Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade em ...

Psicologia: Teoria e Pesquisa Out-Dez 2010, Vol. 26 n. 4, pp. 717-724

Transtorno do D?ficit de Aten??o e Hiperatividade em Crian?as: Uma Revis?o Interdisciplinar

Let?cia de Faria Santos1 La?rcia Abreu Vasconcelos Universidade de Bras?lia

RESUMO ? O presente artigo revisa criticamente o amplo escopo da literatura relacionada aos crit?rios diagn?sticos, bases etiol?gicas e tratamentos farmacol?gico e comportamental do transtorno do d?ficit de aten??o e hiperatividade (TDAH) em crian?as. Foram consultadas as bases eletr?nicas MedLine, Lilacs, PsycINFO e PubMed nas ?ltimas tr?s d?cadas. Os resultados dessa revis?o apontam para uma predomin?ncia do crit?rio diagn?stico baseado no Manual Diagn?stico e Estat?stico das Doen?as Mentais, bem como a necessidade de uma maior intera??o entre vari?veis biol?gicas e comportamentais na compreens?o das bases etiol?gicas e de tratamento deste transtorno. Sugest?es para maximizar a efic?cia desta intera??o s?o apresentadas e discutidas.

Palavras-chave: transtorno do d?ficit de aten??o e hiperatividade (TDAH); revis?o; etiologia; tratamentos.

Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) in Children: An Interdisciplinary Review

ABSTRACT ? This article critically reviews the broad scope of literature related to diagnostic criteria, the etiological basis as well as the pharmacological and behavioral treatments of the Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) in children. The electronic databases Medline, LILACS, PsycINFO and PubMed of the last three decades were consulted. The results of this review indicated a predominance of diagnostic criteria based on the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, and the necessity of an increased interaction between biological and behavioral variables in understanding the etiological basis and treatment of this disorder. Suggestions to maximize the effectiveness of this interaction are presented and discussed.

Keywords: attention deficit hyperactivity disorder (ADHD); review; treatments.

O Transtorno de D?ficit de Aten??o e Hiperatividade (TDAH) ? hoje um dos temas mais estudados em crian?as em idade escolar. Estima-se que ele apresente uma das principais fontes de encaminhamento de crian?as ao sistema de sa?de (Barkley, 2008). A compreens?o conjunta das bases biol?gicas e comportamentais que contribuem para o desenvolvimento e manuten??o dos comportamentos cl?ssicos deste transtorno parece ser fundamental para a implementa??o de terapias mais eficazes. Ademais, a alta freq??ncia de diagn?sticos de TDAH (e.g., Louz? Neto, 2010) conduz a uma reflex?o cr?tica do processo de avalia??o, interven??o, al?m de pr?ticas educativas no acompanhamento de crian?as e jovens tanto na fam?lia como no sistema de educa??o. As mudan?as na fam?lia, a sofistica??o do sistema de comunica??o, o alto n?mero de crian?as e jovens por sala de aula constituem-se apenas em alguns dos potenciais fatores que podem contribuir para o desenvolvimento de comportamentos de risco, os quais podem ser precipitadamente classificados em diagn?sticos psiqui?tricos (e.g., Neves, 2008).

Embora o termo TDAH seja correntemente utilizado em contextos cl?nicos, acad?micos, familiares e sociais, esta nomenclatura sofreu grandes altera??es nas ?ltimas d?cadas, sobretudo em fun??o de uma melhor compreens?o de suas bases etiol?gicas e de tratamento.

1 Endere?o para correspond?ncia: Universidade de Bras?lia, Instituto de Psicologia, Departamento de Processos Psicol?gicos B?sicos, Laborat?rio de An?lise do Comportamento. Bras?lia, DF, Brasil, 70910-900 E-mail: lefariasantos@

Hist?rico da Nomenclatura e Etiologia do TDAH

As constantes altera??es na nomenclatura e compreens?o do TDAH parecem representar diferentes focos das pesquisas de cada ?poca com suas diferentes explica??es (Phelan, 2005; Rohde, Barbosa, Tramontina, & Polanxzyk, 2000). Em 1865, as primeiras refer?ncias ? hiperatividade e ? desaten??o n?o foram publicadas em literatura m?dica (Barkley, 2008; Rohde & cols., 2000; Rohde & Halpern, 2004). Apenas em 1902, a primeira descri??o do transtorno foi apresentada pelos pediatras ingleses George Still e Alfred Tredgold (Barkley, 2008; Rohde & Halpern, 2004), quais denominaram essa altera??o de defeito na conduta moral acompanhado de inquieta??o, desaten??o e dificuldades diante de regras e limites.

