Fico chocada." Se ouvisse Nazaré, n?o ficaria. Empregada da família de Marisa Monte há tempos, Nazaré sempre disse que "Marisa nasceu pronta". E continua se aprimorando. ................
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