No in?cio do s?culo XX, o interesse pelo TDAH parece ter sido curiosamente despertado em decorr?ncia de um surto de encefalite ocorrido na Am?rica do Norte entre os anos de 1917 e 1918. As crian?as que sobrevieram ? encefalite passavam a apresentar grande parte da sintomatologia que hoje faz parte do diagn?stico de TDAH, incluindo inquieta??o, desaten??o e impulsividade. Embora n?o conclusivos e com uma terminologia marcadamente m?dica, diversos trabalhos foram publicados a respeito (para revis?o recente, ver Barkley, 2008).

No final da d?cada de 1930 e por todo o per?odo da segunda guerra mundial, in?meros casos de traumas cerebrais, acompanhados de sinais de desaten??o, inquieta??o e impaci?ncia, pareciam se beneficiar deste tratamento. O transtorno

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foi denominado de Les?o Cerebral M?nima, sendo explicado a partir de uma les?o do Sistema Nervoso Central (Benczik, 2002). Os sintomas eram semelhantes aos causados por infec??o ou dano cerebral (Schwartzman, 2001). O fato de os primeiros tratamentos farmacol?gicos com estimulantes aliviarem o quadro encorajou diversos estudiosos na proposi??o de alguma rela??o com altera??es no sistema nervoso.

Em 1962, diante da dificuldade de correlacionar os sintomas com uma determinada les?o cerebral, a Disfun??o Cerebral M?nima e suas altera??es comportamentais passaram a ser explicadas por disfun??es em vias nervosas (Rohde & cols., 2000; Benczik, 2002), n?o sendo mais apoiada em uma les?o cerebral. Em 1968, o Manual Diagn?stico e Estat?stico das Doen?as Mentais ? DSM-II ? incluiu as "desordens comportamentais da inf?ncia e adolesc?ncia" e passou nomear esse transtorno de Rea??o Hipercin?tica ? n?veis excessivos de atividade. O DSM-III (APA, 1980), na d?cada de 1970, introduziu a denomina??o Dist?rbio do D?ficit de Aten??o (DDA) com ou sem hiperatividade. Era consenso priorizar a desaten??o, embora a hiperatividade fosse a classe de comportamentos enfatizada. Em 1987, o DSM-III-R, voltou a enfatizar a hiperatividade e alterou novamente a nomenclatura para Dist?rbio de D?ficit de Aten??o e Hiperatividade.

Em 1993, a Classifica??o Internacional de Doen?as ? CID-10 (OMS, 1993) manteve a nomenclatura do DSM-II de Transtornos Hipercin?ticos. A vers?o revisada do DSM-IV-RTM, apresentada em 1994, (APA, 2003), acrescentou aspectos cognitivos como o d?ficit de aten??o e a falta de autocontrole ou impulsividade. De acordo com o DSM-IV-RTM, a tr?ade sintomatol?gica passou a incluir desaten??o, hiperatividade e impulsividade. O transtorno passou a ser denominado de Dist?rbio do D?ficit de Aten??o/Hiperatividade ? ADHD (Attention-Deficit Hiperactivity Disorder). A nomenclatura brasileira utilizada ? de Transtorno de D?ficit de Aten??o e Hiperatividade (Barkley, 2008; Benczik, 2002).

Epidemiologia

Estudos epidemiol?gicos indicam que 3% a 7% das crian?as norte-americanas com idade escolar apresentam TDAH (Goldman, Genel, Bezman, & Slanetz, 1998; Pastor & Reuben, 2002). No Brasil, alguns estudos em popula??es de crian?as brasileiras em idade escolar corroboram estes ?ndices (Guardiola, Terra, Ferreira & Londero, 1999; Rohde & cols., 1998; Souza, Serra, Mattos, & Franco, 2001; Freire & Pond?, 2005).

O transtorno apresenta uma preval?ncia de 9:1 de meninos para meninas, em amostras cl?nicas (Barkley, 2002; Rohde & Halpern, 2004a), e uma propor??o de 3:1 em amostras populacionais em geral (Offord & cols., 1992; Barkley, 1998; Rohde & Halpern, 2004). Vale ressaltar que os estudos epidemiol?gicos referem-se ? faixa et?ria dos 7 aos 14 anos de idade (Rohde & Mattos, 2003), embora ele possa persistir durante a vida adulta, conforme observado por Biederman e Faraone (2005). De fato, a persist?ncia do TDAH em adolescentes e adultos vem sendo relatada em alguns estudos longitudinais, ainda que a taxa de preval?ncia seja inconsistente. A preval?ncia do TDAH em adultos na popula??o geral varia de 2,5% a 8% (Kessler, Chiu, Demler,

Merikangas & Walters, 2005; Kooij & cols., 2005; Rohde & cols., 1998;). De acordo Barkley (2002) e Biederman e Faraone (2005), cerca de 60% a 70% das crian?as com TDAH apresentar?o o diagn?stico na vida adulta.

Dign?stico

O diagn?stico do TDAH ? fundamentalmente cl?nico (Ara?jo, 2002; Rohde & cols., 2000), usualmente apoiado em crit?rios operacionais de sistemas classificat?rios como o DSM?IV-RTM e o CID-10 (OMS, 1993), com o aux?lio de exames neurol?gicos (Barkley & cols., 2002; Rohde & Halpern, 2004).

O crit?rio do DSM-IV-RTM envolve a an?lise da freq??ncia, intensidade, amplitude (persist?ncia em mais um contexto) e dura??o (pelo menos seis meses) da tr?ade sintom?tica desaten??o-hiperatividade-impulsividade. A desaten??o se manifesta por mudan?as freq?entes de assunto, falta de aten??o no discurso alheio, distra??o durante conversas, desaten??o ou n?o cumprimento de regras em atividades l?dicas, altern?ncia constante de tarefas, al?m de relut?ncia no engajamento de tarefas complexas que exijam organiza??o. A hiperatividade caracteriza-se pela fala, movimenta??o diurna e noturna (durante o sono) de forma excessiva, dificuldade de ficar sentado, enquanto a impulsividade envolve o agir sem pensar, mudan?a de atividades, dificuldade de organizar trabalhos, necessidade de supervis?o e dificuldade do sujeito esperar sua vez em atividades l?dicas ou em situa??es de grupo. Estes sintomas devem ser acompanhados de preju?zos significativos no desenvolvimento do indiv?duo (crit?rio funcional), estar presentes em pelo menos dois (crit?rio contextual) e ocorrer antes dos sete anos (crit?rio temporal, um marcador n?o excludente). O diagn?stico deve ser refeito a cada semestre, sugerindo aspecto din?mico e transit?rio do transtorno. A rela??o entre desaten??o, hiperatividade e impulsividade, no transcorrer dos ?ltimos seis meses, pode resultar em diferentes subtipos de diagn?stico de TDAH e a marca??o temporal de seis meses parece ser importante.

De acordo com o DSM-IV-RTM (APA, 2003) tr?s subtipos do transtorno foram definidos para o TDAH, com predom?nio de: (1) desaten??o, (2) hiperatividade/impulsividade e (3) combinado. Assim, ? poss?vel um diagn?stico que acuse a presen?a ou n?o de hiperatividade. O TDAH Combinado se caracteriza pela presen?a de seis ou mais sintomas de desaten??o e seis ou mais sintomas de hiperatividade-impulsividade. A maior incid?ncia em crian?as e adolescentes ? do tipo Combinado, n?o havendo dados acerca dos adultos (APA, 2003). O TDAH predominantemente Desatento ? caracterizado por seis ou mais sintomas de desaten??o e por menos de seis sintomas de hiperatividade-impulsividade. O TDAH predominantemente Hiperativo-Impulsivo deve preencher seis ou mais sintomas de hiperatividade-impulsividade e menos de seis sintomas de desaten??o.

Os subtipos parecem apresentar caracter?sticas cl?nicas distintas e perfil de comorbidade. Faraone, Biedreman, Weber e Russell (1998) constataram que o subtipo TDAH Combinado apresentava maiores preju?zos funcionais do que os demais, sendo que o subtipo TDAH Desatento exige maior aux?lio extraclasse, no que se refere ?s atividades acad?micas.

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D?ficit de aten??o e hiperatividade

S?o preju?zos funcionais, observados no TDAH Desatento d?ficits de aprendizagem mais intensos, mais freq?entes nas mulheres. As crian?as apresentam maior isolamento social e retraimento, somado ?s altas taxas de depress?o e ansiedade (Rohde & cols., 2000). O TDAH Combinado apresenta maior comprometimento nas rela??es sociais, reagindo de forma mais agressiva em situa??es aversivas e no contexto acad?mico (Millstein, Wilens, Biederman, & Spencer, 1997; Murphy, Barkley, & Bush, 2002). De forma semelhante, o subtipo TDAH Hiperativo/impulsivo apresenta um maior comprometimento nos relacionamentos sociais e ?ndices mais elevados de agressividade e de transtorno de conduta (Millstein & cols., 1997; Murphy & cols., 2002; Souza, Serra, Mattos & Franco, 2001).

De acordo com Rohde e Halpern (2004,) embora se observem nomenclaturas distintas, o sistema classificat?rio CID-10, com o Transtorno Hipercin?tico, e o DSM-IV-TRTM, com o Transtorno de D?ficit de Aten??o e Hiperatividade, apresentam mais similaridades do que discord?ncias nas diretrizes diagn?sticas. O TDAH pode manifestar-se isoladamente apesar da alta incid?ncia de comorbidades, isto ?, a simultaneidade de ocorr?ncia de dois ou mais transtornos ou outros problemas org?nicos (Rohde & Benxzik, 1999). A avalia??o da comorbidade ? necess?ria no processo de implementa??o de tratamentos farmacol?gicos, considerando que este fator pode resultar em maiores perturba??es comportamentais e progn?sticos desfavor?veis (Biederman, Spencer & Wilens, 2004; Rohde, Zeni, Polanczyk & Hutz, 2004a).

Os altos ?ndices de comorbidade no diagn?stico do TDAH, em aproximadamente 50% dos casos, envolvem riscos tanto para o diagn?stico diferencial quanto para o tratamento (Barkley, 1998; Mattos, 2005). A mais freq?ente comorbidade com TDAH ? o Transtorno de Conduta e Transtorno Opositor Desafiante (APA, 2003; Bierderman, Newcorn & Sprich, 1991) com aproximadamente 30% a 50%. Na popula??o brasileira, um ?ndice semelhante foi encontrado de 47,8% com Transtornos Disruptivos em adolescentes (Rohde & cols., 1999), seguidos por Transtornos de Ansiedade, em torno de 25% (APA, 2003; Biederman & cols., 1991; Jessen, Hinshaw & Kraemer, 2001; Rohde & cols., 1998; Rohde & cols., 2004b); Depress?o, com varia??o de 15% a 20% (APA, 2003; Biederman & cols., 1991; Rohde & cols., 1998; Jessen & cols., 2001) e Transtorno de Aprendizagem com varia??o de 10% a 20%. Este Transtorno inclui outros como de leitura (Dislexia), de matem?tica (Discalculia), e de express?o (Disgrafia) (APA, 2003; Jessen 2001; Polanchzyk & cols., 2005; Rohde & cols., 1998; Rohde & cols, 2004b; Souza & cols., 2001). Observa-se ainda em menor grau os Transtornos de Humor (APA, 2003; Jessen & cols., 2001; Rohde & cols, 2004b), de personalidade (Barkley, 1998), a Enurese, al?m de tiques (Biederman, Wilens, Mick, Spencer & Faraone, 1999).

Etiologia

O TDAH parece resultar de uma combina??o complexa de fatores gen?ticos, biol?gicos, ambientais e sociais. Ao destacarem fatores gen?ticos no TDAH, alguns estudos indicam marcadores fenot?picos familiares (Todd, 2000),

bem como marcadores gen?ticos (Biederman & Faraone, 2005; Faraone & cols., 2005; Rohde & cols., 2004a) sendo a transmiss?o poligen?tica tamb?m considerada (Rohde & Halpern, 2004; Todd, 2000; Rohde & cols., 2004a; Thapar, Holmes, Poulton & Harreington, 1999). O fator biol?gico da transmiss?o do TDAH tem sido demonstrado em estudos comparativos de g?meos monozig?ticos e dizig?ticos, que n?o residem em uma mesma cidade, e filhos adotivos (Kazdin & Kagan, 1994; Johnston & Mash, 2001; Michelson & cols., 2001; Rutter & Sroufe, 2000). Recorr?ncias familiares t?m revelado um alto ?ndice de influ?ncia heredit?ria, de 25,1% a 95% (Biederman, Faraone, Keenan, Knee & Tsuang, 1990; Biederman & Faraone, 2005; Faraone & cols., 2005; Thapar & cols., 1999), contra 4,6% da popula??o geral. Vale ressaltar que os estudos gen?ticos envolvendo TDAH n?o excluem as influ?ncias culturais, familiares e exposi??es a eventos estressantes (Biederman & Faraone, 2005; Rotta, 2006; Rohde & Halpern, 2004).

Altera??es nos substratos neurais que regulam as fun??es executivas tamb?m t?m sido consideradas na etiologia do TDAH (Szobot & Stone, 2003; Barkley, 1997; Faraone & cols., 1998; Barkley, 2008). Segundo o modelo Barkley (1997), a desaten??o no TDAH deriva do mau funcionamento das fun??es executivas, caracterizando-se principalmente por uma dificuldade em inibir comportamentos e de controlar as interfer?ncias. As conseq??ncias da falha neste processo inibit?rio seriam respons?veis pelas sintomatologias de baixa toler?ncia ? espera, alta necessidade de recompensa imediata, falta de um comportamento governado por regras, falha na previs?o das conseq??ncias e emiss?o de respostas r?pidas, por?m imprecisas (Barkley e cols., 2008, Strayhorn, 2002). Estas sugest?es t?m sido corroboradas por estudos de neuroimagem (Barkley, 2002; Guardiola & cols., 1999) e por modelos cognitivos e neuropsicol?gicos (Satterfield & Dawson, 1971; Sonuga-Barke, 2002; Szobot & Stone, 2003).

Do ponto de vista neuroqu?mico, parece haver consenso da participa??o predominante da dopamina e da noradrenalina, sobretudo pelo fato das principais drogas utilizadas no tratamento do TDAH atuarem como agonistas indiretos desses neurotransmissores, a exemplo dos psicoestimulantes da classe das anfetaminas (p.ex., metilfenidato. O reconhecido papel exercido pela noradrenalina na aten??o e da dopamina nos centros motores refor?am essa id?ia.

Tratamentos e Diretrizes Futuras

O tratamento do TDAH requer uma abordagem m?ltipla, englobando interven??es psicoter?picas e farmacol?gicas (Anastopoulos, Rhoads & Farley, 2008) com a participa??o de m?ltiplos agentes sociais como pais, outros familiares, educadores, profissionais de sa?de, al?m da pr?pria crian?a.

Tr?s tipos de tratamento do TDAH t?m sido empregados: farmacol?gico, terapia comportamental e a combina??o das terapias farmacol?gica e comportamental (Swanson & cols., 2001), sendo este ?ltimo considerado como a forma mais eficaz (Jessen, 2001).

Nos anos 1930, pesquisas mostraram que drogas estimulantes como o Metilfenidato e Pemoline aumentavam o n?vel de catecolaminas no c?rebro, normalizando temporariamente

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os comportamentos cl?ssicos do TDAH (Smith & Strick, 2001; Zametkin & Rapoport, 1987). Segundo Barkley e cols. (2008), a adi??o de f?rmacos estimulantes promove uma ameniza??o dos sintomas motores, impulsividade e desaten??o e uma eleva??o das intera??es sociais e desempenho acad?mico.

A compreens?o do princ?pio ativo do Metilfenidato, f?rmaco freq?entemente utilizado no tratamento do TDAH ? o principal suporte para a teoria da hipofun??o dopamin?rgica, por promover um aumento de dopamina na fenda sin?ptica em regi?es como o striatum (Biederman & Spencer, 1999; Thapar & cols., 1999; Vaidya e cols., 1998) e, conseq?entemente, uma diminui??o dos efeitos caracter?sticos do TDAH. Contudo, o envolvimento destes neurotransmissores parece ser bem mais complexo, sendo sens?veis aos tipos de receptores envolvidos e ?s regi?es cerebrais envolvidas (Biederman & Spencer, 1999).

Outros f?rmacos com comprovada a??o noradren?rgica t?m se mostrado eficazes no tratamento do TDAH, apoiando a hip?tese noradren?rgica na modula??o do Transtorno (Bierdeman & Spencer, 1999). Portanto, tratamentos farmacol?gicos, especialmente com base na administra??o de subst?ncias psicoestimulantes, como o Metilfenidato e Pemoline, t?m se mostrado ?teis, sendo os f?rmacos mais utilizados no tratamento do TDAH. Os antidepressivos tric?clicos (Imipramina, Desipramina, Amitriptilina, Clomipramina), agonistas de receptores do tipo a2 (Clonidina, Guanfacina), agonista de noradrenalina e Atomoxetina, Modafinil e Bupropiona tamb?m s?o utilizados no tratamento de TDAH embora n?o sejam as medica??es de primeira linha (Biederman & Faraone, 2005; Guardiola & cols, 1999; Segenreich e Mattos, 2004).

Nos Estados Unidos, os estimulantes aprovados pela U.S. Food and Drug Administration (FDA) s?o: o Metilfenidato, (composto de sais de sulfato de anfetamina e dextroanfetamina), a Pemoline de magn?sio e as anfetaminas (Rotta, 2006; Correia Filho & Pastura, 2003). No Brasil, o ?nico psicoestimulante dispon?vel ? o Metilfenidato, (Ritalina? e Concerta?) com duas formas de a??o, curta e longa. A medica??o de curta dura??o ? comercializada com o nome de Ritalina?, na apresenta??o convencional de 10 mg, com uma dura??o de 3 a 4 horas. A Ritalina? tem sistema de libera??o em dois pulsos, mimetizando o esquema do Metilfenidato de curta-a??o quando administrado duas vezes ao dia (Correia Filho & Pastura, 2003; Rotta, 2006). Entretanto, a Ritalina LA?, possui tr?s apresenta??es 20 mg, 30 mg e 40 mg, com dura??o de 6 a 8 horas, sendo comum apenas uma administra??o di?ria. A efic?cia de ambas as formula??es ? similar (Wilson, Cox, Merkel, Moore & Coghill, 2006) Desta forma, a Ritalina LA? se diferencia da Ritalina? pelo tempo de a??o.

Com um tempo de a??o superior ao da Ritalina LA ?, o Concerta?, com apresenta??es de 18 mg, 36 mg e 54 mg, possui tempo de a??o de 10 a 12 horas. Seu sistema de libera??o osm?tica oral (OROS) permite uma libera??o constante, evitando varia??es de concentra??o plasm?tica. Os medicamentos de uso prolongado apresentam vantagens no que se refere ? manuten??o dos efeitos terap?uticos ao longo do dia e diminui??o dos efeitos colaterais (Heger & cols. 2006), al?m de favorecer a ades?o terap?utica e evitar o

uso da medica??o na escola (Correia Filho & Pastura, 2003; Heger & cols. 2006; Rotta, 2006).

A efic?cia do uso destes psicoestimulantes no tratamento do TDAH tem sido sustentada por dados que indicam melhora no desempenho em teste de tempo de rea??o e de aten??o concentrada, bem como no teste cl?nico da onda P300 (Klorman, 1991; Lousier, McGranth, & Klein, 1996; Sonneville, Njiokikjien & Bos, 1994; Sykes, Dougkas & Morgentersn, 1972; Van der Meere, Boudewijn, & Stemerdink, 1996).

A medica??o tem sido utilizada nos per?odos escolares, sendo comumente suspensa aos finais de semana e f?rias. A interrup??o visa amenizar os efeitos colaterais de longo prazo e, em curto prazo, os efeitos secund?rios. Entre os efeitos de curto prazo mais freq?entes, observa-se a redu??o de apetite, anorexia, ins?nia, ansiedade, irritabilidade, labilidade emocional, cefal?ia e dores abdominais. Com menor freq??ncia verificam-se altera??es de humor, tiques, pesadelos e isolamento social (Barkley, McMurray, Edelbrock & Robbins, 1990; Rohde & Mattos, 2003; Wilens & cols., 2003). Com a freq??ncia mais baixa, contudo, envolvendo alta periculosidade, verificou-se a psicose como efeito do uso do Metilfenidato (Schteinschnaider & cols., 2000).

No sistema de educa??o brasileiro n?o ? incomum a presen?a de professores em sala de aula diagnosticando de maneira intuitiva os estudantes que apresentam padr?es de comportamentos que perpassam o TDAH. Essas crian?as s?o fonte de medo e inseguran?a por parte dos educadores por n?o terem uma ampla vis?o de desenvolvimento ou de estrat?gias pedag?gicas que favorecem a aprendizagem daqueles que se mostram diferentes ou que desafiam uma rotina escolar.

A despeito da grande efic?cia anunciada do tratamento farmacol?gico (e.g. Bierdeman & Spencer, 1999, Van der Meere, Boudewijn, & Stemerdink, 1996), o tratamento psicoter?pico tem se mostrado ?til ao trabalhar com todo o contexto social da crian?a diagnosticada (pais e professores). Toda e qualquer intervens?o psicol?gica ? realizada no campo das rela??es do organismo com o ambiente. O terapeuta fornecer? informa??es sobre o TDAH, promovendo altera??es ambientais que favore?am o desenvolvimento da crian?a. A intera??o terapeuta-pais voltada para as pr?ticas educativas ? um dos alvos com os resultados mais positivos (Rohde & Halpern, 2004), auxiliando na altera??o de pr?ticas educativas aversivas (Benczik, 2002). A educa??o sobre o transtorno para as crian?as, pais e professores constitui uma parte fundamental das terapias comportamental e ou cognitivas.

A an?lise do comportamento, al?m de promover uma interven??o psicoeducativa, contribui de forma significativa, para o estudo desta s?ndrome ao demonstrar que manipula??es nas vari?veis ambientais podem promover altera??es nos padr?es comportamentais de impulsividade, hiperatividade e desaten??o (Bernado, 2004). A identifica??o destas vari?veis contribui para desfazer r?tulos pr?vios que freq?entemente acompanham as crian?as e que n?o favorecem um engajamento em novas conting?ncias e o desenvolvimento de novos padr?es comportamentais. Baseado na an?lise funcional e hist?rica dos comportamentos apresentados pela crian?a com TDAH, diversas t?cnicas t?m se mostrado ?teis. O sistema de pontos, refor?amento diferencial, custo da resposta, tarefas para casa, modela??o e dramatiza??o tem sido as mais utilizadas (Knapp, Johannpeter, Lyszkowski & Rohde, 2002).

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D?ficit de aten??o e hiperatividade

A terapia cognitiva apoia-se na compreens?o de que o TDAH ? fun??o de um quadro de defici?ncia de estrat?gias cognitivas. Para tal, prioriza o seu desenvolvimento por meio de interven??es como: auto-instru??o, registro de pensamentos disfuncionais, solu??o de problemas, auto-monitoramento, auto-avalia??o e planejamento e cronogramas.

Considerando a complexidade das diversas vari?veis determinantes do TDAH, o atendimento de crian?as com este diagn?stico tem sido feito preferencialmente por equipes multidisciplinares, sendo importante ressaltar que as concep??es de desenvolvimento influenciam a avalia??o e interven??o (Bijou & Baer, 1978; Bijou & Baer, 1978b). Ao considerar este ponto, vale ressaltar que os analistas do comportamento n?o adotam teoria do desenvolvimento, para estes, o desenvolvimento humano ? resultado de intera??es din?micas e bidirecionais entre o indiv?duo ativo e o ambiente f?sico e social, incluindo a fam?lia, escola e os centros de sa?de. Desta forma, a a??o do organismo altera aspecto do ambiente, os quais retroagem sobre as a??es do organismo (Skinner, 1957/1978).

Na an?lise do comportamento, o conjunto de todas as intera??es do organismo e seu ambiente ir? compor a hist?ria de desenvolvimento, sendo essa ideogr?fica. Contudo, este conjunto de mudan?as nas intera??es organismo-ambiente promove rela??es funcionais que podem ser favor?veis ou de risco, para o organismo e seu ambiente (Rosales-Ruiz & Baer, 1996). A exemplo, crian?as com diagn?stico TDAH apresentam uma hist?ria com m?ltiplas intera??es bidirecionais entre o organismo e ambientes f?sico e social o qual refor?ou (produziu) e mant?m um padr?o comportamental de desaten??o, impulsividade e/ou hiperatividade.

Um trabalho interdisciplinar entre a neuroci?ncia e os analistas do comportamento pode favorecer interven??es cl?nicas construindo novos padr?es de aten??o, autocontrole e engajamento em atividades de alto custo, favorecendo a adapta??o do sujeito com diagn?stico de TDAH em seu ambiente social, escolar e familiar. Kennedy, Caruso e Thompson (2001) afirmam que os conhecimentos desenvolvidos pela neuroci?ncia podem favorecer os analistas do comportamento na aplica??o de seus conhecimentos. De forma similar, a neuroci?ncia pode ser beneficiada com alguns dados desenvolvidos pelos analistas do comportamento que demonstram o efeito de vari?veis ambientais, como a aten??o social no ambiente escolar produzindo a atenua??o dos sintomas (Kodak, Northup & Kelley, 2007) ou o controle verbal sobre os comportamentos classificados como inapropriados (Falcomata & cols., 2008).

A abordagem funcional que direciona toda an?lise cl?nica desenvolvida por analistas do comportamento tamb?m ? fundamental para o diagn?stico do transtorno de TDAH. Uma vez que este ? essencialmente cl?nico (Ara?jo, 2002; Rohde & cols., 2000), baseado em entrevistas com a crian?a e parentes. A entrevista que subsidia a an?lise cl?nica do m?dico ir? se apoiar em descri??es comportamentais das crian?as, em diversos contextos e o impacto destes comportamentos nos contextos familiar, escolar e social em geral.

Futuras pesquisas que envolvam as rela??es entre os comportamentos, pr?ticas educativas, o universo midi?tico e arranjos familiares que mant?m os cl?ssicos padr?es de comportamentos caracter?sticos do TDAH podem

enriquecer sobremaneira a compreens?o das influ?ncias de determinadas conting?ncias comportamentais e metaconting?ncias presentes na hist?ria e manuten??o do Transtorno de D?ficit de Aten??o/Hiperatividade. Nas trocas interdisciplinares entre a psicologia e a medicina, ressalta-se que o diagn?stico psiqui?trico no contexto contempor?neo ? caracterizado por um "diagn?stico continuado", a partir de v?rias sess?es de observa??o e de trocas interdisciplinares entre a psiquiatra e a psicologia, no transcorrer do processo de desenvolvimento de crian?as e jovens (Ciasca, 1994). H? riscos em posi??es extremas do continuum de diagn?stico ? do nunca diagnosticar ao sempre diagnosticar. O equilibro neste continuum depender? de trocas efetivas entre profissionais de sa?de, educa??o, al?m da fam?lia visando a promo??o da sofistica??o do repert?rio comportamental das crian?as e jovens, para al?m de uma vis?o linear de elimina??o de comportamentos inapropriados (e.g., Goldiamond, 2002).

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